Ziel Ferrerira Lopes - Onde Habita o Juiz Hércules Uma Aproximação Entre Teorias Da Interpretação Questões Institucionais
Ziel Ferrerira Lopes - Onde Habita o Juiz Hércules Uma Aproximação Entre Teorias Da Interpretação Questões Institucionais
Ziel Ferrerira Lopes - Onde Habita o Juiz Hércules Uma Aproximação Entre Teorias Da Interpretação Questões Institucionais
SÃO LEOPOLDO
2020
Ziel Ferreira Lopes
São Leopoldo
2020
L864o Lopes, Ziel Ferreira
Onde habita o juiz Hércules? uma aproximação entre teorias
da interpretação e questões institucionais. / Ziel Ferreira Lopes--
2020.
276 f. ; 30cm.
CDU 347.95
A meu orientador, professor Lenio Luis Streck, por me ensinar – com suas
palavras e com seu exemplo – a pôr a curiosidade acima de tudo na vida acadêmica.
Aos membros da banca examinadora, pela leitura atenta e crítica da tese.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Unisinos, pelo compromisso com a excelência na formação de seus alunos.
Aos professores dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e em
Educação da Unisinos, que me apresentaram mundos novos.
À equipe da Unisinos, pela acolhida e suporte.
Aos membros do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos, pela dádiva de
trabalharmos e aprendermos juntos. Será sempre uma honra ter feito parte desse
grupo.
Aos membros da Associação Brasileira de Direito Processual, pela defesa das
garantias fundamentais em tempos tão difíceis.
Aos amigos que fiz em São Leopoldo e aos amigos que deixei em Petrolina,
pelo carinho.
Agradeço imensamente à minha família, por todo apoio. A meus pais, Zilma
Ferreira Lopes e José Gabriel Barbosa Lopes; a meus irmãos, Amliz Ferreira Lopes
e Alden Ferreira Lopes; e à minha sobrinha, Alice Sousa Lopes.
Por fim, a Samara Cavalcanti Santos Lopes, minha esposa, agradeço por
absolutamente tudo.
Rompe o destino com tua mão: aos tristes ínferos esteja
acessível a visão da luz, e que o inacessível umbral lhes
conceda fáceis caminhos até os súperos.
(Sêneca, Hércules furioso)
RESUMO
Theories of legal interpretation have been challenged to deal with the concrete
situation of judges, faced as members of complex institutions with various limitations.
A fundamental debate on this issue involved two of the greatest legal thinkers of our
time, Ronald Dworkin and Cass Sunstein. The first tried to show that the
requirements for a correct understanding of law were unavoidable, arguing that the
judges should decide seeking for a principled integrity. The second pointed to the
risks of judges detour on moral theories, recommending that they decide in a shallow
and narrow way, whenever they could not judge with confidence. The debate
progressed, bringing up the best of each author. Both refined their criticisms and
reached surprising convergences. Therefore, we need to ask: how to evaluate the
arguments exchanged by the authors, reorganize the available knowledge and, from
this point, sketch the fundamental guidelines for a vision of law that properly
accommodates the theory of interpretation and institutional analysis? In short: what
are the coordinates for a small institutional hermeneutics? That was the problem I
dealt with in this thesis. To do so, I proceeded in the following manner in each
chapter: 2) I presented a characterization of Ronald Dworkin's central theses,
focusing on his theory of legal interpretation; 3) I presented a characterization of
Cass Sunstein's central theses, focusing on his institutional concerns about the
judicial decision; 4) I reconstructed the Dworkin-Sunstein debate, analyzing critically
their arguments and defending a creative appropriation of their legacies - that is, an
authorial proposal in continuity with the theoretical series inaugurated by Dworkin and
Sunstein; and, 5) I compared the results obtained with another proposal for the
continuation of the debate, the (anti) institutional theory of interpretation by Adrian
Vermeule, disputing the peculiar type of empiricism that it represents in face of the
hermeneutical tradition. As a result, I sketched some guidelines for an interpretive-
institutional model, proposing that the theory of law as integrity should be assumed
as a basic field, and that it should be developed from three points raised by Sunstein:
an extension of the doctrine of local priority; the defense of a model for exposing
collegial decisions; and the observation of the emergence of new institutional
designs, with major implications for theories of legal interpretation. I submitted this
view to a dialogue with the perspective of Adrian Vermeule. This author has
defended that the importance of normative theories must be diminished, focusing on
a comparison of the effects generated by different interpretative models, through
institutional analyzes under the variables of judicial capacities and systemic effects. I
recognized the advantages of institutional mediation that it proposes for normative
models. However, I pointed out deficiencies in the foundation of some of his theses,
in their intention to dismiss the normative debate and appeal to an empirical
foundation under bounded rationality. Finally, I outlined five metatheoretical
coordinates to bring these topics together in a productive way: rigorous empirical
foundation; theoretical-normative justification; methodological humility; thematic
balance between interpretation and institutions; and historical perspective.
Las teorías de la interpretación legal han sido desafiadas a para hacer friente a la
situación concreta de los jueces, vistos como miembros de instituciones complejas y
llenas de limitaciones. Un debate fundamental sobre este asunto implicó a dos de los
mayores expertos legales de nuestro tiempo, Ronald Dworkin y Cass Sunstein. El
primero intentó demostrar que los requisitos para una correcta comprensión de la ley
eran inevitables, argumentando que los jueces deberían decidir buscando su
integridad basada en principios. El segundo señalaba los riesgos del recorrido de los
jueces por las teorías morales, recomendando que decidan de manera superficial y
estrecha, siempre que no puedan juzgar con confianza. El debate progresó,
despertando lo mejor de ambos autores. Ambos refinaron sus críticas y alcanzaron
sorprendentes convergencias. Ante esto, ¿cómo evaluar los argumentos
intercambiados por los autores, reorganizar el conocimiento disponible y, a partir de
ahí, esbozar las pautas fundamentales para una visión del derecho que acomode
adecuadamente la teoría de la interpretación y el análisis institucional? En resumen:
¿cuáles son las coordenadas para una pequeña hermenéutica institucional? Ese fue
el problema que traté de enfrentar en esta tesis. Para hacerlo, procedí de la
siguiente manera para cada capítulo: 2) presenté una caracterización de las tesis
centrales de Ronald Dworkin, centrándome en su teoría de la interpretación jurídica;
3) presenté una caracterización de las tesis centrales de Cass Sunstein,
centrándome en sus preocupaciones institucionales sobre la decisión judicial; 4)
reconstruí el debate Dworkin-Sunstein, analizando críticamente sus argumentos y
defendiendo una apropiación creativa de sus legados, es decir, una propuesta
autoral en continuidad con la serie teórica inaugurada por Dworkin y Sunstein; y, 5)
comparé los resultados obtenidos con otra propuesta para la continuación del
debate, la teoría (anti) institucional de interpretación de Adrian Vermeule,
cuestionando el tipo peculiar de empirismo que representa frente a la tradición
hermenéutica. Como resultado, esbocé algunas pautas para un modelo
interpretativo-institucional, proponiendo que la teoría del derecho como integridad
debe asumirse como un campo básico, y que se desarrolle a partir de tres puntos
planteados por Sunstein: una extensión de la doctrina de la prioridad local; la
defensa de un modelo para exponer decisiones colegiadas; y la observación de la
aparición de nuevos diseños institucionales, con importantes implicaciones para la
teoría de la interpretación jurídica. Sometí este punto de vista al diálogo con la
perspectiva de Adrian Vermeule. Este autor ha defendido que se disminuya la
importancia de las teorías normativas, enfocándose en una comparación de los
efectos generados por diferentes modelos interpretativos, a través de análisis
institucionales bajo las variaciones de las capacidades judiciales y los efectos
sistémicos. Reconocí las ventajas de las propuestas de mediación institucional que
propone para los modelos normativos. Sin embargo, señalé deficiencias en el
fundamento de algunas de sus tesis, en lo que pretenden prescindir del debate
normativo y apelar a un fundamento empírico bajo una racionalidad limitada.
Finalmente, describí cinco coordenadas metateóricas para unir estos temas de
manera productiva: fundamentos empíricos rigurosos; justificación teórico-normativa;
humildad metodológica; equilibrio temático entre interpretación e instituciones; y
perspectiva histórica.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17
2 A TEORIA DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA DE RONALD DWORKIN .............. 32
2.1 A Luta por um Direito que fizesse Sentido ..................................................... 33
2.2 Verdades na Interpretação: o exemplo da literatura ...................................... 35
2.3 O Interpretativismo como Paradigma para as Teorias Do Direito ................ 38
2.4 O Integracionismo e a Dimensão Moral da Interpretação Jurídica ............... 48
2.4.1 A Conceituação dos Princípios......................................................................... 48
2.4.2 O Argumento dos Desacordos ......................................................................... 54
2.4.3 O Debate que Dworkin Queria ......................................................................... 58
2.4.4 O Direito como um Ramo da Moral .................................................................. 64
2.4.5 Balanço: a versão final da teoria de Dworkin ................................................... 74
2.5 Críticas ao Integracionismo ............................................................................. 81
2.5.1 Os Pontos mais Frágeis do Integracionismo .................................................... 95
3 AS PREOCUPAÇÕES INSTITUCIONAIS DE CASS SUNSTEIN ......................... 97
3.1 A Nova Realidade Socioinstitucional Americana ........................................... 98
3.1.1 O Clima Anti-Judiciarista .................................................................................. 98
3.1.2 A Polarização do Debate Público ..................................................................... 99
3.1.3 As Agências Reguladoras ................................................................................ 99
3.2 Por uma Pesquisa Jurídica mais Prática e Empírica ................................... 101
3.3 O Minimalismo Judicial................................................................................... 102
3.3.1 Primeiros Trabalhos sobre Interpretação ....................................................... 102
3.3.2 A Criação de um Modelo Decisório Próprio.................................................... 113
3.3.3 A Visão de Democracia na Qual o Minimalismo se Insere ............................. 118
3.3.4. Como Ler Sunstein? ...................................................................................... 121
3.4 Pressupostos Interpretativistas e sua Reformulação .................................. 124
3.4.1 O Interpretativismo Reformulado .................................................................... 125
3.4.2 O Novo Enquadramento da Disputa e as Teorias Rivais ............................... 127
3.4.3 Filosofias da Interpretação: uma análise crítico-comparativa ......................... 129
3.5 Críticas ao(s) Minimalismo(s)......................................................................... 133
3.5.1 Limites Reconhecidos por Sunstein ............................................................... 133
3.5.2 Outros Minimalismos ...................................................................................... 137
3.5.3 Contra o Minimalismo: um panorama ............................................................. 140
3.5.4 Os Pontos mais Frágeis do Minimalismo ....................................................... 143
4 O DEBATE DWORKIN-SUNSTEIN: PARA UMA APRORIAÇÃO CRIATIVA .... 145
4.1 Textos “Canônicos”: reconstrução comentada ........................................... 148
4.1.1 O Elogio da Teoria ......................................................................................... 149
4.1.2 Da Teoria à Prática ........................................................................................ 162
4.1.3 Réplica ........................................................................................................... 170
4.2 Balanço dos Principais Argumentos ............................................................. 175
4.3 Análise Crítica e Proposta de Síntese ........................................................... 178
4.3.1 Desenvolvimento de “Doutrinas” da Prioridade Local .................................... 184
4.3.2 Um Modelo para Exposição de Decisões Colegiadas .................................... 188
4.3.3 Novos Desenhos Institucionais e Implicações para a Interpretação Jurídica . 192
4.4 Conclusões Parciais: um sistema de contenções institucionais para o
integracionismo..................................................................................................... 193
5 NOVOS DEBATES: UMA (ANTI)TEORIA INSTITUCIONAL DA
INTERPRETAÇÃO? ............................................................................................... 197
5.1 Teses e Argumentos de Adrian Vermeule..................................................... 200
5.1.1 Crítica ............................................................................................................. 201
5.1.2 Reconstrução ................................................................................................. 203
5.1.3 Aplicação ........................................................................................................ 208
5.2 Contra-Argumentando: limites da análise institucional .............................. 218
5.2.1 Tese Metodológica Fraca ............................................................................... 218
5.2.2 Tese Metodológica Forte ................................................................................ 220
5.2.2.1 Tese da Mediação Institucional Necessária ................................................ 220
5.2.2.2 Tese da Substituição ................................................................................... 221
5.2.2.3 Uma Tese Metodológica “Moderada”? ........................................................ 224
5.2.3 Tese Metodológica “Extrema” ........................................................................ 229
5.2.4 Tese Substantiva ............................................................................................ 232
5.3 Conclusões Parciais: os sentidos legítimos da análise institucional ........ 238
5.4 Mundos Possíveis: entre o olimpo e o hades ............................................... 241
5.5 Interpretação e Instituições: coordenando os temas de modo produtivo . 244
5.5.1 Fundamentação Empírica Rigorosa ............................................................... 244
5.5.2 Justificação Teórico-Normativa ...................................................................... 245
5.5.3 Humildade Metodológica ................................................................................ 246
5.5.4 Equilíbrio Temático entre Interpretação e Instituições .................................... 247
5.5.5 Perspectiva Histórica ...................................................................................... 249
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 251
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 263
17
1 INTRODUÇÃO
1 A citação é da passagem em que Juno diz que vai recorrer às forças infernais para ajudar sua
protegida, já que não obteve ajuda dos deuses. Foi popularizada por Freud, que a utilizou como
epígrafe em A interpretação dos sonhos. Com isso, pretendia se referir ao giro necessário na
investigação sobre a mente, voltando-se ao seu “submundo”. Freud confessou ter imitado a ideia de
Ferdinand de Lassale, que utilizou a mesma epígrafe no estudo A guerra italiana e a tarefa da
Prússia. Por sua vez, Lassale indicava que, diante da impossibilidade de influenciar os governantes,
passaria a atiçar os governados. Para Freud, a citação trouxe inconvenientes. Boa parte de seus
críticos a leu como algo mais relacionado à sua biografia do que à sua obra. Assim, viram nela um
tom prometeico, desafiador, negado desesperadamente por Freud. SOUZA, Paulo Cesar de. As
palavras de Freud: o vocabulário freudiano e suas versões. São Paulo: Companhia das Letras,
2010. p. 39-42. Aderir a esse mote, mesmo com toda a confusão tragicômica que ele traz, parece
irresistível nesse caso. A descida de um personagem para o mundo inferior é um evento clássico do
teatro grego, conhecido como katábasis. Foi este o último trabalho de Hércules. Com licença
poética e boa vontade interpretativa, isso tudo ilustra de modo bastante oportuno a análise que se
pretende realizar, trazendo o modelo de juiz Hércules de Dworkin para discussão em contextos sub-
ideais.
18
2 O uso da escrita em primeira pessoa é uma decisão consciente deste trabalho, inserido numa
tendência que revê o papel e a “voz” do cientista, sobretudo nas ciências sociais. Ver nesse
sentido: OLIVEIRA, S. F. As vozes presentes no texto acadêmico e a explicitação da autoria.
Pedagogia em Ação (PUC-MG), Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 3-21, 2014. Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/view/9182. Acesso em: 05 mar. 2020.
No âmbito jurídico: CALADO, Vinicius de Negreiros. “Porte ilegal de fala”. O “crime” de discurso
crítico contra-hegemônico. In: COLARES, Virginia (org.). Linguagem e direito. Recife: Universitária
da UFPE, 2010. p. 241-297. A temida “personalização” deve ser evitada pelo rigor e honestidade
intelectual, orientado cientificamente por um referencial teórico-metodológico. Contudo, a devida
“suspensão dos pré-juízos” não implica “fazer caso omisso de si mesmo”, como disse Hans-Georg
Gadamer (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012). Na
verdade, o apagamento artificial da autoria esconde muito mais do que revela, apelando a uma
pseudo-neutralidade que atribui o raciocínio à decorrência automática do próprio objeto. Escrever
na primeira pessoa não é apenas um recurso estilístico, consistindo num modo de assumir a
responsabilidade pelo que é dito, identificando claramente o que é citação de conhecimento pré-
existente e o que é interpretação e argumento desenvolvidos pelo autor do trabalho. Em alguns
momentos, isso será feito no plural, como recurso para envolver o leitor numa digressão, em forma
de reflexão conjunta. Afirmações mais diretas serão feitas na primeira pessoa do singular.
3 Essa terminologia é bem difundida na literatura. Por déficit, entenda-se aqui os limites que
[S. l.], v. 66, n. 3, p. 745-758, Sept./Dec. 1999. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/ pdf/
40971349.pdf?seq=1. Acesso em: 05 mar. 2020. Embora não caibam aprofundamentos sobre esse
ponto, vale registrar o impasse sobre “o que fazer” diante desses desafios práticos: “Um crítico
simpático a Mouffe julga que o principal problema do modelo agonístico é não se estabelecer
efetivamente como modelo, permanecendo na desconstrução do deliberacionismo e não
avançando no entendimento de como uma democracia agonística pode lidar com o problema da
exclusão e, simultaneamente, manter a função de domar o conflito antagônico (cf. Mendonça,
2010). Creio que é um problema insuperável, nos marcos da distinção antagonismo/agonismo, que
limita o alcance da crítica às vertentes hoje hegemônicas da teoria democrática”. MIGUEL, Luis
Felipe. Consenso e conflito na teoria democrática: para além do “agonismo”. Lua Nova, São Paulo,
n. 92, p. 32, maio/ago. 2014. Disponível em: http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext
&pid=S0102-64452014000200002&lng=en& nrm=iso. Acesso em: 08 maio 2018.
19
5 SUNSTEIN, Cass R; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. U Chicago Law &
Economics, [S. l.], v. 111, Olin Working Paper n.. 156; U Chicago Public Law Research Paper n.
28,p. 885-951, Jul. 2002. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=320245. Acesso em: 10 dez.
2017. Ver também os capítulos 1, 7 e 8 de: VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an
institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
6 O debate Dworkin-Sunstein teve grande impacto nos Estados Unidos, envolvendo vários dos
principais juristas americanos. Fora desse eixo, têm se destacado no Reino Unido os trabalhos de
Dimitrios Kyritsis e Tamas Gyorfi. No Brasil, há diversos autores produzindo pesquisas de grande
qualidade e relevância sobre o tema. Ligados à teoria do direito e a diálogos com a tradição
dworkiniana, pode-se citar Felipe Paschoalini, Loiane Prado Verbicaro, Thomas Bustamante,
Ronaldo Porto Macêdo, etc. Mais ligados às questões institucionais e ao marco Sunstein-
Vermeule: Alexandre Garrido da Silva, Carlos Bolonha, Diego Werneck Arguelhes, Clémerson
Merlin Cleve, Fernando Leal, José Ribas Vieria, Margarida Lacombe, Valéria Ribas do Nascimento,
etc. Discutindo o mesmo problema, a partir de outras tradições teóricas: Conrado Hubner, Leonel
Severo Rocha, Marcelo Neves, Maria Eugênia Bunchaft, José Rodrigo Rodriguez, etc. Na Crítica
Hermenêutica do Direito, movimento no qual esse autor se insere (ver nota de rodapé n. 36),
também já se vinha lidando com questões desse tipo, seja nos trabalhos de Lenio Streck ou dos
pesquisadores que formou, como os de Giancarlo Copelli e Isadora Ferreira Neves, sobre
capacidades institucionais, e de Clarissa Tassinari sobre diálogos institucionais. Esse rol (não
exaustivo) serve à identificação de uma comunidade científica que tem se formado em volta do
problema. Infelizmente, muitas omissões devem ter sido cometidas aqui. Por isso, como pauta para
futuras pesquisas, seria importante realizar um levantamento de estado da arte – mapeando
bibliografias de Programas de Pós-Graduação brasileiros e eventos acadêmicos ligados ao
problema – e metapesquisas capazes de compilar e sistematizar suas diferentes contribuições.
Com relação ao lugar ocupado pelo problema em minha própria pesquisa, há alguns anos venho
produzindo especificamente sobre ele, aprendendo e dialogando com vários dos autores
supracitados. Mesmo antes de trabalhar diretamente com o marco Dworkin-Sunstein, já vinha
enfrentando questões do tipo desde minha dissertação: LOPES, Ziel Ferreira. Jurisdição e
método: limites processuais e possibilidades hermenêuticas de controle das decisões judiciais.
2016. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Programa de Pós-Graduação em Direito,
UNISINOS, São Leopoldo, 2016. Disponível em: http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/
UNISINOS/5212. Acesso em: 10 dez. 2017. A partir do diálogo entre a Crítica Hermenêutica do
Direito e teorias discursivo-procedimentais, analisei diferentes modelos de processo judicial,
tomando como casos exemplares alguns institutos do Código de Processo Civil que estava sendo
elaborado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Avaliando os resultados dessa pesquisa, veio
a necessidade de seguir discutindo questões operacionais levantadas por Habermas sobre a
hermenêutica jurídica, tanto em suas referências a Dworkin quanto no seu debate com Gadamer.
Assim, a presente tese se justifica também como parte de uma trajetória curricular.
20
7 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Teoria, filosofia e dogmática jurídica: rigor e método. In:
MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto (org.). Teoria do direito contemporânea: autores e temas.
Curitiba: Juruá, 2017. p. 32.
8 Desde Modelo de Regras I, publicado originalmente em 1967, e republicado como terceiro capítulo em:
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
21
9 Suas principais obras sobre o tema são: SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict.
2nd ed. New York: Oxford University Press, 2018. SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial
minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
10 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University
Press, 2018. p. 17, 45, 76, 98, 220. SUNSTEIN, Cass R. Incompletely theorized agreements.
Harvard Law Review, [S. l.]. v. 108, n. 7, p. 1751, 1759, 1764, May 1995. Disponível em: https://
ssrn.com/abstract=2995488. Acesso em: 21 fev. 2020.
22
possível – isto é, sem cair nas velhas caricaturas que se costuma fazer dele.
Sunstein encarou o teste máximo de consistência filosófica de seu modelo, cujo vício
e virtude foi ter sido construído com aportes de áreas bastante diversas. Ambos
refinaram suas críticas e chegaram a convergências surpreendentes.
A sequência de textos em que os autores se enfrentaram estabeleceu um
importante marco teórico sobre esse tema híbrido, a que se tem chamado de
“Interpretação e Instituições”11. Contudo, apesar do interesse crescente sobre ele,
ainda há muito a desbravar, tanto em termos de pesquisa empírica quanto teórica.
Com exceção de alguns valiosos trabalhos12, o próprio debate Dworkin-Sunstein
ainda não recebeu a devida atenção da comunidade jurídica – ao menos, nada
comparável ao debate Hart-Dworkin, que ocupa a teoria do direito há várias
décadas.
Para além disso, existe uma demanda por interpretações abrangentes sobre
quais os resultados do debate Dworkin-Sunstein, e sobre como seguir debatendo a
partir dele. Como avaliar os argumentos trocados pelos autores, reorganizar o
conhecimento disponível e, a partir daí, traçar as diretrizes fundamentais para uma
visão do direito que acomode devidamente teoria da interpretação e análise
institucional? Em suma: quais as coordenadas para uma pequena hermenêutica
institucional? Esse é o problema que essa tese tenta responder. Para tanto, procede
da seguinte maneira a cada capítulo:
13 O autor não apresenta seu “minimalismo judicial” como uma “teoria”, entendida como um sistema
encadeado de teses. Tampouco parece querer que ele seja representado dessa maneira. A todo
momento, enfatiza a importância de manter a humildade cognitiva com relação ao seu próprio
modelo decisório. Dessa maneira, o minimalismo seria muito mais o resultado de um conjunto de
preocupações com as condições de decisão judicial, tentando evitar ao máximo um
comprometimento com doutrinas ambiciosas sobre o problema. Contudo, não chega a ser
“antiteórico” no sentido beligerante de Richard Posner e (por outros caminhos) de Adrian
Vermeule. Não quer eliminar totalmente a teoria, tampouco o conhecimento sobre questões não
empíricas, mas apenas evitar compromissos abrangentes por uma questão de humildade
cognitiva.
14 A expressão “anti” não é usada aqui em sentido depreciativo, mas em respeito à intenção do
próprio autor. Apesar de não constar no título do trabalho, Vermeule declara expressamente que
seu propósito é anti-teórico ao longo do livro: VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an
institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 63. Seu
projeto é evitar a necessidade do debate teórico-normativo, focando na comparação entre os
efeitos gerados pelos diferentes modelos interpretativos. Assim, espera complementar e, em
alguns pontos, substituir teorias valorativas por convergências sobre resultados práticos. Vai ainda
mais longe ao propor métodos e soluções empiricistas ousadas, como técnicas de decisão sob
racionalidade limitada para o contexto judicial, algo que é pouco desenvolvido em Sunstein.
15 Sua principal obra sobre o problema é: VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an
institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
16 Usando (de modo ampliado) uma expressão de Dworkin. Através dela, o autor critica as teorias
arquimedianas e o dogmatismo moral, defendendo a necessidade de tomar os conhecimentos já
existentes como ponto de partida, mas sem absolutizá-los. Isso seria feito através de um modelo
coerentista. DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de
Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 124-130 e 150-152.
24
acesso “compreensivo” nas Humanidades não é caro apenas a ela, entendido aqui como um modo
de conhecimento sobre questões qualitativas, mais complexo do que a explicação. Como colocado
por Marcos Nobre: “Sustento que existe uma diferença entre explicar e compreender. Quando se
faz uma distinção entre explicar e compreender, quem é ‘soft’ é quem explica, e nós é que somos
‘hard’, porque compreendemos”. NOBRE, Marcos S. et al. O que é pesquisa em direito? São
Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 70.
19 Trata-se de expressão metaética para designar posições que negam a possibilidade de
conhecimento, veracidade e/ou demonstrabilidade no campo valorativo. O autor adota uma série
de estratégias para evitar o debate teórico-normativo sobre a interpretação jurídica, tentando
fundamentar suas teses unicamente em fatos. Por vezes, denomina isso de “agnosticismo” sobre
princípios. Em outros momentos, invoca o conceito rawlsiano de “consenso sobreposto” para
afirmar que um determinado resultado prático geraria uma convergência entre partidários de
diferentes teorias normativas. VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional
theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 2, 71, 83, 215, 250,
267 e 272. Contudo, tal conceito não parece refletir bem a abordagem de Vermeule, como discuto
no último capítulo.
20 Vermeule chega a um dilema: por um lado, o “giro institucional” na teoria da interpretação jurídica
serviu para repensar os critérios e as variáveis relevantes na análise de diferentes modelos; por
outro lado, esse giro aumentou significativamente a necessidade de evidências empíricas para se
estabelecer comparações rigorosas, que levarão muito tempo para serem coletadas. Nesse meio
tempo, o autor defende um modelo institucionalista provisório, gerado através de técnicas de
decisão em contextos de “racionalidade limitada” (bounded-rationality). Trata-se de decidir com
qualquer informação disponível, ou que possa ser gerada sob custos aceitáveis, através de
técnicas deliberadamente simplificadoras. VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an
institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 154-156.
25
i) Sobre o tema
22 Um bom panorama pode ser visto em: GOODIN, Robert. Institutions and their design. In: GOODIN,
Robert (ed.). The theory of institutional design. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
p. 1-53.
23 VEITCH, Scott; CHRISTODOULIDIS, Emilios; GOLDONI, Marco. Legal institutionalism. In: VEITCH,
University of Chicago Law Review, [S. l.], v. 51, n. 2, 1984. Disponível em: https://
chicagounbound.uchicago.edu/uclrev/vol51/iss2/3. Acesso em: 12 fev. 2020. Reconhecendo seu
pioneirismo: SUNSTEIN, Cass R; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. U Chicago
Law & Economics, [S. l.], v. 111, Olin Working Paper n. 156; U Chicago Public Law Research
Paper n. 28, p. 937, jul. 2002. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=320245. Acesso em: 10
dez. 2017.
27
Meu foco não é histórico-exegético com relação às obras dos autores, mas
tenta partir delas para discutir as hipóteses formuladas. Assumo os desenhos
institucionais atuais como pano de fundo para debater a interpretação jurídica, me
referindo apenas de modo eventual a possíveis mudanças nessa base. Para os fins
desse trabalho, priorizo um dos sentidos na relação entre “Interpretação e
25 Esses autores comungam de várias ideias. As diferenças entre eles serão explicitadas nos
capítulos 3 e 5.
26 Esse é o grande pressuposto de Sunstein em: SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial
minimalism on the Supreme Court. Cambridge: Harvard University Press, 1999. Vermeule levanta
sérios questionamentos sobre esse tipo de coordenação ambiciosa em: VERMEULE, Adrian.
Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard
University Press, 2006. p. 118-153.
28
27 Boa parte da bibliografia sobre o tema está escrita em inglês. Obedecendo a necessidade de que os
trabalhos científicos sejam escritos no vernáculo, e também visando aumentar a acessibilidade ao
conteúdo do trabalho, optei por fazer traduções livres. Dado o volume de citações, evitei repetir a
advertência de que se trata de “tradução nossa”, o que deve ficar subentendido para o resto do
trabalho. Defendendo essa opção metodológica: UNISINOS. Biblioteca. Manual para elaboração de
trabalhos acadêmicos: artigo de periódico, dissertação, projeto, relatório técnico e/ou científico,
trabalho de conclusão de curso, dissertação e tese. 16. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2017. Disponível
em: http://unisinos.br/biblioteca/images/docs/manual-elaboracao-trabalhos-academicos.pdf. Acesso
em: 08 jan 2020.
28 Nesse sentido, vejam-se as pesquisas aplicadas de Carlos Bolonha, especialmente sobre questões
previdenciárias. Para uma mediação teórica entre esses referenciais e o debate brasileiro, ver o
mesmo autor em: SOUZA, Rafael Bezerra de; BOLONHA, Carlos; Teorias jurídicas
contemporâneas: uma análise crítica sob a perspectiva institucional. Direito, Estado e Sociedade,
Rio de Janeiro, n. 43, p. 162-183, jul./dez. 2013. Disponível em: https://revistades.jur.puc-
rio.br/index.php/revistades/article/view/373. Acesso em: 27 fev. 2020.
29 “Em geral, quando se confrontam posições teóricas no Direito, tem-se a ideia de que basta apenas
algumas boas práticas científicas e critérios mínimos de lógica informal para debater
produtivamente. Nesse sentido: SACRINI, Marcus. Introdução à análise argumentativa: teoria e
prática. São Paulo: Paulus, 2016.
31 Obviamente, não se trata de fazer filosofia da ciência, mas apenas de tentar fazer um trabalho
científico atento ao chão filosófico sobre o qual está pisando. A rigor, seria possível ficar para
sempre no meta-debate filosófico, sem chegar a uma solução aceita por todos. Por isso, recorro a
ele apenas na medida necessária para justificar certos pressupostos que serão assumidos no
debate jurídico. Evito questões muito controversas, focando nos pontos de convergência entre os
principais filósofos da ciência contemporâneos. Adiro especialmente às posições moderadas de
Imre Lákatos sobre as condições de progressão científica, mudança de paradigmas e comparação
entre programas de pesquisa. Para um panorama desse debate, veja-se: LAKATOS, Imre;
MUSGRAVE, Alan (org.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Tradução de Octavio
Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1979.
29
32 Com liberdade didática, pode-se dizer que a metaética está para o conhecimento valorativo assim
como a filosofia da ciência está para o conhecimento empírico. Trata-se de uma disciplina filosófica
que estuda os pressupostos da ética normativa. Enquanto essa última discute o que é bom/mau,
correto/errado, justo/injusto, a metaética discute as próprias condições de cognoscibilidade,
veracidade e demonstrabilidade no campo valorativo. Para classificação das teorias do direito a
partir da metaética: FERREIRA NETO, Arthur Maria. Metaética e a fundamentação do direito.
Porto Alegre: Elegantia Juris, 2015.
33 A preocupação com um diálogo autêntico, capaz de gerar uma “fusão de horizontes” entre seus
participantes, foi tratada por: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais
de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
O grande lema da hermenêutica é que “o outro pode ter não apenas direito, mas razão”. Onde não
se reconhece o outro não pode haver hermenêutica, pois ela pressupõe sempre a escuta desse
não-Eu. Por isso interpretamos, e não colocamos palavras na boca dos outros – sejam eles textos,
pessoas ou o mundo que nos “fala”.
34 A ideia é conhecida na filosofia da ciência como “princípio da caridade”, cuja elaboração está
associada a Donald Davidson. Na pesquisa jurídica, torna-se particularmente importante, para
superar o que Marcos Nobre denominou de “modelo do parecer”. Trata-se de trabalho acadêmico
que imita a lógica advocatícia, compilando apenas citações favoráveis ao que se quer defender,
sem analisar rigorosamente argumentos contrários: NOBRE, Marcos. Apontamentos sobre a
pesquisa em direito no brasil. Revista Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 66, p. 145-153, jul.
2003. Disponível: http://bibliotecavirtual.cebrap.org.br/arquivos/019_artigo.pdf. Acesso em: 05 mar.
2020.
30
35 Uso essa expressão deliberadamente ampla, no sentido de tornar minhas hipóteses “tratáveis” e
passíveis de verificação, mas sem me restringir a testes empíricos.
36 Este autor se liga à Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), movimento jurídico e referencial teórico-
metodológico fundado por Lenio Luiz Streck – orientador desta tese de doutorado –, sobre as bases
filosóficas de Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer e Ernildo Stein. Streck coordena o Dasein –
Núcleo de Estudos Hermenêuticos da UNISINOS, e o Grupo de Pesquisa Hermeêutica Jurídica,
vinculado ao CNPq, dos quais esse autor faz parte. Seus trabalhos, e o de seus orientandos, vêm
gerando grande impacto acadêmico, influenciando pesquisas em outras universidades, além de um
impacto prático, sendo muito citada em processos judiciais e legislativos. A obra de base, que deu início
a esse movimento, é: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração
hermenêutica da construção do direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. Originalmente
em 1999. Com o tempo, incorporaram-se a isso elementos do interpretativismo dworkiniano – que, por
sua vez, já buscava em Gadamer alguns pressupostos filosóficos de seu pensamento. Como defende
Streck, trata-se de uma “leitura antropofágica” desses autores, adaptada à realidade brasileira. Nesse
movimento, Francisco Motta defende uma leitura de Dworkin sob uma lente de aumento gadameriana,
buscando uma iluminação recíproca entre suas obras. MOTTA, Francisco José Borges. Levando o
direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012. Para uma reflexão sobre o alcance teórico e filosófico da CHD, ver: TRINDADE,
André Karam; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Crítica hermenêutica do direito: do quadro referencial teórico à
articulação de uma posição filosófica sobre o direito. Revista de Estudos Constitucionais,
Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, v. 9, n. 3, p. 311-326, set./dez. 2017.
Disponível em: http:// revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/rechtd. 2017.93.09/6434.
Acesso em: 27 fev. 2020.
37 Mesmo optando pelo sistema de referências em notas de rodapé, mencionarei no corpo do texto o
ano original de publicação de uma obra citada, sempre que for útil para situar temporalmente o
leitor.
38 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 16.
31
Tal recorte era necessário para que se pudesse desenvolver seu modelo
normativo de juiz, num exercício contrafático. Contudo, Dworkin deixa em aberto40
outro exercício importante, de fazer o caminho de volta: pensar em “Hércules fora do
Olimpo”. Que tipo de atenuações seriam justificadas para ele? A “descida” a que
Sunstein convida pode ser o próximo trabalho em sua jornada.
39 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 454-455.
40 E isso fica mais claro no debate com Sunstein.
32
41 Nesse sentido, ainda segue imbatível: GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. rd. Palo Alto:
Stanford University Press, 2012.
42 Não tenho a pretensão de realizar um profundo estudo histórico ou sociológico nesse sentido. Meu
foco continua sendo a análise dos argumentos apresentados pelos autores. Buscarei apenar
colocar algumas dessas ideias num contexto humanizado, a partir do que os próprios autores
identificavam como os problemas sociais que inspiraram suas reflexões.
43 BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Tradução de Thelma Médici Nóbrega. Rio de Janeiro:
Imago, 1995. Ver sua apropriação hermenêutica em: STEIN, Ernildo. Às voltas com a metafísica
e a fenomenologia. Ijuí: UNIJUÍ, 2014. p. 15-41.
33
[...] não apenas ele representa uma teoria particular, mas uma
demonstração majestosa do poder do argumento na política. As
pessoas são novamente atraídas pela ideia de que um argumento
sustentado, que começa com princípios que podem ser considerados
plausíveis como primeiros princípios, pode realmente nos dizer o que
fazer sobre direito indenizatório ou sobre a distribuição de leite para
as crianças nas escolas45.
Dworkin também tentaria realizar algo semelhante na sua área. Ocorre que a
teoria do direito precisa lidar com circunstâncias que estão dadas, diferentemente da
teoria da justiça. Isso diminui a eficácia de métodos construtivistas e procedimentais,
e põe o foco na reconstrução de razões substantivas presentes nos textos de lei,
precedentes e doutrinas.
Seria de imaginar que essa tarefa fosse mais fácil. Afinal, um jurista não
precisa partir do zero para fundamentar a solução justa para um caso, porque conta
com uma base legal que já foi debatida e positivada democraticamente. Contudo,
vale lembrar da frase de Alfred Adler: “é mais fácil lutar por princípios do que viver de
acordo com eles”46.
O desafio dworkiniano seria justamente demonstrar que o direito nos traz
compromissos, e que as decisões judiciais devem estar de acordo com seus
44 MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos aos pós-modernos. Tradução de Jefferson
Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. p. 498.
45 MAGEE, Bryan. Philosophy and politics [entrevista com Ronald Dworkin]. MAGEE, Bryan. Talking
philosophy: dialogues with fifteen leading philosophers. New York: Oxford University Press, 2001.
p. 213.
46 BOTTOME, Phyllis. Alfred Adler: apostle of Freedom. London: Faber, 1957. p. 76.
35
47 No livro: STRECK, Lenio. Hermenêutica, jurisdição e decisão: diálogos com Lenio Streck. 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020. p. 167-169: Bianor Arruda pergunta: “O senhor usa a
expressão ‘resposta adequada à Constituição’, enquanto Dworkin usa a expressão ‘uma resposta
correta’, traduzida por alguns como a ‘única resposta correta’. Enfim, o senhor diz que a Crítica
Hermenêutica do Direito já é uma teoria da decisão. Então, gostaria de saber em que sentido ela é
uma teoria da decisão?” Streck responde: “Na verdade, é assim: eu discuti esse assunto, mas eu
avancei em relação a isso. Hoje estamos trabalhando, minha equipe e eu, já com uma espécie de
antropofagia, ou seja, pegamos Gadamer, Heidegger e Dworkin e colocamos a questão assim:
para nós, não há dúvida alguma, ou seja, para mim não há dúvida alguma, e também para os
meus alunos que trabalham isso expondo e pesquisando. Estou convicto de que Dworkin é
absolutamente caudatário de Gadamer. É falso achar que Dworkin não tem nada a ver com
Gadamer. Toda noção que Dworkin tem sobre coerência e integridade está baseada nas questões
de Gadamer. A sua tese interpretativa nada mais é do que essa terceira cadeira que se coloca
entre dois grandes paradigmas.
Veja que até mesmo quando Dworkin vai falar sobre objetivismo moral, em seu livro Justiça para
Ouriços, eu posso mostrar, hermeneuticamente, que esse objetivismo moral dele não é o da
metafísica clássica, da ontologia. Eu posso demonstrar isso. Um aluno meu, Francisco Borges
Motta, escreveu agora uma tese, uma belíssima tese sobre Dworkin, ele tinha essa dúvida e me
mandou um e-mail. Respondi a ele, nas vésperas da defesa, e ele inseriu na tese. Então, com
essa compreensão, eu digo que o objetivismo moral de Dworkin não tira dele a importância, a
coerência e a integridade da sua própria obra. Se ele é interpretativista, se ele acabou exatamente
de tentar superar esses paradigmas, ele não poderia falar em objetivismo no mesmo sentido da
metafísica clássica. Veja a sutileza disso. Para ser mais simples: quando Dworkin se diz um
objetivista moral, não é o mesmo que Atienza dizer que é um objetivista moral. Eles falam de
lugares diferentes. A hermenêutica é uma das coisas mais sutis que existem, porque ela é cheia de
detalhes, porque, nas mínimas coisas, estão os giros, estão as circunstâncias que fazem com que
a compreensão tome um caminho ou a compreensão tome outro caminho. Então, na teoria da
decisão que você perguntava, eu acho que Dworkin tem a teoria da decisão. Gadamer teria, se eu
for a fundo. Eu teria que ter um auditório gadameriano só para falar sobre isso, porque eu teria que
36
ter, digamos, uma espécie de auditório ideal para poder compreendermos que, quando Gadamer
fala na autoridade da tradição e na possibilidade de verdade, ali tem a decisão. O seu
antirrelativismo é a decisão, isto é, os meus pré-juízos que me constrangem são a condição de
possibilidade da resposta correta ou adequada, porque ele fala várias vezes, e eu descobri isso.
Se você pegar uns textos meus, você vai ver as partes que eu descobri quando ele fala em
resposta certa. Eu cito em alemão e depois, traduzo para o português onde ele diz quando a
resposta é certa, e ele diz o seguinte: a resposta é certa quando eu já não me pergunto sobre ela.
Isso é genial, porque é uma espécie assim, digamos, de uma cotidianização das perguntas e das
respostas. Então, nesse sentido, seria uma teoria da decisão judicial. Mas aí para avançarmos,
então, o que eu faço? Eu pego Heidegger, Gadamer, Dworkin, juntos os três e construo aquilo que
chamo de Crítica Hermenêutica do Direito – CHD”.
48 MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao
protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
49 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
50 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 222.
51 No exemplo esclarecedor de: MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Como levar Ronald Dworkin a
sério ou como fotografar um porco-espinho em movimento. In: GUEST, Stephen. Ronald Dworkin.
Tradução de Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. VII-XVIII.
37
52 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 227.
38
futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que
aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a
incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção.
Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o motivo
das decisões anteriores, qual realmente é, tomando como um todo, o
propósito ou o tema da prática até então53.
A associação entre direito e literatura costuma ser vista por muitos como
“adorno” ou “perfumaria”. Mas, nesse caso, ela tenta captar a própria estrutura da
racionalidade jurídica54, isto é, um exercício de “interpretação-construtiva”. Esse
insight levará a outra maneira de elaborar e disputar teorias do direito.
53 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 235-237.
54 Ernildo Stein vem discutindo a importância de refletir sobre a relação entre direito e literatura,
evitando que essa última disciplina seja usada apenas como ornamento. Dworkin parece evitar
esse problema ao recorrer à literatura como um modo de liberar uma outra racionalidade para a
discussão jurídica, na mesma linha de Gadamer. Busca-se na literatura uma discussão de
paradigma filosófico. Nesse sentido, vale lembrar que Stein aponta três maneiras em que a relação
entre filosofia e ciência pode se dar, e que pode ser adaptada (com os devidos cuidados) para
discutir a relação com a literatura. A primeira é a invocação da filosofia como ornamento para o
discurso científico, uma citação ad hoc sem maiores compromissos. Trata-se da falsa escolha
filosófica por excelência. A segunda é a filosofia como orientação, buscando-se numa determinada
perspectiva filosófica um guia direto para o cientista. Esta já é uma relação mais compromissada,
porém ainda superficial e potencialmente ilusória, deixando de fora todas as perplexidades da
fundamentação filosófica em prol de uma determinada finalidade científica. A última relação é a da
filosofia como standard de racionalidade. Aqui o cientista já se movimenta paradigmaticamente,
localizando-se e operando a partir de uma estrutura mínima de conhecimento (com suas noções
de racionalidade, demonstrabilidade, verdade, etc.). Ele faz ciência com atenção aos seus
pressupostos, o chão filosófico no qual que está pisando. STEIN, Ernildo. Exercícios de
fenomenologia: limites de um paradigma. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2005. p.135-138. Para uma reflexão
sobre esses três modos de relacionar direito e filosofia, e suas consequências para um programa
de pesquisa jurídico, veja-se: STRECK, Lenio Luiz; DELFINO, Lúcio; LOPES, Ziel Ferreira. O
processo judicial visto pela crítica hermenêutica do direito. Revista Brasileira de Direito
Processual, Belo Horizonte, v. 25, n. 100, p. 213-228, out./dez. 2017. Disponível em: http://www.
luciodelfino.com.br/enviados/201712139153.pdf. Acesso em: 28 fev. 2020.
55 Dworkin usa o termo paradigma para se referir aos conceitos interpretativos compartilhados pelos
usuários do direito. Aqui, estou usando o termo de modo ligado à filosofia da ciência, como o
conjunto de pressupostos (sobre racionalidade, verdade, demonstrabilidade, etc.) a partir dos quais
os cientistas elaboram suas teorias. Muitas vezes, o debate entre dois cientistas precisa recuar,
saindo da disputa teórica imediata e passando para um nível paradigmático, porque podem estar
trabalhando sob pressupostos diferentes. A meu ver, o interpretativismo é um novo paradigma que
Dworkin propõe para que elaboremos e disputemos teorias do direito, no qual se destacam o
convencionalismo, o pragmatismo e o integracionismo (direito como integridade). Ele vem
substituir a visão do direito como simples fato e as teorias semânticas, paradigma no qual se
destacavam o jusnaturalismo, o realismo jurídico e o positivismo descritivo. Dworkin não nomeia a
diferença entre o interpretativismo e sua teoria do direito como integridade, mas fica claro na obra
do autor que os dois conceitos não operam no mesmo nível. Por vezes, também me referirei ao
interpretativismo como um novo “enquadramento” para as teorias do direito.
39
na teoria do direito56. Isso significa que a interpretação deixou de ser apenas uma
questão instrumental e passou a ser um verdadeiro paradigma para todo o
conhecimento produzido na área, com um regime próprio de verdade, racionalidade,
justificação, demonstração, etc.
Esse giro57 fez parte de uma mudança mais ampla nas ciências humanas e
sociais, em reação ao projeto moderno, o qual tentou reproduzir o sucesso das
ciências naturais imitando seus métodos. Sob esse paradigma, o positivismo havia
se destacado como uma maneira de trabalhar também com “fatos sociais”, dando-
lhes um tratamento empírico. Na área jurídica, isso implicou descrever o direito como
algo posto pela mão humana, separando-o metodologicamente da avaliação de seu
conteúdo por critérios morais58.
Contudo, a virada da modernidade trouxe uma crise do fundamento. Foram se
acumulando denúncias sobre a impossibilidade de um conhecimento absoluto,
neutro, incondicionado, garantido por um método – o substituto moderno para Deus.
Para alguns, isso levaria ao relativismo. Para outros, essas pré-compreensões não
seriam apenas uma “sujeira” que o método não conseguiria purificar, e que deveriam
ser assumidas como uma fatalidade. Elas teriam também um caráter possibilitador e
constitutivo do saber, levando a outro tipo de verdade59. A partir daí, muitos
pensadores passaram a defender que todo conhecimento deveria se assumir como
condicionado pelo universo compreensivo que já carregamos conosco, e prestar
contas disso. A filosofia foi invadida pela linguagem. A sociologia descobriu sua
dimensão “compreensiva”. O biologismo médico foi desafiado pela psicanálise. E
também o direito teve que reconhecer que seu “objeto” não poderia ser reduzido à
empiria.
Mesmo os positivistas jurídicos constataram as dificuldades de manter seus
modelos teóricos fundamentados em fatos puramente físicos. Até então, na tradição
anglo-saxônica, destacava-se o elegante “modelo de Austin”, que reduzia a
56 Atualmente, existe vasta bibliografia sobre o tema. Uma análise aprofundada pode ser lida em:
FELDMAN, Stephen Matthew. The new metaphysics: the interpretive turn in jurisprudence. Iowa
Law Review, Iowa Law Review, [S. l.], v. 76, p. 660-669, Oct. 1991. Disponível em:
https://ssrn.com/abstract=2566986. Acesso em: 30 dez. 2018.
57 Analisando o giro linguístico nas várias matrizes filosóficas: OLIVEIRA, Manfredo Araújo de.
Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3. ed. Ipiranga: Loyola, 2006.
58 STRECK, Lenio Luiz. Positivismo jurídico. In: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica:
quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo
Horizonte: Casa do direito, 2017. p. 159-211.
59 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 360 e 390-391.
40
64 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 41-45.
65 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
entende como teoria do direito, por não lidar (diretamente) com a racionalidade interna desse
fenômeno.
68 Essa é a questão central de: MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Do xadrez à cortesia: Dworkin e
Mas, então, dizer que alguém tem um direito seria uma questão
“metafísica”71? Não. Para Dworkin, seria uma questão jurídica: trata-se de oferecer
uma interpretação responsável e justificada do que o direito daquele país exige
naquele caso. Uma teoria do direito realizaria a mesma atividade, só que num nível
maior de abrangência.
Ao abandonar-se a visão do direito como simples fato e admitir-se o
interpretativismo, uma nova disputa teórica surge: não uma busca pela maneira
como as pessoas usam a palavra direito, mas uma busca por aquilo que julgamos
mais valioso nas práticas jurídicas, uma defesa de qual seria a “melhor luz” do
direito, capaz de legitimar o uso do poder coercitivo num Estado democrático.
Sob esse novo enquadramento, surgem três grandes teorias rivais disputando
a melhor interpretação do direito: o convencionalismo, o pragmatismo e o
integracionismo (ou: direito como integridade)72.
71 Aqui Dworkin está tentando imitar a estratégia “quietista” de John Rawls, em: RAWLS, John.
Justiça como eqüidade: uma concepção política, não metafísica. Tradução de Regis de Castro
Andrade. Lua Nova, São Paulo, n. 25, p. 25-59, abr. 1992. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010264451992000100003&lng=en&nrm=is. Acesso em: 03 fev.
2020. Está empregando o termo metafísica num sentido comum ao debate filosófico americano,
como algo que gera comprometimentos ontológicos. Para fortalecer uma teoria, esses
comprometimentos deveriam ser evitados tanto quanto possível, na linha defendida por: QUINE,
William Van Orman. Sobre o que há. In: QUINE, William Van Orman. De um ponto de vista
lógico: nove ensaios lógico-filosóficos. Tradução de Antonio Ianni Segatto. São Paulo: UNESP,
2011. p. 11-35. Tal visão da metafísica tem problemas na tradução para outras matrizes
filsofóficas. Na tradição hermenêutica continental, “a superação da metafísica não é o fim da
metafísica”, para lembrar o mote de Heidegger. Os absolutos deram lugar a uma “metafísica da
finitude”, lançada na linguagem e na historicidade. E ela seria inevitável. Por isso, para Stein,
quando autores como Habermas falam em “fundamentação pós-metafísica”, eles estão se
desprendendo dos absolutos, mas continuam operando dentro de uma metafísica do cotidiano,
que nos permite dizer algo sobre algo. Sobre isso: STEIN, Ernildo. Às voltas com a metafísica e
a fenomenologia. Ijuí: Unijuí, 2014. Talvez essa visão hermenêutica da metafísica fosse até
melhor do que a rawlsiana para explicar a fundamentação em Dworkin. A teoria dworkiniana é
menos construtivista e procedimentalista do que a de Rawls, assumindo um caráter mais
substantivo e interpretativo. Isso impediu que ele mantivesse a estratégia quietista até o fim. Por
isso, foi fortemente cobrado pela comunidade filosófica. Em suas últimas obras, enfrentou sérias
dificuldades para explicar que tipo de “objetividade” defendia. Para uma discussão sobre
interpretativismo, metafísica e direito: FELDMAN, Stephen Matthew. The new metaphysics: the
interpretive turn in jurisprudence. Iowa Law Review, [S. l.], v. 76, p. 660-669, Oct. 1991. Disponível
em: https://ssrn.com/abstract=2566986. Acesso em: 30 dez. 2018.
72 Essa é a “jurisprudência revisitada” de que fala o capítulo 3: DWORKIN, Ronald. O império do
direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p.
109-141. Aqui, enfatizarei o que essas teorias dizem sobre decisão judicial. Entretanto, cabe
advertir que, para Dworkin, uma teoria do direito deve conter também uma teoria da legislação e da
observância da lei. Mais especificamente, no que se refere à teoria da decisão judicial, ela “deve
conter uma teoria da controvérsia, que estabeleça os padrões que os juízes devem utilizar para
decidir os casos jurídicos difíceis, e uma teoria da jurisdição, que explique por que e quando os
juízes - e não outros grupos ou instituições - devem tomar as decisões exigidas pela teoria da
controvérsia” (p. IX). Como ficará claro ao longo desta tese, a teoria de Dworkin é mais
desenvolvida no que se refere à teoria da controvérsia, enquanto a de Sunstein prioriza a teoria da
jurisdição.
45
73 Como contraponto à busca por uma justiça substantiva, Dworkin fala primeiro na virtude de manter
fidelidade às leis. Depois, começa a falar também na importância de se dar voz igual a todos os
cidadãos no processo legislativo, uma visão que toma como justo qualquer resultado de um
processo em que haja distribuição equitativa de poderes. A mudança tem a ver com a estratégia
teórica: Dworkin discute diferentes virtudes que circundam a integridade, buscando contrapontos
para desenvolver os vários aspectos que a qualificam. Ao longo do livro, fala em: fidelidade,
imparcialidade, equidade – uso a tradução consolidada para facilitar a referência, mas acompanho
a observação feita por Streck de que o termo fairness seria mais bem traduzido como
equanimidade, para não se confundir com os chamados julgamentos por equidade (equity) –,
justiça, devido processo, etc. Na reconstrução que faço nesse ponto da tese, não desdobrarei
essas discussões, para simplificar a análise das três grandes teorias do direito.
46
voz” aos seus cidadãos. Essa teoria do direito depende de uma visão holística74, que
não lê os casos a partir de regras isoladas, mas à luz dos vários padrões
interpretativos que emergem do sistema jurídico.
Nesse modelo, a fidelidade às decisões passadas seria importante, mas não
da mesma maneira que para os convencionalistas. Dworkin não busca manter
apenas uma coerência formal entre as decisões, mas uma consistência
principiológica. Isso pode levar à quebra de uma cadeia de precedentes, para
atender às razões substantivas que os justificam, quando mais bem compreendidas.
Por exemplo, Dworkin cita um caso do direito inglês, Saif Ali v. Sydney Mitchell & Co
[1980] A.C 198. Estava em jogo a responsabilidade de advogado devido a danos
causados por negligência. Até então, a advocacia era a única profissão que não se
sujeitava ao instituto. Embora essa profissão tenha um regime jurídico próprio, o
tratamento diferenciado nesse ponto não se justificava à luz dos princípios de
responsabilidade civil. Diante disso, “a Câmara dos Lordes atualmente reduziu essa
isenção: ao fazê-lo, preferiu a integridade à coerência estrita. A integridade, porém,
não estará satisfeita enquanto a isenção não for totalmente eliminada.”75
Por outro lado, o integracionismo também busca a melhoria da sociedade,
mas não do mesmo modo que para os pragmáticos, já que eles cairiam num
ceticismo normativo. Os pragmáticos tratariam as pessoas apenas “como se” elas
tivessem direitos, desde que isso não conflitasse com suas análises custo-benefício,
capazes de maximizar a felicidade/riqueza/eficiência/utilidade. Para Dworkin, a
busca de melhorias nas decisões judiciais não tem caráter instrumental, tratando-se
de uma exigência da correta compreensão dos direitos. Se uma pessoa tem um
direito, ela tem um trunfo contra todos, mesmo que isso torne a situação da
sociedade pior. O direito seria justamente esse mínimo indisponível, um componente
anti-utilitário que possibilitaria a vida em sociedade.
Em suma: o direito como integridade busca uma consistência de princípios,
que olha tanto para o passado quanto para o futuro. Os juízes não descobrem nem
criam o direito, mas realizam as duas coisas ao mesmo tempo.
74 Esse é a característica central que Hart atribui à teoria de Dworkin: HART, Herbert L. A. O pesadelo
e o nobre sonho. In: HART, Herbert L. A. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia. Tradução de
José Garcez Ghirardi e Lenita Maria Rimoli Esteves. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 137-161.
75 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
76 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 222.
48
77 Fazendo sempre a ressalva de que há versões bem mais sofisticadas dessas teorias, que não
caberia discutir nesse espaço.
78 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sete- Câmara. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. Originalmente publicado em 1962.
49
81 DWORKIN, Ronal. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 27-28.
82 ESTADOS UNIDOS. Corte de Apelações de Nova York. Riggs vs Palmer. Nova York, 1889.
Disponível em: http://www.courts.state.ny.us/reporter/archives/riggs_palmer.htm. Acesso em: 17
Jul 2016.
51
em que estava dispondo de seus bens, sem fazer ressalvas que se aplicassem ao
caso. A maioria, liderada pelo Juiz Earl, reconheceu que pelos estatutos nova-
iorquinos Elmer tinha direito de receber o que lhe fora destinado. Contudo, apelou a
vários argumentos para negar-lhe esse direito. Falou-se de vários casos em que
interpretações estritas levam a situações absurdas, citando desde o decálogo, até
Aristóteles, Blackstone, etc. Invocaram-se precedentes sobre fraude e estelionato
em testamentos, chamando atenção para o absurdo que seria se Elmer se
beneficiasse juridicamente de seu crime. Por fim, apesar do reconhecimento da
limitação dos estatutos, defendeu-se uma interpretação do caso que levasse em
conta todo o conjunto do Common Law, no qual era recorrente a proibição de que
alguém se beneficiasse de seus malfeitos.
Dworkin se concentrou nesse último fundamento da decisão. Para ele,
estava-se diante de um padrão normativo diferente, que surgia da interpretação do
todo coerente do direito. A existência desse tipo de norma entraria em choque com
as três grandes teses positivistas, porque: não era reconhecida por um “teste de
pedigree”, mas por suas razões; determinava a decisão judicial mesmo em casos
difíceis; e, justificava a existência de uma obrigação jurídica, mesmo onde não havia
regra clara.
Alguém poderia tentar rejeitar preliminarmente o exemplo dado, através de
contraexemplos. Onde estaria a proibição de “se beneficiar de seu próprio malfeito”
num caso de usucapião? Dworkin responde, elaborando as especificidades desse
tipo de norma.
direito, é que ele, se for relevante, deve ser levado em conta pelas
autoridades públicas, como uma razão que inclina numa outra
direção83.
83 DWORKIN, Ronal. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 41-42.
84 Como ele esclarece posteriormente, em outros textos, especialmente em: DWORKIN, Ronald. O
império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
53
são obrigatórios. São apenas padrões interpretativos que os juízes podem adotar na
prática. Dworkin responde: a prática jurídica demonstra que princípios
desempenham um papel na decisão, e que não são algo à mera disposição do juiz.
Não são apenas citados à toa, como seu abuso retórico às vezes nos faz crer;
determinam genuinamente a decisão num ou noutro sentido, como se pode ver em
Riggs v. Palmer e tantos outros casos.
O positivista poderia, então, conceder que os princípios sejam obrigatórios,
mas que não podem prescrever um resultado particular. Mas isso não lhes negaria
seu status normativo nem seu caráter anti-discricionário. Apenas reafirmaria a
distinção que Dworkin propôs entre princípios e regras. Além disso, regras também
não são absolutamente previsíveis, e nem por isso as desacreditamos como
normas.
O positivista reformularia: nem princípios nem regras podem prever um
resultado particular, mas os princípios não podem valer como lei, pois sua
autoridade e seu peso são intrinsecamente controversos. O caso é que, por mais
controversa que seja discussão sobre um direito, isso não retira a obrigação de
chegarmos a uma compreensão correta dele, e de tomarmos uma decisão de
acordo com o que as normas exigem. Dizer que tais padrões são controversos não
quer dizer que eles não existam, que não sejam jurídicos, e que os juízes sejam
livres paras decidir de acordo com suas preferências pessoais. Além disso, tanto os
princípios valem como lei que, como vimos, eles chegam a mudar a aplicação de
regras legalmente estabelecidas. E, por mais controverso que isto seja, não
depende de meras preferências pessoais do juiz.
Depois de responder essas três possíveis objeções, Dworkin enfrenta uma
saída conciliatória: os princípios poderiam ser tomados como regras de
reconhecimento? Não. Se apelássemos para dizer que as regras de reconhecimento
são todos os princípios possíveis, cairíamos numa tautologia de dizer que o direito é
o direito. E se tentássemos catalogar todos os princípios, por definição, não
conseguiríamos, pois eles não se prestam a esse tipo de sequestro enunciativo.
Essas saídas não trariam um ganho teórico. Elas contrariariam o próprio sentido do
que são os princípios, sua dimensão de peso, e tudo que Dworkin quis trazer à tona
a partir deles.
É verdade que a referência a princípios estaria longe de ser algo inédito na
teoria do direito. O próprio Dworkin reconhece que os manuais já estavam cheios de
54
85 Nessa linha: GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. ed. Palo Alto: Stanford University Press, 2012.
86 Apesar das várias objeções que Dworkin já tinha antecipado contra várias dessas saídas
positivistas.
55
87 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 7-8.
56
controlado. Pelo contrário, nos engajamos numa acirrada disputa pela resposta
correta, tentando oferecer justificações articuladas (“teorias”) para demonstrar que
nossa intepretação é superior.
Por sinal, a escolha terminológica que Dworkin faz aqui é curiosa,
idiossincrática e pouco comentada: ele cunha a expressão “divergências teóricas
sobre o direito” (theoretical disagreements), colocando-a como contraposta às
divergências empíricas, quando já existe a expressão “desacordos morais” sendo
usada de modo corrente na filosofia. Com isso, aproxima os termos “teoria”, “moral”
e “interpretação”, chegando até a usá-los de maneira intercambiável em vários
momentos de sua obra. Todos eles passam a ser uma maneira abreviada pela qual
o autor se refere a fenômenos que envolvem uma “interpretação construtiva”. Por
outro lado, a inovação terminológica ajuda a distanciar o desacordo moral no direito
de um desacordo moral puro, trabalhado na filosofia, em que inexistem quaisquer
preocupações sobre fontes institucionais.
A partir da constatação desse tipo de desacordo jurídico, Dworkin se volta
contra aqueles que concebem o que o direito “é” como algo totalmente independente
do que ele “deveria ser”. Eles só poderiam dar conta de divergências empíricas no
direito. Não poderiam explicar com racionalidade uma divergência teórica genuína
sobre o direito. Ela seria uma falsa divergência teórica, motivada pelo erro empírico
de algum juiz ou advogado sobre a lei ou precedente corretamente aplicável ao caso
– puramente, o que é o direito, no sentido de conjunto de decisões institucionais. Ou
seria uma disputa de poder pelo que eles acham que deveria ser o direito, criando-o
a partir do zero (e não interpretando-o). No primeiro caso, tenta-se descobrir o
direito; no segundo, tenta-se inventá-lo.
A versão leiga da visão do direito como simples questão de fato seria a
torcida por tribunais “conservadores” ou “progressistas”. Num caso, os juízes têm
uma fidelidade cega ao que “é” o direito. No outro, uma liberdade para aperfeiçoá-lo
segundo o que acham que ele “deveria ser”. Em nenhum dos casos há engajamento
numa prática interpretativa-argumentativa genuína sobre a norma. Com liberdade,
poderíamos dizer: ou o direito já está posto e os atores jurídicos não o perceberam,
ou vai ser posto agora por eles. Basta que alguém descubra ou invente a
convenção. A polarização entre positivismo e pragmatismo seria apenas uma versão
acadêmica mais sofisticada dessa mesma disputa.
57
88 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 25.
58
Não se pode perder de vista que o chamado “argumento dos desacordos” era
apenas um meio para um fim. Com ele, Dworkin esperava mudar o enquadramento
das teorias do direito, trazendo positivistas e pragmáticos para uma disputa sobre
melhor interpretação das práticas jurídicas.
Por isso, os desacordos se destacam apenas nos dois primeiros capítulos de
O império de direito. Os outros 9 capítulos do livro são dedicados ao debate que
Dworkin queria, defendendo que o convencionalismo e o pragmatismo eram recortes
parciais se comparados ao integracionismo.
Para defender a superioridade do seu modelo, Dworkin passou a analisar
alguns casos complexos, demostrando como os juízes deveriam buscar a
integridade na prática. Tentou fazer isso através de uma espécie de lente de
aumento teórica, idealizando um juiz de capacidades sobre-humanas, sabedoria
infinita e sem limitações de tempo para tomar suas decisões. Deu-lhe o nome de
Hércules, em referência ao semi-deus grego90. Ele poderia perseguir a integridade
com toda intensidade possível, tornando-a mais visível para nosso estudo.
Submete-o, então, a três tarefas: interpretar um caso a partir dos precedentes
do Common Law; um caso legal (statutory); e um caso constitucional.
91 DWORKIN, Ronald O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 29-35.
60
92 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p.288-289.
93 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 290.
61
Veja-se que, mesmo aí, o juiz não atua com liberdade. Ele tenta interpretar o
caso a partir do direito daquela comunidade, procurando qual a solução o coloca sob
a melhor luz, e/ou tentando respeitar a igual voz de seus concidadãos sobre o tema.
Isso assume uma característica peculiar no Common Law. Nesse âmbito, é
importante investigar o quanto os precedentes ainda refletem a moralidade popular,
e o que caiu em desuso – por exemplo, foi assim que se deixou de punir
judicialmente a blasfêmia.
Afinal, pelos critérios estabelecidos acima, Hércules decide pela resposta
(5)98, como aquela que interpreta o direito sob sua melhor luz. O direito de seu país
permite indenização por qualquer dano moral diretamente causado por um motorista
negligente, que poderia ter previsto o acidente se fosse razoavelmente sensato.
Digamos que ele tenha precisado recorrer aos critérios mais abstratos para o
desempate entre as respostas (5) e (6), argumentando que a resposta (5) torna o
direito mais justo e equitativo naquela comunidade – talvez Dworkin tenha preferido
essa resposta, porque (6) introduzia um argumento de política. Hércules sabe que
suas próprias convicções desempenharam algum papel nisso tudo. E sabe que
outros juízes poderiam decidir de modo diferente. Mas, pela atitude que assumiu
nesse processo, isso não invalida automaticamente os argumentos que ofereceu em
97 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 299.
98 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 309.
63
99 Além dos casos resolvidos por Hércules, também levei em consideração: “as etapas da
interpretação” (p. 81-84) e a doutrina da prioridade local (p. 300-304) em DWORKIN, Ronald. O
império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2014; os comentários de COELHO, André. Ronald Dworkin: Como interpretar à maneira de
Hércules? [S. I.] 24 jun. 2012 Blog: Filósofo Grego. Disponível em: http://aquitemfilosofiasim.
blogspot.com.br/2012/06/ronald-dworkin-como-interpretar-maneira.html. Acesso em: 08 fev. 2020;
e os comentários de MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. A integridade do direito e os protocolos de
Hércules. In: COELHO, André; MATTOS, Saulo; BUSTAMANTE, Thomas. Interpretando o
Império do direito. Belo Horizonte: Arraes, 2018.
64
Qual foi a reação ao argumento dos desacordos? Não foi uma adesão ao
debate que Dworkin queria.
Da parte do pragmatismo jurídico, não se seguiu um debate sistemático,
talvez até por culpa de Dworkin, que colocou numa mesma categoria movimentos
100 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 287.
65
101 SHAPIRO, Scott J. The “Hart-Dworkin” debate: a short guide for the perplexed. U of Michigan
Public Law, Working Paper [S. l.], n. 77, p. 1.-54, mar, 2007. DOI: https://doi.org/10.1017/ cbo
9781139167109.002. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=968657. Acesso em: 17 jul. 2016 e
30 dez. 2018.
102 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
103 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
104 Dworkin distingue entre ética e moral. A primeira diria respeito ao âmbito privado, sobre como
devemos viver; a segunda diria respeito ao âmbito público, sobre como devemos tratar os outros.
105 Relacionando-as com o direito à liberdade de crença, questões de filosofia moral e critérios de
107 COITINHO, Denis. Moralidade, justificação e coerência. Kriterion, Belo Horizonte, v. 56, n. 132, p.
557-582, dez. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
512X2015000200557&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 03 fev. 2020.
108 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 227.
109 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 124-130 e 150-152.
68
[...] Pretendo submeter cada uma das concepções políticas por mim
descritas ao teste da convicção. Não me baseio no pressuposto de
que uma teoria é sólida simplesmente porque se harmoniza com
outras teorias que também achamos convincentes. Tenho a
esperança de desenvolver concepções integradas que pareçam
todas corretas em si mesmas, pelo menos depois de alguma
reflexão. Proponho, entretanto, uma tese independente e muito forte.
Ao longo de todo o livro, defendo a ideia de que, na moral política, a
integração é uma condição necessária de verdade. Não é possível
sustentar concepções definitivamente persuasivas dos diversos
valores políticos a menos que essas concepções de fato se
encaixem entre si. Quem ganha fácil demais é a raposa: é sua vitória
aparente, hoje tão celebrada, que é oca110.
Essa tese da unidade do valor não nega que as pessoas têm diferentes
visões morais e que elas podem entrar em conflito (inclusive, dentro de uma mesma
pessoa). Apenas sustenta que nosso conhecimento nesse campo envolve uma
busca crescente por coerência. Desse modo, os princípios que sustentamos não
devem ser abandonados à contradição ou à incomensurabilidade. Devemos buscar
sempre sua melhor leitura, na qual eles se apoiem mutuamente. Temos uma
responsabilidade interpretativa de buscar essa integração. Ou, para colocar de outra
maneira: o pluralismo não pode ser usado como desculpa para não se justificar, para
110 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 12.
69
111 Para ver a discussão dessa tese: DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e
valor. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 69-72.
112 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo:
115 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de Jussara
Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 395-396.
116 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
119 RIPSTEIN, Arthur. Introduction: Anti-Archimedeanism. In: RIPSTEIN, Arthur (ed). Ronald
Dworkin. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 1-6.
120 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Direito. Brasília, DF, v. 01, n. 01, p. 199-219, jan./jun. 2014. Disponível em: http://revistadireito.
unb.br/index.php/revistadireito/article/view/24. Acesso em: 30 dez. 2018.
72
122 COSTA, Alexandre Araújo. Teologia moral para ouriços: a teoria da justiça de Ronald Dworkin.
Direito. Brasília, DF, v. 01, n. 01, p. 203, jan./jun. 2014. Disponível em: http://revistadireito.unb.
br/index.php/revistadireito/article/view/24. Acesso em: 30 dez. 2018.
123 DWORKIN, Ronald. Religion without god. Cambridge: Harvard University Press, 2013.
124 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
característica da família”. Assim, “[sua decisão] será injusta a menos que uma
interpretação nova e melhor dos mesmos princípios mostre porque ela não é
injusta”128. Mesmo num caso eminentemente moral, Dworkin continua mostrando a
importância de se identificar as práticas sociais já existentes e justificá-las numa
rede integrada de valores, de modo a fazer dessas práticas o melhor que puderem
ser de acordo com o propósito que se lhes atribui. Em um caso jurídico, soma-se
aos critérios de decisão todo um filtro institucional, que exige um ajuste às normas
democraticamente produzidas.
Veja-se que essas duas etapas, de identificação e justificação, são passíveis
de controle público, que as práticas sociais já existentes aliviam os riscos de um
direito “encontrado no céu, em tabuinhas transcendentais”129, mas não se
absolutizam numa teologia moral. Funcionam como uma base de conservação de
direitos (pois é preciso começar por algum lugar) e como alavanca de
transformações, na medida em que cada prática é revista à luz do todo.
Aqui não há uma determinação historicista, como em determinado momento
acusa Costa, mas certamente há uma circularidade em que valores são renovados a
partir de outros valores, como Dworkin reconhece130, numa herança gadameriana tal
que a crítica à tradição é levantada a partir de elementos da própria tradição131.
Muitos autores veem nessa tese final um desvio do autor com relação a seu
projeto interpretativista. Aqui Dworkin se expõe como nunca, abrindo oportunidades
a seus críticos, e levando até mesmo dworkinianos a hesitar em acompanhá-lo. Qual
a minha posição a seu respeito?
Antes de responder, é preciso deixar claro quais os riscos e as vantagens que
estão em jogo. Boa parte do que foi construído sobre a autonomia do direito,
sobretudo na separação entre o direito e a moralidade pessoal do juiz perante o
128 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 626.
129 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 75. Defendendo uma leitura de Dworkin com uma lente
de aumento gadameriana: MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica
hermenêutica ao protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
131 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método lI: complementos e índice. Tradução de Ênio Paulo
132 Aqui, me refiro ao justanuralismo tal como entendido por Dworkin, e do qual ele foi acusado por
seus críticos positivistas/pragmáticos, sem ignorar a existência de versões altamente sofisticadas
dessa tradição, tanto entre os clássicos quanto entre os contemporâneos.
133 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito
contemporânea. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 280.
76
134 Aqui apenas estou descrevendo a visão (bastante particular) de Dworkin, o que ele consideraria
como disciplina normativa e como as relacionaria.
77
Contudo, isso não obriga a uma única teoria sobre o que devemos fazer. Os
riscos aos quais o modelo decisório de Dworkin se expõe são inegáveis. E alguns
juristas podem decidir que não vale a pena corrê-los. Um jurista pode entender a
dimensão moral da interpretação jurídica, e decidir diminuir a dependência dela,
mudando o desenho das instituições, procedimentos e competências. Só cabe fazer
uma advertência: qualquer teoria desse tipo precisará recorrer a justificações que
são, elas próprias, morais.
Review, [S. l.], v. 127, n. 2, p. 636-651, 20 Dec. 2013. Disponível em: https://harvardlawreview.
org/2013/12/the-path-not-taken- h-l-a-harts-harvard-essay-on-discretion/. Acesso em: 10 dez.
2017.
78
138 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 290.
139 LAKATOS, Imre. La metodología de los programas de investigación científica. Tradução de
consensual dos adeptos dessa teoria. Mas ela consolida algumas teses sobre o
direito e põe em movimento novas questões relevantes, tais como: a interpretação
jurídica envolve uma dimensão moral inevitável; existem critérios mínimos que
usamos para demonstrar a superioridade moral de uma interpretação; e, diante dos
limites e possibilidades desses critérios, precisamos decidir se vamos propor
mudanças na teoria da interpretação jurídica ou nos desenhos de nossas
instituições.
Sob o enquadramento do direito como um ramo da moral, ficaria difícil uma
nova fuga positivista do tipo “estou apenas descrevendo como é o direito, sem me
comprometer com seu conteúdo”. Mais do que nunca, ganha força a objeção de
Dworkin de que só descrever já é prescrever alguma coisa (o status quo) por
omissão. Isso diminui a importância da velha agenda metodológica140, e nos leva a
um reagendamento moral-político141 da pesquisa jurídica, isto é, discutir como
podemos promover da melhor maneira o direito de uma comunidade.
Ainda haveria espaço para um positivismo mais estreito, que não nega de
maneira geral o papel que a moral desempenha no direito. Ele reconheceria esse
papel, e desceria para o debate normativo, sobre a melhor maneira de aplicar o
direito. Poderia defender que uma sociedade seria mais democrática se as
interpretações do direito se ativessem a uma espécie de novo textualismo, ou à
intenção documentada dos legisladores eleitos, ou à coerência formal com decisões
passadas, porque isso seria melhor do que confiar na sensibilidade moral dos juízes.
Com efeito, a defesa de um textualismo sob tais justificativas é o que propõe o
positivismo normativo de Jeremy Waldron142, que, não por acaso, celebra a tese do
direito como ramo da moral.
Claro, Dworkin ainda seguiu sustentando sua teoria do direito como
integridade, sem abrir mão de uma interpretação judicial mais profunda, da
superação da intenção do autor em matéria de interpretação, e do valor (moral e
140 A reflexão sobre o agendamento do debate jurídico por Dworkin é feita por: MACEDO JUNIOR,
Ronaldo Porto. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito contemporânea. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 17-21. Macedo analisa o que chama de dois rounds do debate entre Dworkin e
os positivistas: o primeiro, centrado no argumento dos princípios, e o segundo, no argumento dos
desacordos. Sugeri que a tese do direito como um ramo da moral seria a última grande ofensiva
de Dworkin, a qual a maioria dos positivistas ainda não se animou a responder. Aqui, tento
especular que nova agenda surgiria depois dessa tese.
141 Refiro-me aqui à moralidade política que justifica o direito de uma comunidade.
142 WALDRON, Jeremy. Jurisprudence for Hedgehogs. NYU School of Law, Public Law Research,
[S. I.] p. 13-45. jul, 2013. DOI: https://doi.org/10.2139/ssrn.2290309. Disponível em: https://ssrn.
com/abstract=2290309. Acesso em: 30 dez. 2018.
80
143 WALDRON, Jeremy. Law and disagreement. New York: Oxford University Press, 1991.
144 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University
Press, 2018
82
Vale ressaltar que o direito como integridade não é “direito como justiça”, mas uma
interpretação do material jurídico básico sob a melhor luz.
Em todo caso, são possíveis críticas mais moderadas, a um déficit de
realidade em Dworkin. Sem negar completamente o sentido do projeto dworkiniano,
elas podem alegar que seu modelo é incompleto se não discutir as circunstâncias de
sua atenuação. Ou, ainda, que o modelo só precisa de atenuações porque interpreta
de uma maneira equivocada o que o raciocínio jurídico requer. Essas sãos as
brechas que serão exploradas por autores como Sunstein.
Resposta correta. É provável que essa tenha sido a tese mais criticada de
Dworkin. Infelizmente, a maioria das críticas tomou como alvo aquilo que o autor não
disse. Desde o início, Dworkin formulou a tese como um ataque ao ceticismo, à
atitude que considera, de antemão, que todas as respostas são equivalentes ou que
nenhuma delas tem sequer aptidão de ser correta146. Segundo Guest147, a tese de
Dworkin é mais contra a “inexistência de respostas corretas” (no right answer) do a
favor da existência de uma “única resposta correta” (one right answer).
Diante disso, alguém pode pedir que Dworkin demonstre quais são as tais
respostas corretas. Ele até realiza vários estudos de caso, se esforçando para dar
as melhores respostas possíveis, mas seu foco é mostrar como devemos tentar
legitimar nossos raciocínios jurídicos, dentro do jogo da interpretação e
argumentação. Dworkin nunca defendeu a existência de argumentos
145 GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. ed. Palo Alto: Stanford University Press, 2012. p. 81-82
146 DWORKIN, Ronald. Os direitos podem ser controversos? In: DWORKIN, Ronald. Uma questão de
princípio. Trad. de Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 429.
DWORKIN, Ronald. Não existe mesmo nenhuma resposta certa em casos controversos? In:
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 175-276. DWORKIN, Ronald. Apêndice: resposta aos críticos. In:
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010. p. 507-519.
147 GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. ed. Palo Alto: Stanford University Press, 2012. p. 141.
83
148 GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. 3. ed. Palo Alto: Stanford University Press, 2012. p. 140.
149 DWORKIN, Ronald. Is there truth in interpretation? Mountain View: Google, 2009. (1 h 7 min 10
s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=742JyiqLhuk. Acesso em: 24 fev. 2020.
84
150 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 162-177. STRECK,
Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. Especialmente o posfácio.
151 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? para uma crítica do direito brasileiro. Rio
de Janeiro: FGV, 2013. p. 15, nota de rodapé n. 1, e p. 80-103.
85
Outra leitura, ainda mais problemática, é aquela que toma Hércules como
uma defesa de que o Judiciário tenha mais poderes. Interpretá-lo assim é perverter
completamente o modelo. Hércules é uma metáfora sobre a responsabilidade153,
sobre as tarefas hercúleas que cabem ao juiz. Seus superpoderes servem apenas
como um artifício para mostrar como um juiz decidiria se tivesse infinitas
capacidades. Dworkin já tinha advertido que:
brasileiro: MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica
ao protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
154 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
156 FLEMING, James E. The odyssey of Cass Sunstein. Tulsa L. Rev., [S. l.], v. 43, p. 854, 2013.
Disponível em: https://digitalcommons.law.utulsa.edu/tlr/vol43/iss4/2. Acesso em: 23 fev. 2020.
157 Anotações de aula.
158 Uma importante defesa de Dworkin pode ser lida em: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica
jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 11. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2013. p. 433-439. O item 6 de seu posfácio intitula-se: “Fazendo justiça a
Dworkin e Gadamer. De como o juiz Hércules não é subjetivista (solipsista). As razões pelas quais
“não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”
159 HENLEY, Kenneth. Protestant hermeneutics and the rule of law: Gadamer and Dworkin. Ratio
Juris, [S. l.] v. 3 n. 1, p. 04-28, Mar. 1990. Disponível em: https:// onlinelibrary.wiley.com/
doi/abs/10.1111/j.1467-9337.1990.tb00048.x. Acesso em: 25 fev. 2020.
87
160 WALDRON, Jeremy. Judges as moral reasoners. International Journal of Constitutional Law,
[S. l.], v. 7, n. 1, p. 2–24, Jan. 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1093/icon/mon035. Acesso
em 25 fev. 2020.
161 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flavio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1. p. 241-296.
162 SUNSTEIN, Cass R.; KAHNEMAN, Daniel; RITOV, Ilana; SCHKADE, David. Predictably incoherent
judgments. Stanford Law Review, [S. l.], v. 54, p. 1156-1157, 2002. Disponível em: http://
chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article= 12414&context=journal_articles. Acesso
em: 10 dez. 2017.
88
163 Esse seria o tipo de saber ligado à função judicial, desde Aristóteles (ARISTÓTELES. Ética a
Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1999),
passando por Gadamer. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p.
418-419 e 433.
89
164 Não se pode esquecer que um filósofo pode ser cético, ou partidário de várias correntes de
pensamento incompatíveis com o estereótipo de juiz-filósofo como alguém que consegue acessar
verdades através de seu gênio reflexivo.
165 Criticados por: HAND, Learned. The bill of rights. Cambridge: Harvard University Press, 1958. p. 74.
166 BARROSO, Luís Roberto. A razão sem voto: o Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria.
[S. I.], p. 1-41, 10 ago. 2015. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2915571. Acesso em: 08
maio 2018.
167 Essa linha de resposta foi esboçada em: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins
Se alguém tem em mente que juízes devem ser filósofos, no sentido de ter
uma formação específica nessa área, a posição dworkiniana não chega a isso. Até
defende que um conhecimento sobre as principais teorias da justiça, e o treino no
uso rigoroso de argumentos, são importantes para alguém que vai exercer a função
de juiz, mas não comete o exagero de condicionar um ofício ao outro.
Por fim, Dworkin169 esclareceu que, para ele, os juízes deveriam ser filósofos,
no sentido de adotarem uma genuína atitude reflexiva sobre as questões que têm
diante de si. Muitas delas envolvem desacordos não empíricos. São questões
avaliativas, que exigem uma disciplina do argumento. Nesse sentido, mesmo o juiz
que se diz prático não deixa de ter uma “filosofia” sobre como julgar. A questão é
que, se essa filosofia não é explicitada e refletida, ela tende a resultar numa má
prática jurídica, incoerente e repleta de falácias.
Por uma forma mais modesta de colocar a questão, Eisgruber170 defende que
Dworkin deveria ter dito apenas que a interpretação jurídica envolve princípios, mas
não que ela envolve análises filosóficas. Essa forma inflacionada de descrever a
“leitura moral da Constituição” leva seus críticos a imaginarem-na como uma
atividade bem mais ambiciosa do que ela realmente é. Eisgruber enfatiza a
importância da dimensão de ajuste, da reconstrução da história institucional que dá
suporte à melhor resposta. Diferentemente da filosofia, a atividade judicante dá
preponderância ao “raciocínio histórico”, ao caso concreto, às particularidades.
Enviesamento. É muito frequente se acusar Dworkin de contrabandear suas
posições políticas para sua teoria da decisão. Suas análises de caso dependeriam
muito de seu viés liberal-igualitário. Nas decisões de Hércules, seu criador nunca
sairia insatisfeito.
Contudo, Dworkin não parte de uma visão pura de justiça, mas tenta fazer o
melhor possível do material jurídico pré-existente. Além disso, o autor nunca negou
que ao interpretar, os juízes se orientarão de algum modo por suas convicções de
justiça. Aquilo que já trazemos conosco vai ser a base para qualquer conhecimento
novo. Mas isso não quer dizer que possamos nos entregar a juízos não ponderados.
169 Sobre esse ponto, o texto mais bem-acabado do autor é: DWORKIN, Ronald. ¿Deben nuestros
jueces ser filósofos? ¿Pueden ser filósofos? Tradução de Leonardo García Jaramillo. Isonomía,
México, n. 32, p. 7-29, abr. 2010. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php? script=
sci_arttext&pid=S1405-02182010000100001&lng= es&nrm=iso. Acesso em: 25 fev. 2020.
170 EISGRUBER, Christopher L. Should Constitutional judges be philosophers? In: HERSHOVITZ,
Scott. Exploring law's empire: the jurisprudence of Ronald Dworkin. Oxford: Oxford University
Press, 2006.
91
1043-1086, Jul. 1997. Disponível em: www.jstor.org/stable/3481131. Acesso em: 27 jan. 2020.
173 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
175 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? para uma crítica do direito brasileiro. Rio
de Janeiro: FGV, 2013. p. 16.
93
alocar poderes e funções. Para ele, aqui não existe um material jurídico básico a ser
interpretado, um direito concreto a ser garantido. Esse aspecto de sua teoria talvez
tenha a ver com as circunstâncias do direito americano, cuja Constituição é muito
econômica ao prever direitos processuais.
Mas, então, como o autor se posiciona no principal debate institucional do
direito americano, sobre a manutenção ou abolição do judicial review?
Ao contrário do que muitos pensam, Dworkin não faz uma defesa categórica
do instituto ou de um aumento das funções do Judiciário. Quando fala na Corte
como um “fórum de princípios”176, o foco de sua discussão são as consequências do
judicial review para a teoria da interpretação, caso as pessoas decidam mantê-lo.
176 Capítulo 2 de: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005.
p. 41-104.
177 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 101.
178 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 101.
94
179 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 43.
180 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 102.
181 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 103.
182 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 41.
183 Capítulo 3 de: DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005.
p. 105-152. Para um comentário sobre esse texto, e sua aproximação do debate processual
brasileiro: FERREIRA LOPES, Ziel. Eficiência judicial no Brasil: revisitando princípio, política e
processo. In: SALOMÃO LEITE, George; STRECK, Lenio Luiz; NERY JR., Nelson (org.). Crise
dos poderes da república: judiciário, legislativo e executivo. 1. ed.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 104-119.
184 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 116
95
Para respondê-las185, começa admitindo que as pessoas têm direito a não serem
condenadas injustamente. E disso se segue186 que elas têm direito a algum processo
que evite essa condenação injusta. Mas não se segue que elas tenham direito ao
melhor processo que se possa imaginar. A sociedade deve decidir, pelas vias
legislativas e executivas, quanto de seus recursos escassos ela está disposta a alocar
no processo judicial. O meio-termo moralmente defensável, entre um processo ótimo e
processo nenhum, deve observar o direito à avaliação correta dos danos causados por
injustiças (igual respeito) e o direito à aplicação coerente da avaliação desses danos
entre os cidadãos (igual consideração). Assim, a sociedade pode assumir correr riscos
de um desempenho deliberativo longe do ideal, por não estabelecer determinado
número de apelações ou não aumentar o número de membros que compõe o júri. Mas
não pode permitir que um grupo de cidadãos seja particularmente exposto a riscos de
condenações injustas no estabelecimento de direitos processuais, ou que os direitos
estabelecidos lhes sejam aplicados de modo diferente. Essas conclusões são, em
princípio, válidas para o Direito civil assim como para o Direito penal, embora o campo
civil tenha várias restrições (caráter mais subconstitucional, ênfase no direito à
aplicação coerente em relação à avaliação correta do dano causado pela injustiça, e
etc.). As decisões que os tribunais tomam a respeito do processo, no decorrer de um
julgamento, são decisões predominantemente de princípio, apesar de algumas
exceções jurisprudenciais. E as pessoas não têm propriamente direitos processuais a
decisões políticas, como um direito fundamental a participar do planejamento de uma
estrada. Estabelecer (ou não) a participação nesse tipo de decisão política é uma
decisão política secundária.
Mais uma vez, fica claro que Dworkin evita antecipar teoricamente um
desenho institucional muito ambicioso, deixando essas questões para serem
resolvidas na prática, pelos interessados.
185 O autor propõe uma série de experimentos mentais para desenvolver seus argumentos e enfrentar
possíveis objeções, que não caberia desenvolver auqi.
186 Não garantir qualquer processo seriam moralmente incoerente com o direito a não ser condenado
injustamente.
96
187 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 41-45.
188 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. A integridade do direito e os protocolos de Hércules. In:
O autor começa a escrever sobre interpretação no início dos anos 90. A essa
altura, os americanos estavam refletindo sobre os resultados de décadas de
intervenções judiciais em questões sociais controversas. Crescia a discussão sobre
se as Cortes estariam exorbitando o seu papel ao interpretarem o direito. Velhas
questões se tornavam dramáticas, ao serem assimiladas pelo debate público: como
controlar essa interpretação? Como garantir sua legitimidade?
Sem deixar isso tudo de lado, uma nova questão traria mais preocupações
para Sunstein: como garantir que as decisões judiciais gerassem resultados
socialmente estáveis?
O autor observa um fenômeno de refluxo191, no qual grupos favorecidos por
decisões judiciais pareciam se desarticular no debate público, enquanto os grupos
insatisfeitos passavam a se articular com muito maior vigor, para desconstruir esses
novos direitos pelas vias políticas e judiciais.
Além disso, mesmo os grupos favorecidos por decisões judiciais reclamariam
frequentemente do modo paternalista como elas foram tomadas, impondo-se de
cima para baixo, e distorcendo os interesses em jogo
As fundamentações imaginadas por um pequeno grupo de juízes, por virem
de “intérpretes autorizados” – e possuírem, em alguns casos, efeito vinculante192 –,
191 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 59.
192 Refiro-me aqui à diferença entre ratio decidendi e obiter dictum.
99
Por fim, o grande impulso para que Sunstein começasse a elaborar uma visão
própria sobre interpretação jurídica veio de uma mudança institucional nos EUA, que
não estava recebendo suficiente atenção dos teóricos do direito: a ascensão das
Agências Reguladoras (AR).
Tais órgãos têm uma posição peculiar no direito americano194. Apesar de
serem tipicamente ligados ao Executivo, não costumam ser supervisionados por ele.
São criados pelo Legislativo, este sim, exercendo alguns poderes de supervisão
193 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press,
2018. p. 35-60.
194 A comparação com as Agências Reguladoras do Brasil seria um trabalho à parte que não cabe
realizar aqui.
100
195 REGULATORY AGENCY. In: AUGUSTYN, Adam et al. (ed.). Encyclopædia Britannica. Chicago,
Encyclopædia Britannica, 2019. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/regulatory-
agency. Acesso em: 13 fev. 2020.
196 SUNSTEIN, Cass R. I Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v.
198 MORDFIN, Robin I.; NAGORSKY, Marsha Ferziger. Chicago and law and economics: a history.
Chicago: University of Chicago Law School, 2011. Disponível em: https://www.law.uchicago.
edu/news/chicago-and-law-and-economics-history. Acesso em: 13 fev. 2020.
199 Data da publicação original de: POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 9 th. New York:
Wolters Kluwer Law & Business, 2014.
102
200 SUNTEIN, Cass R. Six theses on interpretation Symposium. Constitutional Commentary, [S. l.],
v. 6, p. 91-96, 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/ viewcontent.
cgi?article =12454&context=journal_articles. Acesso em: 14 fev. 2020.
103
201 SUNTEIN, Cass R. Six theses on interpretation Symposium. Constitutional Commentary, [S. l.],
v. 6, p. 95-96, 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?
articl e=12454&context=journal_articles. Acesso em: 14 fev. 2020.
104
202 SUNTEIN, Cass R. Six theses on interpretation Symposium. Constitutional Commentary, [S. l.],
v. 6, p. 92, 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article
=12454&context=journal_articles. Acesso em: 14 fev. 2020.
203 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v. 103,
204 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v. 103, n.
2, p. 412, Dec. 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi /viewcontent. cgi?
article=12320&context=journal_articles. Acesso em: 13 fev. 2020.
205 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v. 103, n.
206 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v.
103, n. 2, p. 474-476, Dec. 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/view
content.cgi? article=12320&context=journal_articles. Acesso em: 13 fev. 2020.
207 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v.
103, n. 2, p. 475, Dec. 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/
viewcontent.cgi? article=12320&context=journal_articles. Acesso em: 13 fev. 2020.
108
208 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v.
103, n. 2, p. 476-493, Dec. 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchi cago.edu/cgi/view
content.cgi?article=12320&context=journal_articles . Acesso em: 13 fev. 2020.
109
209 SUNSTEIN, Cass R. Interpreting statutes in the regulatory state. Harvard Law Review, [S. l.], v.
103, n. 2, p. 436-437, Dec. 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago. edu/cgi/view
content.cgi?article=12320&context=journal_articles. Acesso em: 13 fev. 2020.
210 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 192.
211 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 186-192.
212 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 187.
110
213 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 189.
214 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 161.
111
215 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 183-186 e 131-135.
216 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 127.
112
Suntein ressalvou que tanto ele como Dworkin são críticos do positivismo, e
que a diferença entre suas posições é mais uma questão de “ênfase e detalhe”218.
Na verdade, sua concepção de pragmatismo se desvia bastante do tipo cético
atacado por Dworkin, e quase se identifica com o direito como integridade. Sunstein
não admite a retirada de “pontos de partida” jurídicos, com a diluição do direito na
política, da razão em jogo de interesses, do constitucionalismo em agregação
ocasional de preferências.
A questão que surgia então era: se Sunstein adere à visão dos princípios
como interpretações substantivas do direito, mas recusa o critério integracionista,
como ele resolve as disputas interpretativas?
O autor parecia lutar para encontrar uma alternativa ao modelo dworkiniano.
Em determinado momento, confessou: “O Direito Constitucional, da maneira como
217 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p.142.
218 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 143.
219 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 143.
113
220 SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael
Triginelli. Rio de Janeiro: Del Rey, 2008. p. 195.
221 No prefácio à edição brasileira, Sunstein observa que se tivesse que reescrever o livro atualmente,
daria mais atenção ao fenômeno da polarização de grupos, dos acordos parcialmente teorizados e
da necessidade de um segundo Bill of Rights para os direitos sociais. SUNSTEIN, Cass. A
Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira Martins e Rafael Triginelli. Rio de Janeiro:
Del Rey, 2008. p. XXIX-XXXI.
222 SUNSTEIN, Cass R. The Supreme Court, 1995 term-foreword: leaving things undecided. Harv. L.
2018.
224 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
226 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 11.
227 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press,
2018. p. 37. Nessa obra o conceito de APT alcança seu pleno desenvolvimento.
115
228 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 76.
229 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
230 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 28-32.
116
modelo decisório, admitindo que ele não é absoluto e que não se pode prever
antecipadamente todas as hipóteses em que seria vantajoso.
Feita essa advertência, Sunstein tenta esboçar algumas hipóteses (não
absolutas, nem exaustivas) nas quais o minimalismo judicial seria ou não
recomendável.
Primeiro, diz que valeria tentar uma solução ampla e profunda nas seguintes
hipóteses:
231 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 57.
232 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
234 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 4.
235 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. New York: Oxford University Press,
2018.
118
236 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 27.
120
237 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 31.
238 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 4.
239 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 22.
121
Obviamente, pode existir uma diferença entre como a Corte percebe a própria
tomada de decisão e a maneira como ela será percebida por outros Poderes, para
não falar na percepção do grande público.
240 SAMPAIO, José Adércio Leite. Sobre Cass Sunstein e a neutralidade constitucional
[Apresentação]. In: SUNSTEIN, Cass. A Constituição parcial. Tradução de Manassés Teixeira
Martins e Rafael Triginelli. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. XXV.
241 FLEMING, James E. The odyssey of Cass Sunstein. Tulsa L. Rev.. [S. l.], v. 43, p. 848, 2013.
Disponível em: https://digitalcommons.law.utulsa.edu/tlr/vol43/iss4/2. Acesso em: 23 fev. 2020.
242 FLEMING, James E. The odyssey of Cass Sunstein. Tulsa L. Rev., [S. l.], v. 43, p. 848, 2013.
Disponível em: https://digitalcommons.law.utulsa.edu/tlr/vol43/iss4/2. Acesso em: 23 fev. 2020.
122
meu ver, seu modelo final deve ser lido junto com suas teses iniciais (que são
interpretativistas), independentemente de isso contrariar a proposta metodológica de
um modelo minimalista, porque essas teses são necessárias para responder várias
questões importantes que sua reformulação deixou descobertas. A necessidade de
voltar ao “jovem Sunstein” ficará mais clara quando analisarmos seu debate com
Dworkin.
Classificação: como classificar esse autor na teoria do direito, isto é, como
posicioná-lo em relação a outras teorias? Sunstein não quis estabelecer uma teoria
completa da interpretação jurídica, muito menos uma teoria do direito. Apesar disso,
ele não tem como falar do minimalismo judicial a partir de um lugar totalmente
neutro. Somos tentados a classificá-lo no espectro do pragmatismo jurídico, pelas
seguintes razões: por assumir o pragmatismo filosófico como sua referência mais
recorrente; por sua ligação com a Escola de Chicago e sua proximidade com
Richard Posner; por sua crítica ao uso da teoria no direito; por suas preocupações
com as consequências das decisões; e por dar ênfase à dimensão construtiva da
interpretação.
Contudo, cada uma dessas razões merece ressalvas: seu pragmatismo se
alinha mais com John Dewey e Hilary Putnam do que com um Richard Rorty;
embora a Escola de Chicago tenha promovido uma aproximação entre economia e
direito, Sunstein nunca reduziu direito à economia243; ele atribui importância ao ajuste
na interpretação, enquanto Posner o faz apenas quando isso leva a melhores
consequências; ele não nega totalmente o papel da teoria ou a veracidade de juízos
avaliativos; seu consequencialismo não é de tipo utilitarista; e, sua ênfase na
dimensão construtiva da interpretação pressupõe alguma preocupação semântica e
valorativa com princípios jurídicos. Por tudo isso, Sunstein não se encaixa
perfeitamente nos tipos ideais dworkinianos, se colocando em algum ponto entre
Dworkin e Posner. Pelos compromissos que Sunstein assumiu ao longo de sua obra.
Felipe Paschoalini defende ele não deve ser lido como um pragmático cético, mas
243 Para uma crítica a formas não cognitivistas de Análise Econômica no Direito, especialmente
alguns de seus desdobramentos no Brasil, veja-se: STRECK, Lenio Luiz; LOPES, Ziel Ferreira;
DIETRICH, William Galle. Para um debate entre a crítica hermenêutica do direito e a análise
econômica. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, [S. l.], v. 16, n. 23, p. 11-25, jan./jul.
2018.
123
que por Hart. Voltarei a essa discussão, quando analisar o debate entre Dworkin e
Sunstein.
247 O texto apareceu pela primeira vez como o capítulo 1 de: SUNSTEIN, Cass R. A Constitution of
many minds. Nova Jersey: Princeton University Press, 2009. p. 19-32. Passou for várias
modificações substanciais, até sua última publicação em: SUNSTEIN, Cass R. There is nothing
that interpretation just is. Constitutional Commentary, Vermillion, v. 30, n. 2, p. 193-212,
June./Sept. 2015. Disponível em: https://scholarship.law.umn.edu/ concomm/120/. Acesso em: 29
fev. 2020. Nessa análise, trabalharei com as duas versões do texto, dando preferência à versão
final sempre que entrarem em conflito, assumindo uma mudança de posicionamento.
125
248 SUNSTEIN, Cass R. There is nothing that interpretation just is. Constitutional Commentary,
Vermillion, v. 30, n. 2, p. 193, June./Sept. 2015. Disponível em: https://scholarship.law.umn.edu/
concomm/120/. Acesso em: 29 fev. 2020. Acesso em: 21 fev. 2020.
126
restaurante favorito dele, o contexto indica que você deve se perguntar sobre o
restaurante que ele tinha em mente. Se ele pede que você o encontre no melhor
restaurante da cidade, o contexto indica que você deve se perguntar qual
restaurante é reconhecido pelos críticos culinários como o melhor. O mesmo
aconteceria com ordens proferidas por autoridades. Se um chefe diz a seu
empregado para fazer algo, o empregado deve se perguntar o que o contexto indica
sobre como essa mensagem deve ser compreendida – se deve buscar fazer o que o
chefe desejaria, ou seguir a ordem ao pé-da-letra. Dessa maneira, evita-se uma
discussão mais profunda sobre o que é o ajuste através de um critério pragmático.
Sunstein também ressalva que não se pode, a partir do ajuste, reivindicar que existe
algo que a interpretação exija por natureza. Nesse ponto, seu alvo são certas
concepções de originalismo, que supõem que sua teoria da interpretação é
necessária porque seria a única a respeitar a autoridade originária. Elas ignoram que
existem diferentes maneiras de compreender e defender o respeito à autoridade
originária.
Com relação à justificação, ele evita a visão de Dworkin de que se trata de
uma disputa por qual teoria da interpretação é mais legítima, moralmente superior,
ou que torna o texto legal o melhor que ele pode ser. Para Sunstein, esses critérios
estão sujeitos à confusão. Portanto, defende que a dimensão da justificação seja
vista de uma maneira pragmática, como uma questão de qual modelo interpretativo
produz os melhores efeitos, as melhores consequências. Reconhece, porém, que
isso deixa em aberto a questão sobre o que tornaria uma consequência melhor do
que a outra.
Por fim, Sunstein também considera confusa a síntese feita por Dworkin entre
ajuste e justificação, com a ideia da interpretação-construtiva. Para Sunstein, existe
grande utilidade pragmática em diferenciar bem os dois pontos. Elogia a formulação
de Lawrence Solum, que trata a interpretação como uma descoberta linguística ou
semântica do significado do texto legal, e a construção como dar efeito legal a esse
significado. Nessa perspectiva, a interpretação seria fracamente normativa,
enquanto a construção seria fundamentalmente normativa. Contudo, Sunstein
reconhece que essa separação levaria a concluir que há algo que a interpretação
simplesmente “é”, embora caiba uma disputa sobre qual abordagem linguística ou
semântica seria mais efetiva em descobri-lo. Em todo caso, para Sunstein, a
dimensão mais importante é a construção, porque é nela que se vai disputar se uma
127
249 SUNSTEIN, Cass R. There is nothing that interpretation just is. Constitutional Commentary,
Vermillion, v. 30, n. 2, p. 207, June./Sept., 2015. Disponível em: https://scholarship.law.umn.edu/
concomm/120/. Acesso em: 29 fev. 2020. Acesso em: 21 fev. 2020.
128
250 SUNSTEIN, Cass R. A Constitution of many minds. Nova Jersey: Princeton University Press,
2009. p. 32.
129
respostas. Essa lacuna não chega a comprometer seu modelo, mas pede por um
complemento que é exatamente o que Sunstein tanto quer evitar: uma teoria da
interpretação mais abrangente, que discuta como juízos avaliativos podem se
legitimar.
Para responder essa questão, uma abordagem a partir da filosofia moral, ou
da teoria da justiça, levaria a uma discussão pura sobre o que “deve ser” a teoria da
interpretação jurídica mais justa.
Já uma visão interpretativista atribuiria importância ao que as práticas
interpretativas já são, mas sem tentar derivar um “dever ser” de um “ser”, como na
visão de um originalismo mais caricato. Isso levaria a infringir a lei de Hume.
Mas, então, como relacionar “ser” de “dever ser” de uma maneira não
falaciosa?
Na visão de Dworkin, é preciso partir daquilo que a prática interpretativa já é,
para se dizer o que ela deve ser, ao colocá-la sob a melhor luz251. Este enfoque traz
um componente justificativo para passar da descrição à prescrição.
Vale registrar que essa visão não é uma excentricidade de Dworkin. A
tradição hermenêutica da filosofia continental, representada por autores como
Gadamer, já atribuía importância à reflexão sobre o que a interpretação já é, o que
nos acontece quando compreendemos, independentemente de nosso querer e
fazer252.
Atentar bem para isso seria importante, antes de sair elaborando teorias
prescritivas, repletas de artifícios metodológicos importados das ciências naturais253.
Existiria uma dimensão “antepredicativa”, uma estrutura comum às várias
hermenêuticas regionais que se desenvolveram sobre a religião, a arte, o direito,
como uma espécie de tecnologias da compreensão. Diferentemente do que possa
parecer, o projeto gadameriano é extremamente modesto: ele não tenta fazer
nenhuma grande reivindicação sobre a natureza da linguagem. Tenta apenas
hermeneutics in legal thought. In: SLOCUM, Brian G. The nature of legal interpretation: what jurists
can learn about legal interpretation from linguistics and philosophy. Chicago: The University of Chicago
Press, 2017. Defende que a hermenêutica filosófica é importante para compreendermos melhor a
hermenêutica jurídica, antes de passarmos para prescrições sobre o tema.
131
entender seus traços elementais, numa escuta atenciosa. Para Waellhens, Gadamer
realiza uma “hermenêutica da hermenêutica”254.
Nesse projeto, uma das ideias mais marcantes é a de que lidar com a
linguagem já é se colocar para além da subjetividade. Só interpretamos porque
aceitamos que não somos o começo e o fim dos sentidos. Porque existe um Outro
além do Eu, seja ele texto, pessoa ou o próprio mundo. Por isso, aquele que quer
dizer algo sobre um texto deve deixar que, antes, esse texto lhe diga algo.
Na hermenêutica jurídica, Streck vem realizando aportes gadamerianos para
criticar a discricionariedade judicial. Defende que a interpretação não é algo à livre
disposição do intérprete. E que esse algo indisponível é um limite não apenas para
decisões que vão além do que o direito exige, mas também para aquelas que podem
ficar aquém dele255, como o minimalismo de Sunstein256. Os sentidos têm uma força
cogente.
Além disso, a fusão entre as dimensões compreensiva e normativa do direito
não é uma invenção de Dworkin. Ela já estava presente na obra de Gadamer, e tem
ficado cada vez mais evidente naquilo que se tem chamado de “ética
hermenêutica”257. Refletindo sobre “o problema hermenêutico da aplicação” (item
2.1.1. de Verdade e Método), passando pelo problema específico da hermenêutica
jurídica, o filósofo alemão dissolve a dicotomia entre descrever e prescrever o
direito:
254 WAELHENS, Alphonse de. Sobre uma hermenêutica da hermenêutica. Tradução de Ernildo Stein.
In: STEIN, Ernildo; STRECK, Lenio Luiz (org.). Hermenêutica e epistemologia: 50 anos de
“Verdade e método”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
255 STRECK, Lenio Luiz. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio: dilemas
da crise do direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, v. 49, n. 194, p. 7-21,
abr./jun. 2012.
256 De passagem, em: O holding de um sistema de justiça democrático: garantias institucionais dos limites
semânticos contra o protagonismo judicial. Revista Forense, v. 110, n. 420, jul./dez. 2014. Discutindo
o alcance de perfis dos juízes criados por Sunstein para pesquisas estatísticas: STRECK, Lenio Luiz.
Heróis, soldados, minimalistas ou mudos? São estes os perfis dos juízes? Consultor Jurídico, São
Paulo, 12 nov. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-nov-12/senso-incomum-heroi-
soldado-minimalista-ou-mudo-sao-perfis-juizes. Acesso em: 21 fev 2020.
257 ROHDEN, Luiz. Questões sobre ética e hermenêutica filosófica. In: ROHDEN, Luiz. Interfaces da
263 Riggs vs. Palmer foi só um primeiro de uma longa série de casos controversos.
264 O ponto culminante desse processo é: DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e
valor. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
134
Todos esses pontos sugerem que o minimalismo pode ser desejável por
causa dos altos custos de decisão. Mas uma investigação sobre os
custos de decisão nem sempre apóia o minimalismo. Às vezes, o custo
total da decisão é muito menor com regras claras. Uma vez que as
regras estão em vigor, o trabalho é muito mais simples para aqueles no
futuro. Um tribunal que economize custos de decisão para si mesmo
pode, no processo, ‘exportar’ custos de decisão para outras pessoas,
incluindo litigantes e juízes em casos subseqüentes, que devem dar
conteúdo ao direito. Tais custos também podem ser enfrentados por
aqueles que estão tentando planejar seus negócios e que devem tentar
descobrir o que será o direito no final das contas. É de se imaginar que
uma decisão estreita no primeiro caso – envolvendo, vamos continuar a
supor, liberdade de expressão e internet, ou o direito de morrer – levaria
a custos de decisão agregados muito altos, já que os litigantes e
tribunais distritais teriam que lutar com essa questão em casos
subseqüentes. Parte do caso para a amplitude do julgamento é que,
quando o direito é incerto, os custos das decisões podem proliferar, já
que as pessoas investem em atividades destinadas a descobrir o
conteúdo do direito e também a pressionar o conteúdo do direito em
certas direções. Os altos custos de decisão são especialmente
perniciosos quando o planejamento é importante; é por essa razão que
o stare decisis e regras gerais são extremamente valiosas em casos
que envolvem a necessidade de planejar. Assim, por exemplo, se as
empresas não sabem se enfrentam danos punitivos nulos, baixos ou
altos, terão que investir uma grande quantidade de recursos na
especulação sobre como proceder265.
265 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 48.
266 Trata-se de uma síntese das autocríticas feitas pelo autor nos textos: SUNSTEIN, Cass R. Beyond
judicial minimalism. Tulsa Law Review, [S. l.], v. 43, p. 825-842, 2007. Disponível em: https://
chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12217&context=journal_articles .
Acesso em: 18 fev. 2020. SUNSTEIN, Cass R. Testing minimalism: a reply, Mich. L. Rev., [S. l.],
v. 104, n. 1, p. 123-130, Oct. 2005. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/ mlr/vol104/
iss1/4. Acesso em: 18 fev. 2020.
135
267 SUNSTEIN, Cass R. Problems with minimalism. Stanford Law Review, [S. l.], v. 58, p. 1918, Feb.
2006. Disponível em: http://www.stanfordlawreview.org/wp-content/uploads/sites/3/2010/04
/sunstein -1.pdf. Acesso em: 18 fev. 2020.
136
268 SUNSTEIN, Cass R. Testing minimalism: a reply, Mich. L. Rev. [S. l.], v. 104, n. 1, p. 126, Oct.
2005. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/mlr/vol104/iss1/4. Acesso em: 18 fev. 2020.
137
269 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 38-41.
270 PETERS, Christopher J. Assessing the new judicial minimalism. Colum. L. Rev., [S. l.], v. 100, n.
1454, 2000. Disponível em: https://scholarworks.law.ubalt.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1459&
conte xt= all_fac. Acesso em: 18 fev. 2020.
138
271 PETERS, Christopher J. Assessing the new judicial minimalism. Colum. L. Rev., [S. l.], v. 100, n.
1454, 2000. Disponível em: https://scholarworks.law.ubalt.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1459&
conte xt=all_fac. Acesso em: 18 fev. 2020.
139
272 PETERS, Christopher J. Assessing the new judicial minimalism. Colum. L. Rev., [S. l.], v. 100, n.
1454, 2000. Disponível em: https://scholarworks.law.ubalt.edu/cgi/viewcontent.cgi?article= 1459
&conte xt=all_fac. Acesso em: 18 fev. 2020.
140
273 Além disso, Dworkin já estabelece que a ascensão justificadora deve ser pensada respeitando
uma “doutrina da prioridade local” (DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson
Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 77-78). Mesmo sem falar dessa doutrina, toda
a teoria de Dworkin enfatiza a importância do “fit” (ajuste, adequação) à base institucional do
direito interpretado, considerando, inclusive, a força gravitacional que os precedentes exercem
sobre o julgamento de casos atuais. DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
274 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
141
275 POST, Robert; SIEGEL, Reva B. Roe Rage: democratic constitutionalism and backlash. Harvard
Civil Rights-Civil Liberties Law Review, New Haven, v. 42, p. 373-434, 2007. Disponível em:
https://law.yale.edu/sites/default/files/documents/pdf/Faculty/Siegel_RoeRageDemocratic
Constitutionalism AndBacklash.pdf. Acesso em: 05 mar. 2020.
276 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
277 Analisando criticamente o debate entre Post-Siegel e Suntein e chamando atenção para esse
mecanismo das audiências públicas jurisdicionais, veja-se: BUNCHAFT, Maria Eugênia.
Constitucionalismo democrático versus minimalismo. Direito, Estado e Sociedade. Rio de
Janeiro, v. 38, p. 1-20, 2011. Disponível: https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/a
rticle/view/189. Acesso em: 05 mar. 2020.
278 Apesar de todas as dificuldades de fazer as participações nas audiências públicas influenciarem
concretamente as decisões, não podemos renunciar precipitadamente a essa oportunidade. Ela
deve ser reforçada por institutos já existentes, tais como: art. 10 do CPC/2015, segundo o qual “o
juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício”; e o art. 489 § 1º, IV, que diz não se considerar fundamentada
qualquer decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes
de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Por fim, cabe lembrar uma observação
feita por José Rodrigo Rodriguez durante uma banca de qualificação de Mestrado na Unisinos: as
audiências públicas jurisdicionais devem ser julgadas não apenas por seu resultado
endoprocessual, mas também por toda a mobilização que elas geram, organizando em seu
entorno uma série de atores sociais para a defesa (jurídica e política) de seus direitos
142
279 LOPES, Ziel Ferreira. O minimalismo poderia melhorar as relações entre judiciário e legislativo?
SOCIOLOGY OF LAW, 5., 2019, Canoas. O direito na sociedade tecnológica. Canoas:
Unilassale, 2019. v. 1. p. 2508-2529. Disponível em: http://svr-net20.unilasalle.edu.br/handle/
11690/ 1246. Acesso em: 18 fev. 2020.
280 HOGG, Peter W.; BUSHELL, Allison A. The charter dialogue between courts and legislatures (or
perhaps the Charter of Rights Isn’t such a bad thing after all). ). Osgoode Hall Law Journal, [S. l.],
v. 35, n. 1, p. 81, Mar./June. 1997. Disponível em: http://digitalcommons.osgoode.yorku.ca/
cgi/viewcontent.cg i?article=1612&context=ohlj. Acesso em: 18 fev. 2020.
281 NEVES, Isadora Ferreira; LOPES, Ziel Ferreira. Desafios aos diálogos institucionais no Brasil: o
papel do STF na relação entre Poderes. In: ANAIS SOCIOLOGY OF LAW 2018, 4., 2018, Canoas.
O direito entre o caos e desconstrução. Canoas: Unilasalle, 2018. p. 1256-1265; Disponível em:
http://repositorio.unilasalle.edu.br/handle/11690/1106. Acesso em: 18 fev. 2020.
282 Como sugeri em outra oportunidade: “Curiosamente, o fator de sucesso dos diálogos institucionais
pode ser justamente o contrário da lógica minimalista. Os membros de uma instituição deveriam
chamar para si o ônus de oferecer razões sobre um caso, tentando ser econômicos no uso de
poder com relação aos efeitos práticos de sua decisão. Lançadas na esfera pública, tais razões
podem informar um debate qualificado, que vai pressionar decisões subsequentes de outras
instituições e influir na sua implementação. Haveria grande proveito em tomar decisões abertas à
complementação e revisão por outros órgãos mais especializados, inaugurando-se um processo
deliberativo/decisório de várias rodadas, em que cada ator seria pressionado a melhorar as razões
já colocadas na sua vez de agir”. LOPES, Ziel Ferreira. O minimalismo poderia melhorar as
relações entre judiciário e legislativo? In: SOCIOLOGY OF LAW, 5., 2019, Canoas. O direito na
sociedade tecnológica. Canoas: Unilassale, 2019. v. 1. p. 2524. Disponível em: http://svr-
net20.unilasalle.edu.br/handle/ 11690/ 1246. Acesso em: 18 fev. 2020.
283 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 118-153.
143
284 OMORI, Hidetomi. Can minimalism make judiciary and Legislative cooperate? In: MORIGIWA,
Yatsumoto; TAKIKAWA, Hirohide (ed.). Judicial minimalism – for and against. Stuttgart: Franz
Steiner Verlag, 2012. p. 63-66.
285 Infelizmente, a réplica de Sunstein (intitulada “On Falibility”), no que diz respeito a Omori, foi curta
e evasiva: “É importante ver que minimalistas não necessariamente são deferentes ao processo
democrático; eles não adotam uma presunção forte em favor do que quer que o Legislativo
decida. Aqueles que acreditam em uma política consistente de contenção judicial, ou que
defendem respeito pelo que quer que os legisladores façam, não são minimalistas no sentido que
eu entendo aqui. Considere a esse respeito os comentários de Hidetomi Omori, que talvez me
entenda mal nesse ponto, e Yoh Matsuo, que pergunta se os minimalistas defendem o
constitucionalismo popular; eles não o fazem. Minimalistas estão dispostos a invalidar os
resultados do processo legislativo. O ponto central é que, quando eles o fazem, eles procuram
julgar de maneira estreita e rasa” (MORIGIWA, Yatsumoto; TAKIKAWA, Hirohide (ed.). Judicial
minimalism – for and against. Stuttgart: Franz Steiner Verlag, 2012. p. 93.). Não me parece ter
havido descaracterização ou mal-entendido sobre o pensamento de Sunstein, da parte de Omori.
144
como arbitrar entre juízos avaliativos, até que ponto se pode negociar numa decisão
colegiada, quando a analogia deve ser quebrada em prol de uma consistência de
princípio, onde a deferência justificada acaba e começa o déficit na garantia judicial
de um direito, etc. Tudo isso faz com que sua relação com Dworkin não esteja no
passado. O minimalismo ainda tem contas a acertar com o integracionismo.
145
286 Veja-se: Modelo de Regras I, terceiro capítulo de DWORKIN, Ronald Levando os direitos a
sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. A versão original foi
publicada como artigo em 1967.
287 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. Originalmente em 1999.
288 Demonstrando essa apropriação retórica de Dworkin no direito brasileiro, ao mesmo tempo em
que mantém críticas ao autor: RODRIGEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? para uma
crítica do direito (brasileiro). São Paulo: FGV, 2013.
146
289 Embora nem mesmo nelas uma visão tão extrema de empiricismo tenha espaço no mainstream.
290 DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 113.
291 Para um panorama, veja-se: DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins
seria defendido como algo bom, vantajoso, que promoveria a democracia em uma
sociedade plural. Na teoria da interpretação, volta-se a flertar com um textualismo.
A disputa entre essas maneiras de fazer teoria do direito (descritiva e
normativa), com todas as suas implicações, ocupou por muito tempo o centro do
debate nessa disciplina, com a chamada “agenda metodológica”292. Mas havia outra
agenda sendo gestada, e que agora vem à tona.
Correndo por fora desse debate metodológico, havia muitos outros juristas de
vocação mais prática, que Dworkin denominou de “antiteóricos”293 – abrangendo
grupos tão distintos quanto os realistas jurídicos, os adeptos dos critical legal
studies, da análise econômica do direito e do pragmatismo. Eles já desprezavam as
teorias analíticas-descritivas, por sua falta de utilidade concreta. E veriam no giro
interpretativo-normativo da teoria do direito mais um motivo para questionar sua
objetividade. Para o exército antiteórico, melhor seria reconhecer o caráter artificial e
academicista da teoria do direito, substituindo-a por uma racionalidade externa, que
pudesse ser traduzida em aplicações para melhorar a sociedade, por exemplo:
critérios de justiça de inspiração social ou econômica.
Ainda, costuma-se esquecer de um terceiro grupo de juristas que concordam
com vários pressupostos de Dworkin, mas que – ao partirem de preocupações
institucionais com as condições de exercício da jurisdição – pretendem fazer
atenuações no seu modelo interpretativo, de maneira a diminuir os riscos da
digressão dos juízes pela teoria moral. Esta linha é sustentada por Sunstein294, e tem
ganhado cada vez mais projeção, conforme as alas mais radicais do movimento
antiteórico vão perdendo primazia.
Atualmente, vários fatores aumentam a importância dessa discussão sobre a
necessidade de teoria para a prática jurídica, podendo-se citar: o acirramento dos
conflitos político-jurídicos nas democracias contemporâneas, dificultando acordos
morais abrangentes para embasar decisões; um crescente mal-estar institucional,
atravessando o papel das Cortes na deliberação pública; e uma renovada onda anti-
acadêmica e anti-intelectual, que questiona cada vez mais a relevância social da
produção teórica.
292 MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito
contemporânea. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 17-51, p. 54, 131, 148, 181 e 280.
293 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 74 e 82-83.
294 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University
Press, 2018.
148
295 Há várias dificuldades na tradução desse debate para o Brasil. Combinar sua análise a um estudo
de direito comparado extrapola em muito os objetivos desse capítulo. Contudo, é importante
chamar atenção para alguns pontos: diferentemente dos americanos, temos o controle de
constitucionalidade das leis em abstrato pelo Supremo Tribunal Federal e em concreto, não só
pelo STF, mas também por todos os juízes. Por um lado, isso tornaria nosso sistema mais exposto
a digressões morais na deliberação judicial. Por outro lado, é preciso lembrar que os americanos
têm pouco direito legislado, uma Constituição sintética, e seu sistema de precedentes é mais
flexível do que o inglês, o que aumenta a carga moral de sua jurisdição.
296 Sunstein refere-se a ele em suas grandes obras, como: SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and
political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 2018. Estabelecem um debate
direto nos seguintes artigos: DWORKIN, Ronald. In praise of theory. Arizona State Law Journal,
[S. l.], v. 29, p. 353-376, 1997. Disponível em: http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=
hein.journals/arzjl29&div=22&id=&page=. Acesso em: 11 nov. 2019. SUNSTEIN, Cass R. From
theory to practice. Order of the coif lecture: response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p.
389-404, 1997. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=
12283&context=journal_articles. Acesso em: 10 dez. 2017. DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona
State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 431-446, 1997. Disponível: http://heinonline.org/ HOL/Landing
Page?handle=hein.journals/arzjl29&div=2 7&id=&page=. Acesso: 10 dez. 2017. Depois disso,
ainda publicariam colunas dedicados a analisar obras um do outro, mas sem que houvesse uma
inovação substancial com relação aos argumentos apresentados no debate.
149
297 SUNSTEIN, Cass R. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999.
298 DWORKIN, Ronald. In praise of theory. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 353-376, 1997.
Disponível em: http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29& div=22&id=&pa
ge=. Acesso em: 11 nov. 2019. Muito desse texto se baseia numa carta de Dworkin para Sunstein.
Nela, comenta um manuscrito das Tanner Lectures de Sunstein, que ele tinha lhe enviado. Propõe
esclarecer o que podem ter sido incompreensões sobre seu trabalho, embora ressalte que pode ser
ele próprio quem entendeu mal seu interlocutor. DWORKIN, Ronald. [Carta]. Destinatário: Cass R.
Sunstein. Nova York, mar. 1995. 1 carta. Localização: Arquivos da Biblioteca da Universidade Yale.
Ronald Dworkin papers, MS 2071, Series I, Box 22, Folder 6 (partial).
299 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
150
tratava direito e moral como dois sistemas distintos, do qual Dworkin ainda não tinha
se desvinculado completamente. Também começa a ficar clara a irritação do autor
com as manobras conceituais do positivismo descritivo, que perderiam de vista o
ponto central do argumento dworkiniano, retomando um debate que ele julgava
estéril300. Isso tudo convergiria para a grande tese de fechamento de sua teoria em A
raposa e o porco-espinho (2011)301, com a realocação do direito como um ramo da
moral e, por consequência, uma rejeição do positivismo descritivo – já que não se
poderia descrever de modo completamente neutro e conceitual um fenômeno
inescapavelmente valorativo. Nesse flanco, apenas um positivismo normativo seria
um adversário teórico aceitável.
Contudo, Dworkin já tinha advertido em O Império do Direito (1986)302 que o
pragmatismo jurídico era um rival mais potente do que o positivismo. E, apesar de já
haver em A justiça de Toga uma menção entusiasmada sobre o renascimento do
positivismo normativo, são os pragmáticos que se destacam, efetivamente, como os
grandes adversários teóricos nesse livro. São eles que mais oferecem desafios do
tipo que Dworkin se anima a enfrentar, ao assumirem, com grande intensidade, a
natureza prescritiva da disputa sobre o direito. Por sinal, o próprio título do livro
parece responder de maneira otimista ao Radicals in Robes publicado em 2005 por
Sunstein303.
Por “elogio da teoria” Dworkin entende a defesa de uma determinada
abordagem aos problemas jurídicos que estaria sendo ameaçada pelo “espírito do
nosso tempo”.
Os inimigos da abordagem teórica a veriam da seguinte maneira:
304 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 72-73.
305 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 73.
306 Usam-se expressões semelhantes na filosofia da ciência, como “theory-laden” ou “theory-
impregnated”.
307 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 74.
152
308 Dworkin se refere a uma comunidade de princípios. Esse é um arranjo de moralidade política difícil
de evitar nas democracias contemporâneas, mesmo por quem antipatize com sua teoria. Quais
seriam as alternativas? Uma associação de fato remete simplesmente a um grupo de pessoas
sem vínculos, compartilhando um mesmo território. Uma comunidade de regras estabeleceria um
sistema estrito de obrigações e proibições, amparados em comandos específicos de natureza
convencional, algo difícil de estabelecer numa sociedade complexa. Já a formação de uma
autêntica comunidade política exige um pacto fundador que reflita alguns princípios minimamente
compartilhados (embora disputáveis na sua concretização), os quais passarão a servir de
diretrizes para a vida pública. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson
Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
309 Nesse texto, Dworkin não fala nas diferentes “dimensões de peso” que se atribui aos princípios,
expressão que havia cunhado já em Modelo de regras I. Contudo, é possível entender que esses
diferentes pesos são atribuídos segundo as justificações (e conexões entre justificações) de cada
princípio relativo ao caso. Nesse quadro, a “ascensão justificadora” permite arbitrar conflitos
normativos a partir de princípios cada vez mais abrangentes.
310 Vistos a partir de uma teoria mais ampla e complexa, eles podem se apoiar mutuamente. Para isso
se encaminha a visão final de: DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor.
Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
311 Outra tese profundamente mal compreendida é sobre a resposta correta. Confira: DWORKIN,
Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 175-217.
312 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
a teoria dworkiniana é uma pura idealização, uma utopia judicial consciente de que
as exigências que estabelece são inalcançáveis313. Contudo, a objeção frequente de
que os juízes reais não são Hércules, não têm seus super-poderes, desconsidera o
propósito metodológico desse modelo.
Hércules é um artifício para revelar a estrutura oculta do raciocínio jurídico a
partir de uma espécie de lente de aumento. Graças a suas capacidades sobre-
humanas, pode desenvolver uma teoria abrangente para resolver cada caso, de fora
para dentro, enquanto juízes reais pensam de dentro para fora. Mas o modo de
raciocinar de ambos é o mesmo (embora em direções diferentes), assim como a
rede de conhecimentos, os conteúdos justificatórios que precisam conectar ao caso.
Esse é o ponto.
Apesar dessas caricaturas frequentes, há críticas mais justas a Dworkin, que
compreendem seu recurso metodológico e, mesmo assim, ainda divergem de sua
teoria sobre o raciocínio jurídico.
Para rebatê-las, Dworkin lança mão de uma comparação didática com o
campo das ciências naturais, criando um modelo de deusa cientista chamada
Minerva. Ela conheceria toda a física, química, etc., podendo aplicar esse
conhecimento para construir uma ponte. Uma engenheira real não faria isso, e sim
pensaria de dentro para fora, buscando os conhecimentos na medida necessária à
construção da ponte. Mesmo que a engenheira não fosse além, nós pressuporíamos
a existência de uma rede de conhecimentos ali, bem como sua possibilidade de
encaixe – por exemplo, que nossa metalurgia e nossa engenharia fossem
compatíveis. Para Dworkin, o mesmo deveria valer para os juristas.
Embora o autor seja econômico ao explicar as consequências dessa
comparação, poderíamos arriscar dois insights, em defesa de uma certa
“objetividade” do raciocínio jurídico: a solução de problemas na área valorativa
também depende de uma estrutura de conhecimentos que não é pura invenção do
juiz, mas parte de um esforço de articulação; e, também no direito, a medida em que
recorremos a círculos mais amplos dessa estrutura de conhecimentos, num caso
concreto, não deveria ser vista como questão de escolha, mas como exigência para
a resolução do próprio caso. Em suma: se reconhecermos a necessidade da
313 Por um lado, o recurso a metáforas na (jus)filosofia pode desbloquear a imaginação para novas
ideias; por outro, pode gerar uma quantidade de distorções e mal-entendidos que obscurecem seu
propósito original.
154
ascensão teórica feita pela engenheira, não haveria justificativa para tratar de
maneira diferente aquela realizada por uma juíza, como uma espécie de invenção ou
capricho.
Outro ponto fundamental é a demarcação do fenômeno debatido, para livrá-lo
de uma confusão frequente:
314 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 82. DWORKIN, Ronald. In praise of theory. Arizona State Law Journal, [S. l.], v.
29, p. 353-376, 1997. Disponível em: http://heinonline.org/HOL/LandingPage?hand le=hein.
journals/arzjl29&div=22&id=&pa ge=. Acesso em: 11 nov. 2019.
315 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 41-105.
155
316 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005. p. 101.
317 Adrian Vermeule atribui a alguns autores a tese de que a jurisdição constitucional é uma
necessidade lógico-conceitual das democracias constitucionais. VERMEULE, Adrian. Judging
under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University
Press, 2006. p. 236.
318 Essa leitura é reforçada por outros textos em que ele discute questões institucionais. Por exemplo:
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. p. 41-153. Para uma discussão da visão de Dworkin sobre procedimentos: FERREIRA
LOPES, Ziel. Eficiência judicial no Brasil: revisitando princípio, política e processo. In: SALOMÃO
LEITE, George; STRECK, Lenio Luiz; NERY JR., Nelson (org.). Crise dos poderes da república:
judiciário, legislativo e executivo. 1. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 104-119.
319 Dworkin tenta abarcar numa só crítica várias tendências da filosofia moral (projetivismo,
expressivismo, emotivismo, etc.), as quais se apropriam da filosofia da linguagem para negar às
proposições normativas um conteúdo que possa ser verdadeiro ou falso.
156
320 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 48, 62-65, 115, 177 e 182.
321 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 28-29 e 338.
322 A tradução brasileira opta uma vez por “voltada para o futuro”, que me parece mais fiel ao texto,
mas logo a substitui por “progressista”, e mantém assim no resto do texto.
157
323 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. DWORKIN, Ronald. In praise of theory. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p.
353-376, 1997. Disponível em: http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl
29&div=22&id=&pa ge=. Acesso em: 11 nov. 2019.
324 Para aprofundamentos sobre essa questão, veja-se sua resposta a Posner em: DWORKIN,
Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 441-442 e nota de rodapé 32, 1997.
Disponível: http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=27&id=&
page=. Acesso: 10 dez. 2017.
325 Habermas faz uma leitura benevolente de Dworkin, para escapar dessa contradição: “Nem todos
os direitos subjetivos valem de forma absoluta, porém cada direito coloca barreiras ao cálculo do
proveito e dos custos na realização de fins coletivos, os quais se justificam, em última instância, a
partir do princípio do igual respeito por cada um”. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:
entre facticidade e validade. Tradução de Flavio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997. v. 1, p. 253.
326 Talvez essa linha divisória pudesse ser estabelecida, caso sua referência a um consequencialismo
fosse reformulado como a busca por uma satisfação equilibrada entre diferentes princípios, sem
colocá-los em competição com metas sociais (policies). Explicando melhor: ele não estaria
abrindo mão dos direitos e fazendo um cálculo do que seria melhor para sociedade, como se
fosse um legislador. Apenas estaria buscando qual leitura do direito realizaria da melhor maneira
os princípios que o justificam.
158
327 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014.
159
328 Citado por: DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 97. No original: SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political
conflict. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 2018. p. 50.
160
pretende negar sua descrição do raciocínio jurídico, então imagina que um jurista
deva recusar-se a lidar com problemas relativos à integridade, ou a tomar
consciência deles.
Afinal, o que fazer diante de um caso em que há princípios conflitantes? A
analogia não oferece uma saída viável, já que se trata apenas de uma maneira de
afirmar uma decisão, não de chegar a ela, devendo o verdadeiro trabalho ser feito
pela teoria. Subindo o tom, Dworkin afirma que o conselho de Sunstein “não serve
para nada” – exagero que o cega para as contribuições trazidas por seu interlocutor,
como pretendo demonstrar mais à frente.
Para não ceder à integridade, Sunstein fala em recorrer a “princípios de nível
mediano”, mas essa categoria é muito pouco elucidativa. Mais fundamentalmente, o
problema está em fixar um limite a priori para a ascensão justificadora.
Para manter a contraposição a Dworkin, Sunstein se veria obrigado a
radicalizar sua posição, para defender uma omissão deliberada dos juristas diante
daquilo que o caso exige. Do contrário, deveria aceitar uma versão bem
enfraquecida da sua abordagem, caindo na trivialidade, ou nas ressalvas que o
próprio Dworkin já fez.
Infelizmente, Sunstein muda muitas vezes seu posicionamento, ora se
colocando como um duro crítico de Dworkin, ora voltando atrás, dizendo que não
está tão certo da sua discordância, e estabelecendo uma série de ressalvas difíceis
de sistematizar. Dworkin reclama que, afinal, fica muito pouco de pé na
contraposição inicial entre os dois. Realmente, em vários momentos, não fica muito
claro se uma linha argumentativa foi abandonada, se os autores estão andando em
círculos ou se foi trazido algo novo ao debate.
Ainda, é importante chamar atenção para uma omissão bastante preocupante
na obra de Sunstein: ele não cita várias ideias de Dworkin que já estabelecem
controles e atenuações à ascensão justificadora – mesmo sem pretender formular
um tabu antiteórico ou procedimento mecânico para autorizar a ascensão. Trata-se
de ideias centrais, como a “doutrina da prioridade local”329, presente desde O Império
do Direito, e outras que já estavam presentes em sua obra desde os primeiros
artigos, na referência à força gravitacional das decisões passadas, à dimensão de
ajuste da interpretação, etc.
329 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 300-304.
161
330 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 100.
331 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 100.
332 Citado por: DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 101. No original: SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and
political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 2018. Originalmente publicado em
1996. p. 53.
333 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 101.
162
334 Dworkin analisa detidamente as limitações de um sistema desse tipo em: DWORKIN, Ronald. O
império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2014. p. 141-185.
335 SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture: response. Arizona State
Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 389-404, 1997. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/
cgi/viewc ontent.cgi?article=12283&context=journal_articles. Acesso em: 10 dez. 2017. Como a
referência adianta, a publicação do texto também foi precedida por sua leitura como palestra
perante a Order the Coif.
163
336 SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture: response. Arizona State
Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 390-391, 1997. Disponível em: http://chicagounbound. uchicago.
edu/ cgi/ viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles. Acesso em: 10 dez. 2017.
164
337 Ronald Dworkin citado por: SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice.
Order of the Coif lecture: response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 389-390, 1997.
Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article= 12283&context
=journal_artic les. Acesso em: 10 dez. 2017.
165
338 SUNSTEIN, Cass. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 59.
339 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Martins Fontes: São Paulo, 2005. p. 102-103.
166
340 POST, Robert; SIEGEL, Reva B. Roe Rage: democratic constitutionalism and backlash. Harvard
Civil Rights-Civil Liberties Law Review, New Haven, v. 42, p. 373-434, 2007. Disponível em:
https://law.yale.edu/sites/default/files/documents/pdf/Faculty/Siegel_RoeRageDemocratic
ConstitutionalismAndBacklash.pdf. Acesso em: 05 mar. 2020.
167
341 SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture:
response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 398, 1997. Disponível em: http://chicago
unbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles. Acesso em:
10 dez. 2017.
342 SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture:
response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 398, 1997. Disponível em: http://chicago
unbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles. Acesso em:
10 dez. 2017.
168
343 SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture:
response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 401, 1997. Disponível em:
http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles.
Acesso em: 10 dez. 2017.
169
344 SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture:
response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 403, 1997. Disponível em:
http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles.
Acesso em: 10 dez. 2017.
170
4.1.3 Réplica
Outros juristas, que não haviam sido citados originalmente, também passaram
a tomar parte nesse debate. Diante disso, poucos meses depois da primeira
publicação, Dworkin volta à carga em Reply345. Para manter o foco, abordaremos
apenas a parte em que se dirige diretamente a Sunstein.
Para ele, Sunstein defende uma versão suavizada de sua teoria, um
“Hércules Lite”. Mas Dworkin não consegue ver com clareza como essa diferença se
sustentaria. Primeiro, porque Sunstein não explica bem quando nem porque os
juízes deveriam interromper uma averiguação de moralidade política. Segundo,
porque os juízes deveriam dominar uma “argumentação muito complexa, abstrata e
controversa sobre o caráter da democracia, antes que eles pudessem aceitar seu
conselho de não se aventurar em questões complexas, abstratas e controversas de
moralidade política”346.
É importante registrar que Dworkin mostra-se agradecido pela caridade
argumentativa e honestidade intelectual de Sunstein347. À luz dos seus contra-
argumentos, sugere que a diferença entre os dois sequer chega a ser uma questão
de ênfase, mas talvez de tópicos, do assunto de que cada um está tratando.
Nesse espírito, concorda com Sunstein que uma decisão judicial deve
considerar suas consequências, e que filosofia pura não traz à tona os fatos que
precisamos saber para julgar. Contudo, ao ser acusado de um déficit empírico em
sua análise jurídica de casos, defende que recorre a tanto na medida necessária ao
desenvolvimento de sua argumentação. Passa, então, a criticar o alarde dos
pragmáticos sobre o impacto que pesquisas empíricas podem ter no trabalho dos
juízes – que supostamente aliviariam o fardo teórico da fundamentação, ao predizer
345 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 431-446, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=2 7&id=&page=. Acesso:
10 dez. 2017.
346 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 432, 1997. Disponível:
348 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 447, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=27&id=&page=. Acesso:
10 dez. 2017.
172
349 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 450, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=27&id=&page=. Acesso:
10 dez. 2017.
350 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 450, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=27&id=&page=. Acesso:
10 dez. 2017.
351 SUNSTEIN, Cass R. One case at a time: judicial minimalism on the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 1999. p. 180.
174
seu quórum. Mais uma vez, isso levaria Sunstein a aderir a uma visão de
democracia majoritária. Mas sabemos que essa saída não lhe agradaria. Ele
gostaria de imaginar que sua teoria da decisão se justifica por razões mais
complexas, de deferência às instituições mais capacitadas, em prol da democracia
deliberativa.
Ademais, como supor que os juízes não têm capacidade para o julgamento
dos casos, mas têm para fazer uma meta-reflexão sobre suas limitações, isto é,
sobre até onde conseguem garantir um raciocínio claramente certo? Na viva imagem
de Dworkin, seria pedir que escalassem o monte Everest para, lá de cima, mostrar-
lhes que não são bons em escaladas.
Para encerrar o debate, Dworkin retoma a comparação que havia feito entre
Sunstein e Posner. Por um lado, reconhece que o primeiro é bem menos anti-teórico
do que o segundo. Por outro, questiona se Sunstein também não se aproxima em
alguns momentos do “consequencialismo de direitos superficiais”, teoria moral de
fundo que Posner adotaria, embora sem assumi-la expressamente.
Essa teoria trata as pessoas apenas “como se elas tivessem direitos”,
enquanto parte de um cálculo custo-benefício de longo prazo. Nessa perspectiva,
não importa se um direito tiver seu reconhecimento adiado, enquanto se forma um
consenso maior a seu respeito e se conhecem melhor suas consequências. O custo
desse adiamento seria pago pelo ganho em informações e em melhores condições
de decidir.
Dworkin discorda, por defender que direitos são compromissos normativos de
uma comunidade com seus cidadãos, que não têm um valor meramente
instrumental para a melhoria da sociedade. Nessa perspectiva, cada direito não
reconhecido é um caso próprio de injustiça. Não se pode sacrificar o direito de
alguém para maximizar a felicidade dos outros, inclusive das gerações futuras –
lembro aqui das críticas de King Jr. à “droga tranquilizadora do gradualismo”352. Em
todo seu discurso, King Jr. critica duramente aqueles que pretendem pôr limites à
reivindicação de direitos, os que negociam pequenas concessões e perguntam se já
não é o suficiente. Contra isso, destaca a urgência da correção de uma grave
injustiça:
352 KING JR, Martin Luther. Where do we go from here: chaos or community? New York: Harper
Row, 1997. https://www.archives.gov/files/press/exhibits/dream-speech.pdf Acesso em: 26 fev.
2020.
175
Afinal, quem leva os direitos a sério exige que os juízes decidam da melhor
maneira, ouvindo com cuidado e se esforçando o máximo que podem nos seus
raciocínios, para entendê-los corretamente.
353 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 432-448, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=27&id=&page=. Acesso:
10 dez. 2017.
354 Aqui, adapto alguns recursos didáticos de: MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. O método de leitura
estrutural. Cadernos Direito GV, [S. l.] n. 16, mar. 2007. Disponível em: http://www.
direitogv.com.br/interna.aspx?PagId=HTKCNKWI&IDCategory=4&IDSubCategory=84. Acesso em:
26 fev. 2020. É importante destacar que esse procedimento não constitui um “método”
interpretativo, no sentido de estabelecer uma garantia prévia de como se dá o conhecimento.
Trata-se apenas de uma técnica de organização do trabalho científico, para tornar sua estrutura
argumentativa mais explícita – mais ainda muito distante de uma formalização lógica –, além de
facilitar a reutilização de informações por outros pesquisadores.
176
355 Sunstein publicou duas breves resenhas de livros de Dworkin (respectivamente: Freedom’s Law e
Justice in robes): SUNSTEIN, Cass R. Earl Warren is dead. The New Republic, [S. l.], maio 13,
1996. Disponível em: https://newrepublic.com/article/62143/earl-warren-dead. Acesso em: 10 dez.
2017. SUNSTEIN, Cass R. Virtues and verdicts. The New Republic, [S. I.] May 2006. Disponível
em: https://newrepublic.com/article/62018/virtues-and-verdicts Acesso em: 10 dez. 2017. Dworkin
também publicou uma breve resenha de um livro de Sunstein (A Constitution of many minds):
DWORKIN, Ronald. Looking for Cass Sunstein. The New York Review of Books, [S. l.], v. 56, n.
7, abr. 30, 2009. Disponível em: http://www.nybooks.com/articles/2009/04/30/lo oking-for-cass-
sunstein/. Acesso em: 10 dez. 2017. Por fim, Sunstein publicou uma homenagem após o
falecimento de Dworkin na qual defendeu (para surpresa de muitos) que ele foi o jusfilósofo mais
importante de nosso tempo: SUNSTEIN, Cass R. The most important legal philosopher of our time.
Bloomberg. [S. I.], 12 Feb. 2013. Disponível em: https://www.bloomberg.com/view/articles/2013-
02-15/the-most-important-legal-philosopher-of-our-time. Acesso em: 10 dez. 2017.
356 Talvez o mais relevante de alguns desses textos seja o contexto político que os cerca, lembrando
o que ocorreu no caso de Robert Bork. Referido jurista foi rejeitado pelo Senado para ocupar o
cargo de juiz na Suprema Corte. A campanha de Dworkin contra as concepções interpretativas de
Bork forneceu argumentos que municiaram sua sabatina. Em algum momento, pode ter pairado
sobre o debate Dworkin-Sunstein o fato deste último ser cotado para a Suprema Corte, com os
textos servindo para mandar “recados públicos” à comunidade jurídica. Afinal, Sunstein terminou
sendo indicado pelo Presidente Barack Obama para o cargo de presidente do Escritório de
Informação e Assuntos Regulatórios, posição que, de acordo com a teoria de Sunstein, ocupa
cada vez mais a centralidade institucional nos Estados Unidos. Essas questões merecem ser
investigadas em trabalhos à parte. Contudo, o foco dessa tese é a analisar e tomar parte nos
argumentos trocados pelos autores. Não considero produtivo deixar completamente de lado os
argumentos – como se tratasse de retórica vazia – e substituí-los por uma pura análise sociológica
do contexto dos debatedores, ou uma análise psicológica dos interesses que os moviam. O
trabalho teórico segue tendo seu valor, se autonomizando de contextos e interesses.
357 LEITER, Brian. In Praise of realism (and against 'nonsense' jurisprudence). U of Texas Law,
Public Law Research Paper, [S. l.], n. 138. p. 1-37, Jan. 2010. Disponível em:
https://ssrn.com/abstract=1113461. Acesso em: 10 dez. 2017.
358 GADAMER, Hans Georg. Elogio da teoria. Tradução de J. T. Proença. Lisboa: Edições 70, 1983.
p. 23-40. Traz valiosas explicações sobre o gênero textual e realiza, ele próprio, um elogio
contemporâneo da filosofia contra uma instrumentalização dos saberes.
178
contemplação útil (para servir a si mesmo e aos outros) e uma ação refletida359.
Mesmo assim, isso coloca em perspectiva o desafio herdado por Dworkin, que adere
a uma posição historicamente vista como aristocrática.
Já as críticas antiteóricas360 lembram a tradição de recusa à filosofia,
entendida a partir da polêmica com os sofistas. Por sua vez, herdam como desafio o
paradoxo do cético, conhecido desde os antigos: aquele que pretendesse rejeitar a
reflexão filosófica se veria obrigado a fazer, ele próprio, filosofia; precisaria refletir,
elaborar sua posição e argumentar em sua defesa.
O debate avançou de modo racional, sem que seja possível apontar falácias
ou outras más práticas argumentativas de seus participantes. Contudo, cabe
disputar a maneira como eles avaliaram seus resultados.
Dworkin manteve sua posição, não modificando qualquer tese central da sua
obra consolidada, nem aderindo a qualquer tese nova. Apenas mudou sua reação a
Sunstein, diante dos esclarecimentos que esse autor fez – suavizando seu ataque
inicial a Dworkin. Mesmo assim, Dworkin manteve suas críticas a algumas teses
divergentes que Sunstein continuou sustentando. Por toda reconstrução que
acompanhamos, tais críticas se mostraram bem justificadas, e até hoje Sunstein não
apresentou nenhum argumento novo, capaz de afastá-las361. Mas as críticas não
impugnam completamente a posição de Sunstein, havendo três contribuições
significativas suas – discutidas abaixo – que se mantém.
Mesmo que Dworkin não reconheça tais contribuições originais, no mínimo, esse
debate lhe oportunizou esclarecer famosos mal-entendidos sobre sua obra, a partir de
uma série de críticas úteis levantadas por Sunstein, todas de grande relevância prática.
Caberia discutir a responsabilidade por esses mal-entendidos, se ficam
inteiramente por conta de má vontade dos críticos, ou se também se devem a
359 SENECA, Lucius Annaeus. Sobre a brevidade da vida. Tradução de Willian Li. São Paulo: Nova
Alexandria, 1993.
360 Num debate sobre os desafios da análise custo-benefício em políticas regulatórias, Sunstein chegou a
intitular um texto seu como: SUNSTEIN, Cass R. In praise of numbers: a reply. Georgetown Law
Journal, [S. l.], v. 90, p. 2379-2386, 2001. Disponível em: https://chicago unbound.uchicago.edu/cg
i/viewcontent.cgi?article=12306&context=journal_articles. Acesso em: 07 jan. 2020.
361 Cabe um esclarecimento quanto à análise que se está realizando aqui: ela mesma depende de um
regime de verdade interpretativo para avaliar a força inferencial dos argumentos apresentados
pelos autores, já que nenhum deles se impõe como logicamente necessários.
179
362 O questionamento sobre se Sunstein cai num ecletismo filosófico foi feito ao fim de palestra de Felipe
Paschoalini, seu orientando, sobre o debate Dworkin-Sunstein. Paschoalini identifica as duas vias
interpretativas que se abrem sobre a obra de Sunstein, como pragmático cético ou como Dworkinano
(com algumas ressalvas). Defende que esta última é a melhor forma de lê-lo, respeitando os
pressupostos que assume no conjunto de seus trabalhos. Macedo também questiona se esse
ecletismo de Sunstein poderia revelá-lo como um mau filósofo do direito. Nesse ponto, Paschoalini
defende uma leitura caridosa, atenta à especificidade do projeto deste autor (na linha rawlsiana) de
não se comprometer com uma doutrina ética abrangente. PASCHOALINI, Felipe et al. Seminário
teoria do direito contemporânea - autores e temas [parte 8]. Mountain View: Google, 2004. (ca.
11min 09s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GDlNoXdKJTM. Acesso em: 08 jan.
2020.
180
(1) Para ambos, o conteúdo do direito só pode ser dado por uma
interpretação – i.e, a interpretação é o método pelo qual o conteúdo
ou significado do direito deve ser estabelecido. Essa visão contrasta
com a ideia de que às vezes não precisamos da interpretação para
compreender o significado de algo como uma regra.
(2) A interpretação no direito envolve, inevitavelmente, juízos de valor
próprios do intérprete sobre o conteúdo ou significado em questão,
ou, de maneira mais geral, sobre o próprio direito e seus propósitos.
Como o conteúdo do direito só pode ser dado por uma interpretação,
isso significa que o conteúdo do direito, em alguma medida, depende
inevitavelmente de juízos de valor do intérprete. Essa visão contraria
a ideia de que a interpretação no direito possa funcionar de maneira
neutra e, em um nível mais abstrato, desafia a ideia de que o
conteúdo do direito possa ser estabelecido sem recurso a
considerações morais.
(3) A própria ideia sobre o que é ‘interpretação’ no direito é, ela
mesma, interpretativa - no sentido de que é também produto de uma
interpretação sujeita aos juízos de valor do intérprete. Assim, o
conceito de interpretação não é algo dado como uma obviedade ou
um truísmo - precisa ser também defendido com base em razões.
(4) Apesar de tudo isso, a interpretação no direito não é um ‘vale
tudo’. As considerações acima não desqualificam a pretensão de
verdade de uma afirmação sobre o conteúdo ou significado do
direito. A veracidade de uma interpretação deve ser defendida com
base em argumentos que justifiquem as escolhas interpretativas
feitas pelo intérprete, entre elas os juízos de valor. Essa visão
363 PASCHOALINI, Felipe. Interpretação e instituições: o diálogo entre Ronald Dworkin e Cass
Sunstein. In: MACEDO JUNIOR, Ronado Porto (org.). Teoria do direito contemporânea -
autores e temas - biblioteca de filosofia, sociologia e teoria do direito. Curitiba: Juruá, 2017.
364 PASCHOALINI, Felipe. Interpretação e instituições: o diálogo entre Cass Sunstein e Ronald
Dworkin. 2015. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) -= Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. f. 156. Disponível em:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-18112015-145137/en.php. Acesso em: 10 dez
2017.
181
Por isso, Paschoalini defende que a obra de Sunstein seja lida de modo
complementar a de Dworkin. Esse tipo de leitura poderia trazer os seguintes ganhos
para os juristas:
Essas são as últimas palavras de seu trabalho. Seu foco era justamente
demonstrar que as teorias desses autores não seriam mutuamente excludentes,
fazendo uma análise de suas obras a partir de sua própria coerência interna. De um
lado, conclui que Sunstein seria mais bem lido como um dworkiniano do que como
um pragmático cético, porque adere a critérios de correção substantiva. Por outro,
conclui que “a teoria do direito dworkiniana comporta – sem concessões
metodológicas – considerações sobre capacidades institucionais dos intérpretes”367,
porque não defende apenas uma “integridade pura”, mas também uma “integridade
365 PASCHOALINI, Felipe. Interpretação e instituições: o diálogo entre Cass Sunstein e Ronald Dworkin.
2015. Dissertação (Mestrado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) -- Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. f. 19. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/
disponiveis/2/2139/tde-18112015-145137/en.php. Acesso em: 10 dez 2017.
366 KAUFMAN, Alexandrer H. Incompletely theorized agreement: a plausible ideal for legal reasoning?
1043-1086, July 1997. Disponível em: www.jstor.org/stable/3481131. Acesso em: 27 jan. 2020.
370 KAUFMAN, Alexandrer H. Incompletely theorized agreement: a plausible ideal for legal reasoning?
1062, July 1997. Disponível em: www.jstor.org/stable/3481131. Acesso em: 27 jan. 2020.
183
372 Uma crítica minuciosa ao pragmatismo jurídico aparece em: DWORKIN, Ronald. O império do
direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p.
118-213.
373 LAKATOS, Imre. La metodología de los programas de investigación científica. Tradução de
Juan Carlos Zapatero. Madrid: Alianza, 1993.
374 É importante destacar que não se trata de uma capitulação, já que Sunstein mantém observações
críticas e teses próprias sobre o problema. SUNSTEIN, Cass R.; KAHNEMAN, Daniel; RITOV,
Ilana; SCHKADE, David. Predictably incoherent judgments. Stanford Law Review, [S. l.], v. 54, p.
1153-1216, 2002. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=
12414&context=journal_articles. Acesso em: 10 dez. 2017.
375 É importante deixar claro que ambas as perspectivas revelam aspectos importantes sobre o
direito, que podem eventualmente competir, mas que precisam ser levados devidamente em
conta. Mais do que isso, defendo que reconciliações teóricas entre esses diferentes acessos ao
fenômeno devem ser sempre buscadas, embora nunca se completem definitivamente.
184
376 Há também autores de outras linhas teóricas que realizam importantes discussões sobre o mesmo
fenômeno. Nesse sentido, veja-se a crítica à “pan-constitucionalização” e a defesa do estatuto
epistemológico do direito civil em: RODRIGUES JÚNIOR, Otavio Luiz. Estatuto epistemológico do
direito civil contemporâneo na tradição de civil law em face do neoconstitucionalismo e dos
princípios. Meritum (FUMEC), Belo Horizonte, v. 5, n. 2, p. 13-52, jul./dez. 2010. Disponível: http://
www.fumec.br/revistas/meritum/article/view/1054. Acesso em: 05 mar. 2020.
377 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
378 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 264.
186
382 Robert Alexy, talvez o autor mais conhecido nesse tema, já distinguia entre a justificação interna
(onde se encaixam os argumentos de caráter institucional) e a justificação externa, mais abertos à
moralidade. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda HutchinsonSchild Silva. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. A partir daí, boa parte da literatura sobre argumentação jurídica tenta
discutir essas cargas argumentativas e suas condições de superabilidade por outros argumentos.
188
383 Contudo, essa transposição do “consenso sobreposto” para o âmbito da decisão judicial pode
requerer adaptações, inclusive a partir de uma análise sistemática da obra de Rawls. É preciso
considerar que, nesse âmbito, o que está em jogo é a interpretação-concretização de direitos já
estabelecidos.
384 “[...] não discuto a administração adequada da deliberação judicial, as soluções conciliatórias que
os juízes devem às vezes aceitar, declarando o direito de um modo diferente daquele que
consideram mais perfeito, com a finalidade de conquistas os votos de outros juízes, por exemplo.
Estou preocupado com a questão do direito, não com as razões que os juízes possam ter para
atenuar suas afirmações sobre o que é o direito”. DWORKIN, Ronald. O império do direito.
Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 16.
189
Por outro lado, a observação de Dworkin, de que essa lógica não se aplica
aos juízos individuais, também não é sem sentido. Só se pode falar legitimamente
em acordos parcialmente teorizados quando se assume a base interpretativa
dworkiniana. Se não houvesse qualquer compromisso com a melhor interpretação,
nem se poderia construir racionalmente uma decisão individual. Assim, tudo que
haveria no colegiado seria uma solução por consenso em uma disputa de poder, na
qual cada juiz inventaria livremente sua solução preferida para o caso e depois a
acomodaria aos demais votos. Por maior que seja o ceticismo com relação à
racionalidade das deliberações das Cortes, não se pode negar que, se os
julgamentos fossem inteiramente voluntaristas, a prática jurídica seria inteiramente
diferente da que conhecemos. Mesmo com todo o diagnóstico da politização do
Judiciário, há alguma racionalidade jurídica específica operando que constrange
(minimamente) as decisões. Eis o material de trabalho de quem pretende melhorar a
fundamentação das decisões judiciais.
Uma ilustração interessante de como essas duas lógicas estão presentes na
prática jurídica pode ser buscada numa cena do fime On the basis of sex385,
cinebiografia da juíza Ruth Bader Ginsburg da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Na juventude, Ginsburg atuou como advogada em defesa dos direitos das
mulheres, num movimento para reconhecer a inconstitucionalidade das milhares de
leis em seu país que estabeleciam discriminação de gênero. Naquele contexto dos
anos 70, o Judiciário americano vinha desempenhando um papel importante na luta
contra o racismo. O princípio que conduzia o argumento de Ginsburg era que a
discriminação de gênero feria a igualdade garantida pela Constituição, do mesmo
modo que a discriminação racial. Não havia razão que justificasse a aplicação do
princípio em um caso e não no outro, tratando-se de distinção arbitrária. Essa é a
conclusão a que se chega ao analisar o caso concreto à luz do todo coerente do
direito.
Contudo, a preocupação dos colegas de Ginsburg era que tal linha de
raciocínio espantaria os juízes, os quais temeriam abrir um precedente
extremamente revolucionário, que levaria a uma avalanche de processos judiciais
para derrubada de leis. Por isso, insistiam que Ginsburg deveria arguir apenas o
caso em questão, estrategicamente escolhido, no qual um homem solteiro sofreu
385 ON THE BASIS of sex. Direção: Mimi Leder. Intérpretes: Felicity Jones, Armie Hammer, Justin
Theroux. [S. l.]: Focus Features, 2018. 1 DVD (120 min), son., color.
190
discriminação ao tentar deduzir dos impostos seus gastos nos cuidados com sua
mãe idosa, benefício tributário que a lei só garantia a mulheres. Caso os juízes
reconhecessem que a lei, naquele caso, contrariava a Constituição, isso implicaria
em algum reconhecimento institucional contra leis que discriminam com base em
gênero, abrindo uma brecha a ser explorada. Ainda haveria uma longa luta pela
frente em outros processos, mas seria melhor garantir uma pequena conquista do
que arriscar tudo para estabelecer um precedente mais ambicioso.
A ascensão justificatória de Ginsburg era fundamental para legitimar seu
argumento. É isso que nos faz chegar racionalmente a esse resultado e reconhecer
essa interpretação do direito como correta. Mas a descida justificatória para a
sustentação perante a Corte seria uma estratégia adaptada às dificuldades práticas
que enfrentava para obter o consenso necessário à decisão. Com isso, é possível
perceber como os dois fenômenos fazem parte do raciocínio jurídico, em contextos
distintos. Por sinal, a solução retratada no filme é conciliatória: num primeiro
momento, focar estrategicamente no caso, de uma perspectiva tributária; num
segundo momento, construir a base substantiva do precedente, o argumento de
princípio que se espera avançar sobre a igualdade de gênero.
Mas até que ponto se pode negociar sem prejudicar a integridade da decisão?
Esse dilema já vem sendo levantado desde Rawls, quando o questionavam se o
consenso sobreposto não poderia cair num mero “modus vivendi”. Um exemplo
prático ganhou destaque recentemente no direito brasileiro: o voto da Ministra Rosa
Weber no “caso Lula”386. Discutia-se a constitucionalidade da execução provisória da
pena após confirmação da sentença condenatória por órgão de segunda instância.
No caso específico, a Ministra sinalizou contrariedade, mas se curvou ao
entendimento fixado pela Corte em controle concentrado, pela constitucionalidade
do instituto. Assim, falou-se no sacrifício do juízo individual em nome da
“colegialidade”387. Depois, ao enfrentar a questão numa nova ação de controle
386 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas corpus 152752/PR. Paciente: Luís
Inácio Lula da Silva. Impetrantes: Cristiano Zanin Martins e outro(a/s). Relator: Min. Edson Fachin.
Brasília, DF, julgado em 04 de abril de 2018. Processo eletrônico DJe-127 Divulg 26-06-2018
Public 27-06-2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/
HC152752 ministroDT.pdf. Acesso em: 29 fev. 2020.
387 Para uma análise aprofundada do caso, e uma crítica a essa concepção de colegialidade que
atropela o direito, ver o capítulo 30 de: STRECK, Lenio Luiz. 30 Anos da CF em 30 julgamentos:
uma radiografia do STF. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Para uma crítica mais ampla ao
consensualismo como critério da verdade no direito, elaborando uma perspectiva hermenêutica:
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 6.
ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
191
Já disse o que vem a ser o direito? A melhor resposta seria: até certo
ponto. Não concebi um algoritmo para o tribunal. Nenhuma mágica
eletrônica poderia elaborar, a partir de meus argumentos, um
programa de computador que fornecesse um veredito aceito por
todos, uma vez que os fatos do caso e o texto de todas as leis e
decisões judiciais passadas fossem colocados à disposição do
computador [...].390
Nesse ponto, ecoa Aristóteles391, para quem se deve respeitar o tipo de saber
possível em cada atividade, não tratando assuntos jurídicos de modo matemático. É
falta de educação exigir um grau de rigidez que a matéria não comporta392. Será
necessária uma análise de cada caso concreto, levando em conta as razões
justificatórias em jogo, e até onde elas podem ser excepcionadas.
algoritmo para o tribunal. Nenhuma mágica eletrônica poderia elaborar, a partir de meus
argumentos, um programa de computador que fornecesse um veredito aceito por todos, uma vez
que os fatos do caso e o texto de todas as leis e decisões judiciais passadas fossem colocados à
disposição do computador [...]. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson
Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 491
391 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília, DF:
393 Anotações de aula do professor sobre o texto: ROCHA, Leonel Severo. Três matrizes da teoria
jurídica. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio; MORAES, José Luis Bolzan de (org.).
Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito. Mestrado e Doutorado. 1998/99. São
Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 121-136.
394 SUNSTEIN, Cass R.; KAHNEMAN, Daniel; RITOV, Ilana; SCHKADE, David. Predictably incoherent
judgments. Stanford Law Review, [S. l.], v. 54, p. 1153-1216, 2002. Disponível em: http://chicago
unbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12414&context=journal_articles. Acesso em: 10
dez. 2017.
395 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006.
194
Até então, essa tese lançou seu olhar para o passado. Buscou oferecer uma
caracterização dos modelos interpretativos de dois autores bem conhecidos, analisar
seu debate, e propor uma apropriação crítica, que resultou na formulação de
algumas teses básicas.
Agora, é preciso lançar um olhar para o futuro, submetendo essas teses ao
debate com diferentes perspectivas sobre como relacionar interpretação e
instituições.
Para tanto, deve-se reconhecer a existência de visões mais críticas ao papel
desempenhado por modelos teórico-normativos, tais como o dworkiniano,
construídos sem referência direta aos limites institucionais do Judiciário. Segundo
alguns, a idealização das capacidades judiciais corromperia um modelo
interpretativo, ainda que ela fosse apenas um artifício metodológico para explicitar a
estrutura do raciocínio jurídico. Para os antiteóricos, essa estrutura interpretativa
(textualista/intencionalista/integracionista/etc.) deveria ser determinada no sentido
inverso, isto é, a partir das possibilidades institucionais de cada sistema jurídico.
Portanto, o caminho não seria partir de modelos teórico-normativos, para
depois atenuá-los através de análises institucionais, como faz Sunstein. Autores
como Adrian Vermeule priorizam a análise institucional, diminuindo a importância de
teorias normativas.
Podemos organizar a disputa entre teorias interpretativo-institucionais nas
seguintes visões396:
396 A nomeação dessas posições visa apenas a fornecer uma ilustração didática para o leitor, e não
implica em juízo depreciativo ou vantagem automática de qualquer uma delas. Casos exemplares
de cada uma dessas posições podem ser atribuídos respectivamente a: Jon Elster, Ronald
Dworkin, Cass Sunstein e Adrian Vermeule.
198
397 Ecoando aqui o conceito dworkiniano de integridade inclusiva. DWORKIN, Ronald. O império do
direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p.
482-486.
398 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006.
199
399 Esta tese foi redigida antes da publicação do polêmico texto de Vermeule na revista The Atlantic
(VERMEULE, Adrian. Beyond originalism. The Atlantic, Boston, 31 Mar. 2020. Disponível em:
https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2020/03/common-good-constitutionalism/609037/. Acesso
em: 31 mar. 2020), no qual ele abandona o formalismo e sua metodologia empirista, passando a
defender uma leitura moral conservadora da Constituição, na linha da direita política americana e
com forte inspiração religiosa. O impacto dessa guinada sobre a produção anterior do autor ainda
precisa ser avaliado com cuidado, em trabalhos à parte. Para os fins desse debate, continuam
relevantes os argumentos que Vermeule levantou a favor do formalismo, a partir de uma análise
institucional de orientação empirista. Para uma crítica ao artigo de Vermeule, veja-se: STRECK,
Lenio Luiz. Professor de Harvard lança "constitucionalismo Deus acima de todos". Consultor
Jurídico, São Paulo, 23 abr. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-23/senso-
incomum-professor-harvard-lanca-constitucionalismo-deus-acima-todos. Acesso em: 23 abr. 2020.
400 SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. U Chicago Law &
Economics, [S. l.], v. 111, Olin Working Paper n. 156; U Chicago Public Law Research Paper n. 28,
p. 885-951, Jul. 2002. Disponível em: https://ssrn.com/ abstract= 320245. Acesso em: 10 dez. 2017.
201
5.1.1 Crítica
401 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 196.
202
5.1.2 Reconstrução
402 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 63.
204
Então, Vermeule toma como ponto de partida uma área de estudos conhecida
como “escolha institucional”, na qual se lida com a alocação de competências
decisórias numa organização. Nesse âmbito institucional, são inevitáveis
considerações empíricas sobre capacidades dos diferentes órgãos e agentes
decisórios, comparações entre eles, predições de consequências sistêmicas,
análises de custos e benefícios, etc.
Defende estender essa mesma lógica para uma área análoga, a “escolha
interpretativa”, na qual se lidaria com procedimentos sobre como os juízes (enquanto
membros de instituições complexas) devem interpretar o direito. Seria necessário
escolher tais procedimentos, já que a Constituição dos EUA não declara preferência
por qualquer um. Vermeule questiona até a possibilidade de que um texto determine
seu próprio modo de interpretação. Além disso, teorias normativas não seriam
determinantes, já que seria necessário se comparar seus efeitos, antes de traduzir
ideais abstratos em intervenções concretas. Portanto, a chamada escolha
interpretativa deveria ser realizada com base em evidências empíricas.
Depois de fixar que tipo de (meta)critérios contam como válidos na “escolha
interpretativa”, Vermeule os associa com os resultados da parte anterior do trabalho,
sobre a inutilidade metodológica do intencionalismo. Assim, produz as seguintes
generalizações: os modelos first-best sobre interpretação jurídica são sempre
incompletos; e, a análise institucional pode gerar uma espécie de consenso
sobreposto entre eles em torno de resultados práticos, chegando a dispensar
modelos first-best em alguns casos.
O próximo passo, então, é identificar que tipo de informação é relevante para
tal análise comparativa entre diferentes modelos interpretativos. Destaca dois
grandes grupos de variáveis: as capacidades institucionais do judiciário e os efeitos
sistêmicos404. Vermeule dedica um estudo de caso a cada uma delas.
403 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 63.
404 O autor não se preocupa em fixar um conceito, ou um método para mensurar essas variáveis.
205
Com relação à capacidade judicial, toma como exemplar o caso Church of the
Holy Trinity v. United States, 143 U.S. 457 (1892), paradigma do intencionalismo no
direito americano. No debate tradicional sobre intencionalismo, os juristas costumam
disputar: se esse modelo é constitucional ou não; e, se é coerente atribuir uma
intencionalidade a órgãos colegiados. Destoando disso, o caso Holy Trinity
apresenta uma peculiaridade capaz de mudar os termos do debate.
Os fatos eram os seguintes: uma igreja americana havia contratado um
clérigo de outro país. Diante de determinação do Alien Contract Labor Law, surgiu a
questão sobre se era aplicável ao caso a proibição de contratar mão de obra
estrangeira. Ao fim de uma disputa judicial, os tribunais permitiram a contratação,
mesmo contra texto expresso de lei, sob o argumento intencionalista de que o
Legislador só quis vedar a contratação de trabalhadores braçais estrangeiros.
Ocorre que uma melhor análise da história legislativa revela que o Legislador
quis, de fato, estabelecer uma proibição genérica. Descobriram-se fortes evidências
documentais nesse sentido. Encontrá-las e contextualizá-las pode ser tema de
pesquisa para uma equipe de historiadores, mas não era tarefa realizável a tempo
pelos atores jurídicos envolvidos no processo. Juristas acadêmicos seriam viciados
em complexidades – por autointeresse profissional ou por idealismo. É um erro
esperar que juízes generalistas consigam deliberar rapidamente sobre questões
complexas, no mesmo nível de pesquisadores que passaram vários anos se
dedicando a uma questão específica. Ao discutir interpretação, tais acadêmicos
costumam perguntar apenas: como eu interpretaria esse caso? Deveriam perguntar
também: como eu posso ajudar os juízes reais que vão decidir esse caso, sob
limitações de tempo e de informações?
Disso tudo, Vermeule infere que as capacidades institucionais do judiciário
tornam o recurso à intenção do legislador contraproducente, mesmo da perspectiva
dos intencionalistas. Elas aumentam o risco de erro, sendo maiores as chances de
fidelidade do juiz à intenção do legislador se os intérpretes simplesmente se
ativerem ao texto legal aprovado. Esclarece que não está tentando generalizar a
partir de um caso idiossincrático uma crítica a todo o intencionalismo (visto como
modelo teórico-normativo), mas apenas sugerindo uma hipótese sobre a efetividade
do recurso metodológico à história legislativa, mesmo assumindo a perspectiva dos
intencionalistas. Enfim, mesmo que o intencionalismo fosse idealmente correto e se
pudesse deduzir consequências metodológicas dele, elas precisariam ter seu
206
405 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. Além da Parte II, capítulo 4, o elogio das Agências é
complementado na página 213.
207
atuação coordenada entre os juízes e ao longo do tempo. Não basta que alguns
juízes mudem de comportamento para produzir mudanças sistêmicas.
Esse problema não se aplica a todas as teorias da interpretação, mas apena
àquelas que dependem de interações em larga-escala para gerar efeitos. Outras
teorias podem ter razões independentes para serem adotadas, ou gerar
contribuições estritamente marginais ou divisíveis de juízes individuais. Para explicar
melhor o ponto, é necessário introduzir um aparato lógico e um empírico.
O aparato lógico é conhecido como “falácia da divisão”, e adverte sobre o erro
de deduzir qualidades das partes a partir de qualidades do grupo a que pertencem.
O fato de um exército ser forte não quer dizer que um determinado soldado que o
integra seja forte. A norma que diz que o mundo seria pacífico se todas as nações
se desarmassem não quer dizer que um país deva se desarmar unilateralmente. O
mesmo ocorre com as decisões judiciais. É possível que a adoção de um
determinado modelo interpretativo por apenas alguns juízes individuais possa gerar
consequências indesejadas. Se um modelo depender de ampla coordenação, sua
aplicação isolada por um juiz pode gerar consequências negativas no caso, sem
quaisquer dos resultados sistêmicos positivos. Por isso, mesmo que a jurisdição
democracy-forcing seja idealmente correta, sua aplicação não sistêmica pode gerar
resultados fúteis e até mesmo perversos.
O aparato empírico diz respeito a custos e inviabilidade de coordenação,
atravessando questões como: desacordos irredutíveis entre os juízes, erros
inevitáveis, não conformidade das instâncias inferiores, problemas de agregação em
órgãos colegiados, mudanças exógenas e endógenas no Judiciário que alteram a
estabilidade de seus entendimentos, etc. Todos esses fatores concretos dificultam a
efetivação de modelos interpretativos que demandam muita coordenação.
Para Vermeule, mesmo teorias da interpretação contrárias ao ativismo
judicial, mas que apelam para interações ambiciosas entre os juízes ou entre o
Judiciário e outros Poderes, estariam fadadas a fracassar. Contudo, isso não se
aplicaria ao tipo de formalismo que ele defende, cujos benefícios são estritamente
divisíveis. Mesmo que apenas alguns juízes se tornassem formalistas, isso já seria
capaz de gerar benefícios proporcionais para o sistema jurídico como um todo.
208
5.1.3 Aplicação
406 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 154
209
407 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 156.
408 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
410 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 179.
411 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 180.
213
412 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 20.
413 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 311.
215
remonta a James Bradley Thayer, cuja “regra do erro claro” ditava que as Cortes
deveriam ser deferentes, a não ser que nenhuma interpretação possível pudesse
salvar a lei. Parte disso pode ser fundamentado numa análise de custo-benefício:
414 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 239.
415 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 233.
416 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 233.
216
federal relevante para o julgamento seu caso. Diante disso, a Corte precisaria ao
menos identificar o que conta como estatuto federal válido, isto é, se o documento
preenche as “condições de existência constitucional”. Ainda que se conceda nesse
ponto, em que seria necessário um certo controle de constitucionalidade, daí não se
segue um modelo substancial de intervenção dos juízes nas decisões legislativas.
De fato, muitos países não têm algo correspondente ao judicial review americano.
Tal arranjo não é um fato da natureza, mas uma opção político-jurídica.
Outros argumentos abstratos, frequentemente usados para defender uma
necessidade do judicial review, sustentam que sua ausência levaria à uma ditadura
da maioria, ou, dito de outra maneira, que o judicial review serve para defender
minorias. Mais uma vez, o argumento (em suas duas formulações) é desacreditado
por evidências empíricas: muitos países em que há uma supremacia do Legislativo
são democracias sólidas; e proteger minorias não é, nem de longe, uma descrição
plausível do que o judicial review realmente faz nos EUA.
Apesar de toda essa cegueira diagnosticada, uma tendência mais sensível a
questões institucionais já teria começado no direito constitucional, podendo ser
vislumbrada nos trabalhos de autores como Larry Kramer, Mark Tushnet e Jeremy
Waldron. Eles contrariariam a posição hegemônica dos juristas americanos, ao
criticar um modelo forte de judicial review. Kramer reconheceu que os autores da
Constituição quiseram estabelecê-la como uma lei acima das demais leis, mas
demonstrou que eles não concebiam sua defesa como algo feito através de um
controle do Judiciário sobre os demais Poderes. O controle que concebiam seria de
caráter cívico, feito através de instâncias populares. Tushnet estudou concretamente
o desempenho Legislativo. E Waldron defendeu a dignidade da legislação,
reabilitando o Legislativo como instância de deliberação racional e resolução de
desacordos morais numa sociedade democrática.
Mesmo concordando com todos esses autores, a quem denomina de “neo-
thayerianos”, Vermeule tenta fundamentar sua crítica em bases resolutamente
institucionais, enquanto eles focam mais em argumentos históricos, populistas e
teóricos-filosóficos. Insere-se numa linhagem mais empirista (como a dos advogados
economistas, liderada por Neil Kommesar), focada na análise institucional
comparada. Dando continuidade a essas pesquisas, a contribuição original de
Vermeule estaria principalmente nas técnicas decisórias sob racionalidade limitada.
Assim, tenta lidar ao mesmo tempo com questões sobre onde deve ser alocada a
217
“efeitos sistêmicos”, jogam luz sobre questões relevantes. Também deve-se conceder
que modelos perfeccionistas ligados a teorias normativas (first-best approach) poderiam
levar a resultados contrários a seus propósitos, caso aplicados em condições sub-
ideais. E que isso torna importante, em alguns casos, buscar as melhorias possíveis
(second-best approach) dentro das condições empiricamente dadas.
A única ressalva que faria à tese metodológica fraca é que ainda é possível
fazer trabalhos exclusivamente conceituais, de maneira proveitosa. Por isso,
discordo de Vermeule quando ele defende que:
Nesse período, o único serviço útil que pode ser prestado aos juízes
pelos teóricos da interpretação, em oposição aos cientistas sociais
estudando as determinantes empíricas das abordagens
interpretativas, é oferecer conselhos sobre como os atores jurídicos
deveriam proceder melhor sob condições de incerteza417.
Não há nada que autorize dizer que o debate first-best não é importante, e
que não agrega conhecimento. Teorias normativas trazem contribuições
fundamentais ao esclarecer e justificar uma determinada posição sobre o que deve
ser a interpretação. Ao defender a importância da virada institucional, Souza e
Bolonha fazem a valiosa ressalva:
417 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 290.
418 SOUZA, Rafael Bezerra de; BOLONHA, Carlos; Teorias jurídicas contemporâneas: uma análise
crítica sob a perspectiva institucional. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 43, p. 165,
jul./dez. 2013. Disponível em: https://revistades.jur.puc-rio.br/index.php/revistades/article/view/373.
Acesso em: 27 fev. 2020.
419 Como interpretado por: BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional
interpretation: remarks on a meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law
Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p. 1120, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.
cfm?abstract_id=2195441. Acesso em: 25 jan. 2020.
420 GYŐRFI, Tamás. In Search of a first-person plural, second-best theory of constitutional interpretation.
German L. J., [S. l.], v. 14, n. 8, p. 1089, Aug. 2013. Disponível em: https://www.researchgate. net/
publication/317429065_In_Search_of_a_First-Person_Plural_Second-Best_Theory_of_Constitutional_
Interpretation. Acesso em: 25 jan. 2020.
220
Por fim, também defendo que essas teorias podem apresentar uma relevância
prática imediata, afirmação que esclarecerei mais à frente.
Dito isso, podemos concordar que o debate second-best tem uma demanda
mais urgente, por existirem pouquíssimos trabalhos nessa linha. Isso recomenda
uma mobilização da comunidade jurídica, em termos de política de pesquisa, para
preencher a lacuna. Como Vermeule coloca em outro momento, de maneira menos
dogmática, nesse momento os benefícios de trabalhos empíricos sobre interpretação
jurídica tendem a ser maiores do que os benefícios de mais trabalhos
exclusivamente conceituais421.
Essa tese abarca diferentes afirmações feitas pelo autor ao longo do trabalho,
no sentido de reivindicar terreno para a análise institucional em detrimento das
teorias normativas. Para facilitar sua análise, a desdobrarei em: tese da mediação
institucional necessária; tese da substituição; e tese metodológica “moderada” – uma
reformulação que proporei, a partir de pontos positivos da argumentação do autor.
421 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 3.
221
422 GYŐRFI, Tamás. In Search of a first-person plural, second-best theory of constitutional interpretation.
German L. J., [S. l.], v. 14, n. 8, p. 1077-1107, Aug. 2013. Disponível em: https://www.research
gate.net/publication/317429065_In_Search_of_a_First-Person_Plural_Second-Best_Theory_of_
Constitutional_Interpretation. Acesso em: 25 jan. 2020.
423 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 133, 141, 300, 301, 370, 646, 680 e 688.
424 RAWLS, John. O liberalismo político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. 2. ed. São Paulo:
Ática, 2000. p. 180-220.
425 SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. 2nd ed. New York: Oxford University
Press, 2018.
222
426 SUNSTEIN, Cass R., SUNSTEIN, Cass R. From theory to practice. Order of the Coif lecture:
response. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 389-404, 1997. Disponível em: http://
chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=12283&context=journal_articles.
Acesso em: 10 dez. 2017.
427 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks
on a meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n.
8, p. 1128-1129, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm? abstract_id=
2195441. Acesso em: 25 jan. 2020.
223
428 Curiosamente, Vermeule acusa Eskridge de cair nesse problema, ao não conseguir conectar a
parte institucional com a parte normativa de sua obra: VERMEULE, Adrian. Judging under
uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press,
2006. p. 51.
429 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 450.
430 NAGEL, Thomas. Visão a partir de lugar nenhum. Tradução de Silvana Vieira. São Paulo:
Martins Fontes, 2004. WILLIAMS, Bernard. Ethics and the limits of philosophy. Hammersmith:
Fontana Press, 1993. p. 22-30.
224
Vistos os problemas com a tese moderada forte, cabe buscar uma leitura
caridosa, ou mesmo uma reformulação, aproveitando os pontos positivos levantados
pelo autor.
431 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 75. DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor.
Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 38, 124-129.
432 Na feliz síntese de André Luiz Souza Coelho, em palestra sobre o tema.
433 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Vermeule e Frederik Shauer, ao discordarem de Dworkin, terminam por concordar com ele.
Discordam da teoria do “direito como integridade”, mas defendem suas respectivas posições nos
termos propostos pelo autor, ou seja, justificando suas respectivas versões da posição textualista.
Afinal, eles não se sentem mais à vontade para simplesmente pressupor que o Judiciário não é
ativista, ou seja, que não agirá necessariamente de forma criativa. Precisam dizer que o Judiciário
deve agir dessa forma e, portanto, argumentam abertamente contra este estado de coisas para
defender normativamente sua visão da racionalidade jurisdicional com fundamento em princípios
de explícito conteúdo político”. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Para
uma crítica do direito brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013. p. 223.
225
Mas acrescenta logo em seguida que “eu não contesto essa visão, nem
preciso fazê-lo, porque a visão é mais limitada do que alguns de seus zelosos
proponentes parecem entender”436. Isso porque as pessoas já compartilhariam
alguns valores, a partir dos quais faria sentido perguntar por “aquilo que os fatos
mostram”. Para ele, a divisão entre valores e fatos não precisa gerar muita
ansiedade filosófica na interpretação jurídica. Enfatiza que as questões relevantes
são institucionais, e não filosóficas.
Fazendo um balanço: o autor admite a impregnação teórico-valorativa de
fatos empíricos, mas tenta minimizar sua importância para o tipo de trabalho a que
se propõe. Contudo, há três problemas nessa sua manobra: mesmo quando
pessoas compartilham um conceito valorativo, ainda precisam disputar sua melhor
concepção, a interpretação que o coloca sob a melhor luz; ainda que houvesse um
compartilhamento pleno de valores, seria necessário discutir qual a razão que os
levaria do plano axiológico ao deontológico, porque o mero fato de uma posição
moral ser hegemônica não é suficiente para justificar uma boa teoria normativa; a
análise institucional não leva à preclusão de questões filosóficas, que precisarão ser
enfrentadas numa teoria normativa.
Depois da impregnação teórico-valorativa dos fatos, há outra concessão ainda
mais intrigante feita por Vermeule. Chega a reconhecer que uma abordagem
consequencialista do direito precisa apresentar uma teoria moral de fundo, para
julgar o que são boas consequências. Colocando-se contra Posner, toma partido de
Dworkin quando ele diz que “é ocioso aconselhar juízes a fazer o que ‘funciona’ a
não ser que o pragmático especifique algum critério – que eu chamei de teoria
435 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 7.
436 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 8.
226
437 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 84
438 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 84
439 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a
meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p.
1131, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2195441. Acesso
em: 25 jan. 2020.
440 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 85.
227
441 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a
meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p.
1109-1132, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2195441.
Acesso em: 25 jan. 2020.
442 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a
meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p.
1129-1132, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2195441.
Acesso em: 25 jan. 2020.
443 DWORKIN, Ronald. Reply. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 452-453, 1997. Disponível:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=2 7&id=&page=.
Acesso: 10 dez. 2017.
228
Rawls. Poderíamos dizer que Vermeule tenta apenas seguir o espírito rawlsiano,
evitando debater esquemas éticos abrangentes e propondo soluções práticas que
poderiam gerar convergências, dentro de um pluralismo razoável? O problema é que
– como já vimos – Vermeule vai muito além de Rawls. Este último era um filósofo
político e teórico da justiça. Nestas disciplinas, avançou humildemente algumas
ideias para melhorar a deliberação, em termos procedimentais muito abstratos. Já
Vermeule é um jurista que discute questões concretas. Propõe mecanismos
deliberativos que avançam sobre questões substanciais e controversas. Para que
isso seja feito, é preciso assumir o ônus de debater de modo interno ao direito,
defendendo uma posição substantiva e comparando-a com diferentes teorias
normativas de primeira ordem.
Com maior cautela, Sunstein propõe o que arrisco chamar de uma “tese
metodológica moderada”. Ao discutir se o formalismo jurídico deve ou não ser
defendido empiricamente, o autor responde que sim, mas com algumas ressalvas:
444 SUNSTEIN, Cass R. Deve o formalismo ser defendido empiricamente? Tradução de Felipe
Douverny. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). A justificação do formalismo jurídico. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 203.
230
Embora Vermeule tente fazer com que esse salto pareça natural, trata-se de
uma decisão metodológica extremamente ousada. Mesmo juristas institucionalistas,
simpáticos a abordagens empíricas, poderiam hesitar em acompanhá-lo. De fato,
Posner445 já havia criticado severamente Vermeule por praticar um “empirismo
casual”. Para ele, o pessimismo de Vermeule sobre a coleta de evidências se deve à
sua inabilidade em propor estudos empíricos factíveis sobre a questão, além de sua
injustiça em não reconhecer bons estudos já existentes. Então, Posner põe em
discussão pautas para uma agenda de pesquisa “empírica formal” sobre
interpretação e instituições.
Como vimos, Vermeule segue por um caminho diferente. Tenta justificar a
importação de técnicas decisórias sob racionalidade limitada, dizendo que essa é a
abordagem mais razoável diante da incerteza, para evitar a paralisia. Contudo, as
medidas deliberadamente simplificadoras que ele propõe representam uma
mudança muito grande para serem tomadas com pouca fundamentação. Aplicando
essas técnicas a si mesmas, poderiam fundamentar a manutenção da maneira atual
de se decidir, ao menos para evitar os custos de transação. Nesse sentido, Eskridge
usa as técnicas de Vermeule para fundamentar o não formalismo. Destaca que o
autor chega a resultados diferentes, “mas ele o faz ignorando os (potenciais) custos
de sua abordagem e superestimando seus (prováveis) benefícios”446. Conclui que:
“seu mecanismo de teoria decisória é tão manipulável e desincumbido de evidências
empíricas ou de outro tipo que poderia apoiar qualquer abordagem à interpretação
legal – e, portanto, não apoia qualquer uma delas persuasivamente”447.
Além disso, a maior objeção à tese metodológica extrema deveria vir das
teorias normativas, especialmente das baseadas numa visão principiológica da
interpretação jurídica. Sob essa configuração do debate, toda a dimensão de justiça
do problema simplesmente some. Vermeule sequer apresenta uma definição do que
entende por “utilidade esperada” que os juízes tentariam maximizar. Haveria aí uma
teoria moral de fundo? Parece que sim, já que as várias técnicas que apresenta
445 POSNER, Richard. Reply: the institutional dimension of statutory and constitutional interpretation.
Mich. L. Rev., [S. l.], v. 101, n. 4, p. 969, 2003. Disponível em: https://repository.law.umich. edu/
mlr/vol101/iss4/3. Acesso em: 25 jan. 2020.
446 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. l.], v. 119, n. 7, p.
2056, May 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513. Acesso em:
25 jan. 2020.
447 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. l.], v. 119, n. 7, p.
2056-2057, May 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513.
Acesso em: 25 jan. 2020.
231
448 GUERREIRO RAMOS, A. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das
nações. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1989. p. 118-138.
449 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
453 POSNER, Richard. Reply: the institutional dimension of statutory and constitutional interpretation.
Mich. L. Rev., [S. l.], v. 101, n. 4, p. 953, 2003. Disponível em: https://repository.law.umich. edu/
mlr/vol101/iss4/3. Acesso em: 25 jan. 2020.
454 PALACIOS LLERAS, Andres. The “institutional turn” in jurisprudence: critique and reconstruction,
[S. I.], 2008. p. 3-6. Disponível em: http://works.bepress.com/andres_palacios_ lleras/7/. Acesso em: 25
jan. 2020.
455 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. I.], v. 119, n. 7, p.
2041-2051, May. 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513.
Acesso em: 25 jan. 2020.
456 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a
meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. I.], v. 14, n. 8, p.
1125-1127, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id= 2195441.
Acesso em: 25 jan. 2020.
234
457 VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation.
Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 51.
458 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a
meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p.
1121-1125, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2195441.
Acesso em: 25 jan. 2020.
459 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 101.
460 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. l.], v. 119, n. 7, p.
2065-2070, May. 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513.
Acesso em: 25 jan. 2020.
235
468 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. l.], v. 119, n. 7, p.
2058-2061, May 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513.
Acesso em: 25 jan. 2020.
237
469 POST, Robert; SIEGEL, Reva B. Roe Rage: democratic constitutionalism and backlash. Harvard
Civil Rights-Civil Liberties Law Review, New Haven, v. 42, p. 373-434, 2007. Disponível em:
https://law.yale.edu/sites/default/files/documents/pdf/Faculty/Siegel_RoeRageDemocraticConstituti
onalismAndBacklash.pdf. Acesso em: 05 mar. 2020.
470 A rigor, Dworkin fala nos argumentos de princípio como trunfos individuais. DWORKIN, Ronald.
Rights as trumps. In: WALDRON, Jeremy. Theories of Rights. Oxford: Oxford University, 1984.
p.153-167. Em todo caso, a lógica pode ser estendida para a defesa de grupos minoritários contra
maiorias, aproximando-o de Post e Siegel.
471 Essa é a linha argumentativa de Dworkin sobre o “fórum de princípios” em: DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. 2. ed. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 41-105.
Também é sustentada por Bustamante, com aportes do teorema da representação argumentativa de
Robert Alexy. Mostra que a missão institucional da jurisdição não é apenas gerar decisões, mas
também gerar um tipo específico de argumento no debate público. BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin,
Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks on a meta-Interpretive disagreement
(Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n. 8, p. 1143-1144, 2013. Disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id= 2195441. Acesso em: 25 jan. 2020.
472 E isso ainda está por ser demonstrado, de maneira quantitativa e qualitativa.
473 Como McCaffery lê Dworkin: MCCAFFERY, Edward J. Ronald Dworkin, inside-out. California Law
Review, [S. l.], v. 85, n. 4, p. 1079, jul. 1997. Disponível em: www.jstor.org/stable/3481131.
Acesso em: 27 jan. 2020.
238
474 POSNER, Richard. Reply: the institutional dimension of statutory and constitutional interpretation.
Mich. L. Rev., [S. l.], v. 101, n. 4, p. 962, 2003. Disponível em: https://repository.law.umich.
edu/mlr/vol101/iss4/3. Acesso em: 25 jan. 2020.
475 Esse argumento também foi usado por Dworkin, contra Sunstein, em: DWORKIN, Ronald. In
praise of theory. Arizona State Law Journal, [S. l.], v. 29, p. 353-376, 1997. Disponível em:
http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/arzjl29&div=22&id=&pa ge=. Acesso
em: 11 nov. 2019. Para uma discussão com base em pesquisas empíricas, ver: RODRIGUEZ,
José Rodrigo. Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito brasileiro. Rio de Janeiro:
FGV, 2013. p. 201-230. Chama atenção para um efeito paradoxal no aumento da produção
legislativa, voltada a criar um texto mais fechado normativamente: “Outro exemplo interessante
desse efeito paradoxal a que nos referimos foi identificado em pesquisa empírica realizada pelo
Cebrap em parceria com a Escola de Direito de São Paulo da FGV – Direito GV sobre as
decisões judiciais a respeito do crime de racismo no Tribunal de Justiça de São Paulo. A pesquisa
mostrou que, ao invés de restringir as possibilidades interpretativas – objetivo inicial –, a criação
de um novo diploma legislativo resultou na ampliação das possibilidades de enquadramento para
a mesma espécie de fato. Acabou por contribuir para aumentar a divergência jurisprudencial
sobre o assunto e comprometer a segurança jurídica” (p. 211).
239
476 DWORKIN, Ronald. A raposa e o porco-espinho: justiça e valor. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 199.
477 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
pela integridade, orientada para compreender o que o direito exige naquele caso
concreto. Esse esforço holístico deve ser atenuado pela “doutrina da prioridade
local”478, elaborada inicialmente por Dworkin, e enriquecida significativamente a partir
dos trabalhos de Sunstein479. Trata-se de observar a força gravitacional exercida
sobre o juiz por decisões institucionais anteriores. Em alguns casos, essa força é
maior. Por isso, existem situações nas quais se justifica uma “descida” deliberativa,
como exigência do próprio direito, e não para sonegá-lo. Ferramentas de análise
institucional podem informar tal justificação, colocando a pesquisa empírica a serviço
da teoria normativa. Nessa linha, seria possível se apropriar também de alguns
recursos metodológicos desenvolvidos por Vermeule, como a análise de variáveis
ligadas a capacidades judiciais480 e efeitos sistêmicos, mas evitando suas técnicas
decisórias sob racionalidade limitada. Esse seria meu esboço de modelo
interpretativo-institucional481.
Portanto, minha visão sobre interpretação jurídica se basearia estruturalmente
no modelo dworkiniano, atenuado por uma análise institucional empiricamente
informada.
Nessa empreitada, um jurista filiado a outro paradigma filosófico, distante do
interpretativismo e da tradição hermenêutica, tenderá a não reconhecer a validade
de meus argumentos nesse ponto, por assumir pressupostos profundamente
diferentes dos meus. Diante deste tipo de impasse, não é recomendável que
qualquer um dos cientistas tente impor seus pressupostos ao outro, num processo
478 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2014. p. 300-304.
479 Por todos: SUNSTEIN, Cass. Legal reasoning and political conflict. 2nd ed. New York: Oxford
reconhecimento de que não se tem uma teoria, muito menos um sistema. Trata-se apenas de um
pequeno conjunto de pressupostos, ideias, critérios e métodos para auxiliar na tomada decisão,
sem pretensão de esgotar o problema.
241
Depois disso tudo, ainda há espaço para Hércules após o “giro institucional”
da teoria da interpretação? Ainda precisamos de modelos normativos para atores
individuais, construídos sob condições idealizadas? E em quais situações?
Acredito que esses modelos ainda são importantes. Ainda que fossem
completamente idealizados, no mínimo, eles nos ajudariam a discutir aquilo a que
aspiramos, questão que se mostrou inescapável para qualquer jurista.
Mas vimos que Hércules vai além disso. Ele não é uma pura idealização, pois
seu tipo de conhecimento e seu modo de raciocínio já estão operantes na realidade,
mostrando um potencial que devemos explorar, uma base da qual podemos partir.
242
482 “Esse ponto é importante, pois Dworkin não supõe que os juízes sejam tão poderosos como Hércules.
Contudo, reconhece que ele pode ser imitado, e que a maneira como este interpreta é
gramaticalmente semelhante à forma humana pela qual juízes interpretam. Lembre-se que Hércules
não é um Deus, mas um semideus e, como tal, guarda semelhança direta com nossa humanidade”.
MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. A integridade do direito e os protocolos de Hércules. In: COELHO,
André; MATTOS, Saulo; BUSTAMANTE, Thomas. Interpretando o Império do direito. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2018. p. 156.
483 SUNSTEIN, Cass R. There is nothing that interpretation just is. Constitutional Commentary,
484 MCCAFFERY, Edward J. Ronald Dworkin, inside-out. California Law Review, [S. l.], v. 85, n. 4, p.
1062-1063, July 1997. Disponível em: www.jstor.org/stable/3481131. Acesso em: 27 jan. 2020.
244
Com base em tudo que foi discutido, tentarei esboçar cinco coordenadas
meta-teóricas, sob as quais questões interpretativas e institucionais podem ser
combinadas de modo produtivo: 5.5.1) fundamentação empírica rigorosa; 5.5.2)
justificação teórico-normativa; 5.5.3) humildade metodológica; 5.5.4) equilíbrio
temático entre interpretação e instituições; e 5.5.5) perspectiva histórica.
485 Foi o que Lúcio Delfino e eu tentamos fazer em, relacionando as heurísticas desenviesantes
(debiasing) com a Crítica Hermenêutica do Direito: DELFINO, Lúcio; LOPES, Ziel Ferreira. Streck,
Fonseca Costa, Kahneman e Tversky: todos contra o ativismo judicial probatório de Michele
Taruffo. Revista de Processo, [S. l.], v. 255, p. 141-166, 2016.
245
A pesquisa empírica não pode ser trazida para o direito sob a mistificação de
que os fatos falam por si mesmos486. Nesse sentido, Bustamante acusa Vermeule de
sofrer de um “Nirvana empírico”487. O debate teórico-normativo é inescapável. Fatos
podem facilitar convergências entre partidários de diferentes teorias normativas, e
até impor a reformulação de algumas delas. Mas a passagem do “ser” ao “dever ser”
precisa sempre de uma justificação passível de controle intersubjetivo. Mesmo o
consenso precisa ser baseado em razões, e não numa agregação de preferências
que ganhariam superioridade moral automática simplesmente por serem
majoritárias. É preciso fornecer razões pelas quais algo seria bom/correto/justo.
Para tanto, podemos partir de uma base moral minimamente compartilhada.
No direito, a busca desses fundamentos é facilitada pela existência de documentos
que tentam enunciar os princípios da comunidade. Isso oferece uma base da qual
partir, para disputar a melhor interpretação, sem que seja o caso de inventar
fundamentos a partir do nada. Assim se constroem os argumentos de princípio.
Diante desse tipo de argumento, alguns preceitos interpretativos podem ser
recusados, não apenas pelos resultados que são capazes de gerar, como também
por serem, em si, ultrajantes – como a “escolha não deliberativa” aplicada à decisão
judicial.
A dificuldade para legitimar esse ponto é que existe atualmente uma forte
onda de ceticismo moral, inclusive sobre o próprio valor da democracia. Sem querer
impor um esquema ético abrangente, peço apenas ao leitor que assuma como
possível (para fins de argumentação) alguma cognoscibilidade, veracidade e
demonstrabilidade nesse campo valorativo. Essa assunção parece recomendada
486 Muitas vezes, os juristas realizam aportes de outras ciências sociais, idealizando-as por possuírem
maior fundamentação empírica. Muito frequentemente, isso leva a uma sujeição acrítica do direito
à economia. Deve-se ter em mente que, mesmo nessa área, questões interpretativas-
argumentativas são constitutivas de suas disputas: ARIDA, Pérsio; REGO, José Márcio (org.).
Retórica na economia. São Paulo: 34, 1996.
487 BUSTAMANTE, Thomas. Dworkin, Vermeule and Gyorfi on constitutional interpretation: remarks
on a meta-Interpretive disagreement (Comment on Gyorfi). German Law Journal, [S. l.], v. 14, n.
8, p. 1128-1129, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_ id=
2195441. Acesso em: 25 jan. 2020.
246
pela própria fenomenologia das práticas cotidianas. Caso já não fizéssemos nenhum
juízo intersubjetivo sobre o que é bom/mau, certo/errado, justo/injusto, nossa vida
social seria inteiramente diferente. Uma vez assumido que esses padrões
normativos existem, e que influenciam nossas vidas, precisamos assumir também
suas consequências. Somos responsáveis por interpretá-los da melhor maneira
possível e promover o estado de coisas que eles recomendam. A isso Dworkin
chamou certa vez: “levar os direitos a sério”488.
488 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.
247
489 ESKRIDGE JR., William N. No frills textualism. Faculty Scholarship Series, [S. l.], v. 119, n. 7, p.
2070, May 2006. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1513. Acesso em:
25 jan. 2020.
490 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método l: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 14.
491 HEIDEGGER, Martin. O acontecimento apropriativo. Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
248
Essa citação pode suscitar uma polêmica gigantesca. Mas, nos limites desse
trabalho, podemos apenas aceitar a importância desses dois movimentos: interpretar
o mundo, aceitando a tarefa da reflexão; e intervir na prática, transformando as
estruturas da realidade.
495 HEIDEGGER, Martin. Entrevista a Richard Wisser. \tradução de Antonio Abranches. O Que nos
Faz Pensar, [S. l.], v. 8, n. 10.1, p. 11-17, out. 1996. Disponível em: http://www.oquenosfaz
pensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/89. Acesso em: 05 mar. 2020.
496 “Seja como for, é importante evitar a postura ingênua daqueles que acreditam no texto como meio
de garantir segurança jurídica e olham para os textos normativos abertos como um mal a ser
evitado. Uma posição como esta, que se coloca em um estágio anterior ao debate entre partido da
restauração e partido reformista, não se sustenta de nenhum ponto de vista. É simplesmente um
retrocesso no pensamento sobre o direito se o modo de pensar de um jurista que acabou de sair
de uma máquina do tempo vindo diretamente do século XVII para o século XXI para fazer
renascer uma ideologia datada”. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? para
uma crítica do direito brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013. p. 231.
250
Não foi à toa que a hermenêutica deixou de ser uma questão instrumental,
passando a constituir um novo paradigma nas ciências sociais contemporâneas497.
Isso já foi uma reação aos limites do projeto moderno, que tentou reproduzir em
outras áreas o sucesso das ciências naturais, copiando seus métodos sem atentar
para a especificidade dos fenômenos estudados.
Além disso, todos esses debates não foram travados no vácuo. A
hermenêutica nasceu como disciplina498, séculos atrás, em meio à disputa teológica
entre católicos e protestantes, sobre a quem pertencia a autoridade para fixar o
sentido dos textos sagrados e com quais procedimentos isso seria feito. De um lado,
havia a defesa da autoridade de uma instituição-guardiã; de outro, uma reivindicação
de uma relação direta dos fiéis com os textos fundamentais dessas comunidades.
Esse tipo de tensão não é uma invenção contemporânea. No direito, a hermenêutica
se tornou o campo de batalha entre os Poderes, com o agigantamento do Legislativo
e dos movimentos codicistas, as diferentes fases do Constitucionalismo, passando a
ocupar o centro do debate jurídico após a Segunda Guerra Mundial.
Revisões bibliográficas mais benevolentes do que a de Vermeule podem
revelar que o debate interpretativo já lida há bastante tempo com questões
institucionais, embora não se utilizasse o jargão econômico que vem se
popularizando agora.
497 MARMOR, Andrei (ed.). Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. Tradução de Luís
Carlos Borges. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2004. p. IX-XII.
498 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Ênio Paulo Giachini. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 112.
251
6 CONCLUSÃO
Esse novo enfoque dworkiniano revelou fenômenos até então ignorados pelos
positivistas, como padrões normativos mais complexos (os princípios) e o qual o
sentido de desacordos não empíricos no direito. O próprio Dworkin só percebeu
todas as consequências desse enfoque ao final de sua obra. Tornou-se necessário
mudar a própria relação entre os sistemas do direito e da moral. O direito passaria a
ser um ramo institucionalizado da moral. Onde houvesse norma jurídica, as
questões de “dever ser” estariam latentes, pedindo por justificações. Com essa visão
unissistemática, esperava forçar seus rivais a se engajarem num debate normativo
ao falar de direito. Assumir que não existe nada no direito que seja amoral forçaria
os juristas a justificarem suas teorias, sem poderem se refugiar numa descrição
supostamente neutra, ou em prescrições com base em argumentos tecnocráticos –
como a substituição do direito por critérios de eficiência econômica.
Embora seja possível discordar das teses de Dworkin, deve-se reconhecer
que nenhuma delas surge de um diletantismo intelectual, mas tentam responder a
demandas por legitimidade e controlabilidade do raciocínio jurídico. Afinal, sua teoria
dá conta de uma série de questões não respondidas até o momento, além de
levantar novas questões. A principal delas é: caso se assuma que a interpretação
jurídica tem uma dimensão intrinsecamente “moral”, cujo controle depende da
coerência de suas justificações (teorias), como os juristas devem lidar com isso?
O integracionismo proposto por Dworkin aceita correr os riscos de eventuais
digressões dos juízes por teorias morais. Mas esse não é o único modelo
interpretativo possível, nesse enquadramento. É possível concordar com os
pressupostos de Dworkin, mas discordar sobre o que se deve fazer a partir deles.
Juristas indispostos a correr os riscos de interpretações ambiciosas dos juízes
podem recomendar-lhes uma atitude mais restritiva, ou mesmo diminuir seus
poderes através de mudanças nos desenhos institucionais. Essa seria a nova
agenda da pesquisa jurídica aberta pelos trabalhos finais de Dworkin, depois do
décadas da agenda metodológica no debate com os positivistas descritivos.
Nessa deixa, Sunstein aparece como um interlocutor privilegiado. Sua obra
tentou responder à nova realidade social dos EUA nos anos 90, marcada por um
clima anti-judiciarista, uma polarização do debate público e uma emergência das
Agências Reguladoras. Insere-se tendência acadêmica da “Escola de Chicago”, que
dava maior importância às questões práticas, à pesquisa empírica e ao diálogo com
253
É verdade que isso extrapola uma interpretação fiel aos autores, porque
contraria sua intenção expressa e arrisca violentar a coerência interna de seus
modelos, em prol da formação de um modelo combinado que, inevitavelmente,
levará a uma lógica própria. Mesmo assim, entendo que essa apropriação criativa de
seus legados tende a produzir maior avanço no conhecimento sobre o tema.
Esboçando diretrizes para essa combinação, propus que a teoria do direito
como integridade seja assumida como campo básico, e que ela seja desenvolvida a
partir de três pontos levantados por Sunstein – filtrando as ideias desse autor que se
revelam um “consequencialismo de direitos superficiais”.
O primeiro ponto é um desenvolvimento da doutrina da prioridade local.
Defendo a possibilidade de se assimilar a rica pesquisa empírica de Sunstein (e
autores relacionados), sobre situações em que houve uma restrição da amplitude e
profundidade do raciocínio jurídico, desde que mantida a linha da “prioridade local”
elaborada por Dworkin. A “descida teórica”, almejada por Sunstein, seria devida em
casos nos quais se justificasse como exigência do próprio direito, e não para
sonegá-lo – por exemplo, evitando a banalização do controle de constitucionalidade,
mostrando deferência ao Legislativo e às agências Reguladoras em questões sobre
as quais têm maior capacidade técnica e legitimidade política para decidir. Trata-se
de um “sistema de contenções institucionais” para a interpretação jurídica, sem
implicar a adoção de um procedimento mecânico ou um conjunto de cânones
O segundo ponto é a defesa de um modelo para exposição de decisões
colegiadas. Há muito tempo Dworkin abdicou da discussão sobre como um juiz
integracionista deveria lidar com deliberações coletivas. Mas isso é uma questão de
extrema importância, que não pode ficar sem resposta. Nesse debate, os acordos
parcialmente teorizados, propostos por Sunstein, emergem como a melhor maneira
de coordenar diferentes decisões e expô-las num relatório conjunto.
O terceiro ponto é a observação de novos desenhos institucionais, com
grandes implicações para a teoria da interpretação jurídica. A emergência do
fenômeno das Agências Reguladoras levanta a possibilidade de outras
experimentações desse tipo para modelar a cultura interpretativa de um sistema
jurídico. É verdade que isso já vem sendo feito, sob outros nomes, como nas
reformas processuais. A novidade agora é a apreensão teórica das relações entre
essas áreas, além das várias ferramentas empíricas atualmente à disposição dos
juristas.
257
fala, que pode ter razão. Sem isso, o giro institucional estaria apenas repetindo a
famosa “querela metodológica” da hermenêutica moderna.
Esses pontos poderiam ser recusados, partindo-se de uma postura científica
hostil à hermenêutica, anti-teórica, não cognitivista moral e empirista sob
“racionalidade limitada”, como é o caso de Vermeule. Mesmo assim, acredito que
seja possível oferecer-lhe uma resposta, que faça sentido, sem que ele precise se
converter à nossa posição para aceitá-la. Para tanto, peço que assumamos uma
posição mais standard, mainstream, moderada, ou “de centro”, sobre o
conhecimento valorativo no direito. A partir desse marco, defendo que a tese de
Vermeule enfraquece progressivamente conforme depende da adesão a um regime
de verdade cada vez mais peculiar, contrário ao que assumimos como justo em
nossas práticas cotidianas. Ao importar as técnicas decisórias sob racionalidade
limitada para o direito, Vermeule deve assumir um ônus ao eliminar de seus critérios
(de maneira contraintuitiva) toda a dimensão moral.
Um exemplo extremo pode ajudar a esclarecer meu ponto: mesmo que o
julgamento de casos com base num jogo de cara ou coroa zerasse os custos de
decisão e fixasse os custos de erro em 50%, isso seria incompatível com o que
entendemos por interpretar a Constituição, além de ser ultrajante em qualquer
sistema de justiça contemporâneo. O próprio Vermeule recusa esse recurso,
dizendo não buscar diminuir os custos de decisão de qualquer maneira. Apesar
disso, não explicita quais são seus limites. Ao que parece, são limites sobre o que se
entente minimamente por interpretação jurídica e sobre que seria moralmente
admissível nessa atividade.
Por fim, cabe exortar outros juristas a tomarem parte desse empreendimento
de integrar teorias da interpretação e questões institucionais. A presente tese foi
apenas uma aproximação entre esses temas. Mas ela não é só minha opinião,
dentre outras opiniões possíveis. É uma proposta justificada, tão bem quanto me foi
possível nesse momento. E ela deve ser criticada, complementada e superada por
outras propostas, que apresentem justificações melhores.
263
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