Programa de Mentoria Online para Professores Iniciantes Fases de Um Processo
Programa de Mentoria Online para Professores Iniciantes Fases de Um Processo
Programa de Mentoria Online para Professores Iniciantes Fases de Um Processo
REGINA M. S. P. TANCREDI
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura,
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e professora colaboradora do Programa de
Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação e Ciências da Universidade
Federal de São Carlos
[email protected]
RESUMO
Neste artigo analisamos as fases evidenciadas no desenvolvimento do Programa de Mentoria do
Portal dos Professores da Universidade Federal de São Carlos (SP). O programa se caracteriza
por ser online e é dirigido para professores dos anos iniciais do ensino fundamental com até
cinco anos de experiência. Foi conduzido por três pesquisadoras e onze mentoras (professoras
experientes) que acompanharam individualmente, a distância e por meio de correspondências
eletrônicas, 56 professoras iniciantes durante períodos entre seis meses a dois anos e meio. Do
ponto de vista teórico consideramos a literatura relativa à aprendizagem e desenvolvimento
profissional da docência; início da carreira docente; processos de mentoria e educação a
distância. Metodologicamente desenvolvemos uma pesquisa-ação a partir de estratégias
Este artigo tem como base os projetos: Programa de Mentoria para Professores das Séries Iniciais:
Implementando e Avaliando um Contínuo de Aprendizagem Docente (UFSCar-Fapesp/Ensino
Público, Relatórios de Pesquisa, 2005-2008); A Participação em um Grupo de Pesquisa como Ferra-
menta de Aprendizagem Profissional da Docência para Professores Experientes: o Caso do Programa
de Mentoria da UFSCar (UFSCar-CNPq/Projeto e Relatório de Pesquisa, 2005-2006).
ABSTRACT
ON-LINE MENTORING PROGRAM FOR NOVICE TEACHERS: PHASES OF A PROCESS. This
article analyzes the development phases of the On-line Mentoring Program at the Teachers Portal
of Universidade Federal de São Carlos. The mentoring program is an on-line program aimed at
elementary school teachers at the first grades with up to five years of experience. It is carried out by ten
mentors coaching by electronic 56 novice teachers during six to 28 months. Its theoretical framework
includes literature on teacher learning and professional development, the first years of teaching,
mentoring processes and distance education. The research design adopted in this investigation
can be characterized as action-research founded on constructive-collaborative strategies. Its chief
sources of data were: written communications between mentors and novice teachers, mentors’ and
novice teachers’ reflexive journals, and reports on observations at weekly meetings between mentors
and researchers. Results indicate that the investigated mentoring processes occur consistent with
distinct phases and their intrinsic characteristics, goals and procedures.
DISTANCE EDUCATION – LIFELONG EDUCATION – TEACHER EDUCATION – PROGRAMA
DE MENTORIA DO PORTAL DOS PROFESSORES DA UFSCAR
Ainda que haja estudos dessa natureza, notamos uma lacuna na literatura
brasileira sobre a fase inicial da carreira docente, sobre programas de mento-
ria, sobre professores experientes que ensinam outros professores a ensinar.
Identificamos, também, nos diferentes sistemas e níveis de ensino, a ausência
de políticas públicas que levem em conta esses aspectos.
Por sua vez, raramente os contextos de atuação profissional dispõem de
recursos voltados para minimizar as dificuldades características da fase inicial
da carreira, pois, além da falta de compreensão das particularidades desse pe-
ríodo, não há no país tradição de a escola se constituir como um ambiente de
desenvolvimento profissional sistematizado e de acompanhamento da inserção
profissional de professores iniciantes. Neste texto nossa atenção está voltada
para esses aspectos.
Temos defendido que os processos de desenvolvimento profissional da
docência sejam centrados na escola. No caso específico do PM, apesar de sua
característica online, o foco permanece na escola. Buscamos o estabelecimento
virtual de uma rede de diálogo entre professoras iniciantes e mentoras, cujo
desenvolvimento considerou as características dos contextos de atuação das
iniciantes. No PM objetivamos, também, formar mentores para atuar, via
Internet, junto a professores iniciantes, investigando os processos envolvidos
e a sua contribuição para o exercício das atividades de mentoria. Esses focos
permitiram compreender como se configura e como pode ser desenvolvida a
base de conhecimentos de professores experientes ao atuarem como mentores
em situação a distância.
Na investigação adotamos perspectivas que ajudam a compreender a
complexidade dos processos envolvidos na vida da escola e as características
singulares de seus participantes. Esses modelos de pesquisa e intervenção impli-
cam conhecer a realidade em que os professores atuam, o que pensam, o que
fazem e por que o fazem para, colaborativamente, refletir com eles sobre as
situações vivenciadas e, se necessário, construir formas de enfrentamento que
considerem as especificidades de cada professor, das escolas e da comunidade.
Para tanto é preciso estabelecer com os professores, e indiretamente com as
escolas, um trabalho processual que se define pelo caráter de “mão dupla”,
evitando encará-los apenas como fornecedores de dados para a atividade de
pesquisa. Isso significa conceber que os envolvidos assumem papéis de natureza
colaborativa, em que cada um tem o que aprender com o outro e em que a
Fase inicial
Fase de desenvolvimento
quais são e como ocorrem suas aprendizagens, quais são os conteúdos a serem
ensinados, além de reconstruir ideias sobre si próprio como profissional.
Com a implementação das experiências de ensino e aprendizagem
e seu registro escrito, desenvolvemos um tipo de inquirição narrativa nos
moldes indicados por Connelly e Clandinin (2006), pois as mentoras atuaram
enfaticamente para que as professoras iniciantes definissem com clareza os
processos de ensino ou outras atuações desenvolvidas ao longo do tempo,
as condições pessoais e sociais dos envolvidos assim como as forças/fatores
circundantes.
A explicitação de informações e ideias – de forma escrita – sobre esses
aspectos nas correspondências e diários possibilita o estabelecimento de um
fio condutor que produz os sentidos e explicita os significados ao longo da
carreira docente, garantindo uma relação entre diferentes etapas formativas e
as experiências vividas (Mizukami et al., 2002). Consideramos que professores
inquiridores ou reflexivos, que sejam capazes de investigar a própria prática,
têm sido com frequência mais capazes de influenciar e moldar os contextos,
ambientes e processos de decisão relacionados aos vários papéis docentes.
Levamos em conta – e aos poucos as mentoras também o fizeram – que
um professor, ao inquirir ou refletir sobre as ocorrências em sala de aula e
as exteriores à ela, amplia suas possibilidades de adotar ações pró-ativas em
relação aos alunos e às suas aprendizagens, a si próprio em relação ao ensino
realizado e ao próprio desenvolvimento profissional. Expor, analisar, ques-
tionar, examinar e explorar o que se faz e suas consequências são ações que
favorecem maior compreensão a respeito dos contextos em que se atua, das
variáveis intervenientes, dos alunos e de seus próprios processos de decisão,
entre outras coisas. Permite, além disso, que os professores acionem e utilizem
conscientemente seus conhecimentos.
Tais ações implicam gerar um tipo de conhecimento situado por meio da
interpretação e do estabelecimento de explicações (teorias pessoais) sobre a
prática, bem como a interpretação e o questionamento de teorias formuladas
por outros. Buscar e construir respostas pelo método da inquirição são ações
relevantes para o processo de se tornar um bom professor. Ao longo do
processo de mentoria essas ideias foram tomando corpo para as mentoras e
elas as discutiam com suas professoras iniciantes. A realização das experiências
de ensino e aprendizagem revelou a importância do confronto das práticas
QUADRO 1
PASSOS E COMPONENTES DAS EXPERIÊNCIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
(continua)
(continuação)
Negociação do tema da EEA entre professora
iniciante e mentora: 1. esclarecer os objetivos
da EEA; 2. escolha inicial das atividades a serem
2º passo Planejamento da EEA desenvolvidas; 3. escolha inicial de fontes/materiais
a serem utilizados; 4. explicitação de “como”
desenvolver a experiência; 5. explicitação dos passos
da experiência (do início ao final).
Fase de encerramento
3. Algumas dessas ideias foram apresentadas anteriormente por Reali e Reyes (2007).
Ao explorar o que pensam sobre o que fazem e quem são como pro-
fessores, as professoras iniciantes se engajam na compreensão dos contextos
em seu entorno, de suas relações com o meio e com os outros; é, assim, uma
maneira de se colocarem como protagonistas de suas histórias e de tornar
visíveis suas ideias.
Ao contar histórias é possível as iniciantes revelarem reflexões sobre as
experiências docentes, as dificuldades encontradas, as estratégias elaboradas
para superá-las e os seus resultados nas aprendizagens dos alunos; é uma
forma de mostrarem o saber docente e como foi construído ao longo de sua
trajetória profissional e a partir do PM; é uma maneira de problematizar o
trabalho pedagógico, os dilemas e as dificuldades enfrentados, pois permite a
interpretação, a troca e a discussão entre os pares.
A elaboração de casos de ensino, sob a forma de narrativas escritas,
auxiliariam a “tradução” dos conhecimentos construídos pelas professoras
iniciantes por meio de suas palavras, além de funcionarem potencialmente
como verdadeiras ferramentas de aprendizagem em conjunto com as demais
promovidas pelo PM. Afinal, quando uma pessoa relata os fatos vividos tem
a oportunidade de reconstruir seus conhecimentos e “a trajetória percorrida
dando-lhe novos significados. Assim, a narrativa não é a verdade literal dos fatos,
mas, antes, é a representação que deles faz o sujeito e, dessa forma, pode ser
transformadora da própria realidade” (Cunha, 1997). Além disso, nos casos de
ensino há a oportunidade de expor, contar e relatar ao explicitar o que pensa-
mos ou sentimos as experiências e escolhas, conforme Prado e Soligo (2007).
Ao levar em conta tais potencialidades, assumimos que os casos poderiam
oferecer indicadores sobre os impactos do PM nas professoras iniciantes e a
respeito de estarem “prontas” para o seu desligamento do programa.
Entendemos que as narrativas provocam reflexões, pois permitem uma
visão da experiência humana, considerada do ponto de vista individual ou so-
cial, a respeito de histórias vividas. Na realidade as pessoas forjam suas vidas
diárias por meio de histórias sobre si mesmas e sobre os outros. Essas histórias
seriam um tipo de portal por meio do qual a pessoa penetra no mundo e suas
vivências são interpretadas e significadas. Nesse sentido, a “narrativa seria o
fenômeno investigado na inquirição” (Connelly, Clandinin, 2006).
Segundo Nono (2001), o uso da estratégia do estudo de casos de ensino
em professores em exercício parece oferecer importantes vantagens para a
Um dos principais aprendizados que tive com minha mentora foi a utilização de
uma linha de raciocínio para a realização de toda e qualquer atividade pensada,
que consiste no conjunto de reflexões “O que fazer, Com o que fazer, Como
fazer, Por que fazer, O que avaliar e Como avaliar”. Inicialmente essas reflexões
eram apenas parte de um planejamento. Depois acabei compreendendo a im-
portância e a necessidade de utilizá-las como passos iniciais para todo e qualquer
trabalho. Quando vou planejar alguma atividade logo penso nessas questões.
Esse tesouro vou levar comigo por toda a vida. (Professora iniciante A)
...no PM aprendi a me organizar para registrar minha prática pedagógica, avaliando
melhor as idéias e dificuldades que surgiam diante de uma situação de ensino e
aprendizagem e que, efetivamente, puderam contribuir para eu experimentar e
creditar a importância do registro reflexivo. (Professora iniciante L)
Com o passar do tempo fui aprendendo deixar um pouco de lado minhas atitudes
em professora inicianterista (trabalhos individuais, textos fora da realidade do
aluno). [...] notei que era preciso adaptar a mesma aula para todos os alunos,
cada um em seu nível. Comecei a procurar e aplicar formas mais adequadas de
trabalho em língua portuguesa. Resolvi então modificar minha prática nas outras
disciplinas também. (Professora iniciante A)
Na verdade não sei o que aconteceu realmente, eu aprendi a estudar, a lecionar,
realmente, agora penso em coisas que antes nem passavam pela minha cabeça,
como, por exemplo, verificar quais conhecimentos as crianças já possuem, quais
ainda estão faltando, como avaliar cada aluno, perceber a necessidade de cada
e não mais ensinar a todos como se fosse um só. O processo da mentoria foi
algo novo para mim, pois a cada mensagem eu pensava em mais coisas, e rea-
lizava, e depois mandava o relato, as crianças também aprenderam. (Professora
iniciante Ad)
indicando que a mentoria flui melhor no decorrer dos primeiros semestres dos
anos letivos, o que não significa considerar que devem ter, por esse motivo, curta
duração, ou se restringir a esse espaço de tempo.
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