Tese - 8778 - Tese. Alessandra André

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

ALESSANDRA ANDRÉ

A FABRICAÇÃO DA ‘BASILEIA’ HELENÍSTICA: UM ESTUDO SOBRE O GOVERNO

DE ANTÍGONO MONOFTALMO E DEMÉTRIO POLIORCETES (321 – 301 A.C.)

VITÓRIA

2018
ALESSANDRA ANDRÉ

A FABRICAÇÃO DA ‘BASILEIA’ HELENÍSTICA: UM ESTUDO SOBRE O GOVERNO

DE ANTÍGONO MONOFTALMO E DEMÉTRIO POLIORCETES (321 – 301 A. C.)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Doutora em História,
na área de concentração História Social das Relações
Políticas.
Orientador: Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva

VITÓRIA

2018
ALESSANDRA ANDRÉ

A FABRICAÇÃO DA ‘BASILEIA’ HELENÍSTICA: UM ESTUDO SOBRE O GOVERNO DE


ANTÍGONO MONOFTALMO E DEMÉTRIO POLIORCETES (321 – 301 A.C.)

Tese apresentada ao Programa de pós-graduação em História do Centro de Ciências Humanas


e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para a obtenção do grau
de Doutora em História, na área de concentração História Social das Relações Políticas.

Aprovada em 05 de abril de 2018.

COMISSÃO EXAMINADORA:

___________________________________________
Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador

____________________________________________
Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Examinador Externo

_____________________________________________
Prof. Dr. Henrique Modanez de Sant’Anna
Universidade de Brasília
Examinador Externo
________________________________________________
Profa. Dra. Érica Cristhyane Morais da Silva
Universidade Federal do Espírito Santo
Examinadora Interna

_________________________________________________
Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco
Universidade Federal do Espírito Santo
Examinador Interno

__________________________________________________
Profa. Dra. Sílvia Marcia Alves Siqueira
Universidade Estadual do Ceará
Membro Suplente

___________________________________________________
Prof. Dr. Belchior Monteiro Lima Neto
Universidade Federal do Espírito Santo
Membro Suplente
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
________________________________________________________________
André, Alessandra, 1982-
A553f A fabricação da basileia helenística: um estudo sobre o
governo de Antígono Monoftalmo e Demétrio Poliorcetes (321
301 a.C.) / Alessandra André – 2018.
294 f. : il.

Orientador: Gilvan Ventura da Silva

Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do


Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.

1. Civilização Helenística. 2. Basileia. 3. Fabricação. 4.


Demétrio Poliorcetes. 5. Antígono Monoftalmo. I. Silva, Gilvan
Ventura da, 1967-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de
Ciências Humanas e Naturais. III. Título.

CDU: 93/99
________________________________________________________________
‘In memoriam’ à minha amada mãe, Nelza, meu alicerce e
inspiração, por acreditar em mim e me apoiar de todas as
formas possíveis.
Para Vinícius, pelo amor e apoio nas horas mais difíceis.
AGRADECIMENTOS

Agradecer a todos que me ajudaram nesta empreitada é uma tarefa difícil. Foram

muitas as pessoas que me auxiliaram direta ou indiretamente, mesmo que elas mesmas não se

deem conta disso. Entre amigos, professores e colegas, há uma lista de pessoas às quais sou

bastante grata.

Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Gilvan Ventura da Silva (Ufes), que

desde a graduação me inspirou, por sua rara sabedoria e conduta profissional, a empreender a

busca constante do conhecimento. Espero que o resultado deste trabalho seja digno de sua

valiosa e dedicada orientação, sem a qual seria impossível encontrar caminhos para chegar a

um bom termo.

Ao Professor Doutor Henrique Modanez de Sant’Anna (UnB) e à Professora Doutora

Érica Cristhyane Morais d Silva (Ufes), pelas críticas, observações e sugestões recomendadas

na Banca de Qualificação, fundamentais para o desenvolvimento do meu trabalho de

pesquisa. Agradeço, também, a estes professores, pelo apoio e disponibilidade em participar

da Banca de Defesa.

Sou grata aos Professores Doutores Fábio de Souza Lessa (UFRJ) e Sebastião Pimentel

Franco (Ufes) pela disponibilidade em participar de minha Banca de Defesa de Tese. Acredito

que a colaboração de ambos será fundamental para o aprimoramento deste trabalho. Em

especial, ao Professor Doutor Sebastião Pimentel Franco, que acompanhou a minha trajetória

acadêmica desde a graduação, momento no qual fui sua orientanda de iniciação científica por

três anos, agradeço pelo apoio e carinho constante.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) pelo

financiamento desta pesquisa. À Fondation Hardt, localizada em Genebra, pela concessão da

bolsa do Programa Jovens Pesquisadores. Sou grata especialmente aos Professores Doutores
Gary Vachicouras e Pierre Ducrey pela supervisão e atenção concedidas; e ao Professor

Doutor John Bennet e a Vicki Tzavara da British School at Athens pelo apoio durante minha

estada nesta instituição.

Agradeço a todos os colegas do Laboratório de Estudos sobre o Império Romano, seção

Espírito Santo, pelos debates desenvolvidos e pelo compartilhamento de ideias e de

experiências nos inúmeros Encontros e Congressos dos quais participamos e organizamos. À

revisora e amiga Kátia Regina Giesen, por examinar o texto da tese com tanta dedicação.

Agradeço, em especial, às mulheres fortes que estiveram ao meu lado ao longo desta

jornada. Amigas que em diversos momentos foram o meu porto seguro, cada uma à sua

forma. Destaco entre estas grandes mulheres: as amigas que fiz ao longo do doutorado e que

levarei para a vida, Carolline da Silva Soares, Karulliny Silverol Siqueira, Hariadne da Penha

Soares e a companheira de turma e desabafos Kátia Sausen da Motta; Giovanna Entringer e

Fernanda Coimbra da Costa Pereira, amigas de uma vida toda e companheiras de todas as

horas; e, por último, mas não menos importantes, às amigas Vera Márcia Soares de Toledo e

Andrea Santana Silva e Souza, irmãs das Letras que, junto comigo, sonharam e realizaram

seus respectivos doutorados, desde o momento de preparação de nossos projetos. A todas

vocês, agradeço a sororidade.

Agradeço à minha família, em especial às minhas primas Mayone, Nathalia e Victória,

por todo o apoio e amor, e ao meu tio, e pai de coração, Eduardo. Agradeço ao meu

companheiro da vida, meu marido, Vinícius, por ser aquele que esteve, durante esses quatro

anos, todos os momentos ao meu lado. A você, meu amor, meus mais profundos

agradecimentos. Por fim, agradeço aquela que fez de mim o que sou hoje, minha mãe, Nelza,

que infelizmente ao longo desta minha jornada veio a falecer. Saiba que tudo foi por você.
Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os
artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos aparentemente
mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas
daqueles que as criaram, são os homens que a história quer
capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um
serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o
ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a
sua caça.
(Marc Bloch, Apologia da história, ou, o ofício do historiador,
1949).
RESUMO

Após a morte de Alexandre, há, no Mediterrâneo Oriental, uma tendência política híbrida.
Primeiramente, os diádocos (sucessores) procuraram manter a unidade da oikoumene. Para
tanto, teriam que resolver a questão sucessória, pois, de acordo com a tradição macedônia, o
governo caberia a um herdeiro varão da dinastia Argéada, da qual Alexandre fazia parte. Este,
ao morrer, não deixara um herdeiro em condições de assumir o trono naquele momento.
Desse impasse, resultou uma segunda tendência. Em princípio, existia um representante da
dinastia Argéada na Macedônia e um no Oriente, mas, na prática, os diádocos buscaram
autonomia política. A primeira tendência preservava a ideia de unidade do Império, mas as
condições inerentes à própria realeza macedônia, como o direito da lança, ou seja, a
doriktetos chora, e as complicações no processo sucessório, levaram à fragmentação da
oikoumene em múltiplos reinos. Tendo em vista essas considerações, o objetivo central desta
tese foi investigar como, após a morte de Alexandre, a realeza helenística foi
construída/consolidada mediante as ações dos diádocos, tendo como foco o período de 321 a
301 a.C., em que Antígono I Monoftalmo, auxiliado por seu filho, Demétrio Poliorcetes,
assumiu a preponderância na condução dos assuntos políticos, tendo como ponto de partida o
legado de Alexandre, mas também toda uma tradição macedônia e oriental referente à
concepção da monarquia e do monarca. Acreditamos que a basileia helenística foi um
elemento novo, fabricada a partir das ações dos diádocos, e que já não mais representava a
monarquia macedônia. Dentre os generais de Alexandre, Antígono foi o primeiro a intitular-se
basileus, juntamente com Demétrio, apresentando-se como o sucessor legítimo do soberano
argéada, por meio de uma série de recursos simbólicos. Ao lado de seu filho, Antígono
desempenhou um papel fundamental rumo ao estabelecimento da monarquia. Quando, em 306
a.C., foi aclamado basileus por seu exército, o primeiro rei helenístico já tinha empregado a
associação com Alexandre nas representações numismáticas; se filiado a deidades; unido
elementos da tradição macedônia, helênica e oriental; seguido como fundador de cidades; e se
proclamado o maior benfeitor das cidades gregas, recebendo em troca cultos e festividades em
honra a sua pessoa e a de Demétrio. Pai e filho detiveram, portanto, a primazia quando nos
referimos à fabricação da basileia helenística.

Palavras-chave: Civilização Helenística. Basileia. Fabricação. Demétrio Poliorcetes.


Antígono Monoftalmo.
ABSTRACT

After Alexander’s death, in the Eastern Mediterranean, there is a hybrid political tendency. At
first, the Diadochi (successors) sought the unity of the oikoumene. Thus, they would have to
manage to solve the succession issue for, according to Macedonian tradition, power should be
inherited by a male heir of the Argead dynasty, of which Alexander was part. Because by
dying he didn't let any male heir in condition to assume control over his throne, a second
tendency emerged. A priori, there was one candidate of the Argead dynasty in Macedon and
one in the East. However, the Diadochi looked for political authonomy. The first tendency
preserved the idea of unity in the empire, but conditions inherent to the Macedonian kingship
itself - like the doriktetos chora and the complications in the succession process - let to the
fragmentation of the oikoumene in multiple kingdoms. Bearing this in mind, the main goal of
this work was to investigate how, after Alexander's death, the Hellenistic kingship was
built/consolidated by means of the Diadochi actions, focusing the 321 a 301 B.C. period,
when Antigonus I Monophthalmus, helped by his son, Demetrius Poliorcetes, assumed control
in conducting the political issues, having as departure point not only Alexander's legacy, but
also East and Macedonian tradition as for monarchy and monarch conception. We believe that
the Hellenistic basileia was a new element, made from the Diadochi actions, and not
representative of the Macedonian monarchy anymore. Among Alexander's generals,
Antigonus was the first one to be intitled basileus, together with Demetrius, hushing himself
as the genuine successor of the Argead sovereign, through a series of simbolic resources. With
his son, Antigonus had a fundamental role in the establishment of monarchy. When his army
claimed him basileus in 306 B.C., the first Hellenistic king had already employed the
association with Alexander in the numismatic representations, affiliated himself with deities,
united elements of Macedonian, Hellenistic and East traditions, followed as founder of cities;
and self proclaimed the greater benefactor of Greek cities, being worshiped in services and
festivities that honored himself and Demetrius. That is why father and son held the primacy in
the fabrication of the Hellenistic basileia.

Keywords: Hellenistic civilization. Basileia. Fabrication. Demetrius Poliorcetes. Antigonus


Monophthalmus.
RESUMEN

Después de la muerte de Alejandro, hay, en el Mediterráneo Oriental, una tendencia política


híbrida. Primero, los diádocos (sucesores) procuraron mantener la unidad de la oikoumene.
Para ello, tendrían que resolver la cuestión sucesoria, pues, de acuerdo con la tradición
macedonia, el gobierno cabría a un heredero varón de la dinastía Argéada, de la que formaba
parte Alejandro. Este, al morir, no dejaba un heredero en condiciones de asumir el trono en
aquel momento. De ese problema, resultó una segunda tendencia. En principio, existía un
representante de la dinastía Argéada en Macedonia y uno en Oriente, pero en la práctica los
diádocos buscaron autonomía política. La primera tendencia preservaba la idea de unidad del
Imperio, pero las condiciones inherentes a la propia realeza macedonia, como el derecho de la
lanza, o sea, la doriktetos chora, y las complicaciones en el proceso sucesorio, llevaron a la
fragmentación de la oikoumene en múltiples reinos. En este sentido, el objetivo central de esta
tesis fue investigar cómo, tras la muerte de Alejandro, la realeza helenística fue construida /
consolidada mediante las acciones de los diádocos, teniendo como foco el período del 321 al
301 a.C., en el que Antígono I Monoftalmo , ayudado por su hijo, Demetrio Poliorcetes,
asumió la preponderancia en la conducción de los asuntos políticos, teniendo como punto de
partida el legado de Alejandro, pero también toda una tradición macedonia y oriental referente
a la concepción de la monarquía y del monarca. Creemos que la basilea helenística fue un
elemento nuevo, fabricado a partir de las acciones de los diádocos, y que ya no mas
representaba la monarquía macedonia. Entre los generales de Alejandro, Antígono fue el
primero en intitularse basileus, junto con Demetrio, presentándose como el sucesor legítimo
del soberano argéada, por medio de una serie de recursos simbólicos. Al lado de su hijo,
Antígono desempeñó un papel fundamental hacia el establecimiento de la monarquía.
Cuando, en 306 a.C., fue aclamado basileus por su ejército, el primer rey helenístico ya había
empleado la asociación con Alejandro en las representaciones numismáticas; se afiliado a
deidades; unido elementos de la tradición macedonia, helénica y oriental; seguido como
fundador de ciudades; y se proclamó el mayor benefactor de las ciudades griegas, recibiendo a
cambio cultos y festividades en honor a su persona y la de Demetrio. Padre e hijo detuvieron,
por lo tanto, la primacía cuando nos referimos a la fabricación de la basilea helenística.

Palabras-clave: Civilización Helenística. Basilea. Fabricación. Demetrio Poliorcetes.


Antígono Monoftalmo.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa do reino da Macedônia à morte de Filipe II em 336 a.C. ............................. 42

Figura 2 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 14, 5 g., 297-281 a.C. ................................. 62

Figura 3 – Mapa do Oriente, destacando rotas e pontos estratégicos durante a campanha de

Alexandre ................................................................................................................................ 70

Figura 4 – Mapa do Império Macedônio em 323 a.C. ............................................................ 83

Figura 5 – Mapa dos reinos helenísticos no século III a.C. ..................................................... 99

Figura 6 – Mapa da Macedônia ............................................................................................. 123

Figura 7 – Artefatos referentes à Tumba do Guerreiro, necrópole de Vergina, séc. VIII a.C

............................................................................................................................................... 124

Figura 8 – Disco dourado representando o Sol de Vergina, séc. IV a.C ............................... 128

Figura 9 – Filipe II. Estáter de ouro, 8, 58 g., 340-328 a.C. .................................................. 154

Figura 10 – Filipe II. Meio-estáter de ouro, 4, 30 g., 340-328 a.C. ....................................... 155

Figura 11 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 17 g., 330-301 a.C. ................................. 157

Figura 12 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 17, 1 g., s/d ............................................. 158

Figura 13 – Antígono I Monoftalmo. Estáter de ouro, 303 a.C ............................................. 160

Figura 14 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 16, 94 g., s/d ............................... 161

Figura 15 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 17, 11 g., 301-295 a.C ................ 162

Figura 16 – Génos dos Antigônida ........................................................................................ 169

Figura 17 – Filipe V. Tetradracma de prata, 8, 5 g., s/d ........................................................ 180

Figura 18 – Antígono II. Tetradracma de prata, 17 g., s/d .................................................... 181

Figura 19 – Ágora ateniense, monumento aos heróis epônimos originais ............................ 199

Figura 20 – Vista atual do monumento aos heróis epônimos. ............................................... 200

Figura 21 – Detalhe do monumento aos heróis epônimos .................................................... 200

Figura 22 – Representação da Pompé. Detalhe de vaso grego, 370-360 a.C ........................ 217
Figura 23 – Fragmento de decreto referente à pritania dos Antigônidas. 213/212 a.C ......... 222

Figura 24 – Cidades e regiões colonizadas por Antígono......................................................233

Figura 25 – Mapa das fundações urbanas helenísticas .......................................................... 236

Figura 26 – Vestígios das fundações do palácio de Demétria, séc. III a.C ........................... 237

Figura 27 – Teatro de Demétria, séc. III a.C ......................................................................... 238

Figura 28 – Demétrio Poliorcetes. Estáter de ouro, 8, 56 g., 290/287 a.C.............................239

Figura 29 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 17, 24 g., 289/288 a.C.................240


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16

CAPÍTULO I

O Mediterrâneo Oriental e a sua nova correlação de forças ............................................... 38

A Macedônia: da realeza tribal à ‘oikoumene’ ....................................................................... 39

Alexandre e a conquista da Terra Habitada ........................................................................... 58

Os diádocos: entre a ‘oikoumene’ e a ‘basiliké oikía’ ............................................................ 67

Antígono e Demétrio, os novos protagonistas ......................................................................... 76

CAPÍTULO II

A ‘basileia’ no mundo greco-macedônio ............................................................................. 100

A monarquia e a figura do ‘basileus’. ................................................................................... 101

‘Tyrannís’ e ‘basileia’. .......................................................................................................... 111

A realeza macedônia ............................................................................................................. 121

Um sistema em construção .................................................................................................... 136

CAPÍTULO III

O caminho rumo à fabricação da imagem régia ................................................................. 150

A realeza entre a Macedônia, a Hélade e o Oriente ............................................................. 152

O alvorecer da dinastia Antigônida: os vínculos entre pai e filho ........................................ 168

Os fundamentos filosóficos da ‘basileia’ helenística ............................................................ 183

Os laços entre o monarca e a ‘pólis’ ..................................................................................... 193

CAPÍTULO IV

Ritos e cerimônias: a realeza em movimento ...................................................................... 205

Entre deuses e homens: a associação do soberano com o sagrado ...................................... 206

A ‘pompé’ e a ‘heorte’ ........................................................................................................... 215

Fundadores de cidades, filhos dos deuses ............................................................................. 227


Relações intra corte ............................................................................................................... 243

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 255

REFERÊNCIAS

Documentação textual impressa ............................................................................................ 262

Documentação epigráfica...................................................................................................... 265

Documentação numismática.................................................................................................. 266

Obras de referência ............................................................................................................... 267

Obras instrumentais. ............................................................................................................. 268

Obras de apoio ...................................................................................................................... 271


16

INTRODUÇÃO

No século IV a.C., o mundo mediterrâneo foi marcado por uma profunda transformação,

sobretudo política. O sistema políade passava por graves problemas sociais, que se tornavam

cada vez mais intensos devido às lutas internas entre as diferentes póleis.1 O poder dos

Aquemênida sobre os territórios dominados também apresentava sinais de fragilidade. Já no

século V a.C. haviam ocorrido revoltas no interior do Império Aquemênida,2 sustentadas por

lideranças locais representadas pelos sátrapas e reprimidas com dificuldade. Paralelamente,

despontava no cenário da Península Balcânica uma nova força – a Macedônia de Filipe II.

Os macedônios ocupavam o território da Península Balcânica a oeste e norte de Delfos e

das Termópilas. No século V a.C., a região era ainda um conglomerado de tribos que viviam

da agricultura e do pastoreio. Os círculos da corte mantinham contatos militares e econômicos

com a Hélade3 e, com o passar do tempo, sua elite foi se helenizando. Porém, enquanto

grande parte da Grécia balcânica e insular passava pela experiência políade, a Macedônia

mantinha-se como uma realeza tribal hereditária ou, de acordo com Neyde Theml (1993), um

1
A Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) marca uma virada decisiva na história da Grécia em todos os seus
aspectos. Tal conflito daria início ao processo de desestruturação da pólis clássica de maneira que, de 431 a 338
a.C., a Hélade se encontraria imersa em um estado de guerra contínua. A emergência da tirania, a redução do
corpo cívico, o mercenariato e a especialização militar são alguns dos problemas pelos quais passava o sistema
políade neste período (ANDRÉ, 2009).
2
No que se refere à dinastia Aquemênida, a tradição aponta Aquêmenes, um possível herói lendário, como o
fundador desta dinastia, que teria surgido por volta primeiro quartel do século VII a.C. (DANDAMAEV, 1989,
p. 1-2). De acordo com Asheri (2006, p. 20-21), os aquemênidas pertenciam à família dos reis-vassalos de
Anshan e o nome Hakhāmanishiyā (Aquemênidas) era conhecido pelo menos desde o século VI a.C., como
confirma Dario na inscrição de Behistun (520/518 a.C.). É com o aquemênida Ciro, o Grande (559-530 a.C.),
que se vê a formação do Império Persa, situado no sudoeste da Ásia. A partir da formação deste império, os
medo-persas passaram a ter contato direto com as populações da Mesopotâmia, do Transeufrates, da Anatólia e
do Egeu (ASHERI, 2006, p. 23).
3
Entendemos por Hélade toda a região grega que se organizou com base no sistema políade. Quando em nosso
texto nos referirmos a Hélade ou cidades gregas, estaremos nos reportando às póleis, da mesma forma que,
quando usarmos o adjetivo gregos, será em referência aos membros pertencentes às cidades gregas, e não a
sujeitos provenientes de territórios onde não houve a organização políade. Por isso, esclarecemos que apesar de
convencionalmente o território conhecido como Grécia abranger territórios que vão além das cidades-Estado,
adjetivos como gregos e helênicos serão sempre referentes ao mundo da pólis.
17

Estado-Éthnos.4 Nos tempos prósperos da Hélade, a Macedônia enriqueceu, sobretudo após as

Guerras Greco-Pérsicas (492-479 a.C.). Desta forma, a Macedônia por muito tempo não se

mostrou uma ameaça potencial à Grécia políade ou à Pérsia Aquemênida.

Quando Filipe assumiu o trono, em 359 a.C., encontrou uma Macedônia em vias de

unificação, processo que ele contribuiu para completar. Ele transformou a Macedônia numa

potência internacional suficientemente forte para submeter o mundo políade e confrontar o

Império Persa. Dando continuidade à obra de Arquelau (413-399 a.C.), Filipe empreendeu

reformas que aceleraram a modernização da Macedônia – por exemplo, investindo na

agricultura e abrindo estradas (SILVA, 2009, p. 39-41). Além disso, o monarca realizou

mudanças no sistema político e militar. Assim, de uma realeza tribal baseada em um sistema

de clã, fez surgir um extenso domínio, governado por uma só pessoa e dependendo de um

exército permanente, bem treinado e abastecido. O núcleo dessa força era proporcionado

pelos pequenos proprietários rurais que serviam na infantaria e formavam a falange, que mais

tarde se tornou invencível. Os ricos proprietários de terras formavam agora um corpo de

“conselheiros” do rei e supriam o exército com uma força de cavalaria de armas pesadas

superior a qualquer outra existente na época (ROSTOVTZEFF, 1967, p. 229).

Filipe exerceu uma política de caráter expansionista, conquistando a Península

Balcânica, a Tessália e a faixa da costa macedônia ocupada pelos gregos (GRIFFITH, 1970,

p. 67-70). Quando entrou em conflito com as cidades gregas, o monarca macedônio envolveu-

se nas conturbações que assolavam a Hélade, o que o levou a formular uma saída para o

problema: a conquista do território persa. Tal empresa, além dos benefícios que poderia trazer

para os macedônios, ajudaria a resolver os graves problemas sociais vividos pelas póleis
4
Para Theml (1993, p. 53-56), existiam diferentes formas de se nomear as unidades sociais no mundo greco-
macedônio. Em Heródoto, encontramos os termos pólis, éthnos, phylé e génos. Já em Aristóteles, em obras como
a Política e a Constituição dos Atenienses, encontram-se, além dos termos citados por Heródoto, outros como
phatría e oikos. A estas unidades sociais estão atreladas relações de linhagem extensas, que passam pelos heróis
homéricos e deuses. O termo ἔθνος é vinculado a grupo, estirpe – seres que possuem a mesma natureza, ou
atribuições. A realeza tribal, ou Estado-Éthnos, se caracteriza pela ausência de um núcleo urbano, marcada por
uma pequena população espalhada por uma grande territorialidade, laços políticos frouxos e o caráter guerreiro
de seu monarca. Tais características tornam este tipo de Estado bem diferente do surgido no território da Hélade.
18

mediante o domínio de novas terras e o emprego maciço de serviço mercenário nas fileiras do

exército macedônio. Esse projeto de conquista do Oriente por Filipe fora apresentado por

alguns oradores, a exemplo do ateniense Isócrates, como a construção de um “Império

Universal”, com a unificação do mundo então conhecido – oikoumene (LONDEY, 1994, p.

25-30). Isócrates (Philippus, 70-80), em 346 a.C., já havia proposto a dominação de territórios

pertencentes ao Império Persa numa carta endereçada ao próprio Filipe II. Devido à situação

crítica na qual se encontravam os gregos e os persas, o contexto parecia favorável para Filipe

concretizar o seu projeto.

A Macedônia emergia, assim, como a grande força centralizadora do Mediterrâneo

Oriental,5 o que realmente provou ser, em 338 a.C., em Queroneia, ao submeter as cidades

gregas ao seu domínio. Filipe seria em seguida nomeado hegemón (generalíssimo) dos gregos.

Em 337 a.C., emissários de todos os Estados continentais, exceto Esparta, formaram junto

com Filipe uma liga grega, denominada Koinon de Corinto. Na primeira reunião do conselho

da Liga, estabeleceu-se uma aliança ofensiva e defensiva perpétua entre as cidades gregas e a

Macedônia. Na ocasião, foi declarada guerra à Pérsia, com o pretexto de vingar a profanação

das tumbas gregas pelos persas em 480 a.C., durante as Guerras Greco-Pérsicas

(HAMMOND, 1992). Mas, em 336 a.C., Filipe foi assassinado num complô em Egas. Caberia

ao seu filho, proclamado Alexandre III, empreender a campanha asiática e constituir o

Império Universal idealizado por seu pai.

5
Mesmo que alguns autores considerem o termo Mediterrâneo muito abrangente, e que esse possa ser utilizado
de forma mais adequada quando nos referimos ao mundo romano, nós optamos pelo uso do termo Mediterrâneo
Oriental por acreditar que este se harmonize melhor com o espaço onde ocorreram as interações ligadas ao nosso
objeto de pesquisa. Concordamos que o termo mediterrâneo, ou mediterrânico, seja muito indefinido ainda, pois
é um universo onde cabem diversos mundos e fronteiras, todavia consideramos que, ainda que não exista uma
visão que ligue diretamente os gregos ao mediterrâneo, foram construídos espaços de interação. Guarinello
(2014, p. 47-57) busca interpretar o Mediterrâneo a partir de uma ampla análise dos seus processos de
integração, enxergando que a partir da constituição da pólis até o século II a.C., surgem grandes centros de poder
no mediterrâneo cujos embates mudam o ritmo e as formas de integração deste mundo. Ao tratar o mediterrâneo
como um universo, que engloba diversos mundos, Guarinello vai de encontro com a ideia de Horden e Purcell
(2000), que concebem o mediterrâneo como um mundo em si, com sistemas ecológicos diversos (que
ultrapassam a visão do mundo do trigo, vinho e azeite), e sendo um espaço em que há períodos de hiperconexão
e de pequena conexão. Dentro desta perspectiva, o nosso Mediterrâneo Oriental é aquele que parte dos Balcãs
para o Leste e que está inserido dentro de um momento de hiperconexão e interações.
19

Com Alexandre, vemos surgir uma nova configuração política nos territórios

conquistados. Logo no início de seu reinado, assistimos à irrupção de movimentos de

resistência à ingerência macedônia sobre o território grego, que serão sufocados por

Alexandre antes de iniciar a campanha da Ásia, em 334 a.C.

Ao longo de suas campanhas, Alexandre acumulou uma série de imagens. Claude

Mossé (2004) informa que ele representava primeiramente o rei dos macedônios. A realeza

macedônia era de caráter coletivo, o rei deveria encarnar os anseios de seus súditos ao mesmo

tempo que possuía um conselho formado por seus pares para ajudá-lo nas decisões, tanto que

o rei era intitulado Basileus Makedônon (Rei dos Macedônios), sendo a legitimidade de sua

basileia fundada no mérito e não tanto na linhagem marcada pela primogenitura

(ERRINGTON, 1991). Uma segunda imagem era a de hegemón dos gregos, título que herdara

de seu pai e que assinalava a perícia militar de Alexandre através da figura do general

vitorioso. Associada a essa imagem está a de fundador de cidades, já que muitos gregos de

seu exército foram estabelecidos nas novas cidades criadas pelo hegemón. A terceira imagem

demonstrada por Alexandre após a morte de Dario III, último rei da dinastia Aquemênida,

morto em 330 a.C., foi a de sucessor dos Aquemênida. Ele adotou parte da indumentária

aquemênida, passou a empregar iranianos6 na administração e no exército e realizou, em 324

a.C., as célebres “Bodas de Susa” (um casamento coletivo entre membros do exército

macedônio e asiáticas), nas quais ele mesmo se casou com uma nobre oriental, Roxana. A

jovem era uma princesa sogdiana da Báctria, filha do nobre bactriano Oxiartes. Além das

imagens acima mencionadas, Alexandre fez-se representar como filho de Zeus por ocasião da

invasão do Egito, em 331 a.C. Em solo egípcio, visitou o oráculo de Amón, no Oásis de Siva,

que teria predito sua filiação divina com Zeus. Esse episódio alimentou o imaginário político

da época, uma vez que a casa real macedônia admitia a ascendência divina dos reis e os cultos

6
A adoção do termo iraniano para se referir aos povos asiáticos dominados por Alexandre, e depois pelos
diádocos, está em consonância com o uso feito pelos especialistas do período helenístico.
20

heroicos, no mundo grego, não eram novidade, principalmente aqueles prestados aos

fundadores de cidades, como era o caso de Alexandre (ANDERSON, 1928, p. 12; 26-29).

Nessas múltiplas imagens que compunham a realeza de Alexandre encontramos

fundamentos que mais tarde irão ajudar a compor a basileia helenística. Pouco tempo após a

morte de Alexandre (323 a.C.), o império por ele constituído se desmembrou, principalmente

devido às ações de seus diádocos.7 Contudo, vemos que grande parte da historiografia trata o

período entre 323 e 301 a.C., que compreende o intervalo entre a morte de Alexandre e o

efetivo estabelecimento das realezas helenísticas, como uma conjuntura de turbulência que,

em si, não teria contribuído muito para o advento da nova instituição política – a basileia

helenística. Concordamos que o governo de Alexandre provocou uma ruptura com a práxis

política anterior, mas também que as ações de seus sucessores, o fato de serem macedônios e

a apropriação que realizaram das imagens de Alexandre, por meio de seu capital simbólico,

que na definição de Bourdieu (1998, p. 134-135) se refere ao prestígio, reputação, fama entre

outros, foram fundamentais para a consolidação da realeza helenística.

Após a morte de Alexandre, podemos identificar, no Mediterrâneo Oriental, uma

tendência política híbrida. Primeiramente, os diádocos procuraram manter a unidade do

Império Universal. Para isso, teriam que resolver a questão sucessória, uma vez que, de

acordo com a tradição macedônia, o governo caberia a um herdeiro varão da dinastia

Argéada, da qual Alexandre fazia parte. Alexandre, ao morrer, não deixara um herdeiro em

condições de assumir o trono, pois a princesa Roxana, uma das esposas do soberano argéada,

estava grávida quando o rei veio a falecer, e o irmão do monarca, Arrideu, de acordo com

autores como Plutarco e Arriano, possuía problemas mentais. Desse impasse, resultou uma

7
Diádocos foi como ficaram conhecidos os generais do Estado Maior de Alexandre, chamados também de
“amigos”, e que atuaram como seus “sucessores” após 323 a.C.. A maioria dos diádocos já compunha o conselho
de Filipe II. Os diádocos que dominaram a cena política nas duas décadas seguintes foram: Antípatro, Cassandro,
Crátero, Perdicas, Eumenes, Antígono, Ptolomeu, Lisímaco e Seleuco. Quando nos referimos, ao longo de nossa
tese, aos diádocos (de forma generalizada), em contraposição as figuras de Antígono e Demétrio, geralmente
estamos apontando para esses principais generais que atuaram ao lado de Alexandre e que foram os principais
concorrentes dos Antigônida.
21

segunda tendência. Em princípio existia um representante da dinastia Argéada na Macedônia

e um no Oriente, mas, na prática, os diádocos buscaram autonomia, vendo uns aos outros com

desconfiança. A primeira tendência preservava a ideia de unidade do Império, mas as

condições inerentes à própria realeza macedônia, como o direito da lança, ou seja, doriktetos

chora (território conquistado pela lança, pela vitória), e as complicações no processo

sucessório, levaram à fragmentação da oikoumene em múltiplos reinos.

Tendo em vista essas considerações, o objetivo central desta tese é o de investigar

como, após a morte de Alexandre, a realeza helenística foi construída/consolidada a partir das

ações dos diádocos, tendo como foco o período de 321 a 301 a.C., em que Antígono I

Monoftalmo,8 auxiliado por seu filho, Demétrio Poliorcetes (assediador de cidades), assume a

preponderância na condução dos assuntos políticos tendo como ponto de partida o legado de

Alexandre, mas também toda uma tradição macedônia e oriental referente à concepção da

monarquia e do monarca.

Acreditamos que a basileia helenística foi um elemento novo, que já não mais

representava a monarquia macedônia, a monarquia idealizada pelos gregos ou mesmo a

representada por Alexandre em vida. As últimas décadas do século IV a.C., sobretudo as duas

últimas, trouxeram em si uma série acontecimentos, conflitos e experiências que tiveram

como palco a complexa região em torno do Mediterrâneo Oriental, que proporcionou uma

interação rica no que concerne à forma como a monarquia helenística foi se constituindo.

Nesse cenário, foi de suma importância o papel desempenhado pelos generais de Alexandre.

Por meio de suas ações, embates, alianças e da representação que possuíam acerca do poder

político, esses homens foram os grandes responsáveis pelo novo sistema político que estava

por se estabelecer.

8
Sobre a perda do olho que rendeu a Antígono o epíteto ἑτερόφθαλμος (cego de um olho), não sabemos ao certo
como ocorreu. Talvez Antígono tenha perdido o olho no cerco a Perinto, na Trácia, comandado por Filipe II, por
volta de 340 a.C. Essa informação é mencionada em Plutarco (Vitae Parallelae Alexander, LXX, 3-4), contudo,
o autor faz uma confusão entre os nomes Antígono e Antigéne. O que podemos concluir é que Antígono
certamente perdeu o olho em uma das campanhas empreendidas por Filipe.
22

A escolha por analisar a construção desta realeza sob a ótica dos Antigônida se deve ao

fato de Antígono ter sido o primeiro dos diádocos a intitular-se basileus, apresentando-se

como o sucessor legítimo de Alexandre, por meio de uma série de recursos ao capital

simbólico do soberano argéada. Ao lado de seu filho, Antígono desempenhou um papel

fundamental rumo ao estabelecimento da monarquia. Quando, em 306 a.C., foi aclamado

basileus por seu exército, ao lado de Demétrio, o primeiro rei helenístico já tinha empregado a

associação com Alexandre nas representações numismáticas; se filiado a deidades; unido

elementos da tradição macedônia, helênica e oriental; seguido como fundador de cidades; e

proclamado o maior benfeitor das cidades gregas do referido período, recebendo em troca

cultos e festividades em honra a sua pessoa e a de Demétrio. Pai e filho encarnaram,

sobretudo, a imagem do soberano vitorioso, característica fundamental dos reis helenísticos. É

devido a todos esses fatores que a basileia dos Antigônida se apresenta para nós um

acontecimento crucial para a compreensão dos fundamentos da monarquia helenística. Essa

importância se torna mais evidente quando exploramos uma historiografia que ainda não

concedeu atenção suficiente ao período de formação da realeza helenística e que ainda insiste

em preterir a dinastia estabelecida por Antígono, em favor das demais.

No que tange à pessoa de Antígono Monoftalmo, há poucas informações sobre sua vida

no período anterior à morte de Alexandre. Sabemos que nasceu na Macedônia por volta de

382 a.C. e que morreu com mais de 80 anos, em 301 a.C, em uma batalha travada em Ipso, na

Frígia, contra os seus rivais, tendo sido, portanto, contemporâneo de Filipe II. Algumas

fontes, como Plutarco (Vitae Parallelae Demetrius, II, 1-3), apontam para uma origem

camponesa de Antígono, outras, como Diodoro da Sicília (XIX, 10-48), em sua Biblioteca

Histórica, mencionam o envolvimento de sua família em disputas ligadas à dinastia

macedônia. Contudo, essas informações não podem ser comprovadas.


23

O mais provável é que a linhagem (génos) de Antígono fizesse parte da aristocracia

macedônia. Antígono certamente pertenceu ao círculo de generais ligados a Filipe, partiu

junto com Alexandre para a campanha na Ásia e tornou-se sátrapa (governador) da Frígia em

333 a.C. O general é apresentado com mais clareza a partir de 323 a.C, logo após a morte de

Alexandre. Sua figura domina as narrativas histórico-literárias que buscam dar conta do

período entre 323 a 301 a.C.: Antígono é o protagonista nas histórias de Diodoro da Sicília e

desempenha um papel importante nas biografias de Plutarco, principalmente na de Eumenes,

em que é visto como o maior inimigo deste.

O realce dado a Antígono nas fontes nos revela que ele, mais do qualquer outro diádoco,

dominou o curso dos eventos nas duas primeiras décadas após a morte de Alexandre. Sua

figura, no entanto, é pouco iluminada pela historiografia sobre o Período Helenístico. De

acordo com Billows (1990), um dos motivos disso é o fato de Antígono ter concluído seu

governo com uma derrota diante dos demais diádocos, sendo suas ações anteriores

minimizadas. Além disso, as fontes retratam amiúde um Antígono arrogante e extremamente

ambicioso, visão em parte construída devido à propaganda negativa que seus inimigos fizeram

de sua persona. Especialistas como Édouard Will (1984) e W. Tarn (1930), influenciados por

esses relatos, concebem Antígono como um mero imitador de Alexandre. Antígono decerto

possuía pretensões superiores às dos demais diádocos no que se referia ao domínio de

territórios. Como trataremos mais adiante, isso se deve também ao fato de, ao lado de

Demétrio, o general possuir uma força militar extremamente significativa, tendo por diversas

vezes derrotado rivais mais poderosos, o que de início despertou em Antígono o desejo de

dominar o maior número de territórios possíveis, algo que à época parecia possível.9

Quanto à acusação de o diádoco ser um mero imitador de Alexandre, esta não se

sustenta visto que não apenas ele, mas todos os demais diádocos buscaram se associar à

9
Mesmo que Antígono tivesse a ambição de controlar a oikoumene, a seção extremo-oriental do Império não era
o foco de sua atenção, pois o diádoco desejava consolidar sua posição no Mediterrâneo Oriental, incluindo a
Hélade e a própria Macedônia.
24

imagem de Alexandre, como podemos constatar por meio de alguns trabalhos sobre as

dinastias helenísticas. Esse é o caso da coletânea organizada por Erskine e Llewellyn-Jones

(2011), referente à criação do mundo helenístico, em especial na seção Rulers and Subjects,

na qual é investigada a filiação dos Lágidas e Selêucidas com Alexandre. Também do livro de

Ogden (2011, p. 79-105), sobre os mitos em torno de Alexandre, no qual o autor aborda as

conexões de cada dinastia com o soberano argéada. E, ainda, da obra de Davis e Kraay (1973)

sobre os retratos dos reis helenísticos reconstituídos por meio das moedas, na qual os autores

demonstram que todos os diádocos se associaram diretamente com a imagem de Alexandre,

sendo Antígono o pioneiro, e Demétrio, ao contrário, o primeiro a se fazer representar de

modo independente.

Em nossa opinião, Antígono, ao revestir o título de rei (basileus) tendo Demétrio como

seu corregente, inaugurava uma dinastia que rompia com a Argéada, condicionando assim a

forma e a natureza posteriores da basileia helenística. Antígono e Demétrio se filiam à

imagem de Alexandre como parte de uma estratégia política, no decorrer do processo de

construção da imagem régia. A utilização dos símbolos de poder ligados ao monarca argéada

conjugados com elementos da realeza macedônia e oriental possibilita a constituição de um

novo tipo de monarquia. Antígono também se valeu de elementos ligados ao helenismo, como

a defesa da autonomia das póleis em assuntos internos, determinando assim o padrão das

relações mantidas entre os futuros reinos helenísticos e as cidades-Estado gregas até a

conquista da Grécia por Roma, em 146 a.C. (ERSKINE, 2007; MÜLLER, 1973). Uma análise

mais cuidadosa nos mostra que Antígono estabeleceu uma estrutura administrativa eficiente

na Ásia Menor e na Síria/Palestina, que foi aperfeiçoada por Seleuco e seus sucessores,

acontecimento não raramente ignorado pelos especialistas que estudaram a administração do

Império Selêucida, como Bikerman (1938).


25

Quanto ao nosso recorte temporal (321-301 a.C.), este justifica-se pelo fato de, em 321

a.C., em Triparadiso,10 Antígono ter sido nomeado estratego das forças reais e da Ásia por

Antípatro (o então representante da casa real macedônia), o que dava a ele grande destaque,

pois, na condição de estratego, era líder supremo da força militar do Império, além de

controlar a Ásia Menor (WILL; MOSSÉ, GOUKOWSKY, 1998). Desse momento em diante,

Antígono, com o auxílio militar de Demétrio, passa a dominar o cenário político por meio de

um instrumento muito conhecido dos macedônios – a conquista militar. Em 321 a.C.,

Antígono já contava com mais de sessenta anos de idade. A associação com o filho foi

importante para a afirmação militar do diádoco. A base das operações militares antigônidas

era comandada por Demétrio e, em 306 a.C., quando Antígono foi aclamado basileus,

Demétrio tornou-se seu corregente. A data de 301 a.C., por sua vez, assinala o

desaparecimento de Antígono, no confronto com os demais diádocos, em Ipso. Demétrio,

todavia, apesar das perdas territoriais, continuou a representar a dinastia Antigônida e, em 294

a.C., tornou-se basileus da Macedônia.

Antígono contribuiu para a criação de um novo tipo de Estado e para isso recorreu não

só à herança de Alexandre, mas também a instrumentos já presentes na realeza macedônia

(como a guerra) e a elementos orientais. Por meio da reação às pretensões expansionistas de

Antígono, os diádocos, imitando o procedimento deste, também se autoproclamaram basileis,

um após o outro, demarcando assim as fronteiras do mundo helenístico.

Apesar de sua riqueza e complexidade, a história da formação das monarquias

helenísticas, principalmente a antigônida, permanece até hoje um assunto pouco explorado,

não obstante a diversidade de temas que carecem de investigação. O objeto que investigamos

– a construção/consolidação da realeza helenística mediante as ações de Antígono I

10
Após a morte de Pérdicas, que dominou o cenário político do Império após 323 a.C., como quiliarca (que era o
primeiro homem depois do rei), surge a necessidade de um novo acordo entre os diádocos para frear os conflitos
entre eles. Este acordo foi efetivado em Triparadiso, na Síria, em 321 a.C., e redefiniu as áreas de domínio de
cada governante.
26

Monoftalmo e das de seu filho, Demétrio Poliorcetes – é ainda relegado a segundo plano na

maior parte dos estudos sobre o período, mesmo que o papel de Antígono e de Demétrio na

transição da realeza macedônia à helenística tenha sido determinante. Quando nos reportamos

à produção historiográfica nacional, a situação torna-se mais complicada, já que a maioria das

pesquisas em História da Grécia situa-se em períodos anteriores ao helenístico ou se

concentram no caso ptolomaico e selêucida. Além disso, incorporamos à pesquisa fontes

ainda pouco exploradas e que trazem um novo enfoque à problemática, dentre as quais se

destacam as representações imagéticas contidas nas moedas e os dados epigráficos

provenientes do período de governo de Antígono e Demétrio.

Para dar conta do objeto de investigação proposto, buscamos ao longo da tese: analisar

em que medida o modelo de realeza helenística rompe com o modelo de realeza macedônia;

avaliar a posição de Antígono no contexto de construção da basileia helenística, bem como o

papel de seu filho, Demétrio, como corregente; identificar os componentes da fabricação do

basileus helenístico por meio das imagens literárias e numismáticas referentes a Antígono e

Demétrio; discutir as medidas político-administrativas tomadas por Antígono com a

finalidade de reforçar a sua posição como basileus; e investigar como, a partir de uma política

agressiva voltada para a manutenção da unidade do Império deixado por Alexandre, as ações

de Antígono levam ao acirramento dos conflitos entre os diádocos e ao aceleramento da

fragmentação política, uma das principais características do período helenístico.

Com base nos objetivos mencionados, buscamos demonstrar que a política de caráter

híbrido exercida por Alexandre, ora intitulado Basileus dos Macedônios, ora Basileus

Alexandre levou a uma precoce diferenciação entre a práxis política do Ocidente e a do

Oriente e à emergência de configurações específicas das realezas helenísticas que se

afirmaram em uma e outra localidade. Após a morte de Alexandre, a concepção inerente à

realeza macedônia, em que o rei se impõe por meio do “poder da lança”, pois tem como fonte
27

de autoridade a vitória militar, levou os diádocos a conflitos pela legitimação do seu poder.

Nesse contexto, Antígono I Monoftalmo, ao lado de Demétrio, assume um papel de destaque,

pois suas ações centralizadoras levaram à consolidação da realeza helenística. Ao mesmo

tempo, o desaparecimento da dinastia dos Argéada/Teménida na Macedônia interferiu

diretamente na criação da realeza helenística, pois somente após a morte do último Argéada

(Alexandre IV, 310 a.C.) Antígono assume o título de basileus. Desta forma, uma base

importante para a legitimação da monarquia, que antes repousava sobre a dinastia Argéada, é

deslocada para a filiação entre Antígono e Alexandre. Outro fundamento desta monarquia

advém do legado da realeza macedônia, reapropriado em um novo contexto, em particular a

função guerreira, logo conquistadora, exercida pelo basileus. Por último, mas não menos

relevante, a concepção da basileia helenística é condicionada por elementos oriundos da

Pérsia Aquemênida que influenciaram desde o modo de trajar do soberano, até a sua

titulatura.

***

Na execução da tese, a definição da base documental foi uma etapa relativamente

difícil, visto que a produção literária do período não sobreviveu, de maneira que as fontes

escritas consultadas foram elaboradas a posteriori. Por essa razão, tornou-se indispensável a

consulta aos dados provenientes da cultura material, como moedas e dados epigráficos.

Nossos corpora documentais repartem-se em três categorias: fontes textuais, fontes

epigráficas e fontes numismáticas. Como dito, no que se refere às fontes textuais, as obras

contemporâneas à nossa pesquisa não foram preservadas. O que possuímos são obras tardias

que devem ser manipuladas com cuidado (MOSSÉ, 2004, p. 10). Dessas obras, devemos

destacar a síntese eleaborada por Didodoro da Sicília, historiador grego do século I a.C., sobre

a história geral do Mundo Antigo. Em sua Biblioteca Histórica (livros XVI-XVIII), o autor

destaca as figuras de Filipe e Alexandre e, nos livros XIX-XX, se concentra nos diádocos.
28

Outro autor importante é Arriano (séc. II d.C.), que, na Anábase de Alexandre e em seus

fragmentos recolhidos na Biblioteca, de Fócio (século IX d.C), narra a história dos sucessores

de Alexandre. Também consultamos o resumo de Justino (séc. II d.C.) sobre as Historiae

Philippicae, de Pompeu Trogo.11 Um autor particularmente importante é Plutarco, grego que

viveu entre os séculos I e II d.C., e que escreveu um conjunto de biografias, incluindo a de

Alexandre. Já Pausânias (séc. II d.C.), por meio do relato de suas incursões pelo território

grego, contido na Periegesis Hellados, nos forneceu dados relevantes para a pesquisa, como

por exemplo a lista de monumentos erigidos por cidades gregas em homenagem aos

soberanos helenísticos. A maioria dos autores elencados aqui recolheu informações em

escritos perdidos de Jerônimo da Cárdia, autor grego amigo de Eumenes e membro do

governo de Antígono (Pausanias, I, 9, 8; ROSTOVTZEFF, 1967).

Foram analisados ainda extratos dos tratados da realeza atribuídos pela tradição a

Ecfanto, Diotógenes e Estênidas, autores pitagóricos do século II a.C., que sumarizam os

princípios ideológicos da realeza helenística; e a Suda, compilação bizantina do século X d.C.

que traz os verbetes de basileia e basileus segundo a concepção dos autores antigos. Também

nos foi útil a obra de Quinto Cúrcio (séc. I), Historiae Alexandri Magni Macedonis e a

coleção Fragmente der griechischen Historiker, organizada por Felix Jacoby. Sobre a forma

da realeza macedônia, utilizamos fontes anteriores ao período de 321-301 a.C., como o livro

VIII de História, de Heródoto; o livro I de Política, de Aristóteles; o livro II de História da

Guerra do Peloponeso, de Tucídides; e o livro VII de Ciropédia, de Xenofonte.

As fontes epigráficas e numismáticas, que dão voz ao poder, foram indispensáveis para

a análise do nosso objeto. Etimologicamente, epigrafia significa a escrita sobre um suporte

resistente. No Mundo Antigo, este suporte, que portava a mensagem, era em geral feito de

pedra. No caso das inscrições epigráficas, parte-se do princípio de que estamos perante uma

11
Pompeu Trogo (séc. I a.C.) produziu uma série de 44 livros sobre a história universal intitulado de Historiae
Philippicae, mas que não foram conservados. Sabemos da existência destes livros por meio da epítome
produzida por Justino.
29

mensagem sintética pensada para alcançar a eternidade, como convinha aos pronunciamentos

dos soberanos (ENCARNAÇÃO, 2010, p. 8-10). As publicações contendo a documentação

epigráfica referente a Antígono e Demétrio, encontram-se dispersas. Entre as compilações

existentes, consultamos a compilação de Holleaux, Études d’épigraphie et d’histoire grecque

(1952); o material organizado por C. B. Welles, Royal Correspondence in the Hellenistic

period (1934); as inscrições contidas na obra Iscrizioni storiche ellenistiche (1967), recolhidas

por L. Moretti. Além disso, utilizamos a coleção Supplementum Epigraphicum Graecum;

inscrições selecionadas da coleção Orientis graeci: supplementum sylloges inscriptionum

graecarum; e inscrições contidas nos relatórios de escavações da ágora ateniense depositadas

no acervo da British School at Athens.

O material numismático explorado na tese inclui imagens relacionadas a Filipe,

Alexandre, Demétrio e aquelas relativas a Alexandre encomendadas por Antígono, além de

moedas de outros monarcas helenísticos que auxiliam a compreender a concepção de basileia

vigente no período helenístico. Esse tipo de fonte traz uma visão de como a imagem real era

construída sob a ótica das próprias autoridades. De acordo com Coimbra (1957), as peças

monetárias são verdadeiros monumentos que informam sobre aspectos da vida política e

social muitas vezes ausentes da documentação textual. No vocabulário numismático, o

anverso é o local onde se cunhava a imagem principal, no caso a efígie do soberano,

acompanhada de legenda contendo o nome e o título reais. Do outro lado, o reverso, eram

inseridos símbolos complementares seguidos ou não de legenda. O repertório numismático

utilizado advém do catálogo organizado por Head, Historia Nummorum: A Manual of Greek

Numismatics (1963); dos catálogos compilados por Gardner, Catalogue of the Greek Coins in

the British Museum (1887) e Catalogue of the Greek Coins in the British Museum: Thessaly

to Aetolia (1883); do material organizado por Thompson, Kraay e Morkholm, An Inventory of


30

Greek Coin Hoards (1973); e do material recolhido por Sear nos catálogos Greek Coins and

Their Values: Europe (1978), e Greek Coins and Their Values: Asia and North Africa (1979).

***

No que diz respeito aos aspectos teóricos, nossa pesquisa se situa no domínio da

História Política conjugada com a História Cultural. Pesquisar as relações políticas e

culturais forjadas durante a formação da basileia helenística é abordar um acontecimento

complexo e dinâmico. Portanto, foi necessário lançar mão de conceitos que dessem conta de

tal complexidade. Como mencionamos, uma das principais características da realeza

macedônia foi o seu caráter militar – o rei era, sobretudo, rei de uma terra conquistada, ou

seja, um soberano teoricamente exógeno à sociedade que governava. Diversos autores, como

Theml (1993), Perlman (1985) e Momigliano (1992), abordam esta questão. Esses autores

também não deixam de reconhecer, porém, o papel de destaque que o sagrado desempenhou

na realeza macedônia desde a sua formação – a filiação divina da dinastia dos

Argéada/Teménida é consenso na historiografia. Alexandre exporá este aspecto de forma

muito clara, assim como Antígono e Demétrio. Segundo Valeri (1994, p. 415), o que define a

realeza é o fato de, no exercício de suas prerrogativas, o rei encarnar os valores fundamentais

da sociedade sobre a qual reina, sendo considerado como um ser sagrado e às vezes divino,

pois “[...] mesmo quando o rei não é sagrado stricto sensu, tem relações privilegiadas com

quem é sagrado: deus ou sacerdote, que é seu intérprete”. A esse respeito, Silva (2003, p. 100-

101) afirma que em sociedades nas quais as práticas e concepções religiosas encontram-se

arraigadas no tecido social é impossível conceber o exercício do poder dissociado da religião,

como no caso das culturas antigas.

Em face dessas reflexões, buscamos analisar a basileia helenística com referência aos

aspectos simbólicos derivados do sagrado que, em contrapartida, se conectam ao aparato

mítico em torno da figura do rei. Nesse sentido, um conceito que se revelou bastante útil foi o
31

de representação, por meio do qual é possível identificar o modo como, em diferentes lugares

e momentos, determinada realidade social é construída, pensada. A representação é uma

forma de se conceber o mundo própria do senso comum, ou seja, oriunda da experiência de

vida dos indivíduos, mas que possui grande eficácia. Politicamente falando, o discurso da

representação é poderoso o bastante para influenciar as ações humanas. Para Roger Chartier

(1990), as representações são construções produzidas por distintos grupos sociais que

expressam sua concepção de mundo. O conceito nos permite identificar três operações na

relação com o mundo social: em primeiro lugar, o trabalho de classificação por meio do qual

a realidade é construída pelos diferentes grupos sociais; em segundo lugar, as práticas que

visam a fazer reconhecer uma identidade; por fim, as formas institucionalizadas que

possibilitam a alguns representantes (coletivos ou singulares) marcar de forma visível a

existência de um grupo, classe ou comunidade. A representação inclui, assim, as práticas de

significação e os sistemas simbólicos por intermédio dos quais os significados são

produzidos. Desta forma, os sistemas simbólicos exercem um poder estruturante na medida

em que eles mesmos são estruturados (BOURDIEU, 1998, p. 7-11).

No caso de nossa pesquisa, nos centramos na representação acerca do basileus

helenístico. Com o propósito de investigar como a imagem do rei é construída a partir de

Antígono e de Demétrio, optamos pelo que Peter Burke (1994) define como fabricação. Para

o autor, o conceito de fabricação se relaciona à ideia de construção gradual da imagem régia

ao longo de determinado intervalo temporal. O autor justifica a opção por este conceito

devido aos dois posicionamentos comuns e opostos sobre a imagem do soberano – a visão

ingênua e a visão cínica. Ao historiador caberia seguir um meio termo. Para identificarmos

como uma imagem é fabricada, é necessário descobrir quem falava sobre o monarca, o que

falava,“[...] por meio de quais canais e códigos, em que cenários, com que intenções e com

que efeitos [...]” (BURKE, 1994, p. 25).


32

Burke ainda nos informa que durante o processo de fabricação da imagem régia ocorre

também a gradual “mitificação” de eventos ligados à persona do rei. Sobre as conexões entre

o mito e o imaginário político, Raoul Girardet, em sua obra Mitos e mitologias políticas

(1987), tece algumas reflexões que foram bastante úteis na execução desta pesquisa. Segundo

o autor, o mito consiste em um sistema de crença coerente e complexo. Girardet (1987, p. 13)

propõe que o mito político possui “[...] uma função explicativa, fornecendo certo número de

chaves para a compreensão do presente, constituindo uma criptografia através da qual pode

parecer ordenar-se o caos desconcertante dos fatos e dos acontecimentos. É verdade ainda que

esse papel de explicação se desdobra em um papel de mobilização [...]”.

No mito político, existem conjuntos de construções míticas que versam sobre o mesmo

tema e são agrupadas em torno de um núcleo central (GIRARDET, 1987, p. 19-20). Para a

legitimação do seu poder político, Antígono se apoiou no repertório de mitos em volta da

figura de Alexandre, em especial no do basileus como herói ligado à imagem de salvador – o

Homem Providencial. Ao tratar dos quatro modelos de Homem Providencial (Cincinato,

Alexandre, Sólon e Moisés), Girardet afirma que todos aparecem sempre como um lutador,

um combatente, num momento de ruptura e de redefinição de caminhos, como no caso de

Antígono. Sua figura se cristaliza em períodos de crise de legitimidade. É num momento de

incerteza e de angústia diante de um mundo em ebulição que o salvador é requerido com

maior veemência. Através do imaginário que se cria em torno dele a sociedade encontra um

elemento de união. Em diversas cidades, Antígono, ao lado de Demétrio, representou este

herói, sobretudo devido ao seu discurso que evocava a liberdade e autonomia das póleis. A

figura do basileus representava, para as cidades gregas, uma alternativa de manutenção, ainda

que mínima, da sua autonomia num contexto de profunda indefinição política. Além disso,

apesar da idade avançada, a representação de Antígono como lutador e vencedor foi reforçada
33

mediante as vitórias militares de seu filho, Demétrio, e emissão de moedas em nome de

Alexandre.

Como dissemos, o contexto de formação da realeza helenística foi marcado por choques

intensos entre os diversos pretendentes ao poder, razão pela qual o conceito de conflito

também mereceu nossa atenção. Gianfranco Pasquino (1998) afirma que o conflito social e o

conflito político constituem uma das modalidades primárias de interação entre os indivíduos,

grupos, organizações e coletividades. O conflito se dá basicamente pelo controle dos recursos

escassos, sob a forma de poder, riqueza ou prestígio, embora outros motivos possam

desencadeá-lo. No caso da disputa entre os diádocos, o que estava em jogo muitas vezes era o

território ou o monopólio da filiação com Alexandre. Além disso, o próprio corpo do argéada

tornou-se objeto de disputa em determinado momento, pois serviu como base de legitimação

para a dinastia Ptolomaica após ter sido roubado por Ptolomeu, que o levou para o Egito.

***

No que se refere ao tratamento das fontes, optamos, como metodologia, pela Análise de

Conteúdo, de acordo com o modelo formulado por Laurence Bardin (2000). O método

considera a totalidade de um texto ou de uma imagem, “[...] passando-o pelo crivo da

classificação e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou ausência) de itens de

sentido” (BARDIN, 2000, p. 36). Segundo a autora, a Análise de Conteúdo se desdobra nas

seguintes etapas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos e

interpretação; codificação; recorte dos dados; escolha das regras de interpretação; aplicação

da técnica específica; interpretação dos resultados obtidos; apresentação dos resultados. Como

nossos corpora documentais possuem naturezas diferentes (moedas, dados epigráficos e

textos), elaboramos três grades de leitura que nos auxiliaram na coleta e interpretação dos

dados oriundos da documentação:


34

Grade de leitura 1 (aplicada às fontes textuais)

1.1 – Referente aos sujeitos envolvidos na constituição da basileia helenística

Sujeitos Ações Atributos Filiação com Alexandre Epítetos

Antígono

Demétrio

Demais

diadócos12

1.2 – Referente à basileia

Objeto Basileia Macedônia Basileia Persa Basileia de Alexandre Basileia de Antígono /e

Demétrio

Basileia

Grade de leitura 2 (aplicada às fontes numismáticas)

Tipo:

Data:

Local de cunhagem:

Referência:

Anverso

Gestual Atributos materiais Atributos divinos Inscrição

12
Como já destacamos, quando nos referimos aos “demais diádocos”, estamos nos referindo aos principais
protagonistas do nosso contexto ao lado de Antígono e Demétrio – como Antípatro, Cassandro, Seleuco,
Lisímaco e Ptolomeu.
35

Reverso

Gestual Atributos materiais Atributos divinos Inscrição

Grade de leitura 3 (aplicada às fontes epigráficas)

Suporte:

Material:

Descrição:

Elementos decorativos:

Dimensões:

Sobre o campo epigráfico (dimensões e conservação):

Local do achado:

Sujeitos Tipologia da inscrição Epítetos Atributos

Antígono

Demétrio

Demais diádocos

***

Esta tese se estrutura em quatro capítulos. No primeiro capítulo, “O Mediterrâneo

Oriental e a sua nova correlação de forças”, tecemos um panorama da bacia do Mediterrâneo

Oriental nas últimas décadas do século IV a.C. Abordamos aspectos gerais relativos aos

contatos entre a Macedônia e a Hélade, com ênfase nas relações políticas e culturais. Também

tratamos da relação entre a Macedônia e o Império dos Aquemênida e da conquista do

Mediterrâneo por Filipe e Alexandre, o que conduziu à construção da oikoumene. Nesse

primeiro capítulo, o foco de atenção foi o contexto do Mediterrâneo após a morte de


36

Alexandre. A partir daí, abordamos a problemática referente à questão sucessória e aos

acordos e conflitos entre os diádocos. Assim sendo, não poderíamos ignorar o surgimento de

Antígono como protagonista da construção da basileia helenística e tampouco o papel que

Demétrio veio a desempenhar ao lado de seu pai como comandante das forças militares deste.

Buscamos mostrar, portanto, como se deu a fragmentação do Império Macedônio e como

Antígono, ao lado de Demétrio, passou de representante da casa argéada a basileus.

No segundo capítulo, intitulado “A ‘basileia’ no mundo greco-macedônio”, analisamos

a questão referente à realeza situada na fronteira entre a Macedônia, a Hélade e o Oriente

aquemênida. Tivemos por objetivo traçar um histórico referente à monarquia investigando as

principais concepções vigentes sobre este tipo de governo na Grécia Antiga. Assim,

demonstramos como as visões acerca dessa forma política se transformaram ao longo da

História da Grécia e evidenciamos as semelhanças e as diferenças acerca desta instituição

política não apenas no tempo, mas também no espaço grego, incluindo a Macedônia.

No terceiro capítulo, “O caminho rumo à fabricação da imagem régia”, analisamos os

mecanismos utilizados por Antígono e Demétrio para a construção da imagem régia, tais

como as suas medidas de caráter político-administrativo e militar e a criação de um aparato

simbólico visando ao fortalecimento de uma realeza em construção. Dentre os elementos de

construção e legitimação da basileia e do próprio basileus, destacamos como a identidade

monárquica foi constituída por meio da associação do soberano helenístico a elementos

macedônios, helênicos e orientais. Discutimos também a importância da filiação precoce entre

Antígono e Demétrio para a formação de uma dinastia, bem como os elementos filosóficos e

simbólicos que cercavam a monarquia helenística. Nos detemos ainda na relação entre as

póleis e a dinastia Antigônida, visto que algumas antigas cidades-Estado gregas foram

parceiras de Antígono em suas pretensões políticas.


37

Em nosso último capítulo, denominado “Ritos e cerimônias: a realeza em movimento”,

tratamos da associação entre o basileus helenístico e o sagrado por meio do caso de Antígono

e Demétrio. Para tanto, demos atenção aos cultos e festividades dedicadas aos Antigônida e ao

sentido simbólico que estes eventos possuíam. Buscamos ao mesmo tempo identificar como o

basileus se apresentava, de modo a perceber se nos primórdios de formação da basileia

helenística já havia uma preocupação com o aparato simbólico em torno do monarca, não

apenas em eventos públicos dos quais participava, mas também nas suas representações

escultórica e numismática. Nos detivemos também sobre o papel do monarca como fundador

de cidades e as relações entre os basileis e os hetairoi, marcadas por protocolos, que foram

peças importantes na constituição da realeza helenística. Por fim, refletimos sobre o rito de

entronização do basileus.
38

CAPÍTULO I

O Mediterrâneo Oriental e sua nova correlação de forças

Podemos dizer que, a partir da segunda metade do século IV a.C., tem início um

profundo processo de mudança no território da Grécia antiga. Geograficamente, a topografia

grega não possuía grandes diferenças. Contudo, norte e sul passaram ao longo da história por

experiências que levariam a diferentes formas de organização política. Na região mais ao sul,

que corresponderia à zona de influência da antiga Sociedade Palaciana, começou a se

organizar, a partir do fim do período homérico, no século VIII a.C., o sistema políade que

ocuparia o território conhecido como Hélade. Berço da chamada pólis clássica, tendo Atenas

como protagonista, a Hélade recebeu, e continua recebendo, a atenção de diversos estudiosos

das sociedades clássicas. O norte do território grego, por sua vez, permaneceu por muito

tempo com uma organização tribal. Por volta do século VIII a.C., começou a se estruturar

uma realeza de caráter tribal hereditária, vinculada à função guerreira. Este seria o cenário

onde se encontrava a Macedônia. Durante muito tempo, pouco se sabia sobre esta região ou

sobre suas personae políticas,13 mas, nas últimas décadas, os especialistas, sobretudo aqueles

ligados à Arqueologia, vêm se dedicando ao estudo da região setentrional da Grécia.

Contudo, ainda há muito que avançar nessa seara, não apenas no que se refere à

formação da realeza, mas também à sociedade macedônia dos séculos V-IV a.C. Ainda

existem muitas lacunas quando se trata do século IV a.C., período no qual a Macedônia

desponta na conjuntura política grega como uma potência. A maior parte das informações

escritas que possuímos provém de autores da pólis ou posteriores. O mesmo problema de

documentação se verifica quando nos referimos aos diádocos que se tornaram os fundadores

13
Devemos citar aqui duas exceções: Filipe e seu filho Alexandre. Mas mesmo no que se refere à imagem destes
dois personagens, ainda encontramos trabalhos carregados de um caráter biográfico e cheios de juízos de valores.
39

das dinastias helenísticas, como é o caso de Antígono. Todos eram de origem macedônia,

sendo essa, inclusive, elemento de legitimação do poder daqueles. A realidade é que, após a

segunda metade do século IV a.C., vemos a Hélade perder sua preponderância política e

econômica e a Macedônia, com seus líderes, assumir a hegemonia no território grego e no

resto do Mediterrâneo Oriental. Por isso, consideramos de extrema importância os estudos

relativos ao norte da Grécia e, principalmente, aqueles referentes aos mecanismos e relações

de poder que se estabeleceram na bacia oriental do Mediterrâneo no século IV a.C. Neste

capítulo, buscamos traçar o perfil desse Mediterrâneo, particularmente no que concerne às

últimas décadas do século IV a.C., período em que os diádocos, sobretudo Antígono

Monoftalmo, ao lado de seu filho Demétrio Poliorcetes, assumem as rédeas políticas.

A Macedônia: da realeza tribal à ‘oikoumene’

A origem dos macedônios ainda é um tanto ou quanto obscura para nós. Talvez fossem

gregos como os etólios e os acarnânios, ou pertencessem à família dos clãs ilírios ou trácios,

podendo ser ainda o resultado da mistura dos três ramos indo-europeus mencionados acima

que se fixaram aos poucos na região da Macedônia, miscigenados com a população nativa,

formando assim um povo que, em diversos aspectos, diferia dos gregos pertencentes à Hélade.

Os macedônios estavam entre os povos de língua grega não helenizados e, por isso, os

helenos os classificavam como estrangeiros (HAMMOND, 2001, p. 11). Como já dito, a

Macedônia situava-se nas fronteiras extremas do mundo grego, ocupando o território da

Península Balcânica a oeste e a norte de Delfos e das Termópilas. Grande parte de sua

população era formada por camponeses, submetidos por uma aristocracia de caráter militar. O

aparecimento de uma elite guerreira, e da própria realeza macedônia, está associado a um


40

processo de organização política da comunidade em torno de tumbas de guerreiros que se

iniciou por volta do século VIII a.C., tendo Vergina como centro político (THEML, 1997).14

Até o início do século IV a.C., a Macedônia permanecia como uma região às margens

da Hélade, que constutuía um mercado consumidor, principalmente da madeira importada da

Macedônia. Havia muito tempo que os gregos, sob a organização políade, tinham se fixado

nas costas da Macedônia e esta usava tais cidades para exportar sua produção. Nos tempos

prósperos da Hélade, a Macedônia enriqueceu, sobretudo após as Guerras Greco-Pérsicas.

Desta forma, a Macedônia nunca se mostrou uma ameaça potencial à Grécia políade. Esse

quadro começou a se modificar a partir das transformações empreendidas por Arquelau, que

governou a Macedônia de 413 a 399 a.C., e foi acelerado durante o governo de Filipe II.

Como mencionado, as transformações abrangeram a economia, o exército e o próprio sistema

político, que passou a ser mais centralizado na figura do monarca. Com uma política

fortemente marcada por seu caráter expansionista, Filipe introduziu em seu exército todos os

aperfeiçoamentos mais modernos em tática grega que aprendeu durante o período que ficou

em Tebas com Epaminondas, e ainda criou uma frota. Assim, pôde deter as tendências

desagregadoras na Macedônia, proteger suas fronteiras contra o ataque dos vizinhos do Norte,

desmantelar o reino odrísio dos trácios, seu rival mais sério, e até mesmo penetrar norte

adentro e infligir alguns golpes ao reino cita, que, nessa época, estava se expandindo para o

sul e ocupando a Península Balcânica. Ao mesmo tempo, Filipe buscou anexar a Tessália e a

faixa da costa macedônia que estava ocupada pelos gregos. Sem acesso ao mar, uma

influência política mais ampla sobre todo o mundo grego estava fora de cogitação. Após uma

série de guerras, as cidades gregas na Macedônia e na Calcídia tornaram-se parte do reino.

Filipe ainda fundou núcleos urbanos, construiu estradas e criou uma moeda para a Macedônia.

Nesse sentido, a conquista das minas de ouro do Monte Pangeu foi determinante,

14
No segundo capítulo, tratamos mais especificamente sobre a natureza da realeza macedônia.
41

principalmente para formar um poderio militar necessário à sua política baseada na expansão

territorial (GRIFFITH, 1970, p. 67-70).

Ao mesmo tempo que a Macedônia passava por tais transformações, o mundo em volta

dela sofria com uma grave crise. Como sabemos, após a Guerra do Peloponeso (431-404

a.C.), a Hélade mergulhou em um agudo processo de desestruturação. Podemos afirmar,

assim, que a Macedônia teria se beneficiado do contexto para se tornar um poderoso reino

unificado e expansionista sem rivais à altura. A Macedônia tinha deixado de ser inofensiva às

póleis. Momigliano (1992, p. 50) afirma que a política de Filipe possuía um caráter

expansionista e os gregos das cidades não demoraram a perceber a ameaça que a Macedônia

se tornava. Os atenienses, principalmente, sentiam seus interesses políticos e comerciais

ameaçados com a conversão da Macedônia em um forte império marítimo. Durante a luta pelo

domínio da costa macedônia, Filipe entrou pela primeira vez em choque com Atenas.

O monarca macedônio passou a interferir constantemente na complicada política das

cidades gregas depois da anexação das póleis da Calcídia e da destruição de muitas delas, no

decorrer de 349 e 348 a.C. Nesta época, ele derrotou a defesa ateniense da Calcídia e forçou

Atenas a aceitar um tratado de paz. A partir desse momento, Filipe tinha a liberdade de

interferir nos assuntos da Hélade. A convite dos anfictíones, guardiães oficiais do templo de

Delfos, assumiu o comando na luta contra os fócios e os derrotou. Os fócios foram expulsos

da assembleia anfictiônica e seu lugar foi cedido a Filipe. A Macedônia foi reconhecida como

membro (honorário) da família de Estados gregos (ELLIS, 1977, p. 20-21).


42

Figura 1 – Mapa do reino da Macedônia à morte de Filipe II em 336

a.C.

Fonte: http://www.ancient.eu

Foi nesse momento que o rei exprimiu pela primeira vez seu desejo de construir um

Império Universal, com a unificação do mundo então conhecido (LONDEY, 1994, p.25-30).

A situação parecia favorável para Filipe concretizar o seu projeto. A Grécia políade, que tinha

como característica a autonomia política, estava imersa em uma profunda crise, e o Império

Persa, mesmo que ainda forte, passava por sérias dificuldades políticas, sofrendo com a

revolta de várias satrapias.15 Através do Koinon de Corinto, Filipe se transformaria em uma

espécie de heleno honorário e no comandante supremo das forças gregas, tendo como

primeira atitude a declaração de guerra à Pérsia aquemênida. Sobre este assunto, parece

15
As satrapias eram territórios, províncias, do Império Aquemênida governados pelos sátrapas (σατράπης).
43

necessário esclarecer melhor dois pontos: a relação entre a Macedônia e o Império

Aquemênida e a questão relacionada à helenização.

A relação entre a Macedônia e a Pérsia foi praticamente nula antes da campanha militar

arquitetada por Filipe e levada a cabo por seu filho, Alexandre. No que se refere à Hélade, o

Império Persa foi uma personagem constante na história das póleis. Tratado na maioria das

vezes com desprezo nos discursos de muitos escritores da época e aparecendo outras tantas

como ameaça à Hélade, esse Império nos é pouco conhecido do ponto de vista da

documentação escrita.16 O que sabemos é que ele foi cobiçado pelo rei macedônio e por

muitos gregos.

A formação do Império Persa ocorreu sob a tutela do primeiro rei aquemênida, Ciro, o

Grande, no período de 559 a 530 a.C. Seu governo foi marcado por grandes conquistas

territoriais, tendo submetido a Lídia e a Babilônia. Segundo Asheri (2006), as conquistas de

Ciro colocaram os medo-persas em contato direto com as sociedades da Mesopotâmia, do

Transeufrates, da Anatólia e do Egeu (2006, p. 23). Mais tarde, seu filho, Cambises (530-522

a.C.), promoveu uma expansão territorial, conquistando o Egito e Cirene. Todavia, a

consolidação do Império ocorreu com Dario I (522-486 a.C.), que conquistou algumas ilhas

do Egeu e, na Europa, a Trácia. Por meio de outras campanhas, muito menos conhecidas e

certamente mais difíceis, todo o planalto do Irã foi submetido, até o Turquestão e o Indo. Sob

Xerxes I (486-465 a.C.), o limite de crescimento do império foi alcançado. Mas foi por volta

de 546 a.C., quando o Grande Rei (Ciro) se apoderou de Sardes e, logo após, da região

litorânea ocupada pelos gregos, que houve a súbita revelação de uma nova força cuja

expansão, durante mais de meio século, era capaz de remover de modo fulminante todos os

obstáculos (BOARDMAN, 1988, p. 24-30). Com Cambises, sucessor de Ciro, conquistando o

16
Infelizmente, a história do império Aquemênida é conhecida de forma mais geral através de documentações de
origem grega, ou derivadas destas. Essas fontes tem como foco a parte ocidental do império, principalmente
Egito, Fenícia e Ásia Menor. As fontes de origem orientais não são tão abrangentes, pois estão, muitas vezes,
limitadas a acontecimentos específicos e a determinadas localidades (ASHERI, 2006, p. 30-31).
44

Egito em 513 a.C., e Dario I atravessando o Bósforo e anexando o sudeste da Europa até a

margem sul do Baixo Danúbio, a vida econômica de todo o mundo helênico ficou à mercê dos

persas, já que o Egito e a Ucrânia haviam se tornado o celeiro da Hélade desde o século VI

a.C. (TOYNBEE, 1969, p. 82).

Essa força era a de um povo ao qual, antes disto, ninguém prestara grande atenção. De

origem indo-europeia, os persas instalaram-se, no curso do II milênio a.C., na parte ocidental

do planalto do Irã. Seus vizinhos meridionais eram os susianos, há tempos associados à vida

da Mesopotâmia, da qual os persas estavam separados pela barreira dos Montes Zagros. Os

textos assírios, entretanto, por vezes mencionam tal povo. Pela leitura desses registros, tem-se

a impressão de que, por muito tempo, eles são apenas de nômades. Pouco a pouco, porém,

alguns se estabilizaram, para, depois, se organizarem, segundo um processo que não

conseguimos vislumbrar ainda em detalhes. Dirigidos pelos medos, os persas contribuíram,

aliando-se aos babilônios, para a tomada e destruição de Nínive, cabendo-lhes a Alta

Mesopotâmia quando da partilha do Império Assírio. Mas seriam necessários ainda mais de

sessenta anos para que afirmassem seu poder sem a necessidade de aliados (ONCKEN;

JUSTI, 1950).

Como dissemos, foi com Dario I (522-486) que o Império Aquemênida se estabilizou.

Seu longo reinado foi marcado por uma sólida administração. Foi durante seu domínio que o

Império Persa foi dividido em vastas circunscrições, as satrapias. Os governantes do Império

Persa não sofreram tanta resistência por parte dos povos submetidos como os soberanos

anteriores, pois exerciam uma política mais tolerante em relação aos reis vencidos e aos

costumes religiosos locais, não tendo a tradição de deportar populações, como o fizeram

outrora os assírios. Contudo, ao término do governo de Dario, o Império Persa passava por

um período de crise.
45

Com o tempo, a fronteira entre Oriente e Ocidente pode ter variado nesse ou naquele

ponto. Desta forma, os desastres sofridos na Grécia por ocasião das Guerras Greco-Pérsicas

acarretaram o abandono do território ocidental. Houve revoltas no interior, algumas vezes

sucessivas, que apenas com dificuldades puderam ser reprimidas. Como exemplo, temos o

caso do Egito. O Mundo Antigo, no entanto, nunca havia conhecido um Império tão extenso.

O Império Persa, herdeiro dos grandes impérios que o precederam, reunia todos os territórios

antes submetidos àqueles impérios, acrescentando-lhes outros novos. Nem os poderosos

assírios haviam alcançado o Indo.

Outra característica a ser destacada é a figura do rei persa. O caráter do soberano

aquemênida era absoluto, justificado pela vontade divina. A ideia de um soberano escolhido

pelos deuses não era uma inovação no Oriente. O mesmo processo se verificava a partir da

concepção de que o soberano deveria amar a verdade, aplicar a justiça e proteger o fraco, a

fim de permanecer fiel à vontade divina, ideal subjacente também à doutrina real egípcia. O

rei era hábil em todos os exercícios e modelo do guerreiro, o que constituía, junto com o

caráter divino da realeza persa, outro aspecto fundamental da monarquia do Oriente. No início

da monarquia, todos os nobres de importância tinham acesso fácil ao rei. Mas, depois de

Dario, uma rigorosa etiqueta regulamentou todos os atos da vida do soberano, que se tornava

inacessível. A segregação acarretou aos reis consequências desagradáveis. Eclodiram intrigas

de harém, assassinatos e diversas suspeitas de conspirações políticas. Tanto Ciro, O Grande,

quanto Dario I, por exemplo, morreram envenenados (BOARDMAN, 1988, p.79-85).

Os persas e os gregos, no período clássico, viveram lado a lado, e os conflitos que

opuseram os dois povos não impediram seus contatos. Os reis persas permitiram aos gregos,

por exemplo, que viajassem pelo Oriente. Gregas da Ásia ingressaram no harém real ou

esposaram sátrapas em função nas províncias ocidentais. No século IV a.C., mercenários

gregos foram contratados em grande número, alguns de seus chefes desempenharam um papel
46

importante e o comércio ateniense não sofreu grandes restrições. A partir desses dados,

percebemos que, apesar dos famosos discursos em defesa dos valores e liberdades gregas, nos

quais muitas vezes vemos o persa – nomeado bárbaro –como o modelo oposto a esses valores

e à liberdade, a relação entre gregos e persas, e a própria imagem sobre os persas, foi fluida

durante a história da Hélade.

Lévy (1984), ao refletir sobre a formulação do conceito de bárbaro, afirma que, desde o

século V a.C., o termo aparece com dois sentidos. O primeiro corresponde a uma noção

objetiva e designa quem não é grego (heleno),17ou seja, aquele que é linguistica, etnica e

geograficamente diferente do grego. De outro lado, o termo se refere a uma espécie de

“antimodelo” cultural, que sugere o despotismo e a servidão, o luxo excessivo, a crueldade e a

grosseria. A configuração dessa imagem teria sido auxiliada justamente pelas Guerras Greco-

Pérsicas (LÉVY, 1984, p. 5-7). Mas Thébert (1985, p. 18-20), analisando a utilização do

conceito de estrangeiro no período clássico,18 propõe que momentos políticos diferentes

interferem nas representações produzidas pelos grupos sociais. Por isso, após as Guerras

Greco-Pérsicas a imagem do persa bárbaro estava mais associada à primeira definição dada

por Lévy, do que a um “antimodelo” cultural. Mas, em meio à crise da Hélade no século IV

a.C., a imagem estigmatizada do persa ganhou nova força, por isso discursos sobre uma nova

agressão por parte dos Aquemênida ecoavam pelas póleis. Neste contexto, a guerra contra os

persas ganhou espaço em alguns setores sociais do mundo políade. Na realidade, o que

podemos constatar é que os partidários antipersas buscavam mais a solução dos conflitos

sociais através da conquista do território persa do que acreditavam em uma real ameaça dos

orientais. Nesse cenário, ascende Filipe II. Com uma vitória iminente sobre a Hélade, alguns

17
Que não é oriundo de uma pólis.
18
O conceito de estrangeiro e bárbaro eram termos similares para os gregos. Dependendo da situação, o emprego
de βάρβαρος, ou βάρβαροι, podia se referir simplesmente ao não Έλλήνιος, no sentido de estrangeiro, ou podia
ter uma conotação mais valorativa, significando alguém brutal, cruel, selvagem. Algumas vezes, o termo era
utilizado para definir estrangeiros específicos, como os medos e os persas. Já o vocábulo ξένος possuía
geralmente uma aplicação para referir-se ao estrangeiro, ao hóspede, sem conotações mais estigmatizantes.
47

viam no líder macedônio a possibilidade de se enfrentar os Aquemênida. O ateniense

Isócrates, em uma epístola direcionada ao monarca, diz:

Qual a opinião que julgais que terão sobre vós se colocardes em prática estes
projetos? [referente à guerra contra a pérsia] E mais, se promoverdes a aniquilação
daquele reino [Império Persa], ou, se pegardes uma grande parte de seus domínios
[...], onde depois devereis fundar muitas cidades e levar, para estas, os que por sua
miséria se desterram voluntariamente a cada dia e vão saqueando tudo o que
encontram? Estes, se não os impedirdes, se juntarão, e constituirão tão grande
número, que causarão, aos gregos, inquietudes maiores que os bárbaros [...] É, pois,
próprio de um homem esforçado e amigo dos gregos, e que tem capacidade maior
que os demais, valer-se desses homens perdidos contra os bárbaros, pagando-lhes
com terras que mencionei antes; livrar os soldados estrangeiros dos males que
padecem e que fazem os outros padecerem; com eles formar várias cidades que
sirvam de defesa para a Hélade e que sejam para todos nós um resguardo. Porque, se
isso fizerdes, não só os fareis felizes, como proporcionareis a todos nós vivermos
seguros (Isocrates, Philippus, 80-82).19

Devemos observar que a conquista do Império Aquemênida seria uma boa solução

para parte dos problemas que afligiam as póleis, mas era, sobretudo, conveniente a Filipe por

dois motivos: com uma política expansionista, a dominação do Mediterrâneo Oriental era, de

um ponto de vista estratégico, necessária para o macedônio, que teria de entrar em choque

contra os asiáticos para executar o projeto da conquista da oikoumene; em contrapartida, o

território da Hélade encontrava-se imerso em diversos conflitos e levar parte dos gregos das

póleis despossuídos para territórios do Oriente seria uma solução que facilitaria o controle

sobre as cidades gregas. Desta forma, vemos que o conflito entre macedônios e persas seria

inevitável, dentro da visão política de Filipe. Aclarado este ponto sobre a relação entre a

Macedônia e o Império Persa, é necessário tratar da questão referente à helenização.

Durante muito tempo, a possibilidade de uma helenização, sobretudo do Oriente, por

meio das conquistas macedônias, no século IV a.C., permeou o ideário de diversos estudiosos

da Antiguidade. O conceito de helenização, atrelado ao de helenismo, e que comumente se

refere à difusão da cultura grega no Mundo Antigo a partir das conquistas de Alexandre, é

19
Todas as traduções contidas nessa tese foram efetuadas por nós e tiveram como base as edições apontadas em
nossa lista de referências.
48

complexo e traz em si diversos problemas. O termo helenismo (hellenismus) deriva do

vocábulo helénistès, que foi usado pela primeira vez na versão dos Setenta do livro de Atos

dos Apóstolos (6.1), em oposição a hebraioi. Já no século XVIII, foi usado para definir o

modo de pensamento dos judeus falantes do grego (CALDAS; SANT’ANNA, 2008; SALES,

2005). Foi no século XIX, no entanto, que o termo ganhou difusão, com o estudioso alemão

Johann Gustav Droysen, considerado o criador da História Helenística.20 Droysen foi autor de

importantes obras de referência sobre a Civilização Helenística. Em 1833, com uma biografia

de Alexandre, ele dá inicio à sua História do Helenismo.21 Droysen construiu a visão de uma

civilização híbrida, formada por elementos helênicos e orientais – visão na qual a cultura

helênica sempre dominaria. Nessa visão tradicional, não só o papel do Oriente foi minimizado

no processo de formação cultural e política do mundo helenístico, mas também o da própria

Macedônia. Genitora de todas as dinastias helenísticas, a macedônia seria pulverizada no bojo

da dicotomia entre gregos versus asiáticos, segundo a qual o conquistador, helenizado, levaria

a salvação para populações bárbaras submetidas à tirania.

É justamente nessa pretensa supremacia da cultura helênica sobre a asiática que

repousa o maior problema do termo helenização. Droysen não usa o vocábulo helenização

propriamente dito, preferindo os termos helenismo e helenizar quando menciona a cultura

greco-macedônia, mas, ao lermos a sua biografia sobre Alexandre, fica nítido que o autor se

refere a um processo de helenização.

O início e o fim dessa luta secular [entre Oriente e Ocidente] estão prefigurados nos
limites e na estrutura geográfica do mundo antigo. Europa e Ásia se defrontam no
mar Jônio e se misturam nas estepes do Volga. Os dois séculos da luta encarniçada
que os helenos travaram contra os persas – o primeiro grande conflito entre Oriente
e Ocidente que a história nos legou –, Alexandre os encerrou ao aniquilar o império
dos persas, ao conquistar todo o território situado entre o deserto africano e a Índia,
ao afirmar a supremacia da civilização grega sobre a cultura declinante dos povos

20
Bentivoglio (2007) fala sobre a relevância de Droysen para o alargamento da importância histórica no século
XIX, e argumenta que este colaborou para a construção do método histórico.
21
Essa foi formada pela junção de três obras anteriores: Geschichte Alexanders des Grossen (1883), Gestchichte
der Diadochen (1836) e Geschichteder Epigonen (1842).
49

asiáticos. Enfim, ao gerar o helenismo. Seu nome assinala o fim de uma época e o
começo de uma nova (DROYSEN, 2010, p. 37).

Droysen enxergava o processo de helenização como algo coeso e harmônico. A seus

olhos seria natural os asiáticos adotarem os costumes e vestes próprios da cultura helênica,

como destaca na passagem seguinte: “[...] os asiáticos incorporados nas fileiras do grande

exército iniciavam-se na disciplina macedônia e começavam lentamente a se helenizar”

(DROYSEN, 2010, p. 292). O pensamento exposto por Droysen é expressão de um ideário

político do século XIX europeu, no qual uma “grande civilização” seria responsável pelos

caminhos da história humana e por civilizar os incivilizados, levando a estes últimos o

progresso.22 A partir da segunda metade do século XX, no entanto, a historiografia começou a

questionar cada vez mais o conceito de helenização.

De acordo com Biazotto e Funari (2015, p. 247-250), temos três posicionamentos

divergentes desta visão tradicional forjada na análise de Droysen que se destacam: em

primeiro lugar, uma interpretação que defendia a separação entre gregos e orientais, rejeitando

interações culturais entre os diferentes atores envolvidos neste processo, da qual temos Préaux

(1978) como representante; em segundo lugar está o posicionamento defendido por Will,

Mossé e Goukowsky (1998), para quem o conceito de helenização se encontrava eivado de

anacronismos, pois fora cunhado em um contexto no qual as potências europeias

engendravam analogias entre as conquistas de Alexandre e a expansão colonial; e, em terceiro

lugar, destaca-se a análise de Momigliano (1991), que aponta para os limites dessa

helenização e como ela foi diversa no território da oikoumene, o que leva a refletir sobre

22
Bem antes da conquista do Oriente pelas forças macedônias observamos críticas a uma situação inversa a
proposta por Droysen – gregos assumindo características dos asiáticos, como podemos observar na seguinte
passagem de Pseudo-Xenofonte, ao criticar os antenienses e as desvantagens do império marítimo: “Mais ainda,
por ouvirem todos os dialetos, acabaram por adotar características de uns e de outros. Enquanto que os outros
Gregos, em grande parte, conservam o seu próprio dialeto, modo de vida e maneira de vestir, os Atenienses usam
uma mistura de tudo quanto é grego e bárbaro” (Xenophon, Athenaion Politeia, II, 8). No referido trecho, fica
claro o poder que a interação cultural possui de troca entre dois ou mais grupos diversos, exluindo-se a
tradicional visão de via de mão única entre dominantes e dominados.
50

outros conceitos, como o de interação, para darmos conta de compreender o período

helenístico.

Dos três posicionamentos referentes à análise da helenização expostos acima,

consideramos que a interpretação elaborada por Momigliano seja a mais refinada e a que

representa um marco nos estudos referentes à temática. Com a obra Alien Wisdom: The Limits

of the Hellenization (1975), Momigliano buscou demonstrar como o helenismo, ou melhor, a

helenização, tão preconizada por muitos autores, teve seus limites e, em alguns territórios,

nunca chegou realmente a se estabelecer, ao mesmo tempo que valorizou o saber e a cultura

dos outros, como as populações do Oriente. Funari e Grillo (2014, p. 207-208) afirmam que a

partir das reflexões suscitadas pela obra de Momigliano, vários modelos de interpretação

sobre o processo de helenização surgiram, destacando-se dois deles pela aceitação que

tiveram – o de aculturação e o de interação. Segundo os autores (FUNARI; GRILLO, 2014,

p. 207-208): “No processo de aculturação, procura-se verificar o impacto da difusão cultural

sobre os receptores e, em particular, como estes se conformam hierarquicamente aos

difusores; e, no de interação, as trocas entre as culturas envolvidas”. Embora estes dois

conceitos também possuam ressalvas, eles ajudam a compreender melhor o que se costuma

nomear de helenização.

Mesmo à luz destas novas interpretações, o conceito de helenização ainda gera

controvérsias e está longe de agradar a todos os especialistas. De forma sintética, Rachel

Mairs (2011) esclarece que o conceito de helenização porta em si o significado de difusão da

cultura grega em outras sociedades por meio da aprovação destas. Para a autora, dentro desta

ótica, helenização pode abranger todos os tipos de comportamento cultural, tais como o uso

da língua e o vestuário. Além disso, helenização com frequência comporta a ideia de

passividade por parte de um lugar ou um grupo de pessoas que sofreu influência cultural

helênica (MAIRS, 2011, p. 1-2). Em virtude desse caráter simplista e da passividade atribuída
51

às sociedades que sofrem o processo de helenização, Mairs não aprova o uso do conceito. A

autora ainda tece críticas ao conceito de aculturação. No senso comum, aculturação, assim

como o termo helenização, representaria a sobreposição de determinada cultura a outra.

Teríamos, portanto, o seguinte cenário: um grupo dominante, vitorioso, impõe sua cultura

sobre as demais populações dominadas e estas, passivas durante o processo, seriam apenas

receptoras da cultura dos vencedores. A realidade, contudo, tanto no que se refere à

helenização quanto à aculturação, é muito mais complexa, e a dinâmica das sociedades

antigas, distantes de nós no tempo, torna a questão ainda mais espinhosa.

Mas ao contrário de Mairs, que parece não problematizar a fundo as atuais discussões

sobre helenização, aculturação e interação, acreditamos que, feitas as devidas ressalvas, seja

possível considerar tais noções operacionais. Veyne (1983, p. 105-106) destaca que nem

sempre os valores culturais estrangeiros pertencem somente a uma sociedade vitoriosa e que a

aculturação não se configura a todo o momento como um ato de violência contra outra

sociedade, embora habitualmente repouse numa relação de poder. Ao tratar da helenização de

Roma, Veyne afirma que determinada sociedade pode se apropriar de um elemento cultural

estrangeiro porque a sociedade que adotou tal valor tem poder para isso. Roma se apropria da

cultura grega não porque considere a cultura romana inferior à dos helenos, mas pelo fato de

considerar a cultura grega seu patrimônio, devido ao direito de conquista que exerce sobre a

Grécia. Além disso, mesmo quando uma sociedade é dominada por outra, há de se relativizar

a questão da aculturação. Podemos citar como exemplo a própria dominação do Oriente por

Alexandre e as forças macedônias. A helenização do Oriente foi extremamente restrita, e os

setores urbanos foram o principal foco deste processo. Inclusive, uma das estratégias de

Alexandre, depois seguida pelos diádocos, foi a fundação de cidades seguindo o padrão

arquitetônico da pólis. Fundar cidades, mudando capitais de local, que na realidade

representavam centros de poder, significava, em última instância, o desejo de se apropriar de


52

elementos de poder, dentre os quais as cidades eram importantes elementos. O setor rural,

nesse caso, praticamente não sofreu alterações. Além disso, mesmo nos setores urbanos, não

havia uma imposição dos valores helênicos. Na realidade, o que vemos é a constituição de

uma elite local que considerava a adoção de elementos helênicos um meio de ascender às

esferas do poder. Neste ponto, há outra questão a ser destacada quando falamos sobre as

limitações do uso do conceito de helenização: a que se refere ao hibridismo cultural e à

dicotomia Grécia/Oriente.

Diversos autores, como Lévêque (1987), Toynbee (1969) e Mossé (2004), ao

reproduzirem, em seus trabalhos, a antiga fórmula “helenização é igual à fusão de elementos

culturais gregos e orientais”, que caracterizaria a civilização helenística, não conseguem se

desvencilhar da ideia de superioridade dos elementos helênicos sobre os orientais. O problema

talvez se deva a uma dificuldade em compreender o papel dos elementos orientais neste

processo e a laços ainda não rompidos por completo com a representação da Grécia/Hélade

como modelo da civilização ocidental.

Essa discussão sobre helenização e aculturação nos leva a um território fora da Ásia e

do norte da África – a Macedônia. Se a questão é complexa e ainda pouco tratada dentro de

novas perspectivas para o Oriente, a situação é mais delicada no que se refere à Macedônia.

Durante o mestrado, finalizado em 2009, trabalhamos com a questão da identidade grega, ou

melhor, com a crise desta (ANDRÉ, 2009). Um dos aspectos basilares de nossa dissertação foi

o conflito político que ocorreu durante o século IV a.C., relacionado a Filipe II e aos

macedônios. De fato, os macedônios eram vistos pelos helenos como bárbaros e mantinham

com estes apenas relações comerciais até as primeiras décadas do século IV a.C. Os

macedônios, apesar de falarem o grego, possuíam um dialeto pouco compreensível para os

gregos das póleis. Apenas a elite macedônia buscou a helenização, por meio do consumo da

literatura, da educação, da decoração e do vestuário helênicos. Mas essa elite procurou


53

helenizar-se por motivos internos à sua sociedade – busca de status, de diferenciação social,

por exemplo –, e não como resultado de qualquer dominação estrangeira. Apesar de Filipe ter

sido nomeado heleno, era um grego honorário, como se portasse um título especial, sabendo-

se que o significado de um rótulo pode mudar de acordo com o contexto. Para ilustrar melhor

este ponto, mais uma vez recorremos a Isócrates.

Em 380 a.C., quando a Macedônia não representava ainda uma grande ameaça à

Hélade, o ateniense escreve um panegírico no qual propõe a união entre Atenas e Esparta

para, numa campanha antipersa, solucionar muitos dos problemas que estavam assolando os

helenos. O Panegírico seria, portanto, uma obra a favor dos valores gregos e contra os

interesses bárbaros. Isócrates acreditava que as instituições democráticas fossem as únicas

capazes de garantir a autonomia política e o regime constitucional dos gregos diante do

despotismo exercido pelos líderes “bárbaros” Amintas da Macedônia, Dionísio da Siracusa e

o rei persa. O orador deixa clara a posição de Amintas, pai de Filipe, como bárbaro, e o

associa à tirania. Mas, em 346 a.C., quando a Macedônia já era claramente uma potência e um

acordo de paz entre a Macedônia e Atenas havia sido firmado, ao escrever a Filipe, Isócrates

afirma:

[...] se, quando eu fosse mais moço, houvesse oportunidade de falar [do pai de
Filipe], facilmente haveria demonstrado que vosso progenitor se excedeu mais do
que todos os heróis da antiguidade por sua prudência, por sua filosofia e sua justiça,
do que pela sua firmeza e força de seu corpo [...] (Isoc., Phil., 77).

Amintas, mesmo sendo macedônio, neste contexto se aproximava dos valores

considerados próprios dos gregos. Isócrates chega ainda a mencionar a ligação da linhagem de

Filipe com os deuses e a educação helenizada que recebera. O orador faz um contraponto

entre Filipe e o rei aquemênida ao mencionar a campanha contra a Ásia:

Não acredite que ignoro que muitos têm o exército do grande rei por invencível.
Mas justo será que nos maravilhemos de que, se um homem bárbaro e mal educado
pode fundar este Império, estabelecendo a escravidão, não reconhecem que um
54

homem grego,23 e muito hábil na guerra, inclinado à liberdade, há de dissolver


facilmente esse Império [...] (Isoc., Phil., 95).

O século IV a.C. foi um século marcado por transformações, inclusive por

redefinições de identidades, que serviram, em muitos momentos, para estimular debates

políticos, como podemos concluir pelas próprias citações de Isócrates. E nenhuma fronteira

identitária ganhou à época mais atenção do que a entre gregos e bárbaros. E uma evidente

helenização de Filipe e da elite macedônia resolvia, de fato, a questão. De acordo com

Woodward (2000, p. 8-10), a necessidade da marcação da diferença ocorre no processo de

fabricação das identidades, pois apenas através da marcação da diferença, simbólica e social,

é possível forjar-se uma identidade. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de

sistemas de representação quanto por meio de práticas de exclusão social. Assim, em um

contexto complexo, vemos diferentes sistemas de representação defrontando-se. Podemos

perceber que, diferentemente de Isócrates, a partir de dado momento uma extensa parcela da

Hélade, sobretudo a ateniense, via a ameaça bárbara encarnada nitidamente mais na figura da

Macedônia do que na do Império Aquemênida. Um dos maiores exemplos disso é o orador

Demóstenes que, a partir de 351 a.C., defendeu em todos os seus discursos a união da Hélade

contra Filipe, de modo a manter-se a liberdade grega:

Pois bem! E nós, atenienses? Enquanto estamos a salvo, temos uma cidade muito
poderosa, recursos numerosíssimos, belíssima reputação, que devemos fazer? Talvez
algum dos meus ouvintes estivesse, há muito, disposto a fazer essa pergunta. Eu,
pessoalmente, por Zeus, responderei e proporei um decreto, de maneira que, se
quiserdes, votareis. Em primeiro lugar, nós mesmos, defendendo-nos e preparando-
nos, quero dizer com trirremes, fundos e soldados – pois, mesmo que todos os
demais consintam em ser escravos, é a nós que cabe o dever de lutar pela liberdade –
, nós mesmos, tudo isso tendo preparado e feito claramente, só então chamemos os
outros [gregos] e enviemos emissários destinados a dar essas instruções a toda parte
(ao Peloponeso, a Rodes, a Quios, digo mesmo ao Grande Rei – pois não está fora
de seus interesses impedir que Filipe submeta tudo ao seu poder), a fim de, se os
persuadirdes, tê-los como sócios de vossos riscos e despesas, em caso de
necessidade; e, se não, pelo menos atrasareis a marcha dos acontecimentos
(Demosthenes, III Philippic., 70-71).24

23
Filipe só vai ser considerado um grego honorário depois da batalha ocorrida em 338 a.C. em Queroneia,
quando a Macedônia for incorporada a Liga de Corinto.
24
A Terceira Filípica de Demóstenes foi elaborada em 341 a.C., somente três anos antes de Queroneia.
55

Na passagem abaixo, Demóstenes esclarece sem rodeios a posição de Filipe como

bárbaro, no sentido principalmente cultural, o que o tornaria inferior aos gregos:

[...] se um escravo ou filho putativo dissipasse e esbanjasse bens que não lhe
pertencem, por Héracles, todos diriam: “como isso é terrível e merece a nossa
cólera, ainda mais”. A respeito de Filipe, porém, e do que ele faz atualmente, não
têm essa atitude, embora ele não seja grego e nada tenha em comum com os gregos,
mas nem mesmo seja um bárbaro de lugar que valha a pena mencionar, mas sim um
miserável da Macedônia, de onde antes nem um escravo sério era possível comprar,
um só que fosse (Dem., III Phil., 31).

Percebemos, dessa forma, que a retórica de Demóstenes é uma retórica da alteridade,

conclamando os helenos contra Filipe. A figura do rei macedônio é essencial para a

reconfiguração do que é ser grego. Como argumenta Hartog (1999, p. 229):

Dizer o outro é enuncia-lo como diferente – é enunciar que há dois termos, a e b, e


que a não é b. Por exemplo: existem gregos e não-gregos. Mas a diferença não se
torna interessante senão a partir do momento em que a e b entram num mesmo
sistema [...] Desde quando a diferença é dita ou transcrita torna-se significativa, já
que é captada nos sistemas de língua e da escrita. Começa então esse trabalho
incessante e indefinido como os das ondas quebrando na praia, que consiste em levar
ao próprio.

Acerca desta discussão ligada à identidade helênica, podemos elencar os seguintes

fatores referentes à helenização: 1) a identificação de um dado grupo com elementos culturais

de outra sociedade não significa necessariamente a associação identitária; 2) os elementos

formadores da identidade, assim como da alteridade, são fluidos e manipulados dentro do

campo do político; 3) a adesão a elementos culturais pertencentes a outro grupo pode

significar uma apropriação feita de forma intencional por um grupo dominante para fortalecer

sua posição de poder perante a sociedade conquistada ou por dado grupo submetido visando a

alcançar algum tipo de benefício, como o acesso a mecanismos de poder; e 4) ao analisarmos

o que tradicionalmente a historiografia compreende como helenização, torna-se muito mais

proveitoso para nossa pesquisa olhar este processo segundo a perspectiva de outras noções

como a de aculturação e, sobretudo, de interação, que acabam por conferir maior fluidez à

análise de nosso objeto. Apesar de Mairs (2011, p. 5) afirmar que o conceito de helenização é
56

demasiado excludente, pois deixa de lado a complexidade das relações culturais ocorridas

após as conquistas de Alexandre, acreditamos que todo conceito deva ser contextualizado, por

isso, dentro de limites estabelecidos, a ideia de helenização pode ser operacional.

Devemos encarar o processo desencadeado pelas conquistas de Alexandre segundo uma

perspectiva da interação entre os diferentes sujeitos e elementos políticos e culturais do

período. Devemos, ainda, compreender que Filipe não guerreou em prol dos interesses dos

gregos. Isso era um artifício de seu discurso político na busca de apoio e legitimidade. Ele

lutou e elaborou um projeto de Império Universal em favor dos macedônios. Alexandre levou

tropas de gregos das póleis consigo para a Ásia, mas aquelas iam ficando pelo caminho, nas

cidades fundadas pelo argéada. O exército de Filipe e o de Alexandre tinham como pilares os

“amigos”, o conselho macedônio formado pelos senhores da elite macedônia. Antígono, ao

proclamar que todas as cidades gregas deveriam ser livres, mantendo sua autonomia, buscava

na verdade reforçar o seu domínio sobre elas. Desta forma, a adoção de componentes culturais

do mundo helênico pelo rei e a elite macedônia, e pelos basileis helenísticos, se torna um

acontecimento complexo.

Quando tratamos, nesta tese, sobre o que tradicionalmente se concebe como

helenização, estamos na realidade levando em conta os processos de interação que ocorreram

durante a conquista do Oriente e a formação da basileia helenística. No cerne desse processo

temos três elementos étnicos distintos: o macedônio, o helênico e o oriental. A condução e os

mecanismos do processo de conquista, assim como a base para a constituição da monarquia

helenística tiveram como força motriz o elemento macedônio. Quanto aos elementos

helênicos, esses são representados pela escrita, arquitetura, colonização e influência no mito

fundacional da basileia macedônia, assim como por uma visão positivada da realeza no século

IV a.C.25 Por mais que se privilegie o componente helênico, ele se restringiu, no Oriente, aos

25
Detalharemos melhor a influência helênica sobre a concepção da basileia macedônia durante o segundo
capítulo, que versará sobre a realeza no mundo greco-macedônio.
57

setores urbanos. Quanto à influência desses elementos na Macedônia, defendemos a ideia de

que os macedônios utilizaram-se da cultura helênica na medida em que esta possuía

características que viriam a reforçar o poder dos monarcas, e pelo fato de estes se

considerarem, e serem, conquistadores dos helenos, logo, também de sua cultura.

Para concluir a questão sobre o processo de helenização/interação no período aqui

trabalhado, devemos levar em conta que o contato político-cultural entre Ocidente e Oriente

não funcionou como uma via de mão única. Inclusive, a representação do monarca e da

monarquia helenística se fundamentou, em diversos aspectos, no modelo da realeza oriental.

Como nos informa Gralha (2009, p, 19), para a dinastia ptolomaica estabelecer sua

legitimidade no Egito foi necessário um projeto político/religioso que levasse em conta

elementos da monarquia divina egípcia: “[...] o basileus não poderia fingir ser o faraó: deveria

‘encarnar’ o faraó [...] de modo a estabelecer legitimidade e conseguir assim a cooperação e a

cooptação dos segmentos sociais egípcios e helenizados.” Da mesma forma, Antígono adotou

o título de basileus nos territórios que dominava na Ásia bem antes de assumir tal título

perante as cidades gregas. Semelhantemente é possível constatar, por meio da documentação

numismática, a adoção de símbolos da monarquia Aquemênida, como a titulatura e o

diadema, por parte de Demétrio.

O que podemos dizer sobre o território que constituiu o Império Aquemênida é que,

apesar dos contatos com a Hélade, antes da conquista de Alexandre, o helenismo não ganhou

muito espaço entre os persas. No momento da expedição de Alexandre III, os dois povos

ficaram frente a frente. Representavam dois mundos distintos. Entre eles não havia sido

lançada nenhuma ponte duradoura. E uma coisa é certa: se havia uma resistência dos gregos

perante os persas, o inverso também ocorreu. Esclarecidos os dois pontos levantados por nós

– relação com os persas e a questão da helenização – nos voltamos agora para a questão

relacionada à conquista da oikoumene.


58

Alexandre e a conquista da Terra Habitada

Termo de origem grega, oikoumene, em linhas gerais, comporta duas acepções. A

primeira, mais restrita, é a de terra habitada (a Hélade), em oposição ao mundo bárbaro. Em

um significado mais abrangente e mais utilizado a partir do século IV a.C., é de mundo

habitado, abrangendo todas as regiões povoadas, em contraposição às regiões desabitadas.

Quando falamos sobre o projeto de Filipe de conquista da oikoumene, nos referimos ao

segundo significado, pois o macedônio teria como propósito governar o mundo conhecido,

construindo um Império Universal. Em 338 a.C., quando Filipe vence a coalizão grega na

batalha de Queroneia, vemos o monarca tomar as medidas para a execução desse projeto. A

intenção original de Filipe era de fato obter o domínio sobre o Mediterrâneo Oriental, e não se

apoderar de todas as regiões habitadas do Império Aquemênida. Seu projeto político era

conservar para si o controle político, econômico e militar sobre o território ao redor do

Mediterrâneo. Contudo, os planos de Filipe foram frustrados por sua morte precoce, em 336

a.C., em Egas, em virtude de um complô aristocrático até hoje obscuro.

A tarefa de levar adiante o projeto de Filipe ficou a cargo de seu filho, Alexandre, que,

após enfrentar inúmeros contratempos, como revoltas de algumas cidades gregas, a exemplo

de Tebas, arrasada pelas forças macedônias, dirigiu-se à Ásia, rumo à conquista da

oikoumene. Apesar dos diversos trabalhos que buscam dar conta da trajetória de Alexandre,

há até hoje certa dificuldade em lidar com sua figura. De acordo com Mossé (2004), em sua

biografia histórica do soberano:

Poucos personagens históricos despertaram tanta admiração quanto Alexandre, o


Grande, o soberano macedônio que, em pouco mais de dez anos [...] fez-se senhor
do imenso império persa e conduziu seu exército até a Índia. Já na Antiguidade ele
se tornara um herói lendário e, ao longo dos séculos, continuou sendo o modelo de
todos os grandes estrategos, de todos os grandes conquistadores, de todos aqueles
que, em determinado momento da história, almejaram o poder supremo. E, no
entanto, há poucos protagonistas dessa mesma história que causem tantos problemas
para o historiador [...] (MOSSÉ, 2004, p. 9).
59

Ao mencionar problemas, a autora se refere às poucas informações disponíveis sobre o

monarca, que faz com que muitos dos relatos sobre Alexandre tenham uma visão romanceada.

Borza (2007, p. 410-412) nos alerta para o fato de que somente cinco narrativas sobre

Alexandre sobreviveram, e são incompletas ou epítomes. A primeira delas foi produzida por

Diodoro da Sicília quase três séculos depois da morte do macedônio. No que tange à

documentação material, a situação não sofre grandes alterações. De acordo com Dahmen

(2007, p. 2-3), não há dúvida de que uma profusão de representações de Alexandre foi

produzida na Antiguidade. As imagens do soberano incluíam estátuas de bronze e pedra,

bustos, relevos, estatuetas, gemas camafeus, pinturas, mosaicos e têxteis. Mas Dahmen (2007,

p. 2) também afirma que, quando os especialistas buscam estabelecer uma série iconográfica

sobre o argéada, acabam por se deparar com a ausência de evidências seguras. Isto ocorre pelo

fato de que, assim como as fontes textuais, a documentação imagética sobre Alexandre é

eivada de idealizações, sejam as imagens contemporâneas do soberano ou as póstumas.

Enfim, o grande problema em se trabalhar com a imagem de Alexandre é que sempre estamos

tentando decifrar o mito a ela subjacente. Até as últimas décadas do século XX, temos

trabalhos que buscam dar conta do contexto turbulento do século IV a.C. por meio de uma

imagem heroicizada do macedônio. Ao lermos os clássicos, como Rostovtzeff (1936), vemos

claramente como Alexandre é alçado a patamares inatingíveis por qualquer outro soberano.

Mesmo em trabalhos mais recentes, como os de Hammond (1992), Goukowsky (1975, 1998)

e King (2010), percebemos como é difícil o historiador se desvencilhar do fascínio despertado

por Alexandre.26

O objeto de nossa pesquisa, inserido nas duas últimas décadas do século IV a.C., há

muito tem sido obscurecido pela “sombra” de Alexandre. Como já mencionado, o período

26
Voltaremos a falar de forma mais aprofundada da importância da imagem de Alexandre quando tratarmos da
imagem do basileus helenístico.
60

após a morte do soberano macedônio é comumente interpretado como um momento de

decadência, no qual o Império Universal por ele construído teria desmoronado frente à

incompetência política de seus sucessores. Contudo, para além da problemática relacionada à

imagem de Alexandre, a questão central para nós é que o argéada deu continuidade ao projeto

de seu pai e, na primavera de 334 a.C. iniciou sua campanha da Ásia. Não temos intenção de

narrar aqui as campanhas promovidas por Alexandre no Oriente. Nosso objetivo é mostrar

como ele, ao mesmo tempo que herda o projeto de Filipe, acaba rompendo com a práxis

política vigente. Em resumo, no mesmo ano em que desembarca na Ásia Menor, as forças

macedônias se tornam vitoriosas no confronto em Granico e, em 333 a.C., na batalha de Isso.

Em 332 a.C., Alexandre toma Tiro e Gaza e, em 331 a.C., funda, no Egito, Alexandria,

mesmo ano em que ocorre o confronto em Gaugamela. Em 330 a.C., o exército macedônio

toma as capitais reais, fato seguido pela morte de Dario III Codomano. Em 329 a.C.,

Alexandre faz a travessia do Hindu-Kuch, executa Besso, o sátrapa da Bactriana responsável

pela morte de Dario, e inicia sua conquista das satrapias orientais (GEUS, 2003, p. 236-

242).27 É justamente a partir desse ponto que o rompimento de Alexandre com a política

anterior ao seu governo fica mais nítido para nós.

Quando tratamos do ideal de oikoumene para Filipe, deixamos claro que o objetivo

deste monarca, a priori, era o controle do território ao redor do Mediterrâneo Oriental.

Contudo, para Alexandre, podemos perceber por meio de suas ações que a sua ideia de

Império Universal, por motivos que não são totalmente claros, tornou-se cada vez mais ampla

ao longo de sua campanha asiática, consistindo, de certa forma, na conquista de toda a terra

habitada, pelo menos a dominada pelo Império Aquemênida. Essa mudança de perspectiva de

Alexandre pode ser interpretada como algo que ocorreu durante o processo de conquista do

27
Sobre a campanha de Alexandre na Ásia existem diversos trabalhos. Destacamos aqui a obra de Green (1974),
intitulada Alexander of Macedon, as obras já mencionadas de Mossé (2004), Alexandre, O Grande, de Hammond
(1992), Alejandro Magno: rey, general y estadista, e do livro organizado por Erskine (2003), A Companion to the
Hellenistic world.
61

Oriente. Segundo Goukowsky (1998, p. 238-239), a possibilidade de conquista de todo o

Império Persa, inclusive sua porção extremo-oriental, pode ter ocorrido a Alexandre durante

sua estadia no Egito, quando, assim como Dario, passou a se denominar “senhor de toda a

Ásia”.28 Além disso, a conquista do Egito já ultrapassava os objetivos estabelecidos no

programa da Koinon de Corinto. Para nós, tanto a morte de Dario quanto a de Besso tornam

mais nítida a concepção de império de Alexandre, pois, como narrado por Diodoro, o monarca

teria apresentado uma mudança radical de comportamento, quando assumiu parte da

indumentária real dos Aquemênida e se autoproclamou sucessor desta dinastia:

Parecendo a Alexandre que ele já tinha realizado o objetivo de sua empresa, e que a
posse do império não lhe seria mais disputada, ele começou a imitar o luxo persa e a
se exibir da mesma forma extravagante dos reis asiáticos. Primeiro, ele instalou
oficiais de origem asiática em sua corte, ordenando os mais ilustres para atuar como
seus guardas; entre estes estava o irmão de Dario [...]. Então ele passou a usar o
diadema persa, a túnica listrada de branco, o cinturão e tudo mais do vestuário persa,
exceto as calças e a capa de manga comprida. Ele distribuiu para seus companheiros,
mantos bordados de púrpura e cobriu os cavalos com adornos persas. Além de tudo
isso, assim como Dario, acrescentou concubinas em seu séquito, em número não
inferior ao dos dias do ano. Eram de uma notável beleza, já que tinham sido
selecionadas entre todas as mulheres da Ásia. Durante a noite, circulavam em torno
do quarto do rei para que ele pudesse escolher aquela com quem ele iria passar a
noite. Alexandre, por uma questão de senso, empregava esses costumes com
parcimônia e buscava manter sempre que possível sua rotina habitual anterior,
buscando assim não ofender os macedônios (Diodorus Siculus, XVII, 77, 4-7).

A adoção de parte da indumentária aquemênida foi feita também pelos basileis

helenísticos,29 sobretudo o uso do diadema. Aliás, os diádocos foram responsáveis por uma

profusão de imagens póstumas de Alexandre, nas quais este portava o diadema. Esse tipo de

representação do argéada pode ser encontrada, principalmente, nas moedas cunhadas em

homenagem a Alexandre, que, portanto, corroboram o relato citado de Diodoro.

28
Ao assumir esse título, provavelmente Alexandre buscava sua associação muito mais com o grande Ciro,
fundador do império persa, do que com Dario. Um dos indícios para essa suposição encontra-se no fato de
Alexandre ter visitado a tumba de Ciro e tê-la reparado, pois ela havia sido saqueada (Arrian, Anabasis,V, 29).
29
Devemos lembrar que Alexandre também se apropriou da titulação faraônica em sua visita ao Egito,
decorrente de sua peregrinação ao oráculo de Amon em 331 a.C., que ficava em Siva no deserto da Líbia
(Arrian, Anab., III, 3-4). Este episódio foi um elemento importante no processo de mitificação da imagem de
Alexandre e, mais tarde, influenciou a imagem dos diádocos (OGDEN, 2011, p. 79).
62

Figura 2 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 14,5g., 297-281 a.C.

Fonte: http://www.britishmuseum.org/research/collection_online (1971,1208.2)

Na Figura 2, temos um exemplar de tetradracma de prata produzido no período do

governo de Lísimaco, e cunhado em Parion, na região da Mísia, no noroeste da Ásia Menor.

No anverso da moeda, vemos a representação da cabeça de Alexandre com o chifre de Zeus

Amon e portando o diadema. Por meio dessa representação numismática, fica claro não

apenas como Alexandre realmente se apropriou de componentes da figura régia dos

Aquemênida, mas também de elementos ligados à cultura régia egípcia. Seus diádocos

seguiram o mesmo caminho, não obstante as controvérsias que tal prática possa ter suscitado

entre a elite macedônia e, posteriormente, nas cortes helenísticas. No reverso da moeda

indicada, há a representação da deusa Atená, sentada com uma máscara e um monograma,

acompanhada da seguinte inscrição: ΒΑΣΙΛΕΩΣ ΛΥΣΙΜΑΧΟΥ. Esse tipo de inscrição

reproduzia os parâmetros das moedas cunhadas por Alexandre, no território de seu Império,

nos últimos anos de governo.

Traçar com precisão os objetivos de Alexandre após sua chegada ao Oriente é uma

tarefa extremante complexa, mas podemos afirmar que ele não obedecia às diretrizes iniciais

da campanha asiática. Alexandre rompeu com o fazer político anterior e, como vimos,
63

associou a si símbolos e atributos pertencentes aos Aquemênida. Essa guinada na práxis

política e no modo de se portar de Alexandre suscitou uma série de conflitos entre o rei e seu

exército. Realmente, ao assumir a titulatura aquemênida, ligada a uma realeza de caráter

despótico, o monarca rompia com a natureza da monarquia macedônia que, como veremos de

forma mais aprofundada no segundo capítulo, se mantinha ligada à força do exército e,

principalmente, ao “conselho” formado pelos hetairoi do rei, apesar da força das personae de

Filipe e Alexandre.

As fontes antigas, mesmo que contraditórias, abordam os embates entre o rei e seu

exército em diversos momentos. Um desses embates ficou conhecido por meio da atuação de

Filotas, que era filho de Parmênio, um dos generais de Alexandre e, de acordo com Plutarco

(Vitae Parallelae Alexander, XLVIII, XLIX), defensor da tradição macedônia e uma figura

forte entre os demais generais. Filotas teria sido acusado de conspiração e condenado à morte,

assim como seu pai. Através da obra de Arriano, temos acesso, de forma mais detalhada, a

essas arengas. Em várias passagens da Anábase de Alexandre, Arriano reporta discursos

atribuídos a Alexandre que se voltam para o apaziguamento dos ânimos entre o rei e os

macedônios. Dentre as ocasiões de descontentamento, a principal, para Arriano,30 teria

ocorrido em Ópis, no Tigre, quando os veteranos se rebelaram ao receberem a informação de

que seriam desmobilizados:

Quando ele chegou a Ópis, mandou chamar os macedônios, e anunciou a sua


intenção de licenciar do exército aqueles que não estavam mais aptos para o serviço
militar, seja pela idade ou por ter sido mutilado, acrescentando que ele iria enviá-los
de volta para casa. Ele também se comprometeu a entregar aos que regressariam
muitos presentes que fariam inveja aos seus compatriotas [...] Certamente,
Alexandre disse isso com o objetivo de agradar os macedônios. Mas ao contrário,
ficaram escandalizados com o discurso, não sem razão, pois se julgavam agora
desprezados por seu rei e considerados por este como inúteis para servir como
soldados. De fato, ao longo de toda esta expedição, eles já haviam se chateado com
muitas outras coisas, principalmente com a adoção da vestimenta persa, o que
demonstrava desprezo do monarca pela opinião de seus homens [...] como também o

30
Para Diodoro (XVII, 104-118), a sedição reprimida por Alexandre não teria ocorrido em Ópis, mas sim em
Susa devido às famosas Bodas de Susa, em que o rei argéada fez com que seus companheiros, assim como ele, se
casassem com iranianas.
64

fez ao incluir soldados estrangeiros [...] entre as tropas macedônias e a admissão de


chefes estrangeiros nas fileiras dos Companheiros. Portanto, eles não podiam mais
permanecer em silêncio [...] Alexandre, que na época era mais propenso à raiva do
que antes [...], saltou do seu palanque com seus oficiais em torno dele, e ordenou a
detenção dos homens que visivelmente tentaram agitar a multidão [...] e ordenou que
fossem levados para a execução [...] (Arr., Anab., VII, 8. 2-3)

Em seguida, Arriano passa a narrar o discurso de Alexandre, por meio do qual o

monarca consegue convencer os veteranos a retornarem para casa, utilizando inclusive a

imagem de seu pai a fim de mostrar como Filipe transformou os macedônios em homens

capazes de se tornarem senhores sobre os bárbaros (Arr., Anab., VII, 9. 2-9). Crátero ficaria a

cargo de comandar o regresso desses veteranos à Macedônia, onde substituiria Antípatro, que

seria o encarregado de conduzir ao basileus as novas tropas, a serem empregadas em

campanhas futuras. Além dessas querelas em torno da prática política de Alexandre, devemos

considerar alguns pontos mais detidamente.

As obras da Antiguidade que tratam da vida de Alexandre são todas bem posteriores ao

contexto do monarca. Mesmo que os autores antigos tenham recorrido a relatos

contemporâneos a Alexandre, podemos afirmar que suas obras falam muito sobre o contexto

político e moral dos próprios autores, como no caso de Quinto Cúrcio que, ao tecer críticas a

Alexandre, na realidade as utiliza como um alerta aos governantes de seu próprio tempo.

Devemos lembrar ainda que, em oposição a essas cenas de desacordo entre o monarca e seu

exército, há a imagem de um Alexandre heroicizado, principalmente nos relatos referentes à

sua expedição à Índia:

[...] dispersando os inimigos de suas muralhas com flechas, ele [Alexandre] foi o
primeiro a subir no muro utilizando uma escada. Mas esta se rompeu em pedaços e
ele foi exposto ao ataque de flechas dos bárbaros que estavam ao longo da muralha.
Mesmo praticamente sozinho, ele levantou-se do chão e atirou-se para o meio do
inimigo [...] (Plut., Vit. Alex., LXIII, 3).

Desta forma, devemos ponderar entre as distintas visões em torno de Alexandre. Mesmo

que o soberano tenha sido, por vezes, interpretado como mal governante por seus generais, a

questão é que ele levou seus planos adiante, e seu exército o seguiu até os confins do Oriente.
65

Alexandre, por mais que tenha rompido com a tradição da realeza macedônia, não ousava

ultrapassar certos limites, mesmo exercendo, assim como seu pai, uma monarquia fundada no

poder pessoal. Alexandre, por exemplo, nunca adotou por completo a indumentária persa e

sempre manteve a tradição de ouvir seu conselho. O monarca, na realidade, não orientalizou o

seu poder, pois foi somente para os asiáticos que ele se tornou o sucessor dos Aquemênida.

Como afirma Price (1997, p. 171-176), ao tratar da cunhagem de moedas feita pelo argéada,

enquanto Alexandre foi saudado com títulos aquemênidas em sua entrada na Babilônia, tendo

adotado o título de Basileus da Ásia, foi apenas no final da vida que o vocábulo basileus foi

incluído em sua cunhagem, fato que se deu ao mesmo tempo em diversas oficinas monetárias

do Império, incluindo aquelas situadas no território da Macedônia, onde verificamos uma

volumosa cunhagem que pode ser conectada ao retorno dos veteranos por volta de 324 a.C.

De acordo ainda com Price (1997), não resta dúvida que a mudança na inscrição das

moedas foi uma decisão política consciente. Alexandre foi capaz de alterar radicalmente a

cunhagem macedônia para uma cunhagem de caráter pan-helênico que logo substituiu os

dáricos (moedas de prata persa) e os tetradracmas atenienses por todas as regiões do Império.

Além da praticidade política do novo tipo de cunhagem, que proporcionava uma padronização

por meio da representação imagética contida nas novas moedas de Alexandre, podemos

perceber também o início de uma nova estrutura de poder. De acordo com diferentes autores,

como Mossé (2004), Bosworth (2002) e Ogden (2011), uma das principais habilidades

políticas de Alexandre foi reunir, em torno de si, diversas imagens diferentes – basileus dos

macedônios, hegemón dos gregos, sucessor dos Aquemênida e filho de Zeus. Essas imagens o

rei poderia manipular de forma conjunta ou separada, dependendo do contexto, e acabaram

por influenciar a nova práxis política do macedônio. Quando Alexandre instituiu uma nova

cunhagem, sua titulatura revela a rompimento político exercido pelo monarca, pois este deixa

de ser somente o basileus Makedônon ou o basileus sem qualificativo, como o rei persa: ele
66

era agora o basileus Alexandros. Apenas o nome já qualificava sua autoridade real (MOSSÉ,

2004, p. 143).

Longe de recuperarmos a imagem de um Alexandre em conflito com seus pares ou de

buscarmos um herói idealizado, nosso propósito é mostrar que, apesar dos contratempos aos

quais se encontrava submetido, Alexandre herdou e levou adiante o projeto político

estabelecido por Filipe, na Liga de Corinto. Para além disso, o soberano imprimiu sua própria

marca na constituição de sua oikoumene. Filho mais velho de Filipe, herdou não apenas o

talento político do pai como também o militar. Foi principalmente devido à perícia bélica que

Alexandre pôde sustentar um projeto próprio, e extremamente ambicioso, como o de

conquistar territórios tão longínquos sobre os quais nem mesmo os Aquemênida chegaram a

exercer influência de fato. Nenhuma das imagens em torno do argéada foi tão importante para

a manutenção de seu poder, e de seus propósitos, como a do general vitorioso. Idealizadas

pelos antigos ou não, as vitórias de Alexandre constituíram o cerne do seu poder. Acreditamos

que o próprio soberano considerava as campanhas incessantes uma estratégia de reforço da

própria autoridade.

Antes de Alexandre, havia um mundo dividido entre gregos e macedônios, de um lado,

e persas, de outro. O monarca, durante seu curto governo, produziu uma ruptura nesta

configuração geopolítica. Quando Alexandre morre, em 323 a.C., existe uma oikoumene, um

Império Universal, teoricamente sob o domínio de um único basileus. As questões que

subsistem giram em torno dos limites deste Império, pois até que ponto podemos separar a

representação da realidade? E como podemos interpretar a nova forma política que viria a

seguir, que teve a contribuição de Alexandre, mas não foi concretizada por suas ações: a

basileia helenística? Defendemos que esta seria construída/consolidada mediante as ações dos

diádocos de Alexandre, sobretudo de Antígono, auxiliado por seu filho Demétrio, que

inaugurariam uma nova etapa da geopolítica no Mediterrâneo Oriental.


67

Os diádocos: entre a ‘oikoumene’ e a ‘basiliké oikía’

Logo após a morte de Alexandre, houve uma reunião, na Babilônia, do conselho de

hetairoi do monarca recém-falecido para tomar as devidas providências visando a garantir a

governabilidade do Império. Esses homens, generais ligados a Alexandre, são

tradicionalmente chamados de diádocos (ιάι) que, em grego, significa “aquele que

sucede alguém”, “sucessor”. Comumente, temos uma lista de dezenove diádocos. Contudo, os

protagonistas no processo político deflagrado após a morte de Alexandre foram somente oito:

Antípatro, regente da Macedônia; Crátero e Seleuco, chefes de infantaria; Eumenes, secretário

de Alexandre; Lisímaco e Ptolomeu, somatofílacos;31 Pérdicas e Antígono, chefes de

cavalaria.

Devido à inexistência, naquele momento, de herdeiros argéadas, que pudessem assumir

plenamente as tarefas de governo, os generais compartilharam, mediante acordos, as funções

de regente do Império até que um membro da dinastia real pudesse assumir o poder. Nesse

caso, o mais provável seria a ascensão do filho póstumo de Alexandre com a princesa Roxana

(OGDEN, 2002). O acordo realizado na Babilônia decidia que Filipe Arrideu, irmão de

Alexandre, e o futuro filho de Alexandre e Roxana, governariam juntos, a fim de evitar uma

disputa sucessória. Porém, Arrideu possuía limitações que o impediam de governar, o que

levou a uma repartição da autoridade régia entre Antípatro,32 que ficaria como regente no

Ocidente, e Pérdicas, o quiliarca, como regente da Ásia. Além disso, foi feita uma nova

repartição dos governos provinciais (WILL; MOSSÉ; GOUKOWSKY, 1998, p. 311-312).

31
Que possuíam a função de proteger o monarca.
32
Como sabemos, Antípatro, durante o governo de Alexandre, já possuía a função de regente no Ocidente, na
ausência do monarca. Contudo, havia sido condenado em segredo pelo rei, que enviou Crátero de volta à
Macedônia com os veteranos para substituí-lo e enviá-lo de volta ao rei com novas tropas.
68

Antes de se chegar a este acordo, ocorreram pontos de tensão entre os generais de

Alexandre, explicitados pela formação de três coalizões. A primeira facção era encabeçada

por Pérdicas, e incluía Átalo, Seleuco e Eumenes da Cárdia; a segunda era organizada em

torno de Ptolomeu e Leonato. Essa facção defendia a ideia de o conselho governar o Império

ou de se constituir uma dupla regência com sede no Oriente e na Macedônia.33 Já a terceira

facção era encabeçada por Meleagro, oficial dos pezetairoi (companheiros a pé, infantes), que

se opunha à partilha do poder, sendo favorável a que Arrideu assumisse como basileus

(Photius, Bibliotheca, 92, 1-8; Diod. Sic., XVIII, 2. 1-5). Billows (1990) discute a importância

do exército neste momento de disputa entre as facções.

Embora sob ameaça de guerra civil por uns dias,34 o exército macedônio colaborou para

o consenso entre as três facções, que se viram forçadas a um compromisso. Por meio desse

compromisso, estabeleceu-se que Arrideu reinaria como Filipe III e o filho de Alexandre seria

corregente e sucessor do Império quando atingisse idade suficiente, tornando-se Alexandre IV

(BILLOWS, 1990, p. 54). Assim como ocorreu com Alexandre, o sucesso ou o fracasso dos

diádocos dependia em grande medida da consulta ao exército em decisões políticas cruciais, e

eles não se esqueceriam disso. Outro elemento importante era a ênfase dos generais na

lealdade para com a dinastia argéada. No final, o grande vencedor da conferência realizada na

Babilônia foi Pérdicas, nomeado quiliarca dos reis,35 o que lhe dava autoridade sobre todo o

Império (Phot., Bibl., 92, 1).

33
Talvez Lisímaco tenha se associado a esta facção, pois há informações de que, em 320 a.C., se aliou a
Ptolomeu e a Antípatro contra Pérdicas.
34
Por dias houve contenda entre as fileiras da cavalaria e da infantaria após a morte de Alexandre, e, a príncipio,
os diádocos não podiam contar de forma certeira com o apoio dos soldados descontentes – que não participaram
das deliberações – sem antes convencê-los do melhor caminho a ser tomado por meio de argumentos eloquentes
(Justinus, Epitome, XIII, 2-4). O episódio mostra como a conquista do apoio do exército foi um elemento
fundamental desde a constituição da basileia helenística.
35
Literalmente, quiliarca significa o “o oficial que manda sobre mil”. De origem militar e administrativa do
Império persa, essa função foi incorporada durante o governo de Alexandre. O homem que a ocupava era uma
espécie de vizir, sendo o segundo homem no comando do Império. Heféstion foi o primeiro a ocupar a função de
quiliarca macedônio, após sua morte, Pérdicas assume a função.
69

Por meio dessa autoridade, Pérdicas se valeu da distribuição de satrapias para aumentar

o seu poder (Diod. Sic., XVIII, 3, 1-5). Nesse processo, Eumenes, praticamente o único

simpatizante de Pérdicas, recebeu uma satrapia importante, que abarcava parte da Capadócia e

da Paflagónia, conquistada graças a Leonato e Antígono, conforme nos informa Plutarco

(Vitae Parallelae Eumenes, III, 2): “[...] e repartindo-se as satrapias e comando, coube a

Eumenes a Capadócia e a Paflagónia [...] que não pertenciam aos macedônios [...] portanto,

era necessário que Leonato e Antígono acompanhassem Eumenes com forças armadas para

fazerem reconhecer a ele como sátrapa desta região”.36 A Antígono, coube o comando da

Panfília, Lícia e da Grande Frígia (Quintus Curtius, X, 10).

36
Veremos mais adiante como essa situação criada por Pérdicas colocou Eumenes e Antígono em posição
antagônica.
70

Figura 3 – Mapa do Oriente, destacando rotas e pontos estratégicos durante a campanha de

Alexandre.

Fonte: Brun (2010, p. 87)


71

Quanto a Antípatro e Crátero, estes tinham posições fortes, comandando exércitos

independentes de macedônios com um prestígio, no mínimo, igual ao de Pérdicas. A

confirmação da posição de Antípatro e o reconhecimento de Crátero ocorrem com a criação,

por ele mesmo, de um vago título de prostátes.37 As decisões de Pérdicas, teoricamente, eram

tomadas em nome dos reis, sendo, portanto, legítimas. Contudo, essa primazia era

superficialmente aceita e, pouco depois, a posição de Pérdicas trouxe problemas para a

unidade do Império, irrompendo conflitos entre os diádocos.

Grande parte da bibliografia que trata do período após a morte de Alexandre, seja

aquela alinhada a uma história tradicional ou a de caráter mais recente, identifica nesses

conflitos que ocorreram entre os diádocos um sintoma da incapacidade de gerenciamento do

Império legado pelo argéada por parte dos diádocos. Rostovtzeff (1936), por exemplo, afirma

que a morte de Alexandre gerou uma grande confusão na bacia do Mediterrâneo,

principalmente na Babilônia, onde estava aquartelado o exército. Ele destaca também os

distúrbios na Península Balcânica, como a Guerra Lamíaca.38 Nesse momento, alguns dos

diádocos buscavam manter a unidade do Império, ao passo que outros buscavam conservar

suas satrapias, embora nenhum deles talvez enxergasse que suas ações poderiam levar ao fim

do Império (ROSTOVTZEFF, 1936, p. 5). Em estudos mais recentes, como o de Braund

(2003) e o de Bosworth (2002), os autores, mesmo não considerando os diádocos líderes

inábeis, ainda parecem perseguir a ideia de incapacidade inexorável de manutenção da

oikoumene após a morte de seu fundador.

37
A posição de Crátero, neste momento, ainda permanece realmente vaga para nós.
38
A Guerra Lamíaca (323-322 a.C.), ou a Guerra Grega, foi um conflito que se iniciou após a notícia da morte
de Alexandre. Atenas e póleis aliadas se rebelaram contra Antípatro e suas forças militares. Em um primeiro
momento Atenas e seus aliados conseguiram combater Antípatro, e este acabou por se refugiar na Lamia, onde
ficou cercado por meses. Depois de ser socorrido por Leonato, Antípatro regressa para a Macedônia, onde
consegue reunir novas tropas enviadas por Crátero e vence Atenas e seus aliados em uma batalha travada em
Cranon, na Tessália. Esse conflito representou o último grande esforço ateniense pela manutenção de sua
liberdade, porém as consequências para a pólis foram duras. Atenas sofreu com a inserção de um governo
oligárquico e teve de pagar uma alta indenização (WORTHINGTON, 1994). Além disso, perdeu vários líderes
importantes. Um destes líderes foi Demóstenes. Antípatro exigiu que o orador lhe fosse entregue, mas ele fugiu
para a ilha de Caláuria e ali se refugiou no templo de Poseidon. Soldados da Trácia cercaram o edifício, então
Demóstenes envenenou-se, defendendo até o fim de sua vida o ideal de autonomia da pólis.
72

O período após a morte de Alexandre foi, muitas vezes, tratado como o conflito pelo

conflito. Como revela a própria expressão guerras dos diádocos, que encerra em si mesma um

estereótipo, o período teria sido marcado apenas pela crise sucessória e pela dissolução do

Império Universal. Não queremos negar nem minimizar aqui a existência destes conflitos,

pois a guerra já era um antigo instrumento sucessório da própria realeza macedônia. O que

buscamos destacar é que esses conflitos em torno da sucessão eram algo que há muito fazia

parte da práxis política macedônia. A questão é que houve uma série de fatores que fez com

que, após 323 a.C., os conflitos tivessem maior alcance, tais como: a ausência de um herdeiro

vinculado à casa argéada capaz de assumir o poder; a ingente extensão do território a ser

governado; e a existência de mecanismos pertinentes à natureza da basileia macedônia.

Sobre a extensão do Império, a referida incapacidade dos diádocos ou de um diádoco de

mantê-lo coeso é algo complicado de se afirmar. O fato é que esse Império, conquistado com

a força da lança por Alexandre e seu exército, nunca representou uma unidade consolidada.

Muitos são os qualificativos que poderíamos usar para definir este Império: uma construção

frágil (MOSSÉ, 2004); mais uma fórmula do que um fato (ROSTOVTZEFF, 1936); um

império artificial e instável (WATERFIELD, 2011). Alexandre, em sua jornada, não teve

tempo hábil para estabilizar seu Império. Do ponto de vista do general vitorioso, podemos

falar mais de uma conquista territorial do que da formação de um império administrado por

um poder central, mesmo que a fundação de cidades, no Oriente, tivesse como função o

deslocamento da esfera de poder para os conquistadores e o reforço da administração destes

sobre o território oriental.

Se Alexandre manteria ou não o Império coeso por meio de uma administração

eficiente, nunca saberemos. Mas essa imagem do Império Universal é tão forte que mesmo o

historiador inclinado a negar a unidade administrativa dos domínios de Alexandre pode ser às

vezes surpreendido defendendo a ideia de integridade da oikoumene como um horizonte a ser


73

seguido pelos diádocos. As palavras de Braund (2003, p. 19) evidenciam, em parte, o

problema:

Alexandre, o Grande, tornou-se uma figura tão grande que ele tende facilmente a
ofuscar tudo e todos ao seu redor. Sua impressionante campanha pela Ásia Menor,
do Irã ao Afeganistão e depois para o subcontinente indiano, levou forçosamente a
cultura helênica além das imaginações mais ousadas dos antes imperialistas gregos.
No clímax do seu sucesso, na Babilônia em 323 a.C., ele morreu, romanticamente
jovem, garantindo o poder de sua lenda, tingida e reforçada com fragilidades
humanas, para os séculos vindouros. No entanto, assim como o espetacular pai de
Alexandre, Filipe II, sofreu em sua grande sombra [...], o rescaldo da aventura
imperialista pode parecer à primeira vista ter sido muito mais um anticlímax.

Os generais de Alexandre, em nossa opinião, também sofreram com esse ofuscamento,

pois se igualar ao argéada era uma façanha impossível, principalmente por causa da imagem

idealizada contruída em torno de Alexandre. Além disso, fontes antigas reforçam a visão

pejorativa sobre os diádocos. Justino (XIII, 2, 1-5) afirma que em virtude de os generais

serem pares, todos podiam concorrer ao poder e, portanro, a igualdade entre eles foi a grande

responsável pela discórdia que desembocou na disputa armada. Desta forma, nas palavras de

Justino, parece que todos os diádocos eram capazes de disputar o poder, como o fizeram,

acarretando assim a ruína do Império. Com certeza, essa visão é exagerada, pois atribui aos

diádocos a culpa pelo desmembramento dos territórios conquistados por Alexandre.

Não negamos que, de início, a ideia que ocorria a todos era a de manter o Império, mas

não devemos negar que o que viria adiante escapava à previsão de todos. Qualquer processo

histórico não é algo pronto, pois ações, visões de mundo e outros fatores interferem o tempo

todo no curso dos acontecimentos. Seria extremamente difícil definir os rumos de um Império

que o próprio criador não havia consolidado. Para os antigos, Alexandre tinha deixado seu

mundo sem nenhuma diretriz específica, e sua morte não era esperada. O mundo que deixou

para trás tinha sido mudado em termos estruturais, mas que tipo de nova ordem internacional

viria a seguir? Em 323 a.C., ninguém sabia. Nos relatos de autores posteriores à formação da
74

basileia helenística, Alexandre teria previsto a guerra no seu último suspiro (Diod. Sic.,

XVIII, 1-4; Arr., Anab., VII, 26, 3; Curt., X, 5-5).

A guerra era um instrumento inerente à sociedade macedônia, mas que também

caracterizava todo o mundo grego. Magnoli (2006), ao refletir sobre o preâmbulo da Carta de

Fundação da ONU, formulada em junho de 1945, expõe como a guerra passou a ser vista

desde então como um flagelo, uma monstruosidade que deve ser abolida de todas as formas

possíveis. O irônico, em nossa época, é que a guerra deve ser eliminada mesmo que para isso

se trave uma guerra. Vivenciamos o paradoxo de viver e experimentar os mais diferentes tipos

de guerra, mas, ao mesmo tempo, negá-la. O tema bélico chegou inclusive a ser estigmatizado

por boa parte da historiografia do século XX, assim como outros temas rejeitados, a exemplo

da História Política. A partir da década de 1980, no entanto, a História Militar retornou com

uma nova roupagem. Soares e Vainfas (2012, p. 126) afirmam que acontecimentos e

processos históricos contemporâneos, como o 11 de Setembro de 2001, contribuíram para

essa renovação da História Militar e para a introdução de novas problemáticas na pauta dos

investigadores, como guerra sem fronteiras e terrorismo de Estado. Essa renovação

colaborou para a mudança de perspectiva sobre as sociedades antigas, inclusive para um novo

olhar sobre as últimas décadas do século IV a.C.

Heráclito de Éfeso (Fragments, 53) resume bem a visão de um homem do século V

a.C., afirmando que a guerra, pólemos, teria engendrado o mundo e reinaria sobre esse mundo

– a guerra constituiria a própria lei do universo. A guerra, no Mundo Antigo, pode ter mudado

de estrutura entre o período arcaico, o clássico e helenístico, principalmente devido ao

emprego cada vez maior de mercenários nas fileiras do exército hoplítico, mas não perdera

sua importância dentro da dinâmica da sociedade antiga.39 A epopeia de Alexandre, em

virtude do papel preponderante que nela desempenhou o exército macedônio, deixaria em

39
Sobre a estruturação e evolução da guerra na Hélade e na Macedônia, é interessante o trabalho de Adcock
(1957), intitulado The Greek and Macedonian: Art of War.
75

segundo plano, por algum tempo, a realidade desta evolução, e a guerra, no mundo helênico,

deixaria de ser um problema das cidades para se tornar um problema dos futuros basileis

(CHAMOUX, 1983, p.141).

Dessa forma, guerras intestinas na bacia do Mediterrâneo não foram atributo exclusivo

do período dos diádocos. Foi, principalmente, por meio desse instrumento que Alexandre

pôde alterar a práxis política então vigente. Foi por meio da guerra e da vitória militar que o

monarca rompeu com o projeto estabelecido por seu pai. Foi ela que lhe possibilitou reunir

em sua pessoa diferentes imagens, que não raramente antagonizavam uma com a outra.

Discordamos de Billows (1990, p. 15) quando este afirma que Alexandre foi mais um

destruidor do que um criador, mas concordamos com o autor quando ele afirma que, mediante

a conquista do Império dos Aquemênida, Alexandre desequilibrou a antiga balança que havia

entre o Oriente e o mundo helênico e macedônio. Não qualificamos o argéada como um

destruidor, mas o consideramos responsável pela projeção do germe de algo novo. Alexandre

lançou as bases para algo que acabou por ficar a cargo dos seus generais.

A tão evocada herança de Alexandre ultrapassa o território deixado pelo monarca. Suas

diferentes imagens e títulos, suas representações nas moedas, sua forma de organizar o espaço

geográfico das cidades, a participação ao seu lado no campo de batalha, até o seu corpo, todos

esses elementos foram utilizados, interpretados, reapropriados pelos diádocos, para no fim se

criar uma instituição política inteiramente nova – a basileia helenística. Para a emergência

dessa nova instituição, ninguém se destacaria mais do que Antígono Monoftalmo. Valendo-se

da herança de Alexandre, o experiente general macedônio empregou métodos próprios, tendo

sido o primeiro dos diádocos a deixar de ser somente um general, um líder militar, para se

tornar basileus. Ao seu lado, teve a colaboração de outra persona que não integrava o quadro

dos generais de Alexandre: o filho Demétrio, cognominado, durante o processo de

constituição da realeza helenística, Poliorcetes (assediador, dominador de cidades).


76

Antígono e Demétrio, os novos protagonistas

Como dissemos, nenhuma personagem teve mais projeção política nas duas últimas

décadas do século IV a.C. do que Antígono. Contudo, sua figura ficou por muito tempo na

penumbra, em particular no que se refere aos rumos da oikoumene. Somente em 1973 aparece

o primeiro grande esforço de compreensão do período helenístico a partir das ações do

diádoco. Mediante uma biografia histórica que constituiu sua tese de doutorado, Pierre Briant

buscou recuperar a trajetória de Antígono entre 334 e 321 a.C. Para Lévêque (1976, p. 604), o

autor se dedicou a esse tema devido a duas constatações: as fontes antigas, ainda que

insuficientes, não tinham sido examinadas com a atenção necessária; e a carreira de Antígono,

no final do século IV a.C., era baseada em dados extraídos destas fontes que, por vezes, foram

interpretados de forma superficial. Briant, ao se deter no início da carreira de Antígono,

buscava investigar os motivos da sua proeminência a partir de 321 a.C., pois até então sua

figura era obscura.

Apesar de ser rico em vários sentidos, o trabalho de Briant não deixa de apresentar

limites.40 Para nós se torna algo complexo compreender a importância política de Antígono

com base no recorte estabelecido por Briant. De forma diversa do historiador francês,

buscamos entender a constituição da basileia helenística de 321 a.C. em diante, quando

Antígono desponta no cenário político, momento em que o autor encerra sua análise.

Enquanto Briant investiga os motivos pelos quais o macedônio ascende no cenário político,

nós tivemos como objetivo analisar o seu papel para a construção/consolidação de uma nova

forma de governo.

40
Müller (1973), também fez uma análise sobre Antígono, contudo no período entre 306 a 304 a.C., período um
pouco mais iluminado, em um trabalho com ambições menores. Podemos também destacar as observações de
Ramsay (1920) que, embora em seu artigo também tenha reconhecido a satrapia do velho general como de suma
importância estratégica, o foco do arqueólogo foi mais sobre as operações militares de uma forma geral.
77

De fato, como afirma Briant (1973), existem muitas incertezas quanto ao papel de

Antígono antes de 323 a.C. O pouco que sabemos sobre sua origem é que nasceu na

Macedônia por volta de 382 a.C., provavelmente numa região próxima a Pela, capital do reino

macedônio. O nome de seu pai era Filipe, mas desconhecemos o nome de sua mãe. Antígono

teve dois irmãos: Demétrio e Polemaio. Alguns autores antigos, como Plutarco (Vitae

Parallelae Demetrius, II, III) apontam ora para uma origem humilde, ora para uma ligação

com a casa real macedônia, mas nenhuma destas suposições foi comprovada. Briant (1973, p.

24-25) foi o primeiro autor a afirmar que Antígono talvez fosse originário de uma família

macedônia proeminente. Billows (1990, p. 17) concorda com essa opinião em virtude de três

fatores: origem dos pais, origem da esposa e sua carreira administrativa e militar.

Não sabemos nada de específico sobre a juventude de Antígono. Provavelmente, o

macedônio cresceu dentro da categoria dos hetairoi (companheiros). Como a maioria da elite

macedônia, teria recebido uma educação helênica, pois diversas fontes o apontam como leitor

de Eurípedes e Homero e conhecedor de retórica e filosofia. Se analisarmos o contexto

histórico da juventude de Antígono, percebemos que foi marcado por instabilidades na

Macedônia. O rei Arquelau foi assassinado em 399 a.C., portanto os anos seguintes foram

repletos de intervenções e revoltas. Quando, em 393 a.C., Amintas, pai de Filipe II, assumiu o

poder, teve de enfrentar diversas incursões dos ilírios. Ao morrer, por volta de 370 a.C.,

Amintas deixou três filhos: Alexandre, Pérdicas e Filipe. O mais velho assumiu o poder,

tornando-se Alexandre II. Contudo, foi assassinado por volta de 368 a.C., durante um festival.

Pérdicas, depois de vencer a oposição, passou a governar em 365 a.C., mas acabou morrendo

em 359 a.C., numa desastrosa batalha na qual perdeu mais de 4 mil homens.41 Como Pérdicas

havia deixado apenas um filho menor, Filipe o sucedeu no trono (ELLIS, 1977;

ERRINGTON, 1991; HAMMOND, 2001). Filipe promoveu uma série de reformas durante o

41
Billows (1990, p. 24) supõe que o pai de Antígono possa ter morrido nesta batalha, pois sua morte teria
ocorrido provavelmente por volta de 360 a.C.
78

seu governo (359-336 a.C.). Temos indícios para supor que Antígono ocupou algum cargo na

administração do soberano. Em uma passagem, Justino (XVI, 1, 12) reproduz uma declaração

de Demétrio, na qual este afirma que o pai seguiu Filipe e Alexandre em todas as guerras nas

quais estes se envolveram. No momento em que Alexandre parte rumo à conquista da Ásia, o

general é um dos seus comandantes mais fiéis, fato que seria justificado por sua associação

prévia com Filipe. Após a morte do pai, a mãe de Antígono se casa com o nobre Periandro, da

região de Pela, o que talvez tenha favorecido a aproximação de Antígono com a casa real

macedônia. Sobre o epíteto a ele associado, Monoftalmo, o que sabemos é que o macedônio

perdeu um dos olhos numa das campanhas promovidas por Filipe. Sobre sua vida amorosa,

sabemos que Antígono se casou com Estratonice, viúva de seu irmão Demétrio. Com ela, teve

dois filhos: Demétrio,42 que nasceu por volta de 337 a.C., e Filipe.

Um dos fatores que contribuíram para o anonimato de Antígono durante o governo de

Filipe II, conforme assinala Briant (1973, p. 7-8), foi o fato de as fontes não terem

sobrevivido, pois os relatos posteriores trazem pouquíssimas informações sobre a

personagem, dando muito mais destaque à atuação de Parmênio e Antípatro no processo de

modernização da Macedônia deflagrado por Filipe. O primeiro, por ter sido o principal chefe

militar e o segundo, por ter sido o homem de confiança de Filipe na administração e nos

assuntos diplomáticos, embora Antígono estivesse diretamente envolvido com as reformas.

Diodoro (XVIII, 42, 1-5), inclusive, destaca a amizade antiga existente entre Antígono,

Antípatro e Eumenes.43 Billows (1990, p. 35) valoriza o papel de Antígono junto Filipe na

construção de uma Macedônia poderosa, um aprendizado que mais tarde seria útil ao diádoco

na construção de um novo Estado após a morte de Alexandre. Do ponto de vista

42
Apesar de alguns relatos antigos se referirem a Demétrio como filho do irmão de Antígono, pela questão
temporal essa hipótese não seria válida.
43
Um dos pontos frágeis da tese de Briant (1973, p. 229-234), é que, na falta de mais informações sobre o
passado de Antígono, o autor afirma que o seu surgimento como protagonista em Triparadiso não poderia ser
explicado pela sua carreira anterior. Antígono surgiria como elemento fundamental somente por Antípatro o ter
escolhido, e essa escolha teria se dado simplesmente pelos laços de amizade e idade que existiam entre os dois.
Antípatro teria dado uma oportunidade ao amigo, que resolveu aproveitar.
79

administrativo, Antígono estaria assim mais próximo à figura de Filipe II do que à de

Alexandre. Durante o governo deste último a atuação de Antígono também é difícil de ser

recuperada devido à escassez de fontes.

Infelizmente, dispomos de uma única menção a Antígono, feita por Arriano, sob o

governo de Alexandre, quando o general foi feito sátrapa da Frígia, em 333 a.C.:

A partir daí, Alexandre foi para a Frígia [...] No quinto dia de sua partida, o basileus
foi para a cidade de Celenas onde havia uma fortaleza construída sobre uma rocha
íngreme [...] Essa cidadela tinha sido guarnecida pelo sátrapa persa da Frígia com
um efetivo de mil cários e cem mercenários gregos. Esses homens enviaram
embaixadores até Alexandre, prometendo ceder o lugar sem nenhuma resistência
[...] Em Celenas, permaneceu por 10 dias, período no qual ele formou uma
guarnição de mil e quinhentos soldados, nomeando como sátrapa da Frígia
Antígono, filho de Filipe, colocando no lugar deste Balacro, filho de Amintas, como
líder das tropas gregas aliadas [...] (Arr., Anab., I, XXIX, 3).

Apesar dessa única menção de Arriano, sabemos que, no momento da travessia de

Alexandre para a Ásia, Antígono era responsável pelo comando dos contingentes gregos

aliados, cerca de 7 mil homens, que compunham uma infantaria. Todavia, devido à sua nova

posição como sátrapa da estratégica região da Frígia, Antígono foi sucedido no comando das

tropas gregas por Balacro. Essa nova posição de Antígono foi confirmada após a conferência

ocorrida na Babilônia, em 323 a.C. A passagem de Arriano é muito importante, pois o autor

não negligencia a existência de Antígono, como, por exemplo, faz Diodoro (XVII, 17, 3-4):

Lá, podíamos encontrar, compondo a infantaria, doze mil mercenários, os quais


estavam sob o comando de Parmênio. Odríasos, tríbalos e ilírios o acompanhavam
em um número de sete mil. E, como arqueiros, tínhamos os chamados agrianos, em
um número de mil, perfazendo, assim, um total de trinta e dois mil soldados a pé.
Compondo a cavalaria, havia mil e oitocentos macedônios, comandados por Filotas,
filho de Parmênio. Havia também mil e oitocentos tessálios, comandados por Callas,
filho de Hárpalo, e mais seiscentos homens do resto da Grécia sob o comando de
Erigyius. Sob o comando de Cassandro, havia novecentos escudeiros trácios e
peônios, perfazendo assim um total de quatro mil e quinhentos homens na cavalaria.
Estes foram os homens que cruzaram a Ásia junto com Alexandre. Na Europa,
foram deixados sob as ordens de Antípatro doze mil soldados a pé e quinhentos a
cavalo.44

44
Diodoro é a única fonte que temos que detalha as tropas de Alexandre, com números e nomes dos
comandantes. Outras fontes, como Justino, Plutarco e Arriano, simplesmente fazem uma divisão entre o número
total da infantaria e da cavalaria e, em alguns casos, os valores são considerados de forma aproximada.
80

As lacunas nas fontes no que diz respeito à pessoa de Antígono, principalmente quando

tratamos da Batalha de Granico (334 a.C.), podem ser explicadas por alguns fatores. De

acordo com Badian (1977), os equívocos de Diodoro e as inadequações de Arriano se devem

ao fato de os autores se concentrarem na persona de Alexandre, excluindo assim o que

acontecia ao redor da batalha. Arriano, que menciona o nome de Antígono apenas uma vez, se

apoiou em relatos de Ptolomeu sobre o confronto. Diante disso, podemos inferir que as

menções a Antígono, que no futuro se tornaria o principal opositor de Ptolomeu, decerto não

seriam muitas, nem mesmo enaltecedoras, produzindo-se assim um esmaecimento,

provavelmente intencional, do papel de Antígono como assessor de Alexandre na conquista

da oikoumene. A caracterização de Antígono como uma personagem ambiciosa e cruel talvez

tenha influenciado Diodoro, pois este nem mesmo cita o nome de um dos principais diádocos

de Alexandre no primeiro grande confronto contra os persas. Quanto ao relato de Plutarco

sobre a Batalha de Granico, o autor parece ter se baseado em Arriano, fazendo um breve

resumo com base na obra deste último.

Ainda contamos com uma inscrição recolhida pelo epigrafista Hiller von Gaertringen,

único vestígio que temos sobre uma missão de Antígono à cidade de Priene, em 334/333 a.C.,

por determinação de Alexandre.

A Antígono, filho de Filipe, o macedônio, por ter sido um benfeitor e ter se


mostrado zeloso no que se refere aos interesses da cidade de Priene, dar-se-á [...]
cidadania e o privilégio de posse de terra e de casa; isenção de todos os tributos em
todos os aspectos que dizem respeito à sua família, com exceção da terra, e liberdade
para importar e exportar em tempo de guerra e tempo de paz sem violação e sem
tratado formal [...]. Esses privilégios serão tanto seus como de seus descendentes
(SIG, 278).45

Nesta inscrição, inserida numa estela de mármore, atestamos uma homenagem prestada

pela cidade de Priene, localizada na Ásia Menor, a Antígono, que registra uma decisão

tomada em assembleia.

45
Quando usamos a sigla SIG, estamos nos referindo às inscrições contidas no Sylloge Inscriptionum
Graecarum.
81

Sobre o papel de Antígono durante o reino de Alexandre, Briant (1973, p. 24) também

nos informa que o general acompanhou monarca numa campanha de inverno à Lídia, Panfília,

Pisídia e Frígia. Mas, devido ao silêncio das fontes, Bosworth (1980) discorda de Briant. Seja

como for, tal fato realmente carece de comprovação. Billows (1990, p. 39) afirma que, nesse

período, Antígono pode ter acompanhado Parmênio a Sárdis, ou ainda ter retornado à

Macedônia com os noivos das Bodas de Susa para passar o inverno e rever sua esposa e

filhos, reencontrando Alexandre na Frígia, no começo da primavera, momento em que foi

nomeado sátrapa.

Devemos lembrar que Antígono também fez parte do conselho de guerra de Alexandre

durante a campanha de 334/333 a.C., na Ásia Menor. Existe uma tendência das fontes em

criar a impressão de que Alexandre tomava todas as decisões sozinho, contudo, como

mencionamos, segundo a tradição macedônia, o exército, representado principalmente pelo

conselho dos hetairoi, exercia uma influência considerável sobre as resoluções do monarca.

As mesmas fontes que visam a transmitir a imagem de um monarca que comanda tudo pela

sua própria vontade contêm passagens mostrando como Alexandre consultava o seu conselho

antes das decisões importantes:

Mesmo os exércitos estando apenas a sete milhas um do outro, eles não podiam se
ver, porque entre as duas forças hostis existiam colinas. Quando o exército de
Alexandre percebeu que estavam apenas a quatro milhas de distância do inimigo, e
que já desciam as colinas, a falange ficou parada observando os adversários.
Alexandre convocou um conselho formado pelos Companheiros, pelos generais,
oficiais de cavalaria e líderes dos aliados e mercenários gregos, e, com eles,
deliberou se a falange deveria ou não ir para a batalha de imediato [...] (Arr., Anab.,
III, IX, 3).

Antígono, no papel de líder das forças gregas aliadas, deveria ser uma presença

constante no conselho régio. Contudo, sua nomeação como sátrapa significou uma grande

mudança em sua relação com Alexandre, diminuindo sua contribuição para o direcionamento

da campanha do Oriente, deixando-o sem contato direto com o rei, algo importante numa

monarquia de caráter personalista como era a Macedônia (BRIANT, 1973, p. 48; ROISMAN,
82

2012, p. 37). Acreditamos que esse afastamento do contato direto com Alexandre tenha sido

mais um fator que contribuiu para a ausência de referências a Antígono nas fontes que tratam

das campanhas na Ásia.

Em termos práticos, devemos considerar que o Oriente era um vasto território que, em

grande parte, foi apenas nominalmente conquistado pelas forças macedônias. Enquanto isso, a

Frígia, governada por Antígono, era uma satrapia que ficava no coração da Ásia Menor

ocidental. Todas as grandes rotas do território oriental passavam por esta satrapia, razão pela

qual, para governá-la, seria necessário um homem que fosse capaz de manter as estradas

desimpedidas. Desta forma, a posição de Antígono, mesmo distante do campo principal de

batalha, era de grande importância. Além do mais, o general estava instalado às margens do

Mediterrâneo Oriental, conservando uma posição estratégica de proximidade com a

Macedônia.
83

Figura 4 – Mapa do Império Macedônio em 323 a.C.

Fonte: httpps://ianmladjovsresources.com
84

Nossa única informação sobre uma contra-ofensiva persa na Ásia Menor, em 332 a.C.,

provém de Quinto Cúrcio (IV, I, 34-35):

Os generais de Dario que haviam sobrevivido a Batalha de Ipso, com todas as tropas
que lhes havia restado após sua fuga [...], tentaram recuperar a Lídia. A frente
desta,46 encontrava-se Antígono, governador nomeado por Alexandre. Mesmo
havendo enviado ao rei a maior parte dos soldados pertencentes a sua guarnição,47
ainda assim, com um desprezo total para com os bárbaros, colocou suas tropas em
combate [...] Em três combates, travados em lugares distintos, os persas foram
abatidos.

Antígono teria liderado forças bem inferiores às dos persas durante esses conflitos. Por

isso, o combate em três frentes foi uma opção estratégica do general, que assim justificava a

confiança que lhe fora dada pelo rei. Enquanto Alexandre avançava em suas conquistas por

Tiro e seguia em direção ao Egito, Antígono, na Ásia Menor, e outros firmavam posição:

“Mas não era somente o rei quem atacava as cidades que não aceitavam se submeter ao seu

domínio, também seus magistrados, notórios generais, haviam promovido uma invasão geral:

Callas havia tomado a Panflagónia, Antígono a Licônia, Balacro [...] retomou Mileto [...]”

(Curt., IV, 5, 13). O domínio sobre a Licônia, região da Ásia Menor que ficava entre a

Panfília, a Capadócia, a Pisídia e a Frígia, era de extrema importância para Alexandre devido

às rotas de comunicação. Antígono teria conseguido abrir uma rota meridional através da qual

seria possível alcançar rapidamente a Ásia Menor. Permitindo o controle total do mar pela

frota macedônia, essa rota veio a ser a mais utilizada na comunicação de Alexandre com a

Macedônia e demais satrapias da Ásia Menor (BOSWORTH, 2002, p. 150; BRIANT, 1973,

p. 54-56). Os sucessos de Antígono foram talvez realçados pelos fracassos de parte dos

46
Quinto Cúrcio refere-se a Antígono como sátrapa da Lídia, diferente de Arriano, segundo o qual o general é
responsável pelo governo da Grande Frígia. Tarn (1948), em seus estudos, chegou à conclusão de que o nome
Lídia realmente foi um erro e que o correto seria Frígia, como apontou Arriano. Contudo, Briant (1973), acha
que as duas menções são corretas, sendo que Cúrcio poderia se referir também ao antigo Império Lídio, que
abarcaria toda a região a oeste do rio Halys. Na teoria de Briant, Antígono ganhou temporariamente o comando
supremo sobre todo o oeste da Ásia Menor devido sua ascendência macedônia e sua posição na Ásia Menor.
47
Billows (1990) e Briant (1973), mencionam uma batalha travada por Antígono em Kelainai, na Frígia, no
início de 333 a.C., na qual foi vitorioso. Após esse conflito, Antígono teria enviado tropas de mercenários a
Alexandre para o confronto em Ipso.
85

sátrapas de Alexandre. Callas fracassou na Frígia Helespontina, ao tentar impor sua

autoridade na Panflagônia e na Bitínia, enquanto Balacro morreu nas montanhas do leste da

Pisídia.

Billows (1990, p. 46) nos informa que, por conta desses sucessos, talvez em 330 a.C.

Antígono tenha tomado sob seus cuidados a Lícia e a Panfília, em adição à Frígia. Tal fato

não pode ser diretamente comprovado, mas como o sucessor de Nearco, um dos oficiais de

Alexandre, que seguiu para o leste, não é mencionado, e Antígono foi confirmado no

comando da Frígia, da Lícia e da Panfília na conferência da Babilônia, logo após a morte de

Alexandre, essa tese é amiúde aceita. É provável que, no mesmo período, Antígono tenha

obtido o domínio sobre o oeste da Pisídia. Controlando essas possessões, Antígono ofuscava

qualquer outro sátrapa macedônio na Ásia Menor. Sobre a administração de sua satrapia,

quase não temos informação. Ao que tudo indica, Alexandre não fez qualquer reforma na

administração aquemênida. O argéada manteve o sistema vigente, pois não houve tempo para

a implantação de um novo sistema, tendo ocorrido apenas algumas alterações financeiras a

fim de tornar mais eficiente a arrecadação de fundos (BADIAN, 1965; MOSSÉ, 2004).

Sobre as satrapias, que podiam ser encaradas como distritos ou províncias do Império

Persa, Heródoto nos dá as seguintes informações referentes ao governo de Dario I (522-486

a.C.):

[...] [Dario] dividiu o império em vinte estados, que os Persas denominam satrapias,
estabelecendo em cada um deles um governador. Regulamentou o tributo que cada
província deveria pagar-lhe, e, para esse fim, incluía em cada província os povos
limítrofes. Às vezes, porém, passava por cima dos vizinhos, incluindo, num mesmo
departamento, povos afastados um do outro. Eis como distribuiu ele as satrapias e
como regulamentou os tributos, que lhe deveriam ser pagos todos os anos. Ordenou
que os que deviam pagar sua contribuição em prata, a pagassem ao peso do talento
babilônio, e os que tivessem de pagá-la em ouro, o fizessem ao peso do talento da
Eubéia [...] (Herodotus, III, 89, 1-2).
86

Apesar de algumas incongruências que possam existir na obra de Heródoto,48 a questão

central das satrapias estava ligada ao pagamento de tributos aos Aquemênida, como consta na

passagem acima. Tanto que os sátrapas possuíam uma grande autonomia. De acordo com

Asheri (2006, p. 104-105), por tradição e por questões práticas, os soberanos aquemênidas, na

maioria das vezes, deixavam o governo local nas mãos de regentes tradicionais, desde que

estes colaborassem. Mas essa autonomia da satrapia e de seu governante era relativa. De

acordo com Bright (1980, p. 439), os sátrapas eram fiscalizados por militares sob o comando

direto do Grande Rei, fazendo parte de um complexo aparato burocrático que incluía um

contigente de fiscais responsáveis por reportar ao soberano tudo o que ocorria nas esferas

inferiores da administração.

Antígono dirigiu sua satrapia de acordo com o sistema persa e, assim como os sátrapas

do período aquemênida, provavelmente usufruiu de grande autonomia administrativa, o que

lhe rendeu uma grande experiência e com certeza lhe foi útil mais tarde, na gestão do seu

próprio governo. Antígono passou um bom tempo em Kelainai, na Frigía, e talvez tenha

levado sua esposa e filhos para junto de si em tempos de paz. No livro XVIII (23, 4) da sua

Biblioteca Histórica, que trata dos diádocos, Diodoro menciona que Demétrio estava em

Kelainai, em 321 a.C.

Devido à trajetória de Antígono, acreditamos que, ao contrário do que afirma Briant

(1973), Antígono possuía, à época da morte de Alexandre, uma posição muito consolidada,

concorrendo apenas com Antípatro. Como reporta Plutarco (Vit. Demetr., III), logo após a

morte de Alexandre, Antígono sai da penumbra para se tornar “[...] o maior e mais idoso dos

sucessores de Alexandre”.

Como mencionamos, após a morte de Alexandre houve uma conferência, na Babilônia,

onde ficou decidido que Antípatro e Pérdicas seriam os dois representantes dos reis argéadas,

48
Essas incoerências decorrem principalmente quando comparamos o levantamento de satrapias feito por
Heródoto e as listas persas. Mas apesar deste problema, Asheri (2006, p. 104) afirma que as listas persas e a
listagem de Heródoto nos oferecem a melhor visão global sobre as satrapias do império aquemênida.
87

o primeiro na Europa, Grécia e Macedônia, e o segundo como quiliarca, detendo autoridade

sobre a Ásia. Acrescentamos que Antígono acabou sendo, de certo modo, prejudicado em

favor de Eumenes devido à redivisão feita por Pérdicas do território da oikoumene. A grande

questão referente à Conferência da Babilônia é que Antígono não se encontrava presente.

Alguns autores, como Briant (1973, p. 127-132), refletem sobre essa ausência, interpretando-a

como evidência da falta de prestígio de Antígono, ocasionada pelo distanciamento de dez

anos do rei. Eles acrescentam que a entrega da Capadócia a Eumenes significou o

rebaixamento do status de Antígono, que não representava uma ameaça a Pérdicas. A

incoerência na argumentação de Briant se deve ao fato de ele mesmo afirmar que Antígono

permaneceu como o único sátrapa da Ásia independentemente do quiliarca. Uma explicação

mais plausível que podemos evocar para a ausência de Antígono na Babilônia pode ser a

distância. Ao contrário dos demais diádocos presentes, que estavam ao lado de Alexandre na

Babilônia, e Antípatro, que já estava a caminho com novas tropas, Antígono encontrava-se

geograficamente distante. Devemos recordar que a notícia da morte do monarca deve ter

levado dias para chegar à Cilícia, à Macedônia e à Frígia.

Após a Conferência da Babilônia, Antípatro e Crátero vão aos poucos afirmando sua

força na Europa e sufocando a rebelião das póleis, ao passo que os casamentos vão se

tornando instrumentos de aliança entre os generais. Crátero se casou com Fila, filha de

Antípatro, e Pérdicas propôs casamento à outra filha de Antípatro, Nikaia. Os autores antigos,

que escreveram na época romana, enxergavam nesses eventos a possibilidade de formação de

uma espécie de triunvirato entre Antípatro, Pérdicas e Crátero, que emergia como mais um

concorrente na disputa pelo controle do Império Macedônio (Diod. Sic., XVIII, 18, 7; 23, 1-3;

Phot., Bibl., 92, 1, 21; Just., Epit., XIII, 6). Em meio a tudo isso, a posição de Antígono

revelava-se ambígua. Formalmente, ele não possuía motivos para se queixar, pois sua posição

fora confirmada durante a Conferência da Babilônia, que reconheceu seu direito de governar
88

os territórios da Frígia, da Licônia, da Lícia, da Panfília e da Pisídia ocidental (WILL, 1998,

p. 312).

Devido a uma situação de instabilidade, ocasionada pela própria maneira como

Alexandre estruturou seu Império, ou melhor, pela ausência de uma organização mais eficaz,

não tardariam a surgir conflitos entre os diádocos, em parte como consequência do desejo de

comando, em parte em razão da falta de parâmetros sobre como manter coesa a oikoumene.

Na realidade, a oikoumene de Alexandre era imprecisa, fragmentada, heterogênea.

Conquistada pela lança, ela foi pintada por Alexandre, mas faltava-lhe a moldura. Sem um

comando legítimo para o Império, prevalecia a suspeita mútua entre os diádocos. Além disso,

havia a desconfiança de que o Império não duraria, o que cedo levou Ptolomeu a se apoderar

do Egito, em 323 a.C. (ADAMS, 2006, p. 32).

A essa altura, havia distúrbios nos dois extremos do Império, na Bactriana e na Grécia.

Ao mesmo tempo, os atos de Pérdicas, na Ásia, despertavam suspeitas e hostilidade. Briant

(1973, p. 157-161) informa sobre problemas entre Pérdicas e a falange macedônia na

Babilônia. Diante do enfraquecimento político do quiliarca, Antígono rumou para a Europa a

fim de se aliar a Antípatro e Crátero, dando assim início ao que os autores costumam

denominar Guerras dos Diádocos. De acordo com Adams (2010), teriam sido quatro guerras,

marcadas por diferentes conflitos: a primeira entre 322-320 a.C.; a segunda entre 319 e 315

a.C.; a terceira entre 314 e 311 a.C.; e a última entre 308 e 301 a.C.

No primeiro confronto explícito entre os diádocos, temos a coalizão entre Antípatro,

Crátero, Ptolomeu, Lisímaco e Antígono contra Pérdicas. Esta coalizão não pretendia a

partilha do Império, mas pôr um freio nas ações do quiliarca. Pérdicas, ao invadir o Egito, foi

vítima de uma revolta de seus próprios soldados. Will (1998, p. 315) afirma que o exército de

Pérdicas ofereceu a Ptolomeu os seus serviços, o que foi recusado pelo general, que possuía

ambições mais modestas e realistas em relação à oikoumene. Em nossa opinião, a recusa


89

talvez se deva a animosidade que poderia surgir de uma possível aceitação, por Ptolomeu, das

atribuições de Pérdicas. Crátero, por sua vez, teria perecido na Ásia Menor, em um confronto

com Eumenes, partidário de Pérdicas. Quanto a Antígono, nos fragmentos da História dos

Sucessores, reunidos por Fócio e atribuídos a Arriano, o general aparece no comando da frota

que dava apoio à expedição terrestre liderada por Antípatro e Crátero. Após a morte de

Pérdicas, Antípatro logo inicia os preparativos para uma reforma do Império, convocando um

novo encontro dos diádocos, que se reuniram em Triparadiso, no norte da Síria, em 321 a.C.

(ERRINGTON, 1970).

Ele [Antípatro] então fez uma nova divisão da Ásia, em parte confirmando a divisão
anterior e, em parte, fazendo alterações conforme as circunstâncias exigiam. O
Egito, a Líbia e a grande extensão de territórios para além dela, e todo o território
que tinha sido conquistado em direção ao oeste foram dados a Ptolomeu [...] a
Babilônia para Seleuco [...] Mais a Frígia, Licónia, Panfília, e Lícia, ficavam com
Antígono como antes [...] Ele [Antípatro] fez seu próprio filho, Cassandro,
comandante da cavalaria, enquanto Antígono recebeu o comando das forças que
tinham sido anteriormente submetidas a Pérdicas, juntamente com o cuidado e
custódia dos dois reis e, a seu pedido, foi lhe dada a tarefa de terminar a guerra
contra Eumenes. Antípatro, tendo assegurado a aprovação geral de tudo o que havia
sido acordado, voltou para casa [...] (Arrian, FGrH,49 156 F 9, 34-38).50

Como visto, a partir da Conferência de Triparadiso, Antígono obtém uma proeminência

que o coloca numa posição confortável perante os demais diádocos, tendo sido nomeado

estratego das forças reais e estratego da Ásia com a incumbência de eliminar Eumenes. As

razões que levaram Antígono a galgar essa posição são controversos. Para nós, importa que,

em função dos poderes reunidos nas mãos de Antígono nesse momento, suas ações passam a

ser conjugadas a partir de sua visão política e militar, possibilitando ao general investir na

formação da basileia helenística.

49
A sigla FGrH, se refere aos Fragmente der griechischen Historiker, uma coleção de fragmentos de
historiadores gregos reunidos pelo filólogo Felix Jacoby entre os anos de 1923 a 1958.
50
Durante essa passagem, selecionamos somente os trechos que envolvem os generais de Alexandre que iriam
protagonizar no processo político do período ao lado de Antígono. Mas, no fragmento atribuído a Arriano, o
autor detalha todas as divisões feitas durante o acordo, e os nomes dos beneficiados. Entre estes, está inclusive
iranianos, como o rei Poro.
90

Assim como a Conferência da Babilônia, a de Triparadiso não iria assegurar a

perenidade do Império. Diante da morte de Antípatro, em 319 a.C., outra tempestade desabou

sobre a pretensa bonança da oikoumene. Antípatro, ignorando seu filho, Cassandro, nomeou

como seu sucessor Poliperconte, general macedônio que serviu tanto a Filipe quanto a

Alexandre.51 Vemos assim a guerra civil se instalar na Macedônia e na Grécia entre

Poliperconte e Cassandro. Antígono, Lisímaco e Ptolomeu apoiaram Cassandro, formando

uma nova aliança, desta vez contra Poliperconte, que de início tentou obter o apoio das

póleis,52 mas sem êxito (ADAMS, 2010; BAYNHAM, 2001). A morte de Antípatro

desencadeou conflitos a leste e a oeste do Império, rompendo um equilíbrio desde sempre

precário. Antígono e Ptolomeu, ao apoiar Cassandro, se apoderam de regiões que

ultrapassavam as fronteiras estabelecidas em Triparadiso. O primeiro, no Oriente, começou

por conquistar satrapias asiáticas, enquanto que o segundo ocupou a Fenícia. Nesse contexto,

assistimos à inauguração da crise que levou ao fim a antiga dinastia argéada.

Poliperconte, expulso da Macedônia por Cassandro, refugiou-se no Épiro com o

pequeno Alexandre IV e a mãe deste, Roxana. Por sua parte, Arrideu se aliou a Cassandro,

fazendo deste corregente da Macedônia. No Épiro, Poliperconte uniu-se à Olímpia, a mãe de

Alexandre, que, aproveitando a ausência de Cassandro, determinou a execução de Arrideu e

de sua esposa, Eurídice. A atitude de Olímpia foi vista com desagrado pela população.

Entregue a Cassandro, Olímpia foi executada. Sem perspectivas de aliados na Europa,

Poliperconte buscou uma aliança com Eumenes, que, em 317 a.C., conseguiu expulsar

Ptolomeu do território da Síria (WILL, 1998, p. 316). Nesse mesmo ano, Antígono entrou em

51
Depois do regresso das tropas de Alexandre para a Babilônia, Poliperconte foi enviado para a Macedônia junto
com Crátero. Enquanto Antípatro estava na Ásia, Poliperconte ficou na Macedônia em seu lugar como
representante da casa real.
52
Provavelmente Poliperconte buscou apoio nas cidades gregas, pois elas, após a morte de Antípatro, passavam
por guerras internas e locais, conflitos que Cassandro, com a ajuda de seus aliados, conseguiu controlar (FOX,
2011, p. 4-6).
91

confronto direto com Eumenes. Invadindo a Síria, ele forçou a fuga do rival para a Babilônia.

No ano seguinte, Cassandro finalmente derrotou Poliperconte e Eumenes se aliou a Eudamos.

O confronto derradeiro entre Antígono e Eumenes ocorreu na Batalha de Paraitacene,53

região que ficava a nordeste da Média. Conforme nos informa Sant’anna (2011, p. 82-84;

2012, p. 238-239), depois de diversos embates e com baixas significativas no exército de

Eumenes, cujos familiares foram feitos cativos, os soldados decidiram entregar Eumenes a

Antígono, na expectativa de integrar as tropas deste. Eumenes, por sua vez, foi executado.

Antígono, após esse episódio, tornou-se enfim o mais poderoso dos diádocos. Apossando-se

das satrapias orientais, ele expulsa Seleuco da Babilônia e se torna, em 315 a.C., governante

de quase todo o território asiático deixado por Alexandre. Em detrimento dos demais

diádocos, fincou pé também na Europa, aliando-se a Poliperconte, que controlava ainda parte

do Peloponeso. Antígono o nomeia estratego desse território.

Ao contrário de sua práxis política e militar na Ásia, Antígono empregou uma estratégia

diferente a fim de se impor sobre a porção ocidental do Império. Estabeleceu regras que

doravante regeriam as relações entre as póleis e os demais reinos helenísticos – o general

trouxe para a cena política, mais uma vez, o antigo discurso sobre a liberdade grega.54 Em 314

a.C., ao voltar do interior da Ásia para a Grécia insular e vendo-se confrontado pelos demais

diádocos, Antígono, fez sua famosa proclamação de Tiro (Diod. Sic., XIX, 61, 1-5), na qual

afirmou que as póleis deveriam ser livres, autônomas e isentas de guarnições. No mesmo

momento, seu exército condenava Cassandro pela morte de Olímpia e o sequestro de

53
A principal fonte sobre esse embate entre Antígono e Eumenes se encontra no livro XIX escrito por Diodoro.
Também é possível encontrar informações em Plutarco na sua obra sobre o próprio Eumenes.
54
O discurso em torno da liberdade das cidades gregas foi um tema bem recorrente desde o período da pólis
clássica. Contudo, esse tema é reinserido de forma diferente neste momento político. O sentido de liberdade do
período da pólis clássica provém principalmente da autonomia da cidade grega perante qualquer interferência
externa. Já no período por nós analisado, essa liberdade estava muito mais ligada ao campo da representação da
legitimidade política do basileus helenístico que estava se delineando. Ser um bom governante, em parte,
significava não tratar os gregos como os súditos asiáticos. Essa temática é tão importante que dedicamos a ela
uma seção completa em nosso terceiro capítulo.
92

Alexandre IV, por isso Antígono autoproclamou-se epimeletes, guardião do príncipe, como

artifício retórico contra Cassandro.

Antígono designou mensageiros para diferentes regiões da Grécia, na esperança de que

os gregos o aceitassem como aliado e enxergassem em Cassandro um inimigo. Dependendo

do ponto de vista, pode-se supor que essa declaração representasse apenas uma manobra

retórica, desprovida de força política. Mas é preciso lembrar aqui que, após Cassandro, o

general mais afetado pela proclamação foi o próprio Antígono, uma vez que as suas

possessões na Ásia Menor continham o maior número de póleis fora do território da Grécia.

Defendendo uma política de autonomia da Grécia, Antígono expunha-se tanto quanto

Cassandro. Além disso, vale a pena lembrar que Antígono continuou fiel à sua política de

liberdade para a Grécia. Dessa forma, concluímos que o tema da liberdade das cidades gregas

foi bastante utilizado, pois respondia a uma questão real: o lugar a ser ocupado pelas póleis

dentro das monarquias em vias de formação (WILL, 1998; BILLOWS, 1990; BOSWORTH,

2002). A essa altura, Antígono já havia construído uma poderosa frota na Fenícia e

formalizado uma aliança com Rodes, dominando assim o Mediterrâneo Oriental. Dentro desse

cenário, no qual Antígono era, de forma inconteste, o protagonista, pois ditava os rumos do

que aconteceria com grande parte do território deixado por Alexandre, os demais diádocos

terminaram por se levantar contra ele.

Desse modo, o período entre 315 a 311 a.C. foi marcado por diversas vitórias de

Antígono sobre seus companheiros, mas o general também sofreu derrotas, como para

Ptolomeu, que invadiu a Síria e derrotou Demétrio, numa batalha travada em Gaza, em 312

a.C. Seleuco, por sua vez, assegurou o controle da Babilônia e dos territórios extremo-

orientais do Império de Alexandre. Em 311 a.C., Antígono julgou oportuno celebrar um

acordo com os rivais, que aceitaram a paz.55 O acordo foi realizado em troca de concessões de

55
Segundo Rostovtzeff (1967), Lisímaco, Cassandro e Ptolomeu traíram Seleuco, único que não foi incluído no
acordo de paz. Para o autor, provavelmente os diádocos ainda não estavam prontos para um confronto derradeiro
93

ambas as partes. Ptolomeu manteria o Egito, Lisímaco a Trácia, enquanto Cassandro seguiria

como estratego dos territórios europeus e epimeletes (guardião) de Alexandre IV até a

maioridade deste (WILL, 1984, p, 50). A paz foi uma grande vitória para Antígono, mesmo

que diplomática, pois manteve sua autoridade sobre a Ásia, com exceção dos territórios de

Seleuco. Por meio de cartas a diferentes cidades, Antígono tratou da paz estabelecida e

proclamou solenemente a autonomia e liberdade das cidades gregas,56 como podemos

constatar em uma epístola destinada à cidade de Escépsis,57 na Ásia Menor, datada de 311

a.C.

[...] Nós nos ocupamos e [zelamos pela] liberdade [dos gregos], fazendo [por essa
razão] não pequenas concessões [...] Depois que os tratos com Cassandro e Lisímaco
foram concluídos [...] Ptolomeu enviou embaixadores até nós, pedindo que uma
trégua fosse feita com ele também e que ele fosse incluído no mesmo acordo. Vimos
que não era insignificante desistir de parte de uma ambição para a qual tínhamos
tido uma não pequena dificuldade e incorrido em muito gasto [...] No entanto,
porque pensávamos que, depois de um acordo ter sido alcançado com ele
[Ptolomeu], a questão referente à Poliperconte poderia ser resolvida com mais
rapidez, já que ninguém mais se aliaria a este [...] e, ainda mais, porque nós vimos
que vocês e nossos aliados estavam sobrecarregados com a campanha e as despesas,
consideramos ser o melhor ceder e fazer a trégua com ele [Ptolomeu] também [...]
Saibam então que a trégua foi estabelecida e que a paz foi feita. Escrevemos no
tratado que todos os gregos devem jurar se ajudar mutuamente a preservar sua
liberdade e autonomia [...] (OGIS,58 5, 1-36; WELLES, RC,59 n. 1).60

Essa carta, que foi inscrita em uma estela de mármore por ordem de Antígono, foi

encontrada no século XIX por aldeões que buscavam material de construção no sítio de

Escépsis. Somente em 1899 foi feita a sua leitura. Por meio desta inscrição, podemos ver que,

contra Antígono. Na nossa visão, o confronto derradeiro não era algo visualizado na época pelos generais e, se
ele chegou a ocorrer, as questões foram outras.
56
Diodoro também tratou sobre o acordo estabelecido entre os diádocos: “[...] Cassandro, Ptolomeu e Lisímaco
chegaram a um acordo com Antígono e fizeram um tratado. Assim, foi decidido que Cassandro seria general da
Europa até que Alexandre, o filho de Roxana, tivesse idade; que Lisímaco governaria a Trácia, enquanto
Ptolomeu governaria o Egito e as cidades adjacentes a ele na Líbia e na Arábia; que Antígono teria o primeiro
lugar em toda a Ásia; e que os gregos seriam autônomos” (Diod. Sic., XIX, 105, 1).
57
Escépsis ficava na região de Trôade, no noroeste da Anatólia – atual Turquia.
58
A sigla OGIS se refere à abreviação de Orientis Graeci Inscriptiones Selectae, que porta um conjunto de
inscrições compiladas por Wilhelm Dittenberg.
59
A sigla RC, consiste na abreviação do título da obra de Welles (1934), Royal Correspondece in the Hellenistic
period.
60
No final da carta, Antígono afirma ser importante discutir melhor sobre as vantagens desse tratado para a
cidade de Escépsis e diz que enviou um emissário para falar mais sobre o assunto. Esse emissário teria levado
consigo cópias do tratado de paz estabelecido entre os diádocos e do juramento dos mesmos (OGIS, 5, 68-72).
94

além de invocar a liberdade e autonomia da cidade de Escépsis, Antígono menciona que

algumas concessões poderiam ser feitas à cidade. Além disso, no trecho citado acima, o

general relata que quando Ptolomeu o procurou para um acordo, ele aceitou, embora o acordo

não fosse vantajoso para ele, pois o conflito gerou muitas despesas para as forças antigônidas.

Antígono, a nosso ver, buscou demonstrar, por meio de artifícios retóricos, que ele somente

aceitou o trato para o bem da maioria, procurando desta forma reforçar sua imagem como

protetor das cidades gregas, ao mesmo tempo que se colocava como o mais forte dos

diádocos, mesmo sendo a paz, naquele momento, almejada por todos os lados envolvidos.

Para Cloché (1948), entre 323 e 301 a.C. Antígono vai redefinindo suas pretensões

sobre a oikoumene. O acordo de 311 a.C. seria um exemplo dessa redefinição, pois ao aceitar

aliados com governos independentes, abria mão de áreas que, na verdade, não lhe

interessavam. Podemos concluir que, ao contrário do que as fontes antigas declaram,

Antígono de fato nunca buscou um domínio total sobre a oikoumene de Alexandre. Ele

possuía ambições, mas sua política se alinhava mais com a proposta da Liga de Corinto,

idealizada por Filipe. Antígono aspirava, na realidade, ao domínio sobre o Mediterrâneo

Oriental, incluindo a Macedônia.

Vemos, na última década do século IV a.C., um aceleramento na direção da basileia

helenística. Os direitos de Alexandre IV, reafirmados em 311 a.C., não passavam de uma

ficção, pois, quando Cassandro o assassinou, por volta de 310 a.C., não houve protestos.61 Por

outro lado, a morte do príncipe teve um significado simbólico extremamente importante. O

Império de Alexandre, que já era em si artificial, perderia em definitivo sua dinastia legítima.

Por sua vez, os diádocos teriam de encontrar um novo tipo de legitimação para o seu poder.

Na verdade, o principal elemento desta legitimação já estava em processo desde a morte de

61
Alexandre III também deixou um filho considerado bastardo, com a oriental Barsina. Héracles, nascido em
327 a.C., foi assassinado em 309 a.C., por meio de uma conspiração entre Cassandro e Poliperconte (Diod. Sic.,
XX, 20-28). Esse episódio representou o fim de qualquer possibilidade, mesmo que remota, de um descendente
de Alexandre assumir o trono.
95

Alexandre – a associação com este no campo de batalha. Mas antes mesmo da morte de

Alexandre IV, a paz de 311 a.C. sofreria abalos.

O confronto entre os diádocos se acentuou no âmbito da talassocracia. Enquanto

Ptolomeu buscava dominar o Mediterrâneo Oriental, Antígono, para estabelecer seu domínio

sobre os territórios europeus, precisava dominar o Egeu. Entre ambos os domínios, porém,

havia uma zona de intercessão. Os últimos anos do século IV a.C. foram confusos, pois a

Grécia serviu como palco de intensas manobras. Um dos episódios mais importantes desse

período ocorreu em 306 a.C.: a derrota de Ptolomeu, em Chipre, para Demétrio, filho de

Antígono. Após essa vitória cipriota, Antígono foi declarado basileus por seu exército e

Demétrio, seu corregente. A basileia helenística assumia efetivamente sua feição. O papel de

Demétrio ao longo desse processo foi fundamental para as pretensões de seu pai. O basileus

buscava surgir como um lutador, um combatente. Dessa forma, a associação com Demétrio

foi de extrema importância para a afirmação da areté de Antígono que, em 321 a.C., já

contava com mais de sessenta anos de idade.

Como vimos, a partir do acordo firmado em Triparadiso, foi possível a Antígono deter o

domínio sobre o oeste da Ásia e sobre a Grécia, passando a controlar, portanto, o

Mediterrâneo Oriental. Governando uma extensão territorial como essa e com os exércitos

rivais às portas, uma figura como Demétrio, reputado por sua maestria militar, era

providencial. No entanto, mesmo em idade avançada, Antígono possuía qualidades como

comandante. Contudo, a força, a jovialidade e o talento de Demétrio, associados à perícia

militar, fizeram dele um apoio importante para a afirmação de Antígono. Demétrio era

responsável pelo comando da base de operações do governo do pai. Podemos dizer,

recorrendo à terminologia de Burke (1994), que a imagem do Demétrio vitorioso foi um dos

componentes da fabricação da imagem régia manipulada por Antígono. Como afirma Burke

(1994, p. 25), fabricação se liga à ideia de construção de uma imagem real, algo que
96

aconteceria de forma gradual, dentro de um intervalo de tempo. Para compreendermos como a

imagem de Antígono foi fabricada, é necessário descobrir quem falava e o que falava sobre o

monarca.

Como dissemos, as fontes escritas trazem, em grande parte, uma visão pejorativa a

respeito de Antígono. Mas, por vezes, os mesmos autores que falam de um Antígono

ambicioso e arrogante, o colocam no papel de um pai afetuoso e bom administrador, o que

esclarece algumas das incongruências referentes ao governante. Algumas dessas menções

positivas à persona de Antígono podem ser encontradas na obra de Plutarco dedicada a

Demétrio. Este, por seus feitos e, digamos, jovialidade, atraiu a atenção do autor grego. Por

meio de um retrato de Demétrio, embora romanceado,62 podemos perceber a construção de

uma proximidade entre pai e filho e, ao mesmo tempo, constatar o destaque dado pelo autor à

juventude e à habilidade bélica de Demétrio, elementos constitutivos de sua imagem.

[...] Demétrio era mais baixo que seu pai, mas era de uma figura e beleza tão
extraordinárias e admiráveis, que nem escultor e nem pintor poderiam imitar a
semelhança: reunia ao mesmo tempo o festivo e o grave, o feroz e o belo, e com a
juventude e a ousadia se via mesclada uma brandura inimitável e uma régia
majestade heroica [...] (Plut., Vit. Demetr., II, 3).

Plutarco não esconde sua admiração por Demétrio. Sendo o mais jovem dos basileis e

impetuoso, o filho de Antígono conseguiu ter a seriedade necessária, principalmente no

campo de batalha, para auxiliar seu pai, no que contou com o apoio da fortuna. Testemunhos

de natureza epigráfica e numismática podem revelar mais sobre essa relação entre pai e filho

dentro do processo de fabricação da imagem do basileus.

Por meio da compilação realizada por Welles (1934) e das inscrições selecionadas e

editadas por Dittenberger (1903) no Orientis Graeci, temos acesso a parte da correspondência

real referente ao governo de Antígono. Em um dos trechos de uma epístola inscrita pela

62
Sobre o estilo e intenções de Plutarco ao escrever as suas Vidas é interessante o trabalho Maria Aparecida de
Oliveira Silva (2014) intitulado Plutarco e Roma.
97

cidade de Escépsis,63 em 311 a.C., podemos observar o costume de se dedicar estátuas, cultos

e sacrifícios aos governantes considerados benfeitores de uma cidade.

[...] A fim de que Antígono possa ser honrado de uma maneira digna pelo o que foi
feito e de que o demos possa ver e dar graças pelas coisas boas que já recebeu, [fica
resolvido][...] fazer para ele [Antígono] um altar e o configurar com uma imagem
tão bem quanto possível; e haverá um sacrifício e um festival a cada ano em sua
honra, assim como foi anteriormente realizado; e coroá-lo com uma coroa de 100
[estáteres] de ouro [...] (OGIS, 6, 3-6).

Uma coroa de 50 estáteres também foi ofertada a Demétrio. Em Plutarco (Vit. Demetr.,

X, 2-3) e Pausânias (VI, 15, 7; IX) também há menções a estátuas e cultos dedicados a

Demétrio e seu pai. A assistência militar de Antígono às cidades gregas, no final do século IV

a.C., foi um importante instrumento político. Em contrapartida, essas cidades empreendiam

cultos em nome do general vitorioso, ao mesmo tempo que se submetiam ao seu protetorado

(RUSSEL, 2017, p. 91-92). Um caso bem iluminado é o de Atenas.

Após 307 a.C., em virtude da derrota de Cassandro para as forças de Antígono e

Demétrio, Atenas concedeu honrarias grandiosas a ambos, como nos reporta Diodoro (XX,

46, 1-3): coroas de ouro, altares de sacrifícios, imagens vestidas com os trajes de Atená, duas

tribos com os nomes de Antígono e Demétrio e um conjunto de bigas de ouro.64 Sabemos que

o culto ao general vitorioso, no território da Hélade, não era algo novo.65 Contudo,

concordando mais uma vez com Burke, não podemos nos limitar a uma visão ingênua acerca

da imagem do soberano; não podemos tampouco reproduzir a visão cínica, ignorando, por

exemplo, o surgimento de um sentimento favorável em torno da monarquia por parte de

alguns segmentos da pólis durante o século IV a.C. – ao historiador cabe adotar o meio termo

63
Essa carta constituiu a resposta à carta de Antígono que falava sobre os termos da paz firmados entre ele
Ptolomeu, Lisímaco e Cassandro em 311 a.C., já citada anteriormente.
64
Honrarias aos antigonidas só foram removidas por volta de 200 a.C. (BROGAN, 2003).
65
Após a Guerra do Peloponeso, concomitante com uma desestruturação do sistema políade, houve uma
proliferação desses tipos de cultos por toda a Hélade (ANDRÉ, 2009). Lembramos, ainda, que o próprio
processo de constituição da pólis teve por símbolo arquitetônico o hérôon.
98

(BURKE, 1994, p. 24-25). Todo processo de representação inclui as práticas e os sistemas

simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos.

A proclamação de Antígono como basileus ao lado de Demétrio levou os demais

diádocos a imitá-lo. Ptolomeu proclamou-se basileus apenas em 304 a.C.,66 após a tentativa

frustrada de Antígono de invadir o Egito. Cassandro, Lisímaco e Seleuco se proclamaram reis

logo depois. Se a oikoumene ainda existia simbolicamente, agora ela deixara de existir até

mesmo nesse plano. Will (1998, p. 318) faz uma apreciação plausível sobre esse processo ao

dizer que “[...] a monarquia helenística, que de fato se iniciava em Triparadiso, entrava agora

no campo do direito [...]”. Está claro que se tratava de um direito não fixado, pois Antígono

visava ao domínio sobre a Macedônia, por isso pretendia usar a Grécia como uma de suas

bases de operação, já que não podia contar com os demais diádocos. Entre 305 e 304 a.C.,

Demétrio sitiou a cidade de Rodes, o principal empório do comércio egípcio. Esse sítio ficou

famoso devido ao seu significado. Apesar dos esforços de Demétrio e de ter obtido aí o

epíteto de Poliorcetes, Rodes resistiu e os Antigônida tiveram de reconhecer a liberdade da

cidade.67 Esse evento também foi utilizado pelos rivais de Antígono para depreciar sua

imagem. Mas Antígono continuava com seu plano de obter o apoio das cidades gregas. Por

meio de uma inscrição de 302 a.C., encontrada em Epidauro, sabemos que Demétrio

conseguiu fundar uma nova Liga Helênica, que buscava restaurar a Liga de Corinto

estabelecida por Filipe II anos antes. A essa altura, a ameaça sobre a Macedônia era tão forte

que os demais diádocos se unem contra os antigônidas, lançando suas tropas sobre a Ásia

Menor.

66
Acreditamos que, assim como Antígono, Ptolomeu utilizou uma vitória militar para ser proclamado rei.
67
A famosa escultura conhecida como a Vitória de Samotrácia durante muito tempo foi associada como uma
homenagem referente a uma vitória naval de Demétrio. Contudo, apesar de ainda existirem controvérsias entre
os estudiosos sobre a real origem da escultura, o que podemos afirmar é que esta foi erigida em um período bem
posterior ao de Demétrio. Além disso, em parte de sua inscrição, pode ser constatado que ela foi esculpida em
homenagem a uma vitória naval da própria cidade de Rodes (NICI, 2015, p. 61-62).
99

No verão de 301 a.C., na Frígia, Antígono foi derrotado e morto, em Ipso, com mais de

oitenta anos.68 Estigmatizado por seus rivais, que o colocavam como severo, cruel e arrogante,

Antígono, no que se refere a esses atributos, não diferia dos demais generais macedônios. A

questão é que o contexto no qual ele e os outros viviam foi marcado por redefinições

profundas, quando decisões complexas teriam de ser tomadas. Os diversos conflitos que

marcaram a história dos diádocos obedecem à necessidade de se encontrar um caminho para

uma oikoumene imensa, mas com estruturas frágeis. Ao longo do período entre 323 e 301

a.C., houve uma reestruturação do poder, cujo principal fruto foi a construção da basileia

helenística. Mesmo que um dos principais protagonistas desse processo tivesse morrido em

Ipso, suas ações colaboraram de forma ímpar para o surgimento dessa nova instituição

política. Quanto ao seu filho, Demétrio, este continuaria em cena. Ao contrário daqueles que

preconizam o fracasso do projeto de Antígono, quando olhamos para o mapa geopolítico do

Mundo Helenístico, já desenhado em suas grandes linhas, podemos observar três grandes

monarquias estabelecidas: a egípcia dos Lágida; a asiática dos Selêucida; e a macedônia, dos

Antigônida.

Figura 5 – Mapa dos reinos helenísticos no século III a.C.

Fonte: Price e Thonemann (2010)

68
Uma nova repartição foi feita, mas não durou muito. O horizonte da maior parte dos diádocos era a
Macedônia, o que levou a novos conflitos. Assim, em 294 a.C. Demétrio toma a Macedônia e se proclamara rei.
100

CAPÍTULO II

A ‘basileia’ no mundo greco-macedônio

Nomenclaturas diferentes como ánax, basileus, monarca ou týrannos levam a pensar

que a arché,69 reunida nas mãos de um único homem, pode assumir formas tão diversas que

seria impossível encontrar denominadores comuns entre elas. Um exame mais detalhado, no

entanto, mostra que, mesmo assumindo formas variadas, a realeza mantém constantes

estruturais, embora não devamos ignorar as diferenças e especificidades determinadas pelo

contexto histórico. Na Antiguidade, um monarca, de modo geral, sempre possui autoridade

coercitiva, soberania sobre a população e o território; pode ser auxiliado por uma assembleia

guerreira, um conselho ou por administradores; deve manter a ordem pública, os costumes, a

tradição e defender o território; por último, o monarca deve dar e receber presentes, promover

refeições coletivas, e realizar ritos e sacrifícios ligados ao culto comum. Por outro lado, ao

analisarmos um sistema monárquico, também é importante ponderarmos sobre as

particularidades que o constituíam.

Ao tratarmos sobre a natureza e formação da basileia helenística, percebemos que essa

forma de monarquia, desde o início, encontra-se marcada por um hibridismo, fruto da fusão

da visão monárquica macedônia com a oriental, mais especificamente a Aquemênida, razão

pela qual estava estreitamente ligada à ideia do poder pessoal do monarca. Embora contivesse

também elementos simbólicos ligados às formas antigas das monarquias gregas, alguns

remontando inclusive à basileia homérica, chamamos a atenção para o fato de que, ao invés

de considerarmos a monarquia helenística como uma realidade helênica, supomos que esta

basileia foi construída na fronteira entre três espaços: a Macedônia, o Oriente e a Hélade.

Nesse sentido, é inegável que os componentes macedônios e orientais tiveram preponderância

69
Arché se refere aqui a poder.
101

na fabricação dessa monarquia. Neste capítulo, buscamos analisar, de modo geral, a basileia e

a figura do basileus, assim como as formas de poder exercidas por um só homem no território

grego, mais especificamente a tirania, que teve uma adesão forte ao poder pessoal. Versamos

também sobre as concepções que surgiram em torno da monarquia a partir do século IV a.C.,

no território das póleis. E, principalmente, nos detemos na análise da monarquia macedônia,

desde suas origens até a sua fusão com elementos orientais sob o governo Alexandre, o que

acabou por levar a uma orientalização da monarquia.

A basileia macedônia, que, no plano da representação, teve alguns princípios oriundos

da cultura helênica, foi o principal modelo no qual a basileia helenística se apoiou para sua

constituição. Desde os fundadores da monarquia macedônia até Alexandre III, encontramos

um monarca ligado ao sagrado, associado ao poder militar e ordenador do cosmos. Por meio

do desenho de um quadro geral da monarché entre a Idade Homérica e a época helenística,

acreditamos ser possível estabelecer até que ponto a basileia em construção no século IV a.C.

conservou o nexo com os modelos monárquicos que a antecederam e em que medida inovou

quanto à sua configuração.

A monarquia e a figura do ‘basileus’

Os vocábulos βασιλεύς e βασιλεία se referem ao monarca e à sua realeza,

respectivamente. Em geral, quando nos referimos à História da Grécia, esses vocábulos são

logo associados ao chamado Período Homérico.70 Entretanto, com base em uma análise mais

aprofundada, os significados desses termos, dependendo do seu uso, tornam-se mais

70
O período que vai de 1200 a 800 a.C. também pode ser chamado de Idade das Trevas. O termo não deve ser
entendido de forma pejorativa, mas, devido ao desaparecimento da escrita, foi como se a sociedade desse período
se tornasse para nós mais inacessível do que a micênica no que concerne às informações. Optamos por utilizar
período homérico pelo fato da maior parte das informações que temos sobre este contexto provir das obras Ilíada
e Odisseia, atribuídas a Homero.
102

complexos. Apenas para termos uma ideia, mesmo tendo permanecido, no período homérico,

ligado a um novo tipo de monarquia, o vocábulo basileus ainda gera muitas discussões,71

principalmente no que tange aos elementos de continuidade e descontinuidade entre a realeza

do período micênico e a do período homérico. As opiniões dos historiadores vão desde uma

visão de monarquia que difere em muito da micênica, no que se refere à extensão e

características do poder do monarca, até uma visão segundo a qual, na realidade, o termo não

se referia somente a pessoas dotadas de poderes régios, mas também a magistrados ou líderes

aristocráticos locais que detinham certa autoridade (CRIELLARD, 2007, p. 83-85;

DICKINSON, 2006, p. 120; DREWS, 1983, p. 129-131). Além disso, nos poemas homéricos,

além do termo ἄναζ observamos outros vocábulos que podem se ligar ao poder régio, como

κοραίνος. Segundo Beekes (2010, p. 203), a palavra basileus é mais recente do que korainos e

ánax, tendo provavelmente uma origem pré-grega, sem ser, no entanto, uma palavra

proveniente de outro idioma, mas um vocábulo labiovelar, bem conhecido na língua grega.

Para além destas questões relacionadas ao poder do basileus homérico e a sua figura,72 o

importante para nós é o uso que os gregos e, em certa medida, os macedônios fizeram da

imagem do basileus construída por meio da Ilíada e da Odisseia. A monarquia e,

consequentemente, o monarca presentes nestas obras constituíram o modelo mais reportado

pelos antigos ao se falar da basileia como forma de governo ideal. A monarquia retratada nas

obras homéricas tornou-se um lugar de memória para os gregos do período clássico e da fase

inicial do período helenístico. De acordo com García (2002, p. 72-77), dois modelos distintos

de soberania surgiram mediante a interpretação das epopeias: um modelo divino e perfeito,

71
O termo basileus se ligava a antigas chefias locais da sociedade micênica. O termo seria o equivalente ao pa-
si-re-u, um funcionário local ligado à administração que representava o ánax (monarca) micênico
(CRIELAARD, 2007, p. 83).
72
Para uma visão mais abalizada sobre a figura régia no período homérico e discussões sobre as atribuições mais
específicas de cada termo direcionado aos líderes políticos deste período, destacamos o trabalho de Yamagata
(1997, p. 1-14) e o livro organizado por Morris e Powell (1997), que abarcam um amplo debate sobre diversos
aspectos do mundo homérico.
103

incorporado por Zeus; e outro imperfeito e humano, cujo titular seria o basileus.73 Helenos e

macedônios ancoraram a origem de suas monarquias nos mitos descritos nos poemas

homéricos.

A Ilíada e a Odisseia, poemas escritos no século VIII a.C., na transição entre a

sociedade homérica e a pólis, momento em que se verifica o retorno da escrita à Grécia,

tinham por objetivo fixar uma tradição oral que, por sua vez, contribuía para a preservação da

ordem aristocrática.74 Ao mesmo tempo que preservavam determinada ordem social, a Ilíada

e a Odisseia eram instrumentos importantes para a existência da própria realeza entre os

helenos. Como a basileia helênica, a partir de dado momento, começou a fazer parte da

memória, do patrimônio simbólico e do imaginário dos macedônios, o que, por sua vez,

influenciou a constituição da basileia helenística, compreender a construção narrativa dos

helenos sobre a formação da realeza heroico/guerreira/sagrada homérica se revela

fundamental (THEML, 1993, p. 30-31).

De acordo com Theml (1993, p. 32-34), podem ser encontradas, na Ilíada e na Odisseia,

três modelos de monarquias. O primeiro deles é constituído por uma basileia heroica

imaginária, situada no campo da ficção, cujos elementos foram necessários à construção da

poética. O segundo se refere a uma realeza heroico/guerreira com aspectos sagrados, cujos

dados foram comprovados pela cultura material. Por último, há uma magistratura real

heroico-geométrica, que vigorou entre a desagregação palaciana (séc. XII-XI a.C.) e a

73
Outros autores que discutem a questão de uma realeza divina e uma realeza mortal presentes nos escritos de
Homero são CARLIER (2006, p. 101-110) e PALAIMA (2006, p. 53-71).
74
Através da narrativa mítica, que seria uma forma de interpretação do mundo, encontramos uma interseção
entre o divino/social/natural. O mito daria conta da origem, possuindo um caráter teleológico. A base dos
escritos míticos era composta pelos grandes feitos que marcavam a vida dos heróis. Por detrás destas narrativas
podemos entrever uma genealogia e uma geografia. A genealogia é um instrumento que dá legitimidade para a
elite governar, pois a família, no sentido de génos, se associa a um herói mítico fundador no mundo da pólis
nascente. Já a geografia fala de onde esse herói parte e aonde ele chega. O tempo dentro da narrativa é respeitado
de forma que esses dois elementos sejam respeitados. A partir da genealogia e da geografia, o poeta tinha a
liberdade para escrever (ANDRÉ, 2012, p. 102).
104

emergência da pólis (séc. VIII a.C.). Nos três tipos de realeza, encontramos as mesmas

instituições: o basileus, o conselho e a assembleia composta pelos áristoi.75

Em relação às práticas sociais, a monarquia helênica corresponde a um sistema no qual

as esferas religiosa e política se interpenetram. As práticas sociais possuem ao mesmo tempo

uma dimensão pragmática e simbólica, como os banquetes, a partilha do botim, a

identificação por linhagem e a própria convocação do conselho e da assembleia. Em Homero,

uma conduta piedosa e de obediência às regras religiosas do monarca modela a basileia. A

transgressão religiosa pode provocar conflitos e suscitar reparações para que a realeza se

perpetue. Nos poemas, são exemplos de basileis que possuem uma conduta piedosa e

comedida Nestor, Menelau e Odisseu, ao passo que outros, em determinados momentos, são

dominados pela hýbris religiosa,76 como Agamêmnon e Aquiles. O respeito às virtudes

ancestrais (areté) é um elemento de suma importância nos poemas homéricos, sendo uma

característica de diferenciação social pertencente somente aos áristoi. A relação entre areté e

soberano é um aspecto importante na concepção da monarquia helênica, por isso ganha força

mais uma vez no decorrer do século IV a.C., quando pensadores como Aristóteles, Xenofonte

e Platão, por exemplo, refletiram sobre o governante ideal. Quando olhamos para a

representação em torno da basileia helenística, as virtudes ligadas ao monarca são um

elemento constitutivo relevante.

De acordo com Carlier (2006, p. 105) e Theml (1995, p. 38), a basileia homérica

apresenta como condição básica para o exercício do poder político que o basileus seja um dos

áristoi. Potencialmente, qualquer um dos nobres estava apto a exercer a realeza e, por esta

razão, era membro inato do conselho e da assembleia. Os requisitos básicos para tornar-se um

75
Áristoi é o plural do termo ἄριστος, que é um superlativo do vocábuloάγαθός, e significa aquele que é
excelente, o mais nobre, o melhor em algo, perfeito. No que se refere às instituições, o conselho, Boulé,
representava, juntamente com o rei, uma instituição soberana. A assembleia, nesse período, mesmo sendo
convocada em momentos decisivos, não possuía poder de decisões de caráter global.
76
Hýbris é um conceito que traduz tudo que passa da medida, podendo significar desafio, crime do excesso e do
ultraje. Se refere ao comportamento de provocação aos deuses e à ordem estabelecida.
105

monarca consistiam em possuir riqueza, descendência reconhecida socialmente, coragem,

virilidade, sabedoria, clemência e justiça. Todos estes atributos eram partilhados pelos demais

membros da aristocracia. Muitos destes atributos estiveram associados aos basileis macedônio

e helenístico. Era devido ao status de áristoi, incluindo honra (timé) e distinção (géras), que o

basileus exercia autoridade sobre a sua comunidade. A função real possibilitava o gozo de

privilégios na sociedade homérica. Em contrapartida, o monarca deveria manter a ordem, a

defesa, a fertilidade e a justiça. Já no que concerne à hereditariedade do cargo régio, há muitas

questões em aberto.

Na Política (Πολιτικά),77 Aristóteles elabora aquilo que seria considerado mais tarde

como o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado e as várias formas

de governo. Segundo o autor, o poder político pertencia à categoria do poder de um homem

sobre outro homem e esta relação poderia se expressar de diversas formas: mediante o

exercício do poder paterno, do poder despótico e do poder político – sendo este último

exercido no interesse de quem governa e de quem é governado (BOBBIO, 2000, p. 159-

161).78 Aristóteles, no século IV a.C., aborda a temática referente à monarquia, refletindo

sobre a pluralidade desta forma de governo. O filósofo busca definir de modo objetivo os

tipos de monarquias, incluindo a basileia homérica:

É fácil compreender que a realeza é múltipla e que nem sempre ela apresenta a
mesma forma [...] Eis [...], pois, uma primeira espécie de realeza: um generalato
vitalício. Ela é hereditária ou eletiva. Uma segunda espécie de realeza se encontra
entre alguns povos bárbaros. Ela tem aproximadamente os mesmos poderes que a
tirania, mas é legítima e hereditária [...] Houve antigamente entre os helenos outra
espécie de basileis que se chamavam oesinetas. Era por assim dizer uma tirania
eletiva, diferindo da dos bárbaros, não pelo fato de não ser legal, mas por ser
hereditária [...] Uma quarta espécie de monarquia é aquela que existia nos tempos
heroicos [período homérico], fundada na lei, no consentimento dos súditos, e, além
disso, hereditária. Os primeiros benfeitores dos povos pela invenção das artes, pelo
valor guerreiro ou por terem reunido os cidadãos e lhes terem conquistado terras
foram nomeados basileis pelo livre consentimento dos seus súditos, e transmitiram a
realeza aos seus filhos. Eles tinham o comando supremo durante a guerra, e

77
Termo derivado do adjetivo de pólis (politikós). Significa tudo aquilo que se refere à cidade, logo ao cidadão.
78
Devemos acentuar que o poder político, como colocado por Aristóteles, somente pode ser exercido nas formas
corretas de governo, o que ele chama de bom governo, já que, nas formas corrompidas, o governante age em
interesse próprio.
106

dispunham de tudo o que se referia ao culto, com exceção das funções sacerdotais.
Além disso, julgavam as causas, uns prestando o juramento, outros sendo dele
dispensados. A prestação do juramento se fazia erguendo o cetro (Aristoteles,
Politica, III, IX, §2-6).

No trecho acima, Aristóteles expõe a basileia homérica como uma realeza de caráter

hereditário. Mesmo que encontremos indícios de que esta monarquia fosse hereditária, os

critérios de sucessão não parecem muito claros na Ilíada e na Odisseia. Para Finkelberg

(2006, p. 65), ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a tradição grega não previa

a sucessão real entre pai e filho. O cargo régio podia ser transmitido a qualquer outro

integrante da dinastia que não o filho primogênito, ou mesmo através do casamento com uma

mulher de estirpe real.79 Foi assim que Belerofonte tornou-se rei ao casar com Anticleia, filha

de Ióbates, rei dos lícios, como vemos no trecho abaixo:

[...] dentre os Lícios, o basileus, escolhendo os melhores,


armou-lhe uma emboscada: à casa, nenhum deles
voltou. Belerofonte, imáculo, destruiu-os.
Reconhecendo a estirpe divina do herói,
o rei o conseguiu reter e deu-lhe a filha
por esposa e a metade dos poderes régios.
(Homerus, Ilias, VI, 187-193).

Um exemplo clássico da possibilidade de questionamento do direito de hereditariedade

do cargo régio de pai para filho é aquele envolvendo Odisseu, Telêmaco e os pretendentes.

Com Odisseu afastado por anos de Ítaca, os nobres da região disputavam a mão de Penélope,

esposa de Odisseu, ignorando os direitos do filho deste, Telêmaco. Finkelberg (2006, p. 69-

72) enfatiza a situação obscura da sucessão em Ítaca, destacando que Odisseu tornou-se rei

com o pai, Laertes, ainda em vido e que tanto Telêmaco quanto o próprio Laertes foram

ignorados como possíveis sucessores no comando da ilha. Penélope tornou-se, nesse caso, o

elo entre o antigo e o novo basileus em Ítaca.

79
O mais importante para sucessão parece ter sido a linhagem, principalmente no texto da Odisseia. Para o
exercício do poder político, era preciso a existência de um elo sagrado com a família real. Os heróis que
exerciam a função real se apresentavam pelo nome, pelo nome de seu pai, pelo nome da terra de seus ancestrais e
pelo nome de sua cidade (Homerus, Odyssea, VIII, 550; XIX, 523).
107

Para Theml (1993, p. 42-44), a questão da sucessão deflagrada pela ausência do rei se

deve ao fato de que Telêmaco não havia realizado ainda os ritos de passagem necessários para

assumir a função régia. Primeiramente, o filho de Odisseu não possuía a idade adequada para

a função. Em segundo lugar, não tendo sido iniciado pelo pai, desconhecia as regras da

tradição. Por meio do debate entre Telêmaco e os pretendentes na assembleia, Theml conclui

que Homero aponta três tendências possíveis sobre a sucessão do poder real: 1) o poder real

se nortearia pelo princípio de hereditariedade, transmitido por Zeus ao génos patroîon;80 2)

qualquer um dos pretendentes estaria apto a ser rei, sendo a disputa de poder entre iguais uma

fase em que aparecem usurpadores dentro da basileia homérica; 3) a possível implantação de

um novo princípio, o da elegibilidade, caso não se acreditasse no retorno de Odisseu

(THEML, 1993, p. 43; VLACHOS, 1974, p. 106).

A questão sucessória também foi complexa no caso das realezas macedônia e

helenística no momento de sua formação. Assim como no caso homérico, a monarquia

macedônia não tinha definidos, de modo claro, os seus critérios de sucessão. O elemento

hereditário era importante, pois a legitimação do poder repousava na linhagem dos

Argeadae/Temenidae. Contudo, são vários os exemplos de sucessão régia marcados por

conflitos entre membros desta dinastia, como é o caso do próprio Filipe II. Após a morte de

Alexandre, a questão ressurge uma vez mais, pois, quando o filho de Roxana é morto, pondo

fim à dinastia dos argéadas, os diádocos tiveram de reelaborar os critérios de filiação

dinástica. Em suma, algumas características em torno da basileia e do basileus homéricos

também são observadas nas monarquias macedônia e helenística. No entanto, a basileia

homérica, como dissemos, funcionou para os gregos da época posterior sobretudo como um

símbolo de legitimação de um governo ideal do qual os governantes deveriam seguir o

80
Sobre a ideia de que o poder real estabelece ligações com o sagrado como forma de legitimação do poder do
génos, torna-se pertinente a imagem do cetro, símbolo de poder associado à figura do basileus homérico. Nos
poemas, os basileis, tanto Agamêmnon como Odisseu, possuem esse artefato simbólico que tem sua própria
explicação mítica (Hom., Il., II, 94-109).
108

modelo, mas que repousava em um passado longínquo, tornando-se portanto um lugar de

memória.

Segundo Le Goff (1996), os lugares de memória são o que resta e o que se perpetua de

um tempo histórico para o outro, transmitindo ritos e práticas a uma sociedade que necessita

desses lugares para reelaborar a sua vida cotidiana, em especial nos momentos de transição,

como na Grécia Arcaica, que se aproveita do retorno da escrita para cristalizar nos poemas

elementos do seu passado. Esse processo de cristalização contribuiu para a preservação e

transmissão das origens dessa sociedade, que se apropriou de elementos do período histórico

ao qual as epopeias se reportavam para organizar o seu passado. Como argumenta Nora

(1993, p. 13):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não existe memória


espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários,
organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos,
porque estas operações não são naturais [...]. Se vivêssemos verdadeiramente as
lembranças que eles envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história
não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los
eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui:
momentos de história arrancados do movimento de história, mas que lhe são
devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as
conchas na praia quando o mar se retira da memória viva.

Com base no trecho acima, podemos inferir que o lugar de memória seria o registro e

aquilo que o transcende, o sentido simbólico inscrito no próprio registro. Para Nora (1993, p.

14-15), esses lugares seriam os espaços onde a memória se fixa, servindo como uma nova

forma de apreender a memória que não nos é natural, visto que não vivemos mais o que eles

representam, mas que são apropriados pela história como fonte. São, portanto, locais materiais

e imateriais onde se cristaliza a memória de uma sociedade, onde grupos ou populações se

identificam ou se reconhecem, possibilitando construir um sentimento de identidade e de

pertencimento. Na Grécia, a partir do lugar de memória no qual a basileia homérica se

enraizou foi possível a criação de uma unidade para as populações gregas desde a época

homérica. Mas, na prática, a monarquia permaneceu como um elemento externo às


109

comunidades políticas que compunham a Hélade, inclusive se mantendo como uma espécie de

governo avesso aos gregos das póleis. Nesse ponto, nos voltamos uma vez mais para os

vocábulos basileus e basileia.

Como mencionado anteriormente, o termo basileus, na língua grega, era relativamente

recente em comparação a outros que podiam denotar a dignidade régia no mundo grego.

Assim, quando pesquisamos sobre os dois termos – basileus e basileia –, em obras escritas do

final do século VI a.C. em diante, verificamos que eles são inicialmente empregados para

definir o governo exercido pelo Grande Rei (ὁ μέγας βασιλεύς), como podemos constatar ao

longo das Histórias, de Heródoto e em Ésquilo (Persae, 25). Na Suda, compilação bizantina

datada do século X d.C. que reúne diversos fragmentos de obras da Antiguidade, temos a

seguinte definição para o termo basileia: “Basileia: [...] a população governada por um

basileus; como [os] persas, indianos, árabes” (Suidae, Beta 146). Beekes (2010, p. 203), na

discussão etimológica que faz do termo basileus, afirma que este se aplica à persona do rei,

mas, em suas palavras: “[...] especialmente o rei persa”. Dessa maneira, vemos que o termo

basileia se converte em grande medida ao governo de um soberano sobre populações

orientais, sobretudo ao poder régio exercido pelos Aquemênida ou demais populações

consideradas bábaras pelos membros das póleis, como foi o caso do reino da Macedônia. Essa

concepção de monarquia, ligada a elementos orientais e ao caráter pessoal do poder do

monarca, exerceu uma influência muito maior sobre a constituição da basileia helenística do

que elementos derivados da realeza homérica.

A autoridade pessoal estava estreitamente ligada à imagem e às características do

soberano. Ao invés do poder monárquico se filiar a um território específico, ele se

concentrava no poder e habilidade próprias do rei, como sua competência militar, política e

administrativa. Além disso, nesse tipo de governo era de suma importância estar em contato

direto com o monarca, como se dele emanasse toda fonte de poder daquele governo. Filipe II
110

foi uma persona que reforçou as características do poder pessoal da basileia macedônia.

Como veremos mais adiante, por meio de instrumentos militares e simbólicos, esse monarca

cada vez mais reuniu em torno de si uma supremacia, que, pela tradição do nomos macedônio,

deveria repousar no conjunto da população do território da Macedônia. Rompendo as

barreiras de um território específico, a soberania do monarca macedônio, a partir de Filipe II,

e consequentemente do monarca helenístico, passou cada vez mais a ter sua fonte no próprio

soberano, que possuía como principal alicerce suas habilidades, principalmente as militares.

Essa ruptura com um território específico foi ainda mais profunda com Alexandre.

Ao conquistar os territórios dominados antes pelos Aquemênida, o argéada teve de

aderir a algumas tradições locais para facilitar a identificação dos súditos com sua pessoa.

Nesse processo, Alexandre teve, inclusive, de adotar elementos da indumentária aquemênida,

assim como parte da titulatura faraônica, por isso, já no final de seu reinado, se fazia

representar nas moedas cunhadas no Oriente por meio de uma única inscrição – Basileus

Alexandros (THONEMANN, 2015, p. 4-10; DAVIS; KRAAY, 1973, p. 30). Segundo

Sant’Anna e Peixoto (2016, p. 270), para que os primeiros basileis helenísticos pudessem

afirmar o seu poder nos territórios sob sua tutela, tiveram de mesclar práticas que seguiam os

padrões da realeza exercida por Alexandre, assim como se apropriar de tradições monárquicas

orientais para poderem legitimar a sua autoridade, ao mesmo tempo que atendiam às

expectativas das elites locais. A monarquia helenística, portanto, vai se situar num espaço

fronteiriço que possui razoável complexidade. Regida por princípios ligados à natureza da

realeza macedônia e das realezas orientais, essa monarquia ainda teve de buscar recursos em

elementos helênicos, presentes já na concepção da basileia macedônia a partir do momento

em que esta teve de lidar com as póleis e quando os monarcas precisaram se impor como

conquistadores estrangeiros por meio do princípio da doriktetos chora, isto é, pelo poder da

lança.
111

Feitas estas ponderações iniciais acerca das acepções de basileia e de basileus, importa

agora tratar de outra modalidade de poder pessoal que influenciou as concepções em torno da

basileia: a tirania.

‘Tyrannís’ e ‘basileia’

Examinando os textos que os gregos legaram, constatamos que a basileia homérica foi

positivada como símbolo de uma arché pessoal quase perfeita. Contudo, após a desagregação

da basileia, que deu lugar à pólis arcaica no território da Hélade, constituído doravante pelas

póleis, toda monarquia que não fosse aquela dos tempos heroicos, encravada portanto num

passado longínquo, passou a ser vista com reservas, sobretudo no decorrer do século V a.C.,

sendo associada, em diversos momentos, à concepção de tirania, que também sofreu um

processo de estigmatização.

Na obra de Heródoto, são recolhidos pela primeira vez argumentos explícitos contra e a

favor da arché exercida por um único homem.

[...] Sou partidário de que um só homem não chegue a contar com um poder
absoluto sobre nós, pois isso não é agradável nem correto [...] De fato, como a
monarquia poderia ser algo certo, quando, sem ter que prestar contas, se está
permitido [ao monarca] fazer o que se quer?.
[...] como [...] obtivemos a liberdade? Quem a nos deu? Acaso foi um regime
democrático? Talvez, uma oligarquia? Ou foi um monarca? Como nós conseguimos
a liberdade graças a um só homem, sou, em definitivo, da opinião de que
mantenhamos tal regime [monarquia] [...] [e] não anulemos as leis de nossos
antepassados, pois não teríamos nenhum proveito disso. (Herodotus, III, 81-82)

No trecho acima, o autor se vale da imagem dos persas para associar as formas de poder

pessoal ao despotismo oriental. Segundo Suárez (1999, p. 681-688), na opinião de Heródoto,

monarquia e escravidão se assemelhariam, tendo sido as Guerras Greco-Pérsicas uma luta dos

helenos, sobretudo dos atenienses, por sua liberdade. Para Heródoto, o problema residia no

sistema de governo, não no homem, que, por melhor que fosse, poderia ser corrompido, pois
112

esse tipo de regime teria como marcas principais a inveja e a soberba. A visão de Heródoto é

típica do indivíduo pertencente ao mundo políade, que enxergava no poder pessoal uma

ameaça à pólis.

No mundo da pólis, há um tipo particular de Estado, no qual a comunidade de cidadãos

governa a si mesma. Na chamada pólis arcaica (séculos VIII-V a.C.), a figura dos basileis foi

suprimida, não havendo mais súditos e sim cidadãos, que passaram a ser os responsáveis pela

solução dos problemas coletivos – os cidadãos representam, nesse contexto, a própria unidade

política (ANDRÉ, 2009, p. 27). Para autores como Mossé (1997, p. 57), a comunidade

encontrava-se acima das idiossincrasias e interesses particulares.81

As etapas iniciais do processo de constituição do que viria a ser o sistema políade, no

território que chamamos de Hélade, nos escapam. Sabemos, no entanto, que, na época arcaica,

a irrupção de golpes tirânicos foi um acontecimento integrante da história de diversas póleis.

Um dos casos emblemáticos é o de Atenas no século VII a.C., onde temos notícia de uma

tentativa de golpe por parte de Cílon, consequência de um conflito social intenso que, mesmo

diante de um golpe abortado, estava longe de ser resolvido (FINLEY, 1988; MOSSÉ, 1985).

Aqui, nos deparamos mais uma vez com uma experiência de poder pessoal – a tirania

(τυραννίς).

Em seu artigo de 1972, intitulado The First Tyrants in Greece, Robert Drews fornece,

fazendo um balanço dos trabalhos dedicados à temática da tirania na Grécia, um panorama

geral sobre esses homens chamados de tiranos, que tanto estimularam o imaginário político na

Grécia antiga. Quando abordamos o tema, uma das principais fontes das quais dispomos é a já

mencionada Política, de Aristóteles, que influenciou em grande medida a visão que hoje se

tem acerca desta forma de governo. E aí reside, mais uma vez, um problema para o estudo da

temática. Embora muito estudada, a tirania, especificamente a do período arcaico,

81
É necessário ter a cautela, todavia, de não nos iludirmos com a imagem da pólis perfeita e harmônica.
Sabemos que não só no período arcaico, mas também durante o chamado período clássico, os conflitos sociais
eram constantes, sobretudo entre ricos e pobres.
113

permaneceu, por muito tempo, camuflada e estigmatizada pelo olhar de autores pertencentes a

contextos políticos posteriores, como Heródoto, Platão e Aristóteles.82 A ela, termos como

ilegalidade, violência, traição e usurpação permaneceram por muito tempo associados, por

isso foi considerada por muitos a pior dentre todas as formas de governo. No trecho abaixo,

extraído da obra de Platão, República (Πολιτέια), fica nítida a imagem da tyrannís como a

pior das formas de governo:

Não será difícil saberes. Aquelas a que me refiro têm nome [formas de governo], a
saber: a constituição, tão elogiada por muita gente, de Creta, e da Lacedemônia; a
segunda, é também elogiada em segundo lugar, a chamada oligarquia, que é um
estado repleto de males sem conta; a seguir vem aquela que lhe é oposta, a
democracia; e a altaneira tirania, antagônica a todas estas, que é a última das
enfermidades do Estado [...] (Plato, Respublica, VIII, 544a).83

O historiador, ao explorar os dados contidos nas obras produzidas pelos autores dos

séculos V e IV a.C., deve tomar cuidado para não replicar as representações contidas nesses

discursos políticos. Utilizamos a expressão “discursos políticos” justamente por serem os

escritos da maior parte destes autores visões construídas sob a ótica ateniense de soberania da

comunidade e não de um monarca. São discursos que exprimem, dependendo do contexto em

que foram concebidos, uma luta contra um grupo aristocrático que busca o poder, uma

ameaça estrangeira ou a necessidade de construição de uma alteridade política para a fixação

da identidade do próprio sistema políade.

Quando falamos do período arcaico, torna-se difícil estabelecer um modelo de tirania

que explique a passagem da aristocracia para governos democráticos ou oligárquicos à luz das

fontes existentes. Tendo surgido em função das circunstâncias históricas, as tiranias arcaicas

foram resultado de conflitos civis que levaram à instauração de um governo pessoal, sem

82
A recorrência a estes autores se deve, em parte, ao fato de as documentações referentes a uma reflexão sobre o
poder político, incluindo as formas de poder pessoal, serem provenientes de períodos posteriores ao arcaico.
83
Todas essas formas de governo não seriam ideais para Platão, por isso estavam fadadas ao fracasso. A visão
pessimista de Platão, principalmente sobre a democracia e a tirania, deve-se a situação política da Hélade,
sobretudo de Atenas, no final do século V a.C. Após assistir a Tirania dos Trinta, o filósofo viu um retorno da
democracia que já não tinha grandes correlações com o período anterior a Guerra do Peloponeso.
114

aparentes conotações negativas até as Guerras Greco-Pérsicas (MARTÍN, 2014, p. 72). Os

conflitos civis nas póleis, foram desencadeados a partir do fim do século VII a.C.,

principalmente devido à concentração de terras nas mãos da aristocracia, o que gerou uma

crise agrária que acabou por opor as massas camponesas endividadas e reduzidas à mais atroz

miséria contra aqueles que detinham simultaneamente a terra e o poder político. Ao mesmo

tempo, os camponeses, devido aos aperfeiçoamentos técnicos que primeiro atingiram a arte da

guerra,84 são convocados com frequência para combater por uma terra que estava cada vez

mais em risco de lhes escapar. Assim, tudo concorria para abalar o poder da antiga

aristocracia dos génè, de maneira que a segunda metade do século VII a.C. e as primeiras

décadas do século VI a.C. representaram um período particularmente conturbado na história

da Hélade. A crise não se passa da mesma forma em todo o território helênico, mas pode ser

percebida por toda parte, gerando duas consequências da maior importância: a substituição de

um direito consuetudinário do qual apenas os chefes dos génès eram conhecedores por uma

lei escrita; e o alargamento do corpo cívico, com os hoplitas formando a assembleia ao lado

do conselho aristocrático (MOSSÉ, 1985, p. 12). Nesse contexto, surge a figura do týrannos,

de certo modo o artífice da transição da pólis arcaica para a clássica.

Sobre as condições de aparecimento da tirania, estas remontam a Fídon, que assumiu o

governo de Argos no final do século VIII a.C. e que pode ser qualificado indistintamente

como basileus ou como týrannos, situando-se assim entre a tradição homérica e a sociedade

arcaica (SUÁREZ, 2007, p. 133). Para Aristóteles (Pol., VIII, VIII, §3-4), Fídon é o exemplo

de como o poder régio pode favorecer o acesso à tirania.85 A figura de Fídon se relaciona com

as mudanças na estrutura social que imapactaram a estrutura militar durante a configuração da

84
A antiga cavalaria aristocrática e os carros de guerra do período homérico cedem lugar à infantaria pesada dos
hoplitas.
85
Aristóteles cita outros nomes que se igualavam ao caso de Fídon: Panécio em Leoncium, Cipsele em Corinto,
Pisístrato em Atenas e Dionísio, em Siracusa. O estagirita ainda se utiliza do termo demagogo para definir esses
homens antes de assumirem a tirania, outro conceito anacrônico para o período arcaico.
115

falange hoplítica.86 Em seu programa, apresentava-se como continuador da basileia homérica,

mas a tradição contrária à atuação dos tiranos rotulou as ações de Fídon, assim como as dos

demais tiranos, como violentas. A questão não é definir a tirania como uma instituição que se

fundamenta ou não na violência, mas sim compreender que, ao longo de boa parte da história

grega posterior à superação da tirania arcaica, buscou-se dissociar a basileia homérica da

violência, mesmo que um dos principais recursos que os áristoi, assim como o basileus,

empregavam fosse a força bélica. Como assinalamos, um dos atributos do monarca era a

primazia militar. Nesse sentido, desde o período micênico até a basileia helenística o basileus

sempre foi o líder militar supremo. Buscar associar a imagem dos tiranos à violência

indiscriminada é, na realidade, uma maneira de considerar o governo destes anômico, ilegal.

Talvez parte do problema em torno da representação do tyrannos e do seu governo se deva à

condição social do tirano no período arcaico – assim como o basileus homérico, ele era um

membro destacado da aristocracia.

A passagem da pólis arcaica para a clássica, como o caso ateniense ilustra bem,

consistiu na transferência progressiva do poder político das mãos da aristocracia para o corpo

do demos. Durante este processo, o týrannos exerceu um papel central, orientando as

transformações sociais e militares. Contudo, devemos considerar que havia elementos

políticos e culturais que ligavam o tirano e a aristocracia. Além disso, é necessário perceber

que a própria aristocracia era, em si, fragmentada, pois por mais que os tiranos buscassem

apoio no demos, havia uma parte da aristocracia, mesmo que minoritária, a eles ligada. De

acordo com Suárez (2007, p. 133), mesmo que o tirano se opusesse aos privilégios de parte da

86
Dentre as mudanças durante o período arcaico que levaram às condições de aparecimento da pólis temos, por
exemplo: a ágora como centro da vida pública; o retorno de um alfabeto e uma escrita fonética, que permitiu a
escrita das leis; adoção de cerimônias cívicas, com construção de templos comuns para toda a sociedade;
sinecismo, agrupamento de aldeias que permitiram formar as póleis; publicação de leis, para que os cidadãos
tivessem seus direitos resguardados; afirmação da família nuclear, que levou a uma valorização do demos;
surgimento da moeda, com valor mais político do que econômico; incremento da agricultura; e, por último, um
elemento fundamental: a falange hoplítica (FINLEY, s/d; MOSSÉ, 1985; AUSTIN; VIDAL-NAQUET, 1986).
Todo aquele que possuísse a panóplia poderia integrar essa falange e não havia hierarquia em seu interior, fator
que leva ainda mais a um rompimento do poder da aristocracia, pois permitia que indivíduos comuns se
tornassem hoplitas, que eram associados ao furor bélico do combate heroico.
116

aristocracia, ele pretendia desempenhar um papel semelhante ao do basileus homérico,

intervindo, por exemplo, nos santuários pan-helênicos. Mesmo em conflito com a aristocracia,

o tirano pretendia conservar suas raízes aristocráticas, além de afirmar sua solidariedade para

com o corpo cívico por meio da oferta de tributos e da organização de jogos.

Aristóteles, ao definir as formas de monarquia, distingue a basileia da tirania de acordo

com a base de apoio de cada uma:

[...] A realeza tem certa relação com a aristocracia, e a tirania é uma combinação da
oligarquia e da democracia levadas ao último grau. Eis por que ela é para os súditos
o mais funesto dos sistemas, porque se compõe de dois governos, reunindo os vícios
e desvios de ambos.
Causas diametralmente opostas dão origem a cada uma dessas duas monarquias. A
basileia foi estabelecida para preservar a classe abastada dos atentados da multidão,
sendo nesta classe nomeado basileus o homem mais eminente pela sua virtude e pela
nobreza das suas ações, ou o que pertença a uma família reconhecidamente
possuidora desses títulos de glória. O tirano, ao contrário, surge do seio do povo e da
multidão: opõe-se aos homens poderosos para que o povo nada possa sofrer das suas
violências [...] (Pol., VIII, VIII, §1-2).

Essa passagem do texto de Aristóteles permite compreender a tendência geral de se

definir os regimes pessoais segundo sua base social. Martín (2014, p. 72-73) assinala a

importância das relações pessoais na instauração das tiranias arcaicas, tais como as estratégias

matrimoniais, empregadas na manutenção da governabilidade. Esse é certamente o caso de

Pisístrato, que, de início, se casou com Timonasa a fim de obter o apoio de importantes

famílias argivas. Em seguida, iniciou uma sólida amizade com Lígdamis que se mostrou bem

proveitosa para ambos os lados. Lígdamis era membro da oligarquia de Naxos e, em 546 a.C.,

foi o primeiro a auxiliar Pisístrato, apoiando-o no desembarque em Maratona, quando o tirano

ateniense recuperou o controle da pólis. No ano seguinte, em face de um descontentamento

social em Naxos devido à concentração de riquezas nas mãos da oligarquia e contando com o

apoio de Pisístrato, Lígdamis derrubou o governo oligárquico e converteu-se ele mesmo em

tirano.
117

Por meio do exemplo de Pisístrato, percebemos como as relações pessoais poderiam ser

relevantes. Contudo, essas relações acabam por serem menosprezadas em alguns estudos

acerca da tirania, que situam esta forma de governo dentro do campo exclusivo da violência.

A tirania poderia representar uma alternativa a elementos provenientes de famílias

aristocráticas para afirmar seu poder em momentos de conflito. Dessa forma, os limites entre

basileus e tirano não são muito claros. A definição de um governante como tirano se

fundamenta mais no apoio do demos do que nas ações que implicavam a ruptura com a

solidariedade aristocrática.87 No período arcaico, a tirania, de modo geral, não possuía

conotações positivas ou negativas, tendo sido sua representação como governo violento e

ilegal construída ao longo do século V a.C. (SUÁREZ, 2007, p. 136).

Arquíloco de Paros teria sido o primeiro a usar a palavra τυραννίς com o sentido de

poder pessoal.88 Segundo Ferreira (1992, p. 133), na segunda metade do século V a.C. os

termos τύραννος e τυραννίς ainda são empregados com o sentido de “monarca”, “soberano”,

e de “realeza”. Essas conotações podem ser vistas em Sófocles, na obra tradicionalmente

conhecida com o título de Édipo Rei, mas cujo título em grego é Οιδίπους Τύραννος.

Contudo, pouco tempo depois o vocábulo tirania parece ter adquirido uma conotação

negativa, como na obra Prometeu Acorrentado, de Ésquilo (vv. 306-329). De qualquer modo,

ambos os vocábulos adquirem uma conotação realmente pejorativa apenas a partir do governo

87
De acordo a historiografia, um dos fatores que definem a tirania arcaica é o protagonismo do demos como
força política ao lado do tirano. Esta visão se dá pelas reformas ousadas feitas durante o exercício do poder
desses governantes. Como exemplo emblemático disso, mais uma vez nos referimos a Psístrato que, em 561
a.C., assume o poder em Atenas. Em meio a uma profunda crise social e econômica, esse governante
empreendeu uma série de reformas: criou um conjunto de juízes itinerantes para que a lei pudesse ser exercida de
forma mais ágil; realizou uma série de construções, empregando um grande contingente de pessoas que não
possuíam condições de sobreviver e, ao mesmo tempo, utilizando tais obras como símbolos de poder para
enaltecer seu nome; por fim, esfacelou o poder do grupo da aristocracia que lhe era rival, confiscando bens e
redistribuindo ao demos, exilando e até mesmo executando. Além disso, os tiranos se utilizavam da força de
membros do demos para constituir exércitos de mercenários. Talvez por esses motivos Aristóteles tenha
argumentado que o tirano é proveniente da multidão e, portanto, que governasse em prol dela. Aristóteles
chamou Pisístrato de δνμοτικώτατος, devido o apoio que recebeu do demos. Mas a questão é que a própria
aristocracia era fragmentada, por isso buscar o apoio da população era apenas uma forma diferente de se
enxergar um caminho para um projeto político que, ao fim, era comandado ainda pela aristocracia. A vitória de
Pisístrato teve lugar no campo de lutas entre as grandes famílias, inclusive a dos alcmeônidas, com a qual
manteve relações de aliança e rivalidade alternadamente.
88
Poeta lírico que viveu no século VII a.C.
118

dos Trinta, em 404 a.C. Já a oposição basileus/bom e týrannos/mau somente se consolida no

século IV a.C. (FERREIRA, 1992, p. 133-134).

Considerando este enquadramento da tirania no período arcaico, concordamos com

Martín (2014, p. 72) quando afirma que não é possível sustentar qualificativos tais como

usurpador ou traidor para Cilón nem taxar o governo de Pisístrato como inconstitucional e

violento, por exemplo. Muito menos temos argumentos suficientes para afirmar que as

tiranias arcaicas funcionaram à margem da lei, como consta na referência de Aristóteles ao

governo de Cípselo em Corinto. A tirania, no período arcaico, foi uma forma de governo

pessoal, por meio da qual a arché, reunida nas mãos de um único homem, possibilitou ao

governante se utilizar de diversos dispositivos próprios da basileia, tais como legislar, ter o

monopólio do poder bélico e realizar rituais religiosos. Somente no contexto do final do

século V a.C. os termos tirania e tirano foram dissociados da concepção monárquica.

A Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) marca uma virada decisiva na História da

Grécia em todos os seus aspectos, pois dá início ao processo de desestruturação da pólis

clássica. Marcada por um acentuado tom ideológico, ao pôr em confronto duas concepções

políticas diferentes – democracia e oligarquia, essa guerra rompeu em definitivo o equilíbrio

da Hélade (SOUZA, 1988, p. 63-71). Para Mossé (1997), no decorrer da guerra começavam a

aflorar divergências dentro do próprio demos, sendo o regime democrático ameaçado por duas

vezes, em Atenas, por golpes oligárquicos – em 411 e 404 a.C. Nesse contexto, a imagem

acerca do poder pessoal e da tirania começou a ganhar novos contornos. A partir da crise da

pólis, a discussão política sobre as formas de governo gerou, na Grécia, as suas reflexões mais

frutíferas. Na realidade, o grande esforço de sistematização do pensamento político grego é

próprio desse período de redefinições.


119

Na História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides, é possível perceber que a tirania

foi dissociada da realeza ou, pelo menos, sua associação passava a ser cada vez mais

frequente, com a oligarquia, adquirindo assim um conteúdo claramente depreciativo.

[...] Tendo-se a Hélade tornado mais poderosa e conseguindo, ainda muito mais do
que no passado, adquirir riquezas, com a abundância começaram a surgir tiranias nas
cidades, quando antes tinham existido regimes de realeza hereditária assente em
prerrogativas. Então a Hélade começou a aparelhar navios e a dar maior preferência
ao mar [...] (Thucydides, I, 8, 1)

Para Tucídides, a Guerra do Peloponeso era o cenário onde se manifestavam as

verdadeiras feições da natureza humana, que se revelava, de um lado, pela tirania do Império

Ateniense e, por outro, pelo conflito constante entre a democracia e a tendência à tirania dos

oligarcas (SUÁREZ, 1989, p. 156-157). Na visão de Tucídides, a tirania poderia ser exercida

tanto por um homem quanto por uma cidade: “[...] Não conseguis ver [atenienses] que é

tirania o poder que sobre eles [aliados] exerceis e que, sempre intrigando contra vós, são eles

comandados por vós contra sua vontade, e não por serem beneficiados por vós com prejuízo

vosso que vos obedecem, mas mais pelo poder que exerceis do que pela sua vontade [...]” (III,

27, 2).

Para alguns autores, como Guarinello (1987, p. 18-21), um dos principais motivos que

levaram à irrupção da Guerra do Peloponeso foi o imperialismo ateniense,89 que rompia com

o ideal da pólis de autonomia e harmonia.90 Ao buscar reforçar esses ideais em sua própria

pólis, Atenas não os respeitava no que se referia às póleis aliadas. De fato, Atenas unificou os

padrões de pesos e medidas dessas cidades e instituiu clerúquias, que, conforme Guarinello

(1987, p. 17-18):

89
Para o uso do vocábulo imperialismo, concordamos com a definição de Guarinello (1987, p. 11), de que o
imperialismo antigo manifestava-se pelo estabelecimento de um diferencial de poder, militar ou não, que
pudesse proporcionar um fluxo centrípeto de bens para a pólis em expansão.
90
Sobre esse princípio de defesa de uma autonomia por parte das póleis, já existe um significativo grupo de
estudiosos que relativiza a busca de autonomia de forma ortodoxa. Para Mackil (2013, p. 7-10) e Beck e Funke
(2015, p. 4-8), as póleis estavam frequentemente em posição de dependência e subordinação uma com as outras,
sendo inclusive a formação de alianças, por meio de Ligas (κοινόν), uma constante nas relações intra-póleis e até
mesmo uma estratégia vital para a sobrevivência das cidades gregas.
120

[...] consistiam na ocupação de lotes (os kleroi) das melhores terras agrícolas no
território dos Estados da Liga [de Delos] por cidadãos atenienses que não dispunham
de propriedades agrárias na Àtica. Aqueles que eram agraciados com tais lotes
conservavam a cidadania ateniense e não se integravam ao corpo social das cidades
em cujo território se estabeleciam. Constituíam, assim, ao mesmo tempo uma
válvula de escape para as pressões sociais em Atenas e um ônus ofensivo para os
aliados.

Sobre o movimento oligárquico que ganhou espaço em Atenas no fim da Guerra do

Peloponeso e que foi associado por Tucídides à tirania, Buckley (1996) afirma que, em 411

a.C., após cem anos da expulsão dos pisistrátidas, Atenas passou pela sua primeira

experiência oligárquica, ocasião na qual o corpo cívico foi reduzido de uma média de 40 mil

cidadãos para apenas 5 mil. Já em 404 a.C., o golpe dos Trinta Tiranos reduziu o corpo cívico

para 3 mil cidadãos. Buckley não problematiza o conceito de tirania, equiparando a tirania

arcaica à do fim do período clássico. Seja como for, esses golpes causaram profundo impacto

sobre a reflexão política ao final do século V e durante o século IV a.C., e propiciaram a

estigmatização da oligarquia e da tirania, produzindo também, junto com as sequelas do

conflito, uma profunda descrença no sistema políade por certos grupos.

Devemos ponderar que, na fase final da Guerra do Peloponeso, o contexto favorecia a

ofensiva oligárquica. O demos estava dividido em pelo menos dois grandes grupos: o das

pessoas do campo, para quem longos anos de guerra tinham sido muito duros, e que

desejavam a paz; e o dos tetes, da marinha ateniense, para quem a guerra era a garantia de um

soldo regular e de vantagens materiais (ANDRÉ, 2009, p. 40-41). Além disso, as hetaireíai,

associações políticas ativas durante todo o período clássico em Atenas, congregavam

simpatizantes do regime oligárquico que, em determinados momentos, poderiam formar uma

synomosía, um grupo propriamente oligárquico que buscava promover um golpe contra o

regime democrático, como podemos ver no final da Guerra do Peloponeso (LIMA, 1998, p.

17-21).
121

Ao longo da Guerra do Peloponeso, a especialização militar e o número de mercenários

aumentaram, ocorrendo o enfraquecimento do ideal de camponês/cidadão/soldado

característico da pólis. Em Atenas, o regime democrático entrou em profunda crise (AUSTIN;

VIDAL-NAQUET, 1986). É nesse contexto de crise, no decorrer da primeira metade do

século IV a.C., que começam a florescer ideias relacionadas a um novo tipo de monarquia,

dissociada da tirania. Por meio de autores como Xenofonte podemos recuperar as linhas

gerais da passagem do sistema políade às monarquias helenísticas. Mas, antes de adentrarmos

nesta questão, se faz necessário tratar de outro tipo de realeza cuja contribuição é

determinante para a constituição da basileia helenística e que se faz cada vez mais presente no

mundo grego no pós-Guerra do Peloponeso: a basileia macedônia.

A realeza macedônia

[...] Gaianes, Aérope e Pérdicas, todos irmãos e descendentes de Temeno, viram-se,


pelas circunstâncias, obrigados a fugir para Argos, na Ilíria, e, passando de lá para a
Alta Macedônia, foram ter à cidade de Lebéia, onde se engajaram no serviço do rei
por determinada remuneração. Um tratava dos cavalos; outro dos bois; e Pérdicas, o
mais jovem, guardava o gado miúdo [...] Era a própria rainha quem lhes preparava a
comida. Começou ela a observar que todas as vezes que o pão do jovem Pérdicas,
que a auxiliava na cozinha, saía do forno, vinha com o dobro do tamanho que tinha
ao ser ali colocado. Admirada com o fato, que se repetia sempre, comunicou-o ao
marido. O rei atribuiu logo o fato a um milagre, considerando-o o presságio de
algum acontecimento importante. Mandando vir à sua presença os três irmãos,
ordenou-lhes que deixassem os seus domínios. Os jovens apenas declararam, em
resposta, que era de justiça receberem antes o seu salário.91 Ao ouvir a palavra
salário, o rei respondeu à maneira de um homem a quem os deuses tivessem
perturbado a razão. “Dou-vos o sol (o sol penetrava na casa pelo orifício por onde
saia a fumaça); esse salário é digno de vós”. Ante essa resposta, os dois irmãos mais
velhos, Gaianes e Aérope, ficaram atônitos, sem saber o que dizer; mas Pérdicas, o
mais jovem, retrucou ao soberano: “Senhor, aceitamos a oferta que nos fazeis”. Isso
dizendo, tomou a faca que trazia consigo e traçou no espaço uma linha imaginária
em torno do raio de sol que entrava na sala, e depois de o haver atravessado três
vezes, afastou-se dali com os irmãos [...] (Hdt., VIII, 137).

Na passagem acima, vemos Heródoto oferecendo uma explicação para a fundação da

realeza macedônia quase três séculos após a sua criação. O mito em torno da criação dessa
91
O termo utilizado originalmente é μισθός, que pode ser traduzido por salário, paga ou soldo (LIDDELL;
SCOTT, 1940).
122

basileia foi recolhido e sistematizado por Heródoto, provavelmente na Macedônia, durante o

reinado de Pérdicas II (454 a 413 a.C.). Por ocasião da visita de Heródoto, o rei macedônio

buscava reforçar os laços de solidariedade das famílias aristocráticas e manter unida a casa

real dos Argeadae/Temenidae, bem como o próprio reino. Heródoto resgata, em sua obra, o

mito macedônio dos três irmãos pastores, reforçando a autoridade dos reis da Macedônia em

torno de uma dinastia de ascendência heroica/guerreira/sagrada. Concordamos com Theml

(1995, p. 4-5) sobre a vitalidade de se utilizar fontes textuais de origem não macedônia para

investigar a fundação dessa realeza, isso por dois motivos. Em primeiro lugar, os macedônios,

eles mesmos, não nos deixaram testemunhos sobre o surgimento de sua realeza. Em segundo

lugar, os macedônios dos séculos V e IV a.C. não contestaram a representação construída por

Heródoto. Pelo contrário, os macedônios valeram-se desta construção em diversos momentos.

Possivelmente, não houve questionamento dos relatos helênicos por parte dos macedônios

sobre a fundação mítica de sua realeza pelo fato de a explicação não se encontrar em

desacordo com os interesses macedônios ou por não possuírem alternativas próprias, nem

meios de construí-las devido à perda da tradição num contexto de aumento dos contatos

interétnicos no território macedônio, que é ilustrado na Figura 6.


123

Figura 6 – Mapa da Macedônia

Fonte: mapa organizado por Theml, com desenho de José Carlos Bustamante.

A basileia macedônia se diferenciava em muitos aspectos da homérica, da qual já

tratamos.92 No que concerne às características desta realeza, um dos trabalhos mais

importantes produzidos no Brasil é a tese de doutorado de Neyde Theml. Dialogando com a

Arqueologia, Theml (1997; 1995; 1993) aponta que, enquanto o hérôon (tumba monumental

dedicada aos heróis) foi um dos signos distintivos da emergência da pólis, no território da

Macedônia surgiu um outro tipo de sepultura – a tumba do guerreiro. Em virtude do héroôn,

podemos afirmar que a figura do herói (héros), foi um importante instrumento simbólico no

momento da organização do mundo políade ao longo do século VIII a.C. Esse herói aparece

definido como um guerreiro destacado, como vimos nos poemas homéricos. Quando de sua

morte, ele deveria ser cremado e seus restos colocados em uma urna funerária, que deveria ser

depositada em uma sepultura à altura da honra do herói em questão. Chamamos este tipo de

sepultura de hérôon, e sua existência relacionava-se com o sentimento de pertença à

92
Mesmo que possamos apontar algumas semelhanças entre o basileus homérico e o macedônio, como deveres
religiosos, liderança do exército e atuação em julgamentos em determinadas circunstâncias, um olhar mais
próximo revela importantes diferenças. Para mais detalhes, vide Carlier (2005).
124

comunidade cívica (ANDRÉ, 2012, p. 103-104; SOUZA, 2005, p. 2). A participação em um

culto definia a pertença a um coletivo. Quanto à tumba do guerreiro, este monumento

funerário teria um significado diverso do hérôon, revelando a existência de uma elite

responsável pela organização política da comunidade.

Figura 7 – Artefatos referentes à Tumba do Guerreiro, necrópole de Vergina, séc. VIII a.C.

Fonte: https://www.aigai.gr

As duas imagens da Figura, que se referem a tumbas do período arcaico encontradas na

necrópole de Aigai, atual Vergina, nos permitem concluir que os artefatos encontrados nas

sepulturas masculinas, tais como espadas, facas e lanças, traduzem a função militar do

monarca macedônio, arraigada a uma ideologia dos heróis desde o período da fundação da

realeza macedônia. Segundo (THEML, 1997, p. 303):


125

Observamos que a presença, no VIII°/VII° séculos a.C., destas “tumbas reais”


heroificadas e a das “tumbas de guerreiros”, marca dois espaços com tempos
históricos diferentes. Um centro helênico onde se processa a formação das póleis e
[outro] [...] onde as comunidades organizam-se politicamente através de uma elite
guerreira em forma de chefias ou realezas tradicionais. 93

Esse tipo de governo, exercido por uma elite guerreira, é, segundo a autora, resultado de

um processo de preservação dos usos e costumes macedônios diante das mudanças que

irrompiam na Hélade e das contínuas vagas migratórias. Os dados provenientes da cultura

material da região da Macedônia, na Idade do Bronze, mostram que os macedônios, os trácios

e os brígios se organizaram como culturas guerreiras (THEML, 1993; ARCHIBALD, 2005).

Várias etnias diferentes invadiram e ocuparam a Macedônia, na Antiguidade. Assim, a nosso

ver, houve uma tendência à valorização dos costumes ancestrais como forma de defesa e

manutenção da identidade social dos macedônios. Além disso, não devemos esquecer que

existiu, por parte da elite, uma reivindicação das suas origens míticas ligadas aos deuses

helênicos. A elite macedônia, por meio do mito de fundação da sua basileia, considerava-se

descendente de Zeus e celebrava o festival de outono em homenagem a esta divindade, além

de ser conhecedora e admiradora dos poemas homéricos (BORZA, 1982, p. 10).

Como podemos perceber por meio da passagem de Heródoto sobre a fundação da

realeza macedônia citada na abertura desta seção, Gaianes, Aérope e Pérdicas seriam

descendentes de Têmenos. Na narrativa mítica, Têmenos descendia de Héracles. Os

descendentes de Têmenos foram chamados de Teménidas. Gaianes, Aérope e Pérdicas,

pertencentes a esta casa, teriam subjugado a Macedônia, instituindo uma dinastia que reinaria

sobre a Macedônia até Alexandre IV.94 Theml (1993, p. 106) expõe o motivo provável pelo

qual o poder sobre na Macedônia repousou sobre a dinastia dos argéadas:

93
A Macedônia era muito mais ligada ao conjunto cultural do norte/oeste/leste balcânico do que com o sul,
território que havia sido o centro da sociedade micênica e mais tarde do mundo das póleis.
94
Chama-se a dinastia macedônia de Argéada/Teménida, pois existe a tradição que associa sua origem também a
Argeas, filho de Makédon, além de Têmenos. Makédon era filho de Zeus e herói epônimo da Macedônia. Sua
genealogia possui pelo menos cinco tradições: autóctone; irmão de Magneto filho de Tia; um dos dez filhos de
126

Acreditamos que os Argeadae/Temenidae possuíam a função de depositários da


tradição da comunidade dos pastores e que este fator foi que lhes garantiu uma
posição de liderança quando a comunidade se tornou sedentária e teve de gerenciar
conflitos de diferentes níveis. Desta forma, conhecer o passado garantia a autoridade
da família e manter este conhecimento significava conservar o prestígio, a confiança
e o poder.

Outro dado importante sobre a realeza dos macedônios é que, diferentemente do caso

micênico, na Macedônia da Idade de Bronze não encontramos construções palacianas. O que

se encontrou entre a Idade de Bronze e o início do VIII século a.C. foram assentamentos

aldeãos, que não apresentavam muralhas (BORZA, 1982; HAMMOND, 2001). Para

Hammond (2001; 1972), a tumba do guerreiro, no território de Vergina, indicaria, no século

VIII a.C., a independência dos macedônios promovida pelos Argéada/Teménida, que

buscavam legitimar seu domínio mediante a narrativa mítica, estabelecendo assim uma

ligação com o campo do sagrado. Segundo Theml (1997, p. 317), podemos inferir que entre

900 a 650 a.C. ocorreu a formação e consolidação da realeza dos macedônios. Pelo fato de a

passagem de chefias locais para uma basileia de caráter guerreiro/sagrada ter ocorrido pelas

mãos do grupo étnico dos macedônios,95 Theml, Borza e outros estudiosos chamaram essa

organização política macedônia de Estado-Éthnos.

Há autores que associam a basileia macedônia ao modelo trifuncional. De acordo com

Gonçalves (1996), aproximadamente entre 2.500 e 770 a.C., no território da Grécia, se

desenvolveriam três modelos de realeza tradicionais: a trifuncional, a micênica e a homérica.

Durante toda a Idade de Bronze, a Macedônia teria conhecido apenas um tipo de realeza, a

trifuncional, que seria regida por três princípios reunidos na pessoa do monarca: a soberania, a

força e a fecundidade, que exprimiriam as três funções sociais do monarca: a sacerdotal, a

guerreira e a produtiva (GONÇALVES, 1996, p. 10-11). De acordo com Durand (1989, p.

Eole; filho de Lycaon; um dos companheiros de Osíris. Makédon significa cabeça de lobo ou couraça de pele de
lobo.
95
Essa basileia de caráter guerreiro/sagrada foi importante para a definição não só da realeza de Alexandre,
como para a própria definição da monarquia helenística.
127

98), todo poder soberano seria triplo: “[...] sacerdotal e mágico por um lado, jurídico por,

outro e, por fim, militar. O rei é [...] ao mesmo tempo mago inspirado com prerrogativas

ascensionais, soberano jurista e ordenador monárquico do grupo, não se podendo separar

destas duas funções os atributos executivos e guerreiros”. Porém, devemos tomar cuidado

com interpretações que atribuem um caráter absoluto à realeza macedônia, pois mesmo que o

papel da elite guerreira fosse menos evidente ao lado do basileus macedônio em comparação

à aristocracia guerreira que seguia o basileus homérico, hoje sabemos que o conselho que

auxiliava o monarca argéada tinha uma importância política considerável (ERRINGTON,

1991; MOMIGLIANO, 1992).

Falar sobre o poder exercido pelo soberano macedônio é adentrar um território

dominado pelo simbólico, pois, de acordo com Balandier (1982, p. 7), o poder requer uma

teatrocracia para se legitimar. O poder só se realiza efetivamente e se conserva pela produção

de imagens, pela manipulação de símbolos e por sua organização em um quadro cerimonial.

Ao examinarmos mais de perto a representação mítica de Heródoto sobre a fundação da

realeza macedônia, podemos perceber uma série de elementos simbólicos que visam a

legitimar o poder do soberano. No texto de Heródoto, estão presentes as forças da natureza, os

gestos rituais e os valores culturais correspondentes à formação da monarquia. Segundo

Gonçalves e Theml (1996, p. 19-20; 1995, p. 72-73), é possível perceber, por meio da

representação construída por Heródoto acerca da fundação da realeza macedônia,

características do poder real e suas justificativas. Em primeiro lugar, Pérdicas, por ser o mais

novo dos três irmãos, detém maior fecundidade na geração de filhos e, desta forma, ocupa e

trabalha a terra, além de governar. A segunda característica se refere à origem divina de

Pérdicas, primeiro rei macedônio, descendente de Héracles por parte dos teménidas. A

terceira característica também possui conexão com o sagrado, pois mostra a proteção das

divindades a Pérdicas de forma direta e pública, como quando o rei cede aos irmãos, a título
128

de pagamento, os raios de sol, mas apenas Pérdicas, sendo o escolhido, os recolhe. Outro

exemplo provém da fuga dos irmãos, quando os deuses uma vez mais iriam interferir em prol

dos teménidas:

Logo que deixaram a casa, uma das pessoas que se achavam perto do rei advertiu-o
sobre as intenções que poderia alimentar o mais jovem dos irmãos ao aceitar tão
prontamente o oferecimento que lhe fora feito. O rei, entre receoso e irado, enviou
cavaleiros ao encalço dos três irmãos, com ordem de matar o mais jovem. Existe,
nesse país, um rio ao qual os descendentes de Argos oferecem sacrifícios, como a
um libertador. Logo que os três irmãos o atravessaram, suas águas se avolumaram
de tal forma, que seus perseguidores não puderam passar [...] (Hdt., VIII, 138).

O papel do elemento religioso foi fundamental para garantir a autoridade dos reis dos

macedônios e, ao mesmo tempo, possibilitou a Heródoto operar com os símbolos da

identidade helênica (ERRINGTON, 1978, p. 80-83; THEML, 1995, p. 72). O irmão mais

novo demonstra ter funções de soberania, força e fecundidade em termos simbólicos e

concretos. Em uma espécie de ritual de autossuperação, Pérdicas, de irmão mais novo e frágil,

se torna soberano. Por último, mas de suma importância, está a presença do Sol, materializado

nos raios dourados colhidos por Pérdicas e que, posteriormente, se tornariam o símbolo por

excelência da dinastia macedônia: a Estrela Argéada.96

Figura 8 – Disco dourado representando o Sol de Vergina, séc. IV a.C.

Fonte: https://www.aigai.gr

96
Para Gonçalves (1996, p. 21), todos os três tipos de realezas tradicionais surgidas no território grego eram
apolíneas.
129

O episódio mítico que se refere à recolha dos raios solares por Pérdicas possivelmente

possui vínculos com este emblema (Fig. 8), que é um dos maiores símbolos da disnatia

Argéada. Na figura, temos o chamado Sol de Vergina, Estrela de Vergina ou, como é mais

conhecido, a Estrela Argéada. Trata-se de uma estrela com 16 raios que era usada como

decoração funerária. A diversidade de nomenclaturas para este símbolo se deve às

divergências acerca do seu significado. Para Borza (1990, p. 260-261), por exemplo, este

símbolo não teria relação exclusiva com a dinastia dos Argéada, uma vez que é encontrado

em diversos artefatos macedônios. Contudo, Andronikos (1981) defende a estrela como um

emblema próprio da dinastia Argéada,97 pois aparece decorando os túmulos desta linhagem.

Essa segunda hipótese é hoje a mais aceita pelos especialistas, visto que a existência do termo

Estrela Argéada reforça a filiação com a dinastia à qual pertenciam Filipe e Alexandre. Além

de estar presente nos túmulos dos reis macedônios, este emblema era encontrado em escudos

e moedas, nas versões com 8 ou 16 raios solares. Quando da campanha de Alexandre na Ásia,

o emblema se difundiu por diversos territórios, sendo empregado durante todo o período

helenístico. Sobre a importância da associação dos argéadas com um símbolo solar, afirma

Theml (1995, p. 73):

O signo solar estabelece naturalmente uma rede simbólica no imaginário helénico. O


Sol remete a ideia de círculo e de universalidade. Através da presença do Sol, um
grande círculo, se dava o dia e a luz, a sua ausência correspondia à noite e ao escuro.
Pela posição do Sol no céu e seu caminho imortal do leste para o oeste o homem
determinava a sua própria posição na Terra, estabelecendo a espacialidade e
temporalidade humana (alto/baixo - mortal/ imortal). O Sol é como um grande olho
que tudo vê e porque tudo vê é justiceiro, sábio e soberano. Os raios solares são
resplandecentes, brilhantes, preciosos como o ouro. Assim, o círculo solar remete a
ideia de coroa e diadema real. A cor púrpura da aurora e do poente é majestosa,
soberana, imortal, pois controla o despertar e o descanso dos homens, dos animais e
do ciclo das plantas. O Sol é soberano, é a direita, é o masculino, é o pai e é
celestial. Sendo assim a representação do círculo e da cruz gamada para direita, que
aparece na cerâmica dos sítios de Vergina, é solar, soberana, real e conota
movimento. O círculo associado ao Sol representa: medida, ordem, harmonia,
vigilância, justiça, soberania, fertilidade e fecundidade (THEML, 1995, p. 73).

97
Andronikos foi o responsável pelas escavações no território de Vergina em 1977, que levaram ao encontro de
uma caixa dourada, artefato comum nas tumbas dos reis macedônios. Na caixa encontrada por Androniko e sua
equipe está gravada essa estrela. A maioria dos especialistas acredita que este artefato tenha pertencido à tumba
de Filipe II, apesar de haver algumas discussões sobre a possibilidade de ela pertencer a Filipe Arrideu, filho de
Filipe II.
130

De acordo com Durand (1986, p. 88), no momento em que Pérdicas recolhe os raios de

sol, enviados pelos próprios deuses, ele faz uma apropriação mágica, um rito, obtendo a

concordância das divindades para assumir o poder. O basileus descrito na narrativa mítica

seria a imagem viva do Sol entre os humanos – aquecendo-os, guiando-os e concedendo vida

a todos ao seu redor. Balandier (1989, p, 17), ao falar sobre os sistemas políticos tradicionais,

como no caso da monarquia macedônia, na qual abundam os símbolos religiosos, afirma que a

transfiguração do soberano provocada pelo poder e hierarquia são evidentes. Tudo o que

ocorre se relaciona com o soberano, é simbolizado e se dramatiza por ele. O soberano deixa

de fazer parte do mundo ordinário para se tornar ordenador do cosmo. Balandier (1969)

evidencia um laço de união entre aqueles que exercem o poder e as coisas sagradas,

apontando para uma relação intrínseca entre religião e política:

Os soberanos são parentes, homólogos ou mediadores dos deuses. A comunidade


dos atributos do poder e do sagrado revela o elo que sempre existiu entre eles, e que
a história distendeu sem, todavia, rompê-lo jamais. O ensinamento dos historiadores
se impõe com a força da evidência, desde o instante em que eles consideram os
poderes superiores associados à pessoa real, os rituais e o cerimonial da investidura,
os processos que mantêm a distância entre o rei e os súditos e, enfim, a expressão da
legitimidade. [...] A sacralidade do poder afirma-se também na relação que une os
súditos ao soberano: uma veneração ou uma submissão total, que a razão não
justifica, um temor da desobediência, que tem o caráter de transgressão sacrílega
(BALANDIER, 1969, p. 115).

Ainda tratando sobre o soberano, Balandier (1982, p. 152) afirma que:

Quando um indivíduo é escolhido rei, ele é arrancado da ordem do cotidiano. Faz-se


dele um chefe, e sua sagração remete sempre a um imaginário que se apoia nos
primórdios. De fato, subir ao poder é morrer como homem para renascer como
detentor do cargo supremo [...].

A construção mítica acerca da fundação da realeza macedônia nos revela como as

relações políticas e sociais são forjadas no âmbito da cultura, local onde se constrói e se

mobiliza o poder simbólico (BOURDIEU, 1998, p. 7-8). O sistema simbólico que cerca a

basileia e seu soberano, no mito recolhido e operado por Heródoto, exerce, no plano da
131

concretude das ações humanas, uma autêntica função política, legitimando a dominação de

determinado grupo sobre outro. Esta ideia vai ao encontro do conceito de representação

formulado por Chartier (1990, p. 5-10), para o quem a representação é entendida como um

recurso cognitivo que nos auxilia a identificar como determinada realidade é concebida pelos

agentes. Admitindo-se que o mundo seja eivado de representações e que estas sejam

construções ligadas a grupos sociais específicos que, por seu intermédio, buscam impor aos

demais a sua própria interpretação do mundo, vemos que as representações estão em

competição e concorrência na condição de práticas de significação e sistemas simbólicos

capazes de gerar identidades coletivas. Nesse sentido, os símbolos se tornam, de acordo com

Bourdieu (1998, p. 10), “[...] os instrumentos por excelência da integração social. Enquanto

instrumentos de conhecimentos e de comunicação, os símbolos tornam possível o consensus

acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da

ordem social”.

Diante da representação acerca das origens da basileia macedônia, devemos nos indagar

sobre a sua importância para aquela sociedade. O crescimento exagerado do pão, o ato de se

oferecer raios de sol como pagamento e a súbita cheia de um rio são todos símbolos que,

segundo Geertz (2013, p. 68), constituem: “[...] formulações tangíveis de noções, abstrações

da experiência fixada em formas perceptíveis, incorporações concretas de ideias, atitudes,

julgamentos, saudades ou crenças [...]”.

Outro aspecto que merece destaque é a construção da basileia macedônia como fruto de

uma dinastia conquistadora com filiações helênicas. Desde Alexandre I (498-454 a.C.), os

Argéada/Teménida conclamam uma origem mítica helênica (BORZA, 1982; HAMMOND,

1989, p. 16-19). Nosso objetivo não é retomar a longa discussão sobre a origem étnica dos

macedônios, se estes eram ou não gregos.98 A questão é que, como elemento constitutivo

98
A associação com a cultura helênica é muito mais um elemento distintivo construído para reforçar a imagem
régia. A realeza macedônia, constituída a partir de VIII a.C., só buscou esta associação no século V a.C., com
132

desta monarquia, a origem mítica helênica, associada com o aspecto conquistador do soberano

macedônio, teve grande relevância para a população que se encontrava no território da

Macedônia e que fora submetida pelo éthnos macedônio a partir do VIII e VII séculos a.C.

Como símbolo de distinção e de legitimação do poder, o direito de conquista foi desde o

início um dos fundamentos desta basileia, pois ela era em parte uma realeza de caráter

guerreiro. Sobre o direito de conquista, Aristóteles (Pol., I, III, §8) nos informa que:

[...] a arte da guerra é de algum modo um meio natural de conquista: porque a arte
da caça é apenas uma das suas partes, aquela da qual se serve o homem contra as
feras ou contra outros homens que, destinados por natureza a obedecer, recusam
submeter-se; assim, a própria natureza desculpa a guerra [...].

Especificamente sobre o poder de conquista de territórios pelos macedônios, que levou

à formação da basileia, destaca-se o relato de Tucídides (II, 99, 1-6):

[...] o litoral, hoje chamado Macedônia, obtiveram-no primeiro Alexandre, pai de


Perdicas e os seus antepassados que eram Temênidas de Argos. Instalaram-se como
basileus depois de derrotarem numa batalha e expulsarem os Piérios da Piéria [...]
Da região chamada Bótia expulsaram os Botieus [...] Conquistaram também uma
pequena faixa de terra ao longo do rio Áxio desde o interior até Pela e o mar. E
ocuparam outra faixa estreita desde o Áxio até ao Estrímon chamada Migdônia,
depois de expulsarem os Edonos. Também expulsaram os Eordos da região chamada
Eórdia [...] Expulsaram também os Almopes da Almopia. Estes Macedônios,
também pela força, apoderaram-se e ainda mantêm outros locais pertencentes a
outras tribos [...] A região toda passou a chamar-se Macedônia [...].

Assim, a Macedônia era, de acordo com Antela-Bernárdez (2009, p. 163) e Hammond

(1988, p. 389), a doroktetos chora dos Argéada. Com base no direito de conquista, a terra

adquirida pela lança pertencia ao monarca, que seria o encarregado de regular o usufruto dos

bens naturais do território, assim como gerenciar as relações com o exterior e a prática

Alexandre I. Ela foi reforçada através da construção narrativa de Heródoto durante o período do governo de
Pérdicas II. De acordo com Hall (2002) e Laky (2012), essa aproximação acontece em meio a um processo geral
de construção da identidade grega nos séculos VI e V a.C., a partir da difusão do culto a Zeus Olímpio, sendo
somente em 409 a.C., durante o governo de Arquelau, estabelecidas competições atléticas em honra a este deus
em Díon. No entanto, discordamos de Laky (2012, p. 207-208) e Hall (2002, p. 165), quando estes afirmam que
estabelecidas as filiações com elementos da cultura helênica, no fim do século V a.C., os macedônios foram
aceitos como helenos. Em pleno século IV a.C., o mundo da Hélade ainda via os macedônios como estrangeiros
e bárbaros, incluindo seus monarcas, postura que, diante de uma preponderância político-militar da Macedônia
de Filipe II, gerou uma discussão política acirrada sobre o lugar dos macedônios.
133

religiosa oficial, na condição de sumo sacerdote do povo macedônio (HAMMOND, 1992, p.

34). Proveniente deste poder de conquista, o soberano macedônio tinha como um de seus

principais atributos a habilidade militar.

Como afirma Valeri (1994, p. 415-417), associado aos poderes místicos da realeza, está

sempre o poder militar, sendo que, na maior parte das teorias da realeza, um aspecto deriva do

outro. A partir do momento que um rei conquista determinada sociedade, ele sai da periferia

desta e passa para o seu centro, identificando-se com os valores da sociedade dominada. O

basileus tem, por isso, um caráter duplo, que se exprime na mitologia e no ritual da realeza –

ele é um estrangeiro, um conquistador violento, mas ao mesmo tempo se identifica com o

povo, sendo o responsável pela manutenção da ordem (VALERI, 1994, p. 417). A monarquia

macedônia, desta forma, seria fruto do heroísmo de um homem/dinastia, que a resgatou do

caos e devolveu-lhe a harmonia, que só pode ser obtida e mantida mediante a vitória sobre os

inimigos.

Analisando a natureza da realeza macedônia, vemos como esta reivindica para si não

apenas o monopólio do poder simbólico, mas também o da violência física/simbólica. Isto

decorre, como diz Bourdieu (2014, p. 260-261), do fato de que, no processo de construção do

Estado, este busca concentrar, em torno da figura do rei, os diferentes capitais. Essas

diferentes formas de acumulação de capital “[...] militar, econômico e simbólico são

interdependentes e formam um todo, e é essa totalização que faz a especificidade do Estado

[...]” (BOURDIEU, p. 2014, p. 266). Dentro dessa ótica, há outro monopólio que o monarca

busca – o da lei. Muito ainda se debate sobre a questão jurídica na Macedônia e os limites do

poder do basileus. O termo monarquia pessoal tem sido amplamente utilizado para definir o

sistema macedônio, no sentido de considerar o rei uma encarnação do Estado em termos

jurídicos (ERRINGTON, 1974, p. 21; ANTELA-BERNÁRDEZ, 2009, p. 163). Mas, como

vimos, existiam estruturas, na Macedônia, que podiam restringir o poder do rei, como a
134

assembleia de guerreiros, mas essas estruturas são pouco iluminadas nas fontes, que enfatizam

o caráter militar da realeza macedônia. Contudo, podemos encontrar indícios de que o

monarca governava pela lei e não somente pela força – chegando mesmo a encarnar a

primeira (ELLIS, 1977, p. 24).99

Em uma passagem de Arriano, na qual Calístenes fala a Alexandre, vemos o tema ser

abordado:

Alexandre não só parece ser, mas realmente é [...] o mais bravo [...] e o mais
majestoso dos basileis, generais e o mais digno para comandar um exército [...] Ó,
senhor! Você tem a responsabilidade, mais do que qualquer outro homem, para se
tornar o maior defensor desses pontos levantados por mim, e adversário daqueles
que são contra [...] você tem que lembrar que não está associado [...] a Cambises ou
Xerxes, mas sim ao filho de Filipe, que remonta sua origem a Herácles e Éaco, cujos
antepassados vieram para a Macedônia e tem continuado a governar os macedônios
até hoje, não pela força, mas pela lei [...] (Arr., Anab., IV, 11, 6).100

Anson (2008), ao examinar os supostos poderes da assembleia macedônia, o de ouvir,

assessorar e orientar o basileus nos casos de pena capital, afirma que essas prerrogativas da

assembleia representavam apenas uma oportunidade para que o monarca envolvesse os

macedônios no processo de tomada de decisões judiciais. Com efeito, o governo da

Macedônia tinha muitas das características de uma autocracia. Simplesmente não havia

governo além do basileus. Como vimos, o rei, devido a sua autoridade, determinava os

impostos e os serviços, controlando a política externa, formando alianças com governos

estrangeiros e declarando a guerra e a paz. Ele era o chefe dos exércitos, controlava as minas e

as florestas, servia como chefe religioso oficial e fundava cidades (ANSON, 2008, p. 135-

137).

A existência de um nomos macedônio, que regulamentava as relações entre o monarca e

o povo, era, entretanto, uma forma de relativizar o absolutismo régio (MOSSÉ, 2004, p. 53).

De fato, a autoridade régia foi limitada pela própria natureza do governo real e as tradições da

99
Podemos ver informações desta natureza nas obras dos antigos como Justino (XXIV, 5-14) e Cúrcio (X, 7-9).
100
Arriano usa o termo ἄρχοντες,para falar sobre os soberanos macedônios. Arcontes seriam aqueles que
detêm o poder – a arché.
135

Macedônia. Sobre a aclamação do rei na Macedônia, não temos muitas informações, mas,

provavelmente, a assembleia tinha um papel por vezes fundamental no ritual de entronização

do novo monarca, visto que as disputas sucessórias eram complexas. Após a morte de Filipe

II, por exemplo, é muito provável que Alexandre tenha sido confirmado como basileus

Makedônon pelos guerreiros reunidos em assembleia, com os quais o novo monarca já tinha

uma forte relação desde o governo do pai (MOSSÉ, 2004, p. 54). Quanto à existência de um

poder absoluto exercido pelo monarca, talvez a ideia da autocracia macedônia tenha se

imposto devido ao fato de a maior parte das informações sobre ela advirem do período

posterior ao governo de Filipe II. Este teria sido o responsável pela finalização do processo de

unificação e modernização da Macedônia, além de ter exercido uma política de forte caráter

expansionista. Mas, ao relativizarem os limites da basileia macedônia, alguns autores, como

Mossé (2004), Fenton (2005) e Momigliano (1992), sugerem que a força da personalidade de

Filipe, mais do que uma modificação institucional, foi o que permitiu o fortalecimento da

autoridade régia na Macedônia, embora esta autoridade pudesse ser contestada em algumas

circunstâncias, como nos momentos de transmissão do poder. A questão que se coloca, no

entanto, é a importância do poder pessoal ligada a esta basileia macedônia, sobretudo a partir

de Filipe e Alexandre.

O próprio Filipe buscou fortalecer os laços entre a realeza e os macedônios, pelo menos

com os membros da elite, no processo de expansão da Macedônia. Antes de Filipe, a cavalaria

era a principal força militar. Suas fileiras eram formadas pela aristocracia macedônia, que

representava os hetairoi (ἐταῖροι), companheiros. Na Macedônia, a máquina burocrática era

mínima, sendo a maior parte dos cargos de governo ocupados por estes indivíduos. Os

hetairoi se vinculavam formalmente ao monarca por meio de laços religiosos e sociais:

sacrificavam, caçavam, bebiam e lutavam ao lado do rei (STAGAKIS, 1962, p. 53-67). Filipe

II estendeu esse tipo de vínculo pessoal para a recém-formada infantaria macedônia, composta
136

pelos pezhetairoi (πεζέταιροι), os companheiros a pé, que passaram a desempenhar um papel

importante no exército (BILLOWS, 1994, p. 16-20; ANSON, 2009, p. 471-477).

Desta forma, o conceito de realeza pessoal, muito utilizado para a Macedônia, ganha

espaço. Essa natureza em parte pessoal da monarquia macedônia tornava necessária a

existência de um basileus que fosse um líder carismático. Na visão de Weber (1999, p. 360), o

líder carismático associa-se aos Estados de burocracia mínima. Ele é soberano porque é acima

de tudo um chefe militar, de modo que sua monarquia é fruto do seu heroísmo carismático.

De fato, o rei deveria ser o primeiro a se envolver na batalha e o último a deixá-la. Anson

(2008, p. 136) informa que a legitimidade do regime dependia muito da personalidade e

capacidade do monarca em lidar com as questões referentes ao poder. Nesse aspecto, Filipe

foi um exemplo para a realeza macedônia.

Essa monarquia guerreira, revestida com atributos sagrados e de caráter étnico/tribal, ao

final do século V a.C. e ao longo do século IV a.C., passou por transformações que

permitiram uma acentuada centralização do poder pelo basileus. No decorrer do século IV

a.C., a basileia de Filipe entrou em contato com o mundo da pólis, num contexto de profunda

instabilidade e discussão política. Nesse momento, as representações da própria basileia pelos

gregos da pólis experimentaram transformações, e um espaço importante foi aberto para o

crescimento do exercício de uma arché pessoal.

Um sistema em construção

[...] os fins do bom pastor e do bom basileus são semelhantes. Dizia [Ciro] que é
necessário que o pastor, tornando felizes os animais [...] tire proveito deles; assim
também o rei tira proveito de homens e cidades, tornando-os felizes [...] (Xenophon,
Cyropaedia, VIII, 2, 14).
137

Os escritos de Xenofonte que tratam da realeza expõem um debate sobre a transição das

formas políticas desde as formas residuais da pólis até a basileia helenística. O regime dos

Trinta Tiranos configurou, em Atenas, um cenário para a definição da oligarquia como tirania.

Já o aumento do mercenariato após a Guerra do Peloponeso favoreceu o protagonismo de

chefes militares apoiados por mercenários, chefes estes que, por sua vez, podiam ser

associados aos tiranos. Xenofonte, como modo de alertar a Hélade acerca dos males da

tirania, aponta para caminhos que visavam a transformar o poder pessoal em uma basileia

benéfica para os cidadãos, evocando os exemplos de Agesilau e Lisandro e associando o

tirano àquele que busca o poder pessoal com apoio do demos (SUÁREZ, 1989, p. 135-140).

Em Hiéron, Xenofonte critica o governo dos tiranos ao mesmo tempo que oferece conselhos

com o propósito de transformar a tirania em basileia.

[...] Te digo, Simónides, quais são os outros motivos de sofrimento dos tiranos.
Conhecem [...] aos valorosos, aos sábios e aos justos, mas no lugar de desfrutarem
os temem, aos valentes por se atreverem a atuar em favor da sua liberdade, aos
sábios por maquinarem algo, e aos justos por a multidão sentir o desejo de alinhar-se
sob suas ordens. Quando suprimem, por medo, os que são assim, quais restam para
lhe servir que não os injustos, os indisciplinados e os servis? Os injustos são dignos
de confiança porque temem, como os tiranos, que as cidades quando livres, se
tornem donas de si mesmas, os indisciplinados porque dão licença para o presente,
os servis porque nem eles mesmos se consideram dignos de serem livres. Pelo
menos para mim, este sofrimento parece difícil de suportar, considerando que
existem bons homens, mas estão obrigados a se servir de outros. Ademais, é
necessário que o tirano seja amante da cidade, pois sem a cidade não poderá nem
salvar-se e nem ser feliz. A tirania esta obrigada a prejudicar as suas próprias pátrias,
pois não vão bem quando ao invés de preparar aos cidadãos para serem fortes e
armados, fazem aos estrangeiros mais fortes que os cidadãos e usam estes como
portadores de lanças. Nem sequer quando há bons anos existe complacência com o
bem, nem assim se alegra o tirano, pois pensam que são mais submissos quando
estão mais necessitados [...] (Xenophon, Hiero, V, 1-4).

Em suma, a passagem citada de Xenofonte coloca a tirania da multidão, a dos poucos ou

a exercida por apenas um homem como equivalentes no que se refere aos males por elas

causados. Na realidade, sua leitura exprime, de forma geral, a dificuldade de se recuperar a

pólis tradicionalmente idealizada, governada pelos melhores. A cidade à qual este grego

aspira requer a intervenção do poder pessoal. Devido à situação crítica das póleis após a
138

Guerra do Peloponeso, para Xenofonte, assim como para Isócrates em diversos escritos, como

nos discursos cipriotas (Nicocles, 3) e na carta a Filipe da Macedônia (Phil., 5) somente um

governante forte poderia solucionar as contradições das cidades gregas. Nesse sentido, era

necessário diferenciar a tirania, agora concebida de modo claramente pejorativo, da basileia,

que é tida doravante como um bom governo. Para Xenofonte, como demonstra a passagem

citada, o basileus poderia se definir como antitirano, apoiando-se nos valentes e de melhor

estirpe (γενναῖος), nos sábios, nos justos e, em geral, nos cidadãos; mas não nos injustos, nos

indisciplinados, nos estrangeiros e servis, identificados como mercenários, que serviriam de

sustentação para o tirano. Para Suárez (2007, p. 149), esta seria uma forma de conjugar pólis e

basileia.

Xenofonte não foi o único a ver com simpatia o regime monárquico, no século IV a.C.

Segundo Mossé (1975, p. 72-85), nesse período há uma espécie de desenvolvimento de uma

ideologia real que busca demonstrar os benefícios do poder restituído às mãos de um único

homem – o melhor, o sábio, o justo – diante das fraturas da democracia e da oligarquia.101 O

bom basileus não seria tirano nem déspota, mas um homem dotado de predicados nobres que

governaria sobre homens livres. Desta forma, a monarquia não seria imposta. A autoridade

real deveria ser livremente consentida. Retornando ao pensamento de Xenofonte, nas

Memoráveis (IV, 6, 12), quando este discorre sobre as formas de governo definidas por

Sócrates, notamos que a monarquia e a tirania são tidas como duas formas de governos

diferentes. A basileia seria o governo aceito pelo povo e conforme às leis da cidade, já a

tirania seria um poder imposto e que não obedeceria à lei, mas somente à vontade do

101
Por as fontes que temos serem provenientes do território da Hélade e a discussão realizada ser a partir de
reflexões sobre o regime políade, devemos ressaltar que esta visão positivada sobre a basileia não exclui a
existência de grupos que apoiassem a manutenção do sistema políade. Na efetividade, eles eram superiores em
números aos grupos com “tendências monarquistas”. Contudo, a discussão sobre a realeza promovida por
homens como Xenofonte e Isócrates torna-se fundamental para nós à medida que, por meio dela, podemos
vislumbrar como esses helenos enxergavam a monarquia. Ao mesmo tempo, conseguimos captar informações
sobre regimes régios sobre os quais não temos, ou praticamente não temos, registros escritos das próprias
sociedades, como no caso da Macedônia.
139

soberano. Devemos ressaltar que o livre consentimento para que um soberano governasse

dependia diretamente das qualidades deste.

Esse novo posicionamento diante da monarquia e do soberano ideal foi favorecido por

três fatores: pelo ideal de cosmopolitismo, que começou a ganhar cada vez mais espaço após a

Guerra do Peloponeso; por uma nova configuração da paideia do príncipe, no século IV a.C.;

e, em parte, pela ascensão de líderes que se mostravam capazes de solucionar os conflitos da

Hélade, sobretudo a partir da intromissão de Filipe no mundo das póleis. Para Reale (2003, p.

228), mediante o ideal da cosmopólis dissolvia-se a antiga equação entre homem e cidadão. O

mundo passava a ser considerado uma imensa cidade, e o homem grego obrigado a buscar

uma nova identidade após o domínio romano. No que tange ao pensamento de Reale, temos

duas ressalvas. Primeiramente, é problemático se referir a um homem grego em qualquer

período, pois, mesmo na Hélade, é difícil determinar um modelo de cidadão válido para todo

o território. Em segundo lugar, as ideias sobre a cosmopólis são bem anteriores à dominação

romana, pois a identidade grega é estruturada/reestruturada a partir do século IV a.C.

(ANDRÉ, 2009).

Esse tipo de pensamento foi associado por alguns autores, como Thébert (1985), ao

pan-helenismo,102 que, devido aos problemas do século IV a.C., sofreu uma importante

mutação. Pensadores como Hípias (Plato, Hippias maior) e Antifonte (Fragments, III)

falavam sobre uma igualdade entre os homens. O raciocínio sofístico desses dois autores

dissolvia antigos preconceitos ligados à aristocracia e ao tradicional particularismo da pólis.

Ao mesmo tempo, o pensamento de Hípias e de Antifonte, ao afirmarem que cada cidadão, de

cada cidade, era igual a cada cidadão de outra, que cada homem de cada país era igual a cada

102
Com o fim das Guerras Greco-Pérsicas, o fluxo de pessoas das mais diversas origens que circulavam pela
Grécia aumentou significativamente. Esse fato levou alguns a questionarem as diferenças estabelecidas entre os
próprios gregos. Um grupo que partilhava de tal ponto de vista era composto pelos chamados sofistas. Indo de
cidade em cidade para ensinar, mais do que cidadãos de uma simples pólis, eles se sentiam cidadãos da Hélade.
Do ponto de vista político, com os conflitos do século V e IV a.C., muitos políticos viam em uma união das
póleis, no sentido de cessarem as hostilidades, uma forma de amenizar a crise nas cidades gregas.
140

homem de outro, porque, por natureza, todos os homens eram iguais, também colocava em

xeque a visão comum que os helenos possuíam sobre a sua superioridade em relação aos

outros povos. Mesmo que esses pensadores não tenham definido no que consistia essa

igualdade e quais eram os seus fundamentos, percebemos, em seus escritos, que o sentido de

comunidade tão forte na pólis clássica entrava em colapso, surgindo ao mesmo tempo a

afirmação de um individualismo e a ideia de uma cosmopólis (VIDAL, 1998, p. 37-50;

JAEGER, 2013).

Isócrates foi um dos que logo abraçaram o ideal cosmopolita diante da crise do sistema

políade, pois acreditava que Atenas poderia ser a responsável pelo fim das mazelas da Hélade.

Em 380 a.C., escreveu um panegírico dedicado à pólis ateniense com a intenção de persuadir

os gregos a buscarem a salvação para si mesmos (NORLIN, 1961, p. 116-117). Propondo uma

aliança entre Atenas e Esparta, Isócrates as exortava a promover uma campanha antipersa

como solução para os problemas sociais. Isócrates defendia o sistema constitucional

ateniense, realçando os benefícios das leis, evocando o passado de glória da pólis, afirmando

que as leis democráticas eram a causa dos maiores benefícios para os homens e equiparando a

oligarquia à tirania (Isocrates, Panegyricus, 39-40). No entanto, nos anos posteriores Isócrates

voltou sua atenção para os príncipes e suas respectivas formações pedagógicas, enxergando

cada vez mais nestes homens a solução para os problemas que afligiam as cidades gregas.103

Dentre os escritos isocráticos que versam sobre o assunto estão os chamados discursos

cipriotas, compostos por três partes distintas, sendo a primeira dedicada a Evágoras e as

outras duas a Nícocles. Segundo Jaeger (2013), esses discursos se encaixavam nos modelos

da arte pedagógica praticada na escola de Isócrates, que ajudou a preparar uma série de

governantes, incluindo Nícocles. Nesses textos, o autor põe na boca de seu discípulo um

discurso dirigido aos súditos, no qual expõe os seus princípios de governo. Por meio destes

103
Isócrates possuía vários discípulos, muitos deles pertenciam a famílias de governantes e na vida adulta se
tornaram os próprios governantes. Muitos dos escritos do ateniense eram voltados para estes homens.
141

discursos, podemos entrever a possibilidade de fundamentos filosóficos influirem na direção

do Estado através da educação dos governantes. Na descrição do príncipe de Chipre, destaca-

se o ideal pan-helênico da educação política isocrática, sendo possível ver a construção da

imagem do governante ideal por meio do exercício da moral e da virtude (TOO, 1995, p. 151-

152).

Na opinião de Isócrates (Nicocles, III, 18-20), a nova basileia do século IV a.C. deveria

se basear no governo de um só homem de acordo com uma lei fixa e uma norma superior, que

derivaria de uma legislação ideal, dissociando-se assim a realeza da ideia de tirania. A

monarquia, desse modo, seria a melhor forma de governo e, delineada dentro destes

parâmetros, limitava os poderes do rei por meio das virtudes da justiça e da temperança,

atributos que o monarca deveria reivindicar para si como pilares de seu governo, em contraste

com a concepção predominante das virtudes guerreiras do príncipe (JAEGER, 2013, p. 1124-

1137). A paideia do príncipe, assim, seria a única fonte da qual as virtudes brotariam, sendo a

mais perfeita paideia a ἀρετή.104

De acordo com Too (1995), a finalidade da cultura retórica de Isócrates era criar um

estado de perfeição da vida humana, que ele chamava de eudaimonia (segurança,

prosperidade, harmonia interna, prestígio no exterior). Somente pela paideia voltada para a

formação do príncipe, o monarca poderia alcançar condições de formação superiores às de um

indivíduo comum. Apenas a origem do monarca, o nascimento, não bastaria para legitimá-lo

como governante, e este deveria se cercar dos melhores homens para que, em momentos

difíceis, pudesse ouvi-los. Com mãos firmes o suficiente não para oprimir o povo, mas para

impedi-lo de transgredir, o melhor dos homens, detentor da verdadeira areté, deveria governar

mediante a instauração de uma ordem social sólida e de leis justas e harmônicas.

104
A areté está associada à excelência em todos os sentidos, inclusive da alma, podendo se configurar como
virtude, coragem e honra, e geralmente vinculada aos heróis.
142

Embora a visão de Isócrates possa nos parecer um tanto ou quanto idealizada, e o é, já

que ele fabrica a imagem de um soberano ideal, o autor não perde de vista elementos realistas

que faziam da monarquia um governo mais adequado para o seu contexto histórico,

principalmente no que dizia respeito à guerra:

[...] Preparar forças, utilizá-las de modo a encobrir seus movimentos e a levar


vantagem sobre o inimigo, persuadir uns, constranger outros pela violência, comprar
indivíduos, conduzi-los por todos os outros processos de sedução, eis métodos que
os governos absolutos são mais capazes do que os outros de praticar [...] (Isocrates,
Nicocles, 22).

O basileus, desde que instruído pelas virtudes, estaria autorizado a cometer os atos

acima citados. Baseado nessas premissas, Isócrates, a partir de dado momento, passou a

depositar suas esperanças de salvação para a Hélade em torno de um novo tipo de monarca,

Filipe II, da Macedônia.

Em 346 a.C.,105 Isócrates compôs um discurso em homenagem a Filipe (Philippus). No

período, o poder macedônio era incontestável aos olhos dos helenos e Isócrates, enxergando

uma oportunidade para a solução dos conflitos internos da Hélade e, talvez, ao mesmo tempo,

buscando amenizar os impactos do poder macedônio sobre esta, exaltou a figura de Filipe

como possível sóter dos gregos. Nesse discurso, ele voltou às premissas básicas dos discursos

cipriotas. Aconselhando o monarca, Isócrates afirmava que o rei deveria tratar as póleis com

igualdade e justiça, empreendendo atividades vantajosas para os gregos, como promover a paz

entre as póleis (Isoc., Phil., 21-22):

Porque penso que o importante é que vós, sem abrir mão de nenhum de vossos
negócios, trateis de reconciliar a cidade dos Argivos, a dos Lacedemônios, a dos
Tebanos e a nossa. Pois se puderdes tranquilizar estas, não será difícil, ao que

105
Neste período, os atenienses estavam esgotados pelas contendas travadas com Filipe, por isso, em março, uma
embaixada ateniense foi enviada à Tessália, onde estava o rei. Entre os membros da embaixada estavam oradores
influentes como Ésquines e Filócrates, autor da proposta de paz, que estabeleceram uma trégua. Quando Filipe
retornou para a Macedônia, se firmou definitivamente um acordo de paz entre as duas partes envolvidas,
episódio que ficou conhecido como a Paz de Filócrates. No entanto, depois de jurar a paz, Filipe cruzou as
Termópilas e aniquilou a Fócida, tomando para si os dois votos no Conselho dos Anfictiões que pertenciam a
esta. Mais tarde, Filócrates, pelo fato de ter proposto uma paz que foi desfavorável para Atenas, foi acusado e
condenado ao exílio por traição.
143

entendo, fazer com que as demais concordem. Pois todas já estão sujeitas a estas que
mencionei e, quando têm medo, recorrem a qualquer uma dessas quatro [...] para
serem socorridas. Assim, se trouxerdes à razão as quatro cidades mencionadas,
livrareis todas as demais de muitos males.

O foco central da obra dedicada a Filipe é a campanha contra a Pérsia. A conquista do

território dominado pelos Aquemênida seria, em parte, uma solução para os problemas que

afligiam os gregos. Isócrates desenhou, ao longo do seu discurso, a imagem do basileus

macedônio como o governante ideal para liderar uma campanha contra o Império

Aquemênida. Filipe seria o herói, o homem providencial, que salvaria os gregos deles

mesmos (Isoc., Phil., 81-82):

[...] É, pois, próprio de um homem esforçado e amante dos helenos, e que tem
capacidade maior que os demais, valer-se desses homens perdidos [gregos
despossuídos] contra os bárbaros, pagando-lhes com terras que mencionei antes;
livrar os soldados estrangeiros dos males que padecem e que fazem os outros
padecerem; com eles formar várias cidades que sirvam de defesa para a Grécia e que
sejam para todos nós um resguardo. Porque, se isso fizerdes, não só os fareis felizes,
como proporcionareis a todos nós vivermos seguros.

Isócrates, ao depositar nas mãos de Filipe a responsabilidade por conduzir o combate

dos gregos unidos sob a autoridade deste contra os “bárbaros”, aproximou o soberano da

imagem do seu ancestral, Héracles, associado à imagem do herói fundador. Outros epítetos

são aplicados a Filipe ao longo da obra, tais como: díkaii (justo), prosektikós (prudente),

elliniké (heleno) e, logicamente, hegemón (comandante militar) (Isoc., Phil., 10; 18; 80; 89-

90). Encontramos também, no discurso endereçado a Filipe, a oposição entre basileia e

tirania, quando Isócrates compara o monarca macedônio ao rei dos persas. Nessa perspectiva,

o governo do rei persa seria uma tirania marcada pela fraqueza e pela servidão, por isso os

próprios sátrapas deveriam aliar-se a Filipe no momento da guerra, pois este os livraria da

escravidão em que se encontravam (Isoc., Phil., 73-76).

Platão também figura entre os pensadores que refletiram a respeito de uma nova

basileia, controlada por um monarca idealizado. Partindo do pressuposto de que nenhuma


144

politeia serviria ao verdadeiro filósofo e buscando uma solução para os problemas da pólis,

afirma Platão (Respublica, 499 b-c; 540 d-e):

[...] não há cidade, nem governo, nem sequer um indivíduo que do mesmo modo
possa jamais tornar-se perfeito, antes que a esses filósofos pouco numerosos a que
agora chamam, não perversos, mas inúteis, a necessidade, saída das circunstâncias,
os force, quer queiram quer não, a ocupar-se da cidade, e que este lhes obedeça; ou
antes que um verdadeiro amor da filosofia verdadeira, por qualquer inspiração
divina, se apodere dos filhos ou dos próprios homens que estão atualmente no poder
ou ocupam o sólio real [...].
[...] ela [a cidade ideal] é possível, mas como dissemos, apenas quando tivermos à
frente da cidade um ou muitos filósofos, que, desprezando as honras hoje almejadas,
considerando-as indignas de um homem livre e desprovidas de valor, atribuam, ao
contrário, maior importância ao dever e às honras que são sua recompensa, e,
concebendo a justiça como a coisa mais importante e mais necessária, fiquem a seu
serviço, fazendo-a florir, e organizem, segundo suas leis, a cidade [...].

Platão tentou converter, embora sem êxito, segundo seu próprio testemunho, os tiranos

de Siracusa, Dênis, o Antigo e Dênis, o Jovem, à filosofia antes de fazer recair suas

esperanças sobre Díon, mostrando que a paideia do príncipe seria de suma importância no

jogo político. Para Platão, mesmo havendo sistemas diferentes, que, na realidade, se dividiam

entre basileia e aristocracia,106 havia um único possível. Não obstante a existência de vários

homens ou apenas um, estes não poderiam abalar as leis da cidade se tivessem a educação e a

instrução próprias de um governante (Pl., Resp., 445 c-e). Em Político, Platão abordou

diretamente o poder de um único homem, cuja missão principal seria tornar melhores, logo

mais felizes, seus concidadãos. Porém, encontrar um portador dos atributos régios não seria

algo fácil, visto que, para Platão (Politicus, 301 e), “[...] não nascem basileis nas cidades

como eclodem nas colmeias, únicos por sua superioridade de corpo e de alma, é preciso então,

ao que parece, reunir-se para escrever códigos, tentando seguir o rastro da mais verdadeira

politeia [...]”.

106
Segundo Suárez (2007, p. 149-150), Platão usa o termo basileia por possuir conotações mais próximas a da
aristocracia. Ambas constituiriam o que o filósofo chamava de bom governo. A liberdade do demos em sua
perspectiva levaria a escravidão, da mesma forma que a democracia levaria a tirania. Deste modo, a monarquia
identificada como uma forma de aristocracia se constituiria como a contraposição máxima entre realeza e tirania.
145

Outro pensador que valorizou a basileia no século IV a.C. por meio da areté do

governante foi Aristóteles. Como mencionado, Aristóteles definiu cinco tipos de realeza na

Política. O estagirita também opôs a basileia à tirania, sendo a primeira exercida pelo

membro de uma família aristocrática dotado de virtudes superiores, o que o tornava

apropriado para o governo da cidade. Na estruturação de seu argumento, é possível perceber a

existência de um indivíduo excepcional que seria capaz de governar de forma superior

(Aristoteles, Politica, III, §12-13):

[...] Assim, pois, quando se encontra uma família inteira ou um só indivíduo que
possua virtudes por tal forma eminentes que ultrapassem a de todos os outros, então
é justo que essa família seja elevada ao poder real, tornando-se senhora de tudo, ou
se faça basileus a esse indivíduo tão eminente [...] Ora [...] não é equitativo fazer
perecer ou exilar pelo ostracismo um homem de uma virtude tão eminente, nem
pretender que ele obedeça por sua vez, porque não é da natureza que a parte
prevaleça sobre o todo, e o todo é precisamente aquele que tem uma superioridade
tão grande. Resta, pois, só um partido a tomar: obedecer a tal homem e reconhecer-
lhe uma força soberana, não por um tempo determinado, mas para sempre [...].

Ainda no livro III da Política, Aristóteles tratou da superioridade deste indivíduo

excepcional, que seria uma espécie de divindade entre os homens, encarnando a lei devido às

suas virtudes. Segundo Mossé (2004, p. 140), a superioridade da areté do soberano e o fato de

este encarnar a lei seriam aspectos essenciais que viriam a configurar a basileia helenística.

Durante todo o período helenístico, a reflexão sobre estes temas foi particularmente intensa e,

na prática política, ajudou a consolidar a noção de uma monarquia absoluta governada por um

rei divinizado (HIDALGO DE LA VEGA, 2004, p. 73).107

Ao mesmo tempo que uma nova concepção idealizada da basileia surgiu no século IV

a.C., no território das póleis, começa a sobressair o reino da Macedônia com Filipe e

Alexandre. Se a realeza helenística foi tributária, em sua matriz, da realeza macedônia,

conservando bases parecidas com as que existiam desde o período dos primeiros reis

107
Sobre o caráter e limites da divinização do basileus helenístico, dedicamos mais espaço a esta temática no
terceiro capítulo, ao discutirmos sobre os fundamentos filosóficos desta realeza, e em uma seção do nosso quarto
capítulo, onde discutimos sobre a posição do rei helenístico em um limiar entre o campo dos homens e dos
deuses.
146

argéadas, e, ao mesmo tempo, assumiu elementos ligados às monarquias orientais, as

reflexões acerca da realeza pelos pensadores do século IV a.C., conjuntamente com as ações

de Filipe e, sobretudo de Alexandre, promoveram um ponto de tensão em torno da tradicional

basileia macedônia, o que abriu caminho para a concepção de uma nova monarquia que,

mesmo possuindo elementos inatos a este tipo de governo, incorporou novos princípios

mediante as ações dos diádocos, sobretudo no que se refere às relações entre os basileis

helenísticos e as póleis.

Como exposto na abertura do capítulo, a basileia helenística transitou durante sua

constituição entre três espaços distintos, fato que se deu, em parte, pela conduta de Alexandre

ao longo do seu governo. As imagens em torno do argéada também foram forjadas na

fronteira entre estes três espaços: Macedônia, Hélade e Oriente. Suas ações estavam no limiar

entre a basileia e a tirania, segundo as concepções acerca da realeza do século IV a.C.,

tratadas aqui. Tradicionalmente, o soberano macedônio tinha uma sólida ligação com o

território sobre o qual reinava. Ainda, mesmo que possuísse uma forte conexão com o

sagrado, este monarca não era divino, mas sim um primus inter pares, não podendo nutrir a

ambição de superar sua natureza humana (CERFAUX; TONDRIAU, 1956, p. 123). Mas a

representação da basileia macedônia presente na construção mítica de sua fundação, como

vemos em Heródoto (VIII, 137-138), no século V a.C., legitimou simbolicamente as

conquistas dos macedônios, a ponto de a filiação do soberano com o sagrado, no limiar do

século IV a.C., tornar-se um elemento de destaque. Conforme Theml (1995, p. 134) afirma,

Os autores se preocupam em estudar as conquistas de Alexandre, delineando um


perfil de herói, iniciando um processo de heroificação do rei, em que a memória
herodotiana e dos antigos poetas era utilizada para ligar Alexandre à descendência
de Aquiles e de Héracles [...]: Aquiles, o herói forte, corajoso, vitorioso, que zela
por sua timé e seu géras até os limites da hýbris e Héracles, o herói civilizador. Os
dois heróis estão ainda ligados a uma espacialidade estratégica para a política
expansionista do reino dos macedônios. Aquiles, à Tessália, região limítrofe com a
Macedônia, representando a terra de Deucalião, a unidade dos helenos com os
macedônios e Héracles através de seus trabalhos, civilizando os helenos e os
habitantes de terras longínquas. Isto permitia a Filipe II (360/336 a.C.) e Alexandre
147

III (336/323 a.C.) encontrarem um elemento de motivação cultural de criação da


identidade social para a conquista do norte da Macedônia e até mesmo do Oriente.

Alexandre, um macedônio orientalizado que governava devido ao poder da lança,

buscava também se promover nas póleis, que exaltavam sua generosidade e sua associação

com diversos cultos, como o do Theos Aniketos. A vitória era atribuída exclusivamente ao

soberano. O basileus era, por excelência, o vitorioso, cuja distinção não era puramente

humana – a vitória era vista como uma dádiva concebida pelos deuses a quem fosse

merecedor. Alexandre lançava, assim, os parâmetros da monarquia helenística, cabendo aos

seus sucessores sistematizá-la.

Para a primeira geração dos basileis helenísticos foi necessário instituir diretrizes que

conferissem legitimidade ao seu poder. Falar de uma teoria da realeza propriamente

helenística no fim do século IV a.C. é algo difícil, já que este é um período de redefinições.

Somente no século II a.C. há uma sistematização coesa desse tipo de governo, com Políbio

(VI, 4, 7-10; 5, 4-9), e a formulação de uma paideia do príncipe helenístico. As concepções

sobre esse novo tipo de monarché, todavia, remontam ao século IV a.C., quando os homens

da pólis perceberam as intensas transformações que atingiam o seu mundo. Nutrem-se desta

seiva os primeiros basileis helenísticos, Antígono e Demétrio.

Herdeiro da tradição macedônia e tendo precocemente, no governo de Alexandre, se

tornado sátrapa, Antígono utilizou o poder da lança para dominar importantes territórios

conquistados por Alexandre. Com o auxílio de Demétrio, reforçou sua imagem como general

vitorioso e se associou a elementos do campo do sagrado. Pelo nomos da basileia macedônia,

se transmitia a função real e não o reino como um bem. No Oriente, nos reinos helenísticos, a

herança não era apenas a dignidade real, simbolizada pelo diadema, mas também o patrimônio

territorial da dinastia (WILL, 1998, p. 382). Com o fim da dinastia argéada, a filiação com

Alexandre se tornou um dos principais elementos de legitimação dos primeiros soberanos.


148

Houve, assim, a criação de novas dinastias. A continuidade dinástica da basileia

helenística devia basear-se na identificação do herdeiro com a figura de seu progenitor em

todos os âmbitos. Confiança mútua e emulação formavam parte da ideologia da realeza desde

o tempo dos primeiros diádocos, quando a associação entre Antígono e Demétrio se converteu

em um caso exemplar de harmonia paterno-filial (TRONCOSO, 2005, p. 190-191).

Na basileia helenística que surgiu das ações dos sucessores de Alexandre, a areté do

soberano teve importância significativa. Mesmo dispondo de extensos poderes, o soberano

possuía uma série de deveres que constituíam a estrutura moral da monarquia. Embora sem

estrita previsão legal, estes deveres, possuindo raízes na antiga pólis, na Macedônia e na

filosofia política, faziam com que os súditos esperassem dos seus soberanos o exercício de

uma areté real (COHEN, 1974). Segundo Will (1998, p. 385), com a consolidação das

realezas helenísticas, as primeiras virtudes régias não eram o valor militar nem a justiça, mas

a eusébeia (piedade) e todo um conjunto de virtudes destinadas a servir como base das

relações humanas: philía (amor) e philanthropía (amor pela humanidade), por exemplo.

Mesmo que, na prática, não possamos exagerar o alcance destas virtudes, em um sistema de

caráter pessoal, como o da basileia helenística, a existência delas é de suma importância para

a construção de uma aura ética em torno do soberano. É por causa dessas virtudes régias que

poderíamos marcar uma diferença entre a tirania e a monarquia na época helenística.

Com base nestas reflexões sobre a basileia e sobre as concepções filosóficas em torno

desta forma de governo no século IV a.C., passamos a tratar da configuração da basileia

helenística em seus primeiros tempos, tendo como foco as ações de Antígono e Demétrio, que

levaram à formação da primeira monarquia helenística. Mediante a análise da composição da

identidade monárquica helenística, dos vínculos construídos entre pai e filho, da interferência

dos princípios filosóficos na práxis política do papel desempenhado pelas póleis no âmbito
149

desta nova organização política, buscamos traçar como os Antigônida trilharam seu caminho

rumo à fabricação de sua imagem régia.


150

CAPÍTULO III

O caminho rumo à fabricação da imagem régia

Não só os bons são livres, mas também os basileis, porque a basileia é o governo
sem responsabilidade, que ninguém, a não ser o sábio, pode manter. Basileia. [2]
Nem a natureza nem a justiça dão reinos aos homens, mas àqueles que são capazes
de liderar um exército e lidar com assuntos de forma inteligente, tais como Filipe e
os sucessores de Alexandre o eram. [3] A relação de parentesco não beneficia o filho
natural em tudo devido à fraqueza de sua alma. Enquanto aqueles que não tinham
relacionamento familiar [com Alexandre] tornaram-se basileis de quase todo o
mundo habitado [...] (Suidae, Beta 147).

A passagem acima, referente ao termo basileia, expressa muito sobre a constituição da

representação da monarquia helenística e apresenta algumas das questões fundamentais em

torno da legitimação dos reis: o basileus como depositário da lei, virtuoso, exímio

comandante militar; e a primogenitura ou mesmo os laços de consanguinidade nem sempre

sendo uma determinante para a sucessão dinástica. O processo de formação da basileia

helenística ocorreu por meio de diferentes etapas e pelas ações de diferentes sujeitos. Como

exposto nesta tese, as inovações implantadas por Filipe, na Macedônia, e seu projeto de

expansão territorial tornaram possível a campanha em direção ao Oriente promovida por

Alexandre. A partir dos acontecimentos que se seguiram à conquista empreendida por este

último, percebe-se como foi possível uma ruptura da práxis política tal como era concebida e

executada por macedônios e gregos,108 lançando dessa forma os fundamentos de um novo tipo

de sistema político. Alexandre, ao morrer, deixava um império territorial com bases frágeis e

o resultado do processo de ruptura política que o soberano havia iniciado ainda estava por se

definir.

108
Como dito anteriormente, Alexandre, ao conquistar os territórios orientais, aderiu a uma série de elementos
próprios da basileia Aquemênida, como a adoção de parte da indumentária dos reis desta dinastia, titulatura e
adoção do título de basileus Alexandros em suas inscrições numismáticas. Essa atitude levava a uma ruptura
profunda de sua monarquia com princípios tradicionais da monarquia macedônia, já que a identificação
monárquica ultrapassava os limites territoriais macedônios.
151

Nesse ponto do percurso, a atuação dos diádocos foi de suma importância para a

definição do rumo político dos territórios que compunham a oikoumene. Consideramos um

ponto crucial para o estabelecimento da monarquia helenística a ser resolvido após a morte de

Alexandre a fabricação de uma imagem régia dentro da lógica do novo contexto, e dos meios

pelos quais esta seria legitimada.109 Optamos pelo vocábulo fabricação devido à ideia de

movimento que ele porta. O alvorecer das realezas helenísticas possui esse aspecto de

movimento, construção, criação, já que se trata de um período de redefinições em diversos

âmbitos – inclusive da figura do próprio rei e da realeza. Segundo Burke (1994, p. 22), ao

empregarmos o termo fabricação, ligado à imagem real, devemos levar em consideração dois

aspectos: primeiro, que o rei, assim como outras figuras de autoridade, constrói sua própria

imagem, do ponto de vista de sua representação perante os outros; depois, precisamos

descobrir e analisar quais os meios, canais dos quais o monarca se vale para a construção

simbólica de sua autoridade.

Posto isso, nos propomos a analisar, neste capítulo, como Antígono e Demétrio, ao

longo das primeiras décadas do século IV a.C., lançam as bases para a fabricação de uma

imagem monárquica com apoio em elementos originários das fronteiras entre a Macedônia, a

Hélade e o Oriente. Foi a partir da ligação com preceitos políticos e religiosos provenientes

desses três espaços, da associação com Alexandre, da promoção de uma nova dinastia e do

jogo político que envolvia as póleis que Antígono e Demétrio se projetaram como basileis

legítimos.

109
Como dito antes, a morte de Alexandre deixa a questão sucessória como um problema a ser resolvido entre os
seus generais. A situação se torna mais explícita quando os dois últimos argéadas, Filipe Arrideu e Alexandre
IV, morrem. O primeiro em 317 a.C., a mando de Olímpia, de acordo com Justino (XIV, 6), e o segundo por
volta de 310 a.C., por meio de uma conspiração de Cassandro (Diod. Sic., XIX, 102, 2).
152

A realeza entre a Macedônia, a Hélade e o Oriente

Por anos a fio a monarquia helenística foi estudada principalmente sob a perspectiva de

suas raízes greco-macedônias, mas, com o passar do tempo e o aprofundamento dos estudos

sobre a temática, ficou cada dia mais evidente a importância do elemento oriental na formação

desta realeza. Desse modo, devemos analisar a basileia helenística como um produto de fatos

provenientes de territórios diversos, como o macedônio, o helênico e o oriental. E se,

aparentemente, os elementos macedônios e gregos se destacam, isto, em nosso entender,

resulta do fato de que durante muito tempo os pesquisadores da chamada Civilização

Helenística tenderam a enfatizar a predominância do elemento grego, pois compreendiam o

Oriente muito mais como receptor do que como contribuinte no processo de formação dos

reinos helenísticos. Tal perspectiva pode ser constatada nos estudos de Bikerman (1938),

Boardman (1988), Cohen (1934) e Droysen (1836),110 o precursor dos estudos sobre o período

helenístico.

Devemos apontar, contudo, que, no início desses estudos, houve autores que atentaram

para o caráter oriental da basileia, embora poucos. Destacamos, por exemplo, o trabalho

monográfico de McEwan, intitulado The Oriental Origin of Hellenistic Kingship, de 1934, no

qual o autor traça todo um histórico da soberania divina nas realezas orientais, apontando-as

como precursoras da basileia helenística. O problema da análise de McEwan reside no fato de

que quando enfatiza os componentes orientais da realeza helenística, o autor rompe o diálogo

com os elementos greco-macedônios, concluindo que o mundo helênico não contribuiu para a

os aspectos divinos ligados à realeza. A contribuição macedônia, por sua vez, é praticamente

ignorada.

110
Além destes estudiosos mais antigos, podemos encontrar essa visão sobre a predominância do elemento grego
na realeza helenística em autores com trabalhos mais recentes, como Mossé (2004) e Shipley (2000).
153

Mediante o auxílio da Arqueologia e da conjugação das fontes materiais e escritas é

possível, no entanto, obter uma visão mais equilibrada acerca dos diversos componentes da

monarquia helenística. De certo modo, pode-se afirmar que os elementos que constituem a

basileia helenística resultam muito mais da fusão de aspectos da monarquia macedônia com

os da oriental, do que com aqueles provindos do mundo helênico, e isso por duas razões. Em

primeiro lugar, lembramos que o próprio vocábulo basileia foi utilizado amplamente no

mundo grego para definir uma forma de governo própria das sociedades asiáticas, e estava

associado diretamente ao Grande Rei (Suidae, Beta 146). Além disso, ao contrário de como os

macedônios e gregos tradicionalmente encaravam a monarquia, tanto na realeza oriental,

aquemênida, como na helenística, a importância dada ao poder pessoal do rei foi

substancial.111 Uma evidência material desse caráter pessoal do poder régio, na época

helenística, pode ser obtida por meio das moedas.

Já com Filipe encontramos indícios do fortalecimento do poder pessoal régio na

Macedônia. Com uma política voltada para o reforço de sua imagem como governante, o

monarca não recorreu apenas a instrumentos militares, mas também a instrumentos

simbólicos. Ao assumir o trono, em 359 a.C., Filipe fez questão de ressaltar seus predicados

de líder e controlar a produção e circulação de sua imagem dentro e fora da Macedônia. Por

meio da exploração de minas de ouro e de prata localizadas no Monte Pangeu, situado no

território da Trácia, ele promoveu a maior cunhagem de moedas feitas desses metais no

Ocidente (THOMPSON, 1982, p. 113; SILVA, 2009, p. 40-41).

111
Os gregos pertencentes à Hélade, ainda no século IV a.C., tinham resistência a aceitar o poder pessoal, e a
visão política de que o poder repousava na comunidade dos cidadãos ainda tinha força. Quanto à Macedônia,
existem divergências quanto a aspectos ligados ao caráter do poder régio. Alguns autores, como Walbank
(1984), defendem a existência de uma espécie de monarquia nacional na Macedônia, por o território macedônio
e o conjunto dos macedônios atuarem no campo da representação política lado a lado com a figura do monarca.
Contudo, discordamos desta visão pela controvérsia ligada ao termo monarquia nacional e pela dificuldade em
se avaliar de fato a atuação da assembleia macedônia ao lado do rei. Mas a presença da fórmula Basileus
Makedônon e o papel da assembleia do povo em armas, tão debatida por autores como Hammond (2001), Briant
(1973) e Chaniotis (2005), nos deixa entrever que pelo menos até Filipe II, a Macedônia transitava em meio a
uma espécie de realeza tribal, na qual o papel do monarca não era tão centralizador.
154

Figura 9 – Filipe II. Estáter de ouro, 8,5 g., 340-328 a.C.

Fonte: Sear (1979, p. 617)

Tanto nos padrões de cunhagem quanto nas representações numismáticas fica clara a

associação com o mundo helênico desejada por Filipe, que além de se converter em um

elemento de legitimação da basileia dentro da tradição macedônia, ainda se fazia mais

necessária após Queroneia (338 a.C.), devido ao lugar que Filipe passou a ocupar como líder

do Koinon de Corinto.112 A Figura 9 apresenta um estáter de ouro representando Filipe,113

encontrado em Anfípolis114 e cunhado entre 340 e 328 a.C. No anverso desta moeda, está a

imagem de Apolo, uma das principais divindades do panteão helênico, cuja cabeça aparece

ornada com uma coroa de louros. O olhar, por sua vez, mostra-se alongado, característica

atribuída à divindade nas representações numismáticas. Segundo Plant (1979, p. 317), a

cabeça de Apolo laureada foi uma das imagens mais comuns encontradas nas moedas gregas,

sendo frequentemente associada à imagem dos soberanos. No reverso da mesma moeda,

112
De acordo com Thonemann (2015, p. 9), Filipe, assim como seus predecessores, tinha consciência da
ambiguidade do status étnico dos macedônios dado este ser um povo originário das franjas do mundo grego.
Heródoto (V, 22) também nos informa sobre essa questão ao falar do questionamento feito à participação de
Alexandre I da Macedônia nos Jogos Olímpicos.
113
Informações mais abrangentes sobre pesos e medidas, circulação e confecção das moedas do nosso período
podem ser obtidas em Morkholm (1991).
114
Anfípolis era uma cidade gega que ficava entre o território da Macedônia Oriental e a Trácia.
155

vemos uma biga conduzida por um cavaleiro, e a inscrição . A imagem faz

referência à vitória de Filipe na corrida de bigas, nos Jogos Olímpicos de 348 a.C. (Plut., Vit.

Alex., IV, 9; ROMANO, 1990, p. 63-65). Por meio desse estáter de ouro e dos símbolos nele

contidos, é como se Filipe fizesse questão de proclamar, valendo-se do triunfo olímpico, sua

helenidade (THONEMANN, 2015, p. 10).

Figura 10 – Filipe II. Meio-estáter de ouro, 4,30 g., 340-328 a.C.

Fonte: Sear (1979, p. 618)

Filipe também fazia questão de enfatizar a origem sagrada de sua linhagem nas moedas,

ao associar-se à imagem do jovem Héracles vestido em pele de leão, lendário ancestral da

casa régia macedônia. Esse vínculo com a imagem de Héracles pode ser constatado na Figura

10, que apresenta um meio-estáter de ouro cunhado provavelmente em Anfípolis por volta de

340-328 a.C. No anverso da moeda há uma representação da cabeça de Héracles, vestindo

pele de leão, enquanto no reverso vemos a parte dianteira de um leão e ao lado a inscrição

. Por meio das duas moedas apresentadas, percebemos como, ao mesmo tempo

que Filipe demonstrava seu poder e atributos, reforçava seus laços com o sagrado e com a

tradição helênica (THOMPSON, 1982, p.113).


156

A presença do nome de Filipe nas moedas é um fator importante para reforçar a imagem

régia não apenas dentro da Macedônia, mas também além de suas fronteiras. Entretanto, é

com Alexandre que se torna possível ver, materialmente, a transição de um poder mais

vinculado ao território para um poder simbólico cada vez mais centralizado na figura do rei.

Enquanto as primeiras moedas emitidas por Alexandre seguiam o modelo das de seu pai,

trazendo tão somente seu nome no anverso, após o início da campanha do Oriente, o monarca

associou duas tradições em sua cunhagem: a macedônia e a aquemênida. Ao passo que Filipe

utilizava apenas seu nome na emissão de moedas, sem mencionar o termo basileus, para o rei

persa ser reconhecido bastava apenas a evocação do termo basileus. Como dissemos, o

vocábulo basileus, no mundo grego, se manteve muito mais atrelado aos governos orientais.

Desse modo, não havia inscrições numismáticas no mundo greco-macedônio que contivessem

este termo associado ao rei. Já no território oriental, no qual as populações tradicionalmente

se mantinham coesas por meio da pessoa do soberano, um poderoso marcador identitário, a

presença do termo basileus nas moedas não soaria estranho, fazendo-se inclusive necessário

no processo de reconhecimento e legitimação de um novo conquistador como rei. Alexandre,

por sua vez, estabeleceu dois tipos de inscrição no reverso de suas moedas, o primeiro sendo

 e o segundo,   (BELLINGER, 1963, p. 1).

Esses dois tipos de inscrição podem ser vistas nas figuras a seguir:
157

Figura 11 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 17 g., 330-301 a.C.

Fonte: Sear (1979, p. 622)

Na Figura 11, apresenta-se um tetradracma de prata cunhado na Grécia continental

entre 330 e 301 a.C. No anverso, temos a representação da cabeça de Héracles, vestindo pele

de leão, enquanto no reverso vemos Zeus entronizado, segurando uma águia e um cetro,115

acompanhado da inscrição – , e com a Estrela Argéada presente. Já no

anverso da Figura 12 (a seguir), estão representados os mesmos elementos presentes na Figura

11. Contudo, no que se refere ao reverso da Figura 12, mesmo que a moeda representada

possua praticamente os mesmos elementos pictóricos da anterior, a inscrição é diferente:

 .

115
De acordo com Plant (1979, p. 36-37), Zeus aparece sob diversas formas no material numismático
proveniente do mundo antigo. Contudo, quando vamos analisar a imagem dos soberanos, a representação
preferida do rei do Olimpo é a que este se encontra entronizado e segurando o cetro e a águia. As características
próprias desse deus, aliadas aos símbolos de poder da cena do deus entronizado, formavam um substrato de
grande valia para a construção e reafirmação do poder régio. Além da ligação com o poder monárquico, a
conexão com a figura de Zeus, assim como a da deusa Atená, era apropriada devido ao lugar ocupado por
Alexandre como novo líder da Liga Helênica, após a morte de seu pai (CARRADICE, 1995, p. 57).
158

Figura 12 – Alexandre III. Tetradracma de prata, 17, 1 g., s/d

Fonte: Sear (1979, p. 622)

Mesmo que nas representações das duas últimas figuras Alexandre se associe a

elementos da cultura helênica, como vimos nas moedas referentes a Filipe, a mudança na

tipologia da inscrição é um fator de suma importância para a compreensão da tranformação do

poder exercido por Alexandre a partir da conquista do Oriente. Para começar, o local de

cunhagem da moeda da Figura 12 já sugere uma direção. Diferentemente da moeda da Figura

11, cunhada na Grécia continental, a moeda em que está inscrito o termo basileus foi

produzida na Babilônia. Mesmo que não seja possível definir uma datação exata para a

confecção do artefato, especialistas como Morkholm (1991, p. 51) e Carradice (1995, p. 58)

afirmam que é possível datar o início desse novo tipo de cunhagem por volta de 329 a.C., em

territórios do Oriente. Assim, infere-se que o título basileus inscrito em algumas moedas de

Alexandre destinava-se às moedas que circulavam nos territórios antes dominados pelos

Aquemênida, ao passo que, no Ocidente, as inscrições continuavam a portar apenas o nome

do Argéada.

A preocupação de Alexandre em variar a sua imagem de acordo com o território mostra,

em primeiro lugar, como a emissão de moedas ultrapassava a função financeira, tornando-se

suporte de símbolos que poderiam auxiliar a fabricação da imagem régia. Em segundo lugar,
159

esse cuidado com a imagem revela uma estratégia política de Alexandre: de afirmação de seu

poder perante as populações orientais. De acordo com Morkholm (1991, p. 23), ao longo de

todo o século IV a.C. e no período helenístico, as moedas poderiam servir como um meio de

troca, como uma medida de valor ou como uma reserva de riqueza. Thonemann (2015, p.

111), por sua vez, destaca a importância do uso delas em pagamentos, principalmente o soldo

dos soldados, na compra de alimentos e na subvenção às cidades. Contudo, nenhum dos

autores despreza o sentido ideológico presente nas moedas. Tanto Filipe quanto Alexandre e,

depois, os diádocos articularam mecanismos simbólicos para a representação de suas imagens.

A recorrência na manipulação de um passado mítico, a ligação com ancestrais influentes e a

absorção de elementos ligados à imagem do soberano persa mostram a importância do que

Bourdieu (1998) chamou de capital simbólico.

Segundo a definição de Bourdieu (1998, p. 134-135), o capital simbólico seria: “[...]

geralmente chamado de prestígio, reputação, fama etc, que é a forma percebida e reconhecida

como legítima das diferentes espécies de capital.” A utilização dos símbolos, inerentes aos

sistemas simbólicos, pode se tornar um fator importante para a integração social.116 Desta

forma, o capital simbólico auxilia a elucidar alguns fenômenos sociais que, de outra maneira,

permaneceriam incompreensíveis. Por meio de outros capitais, os integrantes de uma elite, o

monarca ou o pretendente à monarquia, e indivíduos que desfrutam de uma posição

privilegiada em outros campos – social, econômico ou cultural – se apoderam do capital

simbólico. Os atributos materiais do poder régio, a indumentária, o cetro, a associação com

divindades, entre outros, constituem exemplos de capital simbólico objetivado (BOURDIEU,

1998, p. 15).

116
O uso de símbolos também pode gerar conflitos no meio social. Destacamos o caso do próprio Alexandre.
Mesmo que a adoção de símbolos ligados a basileia Aquemênida fosse parte importante de uma estratégia
política, houve momentos, de acordo com fontes como Arriano e Diodoro, em que os hetairoi se sentiram
incomodados com a visão de um monarca cada vez mais orientalizado em seu comportamento e vestes.
160

Foi por meio do seu capital simbólico que os artífices da basileia helenística se fizeram

ver e crer pelas populações dispersas pela oikoumene – fossem elas compostas por

macedônios, gregos ou asiáticos. No interior desse amplo território, Antígono e Demétrio

adotaram o mesmo padrão de cunhagem iniciado por Filipe e depois adaptado por Alexandre,

pois a associação com os últimos soberanos argéadas era um componente do capital simbólico

dos diádocos do qual estes não poderiam abrir mão. No que concerne à cunhagem de moedas

realizada por Antígono, este buscou filiar-se mais especificamente a Alexandre, motivo pelo

qual as suas moedas foram todas cunhadas em nome do Argéada, como atestam as inscrições.

A moeda que possuímos com a inscrição do nome de Antígono no reverso foi, provavelmente,

cunhada por ordem de Demétrio, em homenagem ao pai.

Figura 13 – Antígono I Monoftalmo. Estáter de ouro, 303 a.C.

Fonte: Head (1932, p. 243).

Na Figura 13, temos um estáter de ouro do tipo alexandrino cunhado provavelmente na

região do Peloponeso por volta de 303 a.C., no qual Antígono é ligado aos mesmos temas

encontrados em moedas de Alexandre. No anverso, vemos uma vez mais a cabeça de Héracles

vestindo pele de leão, assim como no reverso há a representação de Zeus entronizado,

segurando águia e cetro e, por fim, a inscrição ΒΑΣΙΛΕΩΣ ΑΝΤΙΓΟΝΟΥ. Essa moeda
161

referente a Antígono, cuja confecção é atribuída a Demétrio, se encaixa em uma tradição de

cunhagem póstuma, macedônia e helenística, na qual soberanos buscavam a conexão com os

antecessores como forma de ratificar seu poder. Como dissemos, o próprio Antígono recorreu

à cunhagem póstuma de Alexandre como homenagem ao soberano, assim como fizeram os

demais diádocos. Até mesmo Alexandre fez diversas cunhagens em nome de seu pai e de

outros reis macedônios. Filiar-se aos soberanos do passado era, portanto, um elemento

importante para a legitimação dinástica.

Quanto a Demétrio, sua representação numismática é muito rica. Ele, inclusive, foi o

primeiro basileus a representar a si próprio nas moedas, inicialmente em tetradracmas de prata

e, depois, em estáteres de ouro. Em sua cunhagem, é possível detectar elementos que o

vinculam à Hélade, à Macedônia e às regiões do Oriente.

Figura 14 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 16, 94 g., s/d

Fonte: Numismatic Museum of Athens (Acervo pessoal da autora)


162

Figura 15 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 17, 11 g., 301-295 a.C.

Fonte: Sear (1979, p. 628)

Na Figura 14, temos um tetradracma de prata, provavelmente cunhado em Anfípolis, na

primeira década do século III a.C., em cujo anverso observamos Demétrio ornado com o

diadema e chifres de touro acima de sua testa. Já no reverso, aparece a inscrição ΒΑΣΙΛΕΩΣ

ΔΗΜΗΤΡΙΟΥ, acompanhada da figura de Poseidon, nu até a cintura, sentado sobre uma pilha

de pedras e segurando um aplustre na mão direita e um tridente na esquerda.117 Já na Figura

15, que apresenta outro tetradracma de prata, agora cunhado em Éfeso provavelmente por

volta de 301-295 a.C., reconhecemos, no anverso, a Niké soprando um trompete, enquanto no

reverso vemos Poseidon de pé, preparando-se para lançar seu tridente; ao lado dele, a Estrela

Argéada; e a inscrição  .

Nas moedas contidas nas Figuras 14 e 15, vemos como Demétrio se associou às

deidades helênicas, ao diadema aquemênida, ao deus híbrido Zeus-Amon e a um componente

essencial da imagem do basileus helenístico, diretamente ligado a um dos mais importantes

atributos dos monarcas macedônios que se propagou, no século IV a.C., pelo território da

Hélade: a representação do basileus como general vitorioso. Poseidon e Niké foram duas

117
Aplustre se refere a um ornato típico da popa de um navio.
163

divindades recorrentes na cunhagem de Demétrio. Poseidon, quase sempre representado nu,

sentado ou pisando sobre uma rocha (PLANT, 1979, p. 35), evidencia a virtude bélica de

Demétrio nas batalhas navais. Para acentuar esta característica militar, a associação com a

Niké foi importante. De acordo com Eugenidou e Domas (2004, p. 36-43), a presença da Niké

nas moedas se tornou recorrente a partir do século V a.C. Seu emprego exprimia um caráter

cívico, assinalando as vitórias das póleis. Mas, segundo os autores, a partir da segunda metade

do século IV a.C., a Niké passou a ser associada aos soberanos macedônios, Filipe e

Alexandre, e, posteriormente, aos monarcas helenísticos, como foi o caso de Demétrio. A

ligação com a Niké exprimia os atributos militares de Demétrio, assegurando, no campo

simbólico, a proteção concedida pela deidade ao monarca e o seu sucesso e glória na guerra.

A representação da Niké contida na moeda da Figura 15, tocando trompete sobre uma

embarcação, foi o modelo mais frequente adotado pelos soberanos helenísticos, como

Lisímaco, Selêuco e Antíoco I, em suas moedas.

Outro símbolo importante que aparece na Figura 15 é o diadema usado por Demétrio. O

diadema, assim como outros atributos materiais do soberano aquemênida, foi decisivo para

facilitar a identificação de Alexandre – e depois de Antígono e Demétrio – com o poder régio

oriental. A adoção de símbolos ligados à realeza aquemênida, no processo de constituição da

basileia helenística, mostra como a legitimação do soberano, mesmo que construída a partir

da lógica do poder, deve manar do imaginário político partilhado pelo meio social no qual o

basileus estava inserido. A utilização de parte da indumentária do soberano aquemênida gerou

muitas controvérsias no que tange à figura de Alexandre, pois, para os gregos, vestir-se como

um oriental e reproduzir usos e costumes persas eram algo ignóbil, ainda mais para um
164

monarca.118 Sobre a adoção de vestimentas persas por Alexandre, temos o testemunho do

fragmento de Éfipo de Olinto (FGrHist, 126F5):119

Alexandre costumava vestir trajes sagrados nos banquetes. Às vezes ele usava a
túnica púrpura de Ámon, chinelos e um par de chifres como o deus; às vezes ele se
vestia com a vestimenta de Ártemis (que ele costumava usar em seu carro); com
uma túnica persa, um arco e uma aljava pendendo de seus ombros. Às vezes vestia a
roupa de Hermes; as roupas utilizadas eram compostas por um manto púrpura, uma
túnica branca e um chapéu macedônio com o diadema real, mas nas festas usava
sandálias, um chapéu de viajante e carregava um bastão dos heraldos na mão dele;
ele também costumava brincar com uma pele de leão e uma clava, como Héracles.

O relato de Diodoro versa igualmente sobre o comportamento de Alexandre após o

assassinato de Dario III, ao vingar o Grande Rei mediante a execução de Besso. Assim como

Éfipo, Diodoro (XVII, 77, 4-7) reporta a adoção do diadema, da túnica e de outros paramentos

asiáticos por Alexandre. Nesse ponto, nos deparamos mais uma vez com o caráter híbrido que

a basileia helenística assume a partir de Antígono. Permanecendo como Basileus Makedônon,

Alexandre, após a conquista da Ásia, se tornava também o βασιλεὺς τῆς Ἀσίας, além de ser o

hegemón dos gregos, como fora seu pai.120 O mesmo caminho será tomado por Antígono, que

inicialmente se fará aclamar como basileus da Ásia, em 311 a.C., antes de se tornar o primeiro

basileus helenístico, em 306 a.C. Uma característica que por muito tempo chamou a atenção

dos estudiosos da realeza helenística foi a adoção do diadema por Alexandre, pois esse

elemento depois se tornou um dos mais importantes símbolos da basileia helenística e, como

mostramos na Figura 15, foi adotado por Demétrio em sua representação numismática.

Um estudo que marcou as pesquisas sobre o diadema foi o livro escrito por Ritter, em

1965, intitulado Diadem und Königsherrschaf. Esse autor defendia que à época o diadema

helenístico possuía ligações com a entronização de Alexandre no Oriente e que, portanto, o

símbolo teria sido adotado dos Aquemênida. Todavia, a partir da análise feita por Smith

118
Essa censura à adoção por parte de Alexandre do comportamento e indumentária dos Aquemênida entra em
conflito com a visão ideologicamente predominante entre gregos e macedônios de que estes eram superiores aos
asiáticos e que foi reproduzida e relida pelos autores posteriores, como Diodoro e Plutarco.
119
Segundo Bosworth (2005, p. 332), Éfipo de Olinto, era um autor contemporâneo de Alexandre.
120
Na última parte deste capítulo, nos deteremos sobre a atuação do basileus helenístico como protetor das
póleis.
165

(1988, p. 34-37), que associou o diadema a Dioniso, e da observação de Alföldi (1985, p. 105-

110), que o relacionou à faixa utilizada na testa pelos concorrentes nos jogos gregos,

estabeleceu-se uma nova interpretação acerca do diadema helenístico. Similarmente, no

conjunto de artigos presentes na obra Das Diadem der hellenistischen Herrscher (2012),

resultado de um colóquio ocorrido em 2009, em Münster, Alemanha, são apresentadas

diversas explicações sobre a origem do diadema que o dissociam de um possível legado

aquemênida. Diversas frentes de interpretação são abertas nessa coletânea, como a de Haake

(2012, p. 304), que afirma ser muito difícil tratar o diadema como uma insígnia do soberano

helenístico, bem como estabelecer suas conexões com um território específico.121 Por mais

estimulantes que sejam essas reflexões sobre o diadema, pois suscitam a revisão de

argumentos existentes, concordamos com Olbrycht (2014, p. 184-186) que tais reflexões

ainda se baseiam, em larga medida, em especulações. Mesmo as propostas de Smith (1988) e

de Alföldi (1985) carecem de suporte nas evidências materiais. Por isso, nos alinhamos com

Ritter (1965) que, sustentado pelas evidências documentais, associa o diadema ao poder régio

dos Aquemênida.

Sobre o uso do diadema pelo Grande Rei, Wiesehöfer (2003, p. 55-62) afirma que, na

Pérsia, um diadema cercava a tiara alta do rei e que membros da família real também

poderiam usar o diadema, mas a tiara era de uso exclusivo do monarca. Xenofonte (Cyr., VIII,

3, 13) emprega apenas o termo tiara, referindo-se, na seguinte passagem, ao vestuário e à

coroa de Ciro, o Grande (Cyr., VIII, 4): “[...] Enfim, Ciro apareceu sobre um coche vestido de

púrpura, e com uma tiara na cabeça; e logo todos se prostaram e o adoraram [..]”. Essa

passagem de Xenofonte é, provavelmente, o primeiro registro grego do uso do diadema antes

das conquistas de Alexandre. Na opinião de Wiesehöfer (2003, p. 56), a tiara era um atributo

tão importante quanto o diadema. Seja como for, o diadema parece ter sido um componente
121
Haake discute amplamente sobre a origem do diadema e qual sua real natureza e significado no território
persa e no período helenístico.
166

importante da tradição régia aquemênida, usado em combinação com a tiara, visto que

Alexandre adotou esse símbolo.

Como relata Cúrcio (VI, 6, 4), o argéada adotou o diadema púrpura, visto que o

diadema era feito de tecido vermelho e bordado em branco, da mesma forma que Dario fazia.

Segundo Olbrycht (2014, p. 179), os soberanos aquemênidas poderiam usar coroas de vários

tipos, dependendo da ocasião, algo que se assemelha à prática de alguns reis medievais, que

distinguiam as coroas usadas nas cerimônias de homenagem feudal. Essa hipótese de Olbrycht

não parece de todo improvável, visto que os monarcas persas adotavam dois tipos de trajes

oficiais – o vestuário persa-elamita e a vestimenta meda –, o que talvez correspondesse a dois

tipos de tiaras, ao lado do diadema. No que concerne à representação do diadema nas moedas

aquemênidas, Nieswandt (2012, p. 63-70) identifica 12 variantes da tiara e do diadema nas

séries monetárias, sendo que os diademas presentes nas moedas oriundas das satrapias eram

constituídos de faixas estreitas, ao contrário dos diademas representados nas moedas dos

soberanos helenísticos. Nieswandt (2012, p. 79-85) ainda aponta uma imagem presente no

sarcófago de Alexandre como evidência de que este teria sido o responsável por introduzir o

diadema como símbolo régio, exemplo que foi seguido pelos demais soberanos helenísticos.

Assim, Alexandre, ao aderir ao diadema persa, o transformou em um atributo especial, que

logo se tornaria, de forma indubitável, um dos símbolos mais característicos do monarca

helenístico. Demétrio foi o primeiro a assumir o diadema em sua cunhagem, como parte do

processo de fabricação da imagem régia.

Em virtude da importância assumida pelo diadema na realeza helenística, defendemos

uma vez mais o hibridismo dessa basileia. Com um caráter polimorfo, essa monarquia

começou a ser fabricada, incialmente, em torno das diferentes representações da imagem de

Alexandre. Ao morrer sem deixar um sucessor à frente da oikoumene, o monarca foi o

principal elemento de legitimação dos primeiros basileis helenísticos. As dinastias


167

helenísticas, estruturadas logo nos primeiros anos da morte de Alexandre, tiveram como seus

fundadores generais ligados a ele no campo de batalha. Dentre esses homens, Antígono

Monoftalmo foi o primeiro diádoco a buscar para si a posição de basileus, no que contou com

o auxílio de seu filho, Demétrio (Plut., Vit. Demetr., XVIII, 2; Diod. Sic., XX, 53). Antígono,

que também pertenceu ao ciclo dos hetairoi de Filipe, era um herdeiro da tradição macedônia.

Como tratamos no segundo capítulo, a natureza da basileia macedônia repousava em três

aspectos: heroico, guerreiro e sagrado. E foi com base nesses fundamentos que Antígono

criou sua basileia. Esses elementos, conjugados com a manipulação da imagem de Alexandre

e o emprego de rudimentos orientais, definiram o ethos da realeza helenística.

Assumindo um notável protagonismo a partir de 321 a.C., no acordo firmado em

Triparadiso, Antígono conservaria e fortaleceria um dos fundamentos da realeza macedônia,

do qual a basileia helenística seria fatalmente tributária: o papel militar do soberano. Assim

como os demais monarcas macedônios, Antígono submeteu seus territórios mediante o poder

da lança (doriktetos chora). Quando Demétrio passou a ter idade para comandar operações

militares em nome de seu pai, assumindo o seu primeiro comando militar na batalha ocorrida

em Paraetacene contra Eumenes, em 317 a.C., esse atributo do general vitorioso, necessário à

constituição da imagem régia macedônia, tornou-se ainda mais forte. Mas a realeza que estava

se delineando no final do século IV a.C. constituía uma basileia nova, não sendo apenas

macedônia, oriental ou helênica, mas tributária destas três culturas. De fato, ao mesmo tempo

que o monarca era de origem macedônia e se apoiava em seu exército, ele se apresentava

como sucessor dos soberanos aquemênidas ou dos faraós, no caso dos Ptolomeus.
168

O alvorecer da dinastia Antigônida: os vínculos entre pai e filho

Nem todos os diádocos de Alexandre que cingiram o diadema conseguiram instaurar

uma dinastia que perdurasse após o IV século a.C. Em parte, a tarefa não era fácil devido à

própria natureza controversa da lei de sucessão macedônia, que tratamos no segundo capítulo.

Todos os diádocos, não obstante suas idiossincrasias, mas ao mesmo tempo conservando as

regularidades de um sistema político que estava se formando, foram confrontados com

problemas mais ou menos semelhantes no processo de instituição da basileia: estabelecer uma

capital e uma corte, adaptar as instituições do governo para enfrentar novos desafios e

solucionar o antigo dilema da sucessão monárquica (ALONSO, 2000, p. 22).122

Os generais de Alexandre que melhor gerenciaram todas essas variáveis conseguiram

fazer com que suas dinastias vingassem. Um elemento fundamental nesse processo foi a

atenção dada à filiação dinástica. Das dinastias fundadas pelos generais de Alexandre,

somente três prosperaram no século III a.C.: a dos Antigônida, que podemos ver na Figura 16,

a dos Selêucida e a dos Ptolomeu. Destas, a antigônida foi a primeira a se instaurar e seu

sucesso se deveu principalmente à ligação precoce entre Antígono e Demétrio.

122
Entre outras coisas, isso implicava a responsabilidade de educar o príncipe herdeiro e seus outros irmãos.
Aqui se aponta para a importância da paideia do príncipe.
169

Figura 16 – Génos dos Antigônida

Fonte: Billows (1990, p. 16)

Segundo Troncoso (2005) e Alonso (2000), pai e filho tornaram-se um caso exemplar

de harmonia paterno-filial, base de uma boa paideia, por isso inspiraram narrativas que

lembram, de longe, os espelhos de príncipe medievais, como vemos no extrato abaixo,

retirado da obra de Plutarco (Vit. Demetr., III, 1-2):

[...] Demétrio [...] gostava muito de seu pai e a atenção e cuidados que dedicava à
mãe dava provas seguras de que honrava ao pai por genuína afeição ao invés de
apenas lisonjeá-lo por causa de seu poder. Em certa ocasião, quando Antígono
estava ocupado em uma audiência com embaixadores, Demétrio voltou para casa
depois da caça, aproximou-se do pai, o beijou e depois sentou ao seu lado do modo
que estava, com armas em mãos. Em seguida, Antígono, em voz alta, saudando os
embaixadores [...] disse, “Ó homens, levem também este relato sobre nós, sobre a
união em que vivemos”, querendo assim mostrar que, nas relações concordes e de
confiança entre ele e o filho, podia ser visto um não pequeno vigor do estado e uma
prova da força do seu poder [...].

No referido trecho, é possível constatar a ênfase conferida ao carinho e respeito mútuo

entre pai e filho. Percebe-se também o destaque dado por Plutarco ao fato de Demétrio entrar

armado na sala onde se encontra Antígono e sentar-se ao seu lado, sem nenhuma reserva ou

constrangimento. O relato revela que, mesmo num contexto de aguda conturbação política,
170

Antígono estava longe de temer seu filho. Plutarco (Vit. Demetr., III, 3) ainda faz questão de

assinalar que, ao contrário de muitas famílias, a de Antígono não era atravessada por

assassinatos de parentes (mulheres, esposas, irmãos), sendo essa uma condição indispensável

para a segurança das dinastias. Billows (1990, p. 9-10) também enfatiza esse apego aos laços

familiares por Antígono, colocando-o como um homem de família que possuía um grande

afeto por sua esposa, Estratonice, com a qual foi casado por toda a vida, e por seus filhos.

Tanto para Antígono criar uma dinastia quanto para legitimar-se como basileus, a

relação parental com Demétrio foi decisiva. Num primeiro momento, poderíamos interpretar

essa concórdia entre pai e filho como resultante da idade avançada de Antígono. Contudo, as

fontes antigas o descrevem como um homem de grande energia física e mental. Apesar da

idade, Antígono seria um exemplo de homem robusto e vigoroso, como podemos ver no

fragmento abaixo, no qual Plutarco (Moralia, X, 791 e) discute a participação de homens

idosos na vida política:

[...] aqueles que alegam fraqueza e deficiência estão acusando de doença e


enfermidade, ao invés de velhice. Pois há muitos jovens doentes e velhos vigorosos,
de modo que o bom caminho é dissuadir, não os idosos, mas os deficientes, e
convocar no serviço, não os jovens, mas aqueles que são competentes para servir.
Arrideu, por exemplo, era jovem e Antígono era um homem velho, mas este último
ganhou posse de quase toda a Ásia, enquanto o primeiro, como um guarda mudo no
palco, era o mero nome e figura de um basileus, exposto aos insultos indecentes
daqueles que tiveram o poder real.

A essa descrição de Antígono feita por Plutarco, podemos somar o relato de Sêneca, De

ira, no qual o autor, ao tratar de generais e líderes cujo exemplo não deve ser seguido pelo

fato de serem dominados pela cólera, apresenta Antígono como um modelo de moderação e

de brandura para com os seus comandados, mesmo ao ouvir alguns deles proferindo insultos

contra a sua pessoa:

O mesmo [Antígono], uma noite depois de ouvir alguns de seus soldados


amaldiçoando de todo modo contra o rei, que os levou a marchar em um pântano
sem saída, aproximou-se do grupo em maior dificuldade e, depois de os liberar,
embora eles não soubessem quem os ajudava, lhes disse: “Agora, falem mal de
171

Antígono, que cometeu o erro de conduzi-los a confusão, mas alegrai-vos também


do bem, porque este os retirou desse turbilhão”.
Ele foi capaz de suportar os insultos, com igual suavidade, dos inimigos e dos
concidadãos [...] (Seneca, De ira, III, 22, 2-3).

Essa descrição de Antígono mostra como as fontes antigas são contraditórias no que se

refere à imagem do diádoco. Se alguns autores enaltecem sua figura, outros acentuam sua

arrogância, crueldade e severidade, derivadas do amor pelo poder que possuía – φιλαρχία

(Diod. Sic., XXI, 1; Plut., Vit. Demetr., XXVIII, 2). Diodoro, ao tratar da expedição de

Antígono ao Egito, menciona o tratamento implacável por ele dispensado aos aspirantes a

desertores, que poderiam enfraquecer sua posição militar. Diodoro menciona ainda a

execução de Peiton, em 315 a.C.,123 e o assassinato de Cleópatra, irmã de Alexandre, em

309/8 a.C., como desmandos praticados pelo general (Diod. Sic., XX, 75; XIX, 46, XX, 37).

O importante aqui é fazermos uma ponderação acerca dessas diferentes imagens de Antígono,

levando em conta que a maneira como ele era representado variava segundo as circunstâncias.

É necessário acautelar-se, sobretudo, com a imagem estereotipada de um Antígono perverso,

ambicioso e cruel, tal como Diodoro induz a crer.

O contexto no qual o diádoco estava inserido era turbulento e, muitas vezes, exigiu

deste ações severas, como ser implacável com os inimigos no campo de batalha e até mesmo

deslocar a população inteira de uma cidade para outra, como ocorreu no caso de Escépsis

(Strabo, XIII, 1, 26). Retomando os exemplos citados por Diodoro, provavelmente Antígono

não poderia dar margem para que Peiton lhe causasse problemas no Oriente ou mesmo aceitar

com naturalidade o casamento de Cleópatra com seu rival, Ptolomeu. Além do mais, é

123
Peiton era um dos responsáveis pela segurança pessoal de Alexandre – Σωματοφύλακες. Após a morte do
Argéada, tornou-se sátrapa do território habitado pelos medos, região estrategicamente importante para o
controle das estradas entre o Leste e o Oeste. No verão de 320 a.C., Peiton juntou-se a Seleuco e Antígenes para
assassinar Pérdicas e eles começaram a negociar com os adversários. Ptolomeu sugeriu que Peiton fosse feito o
novo regente do império, mas os outros diádocos não aceitaram, tendo Antípatro assumido a regência. Após a
morte de Antípatro, Peiton expandiu seus domínios. Em 317 a.C., no entanto, os outros sátrapas orientais
uniram-se contra Peiton e o expulsaram. Os exércitos das satrápias orientais foram acompanhados por Eumenes,
que havia sido nomeado pelo novo regente Polipercon para subjugar Antígono. Peiton foi ajudado por Antígono,
que venceu Eumenes e seus novos aliados em uma batalha perto de Susa (FOX, 2011). Após a chamada Segunda
Guerra dos Diádocos, Peiton estava entre os generais mais poderosos na parte oriental do império.
172

possível citar ações de outros diádocos, narradas pelo próprio Diodoro e por outros autores,

que podem ser encaradas de forma tão ou mais severa quanto as de Antígono. Ptolomeu, por

exemplo, assassinou traiçoeiramente o seu aliado, Polemaios (Diod. Sic., XX, 27, 3);

Cassandro executou um amigo simplesmente por suspeitar de uma ambição excessiva por

parte deste (Diod. Sic., XX, 28, 1-3); ainda, Lisímaco puniu de forma cruel um amigo que

teria ridicularizado sua esposa (Sen., De Ira, III, 17, 2-4). Em contrapartida, o que não se pode

negar é a experiência de Antígono como estrategista militar e articulador político.

Como dissemos, Antígono, o primeiro basileus helenístico, atuou ao lado de Filipe e,

antes mesmo da morte de Alexandre, teve uma larga experiência na administração asiática.

Ao contrário dos demais generais de Alexandre, que continuaram a atuar ao lado deste no

campo de batalha, o velho general foi nomeado sátrapa da Grande Frígia por volta de 333

a.C., uma posição da maior importância, pois Antígono era responsável pelo controle das

linhas de comunicação reais, pela defesa da Ásia Menor e pelo apoio a Alexandre na

salvaguarda dos territórios europeus (ANSON, 1988, p. 471).124

Apesar de, na condição de sátrapa da Frígia, Antígono ter ficado mais distante de

Alexandre, os dez anos que atuou na região foram determinantes para o fortalecimento da sua

posição. Segundo Anson (1988, p. 471), nesse período, Antígono aproveitou para criar um

protetorado na Ásia Menor baseado no controle direto de uma importante satrapia, a partir do

qual cosntruiu alianças com líderes nativos e recrutou forças locais. Como resultado, no dia

seguinte à morte de Alexandre, Antígono possuía uma das maiores forças militares com as

quais um diádoco poderia contar. Assim, ao longo de sua carreira, Antígono tinha adquirido a

experiência administrativa, política e militar necessária a um possível sucessor de Alexandre.

Poucos anos depois, a associação cada vez maior com o filho, Demétrio, aumentaria ainda

mais a sua força militar e, por conseguinte, o prestígio de Antígono.

124
Autores antigos como Arriano (Anab., I, 29, 3) e Quinto Cúrcio (III, 1, 8), fazem referência a esse posto
assumido por Antígono.
173

Como dissemos, Demétrio assumiu seu primeiro comando na batalha de Paraetacene

contra Eumenes,125 em 317 a.C., aos 19 anos, mas apenas em 313 a.C. foi nomeado estratego

da Síria e da Fenícia por seu pai (NEWELL, 1927, p. 8). A respeito dessa aliança política

entre pai e filho, podemos afirmar que foi estratégico para Antígono contar com o auxílio de

alguém com o carisma e o talento militar de Demétrio, sem mencionar que, devido à afinidade

entre ambos, era possível ao diádoco não temer uma traição por parte daquele que se tornaria

o seu comandante-em-chefe e, futuramente, seu corregente e sucessor. Walbank (1984, p. 66-

67) esclarece como, na maioria das monarquias da Antiguidade, foi um hábito do soberano

associar o filho ao trono, sendo o jovem rei frequentemente treinado para a sucessão por meio

da concessão de um comando independente. Nesse sentido, Demétrio, ao lado do pai, seria o

primeiro exemplo de corregente helenístico.

O principal problema após a morte de Alexandre foi, sem dúvida, encontrar um sucessor

capaz de assumir o império territorial deixado pelo argéada. Somente uma de suas esposas,

Roxana, estava grávida e a outra alternativa para a sucessão dinástica era o meio irmão de

Alexandre, Arrideu, quem as fontes, como Arriano (Photius, Bibliotheca, 92) e Plutarco (Vit.

Alex., LXXVII, 4-5), reportam como incapaz. De acordo com Adams (2006, p. 29), diante do

impasse sucessório abriu-se espaço para a disputa pelo poder que conduziu ao fim da dinastia

argéada, quando então emergiram as dinastias dos principais reinos helenísticos. Adams

(2006) realiza uma análise cuidadosa sobre o surgimento das primeiras dinastias helenísticas,

inclusive destacando a dinastia antigônida e sua importância para a construção da basileia

helenística. Contudo, o autor diminui bastante o papel de Antígono nesse processo, dando

ênfase somente às ações militares de Demétrio, em especial após 306 a.C., depois de

Antígono tornar-se basileus. Adams, assim como outros autores, ao analisar a monarquia

helenística, parte do período em que os diádocos já assumiram o título de basileus,

125
Sant’Anna (2011, p. 83-84), mostra ainda que, nesta batalha, Demétrio não atuou sozinho no comando, mas
lutou ao lado de seu pai, que teve importância fundamental para a vitória sobre Eumenes, vitória essa que
fortaleceria mais ainda a posição de Antígono.
174

desconsiderando grande parte do período anterior, que para nós é essencial para a

compreensão da nova forma de governo que se estabelecia, por ser justamente o período de

formação dessas realezas.

Para nós, analisar a configuração da realeza helenística apenas a partir de 306 a.C. é

uma opção que não se justifica, pois defendemos que a atuação de Antígono, ao lado de

Demétrio, nas duas primeiras décadas após a morte de Alexandre, foi decisiva para a

formação e consolidação dessa modalidade de basileia. Interpretações como a de Adams têm,

no entanto, ganhado força ao longo das últimas décadas entre alguns estudiosos, como Boiy

(2010) e Shipley (2000), e isso devido a diversos fatores.

Em primeiro lugar, a morte de Antígono, em Ipso, em 301 a.C., foi tratada por diversas

vezes como símbolo do fracasso do projeto político do monarca, o que não se justifica, pois a

realeza antigônida foi uma das que prosperaram ao longo do século III a.C. Em segundo

lugar, a imagem de um jovem combatente, como Demétrio, sobre a qual as fontes antigas

dedicaram bastante atenção, influenciou a produção historiográfica sobre a monarquia

helenística. Em terceiro lugar, analisar o papel de Antígono nesse processo torna-se muito

mais complicado por causa das informações esparsas e contraditórias sobre sua persona, que

em grande medida derivam de uma estigmatização da imagem de Antígono após sua morte,

por diádocos como Ptolomeu, que buscavam reforçar a sua própria imagem como basileus.

Por último, mas não menos importante, o protagonismo concedido a Demétrio por seu pai

muitas vezes é confundido com uma espécie de coadjuvantismo de Antígono.

Por todas essas questões, para nós é de suma importância analisar a construção da

basileia helenística a partir dos Antigônida. Ao fazermos isso, temos como objetivo propor

uma reflexão sobre essa forma de governo que escape do lugar comum no qual muitos autores

ainda a colocam. As ações de pai e filho, de forma conjunta, foram fundamentais nos rumos

que essa monarquia seguiu. Desta forma, seguimos analisando ambas as imagens – a do pai e
175

a do filho – mas sem nunca esquecer que foi Antígono um dos artífices do sistema político em

construção.

Desejando apresentar-se como um basileus legítimo, Antígono não poderia

naturalmente descartar a principal imagem ligada ao rei, a de um general vitorioso. Esse

elemento foi tão importante na constituição da basileia helenística que, segundo Gehrke

(2013, p. 73), o rei tornou-se o fundamento do próprio Estado, que subsistia apenas por

intermédio da pessoa do monarca. Diante disso, é um aspecto decisivo para a compreensão

dessa monarquia o caráter específico do relacionamento político entre governante e

governados. Para tanto, devemos considerar a legitimidade muito mais do que a legalidade

das ações do monarca. De acordo com Gehrke (2013, p.74), o reconhecimento do monarca se

dava, sobretudo, mediante o seu sucesso militar perante os súditos. A essa altura torna-se

evidente que a associação com o filho fortaleceu ainda mais a imagem de Antígono, primeiro

como general vitorioso e, depois, como basileus vitorioso, pois, como Demétrio tornou-se ao

longo do governo do pai o comandante supremo das forças antigônidas, o destaque dado à sua

imagem, tanto na documentação escrita quanto na arqueológica, sobretudo na numismática, é

recorrente.

Demétrio e Antígono aparecem associados, na maioria das vezes, em situações de

vitória militar contra os demais rivais. Inclusive, foi após uma vitória militar liderada por

Demétrio sobre a frota de Ptolomeu, em Chipre, como as passagens de Plutarco e de Diodoro

reproduzidas no início desta seção deixam entrever, que Antígono foi aclamado basileus por

seu exército, em 306 a.C. Ao mesmo tempo, a proclamação de Antígono como basileus, ao

lado de Demétrio, alertava os demais diádocos para o término da ficção acerca de um poder

governado em nome da casa dos Argéada, por isso Ptolomeu, Seleuco, Lisímaco, e

eventualmente Cassandro, seguiram os passos de Antígono (ADAMS, p. 32, 2006). Chaniotis

(2005, p. 57) e Müller (1973) informam que a proclamação dos generais de Alexandre como
176

basileis logo após a entronização de Antígono deu ao ano de 306 a designação de Ano dos

Reis.

Os Antigônida, ao contarem, na fundação de sua dinastia, com o apoio incondicional de

seu exército, ligando-se assim visivelmente às tradições da realeza macedônia, suscitam uma

controvérsia de interpretação: constituiria esse fato uma eleição do basileus ou tão somente

uma ratificação da sucessão régia? Sobre isso, estamos de acordo com Adams (2006, p. 32-

33), quando afirma que:

Nesse caso não se tratou claramente de parte de uma sucessão dinástica. Na


realidade, vemos com Antígono e sua proclamação como rei o estabelecimento de
uma nova dinastia. No mínimo, esse ritual equivalia a um reconhecimento público
de sua monarquia, independente do que tinha sido extraído da antiga prática
macedônia. E, provavelmente, como resultado, os outros diádocos usaram o mesmo
mecanismo, e pelas mesmas razões. Temos, assim, um claro rompimento com a
dinastia Argéada, e esse foi um grande passo em direção ao estabelecimento
legítimo aos olhos dos seguidores macedônios, sendo esse outro passo em direção à
institucionalização da monarquia [helenística] [...].

O que vemos no episódio de 306 a.C. é o resultado de todo um conjunto de ações

políticas executadas por Antígono, principalmente a partir de 321 a.C., após o acordo firmado

em Triparadiso, que culminou com sua proclamação como rei e a fundação da dinastia

antigônida, em 306 a.C.

Podemos supor que o ano de 311 a.C. foi um divisor de águas na constituição da nova

dinastia. É também nesse ano que os vínculos políticos entre Antígono e Demétrio se tornam

mais estreitos. Entre 315 e 311 a.C. as forças de Antígono obtiveram diversas vitórias sobre

os rivais. Contudo, a rudeza das batalhas e alguns reveses levaram Antígono a propor uma

trégua com os demais diádocos, celebrada em 311 a.C. Grosso modo a Paz de 311 dividiu o

antigo Império Macedônio entre quatro titulares: Antígono, Cassandro, Ptolomeu e

Lisímaco.126 Por meio dessa divisão, tornou-se evidente que a existência de uma oikoumene

126
Para Simpson (1954, p. 25-27), a ausência de qualquer menção a Seleuco nas fontes que tratam do acordo de
paz entre os diádocos, em 311 a.C., pode ser interpretada como uma exclusão deliberada de Seleuco do acordo,
já que tanto para Simpson, quanto para Will (1984, p. 53), a eliminação de Seleuco era a prioridade de Antígono
à época.
177

sob domínio argéada não passava de uma ficção. No entanto, por mais que, na prática, os

diádocos governassem de modo autocrático seus domínios, em termos simbólicos a existência

de um sucessor argéada legítimo, como o filho póstumo de Alexandre com a princesa Roxana

ou Arrideu, filho de Filipe, complicava os planos dos diádocos em conferir legitimidade aos

respectivos governos.

Quando Alexandre IV foi assassinado, por volta de 310 a.C,127 por ordem de Cassandro,

vemos os diádocos se empenhando abertamente na tessitura da monarquia helenística,

sobretudo nos território da Grécia e da Macedônia.128 O principal relato que temos sobre o fim

da dinastia argéada é fornecido por Diodoro (XIX, 105, 1-4):

No arcontado de Simônides em Atenas129 [...] Cassandro, Ptolomeu e Lisímaco


chegaram a um acordo com Antígono e fizeram um tratado. Assim, foi decidido que
Cassandro seria general da Europa até que Alexandre, o filho de Roxana, tivesse
idade; que Lisímaco governaria a Trácia, enquanto Ptolomeu governaria o Egito e as
cidades adjacentes a ele na Líbia e na Arábia; que Antígono teria o primeiro lugar
em toda a Ásia; e que os gregos seriam autônomos. No entanto, eles não cumpriram
esses acordos, e cada um deles, apresentando desculpas plausíveis, continuou
buscando aumentar seu próprio poder. Cassandro viu que Alexandre, o filho de
Roxane, estava crescendo, e que alguns homens pela Macedônia diziam que era
apropriado libertar o menino de sua custódia e dar-lhe o reino de seu pai. E, temendo
por si mesmo, [Cassandro] instruiu Glaucias, que estava no comando da guarda da
criança, a matar Roxane e o rei e esconder seus corpos, e não revelou a ninguém o
que havia sido feito. Quando Glaucias havia levado a cabo as instruções, Cassandro,
Lisímaco, Ptolomeu, e também Antígono ficaram aliviados do perigo antecipado do
rei. Porque doravante não haveria mais ninguém para herdar o reino, cada um desses
que governavam povos ou cidades tinha esperanças de realeza e domínio do
território que havia sido colocado sob sua autoridade como se fosse um reino
conquistado pela lança.

Segundo autores como Shipley (2000, p. 42), Billows (1990, p. 155) e Austin (2003, p.

84), talvez os diádocos só tenham de fato respirado aliviados quanto à questão sucessória e à

127
A data da morte de Alexandre IV é controversa. Alguns, como Austin (2003) em sua seleção de fontes sobre
o período, dão a entender que o príncipe teria sido morto logo após o acordo de 311 a.C. Entretanto, a maioria
dos autores situam o assassinato do menino por volta de 310 a.C. (WILL, 1998, p. 317-318; BILLOWS, 1990, p.
155). Essa confusão se dá provavelmente pelo motivo de Cassandro ter mandado matar o herdeiro argéada e
depois ter enterrado o corpo em segredo. Seja como for, optamos por 310 a.C., pois foi a partir desta data que os
boatos sobre a morte do herdeiro de Alexandre foram definitivamente confirmados.
128
Nos territórios asiáticos, os diádocos já se portavam como basileis. O próprio Alexandre havia adotado o
título de basileus na Ásia, como sugere a expressão βασιλέα τñς ՚Ασίας contida em Arriano (Anab., II, 14),
usado por Alexandre ao responder uma carta de Dario. E vemos o mesmo dado aparecendo em Quinto Cúrcio
(IV, I, 10).
129
Simônides, teria sido arconte em Atenas durante o ano 311 a.C. (DUFRESNOY, 1762, p. 158).
178

realidade de suas próprias dinastias após 309 a.C., quando o último descendente de Alexandre

veio a falecer: Héracles, um filho ilegítimo que o monarca teve com sua amante Barsine, uma

nobre persa. Diodoro (XX, 20-28) informa que Poliperconte pensou em utilizar o jovem, que

na data contava com dezessete anos, como rival de Cassandro, mas teria sido persuadido pelo

próprio Cassandro a executar o rapaz, o último elo consaguíneo com os Argéada. Esse

episódio revela a importância de se eliminar todos os concorrentes que detinham filiação com

a dinastia fundadora da realeza macedônia como requisito para a reconfiguração do sistema

político então vigente. Na sequência, Antígono e Demétrio buscariam cada vez mais reforçar

seu poder, seja por meio de ações militares, acordos políticos ou atributos simbólicos. Nesse

último caso, um fator importante para a instauração da nova dinastia foi a ligação da

monarquia com as esferas do sagrado e com determinada tradição que os antigônidas

atualizaram.

Para Barcellos (2011, p. 101-102), na Antiguidade, os indivíduos pertencentes às elites

eram definidos por sua posição em uma intrincada rede de relações sociais. As alianças

políticas que celebravam, da mesma forma que suas relações de interdependência e suas redes

de parentesco, criavam elos, reais ou imaginários, entre os membros de uma elite e seus

antepassados. Esse imaginário do qual trata o autor se refere ao que Le Goff (1975) chama de

maravilhoso político. Para Le Goff, em diversos momentos da História foi por meio do

maravilhoso,130 em especial sob a forma de mitos de fundação, que soberanos legitimaram

suas realezas e dinastias.131 Assim como a dinastia Argéada/Teménida, a Antigônida lançou

mão do recurso às origens míticas, mas sem que própria linhagem dos Argéada tenha sido

130
O maravilhoso contém em si acontecimentos fantásticos impossíveis de se realizar dentro de uma perspectiva
empírica da realidade (MARÇAL, 2009, p. 2).
131
Os mitos, impregnados por gestas fantásticas de heróis muitas vezes fabulosos, em diversos momentos
serviram como origem e legitimação para inúmeras sociedades ou, como ocorreu na maioria dos casos, como
elemento de gloriosa ascendência para determinada família (BARCELLOS, 2011, p. 102). Isso se aplica tanto ao
génos dos Argeadae/Temenidae, quanto ao dos Antigônida, que ligaram suas origens familiares ao mito de
Héracles, por exemplo, como forma de legitimação do poder dinástico.
179

rejeitada na construção da basileia de Antígono. Esse diádoco cedo se associou à imagem de

Alexandre, que lhe proporcionava uma relação direta com as divindades e heróis protetores

dos Argéada, como Zeus e Héracles.

O apoio das divindades padroeiras às novas dinastias que emergiam era de suma

importância, visto que todas as realezas helenísticas precisavam afirmar sua legitimidade.

Para Walbank (1984, p. 85), era natural que os Antigônida tentassem sustentar suas

pretensões adotando algum patrono sobrenatural escolhido entre os deuses do panteão

olímpico, pois a posição do rei se fortaleceria ainda mais se ele pudesse apresentar-se como o

descendente direto de alguma divindade ou herói. Visando a reforçar a legitimidade do seu

governo, os Antigônida enfatizaram sua associação, decerto fictícia, com os Argéada, como

podemos ver em Políbio (V, 10, 9-10), quando trata de Filipe V e recorda as glórias dos

monarcas passados:132 “Com esses exemplos constantemente presentes em sua mente, Filipe

deveria se mostrar como o verdadeiro herdeiro e sucessor desses príncipes, não apenas

herdando seu reino, mas também seus princípios e magnanimidade [...] e durante toda a vida

ele [Filipe] se esforçou para provar que estava ligado pelo sangue a Alexandre e Filipe [...]”.

Tal qual Alexandre e os soberanos argéadas que o antecederam, Antígono tomou

Héracles por ancestral, como é possível concluir dos testemunhos numismáticos e epigráficos

referentes a Antígono e Demétrio. Essa filiação com Héracles e demais divindades, assim

como a ligação com a dinastia de Alexandre, foi herdada pelos sucessores dos fundadores da

dinastia antigônida, como Antígono II, Gônatas, neto de Antígono, e Filipe V.

132
Filipe V, que governou a Macedônia de 221 a 179 a.C., era filho de Demétrio II, neto de Demétrio
Poliorcetes.
180

Figura 17 – Filipe V. Tetradracma de prata, 8, 5 g., s/d

Fonte: Sear (1979, p. 631)

Na Figura 17, temos um tetradracma de prata referente a Filipe V cunhado em Pela ou

Anfípolis, no qual observamos a associação desse monarca com Héracles, Perseu e a dinastia

argéada. No anverso da moeda, nota-se um escudo macedônio adornado com sete estrelas de

oito pontas dentro dos dois crescentes, que é um símbolo argéada. No centro do escudo, temos

o herói Perseu usando um capacete alado e com uma harpa atrás do pescoço. No reverso,

destaca-se uma clava, associada a Héracles,133 dentro de uma coroa de carvalho, acompanhada

da inscrição BAΣIΛEΩΣ ΦIΛIΠΠOY.

133
A clava de Héracles surge como um emblema associado aos Antigônida a partir da cunhagem de Antígono II.
181

Figura 18 – Antígono II. Tetradracma de prata, 17 g., s/d

Fonte: Sear (1979, p. 630)

Já na Figura 18, temos uma moeda cunhada durante o governo de Antígono II (277-239

a.C.). Percebe-se mais uma vez a presença de vários componentes ligados às divindades e aos

argéadas. Esse tetradracma de prata, cunhado em Anfípolis, contém, no anverso, um escudo

macedônio adornado com sete estrelas de oito pontas; no centro dele, há o busto de Pã com

chifres. No reverso, está representada Atena Álcis em posição de avanço, brandindo raio e

segurando um escudo, acompanhada da inscrição BAΣIΛEΩΣ ANTIΓONOY. Antígono II

emitiu uma série de tetradracmas com a cabeça de Pã, talvez em reconhecimento ao auxílio

desta divindade na batalha decisiva de Lisimáquia, em 277 a.C., contra os gauleses.

Voltando-nos para o fundador da dinastia antigônida, como discutimos na seção

anterior, Antígono, por meio das moedas, buscou associar-se a Alexandre, adotando um

modelo de cunhagem com os motivos e inscrições referentes ao rei falecido, enquanto

Demétrio, em diversas moedas, associa-se a deuses como Héracles, Zeus, Poseidon e à Niké.

No que se refere às fontes epigráficas, ao menos às que chegaram até nós, os nomes de

Antígono e Demétrio estão sempre relacionados. Antígono claramente considera Demétrio

seu representante direto, seja na celebração de alianças, como no caso da tentativa de criação

de uma nova liga reunindo os gregos (IG, VII-IX; IG, IV² (1) 68), ou na recepção de honrarias
182

e cultos por parte das póleis, como podemos ver por meio de um fragmento de um decreto

ateniense, que ainda em 213/2 a.C. atesta a manutenção de honrarias a pai e filho por meio do

culto aos heróis epônimos (IG, II³, 1, 1165, 15-20): “[...] para louvar as pritanias dos

[Antigônida] e coroá-los com uma coroa de ouro de acordo com a lei, e piedade para com os

deuses e o amor pela honra do Conselho ateniense [...]”

Importa acrescentar que não subestimamos a capacidade militar que Demétrio agregava

à figura do pai, mesmo porque esse dado se impõe a qualquer investigação sobre a formação

da basileia helenística. A filiação entre os dois, todavia, ultrapassa a esfera militar. Mesmo

que a vitória nos combates seja fundamental para a legitimação do soberano, não podemos

minimizar o impacto das representações nem a maneira pela qual o rei obtinha o equilíbrio

entre a força física e a simbólica, componentes indispensáveis do jogo político que conduziu à

formação da primeira dinastia helenística. Um exemplo do papel desempenhado pelos

símbolos para a fabricação da imagem do monarca ideal é a atribuição do epíteto Poliorcetes

a Demétrio, após o cerco a Rodes, em 305/4 a.C., e que celebrava indubitavelmente a sua

habilidade militar.

Antígono e Demétrio constituíram um exemplo paterno-filial de sucesso. A dinastia

antigônida, que nascia sob o comando do diádoco mais experiente de Alexandre, lançou mão

de vários expedientes para consolidar sua legitimidade, dentre os quais as conquistas militares

e a associação com as divindades. Demétrio e Antígono, mais do que pai e filho, eram

exemplos de uma sociedade harmônica e coesa na fabricação da basileia helenística, motivo

pelo qual analisar tal processo sem considerar a atuação desses homens é algo, em nossa

opinião, inviável. A simbologia em torno das figuras de Antígono e Demétrio, porém, apesar

de primordias, não são os únicos elementos que compõem a formação dessa basileia que,

como organização política, tem em sua base uma série de concepções filosóficas. Por isso,

outro aspecto relevante quando se investiga a formação da basileia é avaliar em que medida
183

fundamentos de caráter filosófico influenciaram a constituição desse sistema e, nesse

processo, a conduta do basileus.

Os fundamentos filosóficos da ‘basileia’ helenística

Todo sistema político se fundamenta, em alguma medida, em princípios ou diretrizes

filosóficas, ao mesmo tempo que é constituído por todo um imaginário partilhado pelo grupo

que o sustenta. Qualquer sistema político-ideológico é eficaz apenas quando é capaz de

traduzir os anseios e aspirações das distintas categorias sociais, mesmo que isso não ocorra de

modo consensual. Os fundamentos políticos e filosóficos que compuseram a basileia

helenística não fogem a essa regra. Os primeiros basileis tiveram suas monarquias

influenciadas por valores e preceitos que remontavam a um arcabouço de concepções, mitos e

representações delineadas ao longo do século IV a.C., ao mesmo tempo que práticas exercidas

pelos próprios diádocos se vincularam a essas representações, reinterpretando ou forjando

novos significados que definiram a imagem da monarquia e do soberano helenísticos.

De acordo com Serbena (2003, p. 5), o imaginário desempenha uma função social e

política, já que no processo da luta política e da legitimação de determinado sistema político

existe a preocupação em se elaborar um imaginário por meio do qual se mobilizam

afetivamente as pessoas. Nas palavras de Carvalho (1987, p. 58):

A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de


compensação, por meio da mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos
não é arbitrária, não se faz no vazio social, é aí também que se colocam as maiores
dificuldades na construção do panteão cívico. Herói que se preze tem de ter, de
algum modo, a cara da nação. Tem de responder a alguma necessidade ou aspiração
coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de comportamento que corresponda
a um modelo coletivamente valorizado. [...]

No caso da realeza helenística, são muitos os exemplos de associação do rei à figura

virtuosa, mas, ao mesmo tempo, de um homem forte, que evoca a imagem do herói homérico,
184

associado às divindades – o homem providencial, que desponta num momento no qual se

clama por um salvador capaz de restituir à sociedade a segurança perdida (GIRARDET, 1987,

p. 63-71). Segundo Carvalho (1987, p. 11), é por meio do imaginário que: “[...] as sociedades

definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado presente

e futuro [...]”. Isso significa dizer que uma sociedade constrói, em certos termos, a si própria,

de acordo com os princípios daquilo que Anderson (2008) define como comunidade

imaginada. Ainda segundo Carvalho, o imaginário é constituído e se expressa por

representações, utopias, símbolos, rituais e mitos, sendo o campo do imaginário um espaço de

conflito, onde ocorrem lutas de representações entre diferentes grupos, que buscam o

monopólio do poder, ideia que vai ao encontro do pensamento de Chartier (1990), no que

tange às representações políticas e culturais.

Como discutimos no capítulo anterior, ao longo do século IV a.C. vimos tomar forma

toda uma especulação política e filosófica em torno do governo e do governante ideais. Esse

período foi marcado por uma profusão de debates acerca da monarquia e das virtudes régias

promovidos por autores como Isócrates e Xenofonte, por exemplo. Para Platão (Pl., Plt.,

294A; Pl., Leges, IV, 711E-712A) e Aristóteles (Arist., Pol., III), a melhor constituição

dependeria do governante, porém a natureza da relação entre o rei e as leis, embora

longamente debatida, restou inconclusa.

Segundo Walbank (1984, p. 76-77), a monarquia foi um objeto de reflexão sobre o qual

os filósofos e pensadores frequentemente se debruçaram ao longo do século IV a.C. Contudo,

o autor, embora afirme que alguns dos fundamentos filosóficos em torno da monarquia e do

monarca, no século IV a.C., possam ter influenciado a concepção da realeza helenística,

acredita que as especulações dos filósofos não contribuíram diretamente para o surgimento da

basileia helenística.134 Concordamos com Walbank na medida em que, ao se estabelecer um

134
Nesse caso, Walbank provavelmente se remete à questão de que, para o homem grego, o homem da Hélade, a
visão de que a monarquia não era uma instituição adequada ainda era muito forte. Nesse aspecto, concordamos
185

regime político, se torna complicado concluir qualquer discussão sobre a melhor forma de

governo do ponto de vista filosófico. Quanto a isso, vale a pena lembrar que os próprios

tratados sobre a realeza helenística surgem apenas mais tarde, por meio da solicitação dos

próprios basileis, já instalados no poder. Um tema recorrente nesses tratados eram as virtudes

inerentes ao bom rei, que deveria ter conhecimento da filosofia para bem governar. No que se

refere à redação desses textos filosóficos, há certo destaque pa os Antigônida, como podemos

constatar na seguinte passagem de Eliano, ao falar sobre Antígono II:

É relatado que o rei Antígono era popular e brando [...] Eu devo mostrar aqui apenas
um ato seu cheio de clemência e vazio de orgulho [...] Antígono, percebendo que seu
Filho se comportou de forma rígida e severa em relação a seus súditos: “Você não
sabe, filho, disse ele, que nosso reino não é senão uma gloriosa servidão?” Esse
discurso de Antígono para o seu filho expressou muita brandura e humanidade.
Aquele que concebe o contrário, em minha opinião, parece não entender o que
compete a um rei ou a um súdito, parecendo ter vivido sob algum tirano (Aelianus,
Varia Historia, II, 20).135

No trecho citado, vemos como uma conduta marcada pelas virtudes deveria ser o

caminho trilhado pelo monarca. Eliano destaca virtudes régias que condicionaram a

representação do soberano ideal no período helenístico, como brandura e clemência para com

os súditos.

Infelizmente, boa parte dos tratados sobre a realeza helenística se perdeu. O que temos

são fragmentos, em sua maioria reconstituídos, ou comentários posteriores. 136 Desses

fragmentos, destacamos os provenientes dos três tratados pseudo-pitagóricos sobre a realeza

(Περι βασιλείας) preservados por Estobeu, que viveu no século V d.C., e cujos autores são

apontados como Diotógenes, Ecfanto e Estênidas. Os problemas em se trabalhar com tais

com o autor, mas devemos ressaltar que os primeiros basileis trataram de lidar com esse posicionamento típico
das póleis por meio de um discurso que preconizava a liberdade e autonomia destas, propósito propagandístico
que viria a pautar a relação entre o basileus e as póleis.
135
O aparecimento de preceitos como brandura, clemência, humanidade e certa servidão do monarca aos súditos
nesse relato talvez tenha sido influenciada pela informação, não muito precisa, de que Antígono II encorajou, em
sua corte, a presença dos estoicos. Contudo, na prática, é complicado ver a interferência dos princípios estoicos
na corte antigônida.
136
Esse é o caso do livro I das Histórias de Diodoro, que, ao falar sobre a realeza ptolomaica, provavelmente se
baseou na obra do historiador Hecateu de Abdera, escritor da obra Aegyptiaca.
186

fragmentos começam pela datação, uma vez que os tratados teriam sido compostos num arco

cronológico que vai do século III a.C. ao III d.C. Além disso, esses textos recolhem ideias

contidas numa gama extensa de fontes, muitas das quais tardias no que se refere à monarquia

helenística. Por muito tempo, os fragmentos dos três tratados permaneceram esquecidos,

sendo reabilitados para o estudo da filosofia política da basileia helenística principalmente

por Goodenough, no trabalho intitulado “The Political Philosophy of Hellenistic Kingship”,

de 1928, no qual o autor interpreta tais documentos como “programas”, visando a estabelecer

uma teoria filosófica do poder destinada aos primeiros reis helenísticos. Nessa perspectiva, a

melhor forma de governo, segundo os filósofos, não seria mais o governo coletivo da pólis,

fosse qual fosse o regime, mas o governo de um único homem.

Delatte (1942, p. 123-163) sustenta que os tratados contêm duas ideias fundamentais

sobre a basileia: o direito divino ligado à instituição da realeza; e a monarquia como imitação

terrena (mimésis) do governo divino, como podemos ver pelo fragmento coletado por Estobeu

e que é atribuído a Ecfanto.

[...] o basileus tem uma natureza mais divina, vencendo a natureza comum por meio
de seu princípio mais elevado. É semelhante ao outro [homem] pelo “pano”, visto
que ele foi feito do mesmo material, mas foi fabricado pelo melhor artista, que o
criou, tomando-se a si como modelo. O rei é realmente o único ser capaz de
representar o rei de cima: seu criador é conhecido em todos os momentos [...] seus
súditos [...] veem a basileia como uma luz [...] ela é divina e difícil de contemplar
por causa de seu brilho excessivo, exceto para os pretendentes legítimos [...] A
basileia [...] é algo puro, incorruptível e indescritível para os seres humanos, por
causa da abundância de sua divindade. Portanto, é necessário que quem estabeleça a
realeza tenha uma natureza muito pura e muito brilhante [...] (Stobaeus, Ἀνθολόγιον,
Ecfanto, VII, 64).

Na opinião de Delatte, essas ideias sobre o direito divino do soberano e a representação

da monarquia como reflexo do governo divino não provêm da escola pitagórica – daí a

classificação dos tratados como pseudo-pitagóricos –, mas são o resultado de uma lenta

transformação de concepções filosóficas, políticas e religiosas que remontavam às monarquias

orientais e que se perpetuaram sob o Império Romano. Apesar de recolherem elementos que
187

fogem da esfera helenística propriamente dita, os fragmentos de Diotógenes, Ecfanto e

Estênidas, se manipulados com cuidado pelo pesquisador, podem auxiliar na análise da

basileia helenística, principalmente no que se refere à representação do soberano ideal.

A construção de uma imagem modelar do monarca pode evitar uma série de excessos

característicos do exercício do poder pessoal. A fabricação das virtudes do basileus torna-se

necessária na medida em que tais virtudes justificam a monarquia aos olhos dos súditos. As

virtudes régias se tornam mais importantes quando refletimos sobre o sentido da Lei no

mundo helenístico. A relação entre o basileus e a Lei constitui um problema especial, pois no

período helenístico não existiu uma institucionalização do poder do soberano. Em tese, o rei

era limitado pela Lei, mas ao mesmo tempo a encarnava. Então, como poderia haver uma

limitação da pessoa do rei por meio da Lei?

Por isso talvez seja tão recorrente, tanto nos escritos dos filósofos quanto nos tratados

da realeza, a importância da virtude e o papel da Lei no exercício do governo, como fica claro

no trecho seguinte: “[...] porque sem justiça, ninguém seria basileus, e, sem lei, não há justiça.

Porque o direito está na lei e a lei é a causa da justiça, sendo o basileus a lei viva [ό δὲ

βασιλεύς ῆτοι νόμος εμψυχός], ou o magistrado que está em conformidade com a lei [...]”

(Stob, Flor., Diotogenes, VII, 61, 263). Na prática, se esperava do basileus um

comportamento moderado e responsável, mas, no trecho exposto, vemos a tensão que existe

entre o monarca como lei animada, corporificada e representante de uma lei inanimada,

consignada num código escrito. Os documentos que buscam dar conta da concepção filosófica

da realeza, na maioria das vezes, recomendam que o rei não exerça um poder absoluto, mas

tenha por obrigação seguir a Lei.

A questão que mais uma vez se coloca é a da real aplicabilidade dos preceitos

filosóficos contidos nos tratados sobre a realeza para a construção da basileia ideal, assunto

sobre o qual ainda pairam muitas incertezas. O que podemos afirmar é que, na constituição
188

desta realeza, elementos de caráter não institucional tiveram um peso considerável. Para

Thonemann (2015, p. 143-146), quando falamos sobre a representação régia na época

helenística, certamente não estamos falando dos poderes constitucionais do rei. Para o autor, a

representação que cerca o basileus foi constituída por um conjunto de crenças coletivas a

respeito do papel do monarca: sua natureza quase divina, sua generosidade como benfeitor,

sua autoridade carismática e sua coragem pessoal na guerra.

É consenso entre os estudiosos da monarquia helenística a importância do rei como líder

vitorioso. Ao tratarmos as fontes, sejam elas textuais, epigráficas ou numismáticas, a imagem

que de fato se destaca é essa. Como vitorioso, o monarca se apresenta como sóter e evérgeta

de seu povo. Por isso, não soa estranho que Diotógenes inclua em primeiro lugar, na lista das

funções do soberano, o comando do exército, como vemos na seguinte passagem: “[...] O

basileus tem três funções: comandar o exército, servir a justiça e honrar os deuses [...]” (Stob.,

Flor., Diotog., VII, 61, 264); ou que Políbio (IV, 77, 3) destaque a competência militar e a

coragem de Filipe V, próprias de um grande general. Derivadas dessa perícia militar do

soberano, aparecem as virtudes, que se unem à figura do rei sob a forma de epítetos.

Sóter (Σωτήρ) e Evérgeta (Εὐεργέτης) são títulos usados sobretudo pelos Ptolomeu, mas

também por outros basileis. Antígono e Demétrio são exaltados como sóter e evérgeta em

diferentes documentos que tratam da gratidão das cidades por eles auxiliadas, como no trecho

epigráfico abaixo, localizado na ágora ateniense, e que trata da concessão de honras divinas

aos Antigônida após Demétrio, a mando do pai, ter libertado a cidade de Atenas do domínio

de Cassandro pela segunda vez:

[...] [Aqueles] que participam dos sacrifícios [realizados em nome de Antígono e]


Demétrio devem sacrificar também a Demétrio Sóter, [apresentando] as mais
sagradas e belas [vítimas de sacrifícios. As honras] concedidas ao basileus [pel] os
voluntários selecionados [serão proclamados para que, assim como eles mesmos]
tenham honrado seus benfeitores às suas próprias custas, assim também outros
189

possam seguir e homenagear [eles com as mais ilustres] honras (SEG, 25, 149; SEG,
25,145; SEG, 25, 150).137

Nesse fragmento, datado de 303/2 a.C., percebemos que o termo basileus já aparece nas

inscrições provenientes da Grécia continental e que esses reis são alvos de cultos e honrarias

por parte das cidades por eles favorecidas. O basileus era visto como o bom pastor, como no

caso de Antíoco I (OGIS, 219), por isso deveria ter bravura. A coragem (ἀνραγαθία) de

Antíoco é mencionada em vários decretos, sempre associada a outras virtudes régias, tal como

a generosidade (φιλανθρωπία), que é um dos atributos que mais aparecem nas inscrições

helenísticas ligadas à figura do rei.

A bravura do monarca era direcionada amiúde para fins defensivos, no combate aos

inimigos. Quanto a isso, os Antigônida são vistos como eternos protetores das fronteiras ao

norte da Grécia, papel reforçado em algumas fontes antigas. Os reis helenísticos eram assim

guardiães ou restauradores da paz, como vemos na narrativa de Políbio (IX, 35, 1-4) sobre os

assuntos referentes à Grécia, onde se apresenta uma alusão de Flamínio, um general romano,

ao discurso do embaixador Licisco contra os etólios em que ele enfatiza a importância dos

Antigônida, reis da Macedônia, para a segurança da Grécia:

[...] você se orgulha de ter resistido ao ataque dos bárbaros em Delfos e dizer que os
gregos devem lhe agradecer por isso. Mas se agradeço aos etólios por esse serviço
único, quão altamente devemos honrar os macedônios, que para a maior parte de
suas vidas nunca cessaram de lutar contra os bárbaros por causa da segurança da
Grécia? Pois quem não tem consciência de que a Grécia teria permanecido
constantemente no maior dos perigos, não estivéssemos cercados pelos macedônios
e pela honrosa ambição de seus reis?

Gehrke (2013) afirma que para compreendermos a natureza da basileia helenística

devemos partir da premissa de que a legitimidade do governante, e não sua legalidade, é o

ponto fundamental dessa monarquia. Empregando a definição do poder carismático conforme

137
A sigla SEG se refere à abreviação de Supplementum Epigraphicum Graecum, que porta um conjunto de
inscrições compiladas por Pierre Roussel e outros pesquisadores.
190

proposta por Weber (1999), de acordo com a qual o poder emana do próprio líder, que possui

qualidades excepcionais e geralmente surge em momentos de grande transformação política,

econômica ou religiosa, Gehrke defende que o poder carismático é o que melhor ilumina a

forma da realeza helenística. Segundo Weber (1999), são necessárias duas condições para a

legitimação de um governante carismático: a emergência do governo para o qual se busca

legitimação ocorre em situações excepcionais; e o contexto desse governo é caracterizado

pela instabilidade. Essa ideia corrobora a representação do basileus como salvador, que se

desdobra em quatro modelos de heróis estabelecidos por Girardet (1987, p. 19-20): Cincinato,

Alexandre, Sólon e Moisés.

De acordo com esse esquema, o herói da normalidade e o herói da exceção são extremos

de um mesmo continuum mitológico. Em torno de uma personagem excepcional forma-se

muitas vezes uma constelação de símbolos, como foi o caso de Alexandre. O herói que se

adequa à imagem do Homem Providencial deve se inserir em alguma das seguintes

características, ou ser capaz de conjugá-las: ter capacidade de vir à cena pública em um

período de caos para salvar a população, devido aos próprios apelos dela (nesse caso, o herói

é aquele que apazigua, que protege e restaura a ordem); ser uma figura jovem e conquistadora,

cujo furor bélico é seu principal atributo, pois com sua força e audácia domina a tudo e a

todos, transitando entre a ordem do humano e do sagrado; ele também pode aparecer no papel

do legislador, que substitui a figura do conquistador, fundando uma nova ordem; e, por

último, o herói pode apresentar o arquétipo do profeta, anunciando novos tempos.

Essas quatro categorias de heróis, que podem ser conjugadas em uma mesma figura,

surgem em um momento de redefinição, como no contexto tematizado neste estudo.

Antígono, no processo de fabricação de sua basileia, ao lado de Demétrio, reuniu em torno de

si características relacionadas ao esquema de heróis proposto por Girardet. Com a morte de

Alexandre, surge a necessidade de instauração de uma nova ordem, que desemboca num novo
191

sistema político para o qual são fundamentais novos mecanismos de legitimação, como, por

exemplo, a construção idealizada da imagem do rei como herói salvador, que, por sua vez,

estreitou os vínculos do soberano com o sagrado, por meio de cultos.

De acordo com Oakley (2006, p. 44-45), o culto ao monarca helenístico resultava da

fusão de práticas orientais, mas também possuía raízes na cultura grega, como no culto ao

general vitorioso, que se propagou durante o século IV a.C. Havia assim uma relação direta

entre o ato militar glorioso, a instituição da basileia e a representação de um soberano ligado

ao domínio do sagrado. Inclusive, como vimos no tópico anterior, a associação com as

divindades foi uma prática constante dos Antigônida e das demais dinastias helenísticas.

Gehrke (2013, p. 83) sublinha uma impressão errônea que muitos podem ter, num

primeiro momento, sobre a monarquia helenística devido à importância da vitória militar: a de

que tal realeza foi por excelência marcial. Esse posicionamento, segundo o autor, não é

totalmente aceitável, visto que devemos considerar os limites da atividade militar. Acordos

diplomáticos e alianças para estabelecer a paz foram comuns entre os diádocos, não sendo

raros, desta forma, os exemplos de justiça e cordialidade entre os governantes helenísticos,

como no caso de Antígono e Eumenes, e de Ptolomeu e Demétrio, apresentado nesta

passagem de Plutarco (Vit. Demetr., V, 3-4):

[...] [Demétrio] também perdeu sua tenda, seu dinheiro e, em uma palavra, todos os
pertences pessoais. Mas Ptolomeu enviou-os de volta para ele, juntamente com seus
amigos, acompanhando-os com a mensagem atenciosa e humana de que uma guerra
não deve ser travada para todas as coisas, mas apenas para a glória e o domínio.
Demétrio aceitou a bondade e rezou aos deuses para que ele não estivesse em dívida
com Ptolomeu por isso, mas que pudesse rapidamente fazer um retorno semelhante.
E ele tomou seu desastre, não com o abatimento de um jovem frustrado no início de
uma empresa, mas como um general sensato, familiarizado com os inversos da
fortuna, e ocupou-se com a cobrança aos homens e a preparação de armas, enquanto
ele manteve as cidades em suas mãos e treinava seus novos recrutas.

Em outra passagem, Plutarco (Vit. Demetr., XVII, 1) fala da generosidade e compaixão

de Demétrio com o inimigo após uma vitória: “Essa vitória, tão justa e brilhante, Demétrio

adornou ainda mais por sua humanidade e bondade de coração. Ele deu aos mortos do inimigo
192

um magnífico sepultamento, e libertou seus cativos [...]”. Concordamos com a visão de que a

monarquia helenística não se resumiu a guerras e destruição. O fato de a guerra ser necessária

para a conquista de territórios, sua manutenção e para legitimação do monarca e de sua

basileia não significa que as batalhas fossem ardentemente desejadas e ocorressem a todo

momento. Walbank (1984, p. 81-82) afirma que, na realidade, os basileis não buscavam

aniquilar seus oponentes, sendo o principal objetivo da guerra conquistar e manter o território

em segurança. Além do mais, o rei deveria levar em conta os anseios dos seus súditos e

subordinados que, na maioria dos casos, ansiavam pelo restabelecimento da ordem e da paz.

No que se refere à relação entre os súditos e o soberano, Gerhke (2013, p. 83-85) chama a

atenção para o termo δόξα:

Com o termo δόξα, nós chegamos na interface onde a conduta carismática é


transformada diretamente em um efeito de legitimação, porque é precisamente no
prestígio destes feitos dos governantes, e nessa glória, que se unem a admiração e
aprovação do povo [...] Portanto, os padrões, ideias, desejos e expectativas do povo,
que precisava ser convencido para se alcançar uma legitimação carismática efetiva,
precisavam ser demonstrados em um delicado equilíbrio.

Diante disso, é impossível não evocar os exemplos de Antígono e Demétrio. Dentro dos

limites possíveis, eles sempre se preocuparam em cultivar um relacionamento amistoso com

as póleis, por meio do discurso em defesa da liberdade dos gregos e do auxílio material a

muitas cidades, das quais recebiam, em troca, honrarias como heróis salvadores e benfeitores.

É justamente por intermédio desses benefícios concedidos às cidades gregas, como defesa

contra invasores e ajuda financeira, por exemplo, que vemos pai e filho exercerem o

evergetismo. Nessa circunstância, a virtude militar cede espaço a outras virtudes.

Vislumbramos, portanto, o encontro da basileia helenística com os fundamentos filosóficos

constituídos ao longo do século IV a.C., pois vemos em atuação o rei virtuoso que governa

em prol dos seus súditos, que é o bom pastor e não age como um tirano.
193

Diante do exposto, não defendemos que a basileia helenística tenha sido um mero

reflexo dos princípios filosóficos enunciados no século IV a.C. e recolhidos nos tratados

tardios sobre a realeza, mas também não concordamos que essa monarquia tenha sido forjada

tão somente pelos feitos militares dos diádocos e seus descendentes. Consideramos necessário

um equilíbrio entre ambas as variáveis. A monarquia helenística pode ter sido criada no calor

de uma torrente de acontecimentos e decisões de determinados líderes que buscavam

legitimar-se após o desaparecimento de Alexandre, entretanto, no decorrer do processo, esses

líderes tiveram de recorrer a mecanismos de natureza simbólica, que continham em si

elementos filosóficos e religiosos.

Estabelecidos os critérios sobre os limites dos fundamentos filosóficos em torno da

basileia helenística, nos dedicamos, na sequência, à relação entre os Antigônida e as póleis no

processo de fabricação da monarquia.

Os laços entre o monarca e a ‘pólis’

Ao tratarmos da fabricação da imagem do soberano helenístico sob Antígono e

Demétrio, torna-se fundamental abordar a relação deles com as póleis da Península Balcânica,

principalmente Atenas, e daquelas localizadas na Ásia Menor. Mesmo que os demais

diádocos, responsáveis pela criação das outras dinastias helenísticas, tenham sido alvo de

cultos em diversas cidades que os apoiavam ou eram a eles subordinadas, os Antigônida se

destacam nesse particular, sobretudo pelo fato de o próprio Antígono, por meio de sua famosa

proclamação de Tiro, datada em 314 a.C., ter lançado as bases para a futura relação entre os

basileis helenísticos e as póleis.

Nessa proclamação, da qual encontramos registro em Diodoro (XIX, 61, 1-5),

Antígono, apoiado pelo exército, declara Cassandro como traidor e inimigo dos
194

macedônios,138 ao mesmo tempo que proclama a liberdade de todos os gregos, de maneira que

não deveriam ser oprimidos por guarnições estrangeiras em suas respectivas cidades,

recuperando assim sua autonomia. Diodoro (XIX, 61, 3-4), em seu relato, nos informa que:

“[...] Quando os soldados votaram em favor dessas medidas, Antígono enviou homens em

todas as direções para levar o decreto, porque ele acreditava que, por esses [gregos] terem

esperança de liberdade, ganharia o apoio ansioso deles a seu lado na guerra [...]”.

Por causa dessa jogada política, bastante perspicaz por sinal, não nos causa surpresa que

o primeiro culto prestado a um governante helenístico por uma pólis tenha sido dedicado a

Antígono. A cidade em questão foi Atenas, que, em 307/6 a.C., rendeu homenagens divinas a

Antígono Monoftalmo, extensivas a Demétrio Poliorcetes, após ter sido libertada do domínio

de Demétrio de Falero, aliado de Cassandro. Na ocasião, Atenas, por meio de um decreto,

instituiu um culto a ambos, mandando erigir um altar e estabelecendo um festival anual com

sacrifícios e procissões em honra a pai e filho.

A principal questão que aqui se coloca diz respeito à razão pela qual se instituiu um

culto desse tipo aos soberanos helenísticos, assim como o seu significado e limites, tendo

como foco as honrarias prestadas aos Antigônida. Por isso, a contribuição dos dados

epigráficos torna-se fundamental para demonstrar como as póleis tiveram um papel decisivo

na constituição desse culto e os meios que empregaram para tal. Polifônico, o culto ao

soberano, ao mesmo tempo que era conveniente às póleis, pois recebiam proteção e ajuda

financeira e material dos basileis, favorecia a construção da imagem do basileus como

supremo detentor do poder militar e como um ser associado aos deuses.

138
Como vimos, Cassandro, após a morte de Alexandre III, ficou responsável por governar parte da Grécia até a
maioridade do filho póstumo do monarca com Roxana. Contudo, Antígono, aproveitando-se de desavenças
políticas e da acusação que pairava sobre Cassandro de ter assassinado Olímpia, mãe de Alexandre, lidera uma
ofensiva contra o mesmo. Entre as decisões tomadas durante essa reunião, relatada por Diodoro, estava a
exigência para que Cassandro libertasse de sua tutela Alexandre IV e a mãe Roxana.
195

Desde 321 a.C., ao ser nomeado estratego das forças reais e estratego da Ásia, Antígono

dominaria o cenário político do período. Antela-Bernárdez (2009), Beekes (2010) e Haake

(2012), entre outros autores, destacam o papel central que a vitória militar teve para a

legitimação de Antígono como soberano. Como vimos, o basileus helenístico teria como um

de seus principais atributos a vitória militar, pois era considerado alguém capaz de aplacar as

mazelas sofridas por dada localidade, o que justifica o epíteto salvador (Sóter), amiúde a ele

atribuído. As vitórias militares, ao mesmo tempo que permitiam o controle de amplos

terrritórios, propiciavam a formação de um culto em torno de Antígono e Demétrio. Por meio

da imagem de general vitorioso, cada vez mais fortalecida pelos sucessos militares obtidos

por Demétrio, Antígono, nas duas últimas décadas do século IV a.C., destacou-se como o

diádoco mais poderoso, como podemos constatar na observação de Plutarco (Vit. Demetr., III)

sobre o monarca: “[...] o maior [...] dos sucessores de Alexandre.”

Dessa forma, Antígono, que tinha pretensões de estender seu poder sobre as póleis e a

Macedônia, começa a executar uma estratégia de aproximação com as póleis a fim de obter a

colaboração destas. Mediante um discurso em defesa das póleis, a proteção militar e o auxílio

financeiro a elas oferecido, Antígono criou um mecanismo político de aliança com as póleis

que iria perdurar por todo período helenístico. Com essas benesses concedidas a determinadas

cidades, Antígono, ao lado de Demétrio, recebeu cultos, festividades e honras em seu nome.

Essas homenagens são conhecidas tanto por intermédio da documentação escrita quanto da

cultura material.

Em virtude da compilação de inscrições epigráficas realizada por Welles (1934) e das

inscrições reunidas no Orientis Graeci incriptiones selectae, obra editada por Dittenberger

(1903), temos acesso a parte da correspondência oficial de Antígono referente a três cidades

da Ásia Menor entre os anos de 311 a 303 a.C.: Escépsis, Eresus e Teos. Em um dos trechos

de uma carta enviada pela cidade de Escépsis, em resposta à carta de Antígono de 311,
196

constata-se o costume de se dedicar estátuas, cultos e sacrifícios àqueles considerados

benfeitores de uma cidade:

[...] A fim de que Antígono possa ser honrado de uma maneira digna pelo o que foi
feito e de que o demos possa ver e dar graças pelas coisas boas que já recebeu, [fica
resolvido][...] fazer para ele [Antígono] um altar e o configurar com uma imagem
tão bem quanto possível; e haverá um sacrifício e um festival a cada ano em sua
honra, assim como foi anteriormente realizado; e coroá-lo com uma coroa de 100
[estáteres] de ouro [...] (OGIS, 6, 3-6).

O trecho acima mostra a boa recepção, pela cidade de Escépsis, da carta de Antígono,

na qual este informava sobre o acordo de paz realizado ente ele, Cassandro, Lísimaco e

Ptolomeu, em 311 a.C. Na carta, Antígono reafirmava os parâmetros do tratado de paz, assim

como o discurso sobre a autonomia das póleis, presente na Proclamação de Tiro, e prometia

apoio à cidade de Escépsis. Em resposta, os cidadãos desta cidade, por meio de decisão

tomada em assembleia, estabeleceram honrarias a Antígono. Uma coroa de 50 estáteres

também teria sido ofertada a Demétrio. Em Plutarco (Vit. Demetr., X) e Pausânias (I, 2, 1),

também encontramos referências a estátuas e cultos dedicados a Antígono e Demétrio.

De acordo com Bringmann (1993, p. 8), os benefícios proporcionados pelo basileus

estariam na origem da própria monarquia e, naquele contexto, o maior benefício que um rei

poderia proporcionar seria o respeito à autonomia das póleis. Como Aristóteles teria sugerido

a Alexandre, em uma carta pública, um rei deveria agir com os gregos: “[...] como seu líder,

com os estrangeiros [bárbaros] como seu mestre, tratando os primeiros como amigos e

parentes e os últimos como animais ou plantas” (F 658 R³). Mas não apenas a garantia da

liberdade das póleis configurava um benefício, pois também se esperava do basileus proteção

militar e a manutenção de um ambiente favorável, a fim de que a cidade pudesse

autogovernar-se.

Em certa medida, podemos dizer que Antígono se esforçou para ser visto como um

benfeitor por muitas cidades gregas, tanto aquelas localizadas na Ásia Menor, quanto aquelas
197

situadas na Grécia, e, com isso, reforçar sua imagem como legítimo basileus nos últimos anos

do século IV a.C. Foi com o propósito de fornecer proteção militar que, por volta de 307/6

a.C., Antígono enviou Demétrio para socorrer Atenas, então sob o jugo de Demétrio de

Falero, aliado de Cassandro (CÂNDIDO, 2004, p. 220). Demétrio, que em breve ganharia o

epíteto de Poliorcetes, derrotou a guarnição de Cassandro em Mouniquia e, dois meses

depois, entrou em Atenas como libertador, livrando os atenienses do domínio de Cassandro,

expulsando Demétrio de Falero da cidade e restaurando a democracia. Segundo o testemunho

de Plutarco (Vit. Demetr., VIII, 4-9, 1), a recepção de Demétrio pelos atenienses teria sido a

seguinte:

Demétrio navegou até o Pireu [...]. Ele estava agora à vista de todos. De sua
embarcação, ele deu um sinal para a calma e silêncio e, quando ele foi realizado,
proclamou através de um arauto que seu pai lhe tinha enviado, com boa fortuna, para
libertar os atenienses, expulsar a guarnição [de Cassandro] e restaurar aos atenienses
suas leis e constituição ancestral. Após essa proclamação ter sido feita, a maioria
[dos atenienses] imediatamente colocou seus escudos para baixo diante de seus pés e
o aplaudiram. E, gritando, eles pediam para Demétrio desembarcar, e o chamavam
de “benfeitor” (εὐεργέτην) e “salvador”(σωτῆρα).

Passados alguns meses do episódio, Antígono enviou a Atenas um grande carregamento

de grãos e um de madeira para a reconstrução da frota. Segundo Mikalson (1998, p.50-60), as

facções pró-democráticas e pró-independência, em Atenas, provavelmente viram os

acontecimentos de 307/6 a.C. com entusiasmo, pois novamente os atenienses teriam o

controle de sua cidade e do porto. Nessa conjuntura, não causa estranheza que Antígono e

Demétrio tenham sido celebrados como salvadores (σωτῆρες) e benfeitores (εὐεργέται) de

Atenas, mais do que qualquer outro líder desde os Pisístradas. Uma agenda de honras políticas

e religiosas ofertadas a Antígono e Demétrio foi proposta, ao que tudo indica, por

Estratocles,139 e aprovada pela assembleia. As homenagens prestadas aos dois foram

grandiosas. Como reporta Diodoro (XX, 46, 1-4), coroas de ouro, altares com sacrifícios,

139
Estratocles foi um famoso orador ateniense, filho de Eutidemo, e que atuou ativamente na política ateniense
nas últimas décadas do século IV a.C. (CÂNDIDO, 2012). Era aliado de Antígono e Demétrio, e propôs vários
decretos a favor deles na assembleia ateniense.
198

imagens tecidas segundo as vestes de Atená foram dedicados a estes basileis, que ainda

tiveram duas tribos, com seus respectivos nomes, incluídas no corpo cívico de Atenas. Essas

tribos foram representadas por duas estátuas erigidas no Monumento dos Heróis Epônimos,

na ágora, juntamente com um conjunto de bigas de ouro.

Sabemos que estátuas honoríficas, no IV século a.C., tornaram-se de certo modo

comuns. Contudo, a quantidade de ouro dedicada a Antígono e Demétrio é algo excepcional.

No que se refere às coroas, estas foram regularmente concedidas a cidadãos e não cidadãos

por serviços meritórios no século IV a.C. O homenageado em questão muitas vezes dedicava

sua coroa a Atená, depositando-a no Parthenon, onde permaneceria como propriedade da

deusa. No entanto, segundo Mikalson (1998, p. 60-67), o custo das coroas de ouro ofertadas a

Antígono e Demétrio (1.200.000 dracmas) é impressionante, mesmo em tempos de aguda

inflação, como foi o final do século IV a.C. Para o autor, os atenienses talvez tenham

presumido que Demétrio e Antígono dedicariam as coroas a Atená, de maneira que o ouro, no

fim das contas, não deixaria a cidade de Atenas, mas seria apenas transferido do Erário

público para o tesouro sagrado.140

No que concerne à criação de duas tribos em homenagem a Antígono e Demétrio, foi

necessária uma reorganização dos demos, estrutura que não havia sido alterada desde a época

de Clístenes, no início do século V a.C. Essa alteração, que atingiu a organização do corpo

cívico ateniense, talvez correspondesse a dois propósitos políticos: primeiro, ao interferir na

organização social, haveria o enfraquecimento de certos grupos que poderiam se rebelar

contra os novos protetores de Atenas; em segundo lugar, a alteração de uma estrutura cívica

tão antiga representaria a capacidade de comoção que os basileis teriam dentro das cidades

submetidas ao seu poder, além de reforçar os laços deles com o sagrado na medida em que

140
Mesmo assim, pode-se suspeitar que, no decreto original, os 200 talentos foram destinados a cobrir os custos
não apenas das coroas, mas também das estátuas de ouro e dos demais prêmios a serem concebidos a Antígono e
Demétrio.
199

eram convertidos em heróis com características fundacionais, pois todos os 10 epônimos

originais foram heróis lendários. Desse modo, a criação de duas novas tribos também teria

conotações religiosas, visto que cada uma das tribos atenienses mantinha um culto anual

próprio ao herói que lhe dava nome (herói epônimo), bem como um sacerdote.

Figura 19 – Ágora ateniense, monumento aos heróis epônimos originais

Fonte: Camp (1986, p. 98).

Na Figura 19, temos a reconstituição do Monumento aos Heróis Epônimos com a

representação das dez tribos originais criadas no final do século VI a.C. Com a adição das

duas tribos em homenagem a Antígono e Demétrio, foi necessário acrescentar duas bases ao

lado do monumento. Essas bases podem ser vistas ainda hoje junto ao monumento original, na

ágora de Atenas.
200

Figura 20 – Vista atual do monumento aos heróis epônimos

Fonte: Acervo pessoal da autora (2016)

Figura 21 – Detalhe do monumento aos heróis epônimos

Fonte: Acervo pessoal da autora (2016)

Na Figura 20, temos a vista atual do monumento, que contém as 10 bases originais dos

heróis epônimos e, ao lado delas, as bases adicionadas no fim do século IV a.C., que remetem

a Antígono e Demétrio. Na Figura 21 é possível ver, no detalhe, as bases dedicadas aos

Antigônida. No que tange aos dados epigráficos que corroboram as homenagens prestadas aos
201

Antigônidas pelos atenienses, tal como descritas nos textos antigos, temos alguns fragmentos

de inscrições de decretos. Woodhead (1997, p. 167), nos relatórios de escavação da ágora

ateniense, nos informa que o período denominado “Século Macedônio”,141 compreendido

307/6 e 201/200 a.C., foi o mais frutífero no que se refere à coleta de vestígios epigráficos.

Tais vestígios demonstram que, apesar de à época Atenas não desempenhar mais um papel

hegemônico na Grécia Continental, a cidade ainda era importante, o que a levou a ser

disputada pelos Antigônida, Selêucida e Ptolomeu. Inclusive, nos fragmentos que datam de

306 a.C. em diante, já encontramos o emprego do termo basileus para se referir a Antígono e

a Demétrio.

Além dos fragmentos que atestam a inserção das duas novas tribos atenienses em

homenagem a Antígono e a Demétrio (DINSMOOR, 1935; PRITCHETT, 1943), é possível

ver que os rituais por elas praticados continuaram ao longo do século III a.C., como consta de

dois fragmentos de decretos, um datado de 279/8 a.C., no qual se determina a oferta de

sacrifícios e a concessão de coroas de ouro às duas tribos (IG, II³, 1, 888; Agora XV, n. 84, p.

93); e outro fragmento, de 213/12 a.C., que dispõe sobre o mesmo assunto (IG, II3, 1, 1165;

Agora III, n. 66, p. 56). Há também trechos de um decreto (frag. I5972) que demonstram o

agradecimento dos atenienses a Demétrio devido a mais uma vitória militar e lhe concede

sacrifícios.

Ao analisarmos os fragmentos epigráficos provenientes de Atenas, constatamos que há

muito mais menções ao nome de Demétrio do que ao nome de Antígono. O fato de haver mais

inscrições atenienses relativas a Demétrio se deve, em nossa opinião, a dois fatores: primeiro,

Demétrio era o representante direto do pai no que se referia às campanhas militares e a

questões diplomáticas, e Antígono, como basileus supremo, não era de fácil acesso; em

141
Os fragmentos de decretos referentes ao chamado “século macedônio” correspondem aos fragmentos de
número 107 a 255.
202

segundo lugar, mesmo após a morte de Antígono, em 301 a.C., na Batalha de Ipso, as relações

entre Demétrio e Atenas não cessaram.

Enquanto Antígono era vivo, Demétrio estava submetido a este. Foi a mando do pai

que, por exemplo, buscou construir uma nova simaquia entre eles e as póleis, que remontava,

em certa medida, à liga criada por Filipe após a Batalha de Queroneia, em 338 a.C. De acordo

com a cultura material,142 a construção dessa simaquia ocorreu por volta de 303/2 a.C., tendo

sido a iniciativa de reunião das póleis que mais se aproximou da Liga de Corinto fundada por

Filipe (AGER, 1996, p. 65-66). Sobre os assuntos que envolveram a criação dessa nova liga

grega, temos o fragmento de uma correspondência entre Adeimantos de Lâmpsaco e

Demétrio, datada de 303/2 a.C.

Adeimantos para o basileus Demétrio, saudações. O decreto que os anfictiões


fizeram no ano anterior, tendo sido apresentado em Isthmia 143 e santificado em
Delfos, enviei-lhe como você achou necessário. Da mesma forma, enviei também as
cartas de seus amigos, para que você se mantenha a par do que cada um decidiu,
tendo feito uma transcrição em uma estela de acordo com a decisão tomada [...]
(SEG, 45, 479; MORETTI, n. 72, 1975).

Adeimantos era um diplomata e amigo de Demétrio, que o nomeou para ser um dos

presidentes do conselho da nova Liga Helênica e sempre tratou de deixá-lo a par das decisões

referentes à constituição da Liga (ELLIS-EVANS, 2012). Em 307/6 a.C., Antígono já havia

procurado estabelecer uma coalizão que unisse os gregos (Diod. Sic. XX, 46). Contudo,

apenas por volta de 303 /2 a.C. representantes de algumas póleis, cujos nomes, em sua

maioria, não foram conservados nos fragmentos que chegaram até nós, se encontraram com

Demétrio, no Istmo, ocasião em que foi elaborada uma declaração dessa Liga Helênica (Diod.

Sic., XX, 102; Plut., Vit. Demetr., XXV). De acordo com Moretti (1967, p. 165), o caráter

lacunar do texto torna impossível determinar quais eram os membros originais da Liga ou

142
A respeito da reconstrução da Liga de Corinto, foram encontrados 12 fragmentos em Asklepios, em Epidauro
(SEG II, 56; ROBERT, Hellenica, II, p. 15-33).
143
Isthmia era uma antiga cidade localizada no istmo de Corinto.
203

quantos eram em número.144 O objetivo imediato do empreendimento era unir as póleis a

Antígono e Demétrio na guerra contra Cassandro, mas as disposições foram elaboradas com a

expectativa de que o órgão continuasse também em tempos de paz. Abaixo, temos parte de

um fragmento que se refere a esta Liga:

[...] Deixe o sinédrio se reunir em tempo de paz [nos jogos sagrados?], mas em
tempo de guerra, muitas vezes parece benéfico o sinédrio e os [estrateg] os deixados
pelos basileis para a proteção comum [...] As reuniões do sinédrio serão realizadas
até que a guerra comum acabe [...] O [sinédrio] deve realizar negócios quando mais
da metade do seu número estiver presente [...] Quando a guerra [terminar], haverá
cinco [proedos] escolhidos por sorteios dentre os membros do sinédrio. Não mais do
que um, de qualquer liga ou cidade pode ser selecionado por sorteio [...] [Se alguém
quiser] introduzir [qualquer questão] que seja vantajosa para os reis [e os gregos], ou
denunciar [qualquer um como] agindo contrariamente aos interesses dos aliados [ou]
desobedecer às deliberações ou trazer qualquer outro assunto ao sinédrio, antes deve
se registrar [com os proedos] [...] [Os] proedos escolhidos por sorteio [devem ser]
obrigados a prestar conta de [tudo] o que fazem [...] Até a guerra comum terminar,
os proedos devem [sempre ser aqueles] (enviados) pelos reis [...] (MORETTI, n. 44,
Frag., 3; SEG, II, 56).

O fragmento discute questões relativas às obrigações de cada membro da Liga e das

multas decorrentes do não cumprimento de qualquer uma das obrigações. A busca por

construir a Liga Helênica e a adesão das cidades gregas a ela mostram a influência que

Antígono e Demétrio tinham sobre as póleis. Por meio das evidências citadas, vemos a

importância das relações entre Antígono e Demétrio com as póleis, sobretudo para a

legitimação dos soberanos na região do Egeu.

Voltando à questão das honrarias e culto dispensados aos Antigônida pelas poléis,

sabemos que provinham, de certa forma, de serviços prestados pelos basileis às cidades.

Devemos, no entanto, ter cuidado para não considerar a gratidão e as honrarias divinas, nesse

caso aquelas concedidas por Atenas a Antígono e Demétrio, unicamente como retribuição de

serviços prestados. Sem dúvida, tais serviços são importantes para a compreensão da resposta

de Atenas e de outras póleis ao apelo dos Antigônida por apoio, mas também são importantes

a segurança em tempos de guerra, o acesso a víveres e a prosperidade (MIKALSON, 1998, p.

144
O que temos são vários fragmentos de uma mesma estela, encontrados em Epidauro, a partir dos quais é
possível identificar o nome da cidade de Élis e a existência dos membros da Liga Aqueia.
204

91). É devido a todos estes fatores, alguns tradicionais, outros relativamente novos, que

vemos os atenienses recompensando Antígono e Demétrio com as mesmas honrarias antes

reservadas apenas aos deuses: altares, sacrifícios e festivais. Antígono e Demétrio foram

representados como os salvadores dos atenienses. O epíteto Sóter descrevia precisamente o

que os novos benfeitores de Atenas, revestidos por uma áurea divina, deveriam garantir:

segurança econômica e política para seus reinos físicos.

Em nossa opinião, o basileus que surgia no final do século IV a.C. não era propriamente

uma divindade. No entanto, as honras a ele concedidas, como as que receberam os Antigônida

em 307/6 a.C., em Atenas, já não eram mais honras próprias de um cidadão ilustre. Por um

lado, a pólis via no basileus um protetor, contanto que ele fosse justo, dentro dos termos

aceitáveis, o que justificava a concessão a ele de honrarias de caráter divino; por outro,

Antígono precisava se legitimar como basileus não apenas no que dizia respeito ao monopólio

da força, mas também em termos simbólicos. Sendo o primeiro basileus helenístico, foi o

primeiro a recorrer ao monopólio do poder militar e simbólico. Neste último caso, as póleis,

por meio da criação de cultos e festivais em homenagem aos Antigônida, tiveram um papel

fundamental.

Tomando como referência os cultos e festivais dedicados ao basileus, trataremos, no

último capítulo, da constituição do cerimonial em torno da basileia antigônida. As relações de

Antígono e Demétrio com o sagrado e seus limites são uma questão sobre a qual devemos nos

debruçar com cuidado. Além disso, para uma maior compreensão da fabricação da monarquia

helenística, precisamos avaliar outras estratégias políticas, como a fundação de cidades, os

vínculos do basileus com sua corte e, por fim, a cerimônia de entronização.


205

CAPÍTULO IV

Ritos e cerimônias: a realeza em movimento

No processo de legitimação de determinado sistema de governo, há sempre mecanismos

cuja principal função é dar-lhe sustentação, bem como reforçar a imagem dos titulares da

autoridade pública. No caso dos Antigônida, não foi diferente. Como vimos no capítulo

anterior, por meio de uma identidade monárquica constituída numa tríplice fronteira cultural,

Antígono e Demétrio buscaram reforçar seus laços filiais. Ao mesmo tempo, Antígono, com

sua práxis política, buscou se adequar ao repertório de representações acerca do bom

governante partilhado pelas póleis de modo a encarnar a figura do soberano ideal. Essa

imagem prototípica do governante teve suas bases forjadas em fundamentos filosóficos que

remontavam às primeiras décadas do século IV a.C. e na representação do monarca como

general vitorioso. Ao mesmo tempo, da relação entre o basileus e as póleis e da sequência de

vitórias de Antígono originava-se uma série de epítetos, cerimônias e cultos que reforçavam o

nexo do rei com o sagrado. A partir desses dados, buscamos, neste último capítulo, discutir os

limites da associação entre o sagrado e o basileus, tratar dos cultos e festividades dedicados a

Antígono e Demétrio e refletir sobre a importância destes para a constituição do cerimonial

em torno dos primeiros basileis.

Com o propósito de analisar os mecanismos de legitimação do basileus e de sua

monarquia e a constituição dos ritos em torno de sua figura, ponderamos também sobre a

importância do papel do monarca como fundador de cidades no contexto de fabricação da

basileia helenística e sobre a relevância da instituição dos hetairoi, os companheiros do rei.

Por último, buscamos compreender o rito de entronização dos primeiros monarcas

helenísticos, Antígono e Demétrio.


206

Entre deuses e homens: a associação do soberano com o sagrado

Quando nos referimos à inserção do basileus helenístico no domínio do sagrado, uma

problemática que se destaca é aquela que diz respeito ao caráter das honrarias divinas

recebidas pelo monarca e da natureza divina ou não do rei. Até o final da primeira metade do

século XX, o culto aos soberanos helenísticos foi visto como uma espécie de sintoma da

falência religiosa do período, visão presente nos trabalhos de Bikerman (1938) e de

Burckhardt (1948), ou como uma devoção religiosa genuína e sincera dos súditos perante os

basileis, a exemplo do que vemos no artigo de Scott (1928), que trata da divinização de

Demétrio Poliorcetes, e no trabalho de Tarn (1928), que faz uma análise do culto ao

governante helenístico por meio dos casos de Ptolomeu II e Alexandre.

Habicht (1970) e Price (1984), por sua vez, lançaram um novo olhar sobre o assunto.

Habicht (1970) afirmou que as honras divinas concedidas aos monarcas helenísticos pelas

cidades gregas tinham suas raízes no próprio sistema religioso grego, no qual homens

considerados excepcionais eram celebrados por determinada comunidade devido aos

benefícios que teriam prestado a esta. Tais honras, até então restritas às divindades, teriam

então sido estendidas a seres humanos. Price (1984),145 valendo-se das contribuições de

Habicht, afirmou que a divinização do monarca, na época helenística, foi um dos caminhos

encontrados para acomodar o basileus no sistema honorífico tradicional que conferia prestígio

a determinados indivíduos. Ambos os autores elaboraram novos parâmetros para a

145
No referido estudo, mesmo que Price tenha tido como foco os cultos gregos dedicados ao imperador romano
na região da Ásia Menor, e não propriamente os dedicados aos basileis helenísticos, a tentativa do autor em
descobrir os motivos que levaram o imperador romano a ser tratado como uma divindade naquela localidade
apresentam considerações sobre o culto em torno da figura do monarca helenístico que são úteis para este
presente estudo. Price sustenta que, desde o surgimento do cristianismo no Império Romano, o problema sobre a
divinização do soberano foi mal interpretado no Mundo Antigo, pois se estabeleceu uma distinção cristã entre
religião e política que levou à interpretação do culto ao monarca muitas vezes como uma simples forma de
honraria política. Com base em fontes provenientes da numismática e da arqueologia, e com um aporte teórico
oriundo da antropologia, Price nos oferece uma perspectiva diferente.
207

compreensão do culto ao rei como uma prática honorífica e como uma modalidade particular

de associação entre religião e política próprias do período helenístico.

Segundo Petrovic (2015, p. 430), as discussões em torno da condição divina ou não do

monarca ocorrem devido à existência da dicotomia entre humanidade e divindade ser bem

mais ambígua e flexível na cosmovisão grega do que em outros sistemas religiosos, como no

cristianismo, por exemplo. Ao falarmos sobre divindades antropomórficas, temos uma

aproximação do divino com a esfera humana, bem como a formulação de uma hierarquia

humana entre as divindades. No mundo grego, a diferença crucial entre humanos e deuses

repousava, segundo Petrovic (2015, p. 432): “[...] na quantidade de poder que possuem,

existindo uma brecha para os humanos romperem as fronteiras da divindade e ascenderem à

esfera divina.” Na Hélade, bem antes do período helenístico, podemos encontrar diversos

casos de concessão de honras divinas, após a morte, a indivíduos considerados excepcionais,

como os heróis fundadores e os atletas. Mas a partir de dado momento, constatamos a

existência de honrarias de natureza sagrada dedicadas a mortais ainda em vida.

Segundo Mitchell (2013, p. 10-12), o primeiro homem a receber honrarias divinas ainda

em vida teria sido o general espartano Lisandro, por volta de 404 a.C., que veio a falecer na

primeira década do século IV a.C. De acordo com Duris de Samos (FGrH 76 F71),146 o

general teria recebido um altar, sacrifícios, hinos e um festival por parte dos habitantes de

Samos. Informação semelhante nos é fornecida por Plutarco (Vitae parallelae Lysander,

XVIII, 1-3):

[...] Lisandro erigiu estátuas de bronze [...] de si [...], bem como as estrelas douradas
dos Dióscuros [filhos de Zeus], que desapareceram antes da batalha de Leuctra [...]
Lisandro era neste momento mais poderoso do que qualquer grego antes dele [...]
Pois ele foi o primeiro grego, como escreve Duris, a quem as cidades ergueram
altares e fizeram sacrifícios como a um deus, o primeiro também a quem canções de
triunfo foram cantadas [...].

146
Duris de Samos, de acordo com seu próprio testemunho, nasceu por volta de 340 a.C., e escreveu diversas
obras, que infelizmente não chegaram até nós. O que restou de sua obra são apenas fragmentos ou menções em
obras de autores antigos como Plutarco e Diodoro.
208

O tipo de homenagem à qual Plutarco se refere ao falar de Lisandro se popularizou no

mundo grego após a Guerra do Peloponeso, momento em que o culto heroico experimentou

nova força, porém de forma bem diversa do culto surgido no século VIII a.C., que era por

primazia ligado ao mito de fundação das póleis (ANDRÉ, 2009). No decorrer do século IV

a.C., esse tipo de culto passaria a ser destinado aos generais vitoriosos e não se configurava

uma reverência à tumba do herói, pois o processo de heroificação ocorria com o general em

vida. Devemos então nos perguntar como foi possível essa apoteose de mortais e o que

representavam naquele mundo.

Na realidade, o culto ao herói nunca desapareceu na pólis clássica. A questão é que,

com o passar do tempo e com a crise política que acometeu a Hélade no final do século V

a.C., o culto foi cada vez mais direcionado para a pessoa do general. O fato novo era que tais

honras eram prestadas então a um vivo, não a um morto. A especialização militar, a condição

do estratego como generalíssimo e o estado de beligerância constante entre as póleis levaram

ao fortalecimento da imagem dos generais vitoriosos. Por isso, logo após o fim da Guerra do

Peloponeso, nos primeiros anos do século IV a.C., vemos pela primeira vez estátuas erigidas

em honra a estrategos, na ágora ateniense (MOSSÉ, 2004). A dedicação de estátuas a estes se

proliferou, mas o caráter destas, que visavam fazer reconhecer o heroísmo destes, possuía

contornos cívicos (ANDRÉ, 2012, p. 105).147

Aneziri (2013, p. 5973) nos informa que a concessão de honras divinas a mortais que

detinham poder politico e/ou militar não foi uma criação dos gregos, pois se verifica, no

Oriente Próximo e no Egito faraônico, a existência de fenômenos semelhantes, embora

distintos na forma e localizados em outro contexto sociopolítico e cultural. No mundo grego,

147
Broneer (1942, p. 156), ao fazer uma análise histórica do culto heroico por meio do estudo da ágora de
Corinto, afirma que é complicado rastrear a trajetória deste tipo de culto no mundo da pólis, mas que dois fatores
são primordiais ao se tratar dessa temática após o final do século V a.C.: em primeiro lugar, o culto heroico
praticado nos tempos helenísticos teria se originado em um culto dos mortos; e, em segundo, o homenageado ao
qual o culto era dedicado podia ser associado a divindades, não sendo ele uma divindade em si.
209

a consagração de estátuas e a concessão de outras homenagens geralmente traduziam

respostas aos feitos extraordinários do indivíduo, como uma grande vitória, ou exprimiam a

gratidão pelo benefício prestado à pólis por um mortal, que, por essa razão, poderia receber

honrarias comumente reservadas aos deuses. Este é o caso de Filipe que, após vencer em

definitivo as forças políades, organizou comemorações em Aigai que contaram com jogos, a

celebração de seu casamento com a jovem Cleópatra e a recepção de homenagens por parte de

diversas cidades gregas,148 como podemos constatar no extrato de Diodoro (XVI, 92, 1-5):

[...] Não apenas homens notáveis lhe coroam com coroas de ouro, mas a maioria das
cidades importantes também, entre elas a pólis de Atenas [...] ao nascer do sol [do
dia seguinte], o cortejo se formou. Junto com a exibição pródiga de todos os tipos,
Filipe incluiu no cortejo, estátuas dos doze deuses forjados com grande mestria e
ricamente adornados, fazendo assim, uma exibição deslumbrante de riqueza para
surpreender o espectador. Ao lado das estátuas destes deuses foi conduzida uma
décima terceira, apropriada a um deus, que era do próprio Filipe, para que o basileus
se exibisse entronizado entre os doze deuses.

Comparar as honrarias concedidas aos generais e soberanos no final do século V a.C., e

mesmo no século IV a.C., com as que Alexandre e os diádocos receberam, é algo, no entanto,

precipitado. Primeiro, porque tratar dos casos mais antigos de dedicação de homenagens a

mortais ainda em vida, na Grécia, torna-se uma tarefa árdua pela escassez de vestígios

textuais e materiais, o que dificulta uma análise mais eficiente. Depois, mesmo em face dos

poucos dados disponíveis, é possível demarcar diferenças entre os dois tipos de culto e

estabelecer, de forma inequívoca, a existência de um culto ao soberano fundamentado em

procedimentos de adoração somente com Alexandre.

De acordo com Chaniotis (2003, p. 434), existem diferenças substanciais entre a

adoração aos deuses e as honras concedidas a um mortal, como nos casos de Lisandro e

Filipe. Em ambos, nota-se a ausência de menção a uma estátua de culto ou a um santuário

148
Cleópatra era uma jovem macedônia, protegida de Átalo, um guarda-costas do rei que pertencia ao círculo
dos hetairoi. Por Cleópatra não ser proveniente do seio da elite macedônia, esse casamento ia contra a tradição
do reino. Momigliano (1992, p. 107) diz que quaisquer que fossem os motivos de Filipe para o casamento, este
acabou por causar um rompimento entre ele e Olímpia, afetando inclusive sua relação com Alexandre.
210

ligados a estes generais, além do fato dos rituais a eles dedicados terem sido efêmeros. Para

nós, é na interseção entre o culto tradicional aos heróis fundadores, aos generais vitoriosos e

aos deuses que surgirá o culto ao soberano helenístico.

Como dito na abertura desta seção, existe uma polêmica em torno da devoção ao

monarca helenístico que coloca em xeque a sua natureza divina. No entanto, podemos afirmar

que mesmo herdeiro de aspectos ligados ao culto aos generais vitoriosos que se popularizou

após a Guerra do Peloponeso, esse tipo de prática religiosa possui suas particularidades,

provenientes sobretudo do culto à figura de Alexandre que, embora obscurecido por narrativas

cercadas de incongruências, nos permite entrever diferenças com homenagens precedentes.

Para começar, algumas das façanhas militares de Alexandre eram equiparadas às ações

de Héracles e até às de Dioniso, como exemplifica a conquista da Índia por Alexandre,

comparável, na visão de seus contemporâneos, aos feitos mitológicos da divindade

(FRIESEN, 2015, p. 20-23).149 Outro elemento de distinção do culto a Alexandre, quando

comparado às honras prestadas ao general vitorioso da fase anterior, é a influência de práticas

não gregas, como o ato de prostrar-se diante do monarca (προσκύνησις), oriundo da corte

aquemênida ou da adoração divina ao faraó. Chaniotis (2003, p. 434) assinala outras

características do culto em torno de Alexandre ainda em vida que podem ser confrontadas

com os atos anteriores de reverência a mortais e que, ao mesmo tempo, o ligam à emergência

do culto ao rei helenístico após a morte do argéada.

A associação com heróis ancestrais, sobretudo filhos de deuses, como Aquiles e

Héracles, não era algo incomum no mundo de Alexandre. Em Atenas, existiram gène que

reivindicavam associação com Apolo, por exemplo, assim como os asclepíades da Ilha de Cós

149
Entre os triunfos de Dioniso, destaca-se a conquista da Índia, território que teria sido dominado
primeiramente por este deus, por meio da força e de seu poder místico. Dioniso também teria sido o primeiro a
atravessar o rio Eufrates (Strab., XI, 5, 5; Paus., X, 29, 4).
211

eram considerados descendentes de Asclépio.150 Essa tradição de consanguinidade com heróis

e filhos de deuses permaneceu na maioria das dinastias helenísticas, como podemos constatar

no caso dos Antigônida, que se filiam a Héracles. A ascendência divina do basileus

helenístico também se nutriu de elementos da tradição egípcia, pois Alexandre, como faraó,

foi considerado filho de Amon. Alexandre ainda introduziu um elemento adicional ao seu

processo de divinização, apresentando-se como o próprio filho de Zeus, no controverso

episódio de sua peregrinação ao oráculo de Siva (Strabo, XVII, 1, 43).151

Para Habicht (1970, p. 18-24), em diversos aspectos, o culto à figura de Alexandre deu

continuidade e fortaleceu tradições já em curso. Tal culto teria se originado em cidades da

Ásia Menor, provavelmente no decorrer de sua campanha, em resposta às suas realizações

como evérgeta. Em certos aspectos, as honrarias prestadas a Alexandre não diferiam daquelas

prestadas ao general vitorioso, como a consagração de um altar e, por vezes, a construção de

um santuário, no qual sacrifícios eram ofertados, assim como a instituição de concursos ou

instalação da estátua do homenageado no templo de alguma divindade. A nomeação de um

sacerdócio e a designação de tribos cívicas também poderiam ocorrer, como vimos no caso de

Antígono e Demétrio, em Atenas, no final do século IV a.C. Entretanto, a partir de Alexandre,

as homenagens concedidas a um mortal, sendo ele um soberano, mudam de tom. Todos os

cultos e ritos envolvendo o argéada passam a dar ensejo à divinização de Alexandre antes

mesmo de sua morte. Essa modificação se exprimiu com toda clareza quando o argéada exigiu

honras divinas para si mesmo e as póleis enviaram emissários a Babilônia para honrar o rei

como um deus (Arr., Anab., VII, 23, 2):

150
Dentro da mitologia grega, Asclépio (Ἀσκληπιός) era considerado o deus da medicina e da cura. Existem
diferentes versões em torno do mito desta divindade, mas as mais populares são as que o apontam como filho do
deus Apolo e da mortal Corônis. Após um parto complicado, sua mãe morreu ao lhe dar a luz. Asclépio foi
criado, então, pelo centauro Quíron, que o educou na caça e nas artes da cura (HART, 2000, p. 165).
151
Essa descendência direta de um deus influenciou, em certa medida, um hino dedicado a Demétrio pela cidade
de Atenas, datado do final da primeira década do século III a.C. Nele, que analisamos na próxima seção deste
capítulo, Demétrio é caracterizado como filho de Poseidon e Afrodite.
212

Ao mesmo tempo, chegaram embaixadas da Grécia, cujos membros, com coroas em


suas próprias cabeças, aproximaram-se de Alexandre e coroaram-no com coroas de
ouro, como se fossem verdadeiramente enviados especiais nomeados para cederem
honras divinas [...]

Segundo Aneziri (2013, p. 5974), é somente a partir de Alexandre que podemos

constatar o estabelecimento de um culto ao rei nos territórios gregos. O monarca buscou, em

diversas ocasiões, firmar sua associação com os deuses, principalmente Zeus, como

assinalamos mediante a análise da documentação numismática apresentada no capítulo

anterior. Buscou também promover o culto à sua pessoa por meio de símbolos, como o de

portador do raio, que o ligava diretamente a Zeus (Plut., Vit. Alex., IV, 1); de rituais, como o

da proskynesis (Curt., VIII, 5, 5); e da retórica, que, em diferentes momentos, ajudou a

ratificar sua origem divina perante os súditos (Plut., Vit. Alex., XXVIII, 1-6; Curt., VI,11, 23).

Podemos mencionar ainda outra diferença importante entre o culto aos generais

vitoriosos que antecederam Alexandre e os estabelecidos para este monarca e os basileis

helenísticos: a ampla difusão, popularidade e persistência do culto ao soberano, sobretudo o

que se refere ao de Alexandre (HABICHT, 1970, 185). Os basileis helenísticos, como já

destacamos em outros momentos nesta tese, empregam a imagem de Alexandre como um dos

principais mecanismos de legitimação de suas respectivas realezas, seja por meio da

associação com a imagem do argéada ou da manutenção do culto a sua persona, através de

celebrações oficiais. Conquistar um território, agir como um protetor, manter a ordem e o bem

estar sociais foram características incorporadas por Alexandre e adotadas por seus diádocos.

Desta forma, vemos que as honras divinas já contavam com uma longa tradição quando

Antígono e Demétrio assumiram o título de basileis, em 306 a.C. Todos os generais de

Alexandre foram homenageados com cultos em cidades submetidas, como vimos no caso de

Antígono, em Escépsis e Teos, por exemplo, e como podemos constatar também mediante o

fragmento de uma inscrição datada provavelmente de 302 a.C. (SIG, 350):


213

[...] levando em conta estes propósitos: deve-se escolher cinco emissários para irem
até Antígono e outros cinco até Demétrio, para anunciar as honras [concedidas] e
informá-los que a cidade, em gratidão pelos benefícios que recebeu, permanecerá
amigável com os mesmos por todo o tempo vindouro [...] Os generais devem cuidar
junto com o conselho para que as embaixadas sejam enviadas o mais rápido possível
aos basileis [...] O dinheiro para as coroas deve vir [do erário público].

Essa inscrição, recolhida por Dittenberger (1960), acompanhava as duas estátuas vistas

por Pausânias em Olímpia mais de quatrocentos anos depois (Paus., VI, 15, 7): “[...] Há uma

estátua de Demétrio, que organizou uma expedição contra Seleuco e foi tomado como

prisioneiro na batalha, e uma de Antígono, filho de Demétrio. Essas são ofertas, com certeza

dos bizantinos.” Pela passagem de sua obra, Pausânias pensou que as estátuas representavam

Demétrio e seu filho Antígono II, mas Dittenberger afirma ser claro que a estátua mencionada

por Pausânias se refira a Antígono Monoftalmo. Embora não haja indicação da data da

inscrição, o autor infere que provavelmente as estátuas tenham sido erigidas após a campanha

de Demétrio no Peloponeso em 303 a.C.152

Mediante a discussão travada até aqui, podemos inferir que as honrarias dedicadas a

Antígono e Demétrio ultrapassavam o sentido cívico dos cultos aos heróis fundadores das

póleis ou mesmo daqueles reservados aos generais vitoriosos que se difundiram pelo território

da Hélade após a Guerra do Peloponeso. A transição entre o culto heroico e o culto régio, na

qual a atuação de Alexandre foi decisiva, exibiu nuances que aproximavam o soberano

helenístico a uma epifânia, visando a destacar a figura do rei como o epicentro da sociedade.

No entanto, a questão que persiste é a seguinte: qual o limite do nexo entre o basileus e o

sagrado? Seria possível caracterizar o rei helenístico como uma divindade?

Ao analisar os cultos dedicados a Antígono e Demétrio pela cidade de Atenas, Mikalson

(1998, p. 183-200) afirma, a partir de uma diferenciação entre quais tributos poderiam ser

prestados a humanos e quais a deuses, que esses sujeitos teriam sido revestidos com atributos

152
Em 303 a.C., Demétrio invadiu o Peloponeso a mando de seu pai e libertou Corinto, Argos, Arcádia e
Mantineia da influência de Cassandro e demais diádocos. Nesse mesmo momento Demétrio começou a pôr em
prática o projeto de construção de uma Liga Helênica sob o comando dos Antigônida (NEWELL, 1927, p. 9).
214

divinos. Era possível, segundo o autor, honrar um homem por razões cívicas, sociais, militares

e até mesmo atléticas. As homenagens prestadas aos deuses, por outro lado, diziam respeito

ao domínio sobre situações fora do controle humano, parcial ou totalmente, como a segurança

na guerra e no mar, a recuperação da saúde e a obtenção de prosperidade econômica. Nesse

ponto, o autor defende que as honrarias dedicadas a Antígono e Demétrio se aproximavam

muito mais daquelas dedicadas às divindades do que daquelas reservadas aos atletas e

generais, pois os motivos de agradecimentos feitos pela cidade eram menos a vitória na guerra

e mais a recuperação da paz ou a garantia de segurança, saúde e prosperidade.

Apesar de considerarmos a proposição de Mikalson válida em certos aspectos, o autor

acaba por fundamentar sua tese sobre o caráter de divino de Antígono e Demétrio no

sentimento de devoção dos atenienses perante ambos, por isso envereda por uma abordagem

calcada no estudo das emoções.

Essa questão do caráter deífico ou não do basileus helenístico, entretanto, tem sido

debatida e já é possível vislumbrar o surgimento de novas abordagens, que ultrapassam certo

lugar comum. Exemplo disso é a coletânea de artigos organizada por Iossif, Chankowski e

Lorber, intitulada More than Men, Less than Gods, de 2011, resultado de um esforço conjunto

de diversos estudiosos em torno de um projeto que teve por objetivo abrir novas perspectivas

sobre o estudo do culto aos soberanos greco-romanos, sobretudo no tocante à adoração aos

reis helenísticos.

Em seu capítulo integrante da coletânea, Garrison (2011, p. 15-20), ao definir e analisar

a ideologia real expressa nos artefatos ligados a Dario I, como elementos iconográficos, selos

e anéis, aponta para a existência, já na concepção da basileia dos Aquemênida, de um

contexto no qual a distinção entre o rei e o divino era nebulosa. No mesmo livro, Gitler (2011,

p. 110-120), por meio do estudo do significado das representações dos reis aquemênidas em

diferentes territórios, sugere que algumas representações numismáticas contêm a associação


215

do Grande rei com Aúra-Masda.153 Tais imagens, portanto, podem ser consideradas

antecedentes dos retratos reais helenísticos cercados de atributos divinos. Como um balanço

das contribuições do referido dossiê, Iossif e Lorber (2011, p. 700-705) concluem, todavia,

que o fato de o basileus representar uma divindade não é algo tão relevante para o seu culto

no período aqui analisado. Sobre o assunto, Gradel (2002) afirma que o ritual em torno dos

soberanos helenísticos assumiu uma função performática que permitiu a concessão de honras

divinas a esses monarcas, sem que necessariamente eles fossem concebidos como deuses

reinando sobre a terra. Dessa forma, percebemos que a divindade dos soberanos helenísticos

pode ser amiúde definida como uma espécie de categoria intermediária, na qual o soberano

acaba por ocupar uma posição entre os homens e os deuses.

Diante do panorama exposto, optamos por seguir uma tendência que vem se

consolidando, nos últimos anos, entre os especialistas do período helenístico, como Chaniotis

(2003; 2011) e Caneva (2012), que interpretam a crença na divindade dos reis helenísticos

como algo menor, centrando a atenção nos elementos acessórios que atestam a divinização do

monarca, como a execução dos rituais e das comemorações, os agentes envolvidos, assim

como o registro dos cultos na literatura ou na cultura material. Desse modo, discutiremos a

seguir como esses cultos e festividades se organizavam em torno de Antígono e Demétrio, e a

sua importância para a afirmação do poder dos soberanos.

A ‘pompé’ e a ‘heorte’

Na vida cotidiana das cidades gregas do período helenístico, os festivais e os cortejos de

caráter religioso possuíam grande destaque. Na documentação, é possível encontrar diversos

decretos estabelecendo novos festivais para comemorar eventos históricos, expressar gratidão

153
Aúra-Masda pode ser encarado, dentro do zoroastrismo e da mitologia persa, como o deus criador de todas as
coisas. Também era o deus do céu, da sabedoria, da abundância e da fertilidade (ELIADE, 1978, p.148).
216

aos deuses e, sobretudo, honrar os basileis. Medidas tomadas em assembleias por iniciativas

de magistrados ou de benfeitores criavam ou reintroduziam, na cidade, diversos festivais

(HABICHT, 2006). Regulamentos determinavam os detalhes rituais dos cultos. Um dos

principais motivos para se homenagear alguém decorria do seu comportamento. Reis,

magistrados ou atletas, por exemplo, podiam receber honrarias e dedicatórias. Há, sobre o

assunto, diversas inscrições honoríficas, dentre as quais destacamos – uma vez mais – uma

referente aos Antigônida.154

Resolvido pelo conselho e pelo povo: desde que [o basileus Demétrio tem sido a
causa de grandes bençãos] para a nossa cidade e para todos os gregos, com a boa
sorte é resolvido pelas pessoas se juntarem em regozijar-se com os sucessos
relatados do rei e de seu exército, e que os efésios e todos os moradores da cidade
usarão coroas para celebrar as boas novas que nos foram reportadas; e que [...] uma
sacerdotisa e um magistrado farão um sacrifício em agradecimento a Ártemis,
rezando para que, no futuro, a fortuna do rei Demétrio e do povo de Éfeso seja ainda
maior. Atribuir também, coroas, a Antígono e Demétrio, de acordo com as leis; o
magistrado deve cuidar do custo do sacrifício; e louvar Apolônides, o amigo do rei,
que anunciou [...] boa vontade em relação ao rei e aos efésios; e coroar Apolônides
com uma coroa de ouro de vinte peças de ouro. O magistrado cuidará da coroa; e dar
a cidadania de Apolônides em termos iguais e semelhantes, como foi dado aos
nossos outros benfeitores; e que ele deva ter prioridade no acesso ao conselho e às
pessoas, no que se refere apenas a assuntos sagrados; e que ele deva ter assentos
privilegiados nos jogos, junto com os nossos outros benfeitores [...] (SIG, 352).155

Esta inscrição, datada entre 302/301 a.C., refere-se à concessão de honras pelos efésios

a Antígono e Demétrio, logo após a libertação da cidade de Éfeso pelas forças antigônidas,

assim como a Apolônides, aliado de Demétrio, e mostra como estas honrarias faziam parte da

lógica daquele contexto. Por essa razão, os festivais e as procissões são significativos para a

compreensão das concepções helenísticas de pólis, cidadania e religião cívica.

Muitas referências a essas festividades, no período helenístico, não empregam a palavra

grega para definir festa ou festival, εορτή (heorte). Encontramos com mais frequência o termo

πομπή, que possui o significado de procissão religiosa, pompa ou cortejo festivo. Os festivais

eram constituídos por três elementos: a procissão, a competição atlética e a musical. O

154
Outros exemplos de inscrições honoríficas são: IG II², 704, 896, 929 e 949.
155
Apolônides, que é louvado aqui como amigo do rei, fazendo parte de seu círculo de hetairoi, mais tarde
abandonou Demétrio e se juntou a Seleuco (Plut., Vit. Demetr., L).
217

cortejo, no seu sentido mais amplo, era o elemento cerimonial no qual se podia observar

melhor a dinâmica dos rituais.

Sobre a organização do culto ao soberano no período helenístico, de forma geral, esta

gravitava em torno do ritual do sacrifício (thysia), um dos elementos indispensáveis dos

festivais gregos, e de procissões ou cerimônias de caráter religioso, amiúde suntuosas. Essas

procissões podiam ser personificadas por meio da Pompé (πομπή), identificada por alguns

estudiosos, tais como Bieber (1949, p. 31) e Foertmeyer (1988, p. 94), com uma espécie de

divindade ou espírito (daimon) religioso das procissões. Na literatura antiga, temos poucas

menções à Pompé, mas no que concerne à cultura material é possível constatar sua presença

em diversos vasos gregos, sobretudo naqueles ligados às festividades dionisíacas.

Figura 22 – Representação da Pompé. Detalhe de vaso grego, 370 – 360 a.C.

Fonte: Metropolitan Museum of Art, New York (n. 25.190)


218

Na Figura 22, a imagem da Pompé, segundo Bieber (1949, p. 32),156 é representada pela

figura de uma mulher que se prepara para um festival em homenagem a Dioniso. Ela está nua,

desenhando uma espécie de túnica em seu corpo. Seu cabelo encontra-se amarrado em uma

coroa que parece feita de louros. A figura porta colar, brincos e pulseiras, o que demonstra

seus atributos festivos. À sua esquerda, está Eros, e Dioniso está sentado à sua direita. A

representação da Pompé ligada, sobretudo, às Grande Dionísicas, se filia, após o período

helenístico, cada vez mais aos rituais em torno dos monarcas helenísticos.

Como já mencionado, além desses cortejos, as competições de caráter atlético e musical

também faziam parte das comemorações ofertadas aos basileus. Segundo Connor (1987),

qualquer exame dessas procissões deve considerar que elas requeriam uma encenação que

respeitasse a estética e a ordem. Além disso, as marchas solenes possuíam agentes

responsáveis pela sua organização e atores, assim como destinatários, ou seja, o alvo da

dedicação destas honrarias, e espectadores. Na opinião de Chaniotis (2013, p. 22), os cortejos

eram importantes acontecimentos culturais, visto que constituíam um meio de comunicação

entre os mortais e os deuses.

Como meios de comunicação e como acontecimentos culturais, as procissões

encontravam-se sujeitas a mudanças. Mesmo que as regras do ritual ou os critérios de

encenação permanecessem inalterados por um longo período de tempo, nenhuma procissão se

assemelhava completamente a outra. Vários fatores determinavam a singularidade de cada

apresentação. Elas podiam variar devido ao contexto histórico ou a fatores como tensões entre

os participantes ou entre participantes e espectadores. Os cortejos religiosos possuíam sua

própria dinâmica, assim como todos os rituais. Eles eram moldados pelas circunstâncias

156
Bieber (1949) faz uma análise sobre um grupo de três vasos gregos que possuem uma figura feminina, ao lado
de Eros e Dioniso, que até o final da primeira metade do século XX não era identificada pelos especialistas. A
autora chega à conclusão de que a imagem da mulher presente nos três vasos seria a representação da Pompé, a
encarnação das procissões. A Figura 22 trás o detalhe de um destes três vasos analisados por Bieber.
219

históricas e despertavam emoções, agradando ou decepcionando, por isso podiam ser bem

sucedidos ou não (STAVRIANOPOULOU, 2006, p. 131-149).

Por diversos motivos os cortejos régios da época helenística merecem destaque como

um fato distintivo se comparado à sociedade políade. Muitos festivais tiveram início nesse

período e, mesmo que a procissão tivesse sido, ao lado dos sacrifícios seguidos de um

banquete e do concurso (agon), uma característica essencial nos festivais do período políade

clássico ou arcaico, ela agora se voltava, cada vez mais, para a figura do basileus

(CHANIOTIS, 1995, p. 164-168). Numerosas cidades foram fundadas por Alexandre, assim

como por seus diádocos. As novas cidades tiveram que estabelecer seus próprios calendários

festivos, por isso acabaram por adotar práticas tradicionais do mundo grego, ao mesmo tempo

que ocorria um hibridismo com os costumes religiosos locais. Nesse contexto, os eventos

políticos ligados aos diádocos levaram ao estabelecimento de novos festivais, que passaram a

dominar o cenário.

No caso dos festivais e cerimônias em torno dos monarcas, é preciso esclarecer que

havia uma repartição do culto régio helenístico em duas categorias. De início, houve a criação

de um culto aos soberanos mediante a iniciativa das póleis. Num segundo momento, sucedeu-

se a imposição de honrarias divinas pelas próprias casas dinásticas dos basileis.157 Em nossa

análise, privilegiamos a primeira categoria de culto, que remontava aos primórdios do período

helenístico, momento em que a monarquia foi instituída e se consolidou. O motivo de nossa

escolha se dá justamente pelo fato de os basileis por nós investigados pertencerem ao

contexto de criação do Estado helenístico. A segunda categoria de culto não se aplica a eles.

Chaniotis (2003, p. 439) afirma que os festivais em honra de reis e rainhas, quando

instituídos durante a vida do soberano ou de algum membro da família real, costumavam

157
Quando as procissões dedicadas pelas cidades são comparadas com as instituídas pela administração real no
período posterior, nota-se que as primeiras necessariamente não concorriam no glamour e riqueza com estas
últimas, mas, sem dúvidas, as procissões cívicas influenciaram toda a estruturação do segundo tipo, instituído
pelo próprio centro de poder da administração régia (CHANIOTIS, 2003, p. 438).
220

acontecer na data do aniversário do homenageado e, do mesmo modo como ocorria no culto

aos deuses, os sacríficios não eram apenas anuais, mas oferecidos todos os meses no mesmo

dia. Quando o monarca vinha a receber culto após sua morte, as celebrações podiam ter lugar

tanto no aniversário de morte quanto no de nascimento do homenageado (HABICHT 1970, p.

17).

Outras ocasiões importantes que mereciam comemorações eram o natalício da

entronização do basileus ou a data de uma grande vitória militar. Além dos sacrifícios

mensais e anuais, honrarias especiais, como a oferta de sacríficios extraordinários, poderiam

ocorrer devido a algum benefício particular concedido aos súditos, quando o monarca era

celebrado por alguma benemerência prestada. Em geral, o festival começava com uma

procissão para a qual todos os cidadãos eram convidados. Eles ornavam a cabeça com

grinaldas e trajavam suas melhores roupas. As honrarias ofertadas a um rei por serviços

prestados a uma cidade se assemelham ao caso das honras divinas recebidas por Antígono e

Demétrio, em Atenas, por volta de 307 a.C., das quais, mais tarde, o filho de Demétrio,

Antígono II, continuador da dinastia Antigônida, iria ser alvo também:

Conforme proposto [...]: visto que o basileus Antígono, o salvador do povo, agiu
continuamente com o demos de Atenas e, por isso, o povo o homenageou com
honras divinas; portanto, com boa sorte [...] resolvem sacrificar no décimo nono dia
do mês de Hecatombaion, no concurso dos jogos dedicados a Grande Nêmesis, e
usar coroas no referido período [Este decreto] será inscrito em uma pedra [estela] e
colocado [no altar] do rei [Antígono] (SEG, 41. 75).158

O decreto acima foi inscrito por volta de 261/239 a.C., pelos cidadãos de Ramnous,159 e

é a primeira evidência de peso que corrobora o estabelecimento de um culto régio ao neto de

Antígono.

158
Hecatombaion era o primeiro mês do calendário grego (julho/agosto), este mês envolvia celebrações com
grandes ritos em honra de Apolo Hecatombaios e Zeus Hecatombaios (BURKERT, 1993, p. 163-164).
159
Ramnous (Ῥαμνοῦς) foi uma antiga pólis costeira situada na Ática. A cidade era bem conhecida na
antiguidade devido ao seu famoso santuário dedicado a deusa Nêmesis (Paus., III, 3, 2).
221

No conjunto dos cultos dedicados aos basileis pelas cidades gregas, o melhor exemplo

de constituição de um culto régio provém de Atenas, que dedicou homenagens especiais a

Antígono e a Demétrio após a expulsão das guarnições de Cassandro da cidade, como

Diodoro (XX, 45, 1-5) nos reporta na passagem a seguir:

[...] Demétrio, filho de Antígono, tendo recebido de seu pai um poderoso apoio
militar tanto terrestre, quanto marítimo, e também um suprimento adequado de [...]
outras coisas necessárias para realizar um cerco, partiu de Éfeso. Ele tinha instruções
para libertar todas as cidades em toda a Grécia, mas antes de tudo, Atenas, que
estava dominada por uma guarnição de Cassandro. Navegando pelo Pireu com suas
forças, ele [Demétrio] imediatamente atacou todos os lados e emitiu uma
proclamação. Dionísio, que tinha sido mandado ao comando da guarnição em
Muniquia, e Demétrio de Falero, que tinha sido feito governador militar da pólis por
Cassandro, resistiram nos muros com muitos soldados. Alguns dos homens de
Antígono, atacando com violência e efetuando uma entrada ao longo da costa,
encontraram muitos de seus companheiros de guerra dentro da muralha. O resultado
foi que, dessa forma, o Pireu foi tomado [...] e o comandante Dionísio, fugiu para
Muniquia enquanto Demétrio de Falero foi retirado do comando da cidade. No dia
seguinte, quando este fora mandado com outros como enviado pelo povo a
Demétrio, para discutir a independência da cidade e sua própria segurança, este
obteve a garantia de sua seguridade, entregou a direção de Atenas e fugiu para Tebas
e mais tarde para o Egito ao encontro de Ptolomeu [...] E assim, depois de ter sido
dirigente da cidade por dez anos, [Demétrio de Falero] foi levado de sua cidade natal
da maneira descrita. O povo ateniense, tendo recuperado sua liberdade, decretou
honras aos responsáveis por sua libertação.

Na sequência, Diodoro (XX, 46, 1-4) narra as honras recebidas por Antígono e

Demétrio, que foram objeto de análise no terceiro capítulo, quando discutimos a relação entre

as póleis e os basileis. Ambos os Antigônida foram considerados Sóteres e Evérgetas da pólis

ateniense, por isso foram instituídos, por meio de decreto, um corpo de sacerdotes dos

salvadores, a edificação de um altar, a criação e nomeação de duas novas tribos cívicas de

caráter epônimo em homenagem a pai e filho, assim como um festival anual com cortejo e

sacríficios (DREYER, 1998).

Em muitos casos, os festivais e honrarias dedicados por uma cidade ao basileus

poderiam se perpetuar por muito tempo após a morte do soberano, como vemos no exemplo

abaixo:

No arcontado de Eufileto, na segundo pritania, dos [Antigônida] [...] se propôs:


sobre o que o prítane dos [Antigônidas] relatou sobre os sacrifícios que fizeram
222

antes das assembleias para Apolo Prostaterios e Artemis Bouleia, e a outros deuses
tradicionais, que para a boa fortuna, as pessoas devem decidir, aceitar as coisas boas
que ocorreram nos sacrifícios que fizeram para a saúde e a preservação da Boulé e
do Demos, reportou-se ainda como o prítane realizou de forma adequada os
sacrifícios e que com amor a honra, foram gerenciados [...]
Convoca-se o Conselho e a Assembleia, e tudo o que as leis e os decretos do Povo
prescrevem para eles, para se louvar o prítane [dos Antigônida] e coroá-lo com uma
coroa de ouro de acordo com a lei e de acordo com a piedade dos deuses [...] (IG II3,
1, 1165).

O trecho pertence a um decreto, recolhido em maio de 1953, na ágora ateniense, inscrito

numa estela de mármore datada de 213/212 a.C.

Figura 23 – Fragmento de decreto referente à pritania dos Antigônida. 213/212 a.C.

Fonte: Agora III, n. 66, p. 56.

Por meio da inscrição do fragmento, cuja imagem aparece na Figura 23, é possível

concluir que o culto as tribos instituídas em homenagem a Antígono e Demétrio, assim como

os rituais executados em torno da pritania, continuavam a existir quase um século depois.

Ainda contamos com evidência detalhada acerca da organização de um festival chamado

Demétria, em homenagem a Demétrio Poliocertes, que teria sido criado por um decreto das
223

póleis da Eubeia, entre as quais estão Erétria e Oreo (IG XII, 9.207). De acordo com Buraselis

(2012, p. 247), os Antigônida se tornaram referência no que concerne ao estabelecimento de

festivais. Após a morte do pai em Ipso, Demétrio, em 294 a.C., teria estabelecido novamente

o controle sobre um grande território, que incluía a pólis de Atenas, e um festival batizado

com seu nome também teria sido instituído nessa cidade. Para Plutarco (Vit. Demetr., XII, 1-

4) o festival dedicado a Demétrio teria sido resultado de uma renomeação das Dionisíacas:

[...] Estrátocles [...] propôs que sempre que Demétrio visitasse a cidade, ele deveria
ser recebido com as honras hospitaleiras pagas a Deméter e Dioniso, e como um
cidadão que ultrapassou todos os outros pelo esplendor e magnificência de sua
recepção, uma soma de dinheiro deveria ser concedida pelo tesouro público para a
dedicação de uma oferenda. E [...] o festival chamado Dionisíaca passou a ser
chamado de Demétria. A maioria dessas inovações foi marcada com o desagrado
divino. A túnica sagrada, por exemplo, na qual decretaram que as figuras de
Demétrio e Antígono fossem tecidas juntamente com as de Zeus e Atená, quando
estava sendo levada em procissão pelo meio do Cerâmico, foi levada por um furacão
que a danificou; novamente, ao redor dos altares daqueles deuses Sóteres, o solo
estava cheio de cicuta, uma planta que não crescia em muitas outras partes do país; e
no dia da celebração da Dionisíaca, a procissão sagrada teve que ser preterida devido
ao frio [...] E seguiu-se uma grande geada, que não só amaldiçoou todas as videiras e
figueiras com o frio, mas também destruiu a maior parte dos grãos [...]. Portanto,
Filípides, que era inimigo de Estrátocles, atacou-o em uma comédia com esses
versículos:
“Foi através dele, que a geada congelou todas as videiras,
Foi por meio de sua impiedade, que o manto se dividiu em dois,
Porque deu as honras dos deuses aos homens [...].”

O tom irônico do trecho retirado da obra de Plutarco, que utiliza o termo cidadão para

se referir a Demétrio, e a descrição de um suposto desagrado dos deuses, que teriam em

diversos momentos demonstrado desaprovar as homenagens concedidas a Antígono e

Demétrio, se explicam pelo fato de Plutarco se referir a impressões sobre os Antigônida

construídas por Filípides, poeta cômico, que era inimigo político de Estratócles, aliado de

Demétrio. Afora isso, a passagem nos permite perceber vários elementos em torno das

honrarias concedidas aos basileis.

Buraselis (2012, p. 249-250) afirma que ainda não existe um consenso sobre se o

festival da Demétria foi apenas uma renomeação das Dionisíacas, como sugere Plutarco ou se,

de acordo com um novo fragmento de decreto encontrado na ágora ateniense, dedicado a


224

Filípides (IG II², 649) e datado de 292 a.C., teria sido uma fusão entre o antigo festival em

homenagem a Dioniso e uma nova festividade em homenagem a Demétrio.160 O que se

destaca desse dilema, no entanto, é que, em ambas as hipóteses, Demétrio está conectado com

a imagem de uma das divindades mais importantes do mundo grego. Sobre essa associação

com Dioniso, mas uma vez contamos com o testemunho de Plutarco (Vit. Demetr., II, 3):

[...] sua disposição também servia para inspirar nos homens igualmente o medo e a
benevolência. Pois, como ele era um companheiro muito agradável, enquanto a
maioria dos príncipes no lazer se dedicava a beber e aos luxos da vida, ele, por outro
lado, tinha persistência e eficiência as mais enérgicas durante o combate. Por isso,
ele costumava fazer de Dioniso o seu modelo, mais do que qualquer outra divindade,
já que esse deus era o mais terrível em empreender uma guerra e, por outro lado, era
ainda mais hábil, quando a guerra terminava, em se tornar o ministro da paz
desfrutando das alegrias e prazeres.

Sobre a oferta do sacrifício, esse exigia um altar, geralmente erguido em um recinto

sagrado (temenos), e no qual constava o nome do monarca, como constatamos na passagem

citada de Plutarco. A dedicação de uma estátua era parte intrínseca das honras concedidas,

mas muitas vezes é difícil distinguir entre o caráter honorífico e o religioso destas estátuas.

Como mencionamos, uma das primeiras evidências epigráficas referente ao culto ao

monarca é um decreto da cidade de Escépsis em homenagem a Antígono, no qual os

habitantes da cidade estabelecem honras divinas ao monarca. Um excerto da inscrição

determina o seguinte: “[...] deixe a cidade marcar um recinto sagrado para ele, erga um altar e

crie um [culto] tão belo quanto possível [...]” (OGIS, 6). Segundo Chaniotis (2013, p. 25), os

reis helenísticos eram frequentemente adorados como “deuses que partilhavam o templo”, por

meio da instalação de sua estátua em templos de outras deidades. 161 Em geral, as cidades

helenísticas preferiam honrar um rei estabelecendo um santuário separado para ele, quase

sempre no local mais proeminente da cidade. Não raro, os santuários dos basileus eram os

160
Infelizmente o fragmento mencionado é a única fonte do início do período helenístico que aborda a temática
da fusão entre os dois festivais, o que impede que se façam afirmações mais conclusivas.
161
Atálo I e Antíoco III podem ser citados como alguns dos exemplos de reis que partilhavam templos com
outras divindades (SCHIMIDT-DOUNAS, 1993, p. 73-80; SCHIMIDT-DOUNAS, BRINGMANN, AMELING,
1995).
225

lugares onde os documentos oficiais eram publicados. A realização de ritos e o cuidado com

os santuários, na maioria dos casos, exigiam a assistência de um sacerdote especial, como

vimos no fragmento do decreto da pritania dos Antigônida, em Atenas.

Como discutido na seção anterior deste capítulo, não temos por objetivo avaliar em que

medida essas homenagens aos soberanos os colocavam ou não no mesmo patamar que os

deuses. Sabemos que os festivais podiam tornar-se objeto de manobras políticas, em uma

relação de diplomacia entre as cidades e os monarcas helenísticos. Chaniotis (1995, p. 168)

também evidencia o fato de os festivais, ao longo da história grega, terem possibilitado às

póleis a oportunidade de realizar missões diplomáticas, atrair visitantes, demonstrar lealdade

para com o rei, incutir valores nos mais jovens e, até mesmo, desviar a atenção dos membros

de uma cidade de problemas econômicos e sociais. No que se refere propriamente ao nosso

contexto, uma função importante da oferta de honrarias aos basileis seria o de tornar mais

fácil a relação com os reis (CHANKOWSKI, 2011).

A esta altura, é escusado dizer que as inscrições helenísticas quase sempre invocam a

piedade e a boa vontade dos monarcas perante as populações por ele dominadas, o que

certamente não deve ser interpretado como hipocrisia. Conforme vimos ao longo da tese, as

últimas décadas do século IV a.C. foram marcadas por períodos de intensa conturbação

política, social e militar no mundo grego. Por vezes, a instituição de cultos e outras

homenagens ao basileus estava eivada de esperança em dias melhores. Corroboram essa

premissa novos pontos focais do culto em torno do rei visíveis nessas homenagens. Todas as

festividades e cultos dedicados a Antígono e Demétrio, assim como aos demais diádocos,

foram criados, sem exceção, para comemorar um evento recente conectado a uma vitória

militar, à remoção de uma guarnição estrangeira, à restauração da liberdade e da democracia,

conforme o caso, entre outros. Nesse cenário, o papel de benfeitor, protetor e salvador do rei

quase sempre foi exaltado.


226

Ainda que, num primeiro momento, o caráter religioso dessas honrarias se destaque,

sendo a realização de sacrifícios em homenagem aos deuses o ápice dos cortejos, devemos

atentar para o fato de que o ritual religioso foi incorporado a um contexto político explícito.

Na realidade, assim como em toda Antiguidade, nós não temos no período helenístico uma

oposição entre o culto religioso e o político. Ambas as esferas, estavam intrinsecamente

associadas. O culto aos soberanos no período helenístico e as festividades que os

acompanhava eram decerto celebrações religiosas, pois foram homenagens criadas para

expressar gratidão aos deuses, mas também aos reis, que constituíam expressões de piedade.

Entretanto, para entender as procissões como um acontecimento da época helenística,

precisamos ir além da piedade declarada das celebrações. O discurso público na assembleia,

como expresso nos decretos sobreviventes, alguns dos quais foram expostos aqui, não deixam

dúvidas acerca da função igualmente secular destas manifestações de honra aos monarcas.

No que se refere à conversão dos festivais cívicos religiosos em espetáculos realizados

com propósitos políticos no contexto da cidade helenística, vários fatores parecem ter

desempenhado um papel relevante. Um desses fatores era decerto o interesse da aristocracia

local em enaltecer a sua própria posição.162 Celebrações magníficas demonstravam e

legitimavam o carisma da elite responsável por patrocinar os festivais, pois ela participava dos

cortejos numa posição proeminente. Essas festividades proporcionavam, portanto, às elites

cívicas a oportunidade de aumentar sua popularidade por meio de despesas extravagantes,

mas também de demonstrar seu protagonismo nas cerimônias (CHANKOWSKI, 2005).

A instituição das procissões helenísticas se revela, assim, um fenômeno multifacetado

que diz respeito à história da representação que a sociedade faz de si mesma e à história das

práticas rituais. Os diádocos de Alexandre e os soberanos helenísticos posteriores gozavam,

162
Chaniotis (1997, p. 248) disserta sobre outro fator que auxiliou as procissões helenísticas a desempenharem
um papel cada vez mais político e que se liga intimamente com o interesse das elites locais em se promoverem: a
competição, dentro da elite e entre as cidades, pela promoção de cultos locais.
227

desse modo, do status divino no que tangia à sua basileia e às manifestações de orgulho

cívico.

No sentido cívico, póleis antigas, como Atenas, mas também novas cidades, como

Pérgamo (OGIS, 332), fundaram cultos em louvor a soberanos com os quais mantinham

relações temporárias ou permanentes. Dessa forma, os monarcas helenísticos expandiram sua

esfera de influência, garantindo boas relações com as cidades gregas. É como se houvesse

sido criado um protocolo entre os soberanos e as póleis através do qual poderiam se

comunicar e cooperar uns com os outros apesar da dualidade entre a monarquia e a formação

políade.

Fundadores de cidades, filhos dos deuses

Uma das principais imagens que se impõem quando falamos de Alexandre é a do herói

conquistador. Atrelada a ela, há também a imagem do herói fundador. Tanto as ações do

argéada quanto as de seus diádocos resultaram em fundações de caráter greco-macedônias por

todo o Oriente Médio e parte da Ásia Central. Os antecedentes do programa de fundação de

assentamentos urbanos por Alexandre são algo complexo. Como exposto anteriormente,

Isócrates (Phil., 120) já tratava a questão da conquista da Ásia e da fundação de cidades como

uma maneira de solucionar os problemas sociais da Hélade, numa carta endereçada a Filipe

em 346 a.C. Como modelo para este programa de colonização, Isócrates talvez considerasse

as colônias gregas fundadas durante o período arcaico (por volta de 750-550 a.C.) ou as

clerúquias atenienses implantadas no decorrer da sua atividade imperial, no século V a.C.

Havia também, no território asiático, experiências anteriores de transplante de

populações, pois sabemos que diversos grupos foram transferidos pelos persas e, antes deles,

pelos babilônios e assírios. Nesses movimentos de populações, gregos já haviam sido


228

deslocados para vários lugares no interior do Império Aquemênida bem antes da chegada de

Alexandre (Hdt., III, 39; V, 12; Strab., XI, 11,4; Arr., Anab., III, 8, 5).

Seja qual for o número exato de fundações atribuídas a Alexandre, com poucas

exceções, praticamente todos os assentamentos que podem ser atribuídos com certeza

razoável ao conquistador estavam localizados a leste do Tigre. Por ter enfrentado diversas

ameaças internas e externas, o monarca acabou por concentrar-se na manutenção de uma

presença greco-macedônia na região da Ásia Central, como salvaguarda contra as tribos

nômades das estepes do norte e contra a resistência nativa, fato que provavelmente o levou a

fundar mais cidades nesses territórios do que na Ásia menor, por exemplo (COHEN, 2013, p.

2750). Por conta de a maior parte destas fundações ocorrerem em localidades distantes do

Mediterrâneo Oriental, Alexandre teve de enfrentar a resistência dos colonos gregos, que não

queriam permanecer nessas terras tidas como inóspitas (Diod. Sic., XVII, 99, 5, XVIII, 7,1).

Não obstante tais desafios, a fundação de cidades era decisiva no sentido de facilitar a

organização do império que Alexandre ia construindo. As cidades atuavam também como

postos defensivos para as conquistas já realizadas pelo rei.

Por vezes, a fundação podia ter o papel de romper o monopólio de uma antiga elite

local, ao deslocar o centro de poder para uma nova região, assim como a construção de um

espaço dentro de um novo nexo urbano criava uma nova lógica de domínio territorial. Em

nossa opinião, foi isso o que ocorreu, de certa forma, no caso mais emblemático de fundação

urbana de Alexandre: a primeira Alexandria, no Egito. Além de Alexandria ser um ponto

estratégico no Mediterrâneo, transferir para o extremo do Baixo Egito o epicentro de um

território que por milênios teve seu foco de poder localizado no Alto Egito contribuía para

desconstruir uma estrutura milenar de dominação.

Afora essas questões, outro aspecto que despertou e ainda desperta a atenção dos

estudiosos é o da tentativa de comparação, por parte de Alexandre, com os tradicionais heróis


229

fundadores. Devido às opiniões contraditórias contidas nas fontes antigas, essa é uma questão

que decerto continuará a suscitar debate. Mesmo que nos distanciemos de interpretações

romanceadas que expõem um Alexandre em busca de conquistas nos termos das narrativas

homéricas, o fato é que o soberano se associou à imagem de heróis fundadores, sobretudo em

seus discursos e em suas séries monetárias. Como vemos nas Figuras 11 e 12,163 o monarca se

associou a Héracles, um dos principais heróis fundadores, assim como a Zeus, referindo-se

várias vezes a si mesmo como o próprio filho desta deidade (Plut., Vit. Alex., XXVI, 6; Arr.,

III, 2, 1). Do ponto de vista da legitimação política, a construção de ligações com o campo do

sagrado foi algo intrínseco à instituição da monarquia de Alexandre, assim como das basileias

helenísticas.

Os primeiros assentamentos criados pelos diádocos foram os de Cassandro, que fundou,

na Macedônia, Cassandreia e Tessalônica, e o de Antígono, que fundou Antigônia, no norte

da Síria. A informação que temos sobre essa primeira fundação de Antígono provém de

Estrabão (XIII, 1, 52): “[...] Antígono incorporou os habitantes de Escépsis, como habitantes

de Alexandria da Trôade [...]”.164 Estrabão não nos fornece maiores detalhes sobre essa

fundação, afirmando apenas que, posteriormente, Lisímaco libertou os citadinos levados para

Antigônia, que retornaram a Escépsis. Aos moldes do que Alexandre teria feito, percebemos,

pelo exemplo de Antígono em Antigônia, que batizar as novas cidades com nomes derivados

do próprio nome do soberano ou de topônimos encontrados na Grécia e na Macedônia foi uma

prática comum, como consta nesta passagem de Apiano referente a Seleuco I:

Ele [Seleuco] construiu cidades em toda a extensão de seus domínios e nomeou


dezesseis delas de Antioquia em homenagem ao seu pai, cinco Laodiceia em
homenagem a sua mãe, nove com seu próprio nome, e quatro com os das esposas,
isto é, três Apameia e uma Estratonicea [...] Para outros, ele deu nomes originários
da Grécia ou da Macedônia, ou de suas próprias façanhas, ou em homenagem a
Alexandre [...] (Appianus, Συριακή, 57).

163
As referidas figuras encontram-se no capítulo III desta tese.
164
O nome que Estrabão emprega, para a cidade, Alexandria da Trôade, se deve ao fato desta cidade, assim
como outras fundadas por Antígono, ter sido rebatizada após a morte do basileus, em 301 a.C.
230

Como conquistadores estrangeiros, os diádocos, assim como Alexandre, buscaram

promover o estabelecimento, no território da Ásia, de grande número de colonos greco-

macedônios, para atuar como uma espécie de guarnição permanente das terras conquistadas,

que servia, desta forma, como um suprimento contínuo de homens para o exército e para o

aparato burocrático que ia se formando com os reinos.165 Para Billows (1990, p. 293), embora

Alexandre pareça ter procurado cooptar membros de elites locais como parceiros na

administração da oikoumene e, em sua prática política-administrativa, Antígono, em certa

medida, tenha seguido essa prática, torna-se evidente, tanto pela documentação textual quanto

material, que os primeiros basileis tinham como homens de confiança, tanto na esfera

política-administrativa quanto na militar, membros provenientes da elite macedônia e grega. É

escusado falar sobre o protagonismo ocupado por Alexandre nas produções dos estudiosos

que tratam da fundação de cidades no oriente, uma vez que o argéada é até hoje um ponto de

referência e pioneirismo no assunto.

No entanto, quando passamos para o campo das fundações dos primeiros monarcas do

período helenístico, grande parte dos especialistas, como Cohen (1995, p. 8-12), reconhecem

Seleuco e seu filho Antíoco como aqueles que contribuíram de forma mais significativa.

Mesmo quando o foco está sobre os Antigônida, como no trabalho de Wehrli, intitulado

Antigone et Démétrios, de 1968, a atividade colonizadora de Antígono é muitas vezes

encerrada em uma breve discussão que visa apenas dar um reconhecimento ao diádoco,

demonstrando que ele também teve sua parcela de contribuição no processo de constituição de

165
A esse respeito, uma dúvida que subsiste é se já num primeiro momento tais fundações acompanharam todas
elas o plano arquitetônico da pólis ou se começaram como colônias militares. Mossé (2004, p. 62-63), ao tratar
de Alexandria, no Egito, afirma que esta era definitivamente uma pólis, tendo sido inicialmente ocupada por
mercenários gregos ou colonos que receberam lotes de terra, ou mesmo por gregos já presentes no Egito antes da
chegada de Alexandre. A autora ainda afirma que, de modo geral, se insiste no caráter político-administrativo
desta cidade e não no militar, ao contrário de outras fundações que balizaram a conquista da oikoumene. Desde o
início teria sido reservado, em Alexandria, lugar para uma ágora e para santuários consagrados aos deuses do
panteão helênico. Segundo Cohen (1995), no entanto, Alexandria representou uma exceção. Para o autor, a
maioria das fundações helenísticas teria começado como colônias militares e, posteriormente, se convertido em
pólis, do ponto de vista do planejamento arquitetônico, com uma função político-administrativa a serviço do
basileus.
231

cidades. Acreditamos que o espaço reduzido reservado a Antígono como fundador se deve à

sobrevivência de poucas evidências sobre seus assentamentos urbanos, quando comparado

com os demais diádocos. Mas mesmo diante dessa situação referente à documentação,

especialistas reconhecem que os assentamentos criados por Antígono no oriente tiveram

importância, como podemos ver nos trabalhos de Tscherikower (1927) e Goukowsky (1981).

Goukowsky (1981, p. 9-12) sugere que provavelmente boa parte dos colonos greco-

macedônios de diferentes localidades do território ocupado pelos Seleucida devem ter sido

introduzidos ainda no período do governo de Antígono. A tese do autor parece coerente visto

que, durante as duas primeiras décadas após a morte de Alexandre, foi Antígono, e não

Seleuco, o diádoco em posição de recrutar tanto macedônios quanto gregos das póleis para os

assentamentos urbanos da Ásia. Como vimos até aqui, a documentação atesta que Antígono,

após 321 a.C., esteve no epicentro político do Mediterrâneo oriental e das relações

diplomáticas no que se refere à conexão entre basileus e cidades gregas. Fontes como

Estrabão e Diodoro corroboram a tese de que Seleuco ocupou cidades antigônidas ou

transplantou colonos dessas para cidades selêucidas, como Antioquia e Apameia, ambas

situadas próximo ao rio Orontes.

Nesse momento Antígono estava hospedado na Síria superior, fundando uma cidade
no rio Orontes, a qual ele chamou de Antigônia [...]. Ele colocou-a em uma escala
pródiga, fazendo o perímetro ter o tamanho de setenta estádios, 166 pois a localização
era naturalmente bem adaptada para vigiar a Babilônia e as satrapias superiores e, ao
mesmo tempo, supervisionar a Síria inferior e as satrapias próximas ao Egito. No
entanto, aconteceu que a cidade não sobreviveu muito, pois Seleuco a destruiu e
transportou sua [população] para a cidade que ele havia fundado e chamado de
Selêucia [...] (Diod. Sic., XX, 47, 5-6).167

166
Estádio se refere a uma unidade de medida de comprimento usada na Grécia Clássica. O padrão desta medida
era a pista de corrida de Olímpia, onde era disputada a prova do estádio. O estádio olímpico media por volta de
600 pés (HAMILTON, 1838, p. LI).
167
Após a morte de Seleuco, Selêucia foi renomeada por Antíoco I, quando passou a ser chamada de Antioquia.
232

Diodoro provavelmente se confundiu ao mencionar que a Antigônia citada no trecho

acima foi completamente abandonada, pois ela teria sobrevivido pelo menos até por volta de

51 a.C., se confiarmos no testemunho de Dio Cássio (XL, 29, 1):

Mas quando eles [partas] não conseguiram realizar um cerco e tomar Antioquia, já
que Cássio efetivamente os repeliu, se voltaram para Antigônia. E como os arredores
dessa cidade estava fortificado [...] os partas [...] nem ao menos conseguiram
penetrar com sua cavalaria na cidade [...].168

Mesmo que a maioria das atividades colonizadoras de Antígono não esteja registrada de

forma direta nas fontes, evidências suficientes sobreviveram para mostrar que esse basileus

exerceu de forma expressiva o papel de herói fundador, como atestam os excertos

mencionados, entre outros que tratam da mesma temática.169 Além disso, uma vez que temos

cidades diretamente apontadas nas documentações como fundadas por Antígono, mas que

foram renomeadas após sua morte, como Antigônia da Trôade, Antigônia na Bitínia e

Antigônia no Orontes, temos motivos para supor que outras cidades originalmente fundadas

por Antígono podem ter sido incorporadas como colônias selêucidas.

Partindo dessa possibilidade, temos, na Figura 24, um quadro confeccionado por

Billows, no qual o autor tenta reconstituir as fundações e colonizações de Antígono na Ásia.

168
O episódio narrado por Dio Cássio se refere ao período histórico que ficou conhecido como Guerras romano-
partas, que ocorreram entre 66 a.C. e 217. O Cássio ao qual o texto se refere é Caio Cássio Longino, senador
romano, contemporâneo a Júlio César.
169
Como o caso de uma cidade fundada por Antígono próximo à Bitínia e que posteriormente foi renomeada por
Lisímaco como Niceia (Strab., XII, 56, 5).
233

Figura 24 – Cidades e regiões colonizadas por Antígono

Fonte: Billows (1990, p. 302)

Billows (1990, p. 295-297; 1994, p. 146-152), ao analisar a política de assentamentos de

Antígono, afirma que ela se baseou em 5 premissas básicas: cuidados especiais com as póleis

já existentes na Ásia; helenização de cidades asiáticas nativas; fundação de cidades gregas

inteiramente novas; estabelecimento de colônias militares que careciam do status de pólis; e

os estabelecimento de colonos macedônios ou gregos, seja como detentores de propriedades

ou como soldados. Ainda, em seu projeto de fundações, Antígono recorreu à prática do

sinoicismo.170 Após assumir o título de basileus, em 306 a.C., Antígono decidiu unir as

cidades de Teos e Lebedos em uma única cidade. Isso envolveria a remoção de todos os

habitantes de Lebedos para Teos ou para uma região próxima a esta. Sobre esse evento, a

cultura material nos auxilia, pois, por meio de dados epigráficos provenientes de duas cartas

de Antígono para a cidade de Teos, acessamos vários regulamentos e instruções sobre o

Sinoicismo ou sinecismo (συνοικισμóς), de modo geral, refere-se à união de várias aldeias para a formação de
170

uma pólis.
234

sinoicismo, que talvez não tenha sido finalizado.171 A primeira das cartas estabelece como

deve ser a divisão dos territórios entre os habitantes das duas cidades e seu processo de

ocupação:

[...] Achamos melhor que um lote de terra [seja dado] a cada um dos [lebedianos]
proporcional ao que será deixado para trás em Lebedos. Até que as casas novas
sejam construídas, casas [devem ser fornecidas a todos] os lebedianos sem encargos
[...] se for necessário derrubar a cidade atual [Teos], metade das casas existentes
[devem ser deixadas], e dessas um terço devem ser dadas [aos lebedianos] e vocês
terão acesso a dois terços [...]172 [Todos [...] devem construir casas em seus lotes
dentro de três anos, caso contrário, [os lotes] se tornarão propriedade pública.
[Pensamos] certo de que parte dos telhados das casas sejam dados aos lebedianos
[...] [para que] as casas [possam ser concluídas o mais rápido possível].
[Nós pensamos] também que um lugar seja atribuído aos lebedianos onde eles
possam enterrar seus [mortos] [...] (WELLES, RC, n. 3).

Na segunda carta, é possível ver que medidas ainda precisavam ser tomadas para o

prosseguimento do processo de união das cidades de Teos e Lebedos. Fica em evidência,

sobretudo, a demora de captação de recursos para ressarcimento dos lebedianos, que

perderiam suas casas, e a concessão de casas temporárias aos mesmos enquanto as definitivas

não ficassem prontas na nova cidade:

Do basileus Antígono para a boulé [...] saudações. [...] [Quando recebemos] os


enviados dos lebedianos e perguntamos se eles tinham algum expediente para
sugerir-nos, eles disseram que não tinham nenhum, exceto a tributação, examinando
[suas propostas] [...] [Parece bom para nós, então] que deva haver 600 [cidadãos]
[designados como] ricos, [e que estes] devem doar recursos em proporção à sua
riqueza, de modo que possa haver [para os lebedianos] um quarto da compensação
disponível de uma só vez, e esse reembolso deve ser feito a esses homens, após o
intervalo [de um ano] das receitas [da cidade] [...] [Pensamos melhor...] que as casas
em sua cidade que devem ser cedidas aos lebedianos para [residência temporária]
sejam entregues [dentro de] quinze [dias] da leitura de [esta] resposta, e que aqueles
que serão escolhidos para conceder [as casas e] e entregá-las aos ocupantes
temporários sejam eleitos por cada [tribo] na próxima assembleia (WELLES, RC, n.
4).

171
Deduzimos essa possível não finalização do sinoicismo pelo fato de a segunda carta, datada por volta de 303
a.C., inscrita, portanto, provavelmente 3 anos depois da primeira, ainda conter algumas instruções que foram
emitidas na primeira carta. Além disso, como reporta Diodoro (XX, 107, 5), em 302 a.C. Cassandro conquistou a
cidade de Teos, o que provavelmente interferiu na conclusão da formação da nova cidade.
172
Nesse caso, o acesso aos dois terços de terra seria reservado aos habitantes de Teos. Quando o trecho se refere
à possibilidade de derrubar a cidade de Teos então existente, pode-se compreender que, se fosse necessário, a
cidade seria reformulada em outro espaço próximo.
235

Por meio dos dois trechos epigráficos expostos, constatamos como Antígono, no papel

de fundador, apropriava-se de todo um expediente para pôr em funcionamento os

assentamentos por ele criados ou remodelados e como todas as medidas referentes a esse

processo provinham de diretrizes ligadas ao monarca. Bem como seu pai, Demétrio também

se colocou como fundador de cidades. Um caso em que podemos acompanhar melhor o

processo de conversão de uma fundação urbana em uma pólis é Demétria.

Demétria (Δημητριάς) foi fundada por Demétrio, em 293 a.C., no território da Magnésia

(Grécia centro oriental) (Strab., IX, 436, 443), como é possível identificar no mapa da Figura

25. De acordo com testemunhos antigos, essa pólis se destacou por sua posição estratégica,

sua economia florescente e sua suntuosidade, tornando-se a residência favorita dos basileis

macedônios.173 Sobre a fundação dessa cidade temos a seguinte inscrição:

Basileus Demétrio para [...] saudações. Completei a delimitação do território dos


cidadãos de Demétria e dos da Pieria, como eles me confiaram. Por isso, enviei-lhe
uma cópia da demarcação realizada no ano [?] e a posição dos marcadores de
fronteira. Então, tome cuidado para inscrevê-los em uma estela que deve ser
colocada no santuário do Zeus Olímpico [...] (HATZOPOULOS, Melet,
22.EA.11).174

Essa inscrição, encontrada em Dion, um vilarejo da Pieria,175 por muito tempo foi

considerada do final do século III a.C. No entanto, Hatzopoulos (2006, p. 88-89) indica ser

mais provável que ela pertença ao reinado de Demétrio e, portanto, possivelmente estaria

ligada à fundação de Demétria em 293 a.C., argumento que, de acordo com os dados por nós

analisados em diferentes fontes, se mostra coerente.

173
Entre o final de 294 a.C. e o início de 293 a.C., Demétrio foi aclamado basileus da Macedônia e seguiu com
procedimentos para assegurar a posse e controle de diversos territórios, incluindo a Tessália. Provavelmente foi
nesse período que fundou Demétria, que tinha aspectos de uma grande fortaleza (NEWELL, 1927, p.11).
174
A inscrição original foi recolhida por Melécio de Antioquia, que viveu entre os anos de 358-381. A tradução
foi feita por Hatzoupoulos (2006) mediante uma foto, pois a transcrição no grego não foi publicada até hoje.
175
Localizada na Macedônia Central.
236

Figura 25 – Mapa das fundações urbanas helenísticas

Fonte: http://www.ancient.eu

Demétria passou por duros reveses após 196 a.C., quando Felipe V foi derrotado pelas

forças romanas. Segundo Timothy (1991, p. 603-604), sob o domínio de Constantino, tornou-

se uma cidade cristã. De acordo com Procópio (De aedificiis, IV, 3, 5), Demétria foi

reconstruída por Justiniano I, mas outras evidências apontam para a possibilidade de que a

vida urbana aí tenha chegado ao fim ainda no início do século VI (TIMOTHY, 1991). O

território atual de Demétria é um sítio de escavações, que começaram no século XIX. Pelas

escavações, é possível ver que o lugar realmente se adequava aos requisitos de uma pólis, pois

contava com uma ágora e um teatro, por exemplo.

Sabe-se que a cidade era cercada por uma muralha de 7 km de circunferência,

preservada em grande parte de sua extensão. Vários edifícios encontram-se visíveis ainda

dentro do circuito, como o palácio, cujas fundações de pedra e paredes de barro em fossa com

emplastro pintado podem ser vistas na Figura 26


237

Figura 26 – Vestígios das fundações do palácio de Demétria, séc. III a.C

Fonte: https://www.gtp.gr/ArchaeologicalSiteofDemetrias

No entanto, nenhuma escavação abrangente foi realizada até o momento, o que dificulta

a obtenção de informações mais precisas sobre a pólis. As poucas informações das quais

dispomos foram obtidas com as escavações de Arvanitopoullos (1907, p. 175-182), no início

do século XX. Recentemente, algumas áreas foram limpas, tornando o sítio arqueológico mais

acessível.
238

Figura 27 – Teatro de Demétria, séc. III a.C

Fonte: https://www.gtp.gr/ArchaeologicalSiteofDemetrias

O teatro antigo, que aparece na Figura 27, encontrava-se ao pé de uma colina, do outro

lado do vale do palácio macedônio. O monumento foi parcialmente escavado no início do

século XX e finalmente liberado para visitação entre 1958-1959. A borda da orquestra foi

descoberta, bem como a primeira fila de assentos. O teatro aparentemente foi fundado na

mesma época em que a cidade. A magnificência de Demétria demonstra como à época da

morte de Antígono, em 301 a.C., o poder dos Antigônida já havia sido fato estabelecido, e sua

basileia estava consolidada.

No que se refere à associação com heróis fundadores e divindades, vimos nas Figuras

13, 14 e 15, inseridas no terceiro capítulo, que os Antigônida fizeram questão de se associar a

estes por meio de suas representações numismáticas. Essa associação pode ser também notada

nas figuras 28 e 29, a seguir.


239

Figura 28 – Demétrio Poliorcetes. Estáter de ouro, 8, 56 g., 290/287 a.C

Fonte: Newell (1927, p. 96)

Na Figura 28 temos um estáter de ouro cunhado na região da Eubeia, no qual

observamos mais uma vez, no anverso, a imagem de Demétrio, ornado com o diadema e

chifres de touro acima de sua testa, que é uma clara referência ao deus Zeus-Amon. Já no

reverso, aparece a inscrição BAΣIΛEΩΣ ΔHMHTPIOY, acompanhada de um cavaleiro,

vestindo manto, usando causía e segurando uma longa lança com a mão direita, representação

que destaca o aspecto guerreiro do monarca.176

176
Causía era um típico chapéu macedônio.
240

Figura 29 – Demétrio Poliorcetes. Tetradracma de prata, 17, 24 g, 289/288 a.C.

Fonte: Newell (1927, p. 110)

Já na Figura 29, temos um tretradracma de prata, cunhado em Anfípolis. No anverso,

novamente a cabeça de Demétrio surge ornada com diadema e chifres de touro, enquanto no

reverso vemos Poseidon de pé, com um dos pés sobre uma pedra, segurando seu tridente,

além da inscrição BAΣIΛEΩΣ ΔHMHTPIOY.

Como destacamos no capítulo anterior, Antígono, em sua produção imagética, buscou

sempre a associação com Alexandre, assim como o fizeram os demais diádocos. Demétrio,

por sua vez, foi o primeiro a representar a si mesmo nas moedas e, como seu governo foi mais

longevo que o de seu pai, pôde ser objeto de uma diversidade maior de homenagens. Nesse

ponto, interessa destacar um hino a ele dedicado pela cidade de Atenas, por volta de 291/290

a.C.

Muito poucos hinos restaram do período helenístico. Com exceção de algumas linhas de

louvor a Seleuco I, o único que restou, conservado na íntegra, foi o hino itifálico cantado

pelos atenienses em homenagem a Demétrio. Por essa razão, esse texto comparece em quase

todos os estudos sobre o culto aos soberanos no período helenístico. No entanto, apesar de ser

tão compulsado, o hino a Demétrio parece suscitar ainda muita discussão. Nas últimas duas
241

décadas, novas interpretações se impuseram, como é o caso dos trabalhos de Mikalson (1998)

e Green (2003). Esse novo conjunto de trabalhos, que buscam estabelecer novas diretrizes de

interpretação para o documento, se deve decerto ao caráter intrigante do texto e às novas

descobertas epigráficas.177

O canto é composto por 35 linhas. A versão que chegou a nós é atribuída a Duris de

Samos, autor que viveu entre os séculos IV e III a.C. (FGrHist, 76 F 13) :

Como o maior e o mais querido dos deuses está presente em nossa cidade! As
circunstâncias reuniram Deméter e Demétrio. Ela vem para celebrar os mistérios
solenes de kairós, enquanto ele está aqui cheio de alegria, como cabe a um deus,
justo e sorridente. Sua aparência é solene, seus amigos ao seu redor e ele ao centro,
como se estes fossem estrelas e ele o sol. Salve o menino do deus mais poderoso,
Poseidon, e de Afrodite! Pois outros deuses estão distantes ou não têm ouvidos, ou
não existem ou não nos levam em conta, mas você, podemos o ver presente aqui,
não feito de madeira ou pedra, mas real. Então, oramos por você: primeiro faça a paz
[...].

O hino incorpora temas presentes em outros documentos por nós analisados: a

referência ao pedido de auxílio e paz ao monarca; a associação com Poseidon, explorada na

nossa análise acerca da documentação numismática; e a aparência solene que Demétrio

parecia ter, explicitada também em diversos momentos por Plutarco (Vit. Demetr. II, 2). Sobre

a associação com Poseidon e Afrodite, Demétrio é descrito aqui como um descendente direto

das divindades, assim como Alexandre o fizera no episódio de Siva. O hino deve ser decerto

interpretado como uma evidência segura das negociações políticas entre o monarca e a cidade

de Atenas. O poeta anônimo que formulou o canto teve uma importante e delicada tarefa

política a cumprir. Ele não apenas incentivou Demétrio a revelar seu poder, como também

sugeriu uma política a ser adotada pelo soberano diante da pólis (MIKALSON, 1998, p. 94;

MARCOVICH, 1988).

No passado, autores como Scott (1928) e Ehrenberg (1965) criticaram o hino por soar

como uma expressão exagerada de lisonja. Alguns autores contemporâneos, como Green

177
Chaniotis (2011, p. 158) aponta também para os diversos problemas editoriais e de tradução referentes ao
texto.
242

(2003), também se inscrevem nesta visão. Uma mudança importante tem sido observada nos

últimos anos a partir da tendência de se atenuar o caráter religioso do texto. Dentro desta

perspectiva, encontra-se Marcovich (1988), que destacou a incorporação de ideias epicuristas

pelo poeta. Já Henrichs (1999, p. 223-248) centrou-se na convergência entre a narrativa mítica

e a história contida no canto, ao passo que Green (2003) associou o canto com ideias

filosóficas acerca da realeza divina. Sobre esta última abordagem, podemos ver presentes, em

alguns excertos dos tratados de realeza recolhidos por Estobeu, pontos em comum, como a

identificação do basileus com o sol.

Chaniotis (2011, p. 179-183), ao analisar o hino itifálico em honra de Demétrio, conclui

que o seu autor não era apenas um adulador, mas um poeta chamado a executar uma tarefa

complexa, ao se valer do hino para enviar uma mensagem política da cidade ao soberano.

Segundo Chaniotis, por meio do hino constrói-se uma imagem de divindade multifacetada

para Demétrio, que é associado aos deuses e a elementos religiosos tradicionais, de maneira

que o hino deve ser inserido num contexto ritualístico. Essa imagem divina do poder

relacionava-se, portanto, a expectativas concretas. Se Demétrio fosse um deus verdadeiro,

como dito no hino, ele deveria se comportar como tal. Se ele tivesse poderes divinos, deveria

empregá-los.

Enfim, podemos inferir que o hino a Demétrio integrava o repertório das práticas rituais

em torno do basileus helenístico, que transitava entre a política e a religião. No campo das

representações, tal procedimento contribuía para a legitimação do soberano e de suas ações,

ao mesmo tempo que exigia que ele beneficiasse as cidades submetidas, exercendo o papel de

sóter e de evérgeta próprios dos soberanos helenísticos, além de manifestar a piedade para

com os deuses. Todos esses elementos iam ao encontro das esperanças depositadas pelos

cultos instituídos em honra a Antígono e Demétrio, no final do século IV a.C. Eis, então, o

trajeto dos soberanos Antigônida: de heróis fundadores a filhos dos próprios deuses.
243

Relações intra corte

Geralmente, a corte é considerada como um espaço social que compreende todos

aqueles que em algum momento estão sob as graças da casa dinástica. Strootman (2014, p.

34-35), ao falar sobre as dimensões ou funções da corte, afirma que ela pode servir como um

locus para a (re) distribuição de capital, prestígio e poder político, econômico, social e

simbólico. Desta forma, a corte teria cinco funções principais: 1) funcionar como uma arena

política; 2) ser um centro administrativo; 3) representar um centro simbólico; 4) operar como

um palco para a representação do poder monárquico; e, 5) ser um espaço de (re) distribuição.

Mesmo que os primeiros reis helenísticos, com exceção de Ptolomeu, não tenham possuído

uma capital real definida, essas diretrizes nos ajudam a compreender como se davam as

relações intra corte dos primeiros reinos helenísticos. Mas falar de uma corte nos primeiros

anos da basileia helenística é algo complicado. Esse foi um período árduo, no sentido de se

construir os protocolos e as instituições que formariam a monarquia. De modo geral, referir-se

a uma cultura de corte helenística significa nos reportarmos aos padrões fixados pela casa

dinástica dos Argéada, sobretudo no que se refere ao hibridismo de elementos gregos,

iranianos e outros contidos nas ações de Alexandre.

As cortes helenísticas, segundo Strootman (2011, p. 70-75), influenciaram

profundamente o desenvolvimento da corte imperial romana, e a cultura jurídica de pequenos

reinos, como o da Bitínia, sofreram a influência do tribunal macedônio, assim como dos

tribunais selêucidas. Devido ao intercâmbio diplomático na bacia do Mediterrâneo, as cortes

de três dos principais reinos helenísticos foram bastante semelhantes: dos Ptolomeu, dos
244

Selêucida e o dos Antigônida.178 A corte real era essencialmente a casa da família régia e,

muitas vezes, era chamada de oikos nas fontes gregas (basiliké oikía). No entanto, nas fontes

mais antigas, a corte régia, no seu sentido social, era qualificada como séquito (therapeia) ou

como “os amigos do rei” (hoi philoi tou basileus). Nesse ponto, nos concentramos num

elemento fundamental desde o primeiro momento de construção da realeza helenística.

Remontando aos hetairoi que acompanhavam o basileus macedônio,179 os philoi

constituíam um grupo de elevado prestígio ao lado do rei, ao qual se vinculavam por laços de

philia e xenia, por meio de formas de amizade ritualizadas (HERMAN, 1997, p. 200). Os

philoi eram predominantemente macedônios e gregos, algo que ocorria mesmo na monarquia

Antigônida, que tinha domínio, ou pelo menos influência, tanto sobre territórios da Grécia,

quanto em territórios do oriente. Muitas vezes, os integrantes desses grupos competiam entre

si por uma posição mais próxima ao rei, ocasionando conflitos violentos. Após a consolidação

da monarquia helenística, tornou-se um hábito entre os monarcas presentear seus amigos mais

próximos, o que podia se mostrar como uma espécie de relação de dádiva e contra dádiva, que

ajudava a manter a fidelidade dos amigos ao soberano (STROOTMAN, 2013, p. 1819). Os

reis recrutavam frequentemente os seus hetairoi mais próximos nas fileiras do syntrophoi

(irmãos adotivos), principalmente entre os macedônios.

No que tange ao círculo de hetairoi e demais homens subordinados a Antígono, um

número considerável de amigos, oficiais e diplomatas a serviço do rei é conhecido por meio

de fontes literárias e, principalmente, devido à profusão de inscrições honoríficas em relação a

tais homens criadas pelas cidades gregas. Dentre esses homens, destacamos Andrônico de

Olinto, que foi um dos generais que acompanhou Alexandre na campanha rumo ao oriente, e
178
Kosmetatou (2013, p. 457) chama a atenção para o fato de que, na corte dos Antigônida, na Macedônia, os
tribunais se mantiveram mais simples, pois buscaram não aderir ao luxo oriental, que poderia ser visto, aos olhos
dos súditos, como um exagero dos soberanos.
179
Como dissemos, a proximidade habitual entre o rei da Macedônia e os demais aristocratas é perceptível pela
existência do termo hetairoi, que significa companheiros. A ausência de uma hierarquia administrativa ou
jurídica na Macedônia significava que o rei governava com o auxílio de sua comitiva, sobretudo por meio de sua
guarda pessoal (somatophulakes) (BILLOWS, 1994, p. 9-10). Esse aspecto da basileia macedônia foi um dentre
os vários outros herdados pelas monarquias helenísticas.
245

mais tarde se converteu em um dos primeiros, e principais, oficiais de Antígono (ROISMAN,

2012, p. 147-150). Em 315 a.C., Andrônico participou do cerco a Tiro liderado por Antígono,

como nos reporta Diodoro (XIX, 59, 2):

Enquanto Antígono estava assim engajado, Agesilau, o enviado que mandara a


Chipre, chegou com a informação de que Nicocreonte e os mais poderosos reis
faziam aliança com Ptolomeu [...]. Ao perceber isso, Antígono deixou três mil
soldados sob o comando de Andrônico para continuar o cerco [a Tiro].180

No excerto citado, ainda contamos com o nome de outro companheiro de Antígono,

Agesilau. Sua principal função foi atuar como diplomata, como podemos ver na passagem de

Diodoro, pois estava a serviço de Antígono em uma missão em Chipre em 315 a.C. Outra

evidência, desta vez epigráfica, que atesta a importância de oficiais a serviço de Antígono nas

atividades diplomáticas e que fornece os nomes desses associados provém da carta

direcionada a cidade de Escépsis, inscrita em 311 a.C. (WELLES, RC, 1): “Enviamos

Aristodemo, Ésquilo e Hegésias para elaborar o acordo. Eles voltaram com promessas do

representante de Ptolomeu, Aristóbulo [...]. Saibam então que a trégua foi estabelecida e que a

paz foi feita[...]”.181

Antígono também reuniu em torno de si homens com as mais diversas habilidades e que

podiam vir a contribuir com a fabricação e estabelecimento de sua basileia. Esse é o caso de

Epímaco de Atenas, um renomado engenheiro e arquiteto que ficou famoso por ter construído

o Helépolis (ἐλέπολις). Se referindo ao relato de Diodoro (XX, 48), Smith (SMITH et al.,

1875, p. 590) fornece a seguinte definição dessa máquina:

Quando Demétrio Poliorcetes sitiou Salamina, em Chipre, ele fez construir uma
máquina que ele chamou de “o tomador das cidades”. Sua forma era a de uma torre
quadrada, cada lado tendo 90 côvados de altura e 45 de largura. 182 Apoiava-se em
quatro rodas, cada uma com oito côvados de altura. Dividia-se em nove andares, a

180
Nicocreonte foi um dos mais poderosos tiranos de Chipre, tendo sido rei de Salamina e aliado de Ptolomeu.
Provavelmente morreu antes de 306 a.C., por seu nome não constar no cerco a Rodes feito por Demétrio, no qual
o antigônida ganhou o epíteto de Poliorcetes (SMITH, 2005, p. 184).
181
Aristodemo era originário de Mileto, Ésquilo de Rodes, enquanto Hegésias era proveniente da Magnésia.
182
Côvado se refere a uma medida de comprimento usada por diversas sociedades antigas, como a egípcia e a
babilônica. Baseava-se no comprimento do antebraço.
246

parte inferior continha máquinas para atirar grandes pedras, as catapultas do meio
jogavam lanças e as máquinas altas atiravam pedras menores, juntamente com
catapultas menores. Ele estava equipado com 200 soldados, além daqueles que o
moviam, empurrando os feixes paralelos no fundo [...].

Mesmo que o cerco no qual Helépolis foi empregado não tenha rendido uma vitória, a

magnitude das forças antigônidas foi tão impactante que, como já dito, resultou desta batalha

a alcunha de Poliorcetes dada a Demétrio. Muitos outros nomes de homens, provenientes das

mais diversas localidades, poderiam ser registrados aqui como parte dos hetairoi de Antígono,

ou como seus subordinados em algum momento, mas nosso objetivo neste estudo não é

executar uma listagem,183 mas deixar nítido que, já nas primeiras décadas da basileia

helenística, as relações de philia foram de extrema importância para os objetivos políticos e

administrativos de Antígono.

Do hino itifálico composto em louvor a Demétrio, discutido na seção anterior, é

possível destacar a seguinte passagem: “[...] Sua aparência é solene, seus amigos ao seu redor

e ele ao centro, como se estes fossem estrelas e ele o Sol [...]” (FGrHist, 76 F 13). Nesse

trecho, Demétrio é descrito entre seus amigos como o Sol cercado pelas estrelas. Essa

metáfora não foi escolhida aleatoriamente pelo poeta, pois se trata de uma imagem de poder

baseada na confiança e na amizade, uma característica significativa da simbologia real e

importante para a prática administrativa dos reinos helenísticos, como apontam diversos

especialistas que analisam o papel dos amigos reais (φίλοι) nos fundamentos político-

filosóficos da monarquia helenística (SAVALLI-LESTRADE, 1998; TRONCOSO, 2005).

Quando o poeta, em outro trecho do hino, pergunta a Demétrio se ele pode atribuir a

tarefa de destruir os inimigos a um novo Édipo, certamente o autor está se referindo a um

amigo do rei. Chaniotis (2011, p. 183) afirma que o bom relacionamento de Demétrio com

seus amigos também assumiu um caráter ritualístico. Demétrio teria sido o único entre os

183
Billows (1990, p. 361-452) elaborou um apanhado de todos os nomes de amigos e subordinados a Antígono
que aparecem nas documentações literárias e epigráficas.
247

sucessores que tolerou e encorajou de fato a concessão de honras religiosas aos seus

companheiros, dentre os quais podemos citar Bourichos, Adeimantos e Oxitemis (FGrHist, 75

F 1).

Sobre Adeimantos, lembramos que foi ele o responsável por organizar toda a formação

da Liga Helênica, sobre a qual temos alguns fragmentos de Epidauro (SEG, 45, 479), datados

de 302 a.C. A Liga visava a reunir as cidades gregas em torno de Antígono e Demétrio para

fazer frente aos diádocos rivais. Além disso, ao analisarmos alguns fragmentos encontrados

na ágora ateniense, constatamos a existência de mais de um decreto no qual se rendiam

honrarias a homens próximos a Demétrio. No fragmento 107 (SEG, XXX, 72), por exemplo,

Alcaios e Sólon, identificados apenas como amigos de Demétrio Poliocertes, recebem honras

oficiais por terem auxiliado os atenienses em negociações diretas com o rei. Como Buraselis

(2003) demonstrou, as honrarias atribuídas a figuras menos proeminentes, como os amigos de

Demétrio, eram hierarquicamente inferiores àquelas concedidas aos reis.184

Uma das formas de relação entre o monarca e seu séquito eram as comemorações

festivas, dentre as quais podem ser citados os banquetes. O registro que temos sobre um

banquete oferecido por Antígono está relacionado à comemoração das Afrodísias:

Linceu, no entanto, em sua descrição do banquete oferecido pela flautista Lâmia em


homenagem a Demétrio Poliorcetes apresenta os convidados comendo todo tipo de
peixe e carne no momento em que entraram na sala de jantar. Da mesma forma,
descreveu os arranjos do banquete do basileus Antígono, quando este celebrou o
festival de Afrodite [...] (Athenaeus, III, 101, F).

O excerto acima, retirado da obra de Ateneu de Náucratis, que viveu no século II,

menciona que o banquete ofertado a Demétrio, assim como o realizado por Antígono, possuía

todos os tipos de carnes e peixes, fato que retrata a suntuosidade que tinham essas

comemorações. Um soberano definitivamente poderia impressionar seus convidados através

da comida e bebida que era apresentada em uma festa. Os banquetes e os simpósios eram
184
Cumpre observar que a relação dos monarcas com os seus amigos nem sempre ocorreu de modo harmonioso,
como podemos constatar desde o período de Filipe e Alexandre.
248

elementos centrais na vida da corte helenística e se constituíam uma chave para os encontros

entre rei e súditos desde a época dos Argéada (BORZA, 1982, p. 45-46). Sobre os banquetes

dados por Demétrio, Diodoro (XX, 92, 4) afirma que, em tempo de paz, o antigônida gostava

muito de banquetear, dançar e divertir-se. Enquanto Plutarco (Vit. Demetr., XXVII, 3) afirma

que, durante essas festividades, os membros da elite esperavam a atenção do rei, para

negociações e obtenção de favores, recorrendo a lisonjas para atingi-los.

A recepção de embaixadas e de súditos era outro tipo de cerimônia a partir da qual o

monarca podia manter relações com o mundo exterior, pois, por meio delas, ele era capaz de

negociar com outras casas reais, súditos e membros de elites locais, assim como de resolver os

mais diversos assuntos públicos (STROOTMAN, 2014, p. 195-196). Durante esta tese,

tratamos de algumas passagens de documentos que mostram essa prática no decorrer do

governo de Antígono. Esse tipo de recepção de membros externos se manteve com Demétrio,

como podemos ver em Plutarco (Vit. Demetr., XLII, 1), que trata de um episódio no qual, por

um tempo, o comportamento do rei foi criticado pelos súditos, que desaprovavam seu modo

de vida luxuoso, sua aspereza e a dificuldade de acesso à sua pessoa para tratar de assuntos

importantes:

[...] Ele não dava audiência a qualquer um que fosse, ou ele era severo e áspero com
seus assessores. Por exemplo, ele manteve uma embaixada de atenienses esperando
por dois anos, isso porque pertencia a cidade à qual ele era mais solícito dentre todas
as cidades gregas [...] Em uma ocasião, quando se pensava que ele estava andando
no exterior de um modo mais afável do que o habitual e parecia encarar seus
assuntos sem desagrado, havia um grande número de pessoas que lhe apresentaram
petições escritas. Ele os recebeu todos e dobrou-os em seu manto; as pessoas
ficaram encantadas e o acompanharam durante o caminho. Mas quando chegou à
ponte sobre o Áxio, sacudiu as dobras de seu manto e lançou todas as petições no
rio. Essa foi uma grande vexação para os macedônios, que se julgaram insultados,
não governados, e eles se lembraram ou escutaram aqueles que lembraram como
Filipe costumava ser [...] acessível. Uma anciã uma vez surpreendeu Demétrio
enquanto passava e exigiu muitas vezes que lhe desse uma audiência. “Não tenho
tempo”, disse Demétrio. “Então não seja rei”, gritou a velha. Demétrio [...] depois de
pensar sobre o assunto, voltou para sua casa e, adiando os demais assuntos por
vários dias, dedicou-se inteiramente àqueles que desejavam ter uma audiência com
ele, começando com a anciã que o repreendeu (Plut., Vit. Demetr., XLII, 2-4)
249

A passagem acima reflete como o acesso ao monarca era algo que fazia parte do

universo da basileia helenística e como os companheiros, subordinados e demais súditos

esperavam um comportamento de reciprocidade de seu soberano. As festividades, a recepção

de embaixadas, as audiências e tudo mais que envolvia a figura do monarca faziam parte de

um complexo sistema de representação e distribuição do poder. Mesmo com formas não

definidas por uma institucionalização, a monarquia helenística, em sua relação intra corte,

obedecia a uma série de preceitos.

De forma inequívoca, dentre todas as relações que o rei estava envolvido, a que figurou

como a mais importante foi entre ele, os hetairoi e, consequentemente, o seu exército. A

proximidade entre o rei e seus companheiros representa um aspecto importante do período

helenístico, destacado por Gruen (1985, p. 255-256): a natureza pessoal da monarquia

helenística. Já tratamos desse ponto quando discutimos sobre a carcaterização dessa basileia.

Como afirma Sant’Anna (2014, p. 15-16), mesmo que vários tipos de homens pudessem

integrar o círculo de amigos do rei,

Em uma perspectiva mais ampla, reis helenísticos dependiam largamente [...] de


suas forças militares. Em outras palavras, quando começamos a considerar a
“obediência de pelo menos certos comandos específicos por um grupo de pessoas”
como parte da definição weberiana de dominação, é inevitável identificar parte deste
grupo (abstratamente falando) nos primórdios da monarquia helenística, como os
exércitos à disposição dos reis.

Como uma realeza de caráter carismático, a basileia antigônida foi marcada e definida

por aspectos ligados à vitória na guerra, que determinaram sua representação. Quando

tratamos das evidências textuais, epigráficas e numismáticas, por diversas vezes encontramos

dados que apontavam Antígono e Demétrio como Sóteres, Evérgetas e Aniketos, ou

associados com deidades e imagens que fortaleciam suas características de força bélica. Todos

esses elementos serviram para destacar e reforçar o principal papel exercido pelo monarca do
250

período helenístico: o de líder vitorioso. É a partir dessa característica e do auxílio de seus

exércitos que Antígono e Demétrio são entronizados como os primeiros basileis helenísticos.

Sobre a entronização do basileus, cumpre destacar, quando tratamos da corte dos

primeiros reis helenísticos, o papel dos hetairoi e dos membros do seu exército, que eram os

elementos centrais na proclamação do monarca. Foi por meio de uma vitória de Demétrio, que

liderava as forças antigônidas, que Antígono foi aclamado o primeiro rei helenístico. Como

Theos Aniketos, o general vitorioso se convertia em basileus, como podemos observar nos

relatos de Plutarco (Vit. Demetr., XVIII, 2) e Diodoro (XX, 53), respectivamente:

Em seguida,185 a multidão pela primeira vez saudou Antígono e Demétrio como


basileis. Antígono foi imediatamente coroado por seus amigos, e Demétrio recebeu
um diadema de seu pai, com uma carta na qual ele foi tratado como basileus [...].

[...] Ptolomeu desistiu da luta em Chipre e voltou ao Egito. Demétrio, depois de ter
tomado todas as cidades da ilha e suas guarnições, matriculou os homens em
companhias – quando eles foram organizados chegaram a dezesseis mil a pé e cerca
de seiscentos a cavalo. Ele imediatamente enviou mensageiros a seu pai para
informá-lo sobre os sucessos, embarcando-os em seu maior navio. Quando Antígono
ouviu falar da vitória conquistada, exaltado pela magnitude de sua boa fortuna,
assumiu o diadema e, desde então, usou o estilo de rei, permitindo também a
Demétrio assumir esse mesmo título e posição [...].

Segundo Sales (2005, p. 56), a cerimônia de coroação, ou melhor, de aclamação, como

podemos atestar nos trechos acima, de Plutarco e Diodoro, deveria se processar segundo os

rituais próprios da realeza e da aristocracia guerreira macedônia. Os companheiros (hetairoi)

ou soldados (makedunes) em campanha aclamavam o novo soberano e ratificavam o uso do

diadema em torno da cabeça, como é possível observar na Figura 14, na qual vemos

Demétrio, numa representação numismática, portando o diadema. Segundo O’Neil e Gruen

(2000, p. 125-126; 1985, p, 256), a maioria dos casos de escolha de um monarca helenístico

não possui evidências de aclamação popular e, mesmo que a aprovação dos súditos tenha

reforçado a posição de Antígono como basileus, como podemos ver na análise da relação dele

com as cidades gregas, e seu exército, ela não foi a responsável pela sua transformação em rei,

185
Após a vitória das forças antigônidas, lideradas por Demétrio, sobre o exército de Ptolomeu em 306 a.C. em
Chipre.
251

mas sim suas vitórias. Ainda destacamos que, no caso de Demétrio, mesmo ele sendo o

responsável pelas operações militares das forças antigônidas, de acordo com os relatos,

assumiu o título de basileus exclusivamente pela vontade de seu pai.

Ainda reportando aos relatos de Plutarco e Diodoro sobre a adoção do título de basileis

pelos Antigônida, sublinhamos a ideia de espontaneidade que o ritual de aclamação desses

dois assume nos referidos excertos. Strootman (2014, p. 229-230) questiona o fato de que o

ritual tenha sido algo espontâneo, pois com certeza foi previamente organizado. Para o autor,

Antígono decerto recebeu a notícia da vitória por um mensageiro, bem antes da chegada de

Aristodemo,186 que oficialmente teria informado Antígono a respeito da conquista de

Demétrio sobre as forças de Ptolomeu (Plut., Vit. Demetr., XVII, 2; Diod. Sic., XX, 53, 1). Na

realidade, a proclamação teria sido uma performance teatral, visto que, somente depois que

uma multidão ansiosa de homens se reuniu em frente ao palácio, Antigônio surgiu.187 No

momento em que ele saiu, Aristodemo o saudou como basileus, seguido de uma aclamação

geral pelo exército e os philoi. Além disso, o relato não menciona a amarração do diadema, o

que significa que Antígono provavelmente já estava usando um diadema quando saiu do

palácio para encontrar a multidão. Desta forma, a coroação do monarca helenístico também se

encaixava dentro de um ritual que, assim como os demais, demandava uma teatralização

própria da encenação do poder político. Nessa cerimônia, os elementos sempre presentes ao

lado da figura do monarca são os seus amigos, seu exército e uma vitória.

O basileus helenístico, seja na época de Antígono ou na de seu neto Antígono Gônatas,

nunca deixou de ser um guerreiro. Sua realeza, assim como seu reino, era fruto de uma

doriktetos chora. Ainda segundo Sales (2005, p. 57-58), o confronto direto com outros

opositores igualmente fiéis às tradições de origem da realeza helenística tornava as cerimônias

de aclamação do basileus, por seu exército, necessárias e suficientes. Como dissemos, nunca

186
Aqui estamos nos referindo ao mesmo Aristodemo que é citado na inscrição de Escépsis de 311 a.C.
(WELLES, RC, 1).
187
De acordo com as fontes, Antígono estaria em Antigônia, na Síria.
252

existiu uma lei de sucessão ou aclamação real. A monarquia helenística, em grande parte, foi

fruto do carisma de seus reis.

Embora não existisse uma lei de sucessão, fontes antigas sugerem que a investidura de

um novo rei e o enterro de seu antecessor foram eventos rituais inter-relacionados, pois a

transmissão da basileia era feita preferencialmente de pai para filho. O sucessor seria

transformado em novo líder da casa dinástica, por isso era obrigado a dedicar honras ao seu

antecessor e, se necessário e possível, vingar sua morte (STROOTMAN, 2014, p. 212).

Antes da sucessão, deveria haver um período de luto. Isso permitia que o sepultamento

e o ritual de entronização fossem preparados e anunciados. Devemos considerar que poderia

levar algum tempo para que as pessoas viajassem até a corte a fim de participar da investidura

do novo soberano. Além disso, o exército tinha que ser reorganizado e sua fidelidade

garantida (Polyb., XVIII, 55, 3-4). Segundo Walbank (1984, p. 226), a presença do exército

na coroação era algo imperativo. O sepultamento real foi um cortejo público suntuoso e

importante. O transporte da urna ou do caixão que continha o corpo embalsamado do rei até o

seu lugar de repouso final era cuidado pelo exército e pelos membros da corte. Relatos de tais

procissões mostram que a última jornada do basileus poderia ser espetacularmente encenada e

que o corpo dele poderia ser divinizado, sendo, a partir daí, mais sagrado do que foi durante

sua vida. Quando nos referimos aos cortejos fúnebres dos primeiros soberanos helenísticos,

mais uma vez os Antigônida representam um modelo. Sobre o funeral de Antígono, após sua

morte em Ipso em 301 a.C., não temos evidências significativas, mas em relação a Demétrio,

seu sepultamento foi marcado por cerimônias fúnebres pomposas. Por volta de 283 a.C., sua

urna foi trazida da Síria para a Grécia pela frota antigônida comandada pelo seu filho e então

sucessor Antígono Gônatas.188

188
Demétrio morreu entre 283/282 a.C. em Apameia na Síria. Desde 285 a.C., o antigônida estava na condição
de prisioneiro de Seleuco (NEWELL, 1927, p. 12).
253

[...] havia algo dramático e teatral mesmo nas cerimônias funerárias de Demétrio.
Pois o filho Antígono, quando soube que seus restos tinham sido enviados para casa,
lançou-se ao mar com toda a frota e os encontrou nas ilhas. Eles foram entregues a
ele em uma urna de ouro, e ele os colocou no maior dos navios de sua frota. Das
cidades por onde a frota passou em seu caminho, alguns trouxeram guirlandas para
enfeitar a urna, outros enviaram homens com roupas de funeral para ajudar a
escoltá-lo para casa e enterrá-lo. Quando a frota aportou em Corinto, o vaso
cinerário era conspícuo na popa do navio, adornado com púrpura real e diadema de
um rei, e os homens jovens estavam de pé e armados como guarda-costas. Além
disso, o mais famoso tocador de flauta vivo [...] sentou-se perto e, com a melodia
mais solene sobre a flauta, acompanhou os remadores. A esta melodia, os remos
mantiveram o tempo perfeito, e seus espirros, como batimentos funerários do peito,
responderam às cadências dos tons de flauta. Mas a maior pena e lamentação entre
aqueles que haviam entrado na multidão do mar foi despertada pela visão do próprio
Antígono, que se curvava em lágrimas. Depois, as guirlandas e outras honras
concedidas [...] em Corinto, foram trazidas por Antígono até Demétria para o funeral
[...] (Plut., Vit. Demetr., LIII, 1-3).

O excerto mostra como, por meio dos rituais fúnebres em torno de Demétrio, o novo rei

aproveitou para percorrer as cidades costeiras da Grécia e conquistar a aclamação para sua

sucessão em uma magnífica demonstração de esplendor real e poder militar. Além disso, o

desembarque em Corinto carrega um forte peso simbólico. Quando trabalhamos com

fragmentos encontrados em Epidauro, constatamos que, por volta de 302 a.C., Demétrio, sob

o comando de Antígono I, organizou e criou uma Liga Helênica, que simbolicamente buscava

remontar a Liga de Corinto. Segundo Strootman (2014, p. 213), Corinto, ainda em 283 a.C.,

era considerada politicamente o coração que unia o mundo das póleis em busca da democracia

e da autonomia, prerrogativas que foram defendidas por Antígono e Demétrio ainda no final

do século IV a.C. A veneração de Corinto perante Demétrio representava, de certa forma, a

aceitação do mundo helênico de Antígono II como um novo líder e protetor. O filho de

Demétrio compartilhou, desta forma, o carisma de seus antepassados.

A representação em torno da realeza helenística enfatizava a universalidade da

monarquia, a natureza heroica dessa realeza e o papel do rei como um salvador divino e

portador da paz e da prosperidade. No final do século IV a.C., a basileia helenística estava

delineada. Antígono e Demétrio, por meio de suas ações, contribuíram de modo decisivo para
254

a realização dessa empreitada, e a dinastia dos Antigônida se firmou como uma das principais

realezas helenísticas.
255

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando olhamos para o processo de fabricação da basileia helenística nas últimas

décadas do século IV a.C., conseguimos perceber a importância que as ações dos diádocos

tiveram para a tessitura dessa monarquia. Ao nos debruçarmos especificamente sobre a

atuação dos Antigônida, foi possível analisar os caminhos e os diversos mecanismos que

levaram ao constructo de sua realeza dentro do contexto do século IV a. C., um período no

qual vimos um mundo mediterrâneo marcado por uma profunda transformação, sobretudo

política.

Desta forma, longe de considerarmos o período entre 323 e 301 a.C., que compreende o

intervalo entre a morte de Alexandre e o efetivo estabelecimento das realezas helenísticas,

como uma conjuntura de turbulência que, em si, não teria contribuído para o advento da

monarquia helenística, constatamos que o novo sistema político que se delineou neste período

foi tributário de uma dinâmica que envolveu uma série de espaços étnicos e de sujeitos.

Sujeitos esses que ultrapassavam Alexandre e seus feitos. Concordamos que o governo de

Alexandre provocou uma ruptura com a prática política anterior, mas também que as ações de

seus sucessores, o fato de serem macedônios e a apropriação que realizaram das imagens do

argéada foram fundamentais para a consolidação da realeza helenística. A associação póstuma

com esse monarca, seja por meio da atuação ao seu lado no campo de batalha ou pela

instrumentalização de elementos que compunham a representação de Alexandre, foi uma

importante estratégia utilizada pelos sucessores.

Após a morte de Alexandre, identificamos, no Mediterrâneo oriental, uma tendência

política híbrida. Inicialmente, os diádocos procuraram manter a unidade da oikoumene. Para

tanto, teriam que resolver a questão sucessória que, de acordo com a tradição macedônia,

caberia a um herdeiro varão da dinastia Argéada. Mas como se constatou, Alexandre, ao


256

morrer, não deixara um herdeiro em condições de assumir o trono naquele momento. A partir

desse impasse, uma segunda tendência se impôs. Em princípio, existia um representante da

dinastia Argéada na Macedônia e um no Oriente, mas, na prática, os generais de Alexandre

buscaram autonomia política. Mediante o princípio da doriktetos chora e da afirmação da

figura dos diádocos cada vez mais ligada à imagem do general vitorioso, somadas às

complicações no processo sucessório, tivemos a fragmentação da oikoumene em múltiplos

reinos.

Durante o processo de formação dos reinos helenísticos, os inúmeros conflitos que

marcaram o período se deveram, em grande parte, à necessidade de se encontrar uma

alternativa para um império territorial imenso, mas com estruturas frágeis, pois, como foi

exposto, Alexandre não teve tempo de construir um império consolidado em termos

administrativos. Assim, entre 323 e 301 a.C., houve uma reestruturação do sistema político

que culminou com a construção/consolidação da basileia helenística.

Em conformidade com o objetivo central desta tese, analisamos como, após a morte de

Alexandre, a realeza helenística foi fabricada a partir das ações dos diádocos. Mantivemos

como foco o período de 321 a 301 a.C., em que Antígono Monoftalmo, ao lado de seu filho,

Demétrio Poliorcetes, assumiu o protagonismo na condução dos assuntos políticos, tomando

como ponto de partida o legado de Alexandre, mas também toda a tradição macedônia e

oriental referente à concepção da monarquia e do monarca. Nessa perspectiva, acreditamos

que a basileia que se consolidou após a morte de Alexandre foi um elemento novo, que já não

mais se equiparava à monarquia macedônia ou à monarquia idealizada pelos helenos ou

mesmo àquela exercida por Alexandre em vida.

Antígono, ao assumir o título de basileus em 306 a.C., depois de ter sido aclamado pelo

seu exército como tal, e tendo Demétrio como corregente, inaugurava uma dinastia que

rompia com a Argéada, condicionando assim a forma e a natureza posteriores da basileia


257

helenística. A criação de uma nova dinastia foi um aspecto fundamental na constituição dessa

realeza. Para haver uma continuidade dinástica, foi necessário a identificação do herdeiro com

seu progenitor em todos os âmbitos. Mesmo que os critérios sucessórios não tenham sido

definidos com clareza ao longo do período helenístico, confiança e emulação formavam parte

da ideologia da realeza desde os tempos dos primeiros diádocos. Nesse contexto, Antígono e

Demétrio formavam o primeiro e mais importante caso de harmonia entre pai e filho, o que

nos levou a priorizá-los na produção da tese.

Ao mesmo tempo que Antígono se preocupava em apresentar Demétrio como um

sucessor legítimo, ele próprio, por sua vez, se apresentava como um continuador genuíno de

Alexandre. Valendo-se do capital simbólico do soberano argéada, Antígono, soberano

helenístico, na altura de 306 a.C., já tinha empregado a associação com Alexandre nas

representações numismáticas; se filiado a deidades, como pudemos constatar pela

documentação epigráfica e textual; unido elementos da tradição macedônia, helênica e

oriental; seguido como fundador de cidades; e se proclamado o maior benfeitor das cidades

gregas do período, recebendo em troca cultos e festividades em honra à sua pessoa e à de

Demétrio.

No decorrer da análise sobre a fabricação da realeza antigônida, lançamos mão de

alguns conceitos, ferramentas que nos permitiram compreender o processo de formação dessa

monarquia. Um destes conceitos e, de certo modo, norteador de nossa pesquisa, foi o de

basileia. Depurá-lo, avaliando-o segundo o que os antigos compreendiam como realeza, e

acompanhar suas variações, seja no período homérico ou nos anos de tirania da pólis arcaica

e, sobretudo, durante a vigência da realeza dos macedônios e dos persas, nos ajudaram a

alcançar a natureza da monarquia helenística: uma basileia híbrida que transitou, durante seu

processo de formação, entre os espaços étnicos da Macedônia, da Hélade e do Oriente

aquemênida.
258

Ao examinarmos as diferentes expressões do sistema monárquico no mundo grego e

oriental, percebemos como as representações acerca da realeza e do soberano, nos diferentes

espaços citados, contribuíram para a concepção da própria basileia antigônida, razão pela qual

o conceito de representação foi de suma importância para a tese. Como constatamos durante a

pesquisa, uma das principais características da realeza macedônia foi o seu caráter militar. O

rei era, sobretudo, rei de uma terra conquistada, ou seja, um soberano teoricamente exógeno à

sociedade que governava. Esse princípio foi absorvido na constituição da imagem monárquica

de Antígono e Demétrio. Pai e filho encarnaram, sobretudo, a imagem do soberano vitorioso,

característica fundamental dos reis helenísticos que propiciou, simultaneamente, o

desencadeamento de outros fatores ligados à imagem régia, como os vínculos do basileus com

o sagrado.

Por meio da sua representação como Theos Aniketos, foi possível a Antígono, assim

como a Demétrio, se unir ao campo do sagrado na medida em que, em virtude de suas

vitórias, receberam inúmeras homenagens que possuíam não apenas um sentido político, mas

também religioso, como procissões, dedicação de estátuas e hinos. Como havia feito

Alexandre, os Antigônida se associaram a divindades, inclusive apresentando-se, em certos

momentos, como filhos destas. Como vimos, a conexão com o divino também desempenhou

um papel importante na realeza macedônia desde a sua formação, por meio da dinastia dos

Argéada/Teménida, que reivindicava origens míticas. Ao sublinharmos a representação acerca

do basileus helenístico, observamos que, no processo de constituição de sua monarquia, os

Antigônida fabricaram de forma gradual sua imagem régia ao longo das duas últimas décadas

do século IV a.C.

Investigando as evidências, sobretudo aquelas provenientes da cultura material, como os

dados epigráficos e as moedas, foi possível identificar os dados oriundos do âmbito político

que criavam e definiam a imagem ideal do soberano. Antígono, ao se associar a Alexandre


259

nas imagens contidas nas moedas que emitia, encontrava uma solução eficaz para legitimar

seu poder. Pouco depois, ao vermos Demétrio ser o primeiro dentre os basileis a se

autorrepresentar na iconografia numismática, ainda no século IV a.C., constatamos que, após

quase vinte anos da morte de Alexandre, o esforço de consolidação da primeira dinastia

helenística havia dado frutos. Da mesma forma, o material epigráfico, constituído por

fragmentos de decretos e epístolas, nas quais foi possível encontrar termos como sóter e

evérgeta, entre outros, exprime de modo inconteste a preocupação dos Antigônida em se

apresentarem como bons governantes, segundo uma imagem do monarca ideal que havia sido

estruturada nas primeiras décadas do século IV a.C.

Mesmo sendo difícil falar de fundamentos filosóficos que definam a monarquia

helenística em seus primórdios, e que a base desta realeza em grande medida se apoiou no

poder carismático do rei, os epítetos atribuídos aos soberanos nos levam a crer que, mesmo

que essa monarquia tenha sido criada num contexto de agudo embate político, quando a força

militar parecia ser a protagonista, os diádocos tiveram de lançar mão, no decorrer do processo

de constituição da basileia, de estratégias simbólicas calcadas em princípios filosóficos e

religiosos. Nesse contexto, foi com a intenção de enfatizar os aspectos sagrados da monarquia

helenística em formação que dedicamos a última parte da tese à análise dos ritos e das

cerimônias adotados na corte dos Antigônida.

Essa, no entanto, não foi uma tarefa fácil, sobretudo quando nos reportamos à persona

de Antígono, pois em virtude de sua morte, em 301 a.C., possuímos evidências escassas sobre

os ritos que adotou, ao contrário do que ocorre com Demétrio e os demais diádocos, como

Ptolomeu e Seleuco. Além disso, mesmo que este seja um aspecto importante da basileia, é

difícil investigar a institucionalização de algumas cerimônias nos primeiros anos da realeza

helenística, como é o caso das que envolviam as relações intra corte, como a entronização.

Devemos lembrar que o recorte temporal contemplado em nossa pesquisa se refere a um


260

momento de (re) definições, quando o protocolo e a etiqueta próprios da basileia ainda não se

encontravam consolidados.

No entanto, considerando o que foi possível inferir da documentação que trata do

cerimonial de corte no período de formação da realeza Antigônida, é possível propor algumas

reflexões importantes, com destaque para a divinização do basileus. Ao analisarmos a

documentação sobre Antígono e Demétrio, percebemos que, mesmo que tenha ocorrido uma

evidente mitificação dos eventos ligados a esses reis, representados como heróis ou mesmo

filhos de divindades, como vimos no hino itifálico dedicado a Demétrio, tal mitificação

transitava entre o campo do religioso e o do político, aspecto que perdurou durante todo o

período helenístico, e que, em suma, nos mostra as ligações do sistema monárquico que

emergiu nas duas últimas décadas do século IV a.C. com o sagrado.

Em se tratando dos vínculos com o sagrado, o importante não é definir se o monarca era

em si mesmo concebido como uma divindade, mas os motivos que levaram à criação de

homenagens que diferiam em sua natureza daquelas anteriormente dedicadas a humanos. A

dedicação de honrarias divinas a Antígono e Demétrio, assim como a representação de si que

eles forjaram, seja como fundadores de cidades ou sucessores de Alexandre, manipulando

símbolos da realeza aquemênida ou se representando como filhos de deuses, nos revelam que

durante a formação da basileia helenística já havia uma preocupação com o aparato simbólico

em torno do monarca, não apenas em eventos públicos, mas também nas representações

escultórica e numismática.

Por todos os motivos elencados até aqui, chegamos ao final da tese reiterando a

importância da atuação de Antígono e Demétrio no contexto de formação da basileia

helenística. Mesmo nos temas sobre os quais a documentação nos reporta poucas

informações, o estudo do governo desses dois Antigônida para a compreensão do sistema

monárquico helenístico revela-se imprescindível. Sabemos que ainda há diversas lacunas a


261

serem tratadas no que tange aos primeiros reinos helenísticos, sobretudo porque este é um

campo de pesquisa que tem obtido mais fôlego apenas nas duas últimas décadas. No entanto,

consideramos que a tentativa de lançar luz sobre a dinastia antigônida, removendo o véu que

teima em encobri-la, sobretudo a figura de Antígono Monoftalmo, foi uma iniciativa capaz de

contribuir para a compreensão do sistema monárquico no período helenístico, sistema este do

qual Antígono e Demétrio foram destacados artífices.


262

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