A Discriminação de Mulheres Travestis e Transexuais No Mercado de Trabalho
A Discriminação de Mulheres Travestis e Transexuais No Mercado de Trabalho
A Discriminação de Mulheres Travestis e Transexuais No Mercado de Trabalho
E-ISSN: 2175-0556
[email protected]
Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa
Brasil
Norma Licciardi 1
[email protected]
Mestre em Administração, Educação e Comunicação
USM (Universidade São Marcos)
Professora da Faculdade de Tecnologia – Ipiranga
Gabriel Waitmann
[email protected]
Faculdade de Tecnologia – Ipiranga
Graduando em Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos
RESUMO
1
Autor para correspondência: Faculdade de Tecnologia de São Paulo – Campus Ipiranga. Rua Frei João. 59.
bairro Ipiranga. São Paulo, SP, Brasil, CEP 04280-130.
201
inclusão dessas mulheres no mercado formal de trabalho, em contrapartida às estatísticas que
reduzem esse contingente populacional à prostituição ou a empregos informais. Por meio de
depoimentos colhidos com mulheres transgêneras, este artigo objetiva expor a
empregabilidade atual das travestis e transexuais no Brasil e propor uma nova perspectiva
para que as organizações se tornem ambientes inclusivos e diversificados, combatendo o
preconceito e a discriminação que esse grupo enfrenta, pois os resultados mostram a falta de
políticas e práticas de recursos humanos para que o ambiente de trabalho torne-se mais aberto
e inclusivo para essas profissionais.
ABSTRACT
202
1 INTRODUÇÃO
Desde que nascemos o determinismo biológico de gêneros define nossos nomes, nossas
roupas e nossos brinquedos. Além disso, a forma como a criança será educada e tratada pelos
familiares e pela sociedade também dependerá do acaso desse determinismo. A tendência é
que essa criação estereotipada em gênero molde os modos de ser, agir, pensar e trabalhar do
ser humano durante toda a sua vida.
Essa sensação interna de pertencermos ao gênero masculino ou feminino e a capacidade de
nos relacionarmos socialmente são naturais para a maioria das pessoas, que entendem que
enquadrar-se nesse papel masculino ou feminino é simplesmente uma questão genital e
hormonal, e em geral, exercem um comportamento considerado correto ao seu gênero pelos
padrões históricos, sociais e culturais (COSTA, 1994).
Contudo, para algumas pessoas torna-se impossível aceitar essa condição cisgênera, pois elas
possuem características, desejos e comportamentos que fogem a tais regras, sendo que alguns
indivíduos experimentam inclusive uma sensação de desconforto em relação ao seu próprio
sexo anatômico (SOUZA, 2013).
Essas pessoas começam a questionar as possibilidades e limites das normas sexualistas e de
gênero, e acabam descobrindo que não se enquadram no próprio corpo e na identidade de
gênero que foi designada no nascimento. Essa condição de pessoas que querem viver e serem
aceitas como sendo do sexo oposto ao seu anatômico é conhecida como transexualidade
(SOUZA, 2013).
Relatos referentes a essa pluralidade de identidades de gêneros não são atuais: segundo Hyde
(1994), Filo,filósofo judeu helenizado do século I D.C. e morador em Alexandria, descreve
homens que se vestiam e viviam como mulheres, chegando até a se emascular - eram os
chamados eunucos.
De maneira simples, podemos definir a transexualidade como o indivíduo que se identifica e
quer pertencer ao sexo oposto da sua condição de nascimento (SUTTER, 1993). Portanto, a
transexualidade estende-se além da dicotomia homem / mulher, desdobrando regras de
construções sociais de gêneros.
Para Berenice Bento (2008) o termo mais correto seria “experiência transexual”, pois a
transexualidade não é uma pessoa, mas sim uma palavra que nos remete às experiências
vividas por pessoas deste grupo. Vale dizer que não é preciso haver a cirurgia de redesignação
203
de sexo para que o indivíduo transexual reivindique social e legalmente a identificação a um
novo gênero. E, não podemos confundir transexualidade com a travestilidade para diversão ou
fetichismo, que podem ser descritos como transgêneros, mas não como transexuais (BENTO,
2008).
Mas, focando agora na citada pessoa travesti, é importante ressaltar que há mulheres travestis
que se enquadram no escopo dessa pesquisa por serem pessoas que querem viver e serem
aceitas no gênero feminino de maneira integral e permanente, contudo sem necessariamente
se sentirem desconfortáveis com o sexo anatômico masculino as quais pertencem.
Para Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 17) “entende-se que são travestis as pessoas que
vivenciam papéis de gênero feminino, mas não se reconhecem como homens ou como
mulheres, mas como membros de um terceiro gênero”. Ainda segundo a autora, muitas
pessoas tidas como travestis têm identidade transexual, apesar de estarem em harmonia com
seu corpo. Atualmente, utilizam-se termos como crossdresser, dragqueen e transformista para
se referir a dimensões específicas da vivência transgênero, que não decorrem de aspectos de
identidade (como a travestilidade ou a transexualidade), mas funcionais, como o prazer e a
diversão momentâneas (JESUS, 2012).
Ainda segundo o uso de nomenclaturas, muitas vezes o termo “travesti” é usado para designar
uma mulher que é na verdade transexual, pois a palavra “travesti” é antiga, muito anterior ao
conceito de “transexual” existir, e por isso muito mais utilizada e consolidada em nossa
linguagem (JESUS, 2012).
Existem poucas pesquisas que tentam descobrir a razão de uma pessoa ser transgênero, sendo
que nenhuma delas é totalmente conclusiva. Segundo alguns estudos (SPIZZIRRI, 2015)
existe uma explicação biológica para a disforia de gênero, mas não fica determinado se é algo
que ocorre nos genes, nos hormônios ou se há alguma outra razão.
A vida para um transgênero e seu processo de transição de identidade pode ser muito difícil,
decorrendo problemas de aceitação, preconceitos e bullying.
As mulheres travestis e transexuais muitas vezes experimentam grande sofrimento
psicológico, pois enquanto buscam obter características corporais, visuais e comportamentais
do outro sexo, enfrentam grande pressão por parte da sociedade para atender às expectativas
definidas para o seu gênero (RAMSEY, 1996).
Sobre o processo de transição de identidade de gênero de um indivíduo, Louro (2004, p. 87)
afirma que:
204
[...] aqueles e aquelas que transgridam as fronteiras de gênero ou sexualidade, que as
atravessam ou que, de algum modo, embaralham e confundem os sinais
considerados "próprios" de cada um desses territórios são marcados como sujeitos
diferentes ou desviantes. Tal como atravessadores ilegais de territórios, como
migrantes clandestinos que escapam do lugar onde deveriam permanecer, esses
sujeitos são tratados como infratores e devem sofrer penalidades. Acabam por ser
punidos, de alguma forma, ou na melhor das hipóteses, tornam-se alvo de correção.
Possivelmente experimentarão o desprezo ou a subordinação. Provavelmente serão
rotulados (e isolados) como "minorias".
Não obstante a isso, essas pessoas são discriminadas e marginalizadas pela sociedade e, em
muitos casos, pela própria família, criando assim inúmeras dificuldades para receberem apoio
psicológico, educação e posteriormente, quando adultas, ingressarem no mercado formal de
trabalho (BENTO, 2008).
Este artigo objetiva expor a empregabilidade atual das travestis e transexuais no Brasil e
propor uma nova perspectiva para que as organizações se tornem ambientes inclusivos e
diversificados, combatendo o preconceito e a discriminação que esse grupo enfrenta,
priorizando o debate e as investigações em torno da mulher travesti e transexual, abordando a
sua discriminação no mercado de trabalho. Discutiremos o pressuposto padrão de sociedade
contemporânea heteronormativa e os diversos contextos sociais que geram o preconceito
perante a diversidade sexual, onde será feita uma reflexão sobre as dificuldades enfrentadas
na infância e no ambiente escolar pelas travestis e transexuais e seus possíveis reflexos na
vida profissional; e então, apresentaremos relatos colhidos de mulheres travestis e transexuais
expondo suas dificuldades para ingressarem no mercado de trabalho e as discriminações
sofridas nesse ambiente, com o propósito de compreender melhor essa questão e assim buscar
soluções para erradicar essas situações de discriminação e melhorar o conforto e a integração
dessas mulheres no ambiente laboral.
2 METODOLOGIA
206
• A participante tem o direito de ignorar e não responder a qualquer
pergunta, podendo inclusive fornecer apenas o seu relato pessoal do que
considerar adequado.
• Não haverá para a participante nenhum custo e nenhum ganho
financeiro ou acadêmico.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
207
Elas sofrem com a dificuldade de serem empregadas, mesmo que tenham qualificação, e
acabam, em sua maioria, sendo excluídas das escolas, repudiadas no mercado de trabalho
formal e forçadas a sobreviverem na marginalidade, em geral como profissionais do sexo
(BENTO, 2008).
A dificuldade de se inserirem no mercado formal de trabalho está ligada a alguns fatores
negativos que, de maneira geral, esse grupo enfrenta: a expulsão de casa e a falta de apoio da
família; a evasão escolar, devido ao assédio que essas pessoas sofrem e à falta de preparo do
Estado e das instituições de ensino; e em alguns casos, a falta de acesso à saúde de qualidade
para efetuar o processo de transição sexual de forma segura e digna (SOUZA, 2013).
Sobre a baixa escolaridade, não há dados estatísticos oficiais sobre mulheres travestis e
transexuais que deixam de estudar, mas dados de 2012 da Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) afirmam que aproximadamente 73% das
pessoas transexuais e travestis abandonem os estudos. Tal número evidentemente não está
ligado somente às decisões pessoais dos indivíduos, mas sim atrelado à intolerância, ao
preconceito e à diferença, pois, segundo a ABGLT, o grupo que mais sofre discriminação na
escola é o de transexuais e travestis.
Por fim, já na vida adulta, essas mulheres enfrentem dificuldade na obtenção de um emprego
no mercado formal de trabalho, seja devido à baixa escolaridade, ou a falta de apoio do
Estado para reconhecimento legal de sua condição feminina, ou mesmo ao preconceito
inerente na sociedade contra as pessoas desse grupo.
Segundo Marx (1963), o trabalho, além de ser uma forma de satisfação das necessidades
básicas, representa para qualquer individuo uma fonte de identificação e inserção social. Ou
seja, o trabalho é necessário para que as pessoas desenvolvam-se e identifiquem-se
socialmente.
No mesmo sentido, segundo Heloisa Aparecida de Souza (2013 apud BERNARDO,
CAPOULADE, BULL, 2011, p. 40):
[...] o trabalho possui o papel de definir o lugar social do indivíduo. Dessa forma, as
implicações causadas na subjetividade e na saúde mental das pessoas que estão
apartadas do mercado de trabalho podem ser devastadoras. A pessoa incapacitada de
desenvolver-se profissionalmente pode ter grande sofrimento psíquico e adoecer,
pois é retirado dela o posto que lhe daria colocação e aceitação social.
E, no que diz respeito à discriminação, Maria Luiza Coutinho (2003, p. 18) diz que:
208
O ato ou efeito de discriminar, ou seja, de distinguir, de fazer diferença, de segregar,
pôr à parte por intolerância ou preconceito, seria discriminação, que guarda
conotação de desvalor por distinguir pessoas, grupos ou situações, utilizando-se de
ideias preconcebidas que os leva à posição de inferioridade.
209
tema precisa da atenção do Estado e da sociedade para que o desrespeito e a desinformação
não sejam fatores constantes nas corporações.
E, não podemos deixar de citar a desigualdade pela divisão sexual do trabalho, pois o trabalho
feminino, apesar das conquistas das mulheres nas últimas décadas, ainda é desvalorizado
socialmente (HIRATA, 1986). Assim, mais uma vez, a mulher travesti e transexual enfrenta
dificuldades objetivas e subjetivas que marcam a presença de todas as mulheres no mercado
formal de trabalho, porém, pode-se considerar que as travestis e transexuais enfrentem
maiores dificuldades que as mulheres cisgêneras uma vez que desafiam as normas de gênero
vigentes e não se encaixam nos padrões de comportamento heteronormativos, sofrendo então
preconceito e discriminação no mercado de trabalho por serem mulheres e pessoas
transgêneras.
O questionário aplicado para esse estudo foi respondido por 25 mulheres que se identificam
como travestis e/ou transexuais, de diferentes etnias e regiões do Brasil, onde se verificam os
seguintes dados socioeconômicos: (a) quanto à faixa etária das mulheres, está distribuída na
seguinte proporção: 12% na faixa de até 21 anos, 36% na faixa de 22 a 29 anos, 44% na faixa
de 30 a 39 anos e 8% com mais de 39 anos; (b) quanto à escolaridade, observa-se que: 24%
não concluíram o ensino médio, 12% concluíram apenas o ensino médio, 4% concluíram o
ensino médio e possuem ensino técnico profissionalizante, 32% possuem graduação superior
incompleta, 20% possuem graduação superior completa e 8% possuem pós-graduação; (c)
quanto à situação atual de estudo: 28% estão estudando atualmente e 60% não estão
estudando atualmente; (d) quanto à situação de emprego atual: 32% trabalham formalmente,
12% trabalham informalmente, 40% não trabalham e estão procurando emprego e 4% não
trabalham e não estão procurando emprego; (e) quanto as formas de sustento financeiro: 52%
se sustentam sozinhas, 24% recebem ajuda financeira de parentes, 4% recebem ajuda
financeira do(a) companheiro(a) e 16% recebem ajuda financeira de outras fontes.
Para melhor visualização, os dados de escolaridade e trabalho seguem compilados na Tabela
1.
210
Tabela 1 – Situação de escolaridade e trabalho das mulheres travestis e transexuais
participantes da pesquisa.
IDADE ESTÁ ESTUDANDO ESTÁ TRABALHANDO
MULHER (ANOS) ESCOLARIDADE PROFISSÃO ATUALMENTE? ATUALMENTE?
Ensino Médio Não e não estou procurando
A 23 Incompleto Não informada Não trabalho
Ensino Médio
B 33 Incompleto Secretária Não Sim, formalmente
Ensino Superior
C 24 Incompleto Estudante Sim Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior
D 33 Completo Banhista Pet Shop Não Sim, formalmente
Ensino Superior
E 20 Incompleto Não informada Sim Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior
F 33 Incompleto Não informada Não Sim, formalmente
Ensino Superior
G 33 Completo Não informada Não informada Não informada
Ensino Superior
H 30 Incompleto Não informada Sim Não, mas estou procurando trabalho
Mestrado /
I 40 Especialização Professora Sim Sim, formalmente
J 32 Ensino Técnico Não informada Não Não, mas estou procurando trabalho
Mestrado /
K 33 Especialização Não informada Sim Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior
L 26 Incompleto Nenhuma Não Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Médio
M 21 Incompleto Desempregada Não Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior
N 29 Incompleto Educadora Sim Sim, formalmente
Ensino Superior Analista de
O 29 Incompleto Sistemas Não Sim, formalmente
Ensino Fundamental
P 37 Incompleto Cabelereira Não Sim, informalmente
Ensino Médio Auxiliar de
Q 46 Completo Logística Não Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior Analista de
R 29 Completo Tecnologia Não Sim, formalmente
Ensino Superior
S 39 Completo Física Não Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Superior
T 21 Incompleto Bióloga Sim Não, mas estou procurando trabalho
Ensino Fundamental
U 22 Completo Manicure Não Sim, informalmente
Artista Gráfica
Ensino Superior Digital com Foco
V 34 Incompleto em Pixelart Não Sim, informalmente
Ensino Médio
W 25 Completo Não informada Não informada Não informada
Ensino Médio
Y 26 Incompleto Não informada Não informada Não informada
Ensino Médio
X 30 Completo Não informada Não informada Não informada
211
Fonte: dados da pesquisa.
No escopo do questionário, sobre o âmbito familiar e o processo de transição de gênero, pode-
se constatar com clareza o principio das dificuldades e exclusão sofridas pelas mulheres
transexuais e travestis. Quando questionadas se já sofreram algum tipo de agressão ou
problema de relacionamento com os pais/parentes devido a sua identidade transgênera, 100%
das participantes afirmaram que sim, sendo que 12% foram expulsas de casa, 32% sofreram
agressões físicas, 40% evitam conviver com os pais/parentes e 64% não recebem respeito dos
pais/parentes para serem tratadas pelo nome social e o gênero feminino. Na questão seguinte,
sobre se receberam algum apoio no processo de transição de gênero, apenas 24% afirmam ter
recebido apoio de algum membro da família e 28% afirmam não ter recebido apoio de
nenhuma pessoa, incluindo amigos e médicos/psicólogos.
Analisando os dados colhidos sobre o ambiente familiar, podemos afirmar que o problema de
evasão escolar pode ser, entre outros motivos, causado pela falta de apoio e estrutura familiar.
Entre os depoimentos colhidos, alguns relatam as dificuldades das mulheres transexuais e
travestis durante a vida acadêmica:
Eu vou ter que me formar no ensino médio sendo aprovada pela prova
do ENEM, pois estudar em escola pública não era uma opção viável.
Já fui apedrejada, abusada e agredida verbalmente e fisicamente. (M,
21 anos)
212
Depois da transição eu não estudei mais, pois uma professora sempre
“esquecia” de me chamar pelo nome social, o que foi um fator de
extremo incômodo. (L)
Vale notar que assim como D, muitas outras mulheres relatam que se tornam submissas em
seus empregos para evitar maiores constrangimentos e sofrimentos.
213
E, a situação de empregabilidade de I, 40 anos, e K, 33 anos, não é diferente. Ambas
enfrentam dificuldades de colocação no mercado de trabalho e integração na organização,
mesmo após concluírem seus mestrados:
Sem dúvida, esses relatos apontam que o preconceito é o principal motivo de exclusão de
mulheres travestis e transexuais do mercado de trabalho, pois como visto mesmo pessoas
qualificadas enfrentam dificuldades, seja para ingressar ou para se integrar na organização. E
para Q, 46 anos, o preconceito já começa nos recrutadores do processo seletivo:
O problema de não nos contratarem não é das empresas, mas sim das
pessoas que fazem o processo seletivo, que utilizam desculpas para
nos excluírem da vaga, pois são pessoas transfóbicas que nos rotulam
como indignas, bagaceiras e voltadas unicamente para o sexo
promíscuo. (Q)
214
Assim como Q, P, 37 anos, também julga o preconceito das pessoas responsáveis pelos
processos seletivos o motivo de nunca ter sido admita em uma entrevista de emprego, tendo
que garantir o seu sustento até o momento trabalhando de maneira informal como cabelereira.
Já V, de 34 anos, descobriu a solução para não ser discriminada trabalhando pela internet
informalmente como artista gráfica:
Só tenho contato com meus clientes via internet e a maioria deles nem
sabe que sou transexual. (V)
A análise dos relatos colhidos elucida a difícil situação das mulheres transexuais e travestis
em ingressar e se manter no mercado formal de trabalho, e, segundo elas, o preconceito e a
discriminação que sofrem parte em geral do despreparo das organizações e da falta de
informação sobre a travestilidade e a transexualidade.
Nesses relatos, algumas mulheres sugerem que o governo deveria oferecer apoio para que a
situação delas no âmbito acadêmico e laboral melhore. Elas acreditam que a criminalização da
transfobia, a divulgação de informações a respeito de identidade de gênero e até mesmo a
criação de cotas de trabalho e estudo para pessoas transgêneras são passos essenciais para que
o preconceito e a discriminação diminuam.
Sobre o que pode ser feito nas organizações para melhorar a qualidade de vida laboral das
pessoas transgêneras de modo geral, a maioria das mulheres que responderam a pesquisa
citam que as organizações devem respeitar o nome social, respeitar o uso do banheiro que se
adeque a identidade de gênero da pessoa e combater rigorosamente o assédio moral e sexual
em toda a organização.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
215
No cenário organizacional atual, há uma grande preocupação por parte das organizações em
reter talentos e diversificar o ambiente de trabalho, de modo a aumentar seu capital intelectual
e, consequentemente, o seu valor no mercado. Mas, como se pode constatar, travestis e
transexuais são excluídas do mercado de trabalho, como se não fossem cidadãs capazes e
talentosas, interessadas em carreira, realização profissional e ascensão pessoal e, como se elas
não fossem importantes para a construção de um ambiente diversificado e livre de
preconceitos.
Percebe-se que há um problema estrutural na vida da pessoa transgênera, sendo necessário
efetuar ações corretivas no ambiente familiar ainda na infância e adolescência para que essas
pessoas recebam o suporte necessário que muitas vezes lhes é negado. Isolando apenas o
ambiente laboral, faz-se necessário a implementação de políticas e práticas de recursos
humanos para que o ambiente de trabalho torne-se mais aberto e inclusivo para essas
profissionais. A necessidade de estruturar o ambiente de trabalho desde os aspectos mais
básicos, como o uso do nome social, o uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero,
o treinamento dos colaboradores para desconstruir quaisquer tipos de preconceitos eaté
políticas de gestão da diversidade devem ser implementados pelos recursos humanos
estratégicos, visando agregar valor a companhia.
Por fim, ressalta-se que cada mulher participante da pesquisa para a elaboração desse projeto
carrega a esperança que as organizações mudem e tornem-se mais inclusivas e que as palavras
delas não se percam no vazio de trabalhos acadêmicos. Elas esperam que toda uma nova
geração de profissionais mude o cenário atual, tornando a vida da pessoa transgênera
significativamente mais fácil, pois o esforço para tornar o ambiente laboral inclusivo faz parte
da luta por direitos humanos mais igualitários e corresponde a uma responsabilidade social
que todos nós deveríamos nos empenhar a estabelecer.
216
REFERÊNCIAS
COSTA, R. P. da. Os onze sexos: as múltiplas faces da sexualidade humana. São Paulo:
Gente, 1994.
HYDE, J. S.; DELAMATER, J. D. Understanding human sexuality. 11. ed. New York:
McGraw-Hill, 2011.
217
LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
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