2021 - SoPapos
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2021 - SoPapos
SóPapos
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SóPapos
2021
MD Magno
Aristides Alonso
SóPapos
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é uma editora da
Presidente
Rosane Araujo
Diretor
Aristides Alonso
Preparação do texto:
Nelma Medeiros
Patrícia Netto Alves Coelho
Potiguara M Silveira Jr
Editado por
Rosane Araujo
Aristides Alonso
Magno, MD
SóPapos 2021 [livro eletrônico] / MD Magno. -- Rio de Janeiro, RJ :
Associação Cultural Univercidade de Deus - UD, 2022.
PDF
ISBN 978-65-88357-12-5
22-129732 CDD-150
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1, 13
Duas maneiras de abordar pensamentos pregressos – Expressões do Inconsciente
no passado: Mestre Eckhart e Shankara – Função da NovaMente é ultrapassar
ficções que caducaram – Inconsciente é máquina de produzir art-culações –
Mestre Eckhart e Shankara, precursores da Teoria do Haver – Tradicionalistas
querem fugir para trás – O Haver é perdulário – Construção de pensamento é
invenção de uma chave.
2, 22
Consideração do besteirol do século XX via Francis Fukuyama – “Natureza
humana” é o Originário das IdioFormações – Passagem de Espontâneo a
Industrial como emergência de Revirão na constituição primária – “Digni-
dade humana” situada a partir do Vínculo Absoluto – Abolição de imputação e
livre arbítrio em favor de atribuição e Juízo Atual – Como organizar o Quarto
Império? – Quinto Império será comunista em exercício pleno do capitalismo
– Situação de Zorra no esgotamento de um Império.
3, 32
Apresentação de Aristides Alonso: Stephen Wolfram e o projeto para achar a
Teoria Fundamental da Física.
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4, 54
Resumo do percurso teórico de Lacan a partir d’A Obra Clara de Jean-Claude
Milner – James Joyce segundo Lacan e a NovaMente – Ceticismo final de Lacan
e a postura gnóstica da Nova Psicanálise – Confiança é aposta provisória e ad
hoc na eficácia de algo – Dissolução da história (Joyce) e atemporalidade do
Inconsciente (Freud) – Sobre sintoma e transmissão.
5, 60
Teoria dos Estilos (Maneiro, Clássico e Barroco) – Clássico é denegação do
Inconsciente – Maneiro afirma expressão do Inconsciente enquanto Revirão –
“Barroco é Maneirismo domado e referido ao transcendente” – Estilos Basais
como Morfoses.
6, 64
Valor da Música para entendimento da Teoria das Formações e do funciona-
mento do Inconsciente.
7, 66
Proposição de três graus de consciência – Pensamento requer HiperDeter-
minação – Significante não é apenas linguístico e demanda imediatamente
significado – Pessoa é aglomerado de formações sem necessária integridade
ou coerência – Teoria do Signo inclui possibilidade de HiperDeterminação –
Indiferenciação é exercício permanente.
8, 76
Retomada do conceito de aglomerado – Reconsideração de René Guénon a
partir do conceito de aglomerado – Análise produz processo de coerência e
entendimento entre formações – Redução do conceito de Falo a Alei – Só
existe uma Pulsão, a qual adere a formações parciais – Spaltung e Bifididade
– Abordagem do aglomerado exige postura de Indiferenciação.
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9, 81
Real como Impossível Absoluto (não-Haver) e realidades como repercussões
do Real (eventuais impossíveis modais) – Distinção entre estruturas psíquicas
(Lacan) e Morfoses a partir do recalque (Nova Psicanálise) – Caso “Homem
dos Lobos” apresenta HiperRecalque por double bind – Esclarecimentos sobre
o conceito de Real.
10, 90
Homem dos Lobos como transexual em double bind (dupla força paralisante)
– Valor de entendimento da difusão contemporânea de transexuais efetivos –
Borderline como Morfose Regressiva sem surto – Recusa ou pressão contra
desejo trans pode levar à Morfose Regressiva – Grau de satisfação e composição
específicos de cada caso.
11, 96
Mais esclarecimentos sobre o conceito de Real: Esquema do Haver e Esquema
do Secundário – Haver enquanto Homogêneo Absoluto só se dá historicamente
(cosmologia) – Revirão do Haver ecoa no Secundário como Revirão da Língua
– Experiência de Haver é encontro com seu Real – Halo Bífido do Secundário
e do Haver.
12, 101
Apresentação de Aristides Alonso sobre The question concerning technology
in China: An essay in Cosmotechnics, de Yuk Hui.
13, 120
Aby Warburg como precursor da Teoria das Formações – Trabalho de Warburg
como análogo à recepção analítica – Warburg anota repetição sintomática das
imagens – Mnemosyne de Warburg e A Interpretação dos Sonhos de Freud –
Repetição sintomática na música e nas artes plásticas.
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14, 128
Mais considerações sobre a Teoria das Formações, a partir d’A Vertigem das
Listas, de Umberto Eco, e Orlando, de Virginia Woolf – Recepção analítica:
“é possível passar artificialmente de um elenco para uma forma” – Crítica a
Lacan: máxima de Sade é ironia e denúncia – A psicanálise não é teoria queer
ou teoria de gênero – Formação oculta é capaz de impedir entendimento de
uma análise – Conceitos de gênero, identificação e personalidade são fósseis
sintomáticos.
15, 137
Mais considerações sobre Teoria do Conhecimento em termos de Teoria das
Formações – Metanoia gnoseológica ao invés da paranoia epistemológica do
século XX – Conhecimento é gradual – Psicanálise é pragmatismo no sentido
da cura – Indução e abdução na teoria e na clínica – Teoria das Formações
abrange semiologia.
16, 140
Teoria do conhecimento de M. C. Escher: a mão que desenha a mão que a dese-
nha – Transformações recíprocas na transa entre acervos de formações – Pate-
mática inclui dinâmica, gradientes e sobreposições, sem desenho fixo – Pessoa
não é isto ou aquilo, mas aglomerado de formações – Teoria da Informação é
caso da Teoria das Formações – Sexo é a lógica de constituição das formações.
17, 147
As Mãos de Escher: conhecimento é resultante de transa entre Acervo e Aspecto
– História do conhecimento se passa entre a Sapucaí e a Sapucaia – Paul
Cézanne: fazer ciência com os olhos – Teoria das Formações é emergência de
um novo modo de pensar – Próteses modificam comparecimento dos aspectos.
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18, 156
Tanatose e Psicopatia não comparecem como Morfoses – Distinção entre Mor-
fose Progressiva Positiva e Morfose Progressiva Negativa – Psicopatia é ano-
malia da ordem do Primário – Na Tanatose, força d’Alei é maior que resistência
dos processos vitais – Tanatoses exemplares: Mark Rothko, Fernando Pessoa e
Paul Celan – Quarto Império é Progressivo à revelia por perda de parâmetros.
19, 163
Polimatia é saída da paranoia especialista do século XX – Gnômica trabalha
com gradação de eficácia ad hoc – Pensamento Complexo faz descrição geral
das funcionalidades das formações – Pensamento Perplexo é complexidade
acrescida de Revirão – Postura da psicanálise não é de tolerância, mas de reco-
nhecimento – Razão Analógica das transas possibilita polimatia.
20, 169
Entendimento de Hannah Arendt (banalidade do mal) e Walter Benjamin
(memória) à luz da Teoria das Formações – Perda de força e sentido dos parâ-
metros exige recomposição radical do mundo – Ordem sintomática permite
alguma pré-visão e pode ser subvertida por HiperDeterminação – Sobre o
Congresso da Banana (1985).
21, 181
Mais esclarecimentos sobre a Teoria das Formações como base da reflexão
metapsicológica – “Mundo é o LUGAR onde tudo acontece” – Ficção fixa
momentaneamente um entendimento do mundo – Sujeito como alucinação –
Linguagem é modalidade do articulatório – Presença da fantasia sexual atravessa
aglomerado – Recepção de informação depende de disponibilidade – Em última
instância, psicanálise transmite Nada.
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Independência do Inconsciente em relação a qualquer teoria – Entendimento
da NovaMente exige mudança de paradigma: Teoria das Formações; Revirão;
postura descritiva – Desenho do Inconsciente n’O Caminho da Serpente de Fer-
nando Pessoa – Formação paradigmática de um pensamento compõe seu enten-
dimento – Aspectos do paradigma descritivo em contraposição à prescrição.
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Eficácia e correção dos Quatro Dispositivos da Formação dos operadores da
NovaMente – Incongruência entre Secundário e as formações do Haver – Hie-
rarquia gnoseológica ad hoc em função da eficácia na situação – Metaverso
e (é) o Inconsciente – Limites da matemática e da computação na abordagem
do Haver – Oficina Clínica é acompanhamento recíproco dos que estão em
Formação de Analista.
E-mails, 215
Maravalhas, 227
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Talvez esteja me repetindo, mas vou insistir no que direi hoje. Passamos
atualmente por uma crise na história da IdioFormação. Pode não ser a maior,
mas certamente é a mais complexa, a mais difícil: uma crise radical de parâ-
metros e paradigmas. Ainda sustentamos alguns deles por mera inércia, pois
nem funcionam mais. Quando leio que esta IdioFormação se depara com
uma grande crise de mudança de regime – que, no caso, é mudança de uma
formação para outra, de um Império para outro –, raramente, ou quase nunca,
nesse momento, aparece um alguém ou um conjunto de pessoas dando um
passo à frente. Logo no começo da passagem, é difícil haver na história
desta espécie alguém que imediatamente dê um passo em frente. Mesmo as
chamadas revoluções – a russa, a francesa –, na maioria das vezes, são, de
saída, um equívoco radical, um mesmo erro a ser processado no longo prazo.
Nesses momentos, a primeira reação é as pessoas olharem para trás.
Bateram com a cara no vidro da próxima situação que ainda não tem passagem,
e a tendência é olharem para trás para ver se lá há algum indício, algum enten-
dimento do percurso, para poderem seguir em frente. Só que há duas maneiras
frequentes de olhar para trás. A primeira, feita pela maioria, é a fuga para trás.
É uma tentativa frustrada de retornar a uma situação anterior que lhes parecia
assentada e segura. Essa é a vontade de retrocesso, é retroação. A outra maneira
é percorrer os caminhos que foram seguidos durante a história da espécie para
pesquisar se, por acaso, alguma invenção importante que poderia ajudar na
passagem necessária hoje e que, por motivos de alta pressão dos poderes de
antanho, ou seja, os conhecimentos e os poderes constituídos a cada momento,
podem ter recalcado ideias e soluções que ainda estavam muito cruas e às quais
faltava tempo para terem condições de ser tomadas. Então, lá para atrás ficaram
vários procedimentos, várias ideias, várias articulações, que foram recalcadas
por seu momento. Esta é a maneira de olhar para trás em busca de alguma
coisa para a frente.
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que não estavam apenas tentando exprimir o que estavam sentindo, e sim pro-
curando uma teoria do que estavam dizendo.
Acontece que as digressões, digamos, supostamente escorreitas, das
disciplinas regradas pelas metodologias ditas científicas canonizadas pelas
epistemologias de plantão acabaram por deixar de fora tantos e tantos tes-
temunhos do Inconsciente que frequentemente apontaram bem mais longe
para o funcionamento da mente. Temos que considerar o século XX e, nessa
sideração, recuperar o que foi recalcado para trás e que, certamente, está mais
próximo do que está por vir. Não podemos nos esquecer de que isso aqui ainda
é o Planeta dos Macacos, o retardo é enorme. Em termos de IdioFormações
possíveis dentro do Haver, somos ainda muito pobres. Pode ser que existam
por aí IdioFormações bem mais avançadas, mas é preciso continuar no enca-
minhamento. Qual é a função precípua da teoria e da prática NovaMente?
Deslocar e abstrair formações teóricas e sintomas em vigor no sentido da futura
articulação de formações de conhecimento e de comportamento que propiciem
ultrapassar as atuais ficções que caducaram. Não caducaram só porque as que-
remos chamar de caducas, e sim porque o próprio movimento do processo as
tornou fracassadas, sem condições de solução para o futuro. Também é função
da NovaMente fornecer entendimentos e práticas que permitam que as pessoas
suportem e superem as catástrofes e metamorfoses que estão vindo e que ainda,
muito mais, virão.
Mesmo que possamos acolher algo dispensado no passado para dar
um passo para a frente, o momento é de procurar futuro. Não temos mais fer-
ramentas, instrumentos, capazes de sustentar o que está por vir. As que temos
podem conter dispositivos aproveitáveis, mas do modo como se articulam em
grandes composições, já não funcionam – ou não funcionarão – mais. Vejam
um exemplo próximo de nós. A última coisa que mais precisamente tentou
definir o Inconsciente e o modo de lidar com ele – e que, certamente, fracassou
como teoria, como está claramente demonstrado por seu próprio autor – foi
o teorema de Lacan. E o envolvimento das teorias de linguagem, das linguís-
ticas, das semiologias e semióticas do meio do século XX para a frente era
(numa, digamos, definição mediana do pensamento de Lacan): O Inconsciente
é estruturado como uma linguagem. Ditos lacanianos repetem isto até hoje. O
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Tenho aqui três livros de Francis Fukuyama, As Origens da Ordem Política:
dos Tempos Pré-humanos até a Revolução Francesa (2013), Ordem e Deca-
dência Política: da Revolução Industrial à Globalização da Democracia
(2018), e Nosso Futuro Pós-Humano: Consequências da Revolução da Bio-
tecnologia (2002). Minhas considerações hoje se reportarão à segunda parte
do terceiro livro, “Sendo Humano”, com três capítulos: (1) Direitos humanos,
(2) Natureza humana, e (3) Dignidade humana.
Por que falar desse autor? Considero Fukuyama um lídimo represen-
tante do besteirol sócio-filosófico do século XX. Ele faz um lúcido retrato desse
bobajal, o que resulta numa consideração mediana desse tempo. Talvez se
lembrem de que, em 1989, ele veio com a ideia que a muitos pareceu absurda
de fim da história. Achava que a disseminação e a hegemonia aparentes do
liberalismo, do capitalismo, determinariam o fim da história. Não se sabe bem
de onde tirou essa conjetura estapafúrdia, como se tudo dependesse da ideia
de liberalismo e de certo tipo de capitalismo. Hoje, temos uma repolarização
da vontade de hegemonia neste planeta. Portanto, aquele critério de juízo não
servia. Não há fim de história algum, sobretudo, para a NovaMente, que faz a
suposição de que apenas estamos tentando introduzir o Quarto Império e que,
depois, virá o Quinto, o qual tampouco é fim de coisa alguma. Talvez o que
venha em seguida seja outro ciclo semelhante a esse que está aí. O liberalismo
não vai bem das pernas. O Inconsciente é capitalista, sim, mas quantas formas
e performances poderá assumir esse tal capitalismo? Não sabemos ainda.
O capítulo sobre “Direitos Humanos”, de Fukuyama, é uma paraferná-
lia. Podemos resumi-lo com sua conclusão de que o direito positivo não conse-
gue dar conta do que seriam direitos humanos, pois, para tal, seria preciso um
conceito firme de “Natureza Humana” (que tampouco se consegue estabelecer).
Descrevem-se comportamentos sócio-político-econômicos das pessoas sem a
menor noção de natureza humana. E o que descrevem como natureza é uma
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confusão, é coisa de Primário, Secundário, etc. Isso varia e não mostra natureza
alguma, mostra performances e expressões humanas. Para nós, com a ideia de
Nova Psicanálise, ao contrário do que autores dessas áreas denunciam como
impossível de conceber a natureza humana, estamos de volta a esse conceito.
A NovaMente sugere que há, sim, natureza humana. É: o Originário das
IdioFormações. O que, se quisermos chamar de natureza, qualifica esta espécie
é que o Originário é uma formação do que denomino Artifício Espontâneo. O
Originário que supomos é espontâneo. Portanto, pode ser incluído no conceito
de natureza, seja ele qual for. Estamos, então, de volta – e isso pode ser tomado
como base – à ideia de que há natureza humana. Chama-se: o Originário.
Por enquanto, mediante as considerações desde Freud, pelo menos – se
não, desde muito antes, se lá fizermos a leitura (por exemplo, na Idade Média,
como tenho apontado) –, conseguimos destacar o princípio do Revirão fun-
cionando como fundamento desta espécie. Nas demais ele não funciona. Ainda
não temos prova em alguma ciência dita dura – a ditadura das ciências, aliás,
não é mais aquela, elas não são assim tão duras, são meia-bomba – que venha
demonstrar em nível biológico (e este é o melhor nível) o funcionamento do
Revirão para nossa mente. Espero que isso aconteça logo. Assim, nós outros,
se quisermos aceitar esse postulado, supomos existir natureza humana: o Ori-
ginário das IdioFormações. Lévi-Strauss, que dominou o pensamento do século
XX – e mesmo um pouco a cabeça do Dr. Lacan – mediante certa antropologia
de base linguística, quis demonstrar a passagem de natureza a cultura. Passa-
gem que ele situava na interdição do incesto. O incesto, como conceito, anda
bastante desmoralizado atualmente, uma vez que a manipulação genética e de
outros tipos tem dificultado que se determine o exato lugar em que ele possa
ser proibido e essa proibição funcionar. Isso era conforme o paradigma daquele
momento. Para nós, se há passagem, é passagem de Artifício Espontâneo a
Artifício Industrial. Passagem esta que se dá de maneira espontânea, por-
tanto natural, na emergência do Revirão na constituição primária, biológica
mesmo, desta espécie. Este é o nosso princípio. Então, na passagem de Espon-
tâneo para Industrial, temos o Revirão como emergência, como ressonância do
Revirão que há no Haver, como máquina de produção do Artifício Industrial.
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e, segundo a via que estamos forçando, ficam abolidos alguns conceitos que
sustentam a ordem jurídica e também a ordem moral. Por exemplo, sem ir
longe, o conceito de imputação, fundamental para atribuir culpa a determinada
defecção da ordem do cumprimento dos deveres segundo a lei. Como é possível
imputar qualquer coisa a uma pessoa à medida que sabemos que, primeiro, ela
está sobredeterminada primariamente tanto autossomática quanto etossomati-
camente, e que, além disso, está secundariamente determinada por formações
sintomáticas poderosas que tomaram o leme de sua situação? E como a atribuir
também a imputação ao fato de que é uma IdioFormação e que, portanto, ter seu
Originário disponível nada garante, pois o Originário não funciona só porque
queremos? Ele funciona eventualmente, não temos controle direto sobre seu
funcionamento. Caso contrário, todos poderiam virar geniais de uma hora para
outra, bastaria invocação. Os movimentos e emergências do Originário funcio-
nam à revelia das pessoas, mesmo que façam grandes esforços para invocá-los
mediante reflexão, pensamento, exercícios espirituais e intelectuais. Mas o
Originário lá está e comparecerá, se não como criação de uma função nova,
pelo menos como possibilidade de reconhecimento quando alguém apresenta
uma emergência sua. São poucos aqueles que a apresentam. Outro conceito
ligado à imputação e que, na ordem jurídica, a garante é o de livre arbítrio.
Este é de morrer de rir. É a suposição de que a pessoa tem possibilidade de
escolher, à vontade e a qualquer momento, o que fazer, o que pensar, como
se comportar... Isto não existe, o que existe é resultante em certo momento da
implicação das formações primárias, secundárias e eventualmente da forma-
ção originária para determinada pessoa. Não pensamos, somos pensados, nos
acontece – ainda que nos esforcemos. Mesmo porque o esforço intelectual,
espiritual, ou outro, é sintomático. A pessoa sintomaticamente fez tal escolha.
Então, como saímos dessa se, na verdade, os conceitos de imputação e de livre
arbítrio são puro animismo?
Ao passo que, teríamos que substituir o conceito de imputação, talvez,
pelo conceito de atribuição. Ali, naquele lugar, naquela pessoa, aconteceu isso
assim: está atribuído àquele lugar – atenção para o que estou chamando de
lugar – determinada situação. Portanto, pode ser governada a transação entre as
pessoas mediante o reconhecimento da atribuição do bem-feito ou do malfeito
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segundo a ordem sintomática de um grupo social. Mas essa pessoa tem que ser
tratada com a mesma dignidade de qualquer outra porque a ela foi atribuído o
que ela fez. Ela não tem culpa, é vítima da situação como qualquer um. Essa é
uma grande mudança a partir do Quarto Império que temos que produzir. Assim
como o conceito de livre arbítrio pode ser substituído por um conceito como
Juízo Atual. Neste momento, o juízo foi este em função das sobredeterminações
e, eventualmente, de uma HiperDeterminação. Não há, pois, motivo algum
para execrar-se uma pessoa ou mesmo para torná-la maravilhosa. O que é um
autor? Eis uma pergunta que sempre retomo. Alguém, por circunstâncias pri-
márias e secundárias em sua história e por eventuais emergências do Originário,
conseguir um grande feito é chamado de gênio, mas não é. Foi o gênio que o
fez, e não o contrário. Ou seja, não cabe atribuir autoria a alguém. Todos são
vítimas. É uma mudança que tem que ser fundamental na constituição do que
possam vir a ser o entendimento e a organização a partir do Quarto Império. O
bobajal que sobreviveu até o Terceiro Império não tem mais como continuar
vigorando. Minha pergunta, então, é: Como fazer?
• Patrícia Netto Coelho – Se cai a noção de culpa não deveria também
cair a ideia de vítima?
Há uma vitimização aí. A pessoa é vítima do Primário, do Secundário
e mesmo do Originário. Só falei em vítima como comparação à paranoia do
Terceiro Império, que é da culpa. Qualquer cristão sabe que é mea culpa, mea
maxima culpa... Isso é a ideia do Terceiro Império em cima do chamado amor.
Falei que a pessoa não é culpada, mas vítima para fazer o contrabalanço. O
Quarto Império tem que suspender isso, pois o pior dos facínoras deve ser tra-
tado com respeito só por ser da espécie que revira. Não estou dizendo que, na
refrega entre as IdioFormações, não haverá conflitos, rupturas de interesses, e
sim que isso tem que ser administrado na referência a essa chamada dignidade
humana. Administrar conflitos sabendo situar, localizar, seus movimentos é
muito difícil. O direito tem regras absurdas. Não sabe efetivamente dar conta,
por exemplo, de quem foi o culpado diante do fato de uma pessoa ter matado
outra. Talvez a tal culpa seja do morto, que extrapolou ao infernizar a vida
daquele que o acabou matando. Vejam que tudo é muito sutil, e o direito não
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maturação que a China tem por ser mais antiga. Ela já passou por mais surtos.
E algo que não permitirão é o populismo. Vejam a atitude chinesa em relação
a Hong Kong, que, esta, tem o germe da deterioração.
• PMSJr – Poderíamos dizer que um movimento anti-surto implicaria
reconhecermos a loucura da espécie? Se houvesse esse reconhecimento, talvez
não fosse preciso surtar diante de situações que resultam de certas indiferen-
ciações das situações como vemos hoje.
Surto não é loucura, é maluquice. Loucura é uma coisa nobre. Basta
ver que grandes criadores estavam bem pirados no bom sentido.
• Aristides Alonso – Assim como ficam em crise as noções de imputa-
bilidade – sobre a qual, aliás, você já se deteve longamente em 2001 –, de livre
arbítrio, de culpa, agora você repete que o Quinto Império será comunista em
exercício pleno do capitalismo. Minha pergunta é: o Quarto Império, passado
o surto, será um Império menos alienado? A alienação no sentido do vínculo
por dependência, por designação, por atribuição de domínio a um outro, ficaria
então minimizada?
Sim. Entretanto, ele não pode funcionar sem o reconhecimento de nossa
alienação quase total.
• AA – Entendo que cada Império tem a forçação de um modelo de
alienação. Por exemplo, o Segundo Império teve um forte lastro de vinculação
obrigatória, por submissão, à ordem paterna. O modelo do Quarto Império
seria uma alienação à ordem articulatória?
Trata-se do entendimento de que cada um é demasiadamente sobrede-
terminado e de que é eventualmente hiperdeterminado.
• RA – A emergência da IdioFormação se daria junto com a passagem
do Espontâneo ao Industrial?
Essa passagem está sendo procurada há milênios mediante bobagens
como a passagem do divino ao humano. A última bobagem foi a “geniali-
dade” de Lévi-Strauss ao falar em passagem de natureza a cultura pela inter-
dição do incesto. Esta interdição é apenas um sintoma local e foi engolida
como universal. Com o domínio pleno da biologia – produção e reprodução
de filhotes que envolvem três, quatro, cinco pessoas – que vemos desenrolar-se
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Nas seções de hoje e a próxima, Aristides Alonso fará a gentileza de falar
sobre o trabalho de Stephen Wolfram. Desde que publicou A New Kind of
Science (2002), tenho comentado suas ideias. Seu novo livro, A Project to
Find the Fundamental Theory of Physics (2020), um projeto para encontrar
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Stephen Wolfram
e o projeto para achar a
Teoria Fundamental da Física
Aristides Alonso | A9-Cyb
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1. Seu livro atual é lançado junto com uma plataforma na internet em que
todo o projeto é apresentado. Dado o tamanho da empreitada, é um projeto
aberto que convoca a participação de todos e se abre a áreas para além daquela
especificamente relacionada à física: computação, inteligência artificial, nano-
tecnologia, robótica, vida artificial... Sugere mesmo sua importância para
a filosofia, as ciências sociais, os estudos de linguagem... Para ele, não há
limite entre os campos de conhecimento, todos se entrecruzam a partir de sua
ideia de princípio de equivalência computacional, mediante o qual é possível
reduzir o entendimento de todas as formações.
O livro é, pois, o que está no site: www.wolframphysics.org. Lá temos:
Project Announcement, com as bases gerais do projeto; e Technical Introduction,
com a exposição das bases técnicas da pesquisa. Nestes dois itens, temos as
referências essenciais do projeto em sua abrangência. Os demais itens apresen-
tam material complementar com documentos técnicos, entrevistas, palestras,
seminários, intervenções nas redes sociais... Uma das teses fundamentais de seu
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ano passado. Não que abandone a Inconsistência, mas a coloca como aquilo a
ser superado. Ele fica se perguntando sobre que matemática teremos daqui a
duzentos anos, capaz de computar coisas inimagináveis que são inconsistentes
até o momento, ou da ordem da indecidibilidade (Kurt Gödel) para o momento
atual.
É possível produzir um programa que, com três ou quatro passos,
preveja o que acontecerá. Na irredutibilidade, não há como prever, é preciso
acompanhar passo a passo, não se tem o antes da coisa. Wolfram diz que esse
é um problema que a humanidade sempre enfrentou, e cita os egípcios para os
quais havia três questões. Como prever o movimento dos astros; a meteorologia;
e quem será o vencedor da guerra. O primeiro problema é mais fácil – a física
tradicional prevê com bastante precisão o movimento da Lua daqui a cinquenta
anos –, mas os outros dois já são da ordem do complexo e do randômico. Então,
mesmo sabendo como as coisas deveriam se comportar, isto não significa que
saibamos como acontecerá. Onde vivemos, é possível fazer uma quantidade de
previsões, mas isto não significa que o mundo seja previsível, e nem sempre há
atalhos para reduzir o processo para previsão. Há uma irredutibilidade muito
grande, mas vivemos frequentemente num campo de certa redutibilidade em
que os cálculos funcionam razoavelmente.
A Teoria de Tudo que ele busca é um programa que, quando rodado,
poderia fazer acontecer tudo que existe. Trata-se de operar uma redução, um
algoritmo, e poder dizer como o mundo funciona. E se rodar esse programa
por tempo suficiente, ele poderia produzir qualquer coisa, qualquer fenômeno
do universo. Então, se rodar uma regra, uma rule, por tempo suficiente teremos
todo o universo, a redução de tudo a um programa computacional. Sabemos que
essa ideia vem da digital philosophy, de Edward Fredkin, Konrad Zuse, Seth
Lloyd, Gregory Chaitin e outros. Por isso, muitos críticos da teoria de Wolfram
dizem que ele está tomando ideias da teoria do caos, da teoria dos fractais e
da digital philosophy sem dar os devidos créditos. Não é bem assim, pois essa
turma toda está mencionada no final do livro.
Sua experiência inicial é com os autômatos celulares (von Neumann) e
a descoberta sobre programas simples, pois com esses autômatos celulares era
possível a criação de um sistema de alta complexidade gerado por um programa
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para outro cibernético – como já está sendo feito – e rodar na mesma máquina,
há equivalência entre eles.
• MD – Por isso, digo que é possível construir um robô IdioFormação.
Daí Wolfram entender o próprio universo como um hipercomputador. É
o universo dos sistemas computacionais como programa simples, um novo tipo
de ciência (NKS), e a exploração do universo computacional e da implicação
dos fenômenos nele observados como princípio de equivalência computacio-
nal. Princípio este que permite que a ciência seja mais geral ao apontar novos
modos para os quais os humanos não são especiais, pois a complexidade não
é apenas deles, e sim do sistema inteiro.
• MD – É do Haver.
O Princípio de Irredutibilidade Computacional é o fenômeno pelo qual
o comportamento de um sistema não pode ser determinado com mais eficiência
do que a simulação explícita de cada etapa de sua evolução. Ela decorre de o
princípio de equivalência computacional implicar o fato de os observadores não
poderem ser mais computacionalmente sofisticados do que os sistemas que estão
observando. Ambos estão embutidos, embedded, no mesmo universo. Não se
pode construir uma redução, um atalho há que rodar o programa, acompanhar
o passo a passo e ver onde vai dar. Nesse caso, como já foi dito, não é possível
fazer previsões.
• MD – É a isso que chamamos de Análise Infinita.
No caso de um sintoma, tomado como um elemento repetitivo, se for
longamente repetido, começará a ratear. É o contrário do que dizia Einstein
sobre o louco ser alguém que fica a vida toda repetindo a mesma coisa, mas
querendo obter resultados diferentes. Aqui, no caso, de tanto repetir o mesmo,
ele vai ficando diferente mesmo.
• MD – Não é o que acontece numa análise?
A ideia de irredutibilidade é conexa à de indecidibilidade, da qual, em
última instância, não se pode extrair uma resultante que feche a conta, torná-la
consistente. Na matemática, isso é bastante conhecido: o número pi, a sequência
dos números primos... Tudo se inclui na ideia da máquina de Turing e do pro-
blema da parada. A máquina, para ter utilidade, tem que apresentar um cálculo
final, tem que computar e parar. Se entrar em looping, em infinitização, não há
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algoritmo que informe se vai ou não parar. Foi, aliás, o que derrocou o projeto
dos Principia Mathematica, de Russell e Whitehead, que sofria de uma vontade
de consistência final. Ano passado, fiz aqui uma exposição sobre inconsistência
e consistência nas lógicas paraconsistentes, e vejo que é o mesmo problema
com que Wolfram se depara em seu projeto: transformar o inconsistente em
algo sequenciado e consistente...
• MD – Não é preciso, deixa rolar. Lacan achou que fosse possível
achar o Fim da Análise, mas jamais o mostrou.
5. Entro agora nas questões da física que estão na base do projeto de Wolfram
de achar sua teoria fundamental. Com seu aparato computacional, ele propõe
um encaminhamento para a física tradicional, denominada física básica –
relatividade, quântica, cordas, branas, gravitação quântica em loop... Trata-se
de fazer a redução desses operadores a um sistema computacional na ordem
dos grafos em direção a um hipergrafo final que as incluiria. Num grafo, o
que interessa é o que está conectado com o que, e não do que os elementos
são chamados. O que importa é serem elementos distintos. E o que se faz
nessa coleção de relações do grafo é aplicar regras simples repetidamente,
em operação recursiva, over and over...
Então, para pensar a física, Wolfram parte da ideia de grafo ou de hiper-
grafos: conexão de pontos a partir de uma regra básica (rule) que gere o processo
e a geração de formas originariamente simples, mas que resultem em sistemas
complexos. Grafo constitui rede (network). O espaço resulta dessa conectividade
entre pontos, nós e espaço, é tudo que há. E o hipergrafo representa o espaço
e tudo que há nele. É necessário grande trabalho para construir as bases desse
espaço e nós, humanos, estamos em uma ínfima parte dele. Esse modelo seria
capaz de considerar / abranger toda a física existente até o momento. A título
de exemplo, citamos os principais modelos de grafos e hipergrafos apresen-
tados no projeto: o hipergrafo (hypergraph), o grafo causal de múltiplas vias
(multiway causal graph), grafo de múltiplas vias (multiway graph), sistema
de múltiplas vias (multiway systems), grafo causal, grafo de invariância causal
(causal invariance graph), gráfico branchial (branchial graph), foliação (folia-
tion), hiperbias (hyperedge), etc.
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pergunta: o que é tempo? Espaço e tempo são duas coisas diferentes. Quanto
ao tempo, só sabemos como os pontos se conectam e mais nada. O universo é
feito de átomos e conexões entre eles: os átomos-espaço.
Nesse projeto, o que é espaço-tempo? Essa ideia é um ganho da física
moderna. Mas, para Wolfram, espaço e tempo não são a mesma coisa Só sabe-
mos como os pontos se conectam, não sabemos mais nada. Uma tela de com-
putador, por exemplo, é feita de pontos discretos. Do que é feito o universo?
De átomos e da conexão entre eles. Então, para Wolfram, tempo é a progressão
dessa computação das regras aplicadas a esse hipergrafo. Tempo é computação.
Espaço e tempo são considerados em nível mais fundamental: espaço é o hiper-
grafo e tempo é a evolução do hipergrafo. Tempo é a computação progressiva
(progressive computation). Um modelo computacional em que a progressão do
tempo comparece como resultado de mais degraus na computação.
• MD – A flecha do tempo esbarra numa neutralidade absoluta. Cha-
ma-se: Revirão.
Para Wolfram, a Irredutibilidade Computacional é responsável pela
encriptação inicial das condições iniciais associadas à lei do aumento de
entropia, à flecha do tempo da termodinâmica: um hipergrafo que representa o
espaço, uma progressão do hipergrafo, que representa a progressão do tempo.
Para ele, a segunda lei da termodinâmica continua válida e importante, mas
em suas experiências com os autômatos celulares, vários deles se mostraram
reversíveis, contrariando a ideia dominante da irreversibilidade da flecha do
tempo. Ele não deixa de criticar a segunda lei da termodinâmica, que está
associada à ideia básica da NKS de que sistemas simples podem produzir alta
complexidade. É uma lei importante como princípio geral, mas a experiência
com sistemas e regras mostra que essa lei tem suas limitações. Wolfram veri-
fica que o que denomina regra 37R, por exemplo, produz sistemas reversíveis.
Então, na ordem da termodinâmica, nem todos os sistemas seriam irreversíveis
e as ideias de desorganização e desordem que comparecem na informação são
falta de computação do que está acontecendo, são falta de calculabilidade do
que se passou por ali. Assim, surge ordem da desordem, há reordenações a
partir de um processo entrópico: o sistema se reorganiza. Repetindo, parece
ser entrópico apenas por não haver computação para calcular a desorganização.
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Continuando, temos:
...quando observamos a multiplicidade do mundo ou uma complexi-
dade, ela parece grande demais, mas suponho que a tendência seja de mostrar
que são coisas profundas e pequeninas que desenvolvem processos extrema-
mente complexos e grandes. É o que quero dizer com “mais fundo do que
extenso” (Ars Gaudendi, 2003: p. 193 [MetaMorfoses, 15]).
• MD – O verso de Fernando Pessoa é: “Não sejas curioso do amplo
mundo, / Ele é menos extenso do que fundo”.
Tanto na frase de Pessoa quanto nos trabalhos que se opõem à multi-
plicidade desbragada, temos que, ao invés de procurar uma diversidade muito
grande, basta tomar o essencial e se aprofundar nele, pois ele é que gera tudo.
Ou seja, que se aprofunde no mínimo que dele sairá o máximo (Ars Gaudendi,
2003: p. 193 [MetaMorfoses, 15]).
Antes, Magno dissera:
Fazendo um resumo, antes dele a ideia era de que as complexidades
existentes no Haver teriam que ser entendidas mediante formulações complexas.
Assim, uma complexidade é difícil de ser abordada, pois só uma formulação
complexa daria conta dela. Mas Wolfram disse que todas as complexidades
derivam de ideias extremamente simples, e demonstrou que, com uma regra
mínima, produz-se o aleatório, o randômico, o complexo. É como se dissesse
que podemos depreender toda a estrutura do Haver a partir da seguinte regra:
Haver desejo de não-Haver. É claro que isto teria que ser modulado com pola-
rizações, etc. (Ars Gaudendi, 2003: p. 171-2 [MetaMorfoses, 2]).
Na sequência, fazendo uma correlação com a ontologia matemática
de Alain Badiou, que Magno trabalhou bastante nos anos 1990, temos a pro-
posta de que Wolfram estaria construindo uma ontologia algorítmica, que seria,
digamos, turinguiana, já de outra vertente que não a galilaica. É a passagem
de um modelo de teoria dos conjuntos para teoria dos grafos e computacional:
Embora Wolfram não tenha utilizado o termo, pelo menos no que li até
agora, talvez, do ponto de vista da reflexão filosófica, se quiserem, sobre o que
ele está fazendo, poder-se-ia falar numa Ontologia Algorítmica. Vocês lembram
que, para relativizar o lacanismo, durante algum tempo lancei mão do que apa-
recesse. Nessa época, me referi à Ontologia Matemática, de Alain Badiou, que
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não é senão a Teoria dos Conjuntos como ordenadora de tudo. Suponho que,
no caso de Wolfram, se ele pode demonstrar, como pretende, que o que quer
que haja tem origem simples, mínima, numa formação pequena, minimalista
de proliferação das complexidades, que chama de Autômato Celular... (Ars
Gaudendi, 2003: p. 193 [MetaMorfoses, 15]).
Para finalizar as citações, ao tratar da Clínica, da fantasia – que foi
bastante trabalhada como algoritmo em 2019 e 2020 – e da falação do anali-
sando, diz Magno:
As formações, o bobajal, a falação que o analisando despeja numa
análise, é preciso não deixar proliferar, pois aquilo, como multiplicidade, não
vale nada. Basta catar uma multiplicidade e uma formulinha, um pequeno pen-
telho que pentelhou sua vida e que agora está pentelhando a nossa... Lacan teve
essa intuição no que diz respeito à fantasia, que é uma fórmula mínima, quase
algébrica. Estou dizendo que não só a fantasia, mas a estruturação inteira do
psiquismo de uma pessoa é uma formulinha mínima. E mesmo a produção do
próprio cérebro, suponho eu (Ars Gaudendi, 2003: p. 194 [MetaMorfoses, 15]).
É o que Wolfram também supõe.
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Tenho aqui uma frase de Lacan, do Seminário 1 [1953-54], enquanto ainda
estava em luta com a questão externa, sobretudo dentro da IPA. Ela ainda está
valendo: “O pensamento de Freud é o mais perpetuamente aberto à revisão.
É um erro reduzi-lo a palavras gastas”. Vejam que ele já achava o mesmo
que continuo achando.
O lema de Lacan na época em que surgiu era: “Se há Secundário, há
sujeito”. Eu o substituiria por: “Se há Secundário, há Originário”. É louvável
o esforço de Lacan – sobretudo naquele seu Primeiro Classicismo, como foi
chamado por Milner – em procurar uma abstração radical para o funcionamento
do Inconsciente. Por isso mesmo, dizia que tomava o sujeito como pensamento
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Dou agora resposta a uma pergunta sobre minha Teoria dos Estilos. Ela ainda
estaria valendo na Teoria das Formações? Sim! Essa Teoria dos Estilos já tem
características da Teoria das Formações.
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Em nosso futuro de trabalho, gostaria – e não sei se vai dar, pois serão
necessários conhecimentos especialistas –, para além das simples ideias de
computação, de inteligência artificial e outras, que refletíssemos sobre um
campo de produção, até mesmo de nossa espécie, que é bastante explicativo
do que chamo Teoria das Formações: a Música.
Já disse algumas vezes que o Haver é feito de Música. Os físicos estão
chegando a essa conclusão. Então, se quisermos entender uma Teoria das For-
mações como mero jogo de formações, nada mais esclarecedor do que entender
as construções musicais que esta espécie já pôde produzir, desde as mais care-
tas – digamos, clássicas – até as mais maneiristas. Se tirarmos a ideia mais ou
menos idiota de música programática – que pensam que tem conteúdo quase
literário, mas é só maneira de dizer –, se tirarmos as tais canções populares,
que fingem estar dizendo alguma coisa, e tomarmos a música em seu sentido
abstrato (a música instrumental, por exemplo), entenderemos com clareza que as
formações e as franjas das formações são coisas claras. Ao ouvir um maluquinho
musical, percebemos que ele está funcionando numa repercussão infinita de
formações sobre um algoritmo. A música ocidental até a metade do século XIX
é inteiramente tonal e diatônica. Assim, algo chamado escala tonal diatônica é
um algoritmo. Ela funciona em várias tonalidades [inaudível] e com a produção
da pletora de formações musicais que foram constituídas, até estilisticamente,
de acordo com o sintoma de cada músico. Mas vemos que é algo enorme, pura
transa de formações construída sobre um único algoritmo chamado escala tonal.
O Inconsciente é parecido com isso. Fora o que, no Ocidente, veio depois: as
loucuras que os músicos fizeram com algoritmos novos que inventaram.
Ou seja, qual é a fantasia da música tonal clássica? É um algoritmo
chamado tonalidade. Ela goza para todos os lados com uma fantasia, igualzinho
a nós. Se acompanharmos os movimentos, que posso chamar de maneiristas,
de rebeldia contra essa ideia tonal, veremos que são invenções espetaculares
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Tratarei hoje de alguns temas corriqueiros em várias teorias, inclusive na
psicanálise, que merecem reconsideração no escopo da NovaMente.
Há, na psicologia, a velha ideia de Consciência de Si. Para esta nossa
espécie, só no desmaio e na morte não há consciência de si. Ela é apenas cons-
ciência – no sentido animal, do vivo, se quiserem – que toma consciência dessa
consciência. Quando uma consciência toma consciência de consciência, cha-
mam de consciência de si. Este é o caso das IdioFormações: tomar consciência
de si é emergência de Revirão. Digamos que, aí, passamos ao segundo grau
da consciência. Quero, então, propor que existem Três Graus de Consciência.
Há transas entre formações que não dependem de tipo algum de consciência.
É quando há transas que são puras reações entre formações, que não tomam
consciência de nada. Já usei o exemplo de um pedaço de ferro enferrujar ao
ser jogado ao ar livre. Existe aí uma transa de formações entre as moléculas do
ferro e o oxigênio, mas ninguém tomou consciência. Apenas a transa aconteceu
química ou fisicamente.
Ao entrarmos na área dos seres vivos, por mais primitivos, por mais
intermediários que sejam – como é o caso de um vírus, mais ou menos interme-
diário entre o orgânico e o vivo –, entramos no primeiro grau de consciência.
Acontecem transas do que, em psicologia, chamam “ato reflexo”. É um movi-
mento, dito reflexo, que contém estratégias de funcionamento e sobrevivência.
Essa consciência pode ser simplória ou complexa: do vírus ao unicelular, de uma
lesma até um mamífero. E mesmo de alguns robôs mais ou menos complexos
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não se pode dizer que não tenham consciência. São mais ou menos como um
animal. Passamos, pois, de mero ato reflexo para a consciência tout court e
chegamos ao segundo grau da consciência que apenas comparece nas IdioFor-
mações mediante a emergência de Revirão, como disse há pouco. Ou seja, por
replicação do processo por causa do Revirão, comparece a IdioFormação, que
é aquela que tem consciência de si. Isto significa que é uma formação que tem
consciência de ter consciência. Acontece que esse segundo grau de consciência
vem de cambulhada com a emergência do que chamamos de Inconsciente, que
não é senão a consciência em estado latente ou recalcado. Até hoje, não surgiu
robotização alguma com segundo grau de consciência, com consciência de si.
Os robôs assim como os animais ficam mais complexos e mais competentes e
até aprendem, mas isto não identifica uma IdioFormação. Não há aí consciência
de si, i.e., consciência de ter consciência. Este é o fenômeno emergente com o
segundo grau da consciência.
Por não terem conceitos como os exarados pela NovaMente, as psico-
logias, e mesmo a antiga psicanálise, não consideram o Revirão. Juntamente
com isso, não têm como considerar o que posso chamar de terceiro grau da
consciência que, como disse, vem de cambulhada com o Inconsciente. Esse
terceiro grau simplesmente significa que o Revirão pode ser retomado, pode
continuar a funcionar requisitado por processos IdioFormação que necessa-
riamente remetem à HiperDeterminação. Algebricamente falando, o terceiro
grau tem consciência de – escrito entre parênteses – (ter consciência de si). O
nome disto no jargão comum costuma ser: reflexão – e não “reflexo” como é o
primeiro grau. É o que podemos chamar: intelecto em funcionamento. Então, a
uma IdioFormação em pleno desenvolvimento não basta ter consciência de si.
É claro que o terceiro grau que chamo reflexão, intelecto ou consciência de (ter
consciência de si), é insistência e exercício do Revirão, pensamento em ação,
mas ocorre que, nem por ser uma IdioFormação, portanto com consciência de
si, ela estará em bom (e muito menos em pleno) exercício do terceiro grau. E
o pleno desenvolvimento de uma IdioFormação exige esse terceiro grau – o
qual é muito pouco desenvolvido na extensa maioria das pessoas. É tristonho,
mas infelizmente é verdade. Lidamos com seres da mesma nossa natureza,
todos IdioFormações – humanas, no caso – em relação de igualdade, e está
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certo ser assim. Isto não quer dizer que estejamos lidando com pessoas que
colocam o terceiro grau da consciência em exercício. Começa aí certa minoria.
Infelizmente, repito.
Pensamento não é mera associação de ideias, mero juntar coisa com
coisa, e sim um processo – motivado por exercício de Revirão – de plena refle-
xão sobre o fato de ter consciência de si. Daí, nascem ciências, pensamentos,
etc. A psicanálise, sobretudo, vive ocupada com esse terceiro grau de considerar
o fato de ter consciência de si. Repetindo, estamos no regime do intelecto, da
reflexão, que pode crescer indefinida e infinitamente – até mesmo aos atos de
criação em qualquer área de criação possível.
Além de consciência de si, é preciso reconsiderar alguns conceitos em
exercício nas várias áreas do pensamento que tomaram a psicanálise no caso
de Lacan. Retomo, então, a ideia de significante, sobre a qual comecei a falar
em nosso encontro anterior. Quando foi fundado por Ferdinand de Saussure,
esse conceito era a ideia de um elemento qualquer – no caso da língua, pode
ser fonológico – pespegado a outro elemento, sendo cada um face da mesma
superfície. Portanto, em Saussure, não existe significante sem significado. A
composição é de um signo para quem possa lidar com uma língua. Lacan fez
um esforço de abstração – que acabou resultando no que Jean-Claude Milner
chamou de primeiro classicismo – com a suposição de um significante sem
qualidades. Ou seja, um significante que é só significante e que não faz mais
do que representar o sujeito para outro significante também sem qualidades.
Hoje, é possível reconhecer que significante sem qualidades simplesmente não
existe. Na presença de um falante, como Lacan chama, qualquer significante de
uma língua necessariamente, saussureanamente, encontra imediatamente seu
significado. Se não imediatamente, ele o procura ou lhe atribui algum, ainda
que seja pessoal (i.e., dependendo da história sintomática de cada um).
Além disso, qualquer significante, seja qual for sua constituição física,
uma vez percebido, requer significado, que o tal falante procurará encontrar
ou atribuir. Com esta frase, extrapolo a ideia de significante da língua e da
linguística. É para este ser, IdioFormação – e não necessariamente apenas
falante –, que o conceito deve ser ampliado. E requer seu funcionamento e
seu reconhecimento como funcional para todo e qualquer animal. Na língua, o
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significante é o que disse Saussure, mas ele comparece em todo e qualquer ser
vivo, sobretudo em animais complexos, independentemente de fala. Qualquer
Teoria da Informação não pode não reconhecer isto, uma vez que não é neces-
sário que o signo seja linguístico para ter efeito de significado. Mesmo para o
tal falante, há várias ou muitas formações efetivamente significantes que não
são propriamente linguísticas. O que quer que compareça diante de um animal,
que nem consciência de si tem, dependendo de seu repertório de informações,
funcionará como significante e propiciará uma estratégia qualquer. Daí certos
animais complexos terem a competência de aprendizado, ou seja, de juntar
significantes com significações. Só não sabem quem está fazendo aquilo. São
meros animais, não têm consciência de ter consciência daquilo.
Juntemos agora com os Três Graus de Consciência que apresentei.
Desde o primeiro grau de consciência, no nível simplesmente vivo, já há sig-
nificante com significado, ou demandando, ou inventando significado ad hoc.
Não é invenção no sentido da reflexão, e sim recurso ao repertório próprio
para dar alguma solução ao processo exercido no momento. Peço que prestem
atenção, pois trago pequenas modificações na abordagem dos conceitos que são
necessárias para incluir essas ideias no processo decorrente dos conceitos fun-
damentais da NovaMente. Temos também que pensar sobre alguém na posição
de analista, seja lá como for, que recebe um analisando. Ele se põe disponível
para a recepção daquilo que vem do analisando e à consideração mais indife-
renciante possível do que comparecer. Com quem ele está falando? Trata-se
do quê quando um analisando se expõe ao analista? Já lhes disse que não há
sujeito algum aí, e sim um polo com foco e com franja de muitas formações,
às vezes indo tão longe que ficamos sem acesso a suas inter-relações. Anti-
gamente, quando se denegava o Inconsciente, pelo menos no nível do social,
havia conceitos demasiado autoritários: “homem íntegro”, “mulher íntegra”,
“pessoa de caráter”... Um monte de bobagens que aí estava simplesmente por
ser da ordem do exercício do poder. Para dizer que uma pessoa se apresenta
como íntegra, é preciso que se tenha limitado seu design e exigir que caiba
nele. Mário de Andrade ao escrever Macunaíma (1928) não está apenas falando
do Brasil, está falando de gente. Macunaíma, como todos nós, é um herói sem
nenhum caráter, sem nenhuma integridade ou integralidade.
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Conversarei hoje sobre o destacamento e a precisão de alguns conceitos da
NovaMente. Às vezes, me parece que não ficaram bem entendidos ou que,
mesmo bem entendidos, alguns se esqueceram de sua aplicação. Ao operar
mediante uma teoria, são os elementos, os conceitos, as formulações dessa
teoria que devem ser aplicados a cada caso, sobre cada questão ou cada
problema. Do contrário, quando se deixa misturar com conceitos exteriores,
tudo fica confuso. Toda teoria é assim.
Da vez anterior, trouxe uma ideia nova, que posso mesmo conside-
rar um novo conceito: Aglomerado. Quis mostrar que, diante de uma Pes-
soa qualquer, ou diante de um fato qualquer – histórico, literário, etc. –, não
podemos contar com alguma radical coerência. Sobretudo, quanto às pessoas.
Basta prestar atenção às manifestações de um analisando para ver que ele é um
monte de cacos. Muito frequentemente, as formações não têm coerência alguma
necessária com as outras formações. Um dos sentidos e um dos interesses da
psicanálise seria, no processo analítico, propiciar que a pessoa fizesse com
que as formações conversassem umas com as outras para ter um mínimo de
coerência e de entendimento de como foram construídas essas formações. Isso
diz respeito a qualquer produção humana não só de um analisando. Daí eu falar
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coerência total. Ninguém, autor algum tem. É muito difícil conseguir construir
um sistema de pensamento inteiramente coerente – é quase impossível. Imagi-
nem um cirurgião diante de alguém com grave processo de apendicite, no qual
tem que realizar uma apendicectomia. Retirará ele todos os órgãos? O que me
consta é que retirará apenas o apêndice que apodreceu, e não o resto. Eis algo
que está nas obras e também nos analisandos. Qual órgão está podre? Não é o
analisando inteiro que está podre. Há que fazer a cirurgia no lugar certo.
Isso é a Teoria das Formações, e é o conceito de aglomerado. Ao
pensarmos em termos da Teoria das Formações, não é possível arrolar todo
um conjunto de acontecimentos de formação como se fossem um pacote só e
coerente em todas as suas situações. Isso não existe. Quem dera existisse! É
preciso muita análise para lentamente produzirmos um processo de coerência
com nossas formações. Em qualquer filosofia, em qualquer filósofo, qualquer
pensador – mesmo no campo da ciência –, que tomarmos, teremos sempre
que observar quais formações frequentemente são díspares daquelas que são
apresentadas como fundamentais. Da outra vez, disse que Heidegger, a meu
ver, foi excelente poeta e pensador, mas entrou para o partido nazista... Ou seja,
Heidegger não era inteiro. Já que falei no partido nazista, que tal pensarmos
no nazismo alemão, em Adolf Hitler e seus comparsas? Os aliados, ao destru-
írem aquela situação, não foram estúpidos a ponto de não usar os engenheiros
de Hitler. Sem Wernher von Braun e sua equipe ter ido para a América, não
haveria viagem à lua. Ou seja, se idiotamente achar que todo o nazismo está
podre, serei – um idiota. Nada impede que existam formações que interessam
dentro de um péssimo pensamento. Não é do pensamento da psicanálise ter a
atitude de anatemizar completamente uma situação como se fosse inteira. Ela
não o é. É, sim, um conjunto de formações em estado de aglomeração. Com
isso, respondo à questão sobre ter citado René Guénon – e, a propósito, deve
também ser considerado como as pessoas tomaram o que ele disse. Certamente,
não posso acreditar que, com o pensamento um pouco refinado como é o seu,
ele fosse realmente ser pai dos Tradicionalistas. Não me parece possível.
Assim, diante de qualquer filósofo, de qualquer pensador, de qualquer
situação de país, de Estado, não busquem coerência, nem mesmo no Primário.
Já lhes apontei que, em termos do Primário desta nossa espécie, o Etossoma
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Freud é aquele denominado Spaltung, que Lacan traduz por Clivagem. Ele
não é senão a Bifididade. Em qualquer texto de Freud que tomarmos, reitera-
damente encontraremos indicações de Bifididade, de virada ao contrário em
todos os sentidos. Se há significante, ou formação de base, ela é sempre bífida.
Portanto, não é questão de clivagem, e sim de que o mais frequentemente as
pessoas oscilam quanto à Bifididade de suas formações.
Vejam que esses pontos levantados trazem uma mudança de olhar, de
recepção e de postura em relação, pelo menos, a outros pensamentos: filosofia,
psicologia, etc. Não podemos recusar formação alguma em bloco. Qualquer for-
mação é composta de formações. Se recusamos em bloco, jogamos fora o bebê
junto com a água do banho. Alguém disse um monte de asneiras, mas também
disse alguma coisa brilhante. O que fazer com isso? Aproveitar o aproveitável.
• Potiguara M Silveira Jr – Isso é compatível com o terceiro nível de
consciência que você colocou da vez anterior: considerar as formações em
suas transas de onde quer que venham. Vejo professores, intelectuais, dizerem
que se recusam a ler certos autores por terem posições diferentes...
A universidade é primorosa em matéria de eliminar autores, ao invés
de perguntar sobre o que estão pensando. Toma-se doentemente partido de um
autor, e o resto não presta. Eis algo que morreu com o Terceiro Império.
• PMSJr – Podemos também pensar sobre uma Política que conside-
rasse esses três níveis de existência das pessoas...
Como entender a política chinesa? Vamos jogar fora? Vamos querer
entender mediante os parâmetros do Ocidente? Jamais entenderemos. Já lhes
disse que detesto a Igreja Católica, o que não me impede de considerar que, no
Ocidente, ela inventou para si a melhor forma de governo. Há, nela, todo um
longo preparo da sua aristocracia para o exercício do governo.
• Aristides Alonso – A ideia de aglomerado – que já está em sua con-
cepção de Pessoa, desse polo de formações que abrange todo tipo de coisa
– exige de nós uma postura inédita na consideração de qualquer formação.
Não é uma postura inédita. Já está em Freud com o nome de escuta
flutuante. É o que chamei de Indiferenciação. A escuta analítica foi inventada
nesse sentido. É novidade apenas fora da psicanálise.
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Outro conceito que reaponto é o de Real. Freud não fala muito em Real, e
sim em realidade. Sobretudo, em realidade psíquica. Lacan comparece com
a ideia de Real como aquilo que não foi simbolizado. No teorema da Nova-
Mente, o Real também é impossível, tal como diz Lacan. Entretanto, o que
há de especificamente Real é o não-Haver – este é o Impossível Absoluto.
Dentro das formações do Haver o que comparece como repercussões do Real
são realidades. Elas são formações do Haver que, como chamei, são even-
tualmente impossíveis modais, pois queremos dar conta dessas realidades e
damos conta mais ou menos. O de que falta dar conta é do caroço, do núcleo
duro da repercussão do Real nas realidades. E Freud, ao falar em realidade
psíquica, dá concretude ao que acontece na mente humana.
Lacan aproveitou seu conceito de Real – aquilo que, não tendo sido
simbolizado, recai na impossibilidade como Real – e, no sentido de uma coe-
rência teórica (não foi à toa que o fez), criou na psicanálise que desenvolvia
o conceito de foraclusão de um significante. Isto, para responsabilizar esse
acontecimento pela causação da psicose. Ele chega a dizer que interessante não
é haver psicóticos, e sim que a pergunta é: por que não somos todos psicóticos?
É uma pergunta incoerente com seu conceito de foraclusão, pois é enorme a
quantidade de coisas que não cabem no simbólico. Então, somos todos malucos?
Não é bem uma foraclusão, e sim uma enorme quantidade de acontecimentos
reais, como ele chama, que não cabem no simbólico. Tanto é que a ciência
tem o tempo todo que fazer correções. Ultimamente, aliás, está fazendo várias.
Sobretudo, em ciências duras como a física. Dentro de dez anos, a física velha
irá para o lixo, estamos em plena mutação. Se, então, a questão é estrutural,
cada funcionamento psíquico precisa ter sua própria estrutura. Daí ele apontar
para o que chamam de neurose – que chamo de Morfose Estacionária – uma
consequência de recalque. E, ao tratar da psicose, se ela não é neurose, tem que
ter outra estrutura. Já lhes disse que ele faz um seminário sobre As Psicoses
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(1955-56) que, quando li, achei excelente até a metade. Daí para o fim, já na
época, comecei a ficar desconfiado de que havia uma forçação. Assim, por
entender que tem que achar uma estrutura para a psicose, inventa a tal foraclu-
são, a qual, a meu ver, não existe. Observem que é foraclusão do significante
do Nome do Pai – algo que parece católico. Do mesmo modo, tentará incluir
outra estrutura – completamente diferente – para o que chama de perversão.
Ele continua usando esse termo indecente, que é jurídico e policial, e que por
isso não nos interessa. Lacan, portanto, inventa três estruturas.
Como não sou estruturalista, parto do princípio freudiano de que
tudo depende de funcionamento de Recalque. Por isso, digo que o que existe
é Morfose Estacionária (funcionamento de recalque), Morfose Progressiva
(suspensão de recalque), e, sim, Morfose Regressiva (HiperRecalque, recalque
extremamente forçado). Pensem bem, se não entrou o Simbólico, a suposição
é de que não houve inscrição – a não ser que tenha havido inscrição puramente
perceptiva ou sensitiva –, mas, então, por que comparece como delírio ou
como alucinação? Só pode ser porque – como disse Freud – não há foraclu-
são. Em lugar algum Freud fala em foraclusão. Vejam o que está no texto do
“Homem dos Lobos” [História de uma Neurose Infantil (1918 [1914])], cap.
VII: ‘Erotismo anal e complexo da castração’, que, como sabem, foi de onde
Lacan supôs estar tirando sua ideia de foraclusão. Diz Freud: “Já conhecemos
a atitude inicial do paciente para com o problema da castração. Ele a rejeitou e
permaneceu no ponto de vista da transa sexual pelo ânus”. Pelo que me consta,
qualquer ser humano, qualquer IdioFormação aqui de nosso caso, pelo menos
do sexo dito masculino, macho, imagina na infância que era pelo cu por não
encontrar outro lugar na própria anatomia. Talvez as meninas, como foi indicado
por algumas autoras, tenham dúvida quanto a isso. É um caso de feminismo:
parecem, desde crianças, saber que têm dois buraquinhos. Freud sempre pegou
pelo lado dos meninos. É claro que estes podem imaginar, como aliás declarou
Artaud literalmente, que nasceram pelo buraco do cu.
Continuando, diz Freud: “Ao dizer que a rejeitou” – que houvesse
um sexo fêmeo (e é mesmo forçado Freud dizer que rejeitou, pois o menino
não tomou noção, não tinha ciência disso, só-depois é que o fará: ele não
tinha como saber, sobretudo quanto à sua própria anatomia) –, “o significado
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imediato da expressão é que não quis saber dela, no sentido de que a recal-
cou” (grifo nosso). Já aí está mostrado que se trata de puro recalque. Não é
que tomou aquilo e jogou no Real, ou não inscreveu o significante, e sim que
imediatamente registrou e recalcou. “Com isso não se pronunciava um juízo
sobre sua existência, mas era como se não existisse”. É óbvio, se nunca viu,
logo não existe... ainda. Lacan se aproveita desse pedacinho, desse deslize
da língua, para dizer que houve foraclusão do Nome do Pai e ficar bem com
o estruturalismo. Como sabem, foraclusão é um conceito jurídico. Em portu-
guês, não se usa o termo. Em francês, dois nomes são usados para o mesmo
conceito: forclusion – que, em português correto é foraclusão: ficar fechado
fora – e préclusion, i.e., o elemento que precisava ter entrado no processo
jurídico para ser considerado não entrou a tempo, ficou fora. No Brasil, usa-se
o termo preclusão: o juiz exige certo documento para o julgamento, o qual não
foi entregue pelo advogado no prazo dado. Ele é entregue depois, e é rejeitado
pelo juiz. Assim, o juiz, o advogado e o réu estão sabendo desse documento, só
que ele foi proibido de entrar no processo. Então, cadê a foraclusão? É, pois,
uma questão puramente normativa da ordem jurídica. Repito, não há foraclusão
alguma no caso de Freud.
Continuo citando: “Mas essa posição não podia ser a definitiva, nem
mesmo no período de sua neurose infantil” – no caso do homem dos lobos era
o que Freud chamava de neurose obsessiva. “Depois se encontram boas provas
de que ele havia reconhecido a castração como um fato”. Freud está dizendo
que o processo é: primeiro, a criança não fazer noção de que havia outra for-
mação sexual – ela era sem noção; segundo, ela reconhecer a tempo que isso
existe e, no entanto, recalcar (por motivos óbvios no caso: o tesão do homem
dos lobos era ser enrabado pelo pai). No entanto, ao mesmo tempo – e aí entra
o HiperRecalque – lhe era insuportável o mesmo problema que aconteceu a
Schreber: não é possível aceitar virar mulher, com sempre viu sua mãe. É algo
inaceitável. Schreber pensou de outra maneira: se terei que transar com o pai,
só virando mulher. Aí, começa a virar: nascem tetas, etc. O homem dos lobos é
diferente: não admite perder o pênis. Então, toma uma multidão de elementos
de sua história para construir um HiperRecalque sobre a castração. Monta um
recalque vigoroso a partir da rejeição absoluta de tirar o pênis (coisa que achava
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necessária para virar mulher) e ao mesmo tempo querer ser mulher. Queria
simultaneamente as duas coisas como bom obsessivo pregresso: fica pulando
de um lado para outro – e Freud parece não se dar conta disso. Ou seja, foraclu-
são zero. O conceito que está valendo na situação é o de HiperRecalque: uma
pletora de formações recalcando, proibindo, a manifestação de uma formação.
Peço agora desculpas ao chamado Gregory Bateson que, em sua teoria
lá em Palo Alto, decidiu que a psicose era resultante de double bind, de uma
ligação dupla e contraditória. Sempre achei que double bind tem efeitos terrí-
veis, que já encontrei na história familiar de muitos analisandos, mas descon-
fiava de que ela talvez não fosse possível de criar a psicose. Hoje, desdigo-me:
é bem provável que double bind tenha vários efeitos em razão das diversas
situações que pode criar. Situações de dificuldade de distinção que deixam os
analisandos em tal indecidibilidade que passam muito mal. Pergunto-me, então:
que tipo de HiperRecalque aconteceu com o homem dos lobos? Suponho que
tenha sido no nível de double bind. O que nele está em conflito são duas forças
iguais e opostas em sentido contrário: desejo disso e impossibilidade disso.
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forças pressionando. Mas não é tanta força, tanta formação – como vemos no
caso do homem dos lobos –, envolvida na paralisação da mente. É double bind.
Lacan diz: não apareceu no Simbólico, cai no Real. Cai no Real? Como
uma coisa cai no Real? Segundo disse Freud, há que estar inscrito em algum
lugar, e de algum modo, para poder surgir driblando o recalque como retorno
do recalcado, ou mesmo driblando o HiperRecalque produzindo uma aluci-
nação com um elemento que está inscrito. Como a pressão é tanta, ele não
comparece nem como retorno do recalcado na fala. E por que comparece como
alucinação? Vocês já tiveram sonhos extremamente reais? Em que acordam
impressionados com sua extrema realidade? Uma alucinação é isso, só que
a pessoa está acordada: a realidade psíquica sonha acordada. A pessoa está
acordada, mas está vendo uma coisa como se estivesse sonhando. Portanto, não
há foraclusão alguma, e sim que o retorno do HiperRecalcado é hiper repre-
sentado como alucinação. Freud diz que a coisa reaparece como projeção. Na
história da psicanálise, esse termo foi muito criticado, pois achavam que tinha
outro sentido. Freud nos diz que a pessoa projeta essa imagem de algum modo
segundo uma imaginação de força compatível com o HiperRecalque. Repetindo,
é igual aos sonhos de extrema realidade, mas que comparecem com a pessoa
em vigília. É o mesmo fenômeno. As ciências do cérebro que esclareçam isso.
Estou aventando a hipótese de que uma alucinação é o mesmo fenômeno de
um sonho realístico que comparece com a pessoa em vigília.
Vejam que fiz faxina em alguns conceitos para aplicarmos com mais
rigor em nossas considerações. E não deixem de reler O Homem dos Lobos.
• Patrícia Netto Coelho – Seu conceito de Real também é impossível.
Entendi como uma ressalva você dizer hoje que o Impossível Absoluto é o
não-Haver. De que impossível que se trata quando você fala do Real? É o
Impossível Absoluto? Ao mesmo tempo, você diz que Real é a Bifididade. A
Bifididade é impossível?
É impossível darmos conta da compleição das formações. Chamei de
impossível modal por ser impossível... por enquanto. Por isso, a ciência tem
progresso: esbarra em certo impossível, diz dele o que pode, no entanto, se o
desejo insiste, esse impossível muda de regime, de grau e a ciência progride
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são abordáveis, mas não todas. São abordáveis com incompletude, pois uma
parte é ressonância do Real. Por isso, chamei de impossível modal. Já o Real
é o Impossível Absoluto, igual ao não-Haver. Realidades estão nas formações
do Haver, portanto, têm impossibilidade modal. Podemos abordá-las, dizer o
que são, na sua face de Haver e Ser, e dizemos mal porque as realidades têm
repercussão lá no Real e são modalmente impossíveis. Elas aqui e agora têm
impossibilidades. Ou seja, temos um conceito de Real Absoluto e temos um
conceito de realidade modal. Sentimos a porrada da ignorância como uma das
realidades do Haver, e sequer sabemos explicar toda nossa ignorância, pois é
modalmente impossível. O Ponto Bífido é uma realidade como outra qualquer,
só que é a realidade do Inconsciente. Ou seja, a realidade psíquica se constitui
bifidamente e comparece, se explicita, em oposições. Por isso eu a chamo de
Real enquanto assinada no Secundário. Ela não é impossível de ser dita, é
impossível de ser dita em si mesma.
• P – Por isso, no esquema do Revirão, você grafou R no mesmo lugar
terceiro em que estão a indiferenciação, o neutro, o Ponto Bífido?
Podemos chamar o Ponto Bífido de realidade psíquica e podemos dizer
que ele, sobre a estrutura do Revirão, é a aproximação do Real, é a realidade
psíquica plena. Diante do Impossível Absoluto, que é o não-Haver, o ponto fica
ambíguo por ser ao mesmo tempo o representante do choque Real do não-Haver
e ser a última instância do Haver.
• PNC – Topologicamente falando, é um rastro do Plano Projetivo na
banda de Moebius.
Sim. Em última instância, é o limite entre o Impossível Absoluto e o
comparecimento do Haver. Repetindo, o lugar é ambíguo. É lido para dentro
ou para fora?
• PNC – Lido para dentro do Ser, é modal, lido para o lado do não-
-Haver, é Absoluto.
É o representante do não-Haver dentro da realidade psíquica enquanto
Haver pleno, Absoluto. O Ponto Bífido é a primeira e imediata repercussão do
Real. Há lugares no pensamento que são fronteiras. Como dar conta deles? O
Ponto Bífido é – Bífido. Fica difícil seccionarmos. E digo mais: Graças, adeus!
Se seccionarmos isso, ficaremos doidos. Ou o pensamento não tem limites?
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Da vez anterior, falei sobre o Homem dos Lobos. É um dos casos mais inte-
ressantes de Freud. Seu trabalho sobre ele é brilhante, uma obra prima. Freud
não foi seu único analista, e outros autores também falaram sobre o caso.
O homem dos lobos nunca conseguiu resolver seu problema. Tenho minhas
impressões a respeito, e mesmo um diagnóstico que pode, quem sabe?, ser
verdadeiro – foi o que me pareceu das muitas vezes que abordei o texto.
No tempo de Freud, esse tipo de caso era praticamente inexistente,
não comparecia com a nitidez que temos hoje. Por isso, acho que ele ficou um
pouco sem recursos, embora tenha apontado com clareza o que chamava de neu-
rose obsessiva do homem dos lobos – em meus termos, Morfose Estacionária.
Minha suspeita é de que se trata de um transexual, um transexual bloqueado.
Nos elementos descritos por Freud, seja na chamada cena primitiva, seja em
outras ocorrências como delírios e mesmo alucinações, vejo um desejo efetivo
de castração para funcionar como alguém na cena originária. Ao mesmo tempo,
em oposição a esse desejo, uma radical recusa de perda do pênis. As duas forças
parecem ter o mesmo valor e a mesma potência agindo em sentido contrário.
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Nessa hora é que posso recuperar o termo double bind, de Gregory Bateson: uma
força paralisante e, portanto, HiperRecalcante (não há nada no texto de Freud
que justifique algum Nome do Pai). Isso veio em sequência à Morfose Regres-
siva negativa e reativa da infância do homem dos lobos. E, por causa da dupla
força paralisante, a emergência posterior de uma Morfose Progressiva positiva
e reativa – o que torna qualquer análise praticamente impossível. Por isso, ele
nunca deu certo com análise alguma. Além de dizer que essas Morfoses foram
o que foram, ainda as chamo de reativas porque quase todas as performances
sintomáticas do caso são respostas a ações de outros, e não iniciativas próprias.
Ele está sempre sintomaticamente reagindo a ações de terceiros.
Hoje, é mais fácil entender o problema pelo fato de o aparecimento de
transexuais efetivos, e não meramente delirantes, ser algo que se tornou quase
vulgar. Schreber, por exemplo, não é um transexual efetivo. Ele precisava virar
mulher, e virou de maneira delirante, não pediu que seu órgão sexual fosse
retirado. Insisto nesse ponto por fazer a suposição de que esse ato de castração
efetiva tenha se tornado não apenas possível como frequente. Quantas vezes
encontramos a possibilidade de uma emergência de psicose – ou seja, de Mor-
fose Regressiva –, por impossibilidade psíquica do paciente ou do mundo, no
processo de cirurgia para transformação efetiva em outro sexo? É mais fácil
para nós entender que, assim como no caso de Schreber, a recusa em assumir
uma homossexualidade corriqueira e normal – que ele transformou em psicose
paranoica e, portanto, em delírio [no caso do homem dos lobos, transformou-se
em alucinação e efetiva recusa de perder o órgão] – pode comparecer apesar das
facilidades de hoje. E acho mesmo que comparece bem mais do que supomos.
Se não como emergência efetiva de uma Morfose Regressiva, pelo menos como
aproximação muito chegada da situação que a nomenclatura antiga chamava
de borderline. Está cheio disso por aí. Façam uma pesquisa nos textos sobre
transexuais e verão como é próximo do que estou dizendo.
• Susanne Bial – Há o livro Conversas Com o Homem dos Lobos, de
Karin Obholzer, publicado aqui pela Zahar em 1993. Fui revisora de língua
alemã para essa edição que foi traduzida do francês. A autora o entrevistou
aos noventa anos. No livro, há mesmo menção a malfeitos de seus analistas
ao lidarem com o caso.
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Fizeram muita maldade com ele. Não li esse livro, vou procurá-lo.
• P – Pelo que sei de pesquisadores sobre o assunto, há uma comissão
que avalia se a cirurgia de mudança de sexo será permitida ou não a alguém.
E o diagnóstico de psicose seria uma condição para liberar...
Melhor seria liberar antes de pirarem.
• P – Ocorreu que muitos interessados teatralizavam o que era preciso
fazer na entrevista, fingiam ser doidos.
O pessoal dá sempre um jeitinho.
• Potiguara M Silveira Jr – É notável você ter se referido ao tempo
para o diagnóstico ser repensado. O texto sobre o Homem dos Lobos já tem
cem anos, e é impressionante ler Freud avançando seu diagnóstico mediante
hipóteses que eram originalíssimas, de difícil entendimento e difícil aceitação
pela cultura do momento (cena originária, castração). Ser possível pensar hoje
incluindo dados novos é exemplar para acompanharmos o trajeto progressivo
do pensamento reflexivo desde seu início como hipótese.
Naquele momento, era um pouco difícil pensar em transexualidade. O
mais corriqueiro era o travesti. Hoje, segundo alguns que lidam com adoles-
centes, há um aumento no número daqueles que querem fazer cirurgia. Ou seja,
abriram a porteira da possibilidade, e muita gente quer passar. Suponho mesmo
que seja um motivo bastante suficiente para a Morfose Regressiva – por motivo
de HiperRecalque produzido por luta psíquica interna do próprio paciente, ou
por pressão externa de impossibilidade de conseguir.
• P – Você falou em borderline...
De fato, não há essa categoria em meu sistema. Tomei emprestado do
que dizem na psiquiatria. Alguns franceses a chamam de psicose branca. Ou
seja, segundo meus termos, como consequência de um HiperRecalque, a pessoa
entra em estado de psicose, mas não surta efetivamente, fica numa situação
limite criando muitos problemas. Isso não se dá apenas em casos de transexu-
ais, mas também em caso de efetivo procedimento de recalque muito forte em
relação à sexualidade, seja homo ou hetero. Há muitos meninos – as meninas,
menos – que, sabe-se lá por que em suas historinhas, têm uma recusa tão forte
à sua tendência normal a episódios homossexuais que ficam “borderline”. Há
que observar se surtarão ou não.
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• Patrícia Netto Coelho – Nomear como border não fica sem valor, dado
que seu critério não é a ocorrência do surto, e sim o gradiente de recalque?
Citei o bordeline por se tratar de uma Morfose Regressiva sem surto,
pelo menos por enquanto. Como disse, é o que alguns autores chamaram de
psicose branca.
• PNC – Sobre a ideia do trans como Morfose Regressiva...
O trans não é Morfose Regressiva. O trans que recusa sua situação, ou
que sente grande pressão contra seu desejo, este sim pode entrar em Morfose
Regressiva. São outros motivos.
• PNC – Quais? Não há sempre, de algum modo, recusa?
Há recusa do que ele recebeu e desejo de outra coisa. Isso tem duas
fontes possíveis. A fonte psíquica é ter acontecido em sua história esse percurso,
mas aposto mais na fonte primária em que há divergência entre Autossoma e
Etossoma.
• PNC – Qual a razão para alguém querer fazer cirurgia, mudar de
sexo anatômico?
A situação é conflituosa. Foi o que disse sobre o homem dos lobos:
ao mesmo tempo que é desejo disso em sua formação, sobretudo quanto ao
que Freud chama de cena originária – encaixou nessa cena... Em toda análise,
aliás, há que chegar ao ponto de ver em que lugar a criança se encaixou aí.
Todos se encaixaram nela em algum lugar. O desejo de mudança anatômica é
um desejo de trans motivado ou por uma fortíssima constituição de sua posição
na cena originária, ou por incongruência entre Autossoma e Etossoma. São as
duas causas de querer a transexualidade. A causa da Morfose Regressiva não
é essa, e sim uma forte construção de recalcamento, de não suportar isso. Ao
mesmo tempo que, para os machos, há o desejo, há a impossibilidade de perder
o órgão. Suponho que não aconteça assim para as moças. O HiperRecalque
pode vir ou por confusão própria da pessoa – que chamei de double bind: dois
desejos contrários, paralisantes –, ou pelo fato de o psiquismo não aguentar o
excesso de pressão externa e pirar.
• PNC – Por que se dá mais com os homens?
As mulheres não têm tanto a perder, têm a ganhar. Há aí um problema
de prótese.
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• P* – Essa questão sempre foi uma dificuldade para mim. Nos anos
1980, atendi durante vinte anos uma pessoa que se dizia homossexual, neutro.
Era uma ótima pessoa, morreu recentemente. Ele queria ser transexual, dizia
não querer mais brincar de mulher, e sim efetivamente passar a ser como se
sentia internamente: uma mulher. Você, na época, me disse que ele era tra-
vesti. Determinado dia, ele me comunica que faria uma transformação em seu
corpo e queria que eu fosse uma testemunha de sua transformação. Durante
um ano, fez tratamento hormonal, retirou pelos, colocou seios, etc. Passou a
usar saia e batom...
Ele cortou o pau?
• P* – Passou um tempo no exterior e disse a todos que tinha tirado,
mas, depois, me disse ter mentido. Agora, você falando sobre o grau de satis-
fação, lembro-me de que o que contava para ele/a eram sentimentos, coisas
do coração, dar tratamento vip a seu homem... Importava mais jogar no papel
da mulher na cultura do que o gozo sexual propriamente.
Mesmo nunca tendo sido analista dessa “senhora”, só sei o que você
me contava. Por isso, disse que me parecia ser travesti. Ela queria ser consi-
derada mulher.
• P* – Tive também um analisando que tinha tesão em travestis. O que
lhe interessava é que eram mulher e homem.
É diferente. E mesmo essa sua analisanda, não acho que fosse
transexual, pois, repito, ficava satisfeita em ser considerada mulher, em ser
tratada como mulher. Ou seja, não era preciso cortar nada. É bem diferente
alguém querer mudar de gênero e querer mudar de sexo. Há, aliás, entre os
machos, muitas “moças” por aí que nunca se vestiram de menina. Assim como,
entre mulheres, há muito veado... Já lhes disse que a sexualidade é sui generis.
Temos que entender cada caso para saber como é sua formação. Não é estrutura.
A composição de uma é diferente da outra.
• P* – Para mim, tudo isso continua bastante nebuloso.
Sempre será. Nada mais nebuloso do que a sexualidade. Nunca será
suficientemente clara.
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Retomo outro ponto que tratei em nosso encontro anterior. Quero desmanchar
certo quiproquó quanto ao conceito de Real. Não há erro algum na teoria,
mas, na conversa, eu falava de uma coisa, e Aristides e Patrícia de outra, o que
resultou em embrulho. Patrícia, depois, fez a gentileza de pesquisar nos livros
o surgimento da questão. Posso supor algum erro de revisão nas publicações,
posso ter feito algum ato falho e dito algo trocado em certo momento, mas
lendo o texto, e não apenas observando os esquemas, está tudo muito claro.
São dois esquemas diferentes.
Existe o esquema do Haver. Ao falar do Haver – que obedece Alei
Haver desejo de não-Haver –, o que lá está escrito como Real é fora, é o não-
-Haver. Ou seja, está chamado de: Impossível Absoluto. O não-Haver é, pois,
o Real propriamentissimamente dito como Impossível Absoluto. Dentro do
esquema, no lugar do Haver, é o que ali chamo de realidade ou de realidades – e
digo: as realidades são impossíveis modais. Ao nos depararmos com algo que
chamamos de realidade, vemos que falta alguma intervenção, protética ou não,
científica ou outra, para que seja possível ampliar nosso conhecimento dessa
realidade. Chama-se realidade àquilo que falta conhecer. O que conhecemos,
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como Freud mostrou em seu texto sobre O Sentido Antitético das Palavras
Primitivas (1925). O sentido opositivo não é imediatamente bífido e suponho
que língua alguma consiga dizê-lo, mas aquilo se diz opositivamente. Digo
melhor, acho que se diz reflexivamente como num espelho, em avesso.
• PNC – Então, o sentido antitético em Freud não seria bífido porque,
de algum modo, ainda permanece na opositividade?
Freud descobriu a Bifididade do Inconsciente, que só se diz opositiva-
mente. Ele descobriu a Bifididade, e também que ela só se diz opositivamente
na melhor das hipóteses. Se não, fazemos poesia e dizemos Amódio. Isto não
é nada, é apenas um truque poético dentro da língua.
• Aristides Alonso – Com relação ao esquema do Secundário que você
apresentou, me parece tranquilo acompanhar. Como tento destrinchar toda a
extensão do conceito de Haver, e mesmo vendo autores caminhando para ideias
convergentes, caso de Wolfram apresentado aqui, pergunto se a Bifididade que
não pode ser dita – que você chama de Real na ordem do Secundário –, quando
você faz a analogia do Haver como Espelho Absoluto e instala o Princípio de
Catoptria (que é o Princípio de Bifididade) no coração do Haver, esse Ponto
de Bifididade não é a mesma questão que se replica?
Sim. É a mesma questão que se replica no Secundário como modo
Secundário.
• AA – E no seu Haver como modo cosmológico?
Sim. É mera analogia, e não uma realidade. Lá no Haver, se quiser a
analogia do cosmológico, a suspeição que temos é de que essa Bifidade terá
comparecido, virá a comparecer antes do Big Bang. Antes da explosão, houve
implosão e homogeneidade total. Então, lá deve ser realmente Bífido. Agora,
fora dessa situação, é Impossível Absoluto conseguir isso. Só quando chegar
Lá – e quando chegar Lá, não terá ninguém, físico algum para pensar isso. É,
portanto, um construto teórico como o Big Bang. Faço a suposição de que essa
homogeneidade repercute no Secundário como Bifididade. O essencial nem
é pensar o Ponto Bífido ou a homogeneidade do Haver no caso, pois o que
repercute é o Revirão. Se repercute, ele está amostrado na teoria como banda de
Moebius, como unilateralidade, seja ela qual for. Por acaso, a banda de Moebius
serve. Então, o que a teoria faz a suposição de acontecer é que o Revirão do
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Hoje, chamo de novo Aristides Alonso para apresentar e comentar um livro,
The Question Concerning Technology in China: An essay in Cosmotechnics
(2016), de Yuk Hui. A palavra é dele:
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2. Farei alguns recortes do que é apresentado no livro. Ele parte de uma ques-
tão trazida pelo historiador britânico Arnold Toynbee nas Reith Lectures, da
BBC: “Por que os chineses e os japoneses rejeitaram os europeus no século
XVI, mas aceitaram que eles entrassem em seu país no século XIX?” Sua
resposta foi: “No século XVI, o objetivo dos europeus era exportar tanto sua
religião quanto sua tecnologia para a Ásia, mas, no século XIX, entenderam
que seria mais eficiente exportar a tecnologia sem a cristandade”. Este é o pri-
meiro ponto: a incorporação da tecnologia ocidental principalmente na China.
Ele está particularmente interessado no modo como a China recebeu a
tecnologia ocidental e pouco fala do Japão e demais países asiáticos. Ao adota-
rem uma tecnologia estrangeira, os chineses estariam levemente se sujeitando a
uma disponibilidade de colonização, pois não há como adotar uma tecnologia e
não aceitar uma série de aspectos que ela promove. Aqui, é útil lembrar o que
diz McLuhan sobre algumas tecnologias constituírem não apenas um meio de
comunicação, mas também um ambiente de comunicação que altera as transas
das pessoas ali envolvidas. O ponto de Yuk Hui diz respeito a pessoas que estão
praticamente pulando de uma situação tribal para uma situação cibernética. O
salto é enorme. Toynbee diz também que “a tecnologia em si mesma não é neu-
tra, carrega formas particulares de conhecimentos e práticas que se impõem aos
usuários, os quais, por sua vez, se veem obrigados a aceitá-las”. São questões
que Yuk Hui traz com grande força. Para nós, elas são bem conhecidas. Para
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Cito agora um trecho em que ele comenta esses três passos: “[...] Que
tipo de moralidade, qual cosmos e a quem ele pertence e como unificar isso tudo
variam de uma cultura para outra de acordo com dinâmicas diferentes. Estou
convencido de que, a fim de confrontar a crise diante da qual nos encontramos
– mais precisamente, o Antropoceno, a intrusão de Gaia, (Latour e Stengers)
ou o ‘Entropoceno’ (Stiegler), todas essas noções apresentadas como o futuro
inevitável da humanidade –, precisamos rearticular a questão da tecnologia,
de modo a vislumbrar a existência de uma bifurcação de futuros tecnológicos
sob a concepção de cosmotécnicas diferentes” (id., p. 39).
Sua proposta, como dito no início, é no sentido de dar resposta ao que
Heidegger apresenta em seu ensaio A questão da técnica (1953): para repensar
o projeto de superação da Modernidade, devemos desfazer e refazer as tradu-
ções de techné, physis e metaphysica não como conceitos independentes, mas
inseridos nos sistemas que os empregam. Sabemos de Heidegger que ele propôs
a distinção entre a essência da techné grega e a tecnologia moderna (modern
Technik). Ele dizia que a questão da técnica não era relativa à técnica, e sim ao
próprio Ser: a essência da techné é a poiesis, ou a produção (Hervorbringen),
mas a tecnologia moderna descambou para um aparato de composição (Ges-
tell), virou um depositário de possibilidades não apenas relativas à natureza
como também ao próprio homem. A techné, então, passa a outra modalidade
de produção, agora escalonada pelo cálculo, pela possibilidade de ser transfor-
mada em tecnologia. Esse modo de considerar a técnica interessa a Yuk Hui
por ser parecido com a questão chinesa. Quanto a isto, ele falará de Tao e de
Chi. Retornarei a esses dois conceitos mais adiante.
Cito Yuk Hui, ainda em Tecnodiversidade: “Se a essência da techné é a
poiesis, ou produção, então a tecnologia moderna é um produto da modernidade
europeia que deixa de possuir a mesma essência da techné e se torna um aparato
de composição (Gestell) no sentido de que todos os seres se tornam disponíveis
(Bestand) para isso. Heidegger não inclui essas duas essências como técnicas,
mas também não dá espaço para outras técnicas – como se houvesse uma única
e homogênea Machenschaft [maquinação] depois da techné grega, uma técnica
calculável, internacional e até planetária” (p. 40-41). Sabemos que Heidegger
dirá que o fim desse processo baterá na cibernética. Acho mesmo uma grande
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“O que amo é o Tao, que é muito mais esplêndido que a técnica” (The ques-
tion concerning technology in China, p. 102). Ele buscava o vazio entre cada
parte. A cada vez que topava com alguma resistência, não insistia e procurava
o melhor caminho para fazer a passagem. “O segredo da habilidade de Ding
não é precisamente sua relação mecânica com as ferramentas, e sim que as
ferramentas ali funcionam de acordo com o Tao, que flui intuitivamente através
da mão do açougueiro. A razão instrumental, que poderia se entender casu-
almente como a lógica que unifica os movimentos individuais com resultados
individuais, parece fora de jogo”.
• MD – Esta é a técnica da psicanálise, a técnica do açougueiro. Bateu
numa resistência, cai fora e sai para outro lado.
Diz Ding que um açougueiro mediano troca de faca com grande fre-
quência; um açougueiro bom, uma vez por ano; já “minha faca foi afiada há
dezenove anos e continua com o mesmo fio”. Como não topa com a resistência,
tampouco se desgasta. Lacan também conhecia essa narrativa e faz uso dela
para falar da resistência. Segundo Yuk Hui, Ding conclui que um bom açou-
gueiro não confia nos objetos técnicos que estão à disposição, já que o Tao (o
caminho) é mais essencial que o Chi (a ferramenta).
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***
O que nos importa nesses autores cujas obras peço que sejam apresentadas
aqui são os elementos que fazem parte de seus pensamentos e dizem res-
peito à entrada no Quarto Império. Mesmo com algumas dubiedades, Yuk
Hui é alguém tentando entrar no Quarto Império e formulando essa entrada
de algum modo. Esses que poderíamos chamar de autores do futuro recente
efetivamente acabam por mostrar e demonstrar o funcionamento da teoria
da NovaMente.
Por exemplo, não foi por mera diferença que a NovaMente eliminou a
oposição natureza / cultura (como, aliás, Yuk Hui também faz). Por isso, chamei
de Artifício Espontâneo e Artifício Industrial, os dois sendo da mesma ordem,
podendo ser mal ou bem-feitos, dependo da agilidade do Chi e da referência ao
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e o Maneiro. Seria uma boa ideia”. Eu diria que há vários pontos de ordem
progressiva em Yuk Hui, mas ele ainda está apoiado em uma filosofia meio
antiga. Sobretudo, quanto a suas noções de gente, de humano, de mente, de
criação, de arte, de rebelião...
A informação dele está um pouco velha. Felizmente, ele também tomou
algumas ideias para a frente. Efetivamente, já estão se espalhando pelo mundo
técnicas de comportamento que são ad hoc, que certamente passarão para as
tecnologias atuais. Têm que passar para possibilitar que se façam intervenções
no Primário no sentido de aprimorá-lo. O que se quer, como sempre, é invadir
o Primário.
• Patrícia Netto Coelho – A própria ideia de diversidade, tal como Yuk
Hui pensa, é colocada a partir de referências ingênuas, pois é aquela que se
apresenta sob formas culturais. Uma leitura mais sintomal, como chamamos,
talvez caracterizasse melhor a China. François Jullien, ao fazer o contraponto
entre os modos ocidental e oriental, é mais próximo dessa leitura sintomal,
é menos preso a uma versão cultural, ou mesmo histórica. Há lá um sintoma
que não cede à simples importação de uma tecnologia.
Jullien é um exemplo claro dessa leitura sintomal.
• PNC – E mais, para nós a tecnologia diz respeito a um processo de
superação de recalque. Assim, não importa se é preservador, conservador de
natureza. Nesse sentido, a crítica dos aceleracionistas pode ser mais interes-
sante. Para eles, a tecnologia está em dívida, está muito aquém de providenciar
as suspensões de recalque de que precisamos. Isso talvez seja o mais funda-
mental para além de ser China, Ocidente, decolonial...
Temos sempre que ter em mente que a dissolução relativa ao Quarto
Império já começou.
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Enviei a vocês uma pequena bibliografia sobre o tema da minha fala hoje:
• Aby WARBURG:
- L’Atlas Mnemosyne [1926s]. Paris: L’Écarquillé, 2012. Essai
de Roland RECHT.
- A Renovação da Antiguidade Pagã [1932]. Ensaios Reunidos.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
• George DIDI-HUBERMAN:
A Imagem Sobrevivente. História da Arte e Tempo dos Fantas-
mas Segundo Aby Warburg [2002]. Rio de Janeiro: Contraponto,
2013.
• Ernest CASSIRER (1953):
La Philosophie des Formes Symboliques. Paris: Minuit, 1972.
Vol. I, Le Langage, Cap. I: Le Concept de Forme Symbolique.
p.13 ss.
De uma vez anterior, sugeri que observassem as construções da música
como bom exemplo de organização de formações para melhor entendimento
da Teoria das Formações. Hoje, quero apresentar um personagem interessante
do ponto de vista da teoria das formações na história da arte. É um verdadeiro
precursor da nossa Teoria das Formações: Aby Warburg. Nasceu em 13 de junho
de 1866 – é contemporâneo, porém dez anos mais novo que Freud. Treze de
junho é também o dia de nascimento de Fernando Pessoa. É um personagem
estranho, mas muito importante. Tanto em sua época como bem depois, a
maioria dos historiadores, críticos e teóricos da arte nada entendeu do que ele
estava fazendo. Foi relegado durante muito tempo, e só recentemente sua obra
começou a ser valorizada. Não apenas os textos indicados na bibliografia, mas
também o extensivo catálogo que fez de obras de arte em comparação com a
arte clássica grega e a arte do renascimento – esta o tema mais importante por
ele escolhido –, a biblioteca gigantesca que montou e a exposição dessas obras
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Continuo com algumas considerações sobre a Teoria das Formações. Reco-
mendo alguns livros que ajudam na compreensão do que possam ser forma-
ções, nos mais diversos sentidos.
Primeiro, um título de Umberto Eco, que é um semiólogo importante da
segunda metade do século XX, e também um romancista bastante conhecido,
autor de O Nome da Rosa, que se passa na Idade Média em torno da obra de
Aristóteles. Já indiquei [em 2012 e em 2018] e reforço agora a indicação do
livro A Vertigem das Listas, originalmente publicado em 2009 (Rio de Janeiro:
Record, 2010). Ele faz levantamentos os mais diversos de listas escritas, de
descrições de coleções, de arranjos, e mesmo de elementos de uma composição.
Também apresenta obras de arte, que são grandes descrições de formações com
a mais diversa multifariedade. Tomar contato com isso nos dá certa ideia do
que são formações. Cito uma frase do livro quando ele considera Arcimboldo,
um pintor do século XVII que faz retratos e outras composições utilizando, por
exemplo, elementos de flores, frutas, legumes. É o tipo de formação que não
esperamos e, de repente, comparece desse modo. O comentário de Umberto
Eco resume tudo que possa esclarecer sobre a Teoria das Formações na recep-
ção do que um analisando tem a dizer: “É possível passar artificialmente de
um elenco para uma forma”. Se, em nossa escuta, conseguirmos dar atenção
a todas as formações em jogo na composição do analisando, eis senão quando
comparecerá uma forma que lhe é característica. É algo importante em análise,
e é assim que opera a Teoria das Formações.
Recomendo também, de novo, Orlando (1928), de Virginia Woolf, que
ela chama (não de romance, mas) de uma biografia. É um exemplo literário
bem-sucedido de descrição da composição de uma formação cheia de elementos
espaciais, figurativos, narrativos e mesmo temporais sobre um personagem. A
história suposta de Orlando se passa em diversos séculos com um único per-
sonagem. O mais interessante nessa dita biografia é Orlando passar por várias
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peripécias, por vários países, por várias épocas e, num desses momentos, de
repente virar mulher. Não é um transexual no sentido que damos ao termo hoje,
ele realmente vira mulher, passa anatomicamente para outro lado, continua
como personagem desse modo até, lá adiante, desvirar. Parece uma alegoria de
Tirésias, com quem também isso teria acontecido na mitologia grega. Trata-se
da composição de um personagem que é descrito e qualificado pelas formações
que o compõem, assim como é a composição de um personagem analisando,
digamos, no Inconsciente: sem temporalidade cronológica real, em espaços
múltiplos e com mudança anatômica espontânea do sexo.
Alguns críticos literários tomaram esse texto de Virginia Woolf como
abordável ou como um exemplar relativo à chamada Teoria Queer. Aí, entramos
no aspecto mais importante da questão de hoje. Além dela, como sabem, há a
chamada Teoria de Gênero, com outro tipo de enfoque. Tenho em mãos dois
volumes enormes e engraçados, é o caso de dizer, de Eric Marty. São trabalhos
de professor com um balanço possível do encerramento do século XX e do
Terceiro Império. É aquela pletora francesa de meados para o final do século
XX, que acabou por influenciar vários pontos do planeta: Brasil, EUA... Nesses
livros estão todos eles: Lévi-Strauss, Sartre, Lacan, Barthes, Foucault, Derrida,
Deleuze et caterva. Um é Le Sexe des Modernes: Pensée du Neutre et Théorie
du Genre (2021), em que ele discute longamente certa relação desses pensadores
com a obra de Judith Butler, esta, uma espécie de campeã da teoria queer com
postura psicossociológica. Duvido que tenhamos paciência para ler tudo, mas
é bom tomar noção. O outro livro é Pourquoi le XXe Siècle a-t-il Pris Sade au
Sérieux? (2011). O que temos a ver com isso?
Segundo meu ponto de vista, Lacan fecha com chave de ouro não
só o século XX como o Terceiro Império. Trata-se de cristianismo, se não
mesmo de catolicismo, passado a limpo em termos da psicanálise e do final do
século XX. Na verdade, podemos encontrar na obra de Lacan a manutenção
das ideias de cristianismo e de catolicismo com novas definições inteiramente
abstraentes. Mas, se perseguirmos o raciocínio, veremos que se trata de, talvez,
o modo psicanalítico de ter passado a limpo o Terceiro Império com todas as
suas características mais evidentes no pensamento ocidental. Quanto a Eric
Marty que se pergunta sobre a relação do século XX com a obra do Marquês
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de Sade, e por que o século o levou a sério, digo-lhes que, muito pelo contrário,
o século XX não levou Sade a sério. Nem mesmo Lacan. Acho que Marty
está dizendo que levar a sério é considerá-lo segundo a composição das teorias
desses autores de que ele trata.
Como sabem, Lacan tem um texto primoroso e considerado um dos
mais importantes de sua obra, Kant com Sade (1963). Há tempo, fiz a brin-
cadeira com o título: Cante com Sade. Chamava a atenção para o fato de que
devia considerar o Marquês de Sade um verdadeiro cientista da relação da
sexualidade com os poderes constituídos, um cientista da sexualidade. Con-
tinuo achando isto, entretanto quero supor que, no caso do texto de Lacan, a
máxima de Sade – o direito sem limites ao gozo que qualquer pessoa pode
invocar sobre outro – foi tomada com relação a um princípio de Kant como
se fossem a mesma coisa. Lacan a toma como correspondente ao imperativo
categórico de Kant. Sade tomado como kantiano ao extremo, em obediência às
duas regras kantianas: a universalidade da máxima e a indiferença da máxima
quanto ao bem, quanto ao objeto. Não concordo. Do ponto de vista que assumo,
além de Sade ser um cientista da sexualidade e da relação dessa sexualidade
com os poderes, considero que ele escreve ironicamente. Sua máxima não é
uma repetição séria – levada a sério, no sentido de Marty – como foi tomada
por Lacan. Para mim, é uma máxima irônica. Basta entender um pouco de sua
biografia para ver como ele sofreu nas mãos dos poderes e passou a assumir
uma posição irônica, como se estivesse dizendo: Os outros, os poderes, é que
são kantianos e sádicos no sentido usual. A obra de Sade é uma denúncia do
que os sistemas fazem com as pessoas. Somos a vítima de toda aquela aparente
maldade sexual. Considero agora um pequeno fato da história do Ocidente: a
escravidão negra, que é absolutamente cabível no raciocínio do Marquês de
Sade. Tomamos uma pessoa, transformamos em propriedade particular e usamos
dela, gozamos dela das maneiras que quisermos, até de sua própria morte. Eis
aí um exemplo de exercício sadiano. Continuando, repito: o Marquês de Sade é
irônico. Descreve as barbaridades que o sistema ocidental, francês, etc., exerce
sobre as pessoas. Como lembrete, quem são os personagens que constituíram
o teatro de Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola de Libertinagem (1785)? São
nobres, bispos...
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todo da análise. Alguma coisa estava faltando para aquilo fazer sentido. Uma
formação oculta é capaz de fazer a pessoa não entender sua análise. Isto por
ela não levar em consideração uma formação importantíssima na composição
de sua sintomática. Ela sequer pôde reclamar aquela formação evidente para
seu elenco porque estava debaixo de uma interdição amorosa ou de outro tipo.
Frequentemente acontece de essa coisa que ficou não dita durante tanto tempo
ser a que vai organizar todas as outras. Aquilo estava como último recalque
remanescente da repressão. Como é uma composição, se há um elemento impor-
tante que permanece recalcado e não dito, ele, de certa forma, está organizando
todo o resto, mas não está sendo reconhecido nessa organização. Então, aquilo
fica meio sem sentido e, quando comparece, organiza tudo.
• P – Haveria, então, um salto qualquer de um aglomerado para uma
forma?
A coisa se configura, a pessoa agora tem um retrato, um desenho geral
de sua sintomática primária e secundária. A pessoa pode reconhecer seu retrato
e, melhor ainda, pode aceitar e aplaudir, desde que seja mesmo a sua formação.
Por outra via que não essa, Lacan dizia que uma análise termina no “Tu és
isto”. Só que a análise de Lacan termina, a minha jamais. Para mim, só defunto
termina a análise.
• PNC – Na teoria das listas de Umberto Eco não temos uma classifica-
ção. O que ele está chamando de “forma” é algo infinito em sua possibilidade
de enriquecimento. Tem franja ali.
E percebemos o reconhecimento de certa lei de composição, que é (não
uma classificação, mas) uma descrição.
• PNC – O que você enfatiza em relação à Teoria das Formações é
justamente sua capacidade descritiva.
Como as formações são polos com foco e franja, o que temos é certo
retrato. Não as abrangemos por completo, mas elas têm configuração. Começa
a aparecer um rosto e a pessoa, em sua análise pessoal, pode acabar por se
reconhecer em sua composição – e assumi-la com todos os comportamentos
que ela preconiza.
• P – Você já disse que a análise mexe no texto do Secundário.
É por aí que ela começa.
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descrições do homem. Então, o índio era homem. Uma peça teatral sobre essa
situação, A Controvérsia, baseada no debate entre o frei José Bartolomeu de
las Casas e o teólogo Juan Ginés de Sepúlveda (1550-51), foi encenada com
Paulo José no Rio em 2000.
Os precursores da PUC é que declararam que eles não tinham alma.
Imaginem a brincadeira que é Sade diante dessa realidade. Ele é de uma leveza
encantadora.
• AA – Na escola em que dei aula, decidiu-se que pessoas trans pode-
riam usar o banheiro das mulheres. Na porta, colocaram uma tabuleta, o que
suscitou uma longa discussão. É algo tão bizantino quanto essa discussão
sobre os índios.
Na casa das pessoas, não há tabuletas e todos usam o mesmo banheiro.
Lacan colocava a diferença sexual como uma questão de tabuletas nas portas
dos banheiros. Vejam que se trata apenas de tabuletas.
• P – Em Ad Rem (2008), diz você que “Não há possibilidade de se
falar de algum universal. O que há, sim, é possibilidade de tomar como univer-
sal, de considerar como universal para efeitos de operação” (p. 147). É mais
uma questão de postura do que de alguma universalidade na consideração das
situações e dos casos.
Limita-se o problema tomando como tal, o que é estritamente local,
regional, momentâneo, etc. Mudada a situação, muda de configuração. Na
própria física, a rainha das ciências duras, o universal acabou. Não se sabe se o
universo ali do lado tem outro tipo de legislação. O Quarto Império é movente.
• LG – Você tem se referido também ao campo musical para exempli-
ficar a composição das formações...
No campo musical é mais evidente encontrar e distinguir formações,
mas é menos claro porque elas não têm conteúdo necessário. O conteúdo geral-
mente é uma regra de composição. A não ser quando a música é programática
ou está ligada à literatura com texto, como é o caso da ópera, da canção, etc. A
música propriamente dita não tem semântica determinada.
• LG – Vê-se o desenho sonoro.
E mesmo pela escrita vemos as formações com clareza.
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O foco hoje será colocado sobre Teoria do Conhecimento em termos de Teoria
das Formações.
Outro dia, na chamada CPI da Covid, uma jovem médica defensora
da vacina, etc., com a visão bastante antiga e defendendo a ciência, pedia que
se partisse da distinção entre fato e opinião. Algo interessante, mas completa-
mente datado. Já não há mais possibilidade de fazer com alguma precisão essa
distinção. Os paradigmas faliram, e esse tipo de paradigma é de vertente antiga.
Um pedido desses, que parece conduzir a uma situação mais respeitável em
relação à chamada ciência, não colabora com nada. É uma pena.
Podemos considerar conhecimento a resultante utilizável de qualquer
transa entre formações. Não apenas do conhecimento científico, que costuma
ser assim denominado pelas chamadas epistemologias. O conhecimento será
maior ou menor, mais ou menos preciso, em função do refinamento da transa
entre aquelas formações. Ao contrário da paranoia epistemológica do século
XX, a metanoia gnoseológica de agora não coloca barreiras distintivas nos
conhecimentos. O conhecimento é gradual. Ao invés de distinções, consideram-
-se gradientes. Isto, desde os conhecimentos primitivos até a mais requintada e
abstraída das teorias da física contemporânea. Nem epistemologia, nem herme-
nêutica. Não existe nenhum “espelho da natureza”, como já apontou Richard
Rorty (1979). Para a psicanálise, o que existe é a transa entre as formações.
É Phrónesis contra episteme. Todo conhecimento só pode ser progressivo e
em gradientes, desde o mais primitivo gesto, ou gesticulação, por uma crença
ingênua até a mais refinada e sofisticada dita teoria científica – tudo é conhe-
cimento. Toda transa entre formações resulta em conhecimento.
A psicanálise, em sua tarefa – que, em última instância, é clínica e,
portanto, repercute em suas posições teóricas –, não pode não ser pragmatista.
Não há outra posição para ela. Teoria alguma psicanalítica interessa se não
mantiver o sentido da cura. Portanto, do exercício da clínica. Portanto, uma
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Tentarei, então, agora, introduzir o que pode ser nossa teoria do conhecimento.
Enviei a vocês a reprodução da litogravura de Escher, Mãos Dese-
nhando [Drawing Hands] (1948). Escher viveu de 1898 a 1972, é bem con-
temporâneo nosso (e também de Anísio Teixeira). Estudem toda sua obra, é
fundamental. Seu pensamento é plástico, sobretudo através de gravuras. Nele,
iremos entender o quê?: Metamorfoses, anamorfoses, revirões aos montes...
Tecnicamente, ele se baseia na arte muçulmana, que não tem figuras, só cons-
truções geométricas. Sua obra tem figuras, e porque as tem vemos claramente
o que é um Revirão. Há, por exemplo, anjo e demônio como dois alelos do
mesmo Ponto Bífido (Limite Circular IV, 1960): xilogravura com uma con-
figuração em que anjos e demônios são avessos um do outro sobre a mesma
superfície plana. São: várias viragens, uma coisa vira na outra; inúmeras bifi-
didades; a unilateralidade (suas gravuras sobre a banda de Moebius apresentam
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de Escher. Isto porque, à medida que outras formações do Haver são arroláveis
pelo signo, haveria ali também uma metamorfose desse signo.
A realidade começa a entrar em metamorfose. O que acontece é que ela,
por isso, desenha o lado de cá que também entra em metamorfose. E o conhe-
cimento depende de metamorfose, anamorfose e de todas essas transposições
de configurações que se dão na transa da mão de lá com a de cá. Essa é a teoria
gráfica de Escher. Em geral, o melhor que dizem os autores é que é paradoxal,
mas não há paradoxo algum na obra de Escher. O que há é, sim, constituição, o
mais possível geométrica, de transa de formações. Ele fica muito impressionado
com a trama dos desenhos da arte muçulmana que, proibida de representar a
figura humana, partiu para um geometrismo quase delirante. Escher não segue
essa linha e insere a figuração de maneira bífida, sempre com Revirão.
• PNC – É possível comparar o que ele fez com a temática árabe com
o que você fez com a nosologia? Tínhamos lá um sistema classificatório, indu-
tivo – não foi por abdução que se chegou às categorias nosológicas (psicose,
neurose e perversão) –, e você, mediante a Tópica do Recalque, constitui a
Patemática (2005) como descrição e explicação segundo uma perspectiva não
apenas dinâmica como também econômica. A ênfase está mais na transforma-
ção do que nos estados que, estes, são aqueles considerados pela nosologia.
A descrição da Patemática é de momentos significativos, mas os gra-
dientes todos devem ser considerados. Esta teoria situa momentos de significa-
ção que não são estanques, têm uma dinâmica, os gradientes e as sobreposições.
São indicações de configuração. É como olhar uma gravura de Escher e ver
um demônio, um anjo... Há gente que fica só com demônios. A nosologia é
limitada e indicada para uma pessoa. Não é assim que deve ser o trato, pois
cabe buscar as formações que lá estão. Encontraremos várias, às vezes com
uma hegemônica, uma histeria dominante, por exemplo, mas o resto não está
necessariamente ausente. São formações do psiquismo que comparecem com
muita frequência. Já repararam que há dias em que acordamos obsessivos, outros
em que ficamos muito histéricos? Há mesmo dias em que ficamos inteligentes,
produtivos... Não há desenho fixo, isto é que é bacana em Escher e seu processo
plástico, a gravura, é da maior fixação.
• P – A passagem de um a outro patema seria algo como a anamorfose?
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contei que quando jovem dava aula de geometria euclidiana no primeiro ano
de um ginásio do estado. Certo dia, coloco o compasso no quadro, desenho
um círculo, e um garoto que todos, os professores inclusive, achavam meio
doidinho levanta a mão e diz: “Não dá, não é assim. O Sr. rodou o compasso e
quando ele chega lá já não é o mesmo”. Ele não sabia dizer, mas era genial seu
raciocínio. O que lhe disse foi que Euclides, em seu raciocínio, não considerou
aquilo, e sim outra coisa. Eu estava ensinando apenas uma forma de contar, e
não uma realidade. Do ponto de vista do garoto – topológico, digamos assim
–, como poderia ser o mesmo ponto se o compasso girou? Era, para ele, uma
questão séria.
• Aristides Alonso – Primeiro, o que você acaba de dizer muda a abor-
dagem do que quer que seja que venha como formação de um aglomerado que
chamamos de Pessoa. Isso tem um importante efeito clínico e muda a postura
em relação às outras concepções. Segundo, à medida que você falava sobre o
conhecimento, lembrei-me das questões que você abriu em Ad Rem (2008). A
teoria da transa das formações implica toda a concepção da Nova Psicanálise
enquanto paradigma sexual. Não há como pensar o que você está falando fora
dessa ordem paradigmática. Essa transa tem o timbre do pulsional inscrito em
todas as suas operações. Ao mesmo tempo, está subdita à ordem da Quebra de
Simetria que vem em sucessão no processo inteiro dentro do Haver. Portanto,
paradigma sexual e Quebra de Simetria são pontos de partida fundamentais
para articular as questões que você traz. Terceiro, a Teoria da Informação é
bem poderosa hoje e algumas vezes há confusão entre informação e conheci-
mento. Eu diria, então, a partir do que você vem trazendo desde o Ad Rem,
que há uma diferença enorme entre os dois. Embora a Teoria da Informação
seja um modelo extraído do conceito de entropia na física, não implica a ordem
do sexual como a NovaMente coloca. Assim, a teoria do conhecimento da
NovaMente, a Gnômica, é mais ampla do que a teoria da informação, a qual
pode servir como ferramenta de abordagem do conceito de Formação. Ou seja,
é possível, uma vez polarizada com foco e franja, tomá-la como ferramenta.
A Teoria da Informação é um caso da Teoria das Formações. Se a
Teoria das Formações é um passo, ela é mais abrangente. A partir dela, é pre-
ciso entender quais são as efemérides dos elementos que compõem a teoria da
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Insisto na temática da vez anterior, mesmo sendo repetitivo. Eu falava no
sentido de tomar a Teoria das Formações como Teoria do Conhecimento, o
que derroga necessariamente muitos dos aspectos da consideração anterior
sobre o conhecimento.
Coloquei as Mãos de Escher como o modelo de entendimento de como
se constitui um conhecimento enquanto transa entre formações. Disse que o que
acontece de conhecimento é o que se passa entre as mãos de Escher, a transa.
Se quisermos, poderemos chamar a mão de cá de Acervo – em latim, acervus
–, e a de lá, Aspecto – aspectu: o conjunto maior ou menor de formações que
está em jogo no acervo em transa com o conjunto disponível aqui e agora no
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aspecto que se nos apresenta, ou que se apresenta a esse acervo. Disse também
que conhecimento é qualquer resultante do que se passa entre duas formações:
qualquer resultante de uma transa entre qualquer acervo e qualquer aspecto é
necessariamente conhecimento, do mais primitivo ao mais sofisticado. O que
importa é haver um imenso gradiente de riqueza ou pobreza desses resultados
e dessa transa. Então, para situar aproximadamente um conhecimento como
resultante, é importante saber considerar o grau de riqueza de uma transa.
Qualquer variação no acervo resulta em reconfiguração no aspecto. Assim
como qualquer reconfiguração no aspecto resulta em variação no acervo. Esta
é a dinâmica, esta é a transa.
Talvez alguns que não são da área específica da filosofia, por exemplo,
não saibam do poder acumulado pela ideia um tanto estapafúrdia de epistemo-
logia. Ela foi a rainha e governante do conhecimento, capaz de decidir sobre sua
verdade. Era assim que pensava o século XX, e para trás também. Em contra-
posição, porém não menor ou desregrada, a hermenêutica é mais conciliadora,
pretende estar tecendo considerações sobre a produção de conhecimento. Dois
poderes em permanente conflito, mas ambos desejosos de hegemonia nessa
parada. Como sabem, com o tempo – e na reconsideração dos acontecimentos,
sobretudo a verificação do fim do Terceiro Império e a emergência do Quarto:
finda a paranoia do século XX e a vocação progressiva já começando no século
XXI –, para meu uso, juntamente com objeto e sujeito, joguei fora ambas essas
pretendentes à dominação. Digo, então, que a história do conhecimento é aquela
que se passa – desculpem a analogia divertida – entre a Sapucaí e a Sapucaia.
Entre a [rua Marquês de] Sapucaí, do desfile do Carnaval [na cidade do Rio de
Janeiro], e a Sapucaia, que é o antigo sobrenome do Lixão [também no RJ]. As
grandes formações de conhecimento se apresentam como exuberantes desfiles
de Escolas, de samba ou qualquer outra, depois vão para o lixo enquanto novos
desfiles se apresentam, não servem mais como grandes formações escolares e
se amontoam na cambulhada dos saberes dejetados. Contudo, nossa miséria
cognitiva pode eventualmente nos tornar catadores de alguns fragmentos do
lixo que venham a servir aqui e ali para a sobrevivência.
O atual momento é de preparo de um novo desfile. Nosso momento de
crise e de reformatação em direção ao Quarto Império vem transformando, e vai
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pintando uma paisagem e não sabia o que estava pintando: observava apenas as
cores e as tonalidades, colocava-as na tela para, depois, descobrir que pintava
um feixe de lenhas. Antes, à distância, não sabia o que era [p. 199]1. Essa é
também a mentalidade de Cézanne. Não importa o que esteja pintando, e sim a
abstração das cores e das tonalidades que pode apreender mediante seu modo
de olhar: transa entre formações. Ele não está representando uma paisagem, e
sim registrando o que se passa entre seu cérebro-olhos e um agoraqui-paisagem:
a mão que desenha a mão que a desenha.
A título de ilustração, trago algumas frases de Cézanne: “Tudo que
vemos, não é o mesmo, se dispersa, se vai. A natureza é sempre a mesma, mas
nada permanece dela, daquilo que nos aparece” – é a maneira que, na época,
ele tinha para dizer. “Eu tomo, à direita, à esquerda, aqui, ali, por toda parte,
seus tons, suas cores, suas nuances, e eu os fixo, os aproximo... eles conformam
linhas. Eles se tornam objetos, rochedos, árvores, sem que eu pense nisso” – é
seu método de abstração. “O artista não é mais que um receptáculo de sen-
sações, um cérebro, um aparelho gravador...”, com suas características, no
caso. Parece Fernando Pessoa. “A arte é uma harmonia paralela à natureza”.
Observem como ele tenta explicar essa transa: “Os dois textos paralelos, a
natureza vista, a natureza sentida, aquela que está ali... (mostrava a planície
verde e azul) aquela que está aqui (batia na própria testa), que devem ambas
amalgamar-se para durar, para viver uma vida metade humana, metade divina,
a vida da arte, escute só... a vida de Deus. A paisagem reflete-se, humaniza-
-se, pensa-se em mim. Eu a objetivo, a projeto, a fixo em minha tela...” – só
tem transa entre formações. “Dois textos paralelos”: a mão de cá e a mão de
lá. “O torvelinho do mundo, no fundo de um cérebro, resolve-se no mesmo
movimento percebido” – é como podia explicar. “Eis o que devemos saber”
– ele trata isso como oportunidade de saber. “Eis o banho de ciência, se ouso
dizer, em que devemos mergulhar nossa placa sensível”. Ou seja, está dizendo
que seu quadro é da ordem do conhecimento de alguma aparência do Haver.
Encaixemos isso na teoria do conhecimento. Termina ele: “...para Deus (...), se
1 Esta referência e as demais citações estão em: Conversas com Cézanne, organizado
por Michael Doran. São Paulo: Editora 34, 2021. Trad.: Julia Vidile.
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um pouco de ciência nos afasta de lá” – do que está vendo –, “bastante ciência
nos aproxima da natureza”. “Sim, quero saber” [p. 182-193] – ele pinta para
saber, em busca de conhecimento.
Paro por aqui, para conversarmos e estabelecer uma decantação dessa
vertente teórica.
• Potiguara M Silveira Jr – Parece haver grande dificuldade em apre-
ender uma teoria como a Teoria das Formações ainda agora, já nos anos 20
do século XXI. Fazer isto seria como que uma ferida narcísica em relação aos
modos anteriores de considerar o conhecimento?
O falecimento das formações anteriores se torna cada vez mais explí-
cito. É só uma questão de tempo para a Teoria das Formações, ou qualquer outra
do mesmo naipe, vir substituir essa vontade de dominação do conhecimento pre-
gresso. Basta ver que certos textos que foram comandantes nas epistemologias
se tornaram ridículos. A teoria de Popper, por exemplo, teve enorme domínio
no campo da filosofia e adjacências, mas, hoje, aquilo é meio ridículo. Sempre
lembro que ele, num de seus últimos artigos, ao ser cobrado sobre o limite de
competência da teoria que forjou para sustentar a razão de conhecimento que
propunha, disse que era preciso acreditar nela. O papa diz o mesmo, qual é a
diferença? Mas não é questão de crença, e sim de ferramenta aplicável ou não
em determinado momento. Seu projeto de falsificação é absurdo e abusivo.
Por que poderia ele tirar a psicanálise e o marxismo da razão científica? Estou
propondo o contrário. O pensamento de Cézanne – como, no resvalo, ele acaba
dizendo – é científico, é produtor de conhecimento com outro modelo. Quanto
ao que hoje acontece, temos que buscar pensar no que é a cabeça de alguém
com quinze anos de idade, depois de passar pelo desfazimento de parâmetros
que acometeu o mundo. Então, assim como o conhecimento da pré-história
foi derrogado pelas formações mais eruditas de um futuro, esse passado até
o final do século XX está em total periclitância. Foi uma fase de tentativa de
pensamento daquele modo – acabou! Está se tornando irrisório. A derrocada nos
obrigou a pensar, as pessoas do século XX vão morrer, o Quarto Império con-
tinua e esses textos vão para a prateleira – ou seja, para o lixão. Não confundir
a emergência de um novo modo de pensar com a possibilidade de as pessoas
se livrarem de seus sintomas. Que façam análise durante uns trezentos anos...
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denunciou que ele é uma superstição. Hoje, aqui em nosso trato específico,
digo que sujeito é um cacoete francês. Observem que o Acervo não domina
nada, ele transa. Portanto está no meio, entre. A transa é entre, não é do meu
cérebro: está entre tal conjunto de formações e tal outro. Aí também se desfaz
o mito do autor, o qual é apenas uma situação, uma localização aqui e ali de
um fenômeno de transa. Se retirarmos alguns aspectos, o lado de cá nada vê.
Se retirarmos o lado de cá, o aspecto estará lá de graça, não há ninguém para
ver. Isso tira bastante a arrogância do antigo sujeito, o que é certa ferida nar-
císica. Precisamos nos acostumar a essas abstrações radicais, pois facilmente
resvalamos para o sintoma anterior, em que a gente começa a “se” achar por
estar com o vício da personalidade, que inclui sujeito, etc.
• P – Quanto ao Aspecto, qual é a relação com o que você, há tempo,
falou sobre as aparências não enganarem?
Antes, chamei de aparência, mas, depois, não quis mais usar o termo.
Aspecto é aquilo que se nos apresenta. E só se apresenta assim para nós porque
é assim que nos apresentamos para ele. É recíproco. Mudando alguma coisa
de um lado, também muda de outro. Desde a pré-história, é essa a história do
conhecimento. Eles, lá, sabiam caçar um bisonte, nós não sabemos. Perdemos
esse conhecimento. Ou, se não, ganhamos mediante tecnologia, mediante armas
de precisão. Os tolinhos paranoicos do século XX, sobretudo os da episte-
mologia, queriam porque queriam dominar a certeza do que é e do que não é
conhecimento. É uma bobagem, quase fascista. O que é preciso saber é o grau
de resultado, de eficácia, de um conhecimento seja qual for.
• AA – Fosse nosso olho constituído de outra forma, os aspectos com-
pareceriam de forma diferente.
Donde o cyborg.
• AA – Por dominação cultural e ideológica, temos a impressão de
que o nosso é o modo de ver que retrata determinada realidade com precisão.
Entretanto, mudada uma composição qualquer na formação de cá, a outra se
mostrará de maneira diferente.
Como um cego pinta? E mais, o cérebro tem competência para criar
seu olho. O que importa é o olhar. Vemos isso com clareza geométrica no
Renascimento, sobretudo o italiano. Foi lá que se começou a cientifizar a visão
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Não é preciso culpar ninguém, pois são apenas ajustes, transas. Para tanto, é
preciso continuar a análise.
Ainda é cedo, é preciso tempo.
• NM – É como fazer a ficção de uma transa social em que a emergên-
cia de sensação de interioridade e de individualidade seja mínima, convivendo
com uma presença de reconhecimento, na transa, das diferenças.
As próprias formações são diferentes. Qual rol de formações há numa
formação? Elas são diferentes. Ou seja, em última instância, não é possível
existirem duas pessoas iguais.
• AA – No decorrer de sua obra, você sempre fez passagem de campos:
de filosofia para ciência, para arte. Ou seja, demonstração de pensamento
dos mais refinados no que se estudava como mera arte. Penso em sua análise
[1981] do quadro As Meninas, em que você traz a exemplaridade do pensador
Velázquez, que estava à frente, progressivamente, em relação aos pensadores
assim supostos de seu momento. Sua ciência em relação à mente estava mais
up to date do que o standard do conhecimento de então.
Velázquez tinha todos os motivos para fazer isso. Aquela Corte espa-
nhola era uma escrotidão e ele, ali aprisionado, tendo que fazer retratinhos. Ele
foi à forra inteligentemente: com seu olhar soberano, sacaneou o rei, a rainha
e ultrapassou seu século.
• AA – Nesse sentido, podemos também falar de Antônio Francisco
Lisboa, injustamente chamado de Aleijadinho, que constrói um pensamento
poderoso a partir do material de que dispunha – pedra sabão, madeira como
o cedro – e nas condições em que estava. Ele retrata toda uma situação socio-
política e mental de seu momento.
E, como já disse, de modo bem Maneiro.
• AA – É mesmo preciso olhá-lo sob o aspecto de transa das formações.
Já coloquei a reprodução de um anjo dele na capa de nossa revista
Revirão [n. 3, dez. 1985].
• AA – Há também Augusto dos Anjos, que pensa em sonetos.
“Senhor da alta hermenêutica do Fado, / Perlustro o átrium da Morte...”
Como sair destes dois versos? Continua: “É frio o ambiente / E a chuva corta
inexoravelmente / O dorso de um sarcófago molhado”. Vejam que está tudo aí.
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São dois assuntos para conversarmos hoje. Primeiramente, tenho notado às
vezes, em comentários nossos, certa confusão sobre a Tanatose e sobre o
conceito de Morfose Progressiva em relação à Psicopatia. São questões rela-
tivamente parecidas.
A Tanatose, assim como a Psicopatia, não comparece como as Mor-
foses dependentes do estatuto do Recalque. Estatuto este que é, sobretudo, da
ordem do Secundário, para aquém do Recalque Originário, etc., como vemos
nas Morfoses Estacionária, Regressiva e Progressiva. São Morfoses que têm
a ver com a referência à ordem dos Recalques, especificamente ao Recalque
Secundário. Como sabem, a Morfose Estacionária é uma resultante dos Recal-
ques. As Morfoses Regressivas são resultantes do HiperRecalque, ou seja, de
um conjunto de formações recalcantes tão poderoso que não deixa comparecer
como mero sintoma ou simplesmente na ordem dos sonhos, etc., e comparece
como aquilo que, no passado, ficou nomeado como psicose. Chamo, então, de
Morfose Regressiva dependente de HiperRecalque. Já a Morfose Progressiva,
também relacionada à ordem dos Recalques, é uma formação que consegue
driblar o recalque. Não é que, nela, não haja recalque, talvez mesmo lá esteja
em funcionamento, mas pode acontecer – o que nas outras não acontece senão
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como sintoma, como ato falho... – como uma espécie de suspensão do recalque.
É como se a ordem recalcante fosse mais frágil do que a potência de expressão
da pessoa. Ela, então, suspende o recalque de várias maneiras. Positivamente,
como uma função criativa. É o que vemos acontecer na história das ciências e
das artes: a pessoa, sob uma poderosa ordem recalcante no nível do conheci-
mento e da aceitação dos valores artísticos e estéticos, suspende e acaba criando
e inventando coisas novas.
Em sua função Negativa, Morfose Progressiva é o que antigamente
chamavam de perversão, um termo policial que não nos interessa. Já lhes mos-
trei diversas vezes sua desvalorização, inclusive me referindo ao livro Lecture
des Perversions: histoire de leur appropriation médicale (1979), de Georges
Lantéri-Laura. Prefiro, portanto, chamar de Morfose Progressiva Negativa, que
é da ordem da ultrapassagem dos valores sociais, morais, etc., e em que a pessoa
se torna abusada em relação ao próximo. Isto nada tem a ver com psicopatia.
O conceito de psicopatia da NovaMente é o de uma anomalia cerebral, é da
ordem do Primário. Aproveitei-me dos trabalhos de Ramachandran, em que
ele considera as possíveis deficiências de neurônios-espelho no cérebro. Ele
faz referência ao autismo e me aproveito de sua descoberta para considerar
que chamo de psicopatia a falta de empatia para com o próximo, o que permite
os maiores abusos – mesmo politicamente, como vemos na situação atual do
país. A psicanálise não dá conta disso analiticamente, pois, repito, é da ordem
de deficiência cerebral.
A Tanatose tampouco é da ordem do Recalque Secundário. Não per-
tence àquelas Morfoses que dependem da estrutura do Recalque Primário e,
sobretudo, do Recalque Secundário. Se a Tanatose tem alguma relação com
o Recalque é com o Recalque Originário. Ela, quando vence as resistências,
é a confluência radical na força d’Alei: Haver desejo de não-Haver. Ou seja,
quando as resistências que nos mantêm aderidos a processos vitais, de prazer,
etc., ficam menos fortes do que a Pulsão d’Alei, estamos em caso de Tanatose.
Tenho o exemplo de um analisando tanático, em suspensão por apresentar a
grande sintomática da Tanatose, mas que não desiste de viver. Isto dá bastante
resistência em sua mente. Entretanto, prefiro trazer o exemplo de três pessoas
mais ou menos recentes, mais ou menos da mesma época, que são artistas da
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Editora 34. Nele, podemos ler com clareza sua vocação tanática. Ele era um
judeu que teve a família destroçada pelo nazismo e que, o tempo todo, apresenta,
não apenas em sua poesia, o não-senso, o não sentido da existência assim como
um mal-estar radical dentro do Haver. Há também em sua obra a permanente
presença da Bifididade do Inconsciente: os dois polos tentando comparecer
conjuntamente. Como disse, jogou-se no Sena aos cinquenta anos, deixando
uma obra excelente. Outro que coloco como tanático é Fernando Pessoa.
Podemos ver em sua vida e em sua obra a relação com Alei, Haver desejo de
não-Haver, sempre perseguindo suas funcionalidades dentro do mundo. Isto, a
ponto de viver numa estranheza em relação a si mesmo e à existência. Que eu
conheça, é o único grande poeta que entendeu claramente o aglomerado das
pessoas. Ao considerar o seu aglomerado, repartiu numa série de personalida-
des diferentes. Há as grandes que todos conhecem, mas há muitas outras que
aparecem com mais leveza em sua obra. Ele percebeu que Fernando Pessoa é
esse aglomerado e sempre se referindo a seu mal-estar dentro do Haver. Podem
dizer que não se suicidou, mas digo que se suicidou sim. Existe o suicídio coti-
diano que aparece representado por ele numa fotografia em que está bebendo
no bar, em cujo verso escreveu: Fernando Pessoa. em flagrante delitro [uma
dedicatória à sua namorada Ofélia Queirós]. Ou seja, foi pego em flagrante
delito de suicídio – bebeu desesperadamente até destruir alguns órgãos vitais
e morrer aos quarenta e sete anos.
• P – Ao dizer que o conceito de psicopatia é de ordem primária, tra-
ta-se de algo que tem a ver com as fundações mórficas, mas, depois, não se
desdobra em uma relação com o Secundário?
Sua origem é específica, e é claro que terá relações com o Secundário.
Para entender isso, basta olhar para algum palácio no planalto.
• P – Teremos que pensar essa relação em termos das Morfoses Esta-
cionárias, Regressivas e Progressivas?
Estão envolvidas com isso. Quanto à formação específica, os efeitos
comparecerão, pois há transa de formações. A formação pode ser primária, mas
temos que perguntar como ela repercute no Secundário. Pode, por exemplo,
repercutir como remédio errado aconselhado às pessoas. Não é o que atualmente
assistimos na televisão?
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um pecado grave e receber absolvição. É um truque que permite passar por cima
do recalque e cometer um abuso. A Morfose Progressiva Positiva é criativa, é
alguém se permitir suspender determinado poder de conhecimento para inventar
outro. Ele sabe suspender recalques que são da ordem do, digamos, exógeno. A
cultura o pressiona, mas ele suspende, vai em frente e cria algo novo. A pressão
não é dentro, não é um recalque seu que está suspendendo por ter recebido
alguma absolvição. Tomem o caso de Galileu Galilei, que sofre pressão de
poderes externos. Temos ali um Progressivo procurando maior entendimento do
que se passa no regime do Haver, e um poder de fora recalcando seu processo.
Já o Morfótico Progressivo Negativo é um nojento que comete coisas graves
em relação ao outro, ou ao mundo, e consegue fazer suspensão disso mediante
um álibi que pode ser religioso, por exemplo.
• P – Você, antes, dizia que a fobia era o avesso da perversidade. O
que posso entender hoje é que, ao sofrer um reviramento interno qualquer, o
Morfótico Progressivo Negativo vira fóbico.
Quando a Morfose Progressiva Negativa se avessa, a pessoa entra em
pânico, fica fóbica. O álibi não funcionou, e aquilo vai se virar contra ela.
• P – Não há certo juízo de valor na diferença que você está fazendo
entre o Positivo e o Negativo? Mesmo o Positivo não tem que ser abusado?
Ele é abusado em relação a uma pressão que não é recalque dele, é
uma força recalcante externa. Como não virou recalque dele, consegue pas-
sar por cima e suspender a força recalcante externa. O Negativo suspende a
ordem recalcante interna. Ele sabe que está sendo escroto, mas arranja um
álibi. Quando a pressão está instalada dentro, é uma coisa. Quando se sofre
uma força recalcante externa, é outra. A maioria, diante do recalque externo,
bota o galho dentro e fica bonitinha.
• Patrícia Netto Coelho – Esta é uma distinção útil para diferenciarmos
uma situação fóbica propriamente de uma situação de ansiedade. Por exemplo,
a situação de ansiedade generalizada por que passamos atualmente.
Sim. É diferente a maioria, mediante um recalque externo, colocar o
galho dentro por medo de estar sendo o outro lado. Ela quer acreditar na verdade
da força recalcante. Já o outro está sabendo e dá um drible completamente fake.
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É preciso uma nova ordem política que nada tenha a ver com qualquer
outra do passado. Daqui a duzentos anos, ninguém de hoje estará presente, e a
gente de então poderá inventar essa nova ordem.
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Outro assunto sobre o qual quero falar hoje é a Polimatia. Enviei a vocês a
indicação de vários livros. Sobretudo, O Polímata, de Peter Burke (São Paulo:
Unesp, 2020), recebido de presente de Patrícia Netto Coelho que fica me cha-
mando de polímata. Outro livro dele, interessantíssimo, é O Que é História
do Conhecimento? (2015) (São Paulo: Unesp, 2016). Há ainda Introdução
ao Pensamento Complexo (1990) (Lisboa: Instituto Piaget, 1995), de Edgard
Morin, que é da ordem do reconhecimento da complexidade das formações.
E, também dele, O Método (Porto Alegre: Sulina, 2005), em seis volumes,
que são chatos, mas convincentes. Não sei por que chamou com esse nome.
Faz lembrar Feyerabend, Contra o Método (1975). O método de Morin, sem
que ele soubesse, é uma tentativa de descrição da zorra das formações. Não
é uma teoria das formações, mas é uma abordagem complexa, discursiva e
narrativa das formações em vários sentidos dentro de nossa experiência. Indi-
quei também o livro de David Epstein, Por que os Generalistas Vencem em
um Mundo de Especialistas? (2019) (Rio de Janeiro: Globo, 2020). Isso tudo
quer dizer que, ao começarmos recentemente a sair da paranoia do século XX,
estamos igualmente saindo da paranoia do chamado rigor especialista. Lacan,
que prezava tal rigor, chegou a dizer que a psicose é uma tentativa, um ensaio
de rigor – e é isso mesmo. Em termos de conhecimento, a paranoia do século
XX culminou nessa vontade estapafúrdia de especialização que desreconhece
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É algo que está acontecendo à revelia. A tecnologia está promovendo
isso na marra. Interessante que tenha conseguido ter uma visão anti-século
XX, ainda que cheia de cacoetes por ele ser da época. Tem sujeito, objeto, mas
indicou o percurso com bastante força.
• AA – Nesse movimento de reconexão entre as coisas, incorporou a
entropia, Prigogine, Maturana...
Entre nós, é o que chamamos de Teoria das Formações.
• AA – O espírito polímata não é encarecido no Brasil hoje. McLuhan,
por exemplo, não poderia dar aula numa faculdade de comunicação por sua
formação não ter “aderência” à disciplina.
Não se consegue situá-lo. A burocracia é estúpida, como Max Weber
já demonstrou. Ela é pura perversão.
• Nelma Medeiros – Como a Plataforma Lattes saiu do ar, perderam-se
por enquanto os currículos de alunos e professores. Seria uma boa oportuni-
dade para repensar todas essas especializações...
Currículo Lattes é o fetichismo acadêmico. Não dá conta da minha
formação, por exemplo: em design, graduação em psicologia, mestrado em
comunicação, doutorado em teoria literária. E mais, docência em geometria,
conhecimento de música, de artes plásticas, poesia...
• Patrícia Netto Coelho – Seu modo foi de ler a polimatia a partir da
Teoria das Formações, a qual seria a expressão maior da polimatia. E há o que
você, em 1995, traz como Razão Analógica. A polimatia só é possível mediante
o reconhecimento de que a razão das transas é analógica.
Na estrutura paranoica das formações teóricas do século XX, temos o
ato de Lacan abolir a questão da analogia e introduzir um conceito de substitu-
tividade significante para a metáfora. É quase uma regra aritmética, impossível
de ser obedecida. Vai contra as analogias por estas remeterem a esse espírito de
polimatia. Vai a favor de um rigor pseudo-matemático de uma relação propor-
cional para fundar a metáfora paterna. É, como sempre digo, algo compatível
com seu momento. Lacan é perfeitamente contemporâneo de Lacan, só que,
agora, basta!
• PNC – Um aspecto do cacoete francês do sujeito é o Discurso do
Método, de Descartes.
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Faço algumas considerações sobre nossa situação de mundo com base na
Teoria das Formações. É preciso acrescentar o esclarecimento sobre o contem-
porâneo que, cada vez mais, fica difícil de compreender e manejar. O século
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aconteceu: foi condenado tendo que beber cicuta por conta própria. Ele pare-
cia tirar aquilo de letra para dar uma gozação nos poderosos. Sócrates foi
assassinado – este é o termo correto – pela democracia. O tempo da morte de
Sócrates é o da instalação da democracia na Grécia. Por que ele foi condenado?
Porque estava politicamente errado. Primeiro, foi excluído pelos tiranos, mas
não assassinado. Segundo, quando volta a democracia, a situação fica mais
violenta. Ou seja, é condenado à morte pelos democratas. Conforme dito em
seu laudo de condenação, estava subvertendo a juventude pela tirania da razão.
No caso dos tiranos, não havia lugar para a contestação supostamente racional,
e tampouco no caso dos democratas. Isto porque democracia não é o regime
da razão, e sim o regime da opinião, da doxa. Opinião de quem? Da suposta
maioria quantitativa. Entendem o fracasso da democracia em nosso momento?
Não há condição mediana para sustentá-la. Dado que os parâmetros explodiram
e as referências são fracionárias e fracionadas, não adianta brandir seu nome
para a luta contemporânea. Será perda de tempo.
Outra pessoa que sofreu pelo mesmo problema de Sócrates foi meu
mestre Anísio Teixeira. Foi assassinado, no caso por uma ditadura e não pela
democracia, por insistir em tomar a democracia reconhecida como uma necessi-
dade da razão e bater de frente com o regime quando o país inteiro se lixava para
a democracia. Não esquecer que a maioria estava achando muito interessante
aquela suposta revolução de milicos. Ele não percebeu que não era a hora de
bater de frente. Várias vezes, quando jovem, eu o encontrei na editora em que
trabalhava. Ele me pedia para ler o texto de artigo seu a ser publicado no jornal
de São Paulo. Eu lhe dizia: “Professor, por favor, tira essa palavra, essa frase,
isso vai dar em violência”. Às vezes, tirava, às vezes não. A história, exatamente
como uma análise, como a psicanálise freudiana, está sob o regime do só-depois,
Nachträligkeit. O só-depois é que faz a leitura do acontecimento. Por isso, os
historiadores estão sempre perdidos no durante. No só-depois tentam explicar o
que não entenderam. Mas será que, apesar do só-depois, mesmo numa análise,
é possível alguma pré-visão? Algum faro de percepção de para onde a coisa
está se encaminhando? Frequentemente numa análise suspeitamos de onde vai
dar. Alguma previsão é possível no regime do encadeamento da sintomática. Se
fizermos uma leitura sintomal, e não ideológica, de preferência de nossa própria
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sintomática, poderemos acompanhá-la e ter certa noção de onde ela vai dar. É
claro que isso pode ser subvertido pelo evento, pois o acontecimento sempre
desestabiliza a ordem sintomática – o que também pode ser útil no percurso de
uma análise. É o que pode subverter a pressão sintomática sobre uma pessoa.
Não é pelo ato analítico, é pelo acontecimento. O analista deve estar atento a
esse acontecimento que pode sobrevir na análise de qualquer um – felizmente.
É o que, em nosso teorema, é chamado de HiperDeterminação. Por que dei
esse nome que parece uma determinação extremamente mais forte? Porque é
determinada pelo acontecimento. O acontecimento determina o desregramento
do encadeamento sintomático. É um acontecimento HiperDeterminante.
O que trouxe é uma possível abertura para entender nossa situação
contemporânea. Alguém tem alguma sugestão de como sair dessa? Acho que
demorará a aparecer aquele que tenha as condições históricas, etc., de sugerir
uma saída. Talvez seja um ato coletivo. O que faço é a suposição de ter alguma
ideia de como se sustentar dentro disso: afastamento, distanciamento, reflexão,
análise e espera – pelo que não irá acontecer durante nossa vida: nenhum de
nós verá.
• Nelma Medeiros – Na contramão desse esclarecimento que situa no
nível lógico e sintomático que a democracia não é o regime da razão, e sim
da opinião da suposta maioria quantitativamente como medianidade, o século
XX insistiu numa razão discursiva que fosse a base da democracia, ou numa
razão que pudesse fazer certo regime de equidade.
Veja só que maluquice: justamente a época que assim preconizava pro-
duzia grandes formações paranoicas no regime da reflexão. Como seria possível,
com aquelas formações paranoicas do século XX, preconizar a democracia?
Nem falo em Marx ou em comunismo, pois aquilo morreu por lá mesmo.
Tomemos o próprio Lacan com a tentativa estruturalista inteiramente parana
no sentido de forçar a barra de um conhecimento radical, pontual e definitivo.
Algumas décadas atrás me assustei com isso ao ler pela primeira vez seu semi-
nário sobre As Psicoses. Como lhes conto sempre, até à metade as considerações
são importantes, mas, de repente, para ser coerente com a função estrutural,
parte para a foraclusão do Nome do Pai como determinante único e eficaz de
uma psicose. Não é verdade. Isso é século XX, com tudo perfeitamente correto
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Dops, leu que eu era tido como “intelectual de direita, porém inofensivo”. É
de morrer de rir.
• Potiguara M Silveira Jr – Lembro que antes do Congresso da Banana,
ao propor que o cartaz fosse uma banana, houve grande reação interna, dentro
da instituição que era a sua.
Houve gritaria, começaram a me agredir.
• PMSJr – Um francês, daqueles que vinham dar palestra aqui, ficava
perguntando: Pourquoi la banane?
A resposta é justamente dar uma banana.
• PMSJr – Acho mesmo possível dizer que o Congresso da Banana é
uma expressão do Antes Ainda. Talvez agora, no Só-Depois, possamos entender
que essa banana possa ser útil no entendimento não apenas da psicanálise no
Brasil, mas da psicanálise do Brasil.
Com o passar do tempo, logo depois, boa parte do chamado Colégio
Freudiano se desesperou por ver que, lá dentro, o lacanismo estava acabando
– e passaram a fundar escolas lacanianas: fósseis.
• PMSJr – Roberto DaMatta, um dos palestrantes, fez uma boa fala
sobre o valor da banana na cultura brasileira. Você comentou que ele tinha
entendido muito melhor o porquê da banana do que gente da instituição.
Ele explicou razoavelmente bem.
• AA – Supomos que o gesto de dar uma banana seja cultural, mas é
de primatas como expressão de desprezo.
A música que era o núcleo da mensagem do espetáculo de José Celso,
no Rei da Vela, era: “Yes, nós temos banana! Banana para dar e vender!”
• AA – A Tropicália usou e abusou do símbolo da banana. Era algo
bem presente na cultura brasileira que o pessoal estava recusando.
É ignorância e macaquice deles em relação a coisas de fora.
• AA – Na comemoração dos vinte anos do Colégio Freudiano, a
imagem da banana foi utilizada de novo, mas então ela já estava descascada.
Parafraseando Carmen Miranda, você colocou: Banana is our business too.
Vejam que, do ponto de vista de nossa cultura, está tudo certo.
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De vez em quando, ouço algumas perguntas, ou ouço falar do que compa-
rece em nosso meio, que me deixam a impressão de que há metafísica nos
atrapalhando. Pensamento não é filosofia. Esta é um cacoete ocidental, sem
obrigatoriedade de ser acolhida. Há várias modalidades de pensamento que
não são filosofia: matemática, psicanálise, poesia... Hoje, então, aproveito
para lembrar alguns dispositivos de nossa teoria e peço que compareçam com
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a ideia de alma, então lá colocaram o sujeito. Ao invés de ser efeito, parece ser
certa substância que está em algum lugar produzindo coisas. Isso não existe.
• Patrícia Netto Coelho – Você falou sobre ingredientes nessa transa
que resultam na alucinação do sujeito. Ainda há aí as formações primárias,
etológicas...
Todas elas estão em jogo. O defeito de esquecer o Primário não está
muito em Freud, mas depois dele fica mais forte. Esquece-se de que lá há um
etológico que, por mais que tenha sido subvertido pelo Secundário, é um dos
motivos de diferenças fundamentais entre as pessoas. Elas têm composições
etológicas diversas, que estão funcionando – e pior, funcionando inconsciente-
mente. Muitas não são difíceis de serem encontradas na vivência de cada um,
são repetições de demandas do Primário.
• PNC – Na suposição de interioridade fechada em que se apoia a ideia
de sujeito, a base pode estar numa série de formações primárias necessárias
para estabelecer fechamentos, territorialidades, fronteiras. Então, passa-se
do que funciona adequadamente de um nível para outro: uma transposição
maluca, é o caso de dizer.
É o macaquinho no sótão. As pessoas acham que quem está pensando é
o macaquinho. O Primário tem grande força à medida que, em sua razão animal,
funciona etologicamente. Chamemos de neo-etológico por haver subversão pelo
Secundário, mas é uma enorme quantidade de certezas que o Primário tem e o
Secundário não consegue ter.
• PNC – Daí a necessidade de uma Tópica adequada a esse modo de
a psicanálise pensar e abordar o mundo, o LUGAR, as transas. A Tópica do
Recalque (1992) tem melhores condições de situar melhor essas transas sem
incorrer nesse erro de situação.
A filosofia não produziu uma tópica. Produziu uns ambientes de pen-
samento chamados: metafísica, ontologia... Coisas que, segundo me parece, se
tornaram tolices a partir do nascimento da psicanálise – Freud dixit.
• PNC – Não haveria algo próximo de uma tópica em Espinosa?
Digamos que sim. Qual seria?
• PNC – Para ele, é importante situar o que é da ordem da eternidade
como distinto da ordem da duração. Faz diferença situar formações e transas
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nesses dois regimes. Ele também distingue entre composições finita e infinita,
entre jogos ativo e reativo.
Veja que é bem mais inteligente do que em Descartes. Nietzsche, por
sua vez, tem certa relação de transa com o animal. Nele há uma boa indicação
de que o Primário lá está funcionando.
• P – A filosofia privilegiaria a articulação linguageira?
A articulação linguageira frequentemente complica e estraga. Por isso,
a filosofia é o que é. Dá-se mais importância à sintaxe e à semântica do que a
todo o resto. Vira aquela baboseira de quinhentas páginas que poderia ser dita
em trinta.
• P – Mas tem sua importância.
Tem a importância dela. Assim como outras modalidades têm as suas.
É preciso entender que é a linguagem que se apoia sobre o articulatório, e não
o contrário. Estamos vindo do império paranoico das ciências da linguagem
do século XX. Por que o homem seria um ser falante? Ele só faz isso? Passa a
vida batendo boca? Não almoça, janta, dorme, faz xixi, cocô, trepa...? E quando
fala, geralmente nem na língua consegue articular coisa com coisa. Tenta-
mos escutar, e a articulação se foi. A pletora de possibilidades de articulação,
inclusive essa coisa nova da espécie em relação às outras e mesmo de parecer
que fala, é gigantesca. As pessoas só sonham com falas e escritos? Sonham
com teatros completos, às vezes sem uma única palavra. Estão articulando de
algum modo, e essas configurações não necessariamente – como Lacan queria
supor – são emergências de falas. Jean-François Lyotard tem um excelente livro
sobre isso que já indiquei várias vezes: Discours, Figure (1971). Só é chato
por ser muito grande. Francês não consegue falar tudo em trinta páginas, tem
que ser em três mil.
• P – É que tenho mania de pensar numa hegemonia da linguagem.
É gostosura sua.
• Aristides Alonso – Sobre esse ponto da metafísica atrapalhando os
raciocínios, cabe notar que nossa linguagem, mesmo a usual, é contaminada
historicamente por ela. Para relativizar isso é preciso uma vigilância perma-
nente do verbo ser, do conceito de todo, de universal...
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E nada disso existe, nunca compareceu. Até hoje procuro o tal universal.
Filósofos recentes começaram a falar mal da metafísica, mas fizeram talvez
pior: colocaram a ontologia em seu lugar. Como não têm distinção entre Haver
e Ser, essa ontologia fica suja.
• AA – Por isso, você já deu a dica ao dizer que “as formações são
ad-jetas”. São adjetivas, o que possibilita escapar de pensar como substantivo,
em que está inserida a ideia de essência...
...do macaco. As formações estão umas ao lado de outras, e só per-
cebemos a transa. A preocupação que trago hoje sobre o vício de metafísica,
pedindo que comentem, é por perceber que nossos conceitos de vez em quando
estão metafisicados. Isso não funciona para nós.
• AA – Outra questão minha diz respeito aos estudos sobre a inteli-
gência artificial, em que o pessoal tenta entender o que seja consciência. Você,
na seção “Parangolagem” de seu Falatório Revirão 2000 / 2001, recupera
ideias de Daniel Dennett e outros, e propõe uma abordagem da consciência do
ponto de vista da Teoria das Formações. Você coloca a ideia de um Parangolé
Catóptrico lá inserido como possibilidade de reviramento de qualquer arranjo.
Aí já estamos no regime da consciência de ter consciência. O animal
tem consciência sem Revirão. Ele está no regime das transas das marcações
nele inscritas, que são poucas. Nada mais com personalidade do que um animal.
Um cachorro tem personalidade, não duvida, erra pouco...
• AA – Nesse sentido, acho que seria bastante produtiva a aproximação
da Teoria das Formações com a inteligência artificial.
O pessoal da ontologia tem implicância com a tecnologia e com a
inteligência artificial. É claro que a IA é ainda pobre. Ela não substitui nossas
condições, tem bastante caminho a percorrer. É como está no título do livro
de Markus Gabriel: Eu não sou meu cérebro (2018). É claro que não sou. Se
fosse, poderia jogar o resto fora e ficar só com ele. Não é disso que se trata. Se
a metafísica está meio desmoralizada, fora de moda, e a ontologia quer tomar
seu lugar, de que ontologia se trata? Falam da mistura – que está em todos, e
que facilmente se compra de Heidegger – entre Haver e Ser. Heidegger, aliás,
é mais inteligente, separa os níveis, sabe que há um nível de puro Haver. Nossa
língua facilita, pois tem articulações que outras não têm. Daí Fernando Pessoa
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formações, ela acaba como que desenhando o que podemos chamar de Estilo,
mas em última instância. Por exemplo, quantas pessoas são Fernando Pessoa?
Qual é a fantasia que atravessa essas Pessoas? Há que buscar na obra dele, lê-la
toda, para ver se descobrimos a fantasia que permanece atravessando todas
as manifestações. Se não, não haveria Pessoa. Não haveria o aglomerado da
pessoa falando aquilo tudo se não houvesse o que os ingleses chamam de fio
vermelho perpassando ali. Que tesão é esse que leva a pessoa a fazer aquilo?
• P – Há relação entre as formações e a Pulsão?
Há transa, e não relação. A Pulsão não para: quando finge estar parada,
está fornicando com alguma formação. Transa implica algo transitar daqui
para lá, implica haver trânsito. E qual é o motor das transas? A Pulsão. Numa
Morfose Estacionária, por exemplo, o que acontece é não estar transando,
paralisou. Se colocarmos aquelas formações paralíticas, ou paralisadas, para
transar, sairemos da neura, da configuração permanente.
• P – Com a complexificação das tecnologias, o atual excesso de infor-
mação facilitaria mexer na Morfose Estacionária?
Não existe excesso de informação. O que temos é excesso de informação
disponível, e qualquer pessoa, dependendo de seu Acervo e de sua competência
de transa, limita a recepção. Em geral, ao falar com as pessoas, vemos que são
surdas. Para que houvesse excesso de informação, seria preciso recepção total.
Não há. Corre informação por aí, mas quem são os receptores? Alguns são
tão estúpidos que sequer lhes chega a informação do século passado. Tornar
disponível implica mais transa e, por conseguinte, menos Estacionamento.
• P – O excesso, então, sempre esteve disponível por aí?
Alguém da pré-história passeando pela floresta está diante de muita
informação, é demais, ele não dá conta daquilo. Estão hoje confundindo haver
disponibilidade de informação com as pessoas estarem sendo atacadas por isso.
Não estão. Elas, sem análise, são e continuarão cegas, surdas e mudas.
• P – Elas recalcam?
Não é que haja uma informação que é recalcada. A coisa é de tal maneira
Estacionária que não é recebida. Não tem como receber, não tem por onde entrar,
está trancada. As pessoas trancam porque nasceram trancadas. Nasce aquele
animal primário, no qual custa muito fazer com que algo se movimente. A
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suposição da Pedagogia é: como tomar aquele bicho e abrir sua cabeça? Ele
tem disponibilidade por, supostamente, ser alguém da espécie e, portanto, poder
revirar, mas está cru demais. Ou melhor, não está. Está cru secundariamente,
mas, no Primário, é um bicho cheio de informações – defensivas, inclusive.
Aquele bebezinho pode parecer um anjo, mas é um monstro, quase um animal.
• P – No entanto, as crianças aprendem mais rápido.
Porque estão fresquinhas. Na ordem do Secundário, não têm recalque
– só têm os recalques primários –, a biologia está mais disponível. Ao ficarem
velhas, ficam mais escleróticas, aí é diferente. Vejam uma coisa tristonha. Dois
anos depois de voltar de Paris, soube que as pessoas até choravam ao ver Lacan
em seu seminário, ele que sempre tivera aquele brilho todo, ficar parado diante
do quadro negro sem nada conseguir fazer ou dizer. Ele estava gagá.
• Potiguara M Silveira Jr – Você falou da ideia de Mundo como dife-
rente da totalidade dos acontecimentos, como o LUGAR onde tudo acontece. Em
A Rebelião dos Anjos: Eleutéria e Exousia (2007, p. 58), diz você: “...o mundo
é uma secreção da Pessoa, enquanto Real, em transa com outras Formações do
Haver, pessoais ou não. Nessa transa vai-se secretando mundo (...) a verdade
última de cada Pessoa é secreta porque real e, portanto, intransmissível. É um
segredo inconfessável, não por ser proibido ou feio, mas porque é impossível.
No entanto, é transmissível por minhas secreções de mundo: transmito minha
havência por minha existência secretando mundo”. É importante aí pensar a
transmissão – sobre a qual sempre falamos no âmbito de nossa Formação em
Psicanálise – como transmissão de havência.
Transmissão de havência é o cerne da questão, mas no que isso fun-
ciona, se movimenta, vai configurando mundo, vai configurando esse lugar
para a pessoa. É como diz o Zen: Não existe caminho, quem faz o caminho é
o pé – quando a pessoa anda, tem um caminho. Trata-se, pois, da transmissão
da havência enquanto pode secretar mundo para a pessoa.
• PMSJr – É possível articular essa transmissão em termos de Análise
Propedêutica e Análise Efetiva?
Não cabe misturar aí. A Análise Propedêutica é a pessoa fazer análise
suficiente para sacar isso e ultrapassar. Depois, para o resto da vida, continua-
-se no exercício dessa sacação. A havência lá está, não se escapa dela. Pode-se
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fazer de conta de não estar olhando para ela, pode-se congelá-la, estupidificá-la,
pendurá-la num cabide, cobri-la de tanta porcaria a ponto de deixá-la sufocada.
Ela continua havendo, mas na estupidez. Você acha que o estúpido não há?
• PMSJr – Ele há e se transmite.
Só o que não há é o não-Haver, e mesmo assim falamos dele.
• PNC – Do ponto de vista da psicanálise, o que interessa transmitir?
Esta é A pergunta.
• P – Lembro-me de que Lacan diz que o que se transmite é um estilo.
Por isso as pessoas se tornam lacanianas. Não estou aqui transmitindo
estilo algum. Por favor, não me “copeiem”. Cada um que ache o seu estilo. A
pergunta de Patrícia é fundamental.
• P – A psicanálise não transmite a psicanálise?
É o que diz Lacan. Se você faz análise a bom termo, digamos assim
mesmo que não se saiba o que seja isso, trata-se de tornar-se analista. Isso é a
transmissão da psicanálise, mas a pergunta é sobre o que interessa à psicanálise
transmitir. Até Hegel sabia dizer isso.
• P – Seria o Haver?
E, em última instância, o que é o Haver?
• P – Puro tesão?
Não. Tesão é a pulsão.
• P – A indiferenciação?
Não, isso é puro exercício. Repito, até Hegel sabia da última instância.
A frase dele é: Em última instância, nem mais nem menos do que Nada – é o
que está em Mestre Eckhart: Nada! Para além da Indiferenciação, ainda tem:
Nada. É claro que o Nada ainda é indiferente, mas a indiferenciação, se está
indiferenciando, logo é algo.
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Tenho dois assuntos para conversar. O primeiro é sobre a independência do
Inconsciente em relação a qualquer teoria que tente situá-lo. Talvez as
pessoas tenham a má impressão de que ele seja ocidental. O Inconsciente não
é ocidental, e tampouco é oriental. Nem mesmo é etnológico, pré-histórico,
mitológico ou religioso. O Inconsciente se manifesta enquanto tal, em plena
congruência com o Haver, mas não confundir sua existência com teoremas
ou construções culturais que tentam abordá-lo ou, pelo menos, exprimi-lo.
O Inconsciente está presente em qualquer IdioFormação neste ou em outro
planeta, em qualquer galáxia ou universo que houver. Ele é uma consequência
de haver Revirão em funcionamento, onde quer que esse Revirão compareça.
Ao fazer a brincadeira de trocar a frase L’Inconscient est structuré comme
un langage, de Lacan, por L’Inconscient est structuré comme on l’engage,
quis mostrar que o Inconsciente vai comparecer, funcionar, exprimir-se e ser
abordado em alguma compreensão de acordo com o lugar, as condições e as
articulações que estiverem em exercício em dado momento. Por isso, digo
que ele é estruturado quando está engajado com as formações. Aí, comparece
como tal, dependendo de reviramento, mas com seus conteúdos e articulações
específicas.
A experiência de Freud com a psicanálise e o protocolo que utilizou são
de determinado tipo. A experiência e o protocolo de Lacan são outros. Ambos
dependentes do engajamento que o Inconsciente teve naqueles momentos.
Costumo dizer que Freud é século XIX e Lacan século XX. Então, por que
a Teoria das Formações? Mostrarei as correlações que se fazem necessárias
neste momento de emergência do Inconsciente para haver a articulação da
teoria como Teoria das Formações numa situação diferente tanto da situação
lacaniana, quanto da freudiana. Isto, embora continue sendo a mesma questão da
psicanálise: Como lidar com o Inconsciente? Será que a psicanálise é mesmo e
somente uma talking cure? É conversando que a gente SE (a si mesmo) entende,
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para nós – num texto pouco conhecido, O Caminho da Serpente. Título engra-
çado, em relação ao qual cabe lembrar de Paul Valéry que inverteu o verbo
penser. Para ele, pensar é serpente [serpent: penser]. O caminho da serpente
de Fernando Pessoa é um desenho do Inconsciente – portanto, do que pode ser
pensamento – bastante consentâneo com a NovaMente. Vejam alguns trechos:
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depois de Freud até Lacan todos pertenciam ao mesmo paradigma, embora não
à mesma construção de pensamento dentro do paradigma. Todo o entorno de
Lacan, principalmente na França, estava no mesmíssimo paradigma. E é esse o
paradigma que morreu, mesmo que alguns ainda insistam em utilizá-lo fora de
época. Houve uma mudança no mundo, e outro paradigma já está sendo criado
por vários autores da maior importância como tenho assinalado. Assim, é preciso
mudar e ficar claro que somos descritivos (e não prescritivos) e acolhedores
(e não definidores) das formações. Observem que Lacan, mesmo fazendo as
abstrações que fez, até tentando matemas, etc., continua no paradigma de seu
momento, que é prescritivo. Há muita diferença entre dizer que a psicose é
foraclusão do Nome do Pai (o que é prescritivo) e que ela é consequência de
um HiperRecalque. Qual? Não sei. Só vendo.
• Aristides Alonso – Trazer a questão do paradigma como você fez
permite distinguir outros acontecimentos mediante essa lente. Eu diria que
hoje acontece um corte paradigmático que parece ser mesmo um hiperpara-
digma que nos afeta planetariamente. No Ocidente, fomos assujeitados a uma
poderosa ordem paradigmática vinda da filosofia greco-romana e da vertente
religiosa judaico-cristã, que, de modo geral, caracterizam o Terceiro Império.
Entretanto, com o advento da cibernética – que o próprio Heidegger, em 1948,
reconhece como indicador do fim da filosofia e da metafísica – e do paradigma
computacional, instala-se outra ordem de entendimento de mundo à revelia de
quem quer que seja. Todos, então, têm que se virar nesse novo mundo – mesmo
que insistam em modelos anteriores que não mais funcionam.
A emergência da cibernética é consentânea com as emergências que
estão vindo agora. É uma das ideias que estão constituindo um novo paradigma.
A questão, para mim, é a Formação de nossos operadores. Se não trocarem a
mente, será apenas mais uma bagunça.
• AA – Norbert Wiener, em Cibernética e Sociedade: O uso humano de
seres humanos (1950-1954), diz que estamos transformando nosso ambiente
de tal maneira que teremos, inclusive corporalmente, que nos transformar
para poder viver nele.
Ele viu isso bem no começo. É parte de projetos que estavam avançados
em relação a seu tempo cultural. Eram contemporâneos de paradigmas como
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o de Lacan, mas estavam furando o processo mesmo sem saber aonde aquilo
chegaria. Acontece que chegou. Estamos lá.
• AA – O modelo de Stephen Wolfram – com os hipergrafos e a con-
cepção de que as coisas vão se constituindo mediante links e transas com
outras – é convergente com não haver uma estrutura prévia de configuração.
Esta se dá a posteriori.
Não há design prévio, ou seja, não há o design inteligente. O design
não é inteligente, e sim ocasional. Ele acontece e, às vezes, é burro. O pensa-
mento oriental, tipo zen, já diz isso há tempo. Como mencionei de outra vez, a
frase deles é: “Quem faz o caminho é o pé”. E o Ocidente está descobrindo um
paradigma cujo caminho é feito com o pé, não é dado, não está no mapa. Vai-se
andando e o caminho vai abrindo com os pés. O paradigma é convergente com
as ideias que brotam por ser forçado pela experiência, por seu momento. Não
se está tirando da cartola, e sim vendo o que acontece.
• Patrícia Netto Coelho – Você já disse que a força da psicanálise é
descritiva. E sobretudo os dois primeiros dos quatro dispositivos montados
para a Formação na NovaMente – Oficina Clínica, Polo de Formação, Polo
de Estudos e Análise pessoal – são (ou devem ser) ambientes para o exercício
da descrição. Tanto no sentido da clínica (na Oficina), quanto no roça-roça do
estado da análise de cada um (nos Polos de Formação).
Justo para isso é que os dispositivos foram criados.
• PNC – Talvez o que foi pensado na Grécia antiga pelos estoicos seja
útil para nosso entendimento de descrição: algum procedimento que possa
conduzir às coisas mediante suas marcas.
Eles já tinham percebido isso, mas foram opinião vencida. Existiu
Platão...
• PNC – ...com o primado da definição.
• AA – Está no cerne do paradigma da NovaMente o fato de ter ocor-
rido uma mudança na ideia de Ser, que é filosófica e constituída como algo
até estático, paralisado.
A ideia de Ser, em contraposição à de Haver, não precisa desaparecer.
Ser é uma formação. No que transa, ela varia. Aí, deixa de ser – e passa a ser,
com suas coagulações momentâneas.
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Sua geração era tão alienada quanto a atual, só que com outra figuração.
Não há diferença, são gerações produzidas em plena alienação a alguma for-
mação. Aliás, a atual é menos ruim porque se alienam a algo que mexe muito.
Antes, a alienação era uma coisa parada, estacionada demais. O que acontece
hoje é, sim, indício da lesma lerda, com a mudança das moscas. Você supõe
que todas as crianças estejam fazendo isso que você disse? Não há algumas
fazendo algo que preste? Nas gerações anteriores, algumas estavam fazendo
coisas excelentes, tornando-se um grande pianista, um futuro matemático, sem
se deixar alienar. Segundo Marx, antigamente a religião era o ópio do povo.
Agora, é o computador, o celular.
• P – Talvez eu estivesse fascinada com a habilidade que têm com a
tecnologia.
Criança tem habilidade para um monte de coisas. Até para se alie-
nar radicalmente. A diferença é que, pelo menos, o computador tem mais
mobilidade.
• AA – Nas redes sociais mitifica-se o fato de termos jogado bola de
gude, soltado pipa... Teríamos sido felizes sem saber, mas as opções do que
fazer não eram grandes.
Enquanto meus amigos jogavam bola de gude, eu ficava sentado horas
ao piano tentando aprender aquele troço. Cada um tem a alienação que merece.
• P – Em minha época só havia dois gêneros, masculino e feminino.
Hoje, temos muitos.
Espero que a lista aumente. Aliás, podemos riscar as enumerações e
colocar apenas: x. Qual é o sexo de alguém? X – uma incógnita. Que cada um
faça o trabalho algébrico de descobri-lo. O problema está em querer situá-lo
na conta de comportamentos pessoais que são singulares.
• P – Poderíamos dizer que a alienação consiste em manter recalcado
o Revirão?
A pessoa é alienada sempre que acreditar que ela é alguém. Como
digo, a humanidade é moradora do planeta dos macacos. Alguns poucos fazem
esforço para sair da macaquice. É preciso paciência com o resto.
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Aproveitando a oportunidade do preparo para nosso próximo Mutirão de
Estudos, sobre a Teoria das Formações, a ser realizado sábado que vem e
seguinte, trago algumas questões. Primeiro, quanto à eficácia e à correção dos
Quatro Dispositivos da Formação dos operadores da NovaMente (2005), os
quais devem ser mais cuidadosamente considerados. No momento, os dois
dispositivos mais importantes para consideração e precisão são: o Mutirão,
uma atividade do Polo de Estudos, e a Oficina Clínica.
Qual é a função do Mutirão? Não se trata de congresso em que pessoas
passam a brilhar um pouco ao apresentarem pequenos textos, o mais frequen-
temente inodoros. Lacan costumava chamar de nadas pomposos ao se referir
às apresentações nos chamados congressos da Escola Freudiana de Paris. A
função do Mutirão é tomar uma ideia importante ou um conceito da teoria para
aprofundá-la, desenvolvê-la e articulá-la com outras formações. Talvez seja
preferível rever seu formato para que o assunto seja abordado e operado pelos
participantes com maior domínio da teoria, enquanto os demais, mormente os
mais novatos, possam estudar o tema com antecedência para apresentar (não
trabalhos escritos, mas) questões, dificuldades e dificuldades de entendimento
a serem postas aos apresentadores de modo a maior certificação conceitual.
Aproveito também para fazer um comentário sobre as Oficinas Clíni-
cas, que, a meu ver, perderam um pouco de sua função primordial. A Oficina
Clínica é um dispositivo da Formação dos Analistas, e não local de tratamento
intelectual de questões clínicas, o que pode ser feito em outros dispositivos.
Isto significa que se trata de encontro entre operadores em exercício, daqueles
que, supostamente com referência à Formação, estejam praticando a análise
com seus analisandos. Repetindo, são aqueles que têm analisandos sob seu tra-
tamento. É importante que isto fique claro por ser este o dispositivo específico
que, nesta instituição, permite o reconhecimento de que se é aceitável como
analista. Reconhecimento em processo, e não definitivo. Não temos dispositivos
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com toda simplicidade de: Transa. E, dentro dessa transa, o que poderíamos de
maneira cômica chamar de TransPascal, que é: o produto da geometria com a
sensibilidade, more geometrico e sensibilidade. O que aconteceu de esquisito
com culminância no século XX foi resultante da prática, da teoria, do famoso
Galileu Galilei. Ele morre em 1642 junto com o nascimento de Newton, o que
é bastante grave. Disse ele algo fake que atormentou – e ainda atormenta – a
cabeça das pessoas até o final do século XX: “A matemática é o alfabeto com
o qual Deus escreveu o universo”. Sobre o que foi inventado o famoso método
científico. Quem deitou e rolou foi o chamado René Descartes com seu racio-
nalismo extremo e com a crença religiosa na matemática. Acontece que, ao
comparar as possibilidades da abordagem do Haver e suas formações – seus
seres, digamos – mediante os artifícios às vezes complexos, ricos, da matemá-
tica, verificamos que a matemática pode ser delirante justo porque há incon-
gruência entre o Secundário e o Primário, e entre o Secundário e as formações
do Haver. Não há congruência necessária. Então, se progredimos infinitamente
com os Artifícios Secundários, frequentemente escapamos da possibilidade de
abordar a realidade e caímos num delírio matemático que acaba produzindo
consequências oníricas. O Secundário não é necessariamente congruente com o
Primário, e tampouco com o Artifício Espontâneo. O Artifício Industrial é que
é dependente maior do Secundário. Tudo isso está revolvendo o pensamento
contemporâneo.
Dado esse problema todo, temos a importância da Teoria das Forma-
ções. No que ela é contemporânea e consentânea com tudo que acabei de dizer,
propõe o rompimento com a ordem projetiva. É a ação descritiva contra a
ação prescritiva que vigorou até o final do século passado. É rompimento
radical com a ideia delirante de Sujeito, substituído pela pura e simples Transa
de Formações. Portanto, é também um rompimento com as epistemologias
vigentes, substituindo-as por uma Gnoseologia, na qual o conhecimento é
sempre agoraqui, ad hoc, a resultante da cognitividade de Escher: a mão que
desenha a mão que a desenha – transa de formações. E mais, não se trata de
anarquia, como é o caso de Feyerabend, e sim de uma Hierarquia ad hoc: a
cada caso designar a ordem dos valores em função da possível e suposta eficá-
cia da resolução do problema. É a marca do futuro. Esta psicanálise não opera
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com amenidades e certezas, como diria Guimarães Rosa, mas com formações
flutuantes (para empregar um termo de Freud quanto à sua famosa atenção
flutuante). O psicanalista não caminha sobre lisas estradas de asfalto, ele é um
nefelibato a caminhar sobre nuvens, talqualmente o caminho comum dos que
habitam o Quarto Império, que se vem instalando cada vez mais rapidamente.
Além de toda tecnologia “espiritualizante”, tal como disse sobre o
Quarto Império – o Império d’Oespírito, da explosão informacional –, já esta-
mos à beira de acelerações gigantescas das formações virtuais. Eis algo grave
e difícil de ser controlado. Certamente todos conhecem o jovem empreendedor
Mark Zuckerberg, que promete para não muito longe a criação do que chama de
Metaverso, com seus avatares de nós mesmos. Imaginaram o que vem por aí,
a complicação, a dificuldade de separar o Secundário do Primário, o Artifício
Espontâneo do Artifício Industrial? Mas não podemos esquecer que metaverso
já é o Inconsciente. Ao conseguir inventar o metaverso, só não terá inventado
a rotação tecnológica do Inconsciente com sua radical disparidade mórfica, o
Inconsciente e sua evidente operação permanente em recursividade. Está na
cara que o Inconsciente é recursivo. Com isso, mais uma vez temos em nossa
cultura, e de longa data, o entendimento declarado e exercido em nossa língua
pelo gênio de Fernando Pessoa. O que teóricos da literatura querem chamar
de heterônimos são, desde então, os avatares de Pessoa, como em breve serão
os avatares das pessoas.
Essa verve do Inconsciente é de reconhecimento bem antigo. Acon-
tece que esse Inconsciente com possibilidade de fragmentação permanente, da
qual não nos damos conta e vivemos fazendo suposições de sermos pessoas
íntegras, de caráter, sempre funcionou em disparidade mórfica, que causa extre-
mos problemas para nosso cotidiano. Isto é, há sempre alguma agonística, ou
mesmo conflito, entre formações que se instalam primária e secundariamente
em disparidade. E a forçação de barra para fingir uma paridade tem causado
todo tipo de inferno na vida das pessoas. Já citei aqui uma grave disparidade no
Primário entre sexo autossomático e sexualidade etossomática: frequentemente,
um nada tem a ver com a outra. Maior e mais frequente, e mais confusional, é a
disparidade de formações do Secundário como acabei de falar quanto a certas
delirações no campo da matemática, por exemplo. Vejam, então, a importância
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de – até segunda ordem, até aparecer algo melhor – cultivar a Teoria das For-
mações. É o que temos, aquilo com que lidamos: transa entre formações e as
consequentes resultantes, que nos habituamos a chamar de conhecimento.
• P – Você disse que a congruência entre Primário e Secundário não
se dá necessariamente. Em algum caso, ela se dá?
Na história da humanidade, as pessoas que lidaram com o conhecimento
fizeram o esforço, e mesmo a crença, de que havia congruência necessária entre
o conhecimento produzido e as formações do Haver. Não há, e nossa época está
batendo de frente com essas questões, o que dá na zorra com que convivemos.
Até isso se assentar, será dramático. “Necessário” aí é termo técnico.
• Potiguara M Silveira Jr – Em 2012, criticando o procedimento de
Lacan, diz você: “Por que quero Freud de volta? Porque aqui, neste pensa-
mento que trago, o Haver é homogêneo. O homem não é separado da natureza.
Tudo como Freud dizia, e não como Lacan dizia”. Quero registrar que, na
ocasião, entendi – e continuei entendendo – erradamente que, para você como
para Freud, haveria congruência entre natureza e linguagem. Por isso, o que
você traz hoje sobre a incongruência entre Secundário e Espontâneo é, para
mim, exemplar quanto a erros de postura de compreensão, quanto a estar atento
para não aplicar um paradigma anterior ao paradigma novo. O deslizar do
entendimento de um para outro paradigma é o que ocorre com mais facilidade.
O que eu disse está correto. Mas é preciso cuidado com o que o termo
homogêneo quer dizer aí.
• Patrícia Netto Coelho – Não há congruência, mas há adequação?
Adequações provisórias sempre.
• PNC – A ideia de adequação é conversa, transa. Então, não há que
colocar peso demais nela?
A ideia de adequação é sinônimo de possibilidade aqui e agora.
• P – A deliração – que é longa na história do conhecimento ocidental,
pelo menos – tem pontos altos, digamos, de loucura até. Um deles está no final
do século XIX, com George Cantor e a teoria dos conjuntos.
Teoria delirante, se não for visivelmente ideológica.
• PNC – Lacan, por sua vez, embarca de várias maneiras nessa deli-
ração. Embarcou com Galileu, com Cantor, com Hegel...
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E-mails
• 10 janeiro
1) A grande regressão eu já denunciei há tempos. Não me lembro da data da
primeira indicação. Não vou ler esse livro: não se conterá a regressão com essa
velharia. Demo-cracia, já era. Precisamos de genialidades que inventem algo
radicalmente novo. Eu, aposto numa qualquer espécie de ARISTO-CRACIA
DO VALOR (e não do mérito, pois ninguém merece, e não da família). Não
sei se é o que a China está ensaiando.
[Sobre o livro organizado por Heinrich Geiselberger: A Grande Regressão: um
debate internacional sobre os novos populismos. SP: Estação Liberdade, 2019]
2) Chegou pelo correio o livro de FREUD: ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRA-
ZER. Edição comemorativa do centenário. Já passei os olhos por quase tudo:
só obviedades. Para mim, este é o texto mais importante de FREUD. Nunca
o li em alemão que não sei, mas sim em português, em espanhol, em inglês
e em francês. Como já disse e repito, comecei a ler a obra dele (se não toda
ou quase toda) a partir dos meus 17 anos. Minha reflexão e articulação com
outros saberes resultou, como se sabe, na escrita d’ALEI = Haver desejo de
não-Haver. O que pesou na reconsideração total da Psicanálise e na invenção
da NovaMente.
• 27 fevereiro
Muito boa aula. Fica evidente que MACHADO (que também sou) racha
tudo nos dois lados existentes. Precursor da NovaMente e de seu conceito de
INDIFERENCIAÇÃO. Tratei muito pouco dele em minha obra. Mas devo
reconhecer sua influência no meu inconsciente: na minha adolescência, li
seguidamente toda a sua obra. Certamente seu ensino tenha nitidamente
ficado. O Villaça renegou, quanto a filhos, a frase lapidar que o explica nesse
caso: “Não tive filhos. Não transmiti a ninguém o legado da minha miséria”.
O que aprendi desde cedo.
[Sobre a aula de Alcides Villaça “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, na
série Quem Somos Nós?, disponível no Youtube]
215
MD Magno
• 05 março
“Se em Frantz [Fanon] a psicanálise é uma interlocutora permeada por ten-
sões e críticas (como é o caso da crítica a, justamente, Octave Mannoni),
em Gonzalez o cenário é outro, pois ela se serve da sua leitura da psica-
nálise para enfrentar o problema do racismo no Brasil e não perdia tempo
com as leituras mais conservadoras da psicanálise de então. E, olha, havia
muitas! Não espanta, assim, sua aproximação com um MD Magno, um dos
pioneiros do lacanismo no Brasil, que se preocupava em realizar uma recepção
antropofágica e local da psicanálise de inspiração francesa. Ele foi quem,
inclusive, lansô a braba sobre a amefricanidade no Brasil em seu seminário
de 1980 – sobre a feminilidade em Lacan, o que não é uma coincidência –,
tendo Gonzalez a levado muito mais longe a partir da eleição da mulher negra
não só como seu assunto, mas como sua perspectiva, o que, novamente, a
diferencia de um relativo universalismo analítico presente em Fanon”.
[Trecho de artigo completo no link: As pedras de Exu: a psicanálise em Frantz
Fanon e Lélia Gonzalez | Revista Rosa 3]
• 06 março
1) Continuo repetindo que não há metafísica. Só há MERDAFÍSICA.
2) Como já disse, o Haver é feito de Música. Isto é, o ICS é feito de Música.
Para eventuais conversas futuras, recomendo:
a) Para quem puder, tecnicamente:
Flo MENEZES:
> Música Maximalista: Ensaios sobre a Música Radical Especulativa. Ed.
UNESP, 2006. 548 p.
> Apoteose de Schoenberg. Ateliê Editorial, 2002. 452 p.
b) Para leitura mais amena:
Alex ROSS. O Resto é Ruído: Escutando o Século XX. Cia das Letras, 2009.
679p.
216
MD Magno
• 07 abril
▪ Possível que, em tempos anteriores, situei o real (enquanto impossível
modal, certamente) nesse lugar. Acho que talvez tenha sido mais tarde que
modifiquei, mas não posso garantir.
▪ O que está valendo a partir de agora, pelo menos, é:
O NÃO HAVER COMO REAL: IMPOSSÍVEL ABSOLUTO.
O HAVER, A PARTIR DO PONTO BÍFIDO, COMO REALIDADE(S):
IMPOSSÍVEL MODAL.
▪ Entretanto, temos que considerar o Ponto Bífido, onde algumas vezes
escrevi, ou mesmo chamei de real, em relação a dois vetores contrários.
Esse ponto, assim considerado, participa mesmo de uma situação ambígua,
aliás, ela mesma Bífida. Considerada em relação ao Haver como tal, numa
analogia cosmológica, p. ex., ele não pode ser confundido com o Real do
não-Haver. Mas considerado como meta de Indiferenciação, como no caso
do Analista em sua postura, ele comparece mesmo como Real, e agora não
apenas Modal, pois dado o Primário e as formações sintomáticas mesmo do
Secundário, como aliás já mostrei, esse ponto é de atingimento impossível.
Por isso, indiquei sua aproximação assintótica como PROCESSO de Indi-
ferenciação. Parece-me que o que faltou nos textos indicados foi eu chamar
atenção para o encaminhamento do momento.
• 12 abril
Recomendo intensamente a leitura completa do livro recém-publicado de
Carlo ROVELLI, Helgoland (Milão: Adelphi Ed., 2020). O livro é em ita-
liano. Soube que há tradução para o inglês, mas não ainda para outras línguas.
O que nele interessa para nosso estudo é a clara composição de uma verda-
deira TEORIA DAS FORMAÇÕES (como a nossa) que ele chama, diga-
mos assim, TEORIA DAS RELAÇÕES, tal como a nossa TRANSA ENTRE
FORMAÇÕES.
Isto significa que encontro colega na construção de um pensamento com-
patível com nossa noção de QUARTO IMPÉRIO. Posso mesmo supor que
doravante começaremos a encontrar cada vez mais autores, nas mais diversas
áreas de conhecimento, empenhados nesse tipo de nova mentalidade. (Nova,
217
MD Magno
mas nem tanto, pois, como bem o citei, ele também recorre ao pensamento de
NAGARJUNA). Os pensadores do QUARTO IMPÉRIO (o d’Oespírito, isto
é, da INFORMAÇÃO) necessitam, como já disse, para abandono radical do
TERCEIRO, um sério retorno a pensamentos desprezados pelo TERCEIRO
em sua racionalidade PARANOICA. Assim como retorno eu a ECKHART
e NAGARJUNA, assim como às mais radicais sacações de FREUD.
Enfim, assim como falo de NOVA PSICANÁLISE, ou NovaMente, ROVELLI
nos apresenta sua “NOVA FÍSICA”. Sinal dos tempos. Mas a data importa
(na comparação com a nossa) pois o livro, como dito acima é de 2020 em
sua publicação.
• 25 maio
Aquele que pode ir à nascente de um rio não vai a um jarro d’água.
Leonardo da Vinci
Walter Isaacson sobre Leonardo:
“A ciência não era um esforço descolado da arte. Juntas elas serviam à sua
paixão fundamental, que era nada menos do que saber tudo que há para saber
sobre o mundo, inclusive como nos encaixamos nele”.
• 18 junho
Caríssimos: por favor, notem que meus SóPapos não são extensos
desenvolvimentos de seus temas, mas indicações mínimas de seus
desenvolvimentos possíveis. Estamos na era da informação: Internet, etc.
Os acessos estão bem abertos. Qualquer pessoa pode chegar facilmente às
indicações dos saberes que proponho. Não há menor necessidade, para mim,
de repeti-las quando as aponto.
• 21 julho
[Com referência ao texto de Leonard BERNSTEIN sobre MAHLER]:
MAHLER, LACAN E JOYCE
Talvez os três melhores epitáfios não só da paranoia do Século XX como
também do Terceiro Império.
218
MD Magno
• 27 julho
PSICANÁLISE E POLÉTICA. 1981 (aliás, ano da morte de Lacan, há 40
anos este ano de 2021).
[Sobre “Ética / Ethics”, texto de Guilherme Gontijo Flores, in: Revista Ver-
salete, Curitiba, v. 9, jan-jun 2021]
• 30 julho
Eis aí um levantamento de composição de FORMAÇÕES que constituem o
acervo de tantos.
[Sobre o artigo “Como a ‘mente ocidental’ foi moldada pela Igreja Católica
medieval”, por Joe Henrich, publicado em BBC Future, 16 jan 2021]
• 01 agosto
Para sequência dos SóPapos, recomendo os textos abaixo:
PETER BURKE
1. O Polímata: Uma História Cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag
(2020). São Paulo: UNESP, 2020.
2. O Que é História do Conhecimento? (2015). São Paulo: UNESP, 2016.
EDGAR MORIN
1. Introdução ao Pensamento Complexo (1990). Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
2. O Método. 6 volumes. Porto Alegre: Sulina, 2005.
DAVID EPSTEIN
Por que os Generalistas Vencem em um Mundo de Especialistas? (2019).
Rio de Janeiro: Globo, 2020.
219
MD Magno
• 07 agosto
Mais alguns textos que têm a ver com SóPapos de hoje:
1. Mark ROTHKO: Écrits sur l’Art. Paris: Flammarion, 2005.
2. Paul CELAN: A Rosa de Ninguém (1963). S. Paulo: Ed. 34, 2021.
3. Fernando PESSOA: Toda a Obra.
• 08 agosto
SOCIOLOGISMO. NADA A VER COM NovaMente. ENTENDER A FOR-
MAÇÃO SINTOMÁTICA É UMA COISA: LEITURA SINTOMAL. OUTRA
COISA É FAZE R A TEORIA DO SECUNDÁRIO E RECONHECER “OES-
PÍRITO” COMO ESTRITO CAMPO DA INFORMAÇÃO.
[Sobre o artigo “A urgência das espiritualidades não cristãs”, por Boaventura
de Sousa Santos, publicado on-line em Outras Palavras, 05 ago 2021]
• 11 agosto
Quando é que vão encarar o REVIRÃO?
[Sobre dois artigos: (a) What is quantum cognition? Physics theory could
predict human behavior, por Nicoletta Lanese, publicado on-line em 28 jan
2020; e (b) La pensée suivrait les lois de la quantique, estudo encabeçado
por Xiaochu Zhang, publicado na revista Nature, jan 2020]
• 11 agosto
Muitos estudos bem atuais e que podem vir em apoio a posições tomadas por
nosso trabalho teórico:
1) TEORIA DAS FORMAÇÕES:
# Edgar MORIN: O método. Em 6 volumes. Porto Alegre: Sulina, 2005.
Reflexões do autor em sua teoria do Pensamento Complexo. Boas indicações
mais antigas que podem ajudar no entendimento da nossa produção.
# Christian JACOB: Lieux de Savoir.
1) Espaces et Communautés. Paris: Albin Michel, 2007, 1277 p.
2) Les Mains de l’Intellect. Paris: Albin Michel, 2011, 986 p.
Vols. 3 e 4 ainda não publicados. Grande conjunto de textos sobre a multi-
fariedade dos saberes.
220
# Robert. M. Sapolsky: Comporte-se. A Biologia Humana em Nosso Melhor
e Pior. (2018). São Paulo: Cia das Letras, 2021, 815p.
Grande estudo atual sobre formações importantes do Primário.
2) TEORIA DOS AGLOMERADOS E PRECURSORES DO QUARTO
IMPÉRIO:
# Richard ZENITH: Pessoa. A Biography. Liveright Publishing Corporation,
2021, 1055p.
Minuciosa biografia de vida e obra de Fernando Pessoa com seus heterôni-
mos. Pessoa, a meu ver o maior poeta de todos os tempos, enquanto precursor
do Quarto Império e descobridor e apresentador dos componentes de seu
Aglomerado.
# François RABELAIS (Século 16): Pantagruel e Gargantua. Obras com-
pletas de RABELAIS, Vol.1. São Paulo: Ed. 34, 445p.
Excelente VERSÃO BRASILEIRA de Guilherme Gontijo Flores. Também
antigo precursor do 4º. Império e do Aglomerado.
3) OBITUÁRIO DO INTELECTO FRANCÊS DO SEC. XX E DO 3º.
IMPÉRIO
# François DOSSE:
Vol.1 (2018): A Saga dos Intelectuais Franceses 1944-1989. São Paulo: Esta-
ção Liberdade, 2021, 701 p.
Vol. 2: La Saga des Intellectuels Français. L’avenir en miettes (1968-1989).
Paris: Gallimard, 2018.
• 13 agosto
Isto é o que se chama uma VERSÃO BRASILEIRA. Nossa ave, nosso clima
e nosso cu. Parabéns aos tradutores. Chega de colonialismo em nosso cu.
[Sobre O urubu, de Edgar Allan Poe – uma tradução-exu, texto de Guilherme
Gontijo Flores, in: ESCAMANDRO Poesia Tradução Crítica, 11 jul 2016]
• 24 agosto
PERFEITA E PRECISA DEFINIÇÃO.
[A propósito do trecho: “Assim atribui-se a Voltaire – que, outra hora, diz ser
a mesma amiúde ‘o romance do espírito’ – a estrafalária seguinte definição de
MD Magno
• 27 agosto
Fernando PESSOA:
O mistério supremo do Universo
O único mistério, tudo em tudo
É haver um mistério do universo,
É haver o universo, qualquer cousa,
É HAVER HAVER.
• 28 agosto
SÓ HAVER
Porém, última instância, mistério algum.
É só que não-Haver não há.
O fato bruto.
HAVER: a suprema INDIFERENÇA.
Donde Há-DEUS...
• 01 setembro
FERNANDO BRIQUETE, O PRÍNCIPE DOS AGLOMERADOS
1) Fernando Pessoa: Obra Poética. (Maria Aliete Galhoz). Rio, Aguilar, 1969.
2) Fernando Pessoa: Obras em Prosa. (Cleonice Berardinelli). Rio, Aguilar,
1974.
3) Fernando Pessoa: Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão
Pessoal. São Paulo, A Girafa Ed. 2006.
4) Pensamento Vivo PESSOA. São Paulo, Martin Claret, 2005.
5) Fernando Pessoa: A Língua Portuguesa. (Luísa Medeiros). São Paulo,
Cia. das Letras, 1999.
6) Pessoa Inédito. (Teresa Rita Lopes). Lisboa, Livros Horizonte, 1993.
7) Eduardo Lourenço: Pessoa Revisitado. Rio, Tinta da China, 1973, 2000)
222
MD Magno
• 01 setembro
# Nada mais certo do que nada.
# Aspire a magno, não a mago.
# Pertenço a uma geração que ainda está por vir.
# Hoje não tenho personalidade. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena
humanidade só minha.
# O paradoxo não é meu; sou eu.
# Quanto é melhor
quando há bruma.............. (nosso caso de agora)
Esperar por Don Sebastião
QUER VENHA OU NÃO.
Fernando Pessoa
• 01 setembro
# Portugal não é propriamente um país europeu: mais rigorosamente se lhe
poderá chamar um país atlântico – o país atlântico por excelência. Além disso,
Portugal, neste caso, quer dizer O BRASIL TAMBÉM. Como o Império, neste
esquema, é espiritual, não há mister que seja imposto ou construído por uma
só nação.: pode sê-lo por mais que uma, desde que espiritualmente sejam a
mesma, que o são se falarem a mesma língua.
# O Português é a mais rica e mais complexa das línguas românicas.
# O defeito, a fraqueza, do sebastianismo tradicional reside, não nele, senão
na deficiência e na fraqueza de seus intérpretes. Ignorantes, decadentes, ensi-
nados a crer pelo espírito católico, esperava DE FORA o Encoberto, aguarda-
vam inertes a salvação externa. O ENCOBERTO, porém, É UM CONCEITO
nosso; para que venha, é preciso que o façamos aparecer, que o criemos em
223
MD Magno
nós através de nós. É com ânsia quotidiana, com uma vontade de hora a
hora, que em nossa alma o devemos erguer, dali o projetando para o mundo
chamado externo (também outra nossa criação).
O ENCOBERTO é o representante máximo do QUINTO IMPÉRIO; é o
emissário máximo das forças espirituais que hão de criar tal Império. Como
podemos esperar que ele venha se não criamos primeiro as forças que, por
sua vez, hão de criá-lo?
E essas forças são (...) a tensão de todas as potências da alma em torno dessa
ânsia. (...) A soma, a confluência, a síntese por assim dizer carnal dessas ânsias
será A PESSOA DO ENCOBERTO.
Fernando Pessoa
• 07 setembro
Recomendo, como terapia anti-epistemológica, a leitura do artigo de FEYE-
RABEND Que Realidade?, p. 275s. do livro A Conquista da Abundância (S.
Leopoldo, Unisinos, 2005).
• 10 setembro
SINAL DOS TEMPOS
# Temer Ário: de Presidente a Redator.
# Bozo: “O Rato que Ruge”. Capetão Machão cagou-se-todo.
• 21 outubro
O QUADRILÁTERO DA DENEGAÇÃO:
PLATÃO / DESCARTES / KANT / HEGEL
A Polícia, ou seja, O Estado
Vontade do Poder
O Mundo sem Cuzinho
• 01 novembro
Para corroborar o entendimento da Teoria das Formações, recomendo as
seguintes leituras:
# Chiara MARLETTO: The Science of Can and Can’t. Ed. Viking, 2021
224
MD Magno
• 04 novembro
Recomendo a leitura deste livro. Motivo: ótima relação com nossa teoria do
HAVER.
(NOVELLO, Mario. Quantum e cosmos: introdução à metacosmologia).
• 06 novembro
O livro de François DOSSE O Império do Sentido, de 1995, traduzido aqui
pela EDUSC em 2003, trata da tentativa de recomposição de paradigma,
depois da crise dos paradigmas unitários, a partir de 1980. Entre os quais se
encontra a teoria psicanalítica de Lacan em clara crise conjunta com todo o
chamado Estruturalismo. Nesse momento, a empreitada está ainda indefinida,
com diversos arranjos que não passam de possibilidade de gestação de um
paradigma novo, o qual ainda precisa de cerca de duas décadas para começar
a comparecer; aliás juntamente com a franca emergência da NovaMente. Con-
tudo, vale a pena observar, no livro de DOSSE supracitado, o capítulo 15, A
GUINADA DESCRITIVA, p. 191s, que já inicia a contrapartida da vontade
de prescrição do paradigma anterior. Verifiquem se quiserem.
• 10 novembro
EXPLICAÇÃO
“Sabe-se que as coisas e as pessoas são sempre forçadas, determinadas a se
ocultar quando começam. E como poderia ser de outro modo? Elas surgem
num conjunto que ainda não as comportava e, para não serem rejeitadas,
devem mostrar de antemão as características comuns que conservam com
o conjunto. A essência de uma coisa nunca aparece de início, mas no meio,
no curso de seu desenvolvimento, quando suas forças se consolidaram”.
DELEUZE (Imagem Movimento, p.11)
225
MD Magno
• 18 novembro
Definição de Paul Veyne em A Elegia Erótica Romana (1983). São Paulo:
UNESP, 2013. p. 63
MANEIRISMO: “Com essa palavra designamos obras em que o centro de
gravidade é deslocado ou fugidio, em que há dissonâncias e transições arbi-
trárias, em que os pontos de vista são múltiplos, em que o tom vai do sublime
ao vulgar, em que o poeta se apresenta mascarado, ironiza, faz piada, em que
tudo é irregular e assimétrico”.
• 19 novembro
Para algum esclarecimento da MIXÓRDIA que encerrou o Século XX e o
DESVARIO que atola ainda as primeiras décadas do XXI, recomendo a leitura
(embora sacal) do livro de François CUSSET, de 2003/2005, FILOSOFIA
FRANCESA, nuclearmente sobre a confusão chamada FRENCH THEORY.
Porto Alegre: Artmed, 2008.
• 26 novembro
A VERDADE é apenas HAVER-DADE (sufixo de qualificação): ansiedade,
vulgaridade, variedade, liberdade, multiplicidade, maldade, bondade, mora-
lidade, boçalidade, cumplicidade, modernidade, felicidade, realidade, neces-
sidade, loquacidade, fraternidade, racionalidade, mentalidade, mendacidade,
oportunidade, potencialidade, funcionalidade, praticidade, funcionalidade,
tenacidade, tecnicidade, horizontalidade, verticalidade, voracidade, mascu-
linidade, feminilidade, opacidade, qualidade, respeitabilidade, imputabili-
dade, quantidade, licenciosidade, recursividade, personalidade, veracidade,
privacidade, honestidade, subalternidade, mocidade, infantilidade, idade,
proporcionalidade, receptividade, compacidade, cavidade, religiosidade,
penalidade, >>>>>>>> E MAIS QUALQUER DADE QUE VOCÊ QUEIRA
ACRESCENTAR.
• 20 dezembro
CASO RECENTE
O RAPOSO E AS OVAS: O ÂNUS DA PROVA
226
MD Magno
Maravalhas
• 25 agosto
# O ICS não é estruturado como uma linguagem. O ICS é UMA LÍNGUA...
DE COBRA.
# ...
227
MD Magno
Sobre o Autor
Psicanalista.
Psicólogo Clínico.
Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Santa Maria (RS, Brasil).
229
MD Magno
Ensino de MD Magno
230
MD Magno
8. 1982: A Música
Rio de Janeiro: Aoutra Editora, 1986. 2ª ed., 329 p.
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MD Magno
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MD Magno
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MD Magno
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MD Magno
Obra Literária
2. Aboque/Abaque: Crestomatia
Rio de Janeiro: Editora Rio, 1974. 200 p.
4. CantoProLixo
Aoutra editora / Matias Marcier, 1985. 90 p.
6. S’Obras (1982-1999)
Coletânea de poemas. Curitiba: Travessa dos Editores, 2002. Editada por
Fábio Campana, com coordenação gráfica e editorial de Jussara Salazar.
7. Literadura
Rio de Janeiro: NovaMente Editora, 2018. 564 p.
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Este livro foi composto nas fontes Amerigo BT, Apple Symbols, Times New Roman e Wingdings.