Na Mão de Deus Antero

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Grupo I

Parte A

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Leia o texto.

Numa dessas noites Fernando Pessoa bateu-lhe à porta, não aparece sempre
que é preciso quando aparece, a alguém, Grande ausência, julguei que nunca mais
o tornaria a ver, isto disse-lhe Ricardo Reis, Tenho saído pouco, perco-me facil-
mente, como uma velhinha desmemoriada, ainda o que me salva é conservar o tino
5 da estátua de Camões, a partir daí consigo orientar-me, (…).
Ricardo Reis acabara de beber o café, e agora debatia consigo mesmo se sim
ou não leria o poema que dedicara a Marcenda, aquele, Saudoso já deste verão
que vejo, e quando enfim se decidira e principiava o movimento de levantar-se do
sofá, Fernando Pessoa, com um sorriso sem alegria, pediu, Distraia-me, conte-me
10 outros escândalos, então Ricardo Reis não precisou de escolher, de pensar muito,
em três palavras anunciou o maior deles, Vou ser pai. Fernando Pessoa olhou-o
estupefacto, depois largou a rir, não acreditava, Você está a brincar comigo, e
Ricardo Reis, um tanto formalizado, não estou a brincar, aliás, não percebo esse
espanto, se um homem vai para a cama com uma mulher, persistentemente, são
15 muitas as probabilidades de virem a fazer um filho, foi o que aconteceu neste caso,
Das duas, qual é a mãe, a sua Lídia ou a sua Marcenda, salvo se ainda há uma
terceira mulher, com você tudo é possível, Não há terceira mulher, não casei com
Marcenda, Ah, quer dizer que da sua Marcenda só poderia ter um filho se casasse
com ela, É fácil concluir que sim, você sabe o que são as educações e as famílias,
20 Uma criada não tem complicações, Às vezes, Diz você muito bem, basta lembrar-
-nos do que dizia Álvaro de Campos, que muitas vezes foi cómico às criadas de
hotel, Não é nesse sentido, Então, qual, Uma criada de hotel também é uma
mulher, Grande novidade, morrer e aprender, Você não conhece a Lídia, Falarei
sempre com o maior respeito da mãe do seu filho, meu caro Reis, guardo em mim
25 verdadeiros tesouros de veneração, e, como nunca fui pai, não precisei de sujeitar
esses sentimentos transcendentais ao aborrecimento quotidiano, Deixe-se de iro-
nias, Se a sua súbita paternidade não lhe tivesse embotado o sentido da audição,
perceberia que não há nas minhas palavras qualquer ironia, Ironia, há, mesmo que
seja máscara doutra coisa, A ironia é sempre máscara, De quê, neste caso, Talvez
30 de uma certa forma de dor, Não me diga que lhe dói nunca ter tido um filho, Quem
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sabe, Tem dúvidas, Sou, como não deve ter esquecido, a mais duvidosa das

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pessoas, um humorista diria o mais duvidoso dos Pessoas, e hoje nem sequer me
atrevo a fingir o que sinto, E a sentir o que finge, Tive de abandonar esse exercício
quando morri, há coisas, deste lado, que não nos são permitidas
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Porto: Porto Editora, 2016, pp. 425-428.

1. Explicite de que forma este excerto evidencia uma viagem literária.

2. 
A partir da leitura do excerto e do seu conhecimento global da obra, indique duas dife-
renças entre Marcenda e Lídia, tendo em conta o relacionamento que Ricardo Reis
estabelece com cada uma delas.

3. Identifique, no texto, três marcas do discurso oralizante características do texto


saramaguiano.

Parte B

Leia o poema.

Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

5 Como as flores mortais, com que se enfeita


A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega1 jornada,


10 Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…


Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, Sonetos, Lisboa: IN-CM, 2002, p. 159.

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triste.

4. Explicite o valor das comparações presentes no poema.

5. Indique o tipo de relação que se pode estabelecer entre os dois primeiros versos e os
dois últimos.

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Grupo II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.


Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Leia o texto.

Pedalar por uma nova língua


Por cá o ditado diz que “burro velho não aprende línguas”, e quem já tentou
aprender uma língua em idade adulta sabe a dificuldade. Contudo, surgiu um novo
estudo que demonstra que a aprendizagem de uma segunda língua em adulto é
facilitada se for feita durante o exercício físico.
5 Nos últimos anos, vários estudos concluíram que, ao exercitarem-se os múscu-
los, também o cérebro fica mais em forma e com maior capacidade de memória.
A explicação parece estar numa alteração biológica que ocorre no cérebro. E que,
por isso, se torna mais maleável e recetivo a novas informações. Já no início da
década se tinha chegado à conclusão de que os estudantes que mantinham ativi-
10 dades físicas tinham melhores resultados em exames.
O mais recente estudo que corrobora esta teoria é publicado pela Universidade
de Zurique, na Public Library of Science, numa parceria ítalo-chinesa, e leva o
exercício físico ao momento da aprendizagem. Depois de 40 universitários chineses
a aprenderem inglês apenas terem atingido o nível iniciante, foram divididos em
15 dois grupos. Um dos grupos aprendia inglês enquanto pedalava em bicicletas está-
ticas. Ao longo de dois meses os 40 alunos, cuja língua mãe era o mandarim, foram
sujeitos a oito aulas de vocabulário inglês. E no fim de cada sessão os estudantes
que pedalaram enquanto aprendiam tiveram melhores resultados que o grupo que
aprendeu de forma tradicional.
20 Os “estudantes ciclistas”, depois de algum tempo, conseguiram também fazer
melhor uso do vocabulário aprendido. Um mês depois do fim da experiência os
estudantes voltaram a ser testados. E o grupo das bicicletas não só se lembrava de
mais palavras como as utilizava de forma mais correta, e foi esta descoberta a
maior vitória para os investigadores.
25 Ainda não se conseguiu perceber exatamente o que acontece dentro do cérebro
para justificar estes resultados, mas parece comprovar-se que os benefícios do
exercício se concentram na produção de neuroquímicos cerebrais que aumentam o
número de células e as conexões entre os neurónios.
Para já, sabe-se que a premissa grega do corpo são em mente sã sempre esteve
30 correta. Mas ainda há pontas soltas. Resta saber se num tipo de aprendizagem mais
intenso e mais trabalhoso haverá os mesmos resultados. E afinal qual a melhor altura
para se fazer exercício, se antes, durante ou depois das aulas? Uma das investigadoras
italianas, Simone Sulpizo, lembra que estes resultados não são para cair em exagero,
nem para montar bicicletas em todas as salas de aula. Mas, pelo menos, os alunos
35 ficam a saber que podem estudar em casa de forma mais eficiente.
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Ana Maria Pimentel, Revista do Expresso, 26 de agosto de 2017, p. 103.

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1. O texto tem um caráter
(A) argumentativo.
(B) persuasivo.
(C) narrativo.
(D) demonstrativo.

2. A expressão “burro velho não aprende línguas” (l. 1) significa que


(A) a idade nos torna menos recetivos a novidades.
(B) a idade não permite a aprendizagem de línguas.
(C) a idade favorece a agilidade mental.
(D) a idade é avessa ao estudo.

3. De acordo com a investigação referida no texto, a atividade física


(A) limita o estudo.
(B) tem interferências na memória.
(C) pode melhorar a aprendizagem.
(D) contribui para a aprendizagem da língua inglesa.

4. A frase “Um dos grupos aprendia inglês enquanto pedalava em bicicletas estáticas.”
(l.15) constitui
(A) um argumento.
(B) um exemplo.
(C) uma crítica.
(D) um juízo de valor.

5. A expressão “ainda há pontas soltas” (l. 30)


(A) significa que a investigação está concluída.
(B) sugere a ineficácia da investigação.
(C) demonstra que o estudo está inacabado.
(D) demonstra que não há certezas.

6. Os constituintes “de memória” (l. 6), “de mais palavras” (ll. 22-33) e “de forma mais efi-
ciente” (l. 35) desempenham as funções sintáticas de
(A) complemento do adjetivo, modificador e complemento oblíquo.
(B) modificador, complemento do nome e complemento oblíquo.
(C) complemento do adjetivo, complemento oblíquo e complemento do nome.
(D) complemento do nome, complemento oblíquo e modificador.

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7. A frase “Ao longo de dois meses os 40 alunos, cuja língua mãe era o mandarim, foram
sujeitos a oito aulas de vocabulário inglês” (ll. 16-17) integra
(A) uma oração subordinante, uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa e
uma oração coordenada assindética.
(B) uma oração subordinante e uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa.
(C) uma oração subordinada adverbial temporal, uma oração subordinante e uma ora-
ção subordinada adjetiva relativa explicativa.
(D) uma oração subordinante e uma oração subordinada substantiva relativa.

8. Indique a relação de ordem cronológica presente na frase: “Um dos grupos aprendia
inglês enquanto pedalava em bicicletas estáticas.” (l. 15).

9. Identifique o antecedente do determinante relativo presente em “cuja língua mãe era o


mandarim” (l. 16).

10. Indique o valor aspetual da oração “Os ‘estudantes ciclistas’, depois de algum tempo,
conseguiram também fazer melhor uso do vocabulário aprendido”. (ll. 20-21)

Grupo III
O exercício físico é fundamental para o Homem, beneficiando o intelecto, os relacionamen-
tos interpessoais e o corpo humano.
Redija uma exposição bem estruturada sobre este tema, com um mínimo de 200 e um
máximo de 350 palavras, na qual respeite as marcas específicas deste género textual.
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Grupo I soneto: o descanso depois da luta através do

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Propostas de resolução
sono definitivo, a morte.
1. A
 o longo do texto são feitas várias referências
a autores da literatura portuguesa facilmente As formas verbais “Descansou” e “Dorme”
reconhecíveis. transmitem a ideia de paragem, complementa-
Evoca-se a figura de Camões, considerando-o o dos pela forma verbal “Depus”.
marco orientador de todos os poetas portugue- Conclui-se que o “eu” descansa da ilusão, de-
ses. As referências a Fernando Pessoa, Álvaro pôs a luta e dorme o sono eterno. Estes versos
de Campos e Ricardo Reis proporcionam tam- contribuem da mesma forma para a ideia de
bém uma viagem literária. Surge também, no desistência, de renúncia.
texto, uma citação de um verso da autoria de
Grupo II
Fernando Pessoa: “Saudoso já deste verão que
vejo” e outro de Álvaro de Campos: “nem sequer 1. (D) 2. (A) 3. (B) 4. (B)
me atrevo a fingir o que sinto”, para além da refe-
5. (C) 6. (D) 7. (B)
rência cómica de Ricardo Reis à forma como o
poeta futurista se refere às criadas de hotel. 8. Simultaneidade.

2. 
A s duas figuras femininas presentes no ro- 9. “os 40 alunos”.
mance apresentam características opostas 10. Perfetivo.
quer física quer socialmente.
Grupo III
Assim, Marcenda é uma menina de uma famí-
lia abastada de Coimbra com um defeito físico Tópicos sugeridos:
na mão esquerda. Esta imobilidade física sim- • Inúmeros benefícios da prática regular de exer-
boliza a sua incapacidade de ultrapassar a rigi- cício físico
dez da sua educação e a quebra das regras – saúde física (manutenção e desenvolvimento
sociais que a limitam. Por outo lado, Lídia é das estruturas ósseas,…);
uma mulher do povo, irmã de um revolucioná- – saúde mental (melhoria da aprendizagem,
rio, camareira e mulher a dias. aumento da concentração,…);
Enquanto com Marcenda Ricardo Reis pensa – convívio social (fuga ao isolamento das pes-
em casar, com Lídia mantem um relaciona- soas iidosas,…);
mento muito mais físico. Ricardo Reis não as- – afastamento dos problemas do quotidiano;
sumirá a paternidade do filho de Lídia e este –…
facto simboliza a mudança de mentalidades de
uma nova geração que liderará Portugal para
um novo destino.
3. O
 discurso saramaguiano apresenta marcas
muito específicas e subversivas das regras tradi-
cionais da pontuação, numa aproximação à lin-
guagem oral.
Assim, surgem no texto várias marcas de colo-
quialidade no discurso do narrador, como é visí-
vel na primeira frase do excerto. O discurso direto
apresenta também marcas específicas caracte-
rísticas de Saramago ao omitir os sinais emoti-
vos de pontuação e o travessão que introduz as
mudanças de interlocutor.
4. O
 “eu” compara a sua atitude com as “flores
mortais” que não são mais do que um despojo
e com a criança agasalhada ao colo da mãe,
reforçando a ideia de renúncia, de triste resig-
nação, de abandono de tudo pelo que lutava.
5. 
Nestes versos está expressa a ideia fulcral do

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