Música Linguagem e Movimento
Música Linguagem e Movimento
Música Linguagem e Movimento
LINGUAGEM E
MOVIMENTO
Propostas para Crianças Pequenas a partir da
perspectiva da abordagem Orff-Schulwerk
ISBN 978-65-86498-08-0
Inclui bibliografia
1
Orff understood that the language of words could be a useful tool in constructing a meaningful language of tones and rhythms and that
language could be a music in itself entirely separate from its sense”
Movimento
O processo “Elementar” da Orff-Schulwerk, relacionado à expressividade bruta e inerente, encontra seu
espaço nas mais diversas práticas e linguagens artísticas, imprimindo como base dessa educação corporal o desejo
natural da criança em se movimentar, brincar e explorar. Assim, a Dança Elementar parte do princípio rítmico e
é orientada por meio da experiência e aprendizagem prática, encorajando a expressividade individual e o
desenvolvimento social (HASELBACH, 2009; HASELBACH, 2011).
Apesar de muitas culturas possuírem o movimento e a dança como elementos naturais, as sociedades mais
civilizadas parecem ter descartado essa realidade e criado uma quebra na característica infantil de se movimentar
e se expressar corporalmente. A abordagem
Orff-Schulwerk retoma essas práticas e
explorações como vias para o
desenvolvimento de caminhos criativos,
emocionais, expressivos e reflexivos sobre os
fenômenos musicais. A partir da mediação em
Dança Elementar, a criança está imersa em
conceitos como o pulso, métrica, rítmica e
forma, fazendo com que o corpo seja o local no
qual estes elementos, muitas vezes abstratos,
possam ser sentidos e mapeados (GOODKIN,
2013; COOGAN, 2014).
Dentre outras experiências no campo
da Dança Elementar, Haselbach (2009) elenca o desenvolvimento dos aspectos físico, emocional, criativo e
experimental a partir da improvisação e composição de coreografias. Consequentemente, a criança teria a
possibilidade de explorar habilidades criativas e cooperativas por meio da integração do corpo com objetos,
instrumentos de pequena percussão, pequenas peças instrumentais, canções, literatura e poesia, todas inseridas,
apresentadas e investigadas a partir de discursos significativos.
Outro aspecto bastante presente nas práticas pedagógico-corporais infantis, é a aprendizagem e
investigação de danças e passos tradicionais, possibilitando o reconhecimento e entendimento de diferentes
formas, culturas, lugares e épocas. Assim, a criança teria a possibilidade de analisar e compreender os elementos
da dança e do corpo por meio da prática e observação dessas diferentes manifestações.
Expressão vocal
No âmbito da Educação Musical, Carl Orff e Gunild Keetman não propuseram especificamente uma
iniciação no campo da percepção melódica. Entretanto, por meio de suas práticas, é possível perceber um processo
que normalmente se inicia na exploração das nuances da fala, parte para as primeiras ações de discriminação de
sons, e então definem-se os intervalos melódicos (WARNER, 1991).
O desenvolvimento do senso e percepção melódica, assim como em outros aspectos da abordagem da
Orff-Schulwerk, parte de um processo irrestrito e sem progressividade, considerando as características ativas,
criativas, reflexivas e participativas da aula, aliadas à expressão vocal da criança e ao material proveniente das
canções e brincadeiras tradicionais da cultura infantil.
Por meio do corpo, canto, escuta,
brincadeira e interação, a criança passa a
desenvolver a percepção melódica a partir da
discriminação de alturas, reconhecendo o
simples fato de dois sons serem diferentes.
Com a exploração e reflexão, o professor
apresenta e nomeia os registros de grave e
agudo, levando a criança a perceber aquilo que,
segundo Warner (1991, p. 77), normalmente
são reconhecidos como sons mais “suaves” (o
grave) e sons mais “intensos” (o agudo).
Uma vez percebidas alturas diferentes,
o processo natural no desenvolvimento da percepção melódica parte para a introdução de intervalos específicos.
A expressão natural da criança por meio do canto e da voz deve englobar o repertório tradicional da
realidade cultural na qual ela está inserida. Dessa forma, para este contexto educacional, considero os elementos
da música tradicional da infância brasileira, gênero cancioneiro que imprime a realidade infantil a partir das
dramatizações, brincadeiras e danças, relacionando-se com as ações de criar, jogar, pular, esconder e correr.
Este repertório caracteriza-se pela promoção de aspectos fundamentais para o desenvolvimento da criança
e para a transmissão e aproximação com a cultura a partir da voz, do movimento, das brincadeiras e dos desafios.
Processos didáticos
Os processos em Orff-Schulwerk referem-se às possibilidades de facilitação, desenvolvimento e
desdobramentos para atingir os mais variados objetivos elencados pelo grupo. A tarefa do professor em sala de
aula, consiste em mediar algumas dessas possíveis sequências de eventos com um certo de grau de autoconfiança,
conhecimento, imprevisibilidade e liberdade, abordando-as com atitudes positivas e ativas (SHAMROCK, 1990;
SOUSA, 2003).
Estas possibilidades e entendimentos a respeito dos processos de ensino/aprendizagem perpassam pelos
os elementos da abordagem Orff-Schulwerk e caminham entrelaçados às características da criança em suas
diferentes fases do desenvolvimento corporal, emocional, expressivo, criativo, imaginativo e interativo
(SHAMROCK, 1990).
PROPOSTAS E BRINCADEIRAS
Este pequeno caderno de propostas e brincadeiras surge como um conjunto de possibilidades para
inspirações, modificações e adequações às diferentes necessidades cultural e social da criança. É por
meio da brincadeira que florescemos os eixos mais naturais de aproximação com a Música e o Movimento,
partindo do pressusposto de uma aprendizagem fruitiva, livre, espontânea, ativa e criativa. Este livro
eletrônico não deve ser encarado como uma “receita de bolo”, mas como um dispositivo para utilização
das brincadeiras em sala de aula. São canções, parlendas e brincadeiras de domínio público e autoria
própria que envolvem música corporal, interatividade, criação coletiva, movimento, literatura, dentre
outras áreas. Os processos adotados para desenvolvimento das práticas são particulares aos mediadores.
Entretanto, a partir da perspectiva da abordagem Orff-Schulwerk, consideramos estratégias de
aproximação e revisitação das dinâmicas por meio da contação de histórias, representação, estímulos
visuais, dança, brincadeiras, sendo estas canções e atividades “abertas” à criatividade e espontaneidade
da sala de aula.
Fui à China (Domínio público)
O que é? Letra
Fui à China-na
“Fui à China” é um jogo de mão tradicional, no qual, originalmente, os Saber o que era China-na
participantes realizam movimentos específicos aos recitarem Todos eram China-na
determinadas palavras. A letra se repete, sempre utilizando as Ligue-ligue, ligue, China-na
sentenças “fui à”, “saber o que era”, “todos eram” e “ligue-ligue”.
Fui ao Halley
Saber o que era Halley
Todos eram Halley
Propostas para brincar Ligue-ligue, ligue, Halley
Fui ao clips
• Pense e ensine movimentos ou sons corporais específicos que Saber o que era clips
sigam ritmicamente as palavras que finalizam as sentenças. Todos eram clips
Ligue-ligue, ligue, clips
• Uma vez que estes sons e movimentos foram utilizados, pense em
Fui ao dancê-cê
mais um movimento ou som que represente o pulso das palavras
Saber o que era dancê-cê
iniciais das sentenças, exceto o trecho “ligue-ligue”. Todos eram dancê-cê
Ligue-ligue, ligue, dancê-cê
• Estabeleça um som ou movimento para o trecho “ligue-ligue”.
O que é? Letra
Cho-co
“Chocolate” é uma brincadeira de mão tradicional, que em alguns Cho-co
lugares também é conhecida como “soco-soco, bate-bate”. É possível La-la
utilizar outras palavras trissílabas ou polissílabas, substituindo a palavra
original chocolate. Cho-co
Cho-co
Te-te
O que é? Letra
Na festa da bicharada
“Festa da bicharada” é uma canção e brincadeira cumulativa, gênero Tinha um macaco
textual caracterizado por possuir padrões construídos de forma Chamado pelo leão,
gradativa e adicional, onde a cada novo momento aparece uma nova Mas o leão não foi convidado.
personagem ou acontece um novo evento.
Na festa da bicharada
Tinha uma zebra
E tinha um macaco
Propostas para brincar Chamado pelo leão,
Mas o leão não foi convidado.
• Escolha um movimento ou som corporal para as sílabas de cada
Na festa da bicharada
animal da canção. Tinha uma girafa
E tinha uma zebra
• Pense em um número maior de participantes para esta festa. O E tinha um macaco
desafio é lembrar cada movimento e cada animal no decorrer da letra. Chamado pelo leão,
Mas o leão não foi convidado.
• É possível brincar em silêncio, em uma dinâmica de movimentos
...
cumulativos.
Arroz com lentilha (Domínio público)
O que é? Letra
Pão, pão,
“Arroz com lentilha” é um texto baseado na rítmica da parlenda norte- Leite, pão
americana “Criss, cross, applesauce”. É uma brincadeira que pode ser Pão, pão
feita em forma de ditado rítmico, interação com movimentos e/ou Leite, pão
percussão corporal (baseado nos ensinamentos de Doug Goodkin).
Pão, pão
Leite, pão
O que é? Letra
Gelatina colorida
“Gelatina colorida” é um desafio de roda que implica em uma Gelatina colorida
brincadeira com movimentos. As crianças escolhem cores para sua Gelatina colorida
gelatina, sem poder repeti-lás. Depois, passam a perceber É bom demais!
movimentos elementares como: sentar, derreter, levantar e andar.
Tem azul,
Tem vermelho,
Tem amarelo,
Propostas para brincar Gelatina é bom demais!
Tem _______
• Estabeleça um pulso para a recitação do texto e utilize uma percussão Tem _______
corporal simples para isso. Tem _______
Gelatina é bom demais!
• Em roda, os alunos gradativamente acrescentam e escolhem uma cor
...
para a sua gelatina. Não pode repetir, e cada aluno fala uma cor.
• A cada três alunos, todos do grupo falam: “gelatina é bom demais”.
• Há uma melodia para exploração de movimentos elementares, como
sentar, derreter, levantar e andar. Dê um enfoque para o derreter,
baseado na consistência da sobremesa “gelatina”.
Bum, bum ti-á (Cassiano Santos)
O que é? Letra
Bum, bum
“Bum, bum ti-á” é uma brincadeira de exploração de timbres, com Ti-á
enfoque na percussão corporal. É possível transpor os rítmos e sons
para diferentes instrumentais e dinâmicas com movimentos e objetos. Bum, bum
Ti-ê
Mão no nariz,
Outra mão na orelha
Propostas para brincar Se prepare “pra” mexer (2x)
Bum, bum, ti
• Cada sílaba da canção corresponde a um som corporal, que acompanha Bum, bum, à
as diferentes rítmicas das seções. Bum, bum, ti-à
Bum, bum, ti-à
• Faça a percepção de sons grave, médio e agudo. Normalmente
Bum, bum, ti
utilizamos “Bum (grave)”; Ti (agudo); Á/Ê (médio).
Bum, bum, ê
• Você pode transpor essa rítmica e timbres para instrumentos de Bum, bum, ti-ê
Bum, bum, ti-ê.
percussão, movimentos e objetos.
...
• É possível rearranjar os tímbres com diferentes rítmicas. Os alunos
podem sequenciá-los e explorá-los da maneira que julgarem mais
criativa.
Auaiu-aiapé (Cassiano Santos)
O que é? Letra
Auaiu-aiapé
“Auaiu-aiapé” é uma canção que estimula poéticamente a realização Peteca, peteca, peteca
de movimentos, que podem ser rearranjados no decorrer da atividade. Auaiu-aiapé
Cada trecho da canção significa um movimento específico da língua Peteca, peteca, peteca
tupi-guarani (o material musical não é caractertísico do universo
ritualístico e artístico da etnia Tupi-Guarani). Cupe, Iandê
Cupe, Iandê
Apamorana
Propostas para brincar Jaçanã
Hu!
• Cada palavra representa um movimento, que pode ser executado em
diferentes formações e interações (individualmente, em grupo, em ...
O que é? Letra
Eu tiro um companheiro
• Pense na formação e interação para a atividade. Pode ser em roda, Mazu, mazu
fileiras, individual ou em duplas. Eu tiro um companheiro
Mazu, mazu, mazu
• Basta seguir os movimentos propostos pela letra, e interagir sempre
Eu danço engraçadinho
que requisitado.
Mazu, mazu
• É também uma brincadeira de escolha, principalmente quando dito “eu Eu danço engraçadinho
Mazu, mazu, mazu.
tiro um companheiro”.
• As crianças podem rearranjar e reorganizar os movimentos propostos
...
pela letra, por meio da composição de uma nova.
Caderno de partituras
Este caderno de partituras é um referencial para as abordagens em sala de aula.
Entretanto, não necessita ser estritamente seguido, uma vez que consideramos
modificações melódicas, rítmicas e harmônicas provenientes das criações coletivas ou
necessidades de adequação às realidades cultural e social das crianças.
.
ACESSO AO MATERIAL SONORO
NÃO RECOMENDAMOS O USO DIRETO DESTES AÚDIOS EM SALA DE AULA.
Estes exemplos são referências para o professor.
ACESSO TAMBÉM PODE SER FEITO PELO QR CODE.
1. Fui à China
YouTube: https://youtu.be/aSGMSBm6UkA
2. Chocolate
YouTube: https://youtu.be/SiBrVr9EsNM
3. Festa da Bicharada
YouTube: https://youtu.be/e9Od5FXsSrY
5. Gelatina colorida
YouTube: https://youtu.be/lKR96u-EpQQ
6. Bum bum ti-á
YouTube: https://youtu.be/ef0UUtOQh9I
7. Auaiu-aiapé
YouTube: https://youtu.be/_dK8bsWjIeI
8. Mazu
YouTube: https://youtu.be/Xy-GzGONZBY
PALAVRAS FINAIS
Prezados professores,
Esperamos que este produto educacional seja útil em suas práticas pedagógico-musicais, servindo como incentivo
para o uso extensivo da brincadeira, coletividade, expressividade e criatividade em sala de aula. Além deste livro
eletrônico, boas referências a respeito do tema “Música e Movimento na Educação Infantil” são primordiais para
o desenvolvimento das dinâmicas com as crianças.
Também recomendamos a leitura da dissertação “MÚSICA E MOVIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
DIÁLOGOS POSSÍVEIS E CONEXÕES ENTRE A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM CRIANÇAS DE 5 ANOS A PARTIR DA PERSPECTIVA DA
ABORDAGEM ORFF-SCHULWERK”, na qual alguns processos metodológicos são descritos. Eles podem ser
úteis para suas práticas.
BOM TRABALHO!
Referências
BONA, M. Carl Orff: um compositor em cena. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Org.). Pedagogias em Educação
Musical. Curitiba: InterSaberes, 2011. p. 125-156.
FONTERRADA, M. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP,
2008.
GOODKIN, D. Play, sing and dance: an introduction to Orff-Schulwerk. 3ª ed. Nova Iorque: Schott Music, 2013.
HASELBACH, B. Thoughts about movement and dance in Orff-Schulwerk and Elemental Music and Dance
Education. Orff-Schulwerk Informationen. Salzburg, n. 82, p. 10-12, 2009. Disponível em: <http://www.orff-
schulwerk-forum-salzburg.org/deutsch/orff_schulwerk_informationen/pdf/Heft_Nr_82.pdf>. Acesso em: 25 de
abr. de 2020.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 8ª ed. Tradução de João Paulo Monteiro.
São Paulo: Perspectiva, 2018.
PORCHER, L. Educação Artística: luxo ou necessidade? Tradução de Yan Michalski. 7ª ed. São Paulo: Summus,
1982.
SHAMROCK, M. Process and improvisation in Orff-Schulwerk. In: CARDER, Polly. The Eclectic curriculum
in American Music Education. Reston: Ed. MENC, 1990. 19-21.
SOUSA, A. B. Educação pela Arte e Artes na Educação: bases psicopedagógicas. Lisboa: Edições Piaget,
2003
WARNER, B. Orff-Schulwerk: applications for the classroom. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 1991.