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Agua como Direito - tarifa social como estratégia para acessibilidade


econômica

Book · April 2021

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2 authors:

Ricardo de Sousa Moretti Ana Britto


Universidade Federal do ABC (UFABC) Federal University of Rio de Janeiro
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ONDAS - Observatório Nacional
dos Direitos à Água e ao Saneamento

ÁGUA COMO DIREITO:


Tarifa Social como Estratégia
para a Acessibilidade Econômica
Copyright © ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento, 2021

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998.


O livro pode ser livremente reproduzido e transmitido, para finalidades não comerciais,
desde que citada a fonte.

Editor João Baptista Pinto


Capa Luiz Guimarães
(Foto de Liz Moreira)
Projeto Gráfico Luiz Guimarães
Revisão Rachel Rosa

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A224
ÁGUA COMO DIREITO [recurso eletrônico]: Tarifa Social como Estratégia para a
Acessibilidade Econômica / organização Ricardo de Sousa Moretti, Ana Lucia Britto. - 1. ed.
- Rio de Janeiro: Letra Capital; Brasília [DF] : ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à
Água e ao Saneamento, 2021.
Recurso digital; 15 MB
Formato: e-book
Requisitos do sistema: conteúdo autoexecutável
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-87594-85-9 (recurso eletrônico)
1. Abastecimento de água - Taxas. 2. Tarifa social. 3. Acessibilidade econômica. 4. Direito
ao saneamento. 5. CadÚnico.. I. Moretti, Ricardo de Sousa. II. Britto, Ana Lucia.
21-69893 CDD: 363.61
CDU: 316.43:351.778.3

Leandra Felix da Cruz Candido - Bibliotecária - CRB-7/6135

Letra Capital Editora


Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781
[email protected]
ONDAS - Observatório Nacional
dos Direitos à Água e ao Saneamento

ÁGUA COMO DIREITO:


Tarifa Social como Estratégia
para a Acessibilidade Econômica
Agradecimentos

O ONDAS agradece às entidades que contribuíram com o patrocínio


desta publicação, com a certeza de que esse apoio fortalece a luta em
defesa do saneamento básico público e da universalização do acesso aos
serviços a toda a população, independentemente da capacidade de paga-
mento e das condições de moradia. São elas:

Caixa de Assistência dos Profissionais do CREA-


Mútua/RJ

Federação Nacional dos Urbanitários (FNU);

Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto


e Meio Ambiente do Estado de São Paulo
(Sintaema);

Federação Nacional das Associações do Pessoal


da Caixa Econômica Federal (Fenae);

Federação Interestadual de Sindicatos de


Engenheiros (Fisenge);

Internacional de Serviços Públicos/Brasil (ISP);

Federação Nacional dos Trabalhadores em Água,


Energia e Meio Ambiente (Fenatema);

Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de


Janeiro (Senge-RJ);

Agradecemos, especialmente, aos autores e autoras que se empenharam


na produção dos textos, sempre com o propósito de garantir que os
conteúdos disponibilizados sirvam de apoio à luta cotidiana daqueles e
daquelas que não medem esforços para assegurar o acesso universal à agua
e ao saneamento a todo povo brasileiro. Agradecemos também aos que
se dedicaram à revisão da publicação e garantiram a qualidade que hora
apresentamos ao leitor.
Dedicatória

Dedicamos esta publicação à memória do companheiro Sávio


Mourão Henrique, que travou luta intensa no combate às desigual-
dades no nosso país. Sávio era nosso associado e membro ativo dos
trabalhos que o ONDAS desenvolve em São Paulo, principalmente
em ações relacionadas à garantia do acesso à água e ao saneamento
às populações em vulnerabilidade.
Fez seu mestrado na Universidade Federal do ABC (UFABC)
e, pela sua dissertação sobre as incongruências na forma como
se remuneram os serviços de saneamento, recebeu importante
premiação. Desenvolveu trabalho em ONG que ajudava comuni-
dades carentes no enfrentamento da Covid-19 e ajudou a viabilizar
25 mil atendimentos através de telemedicina nessas comunidades.
Atualmente, fazia doutorado na UFABC e era o representante da
Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) no Conselho de Orien-
tação de Saneamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos
do Estado de São Paulo (Arsesp).
Seu trabalho deixa marcas e vai fazer falta. Sua alegria conta-
giante fica eternizada para aqueles que tiveram o privilégio de
conviver com ele.

SÁVIO PRESENTE!
Sumário

À guisa de apresentação do ONDAS............................8


Marcos Helano Fernandes Montenegro

Prefácio 1 - A Tarifa Social e a acessibilidade econômica.............12


Edson Aparecido da Silva

Prefácio 2 - Acessibilidade econômica: requisito para


a igualdade no acesso aos serviços de água
e saneamento ...............................................................15
Léo Heller

Capítulo 1 - Introdução: a Tarifa Social e o direito humano


à água e ao saneamento...............................................19
Alex Moura de Souza Aguiar
Ricardo de Sousa Moretti

Capítulo 2 - As tarifas sociais de abastecimento


de água e esgotamento sanitário:
experiências internacionais.........................................30
Ana Lucia Britto

Capítulo 3 - CadÚnico e Tarifa Social de água e esgoto................64


Rosangela D. O. da Paz

Capítulo 4 - A Tarifa Social nos serviços de água e esgoto


em Belo Horizonte.......................................................80
Alex Moura de Souza Aguiar

Capítulo 5 - Abastecimento de água, esgotamento sanitário


e Tarifa Social no município de São Paulo................97
Edson Aparecido da Silva

Capítulo 6 - Tarifas Sociais de água e esgoto em


Campo Grande...........................................................112
Marcos Helano Fernandes Montenegro
Pery Nazareth

6
Capítulo 7 - A Tarifa Social nos serviços de água e
esgoto em Porto Alegre.............................................124
Arnaldo Luiz Dutra
Carlos Eduardo de oliveira

Capítulo 8 - Acessibilidade econômica aos serviços


públicos de água e esgoto e Tarifa Social no Distrito
Federal........................................................................141
Thiago Faquinelli
Marcos Helano Fernandes Montenegro

Capítulo 9 - A Tarifa Social na cidade de Manaus.......................161


Sandoval Alves Rocha

Capítulo 10 - A Tarifa Social nos serviços de água e


esgoto no Rio de Janeiro.........................................174
Ana Lucia Britto
Patrícia Finamore Araujo

Capítulo 11 - A Tarifa Social nos serviços de água e


Esgotos na cidade do Salvador/BA........................196
Abelardo de Oliveira Filho
Luiz Geovane Andrade Santana

Capítulo 12 - O desafio da implementação da Tarifa Social


no Brasil- análise dos resultados dos estudos
nas oito capitais estudadas......................................215
Marcos Helano Fernandes Montenegro
Ricardo de Sousa Moretti

7
À guisa de apresentação do ONDAS

C ongregando profissionais, acadêmicos, estudantes e


militantes do movimento popular da cidade, do campo,
das águas e das florestas, o ONDAS - Observatório Nacional dos
Direitos à Água e ao Saneamento tem como missão constituir-se
em canal de produção e difusão de conhecimento e de suporte à
atuação política direcionada à promoção dos direitos humanos à
água e ao saneamento.
O Observatório nasceu com o propósito de promover a ação
conjunta, autônoma e crítica de instituições acadêmicas e de movi-
mentos sociais de todo o país. É importante destacar que a percepção
da necessidade de uma entidade que dinamize a produção de conhe-
cimento crítico e o coloque à disposição dos movimentos sociais
não é recente. Durante o Fórum Alternativo Mundial da Água
(FAMA), realizado em Brasília, em 2018, o esforço para sua criação
foi retomado. Em 6 de fevereiro de 2019, o ONDAS foi oficialmente
constituído, com a aprovação de seu Estatuto, a eleição da Coorde-
nação Colegiada e do Conselho Fiscal, e a formação do seu Conselho
de Orientação.
Concebido desde sua origem como empreendimento coletivo,
o ONDAS é formado por homens e mulheres que acreditam,
defendem e trabalham por serviços de saneamento básico univer-
salizados, acessíveis a todas e todos, com qualidade e prestados por
entidades públicas, com participação e controle social. Seus asso-
ciados são professores, pesquisadores, estudantes, trabalhadores do
setor e integrantes de movimentos sociais que têm a convicção de
que água é direito, e não mercadoria.
São os seus associados que mantêm o ONDAS como entidade
independente e viabilizam, com sua colaboração, estudos com pers-
pectiva crítica e divulgação de subsídios para alimentar a luta pelos
direitos humanos à água e ao saneamento e contra a privatização
desses serviços públicos, dentre diversas outras iniciativas.
Na atual conjuntura, se articulam os efeitos nefastos da
pandemia com uma política econômica ultraliberal, o processo

8
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de construção do Brasil como nação democrática e inclusiva está


em risco. Bolsonaro adota como estilo governamental o ódio, o
desprezo pela vida e o ataque sistemático à ordem constitucional e
aos direitos humanos por ela assegurados, como à saúde e ao meio
ambiente sadio. Tem razão o ex-presidente do STF Ayres Britto
quando diz que o conjunto de sua obra sinaliza o cometimento de
crime de responsabilidade, em especial pela inobservância do artigo
78 da Constituição Federal, que exige do presidente o compromisso
de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis e
promover o bem geral do povo brasileiro.
São inaceitáveis a desconstrução da política nacional de meio
ambiente e de seus instrumentos, o enfraquecimento e redução
da cobertura do Bolsa Família, e do auxílio emergencial. Como,
evidentemente, são intoleráveis os ataques aos direitos dos povos
indígenas, à ciência e a promoção da desinformação.
Por isso, é ainda mais relevante a atuação de entidades como
o ONDAS. Somamo-nos àqueles que lutam contra a liquidação
do patrimônio público e, em especial, contra a privatização dos
serviços de saneamento, em compasso com o desmantelamento
das empresas estaduais e dos órgãos municipais de água e esgoto.
Denunciamos a Lei nº 14.026/2020 como instrumento de trans-
formação da prestação dos serviços públicos de saneamento
básico em negócio, regido pela prioridade do lucro e de encontro
aos compromissos do país com os direitos humanos. Acusamos
o lobby das empresas privadas que atuam no saneamento,
embuçado por entidades pretensamente neutras, que apresentam
a privatização como remédio para os males e fragilidades do
saneamento básico do Brasil. Evidenciamos a transformação do
BNDES, de Banco Nacional de Desenvolvimento em instrumento
de entrega do saneamento básico à sanha dos mercados, usando
como ferramenta de chantagem a crise fiscal dos estados e muni-
cípios. Alertamos para o esfacelamento das empresas públicas
de saneamento pautado por uma política neoliberal e que visa
favorecer grupos e organizações financeiras privadas. Por tudo
isso, apoiamos as iniciativas que reivindicam o impeachment
de Bolsonaro.
Em 2020, em parceria com o Laboratório de Estudos e Projetos
Urbanos e Regionais (Lepur), o Laboratório Justiça Territorial

9
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

(Labjuta) e a Artigo 19, o ONDAS editou e publicou o informativo


popular “Direito à Água em Tempos de Pandemia”, que circulou
em versões eletrônica e impressa, tendo sido amplamente distri-
buído por iniciativas de solidariedade com a população urbana de
baixa renda.
Este primeiro livro editado pelo ONDAS é o resultado de
trabalho coletivo, como não poderia deixar de ser, dado o perfil
do Observatório. Seu tema foi escolhido em razão da crise sani-
tária, social, econômica e política que o Brasil atravessa e que
está onerando, sobretudo, as populações urbanas em situação
de vulnerabilidade de renda e moradia. Assim, é indispensável a
avaliação da efetividade do atendimento com Tarifa Social, tanto
no que diz respeito ao preço quanto à abrangência de cobertura
do público alvo. Assegurar acessibilidade econômica é também
vedar a suspensão do fornecimento de água por inadimplência e
garantir o suprimento de um volume mínimo de água a todas as
famílias, independentemente de sua condição econômica. Assim,
os trabalhos desta publicação focam na avaliação da efetividade
da Tarifa Social em diferentes casos. Graças à disposição de
trabalho voluntário dos nossos colaboradores, são congregadas
informações de sete capitais e o Distrito Federal, em todas as
regiões do país, de Manaus a Porto Alegre, do Rio de Janeiro a
Campo Grande, coerentemente com a perspectiva de atuação do
ONDAS em todo o território nacional.
Estamos trabalhando para trazer à luz novas publicações
que examinem, pelo prisma dos direitos humanos, entre outros,
temas como o acesso não discriminatório aos serviços de água
e esgoto, planejamento e realização progressiva dos direitos
humanos à água e ao saneamento, impactos da privatização dos
serviços na realização dos direitos humanos e direitos da popu-
lação em situação de rua.
Fica aqui nosso convite para você conhecer o Observatório por
meio do site "http://www.ondasbrasil.org/"www.ondasbrasil.org
e acompanhar nossas atividades nas redes sociais. Para saber
como se associar ao ONDAS, visite: "https://ondasbrasil.org/
associe-se/"www.ondasbrasil.org/associe-se.

10
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Entre em contato conosco e sinta-se à vontade para contribuir,


propondo a divulgação de dissertações, teses, artigos, livros e de
iniciativas e lutas pelos direitos humanos à água e ao saneamento.
Será um prazer tê-lo conosco nessa luta!

Marcos Helano Fernandes Montenegro


Coordenador Geral do ONDAS

11
Prefácio 1

A Tarifa Social e a acessibilidade econômica


Edson Aparecido da Silva 1

A acessibilidade econômica é um dos requisitos para


a garantia do acesso à água e ao esgotamento sanitário,
segundo critérios estabelecidos pelo Comitê para os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais vinculado ao Conselho de
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas.

D esde antes da Lei nº 11.445/2007, que definiu as dire-


trizes nacionais para o saneamento básico, os presta-
dores de serviços públicos de saneamento básico do Brasil vêm
praticando a Tarifa Social como uma política de atendimento às
famílias de baixa renda. Com o advento da regulação dos serviços,
as entidades reguladoras não adotaram critério único para sua
aplicação e, na maioria dos casos, as práticas existentes foram
preservadas ou pouco modificadas.
A coordenação do ONDAS - Observatório Nacional dos
Direitos à Água e ao Saneamento, quando decidiu estudar a cober-
tura da Tarifa Social em sete capitais: Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/
SP, Belo Horizonte/BH, Salvador/BA, Campo Grande/MS, Porto
Alegre/RS, Manaus/AM e mais o Distrito Federal/DF, trabalhou
com a hipótese de que os critérios praticados pelos prestadores de
serviço nessas localidades poderiam estar excluindo pessoas que
vivem em processo de vulnerabilidade.
Partiu-se da premissa que adotar como público-alvo as famílias
com renda familiar per capita classificada como extrema pobreza,
pobreza e baixa renda inscritas no Cadastro Único dos Programas
Sociais do Governo Federal (CadÚnico) é a forma mais adequada
1
Sociólogo, Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, Secretá-
rio Executivo do ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Sanea-
mento e Assessor de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU).
E-mail: [email protected]

12
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de selecionar os beneficiários da Tarifa Social. Considerou-se, ainda,


que mesmo nos casos em que o CadÚnico é adotado, é necessário
avaliar se o critério vem sendo efetivamente obedecido ou se são
necessárias intervenções para a garantia do acesso das famílias inte-
grantes do público-alvo.
A Lei nº 11.445/2007, alterada pela Lei nº 14.026/2020, condi-
ciona a validade dos contratos de prestação de serviços públicos
de saneamento básico à existência de estudo que comprove a viabi-
lidade técnica e econômico-financeira da prestação dos serviços.
É a política tarifária que deverá garantir o equilíbrio econômico
e financeiro dos operadores, assegurando, ao mesmo tempo, a
modicidade tarifária e a acessibilidade econômica das famílias em
situação de vulnerabilidade. A legislação prevê, ainda, a possibi-
lidade de política de subsídios tarifários e não tarifários (fiscais).
O primeiro quando integrarem a estrutura tarifária e o segundo
quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários, inclu-
sive por meio de subvenções.
Note-se que, apesar da importância de se observar o equilíbrio
econômico e financeiro dos prestadores, essa lógica deve considerar
a necessidade de se garantir os serviços para toda a população, inde-
pendentemente da sua capacidade de pagamento e das condições de
moradia. A legislação, ao citar a modicidade tarifária, não explicita
que o pagamento da “tarifa módica” não pode dificultar ou impedir
que os usuários dos serviços de saneamento básico preservem os
seus demais direitos como, por exemplo, à moradia e à alimentação.
Sobre a interrupção do fornecimento dos serviços, a legislação
diz que “a interrupção ou a restrição do fornecimento de água por
inadimplência a estabelecimentos de saúde, a instituições educacio-
nais e de internação coletiva de pessoas e a usuário residencial de
baixa renda beneficiário de tarifa social deverá obedecer a prazos
e critérios que preservem condições mínimas de manutenção da
saúde das pessoas atingidas”. Nesse caso, é preciso definir na legis-
lação as “condições mínimas de manutenção da saúde das pessoas
atingidas”, sob risco desses critérios ficarem a cargo do próprio pres-
tador ou da agência reguladora e não atender de forma adequada os
mais necessitados.
Com o esforço sintetizado nas páginas desta publicação, o
ONDAS pretende dar destaque a um tema crucial para a garantia

13
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

do acesso aos serviços de saneamento básico a toda a população.


A Tarifa Social é um instrumento de política pública a ser aprimo-
rado e expandido, exigindo o aprofundamento de estudos relativos
à garantia de uma quantidade mínima diária de água à população
mais vulnerável e de políticas restritivas de corte no fornecimento
dos serviços.
Que este livro, fruto de esforço coletivo, que agora é disponibi-
lizado por meio deste e-Book, sirva de estímulo a todas e todos que
ajudam na consolidação do ONDAS a prosseguirem com os estudos
e pesquisas.
Parabéns aos responsáveis pelos artigos e àquelas e àqueles
que, de forma direta ou indireta, tornaram possível esta iniciativa.

14
Prefácio 2

Acessibilidade econômica: requisito


para a igualdade no acesso aos serviços
de água e saneamento
Léo Heller1

E m 2002, o Comentário Geral nº 15 (CG15) do Comitê para


os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, vinculado ao
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, estabeleceu que
o direito humano à água inclui sua disponibilidade, qualidade e
acessibilidade. A acessibilidade é entendida em quatro dimensões:
acessibilidade física, acessibilidade econômica, não discriminação
e acessibilidade à informação. O reconhecimento da acessibilidade
econômica como um componente do direito, nesse documento
seminal, abre espaço para frutíferas discussões sobre o signifi-
cado desse elemento e, sobretudo, dos meios mais efetivos para se
alcançar plenamente o direito humano à água e, anos depois do
CG15, ao esgotamento sanitário.
Uma primeira discussão sobre o tema, não muito presente na
literatura, é a que diferencia “acessibilidade econômica” de “acessi-
bilidade financeira”. Este último conceito pode trazer a conotação
reducionista do dispêndio direto que incorre uma pessoa ou uma
família para acesso aos serviços, por exemplo, ao pagar mensal-
mente sua conta. O primeiro conceito, que me parece mais adequado
nessa discussão, leva em conta mais amplamente o impacto econô-
mico de acessar os serviços de água e esgoto que recai sobre seu
usuário. Inclui gastos não monetários e, muitas vezes, não tangíveis,
relacionados a esse acesso. Gastos que chegam a ser invisíveis para
aqueles que têm acesso às redes e que têm capacidade de arcar com
as tarifas. Refiro-me ao tempo despendido, frequentemente, por
mulheres e meninas, para coletar água nas fontes; ao absenteísmo
1 Pesquisador do Instituto René Rachou, Fiocruz, Relator Especial das Nações Uni-
das para os Direitos Humanos à água e ao saneamento (2014-2020). E-mail: leo.
[email protected]

15
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

escolar de meninas por necessitarem ajudar suas mães nas tarefas de


abastecimento de água e higiene domiciliar; ao esforço para tratar a
água no nível domiciliar; ao custo de construção e limpeza de fossas;
ao custo com o cuidado com a saúde, decorrente dos agravos asso-
ciados ao saneamento precário...
A consideração do impacto econômico àqueles que não
contam com serviços de água e esgotos – ou os que vivem em assen-
tamentos informais, em áreas rurais ou em situação de rua – sem
grande esforço mostra que quem mais despende para acessar os
serviços, mesmo em termos absolutos, são exatamente esses grupos
populacionais. Essa talvez seja a face mais injusta do saneamento.
Os excluídos, além de receberem o impacto negativo em sua saúde,
em seu conforto, em sua dignidade humana e no usufruto de um
direito, são economicamente sobrecarregados. Dessa forma, têm
comprometido seu acesso a outros bens e serviços, como alimen-
tação, vestuário, moradia, transporte, cuidados à saúde etc.
A dimensão da acessibilidade econômica no acesso aos serviços
de saneamento é frequentemente negligenciada tanto por presta-
dores quanto por reguladores, muito mais voltados para a garantia
da sustentabilidade financeira dos serviços e de seu “desempenho
técnico” e menos preocupados com a forma como a distribuição dos
custos entre os usuários deve se dar e, em especial, sobre como os
modelos de custos atingem os que vivem em situação de pobreza.
Quanto ao significado do conceito, sob a ótica dos direitos
humanos, a incapacidade financeira de pagar pelos serviços não deve
ser razão para que tais serviços não sejam garantidos. Por outro lado,
o dispêndio em água e esgoto não deve limitar economicamente o
usuário de usufruir de outros direitos humanos. Tema associado à
acessibilidade econômica são os cortes de água por incapacidade
econômica de pagamento, o que é rigorosamente proibido no
marco dos direitos humanos, pois constitui-se medida de retrocesso,
portanto, incompatível com o princípio da realização progressiva dos
direitos. Infelizmente, a proibição de que haja desconexões, quando
se verifica incapacidade de pagamento, é raramente encontrada no
conjunto dos países, mesmo no contexto da pandemia da Covid-19.
Um desafio associado à definição do significado do conceito
é como medi-lo. Por exemplo, uma pergunta relevante é sobre a
proporção da população com serviços financeiramente inacessíveis

16
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

em diferentes contextos. Vale lembrar que a meta 6.1 dos Objetivos


do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações
Unidas (ONU), é alcançar, até 2030, acesso universal e equitativo à
água para consumo humano segura e economicamente acessível para
todos e todas. Entretanto, até 2020, esse quesito não estava sendo
monitorado no nível internacional pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), encarregadas do monitoramento das
metas 6.1 e 6.2, por ausência de metodologia adequada. Reconhece-
se que metodologias que se apoiam em um limite de comprometi-
mento de renda com o dispêndio em água e esgoto têm se mostrado
nitidamente inadequadas. Portanto, até mesmo para o monitora-
mento, pode-se dizer que a acessibilidade econômica é um elemento
negligenciado. E não monitorar significa não conhecer, o que coloca
uma neblina na capacidade dos governos em formular e implementar
políticas públicas adequadas.
A outra face dessa discussão, e que interessa mais diretamente a
este livro, é como assegurar que os serviços sejam economicamente
acessíveis a todos e todas, acionando-se mecanismos adequados.
Entramos aqui no terreno das políticas públicas. Independente-
mente da dificuldade na identificação de a quem atingir, pela limi-
tação metodológica, existem diferentes tipos de experiências ao
redor do mundo, de políticas “relacionadas” à acessibilidade econô-
mica, que podem aportar ensinamentos.
É muito conhecido o modelo sul-africano, que procura dar
concretude a determinações da constituição do país, a qual reco-
nhece o direito humano à água. Nele, todos os habitantes do país
têm acesso a um volume mensal gratuito de 6 m3 de água por
moradia. Em cidades colombianas – Bogotá e Medelín, por exemplo
– há programas que asseguram, de maneira gratuita, um volume
essencial de água para famílias de baixa renda, identificadas segundo
uma classificação por estratos, baseados na região em que a moradia
se localiza. No modelo chileno, por sua vez, é realizada uma avaliação
do status socioeconômico daqueles que assim o solicitam e, para os
elegíveis, é concedido desconto para o primeiro bloco do sistema
tarifário de blocos progressivos vigente.
Tais modelos, contudo, podem acertar ou errar o alvo. Podem
incluir falso positivos, o que não é tão problemático, ou excluir

17
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

falso negativos, neste caso, gerando injustiças. Os modelos univer-


sais, que não focalizam populações em situação de pobreza, podem
criar subsídios invertidos, dos pobres para os ricos. Modelos que
requerem aos potenciais beneficiários solicitar ativamente o bene-
fício podem excluir muitos por informação deficiente ou falta de
acesso aos balcões de recebimento dos pedidos. Os modelos em
curso, em geral, somente enxergam as populações conectadas
aos sistemas formais de abastecimento de água, raramente sendo
acoplados a um subsídio direto para aqueles excluídos do sanea-
mento público, o que é muito preocupante.
A tradição brasileira nesse campo é relativamente recente e
recebeu o formato das chamadas Tarifas Sociais, objeto deste livro.
O modelo trata-se de um experimento, expandindo-se e adaptando-
se a diferentes contextos. Como os demais modelos, algumas inda-
gações surgem na Tarifa Social como instrumento de promoção da
acessibilidade econômica. Estão realmente sendo incluídas as popu-
lações que necessitam de subsídios? Os descontos concedidos são
suficientes para que o gasto realmente cumpra com requisitos de
acessibilidade econômica? Como complementar o modelo com subsí-
dios aos que “não pagam tarifa”? Como lidar com moradias que são
conectadas à rede de água e não de esgoto? Como tornar a aplicação
automática e minimizar o número de falso negativos? Como lidar
com situações contingentes como desemprego ou o impacto econô-
mico de emergências sanitárias, a exemplo da pandemia da Covid-19?
E, talvez a pergunta mais desafiante, como será o futuro das Tarifas
Sociais com a maciça privatização dos serviços, promovida pela Lei
nº 14.026/2020, em que a voracidade das empresas privadas pelo
lucro procurará remover qualquer potencial perda de arrecadação?
Qual será o nível de independência dos reguladores para controlar
essa voracidade?
Colocar uma lupa sobre as experiências de aplicação da Tarifa
Social em curso no Brasil é um esforço acadêmico que este livro faz
com maestria, com o que, certamente, contribuirá para a avaliação e
o aperfeiçoamento desse experimento de acessibilidade econômica
no Brasil. Poderá, inclusive, levar lições para outros contextos inter-
nacionais.
Os organizadores e autores da publicação estão de parabéns!

18
Capítulo 1

Introdução: a Tarifa Social e o direito


humano à água e ao saneamento
Alex Moura de Souza Aguiar1
Ricardo de Sousa Moretti2

Histórico da produção do livro e apresentação da sua


estrutura

A pandemia da Covid-19 trouxe à luz a importância das polí-


ticas de proteção da saúde pública, que incluem a neces-
sidade de assegurar, para toda gente, os serviços básicos de sanea-
mento. Não há uma linha divisória que separe infectados e não
infectados pelo vírus e, assim, fica clara a necessidade de universali-
zação da saúde pública e, para isso, também do saneamento básico.
Se uma pessoa está em risco, toda gente também está em risco.
A universalização vem no sentido de fazer valer o acesso à água
e ao saneamento como direito humano fundamental, seguindo o
que foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em 2010. Entre os critérios normativos considerados pela ONU
para fazer valer esse direito, estão incluídas a acessibilidade e a
modicidade de preços dos serviços de saneamento. Ou seja, o que
se paga por esses serviços não deve impedir que uma pessoa possa
ver atendidos outros direitos humanos, tais como a alimentação ou
a moradia.
O ONDAS, atento a esses assuntos, vem debatendo e
acompanhando a questão da acessibilidade financeira aos serviços
de saneamento. Nesse sentido, apresenta este livro, que sintetiza

1
Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Con-
sultor, com experiência em projetos e gestão de obras de saneamento. Foi Diretor
Técnico e de Expansão da Copasa-MG. E-mail: [email protected]
2
Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Urbana, professor titular apo-
sentado da Universidade Federal do ABC, professor colaborador do Progra­ma de
Planejamento e Gestão do Território da UFABC. E-mail: [email protected]

19
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

um conjunto de contribuições de associados e colaboradores, que


se dispuseram a redigir os capítulos, originalmente publicados
no site www.ondasbrasil.org durante o ano de 2020, e que foram
revistos, compilados e reorganizados para sintetizar a discussão. Por
ocasião do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), realizado
em 2018, quando se decidiu pela criação do ONDAS, a temática da
acessibilidade para toda gente aos serviços de saneamento estava
presente. Principalmente a partir de 2020, com a pandemia da
Covid-19, o assunto veio à tona com mais força, frente à urgência
de assegurar os serviços de saneamento para prevenção da doença.
A Professora Ana Lúcia Britto, da UFRJ, que integra a gestão
do ONDAS como coordenadora de projetos, dá início à discussão
ao abordar a questão da Tarifa Social através da publicação do
trabalho “As Tarifas Sociais de abastecimento de água e esgota-
mento sanitário: experiências internacionais”. Neste trabalho, são
apresentados: o histórico da introdução da cobrança pelos serviços
no mundo; um panorama do cenário internacional e das alterna-
tivas existentes de tarifas sociais; e uma discussão para subsidiar a
construção de possíveis modelos de tarifas sociais e suas perspec-
tivas na promoção do direito humano à água e ao saneamento. Esse
trabalho, que foi divulgado no site do ONDAS em 2020, foi sinteti-
zado, revisto e agora é apresentado no Capítulo 2 deste livro.
Desde os primeiros sinais da pandemia, surgiu a motivação de
acompanhar como se dava a Tarifa Social em diferentes concessio-
nárias dos serviços de saneamento. Havia a preocupação de que
apenas uma pequena parcela da população que precisa de apoio
financeiro para arcar com as despesas de saneamento estivesse,
efetivamente, tendo acesso ao benefício. Surgiu a questão: como
identificar a parcela da população que necessita de apoio e deve ter
acesso à tarifa reduzida? Partiu-se da hipótese que o Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) poderia
ser uma referência nesse sentido. Porém, considerou-se importante
aprofundar o conhecimento sobre as diferentes formas de avaliar
a parcela da população que demanda apoio e assistência social e
também sobre os cadastros que são utilizados para conceder bene-
fícios sociais. Solicitou-se ajuda à professora Rosângela Paz, da PUC
de São Paulo, para preparar um texto que debatesse o tema e anali-
sasse os diferentes cadastros e as possibilidades da sua utilização

20
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

como referência para a concessão da tarifa, no caso do saneamento.


Este texto foi preparado e divulgado em 2020, e agora é apresentado
revisto no Capítulo 3 do presente livro. A análise mostra a impor-
tância de incluir no benefício da Tarifa Social, complementarmente
aos que estão no CadÚnico, aqueles incluídos no Benefício de
Prestação Continuada (BPC), que, eventualmente, não estejam no
cadastro único.
Surgiu, então, a proposta de levantar e analisar de forma abran-
gente como estava a acessibilidade financeira à água e ao esgota-
mento sanitário no país. Como o ONDAS conta, por enquanto, com
recursos limitados, que se originam da anuidade dos seus associados,
a possibilidade foi solicitar contribuição voluntária na elaboração
desse levantamento em algumas cidades, para viabilizar uma análise
da situação encontrada em diferentes locais e em prestadoras de
serviços de saneamento com diferentes modelos de gestão. Buscou-
se abranger as diferentes regiões do país e assim foram selecionadas
oito localidades, sendo que os serviços de água e esgotamento sani-
tário em quatro delas são de responsabilidade da esfera estadual
de governo (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte);
em duas, a operação é feita por empresas privadas (Campo Grande
e Manaus); e duas têm a operação sob responsabilidade da esfera
local de governo (Porto Alegre e Distrito Federal).
As informações sobre o serviço prestado pela concessionária
(número de domicílios atendidos, número de domicílios com Tarifa
Social, valores das tarifas etc.) foram fornecidas oficialmente pelas
prestadoras de serviço ou pelo respectivo regulador a partir de uma
solicitação formal encaminhada pelo ONDAS. As respostas a essa
demanda não foram entregues na mesma data e houve casos, inclusive,
em que se fez necessário acionar a Lei da Transparência para assegurar
a obtenção dos dados, que, no entendimento do ONDAS, deveriam ser
públicos, de livre e fácil acesso. Assim, como se verá, as informações
de tarifa são todas relativas ao ano de 2020, mas se referem a meses
diferentes desse mesmo ano.
Às equipes colaboradoras em cada cidade analisada, foi
entregue sugestão de roteiro para buscar alguma uniformidade
de conteúdo nos relatos. Os resultados do estudo realizado e a
descrição da situação encontrada em cada localidade com relação
à Tarifa Social nos serviços de água e esgoto, incluindo o Distrito

21
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Federal e os demais sete municípios analisados, são apresentados


nos Capítulos 4 a 11 deste livro.
Constatam-se variações significativas entre as diferentes loca-
lidades estudadas quando relacionadas a vários dos parâmetros
analisados. As tarifas tanto do serviço usual como daquele corres-
pondente à Tarifa Social apresentam diferenças significativas, que
ultrapassam 100%.
As tarifas são bem mais altas nos municípios em que ocorre a
prestação do serviço por empresas privadas. São bastante distintos
os critérios utilizados pelas diferentes operadoras do serviço para
enquadrar os domicílios que poderão receber a Tarifa Social. Em
alguns casos, o enquadramento é feito com critérios complexos, de
difícil aferição. Em outros, a localização do domicílio é determinante,
oferecendo-se o benefício para famílias que não necessitariam da
facilidade financeira da tarifa. Porém, em linhas gerais, quando se
compara o número de domicílios que dispõem da Tarifa Social com
aqueles que estão cadastrados no CadÚnico e que seriam deman-
dantes de apoio para viabilizar a acessibilidade, constata-se que
apenas uma pequena parcela efetivamente tem acesso ao benefício.
Há casos em que o percentual dos domicílios atendidos é de apenas
8% do número de domicílios que estão inscritos no CadÚnico e que
são atendidos por rede pública de abastecimento de água, como é o
caso dos municípios de Salvador (operado por uma concessionária
estadual) e de Campo Grande (operado por uma concessionária
privada). As principais conclusões da análise dos dados das oito loca-
lidades estudadas são apresentadas no Capítulo 12 do presente livro.

A Tarifa Social e o direito humano à água e ao


saneamento
Em julho de 2020, foram comemorados 10 anos da aprovação
da Resolução nº 64/292 da Assembleia Geral da ONU (2010), a qual
“reconhece que o acesso à água potável e ao saneamento é um direito
humano essencial para a plena fruição da vida e de todos os outros
direitos humanos”. É um marco, que se contrapõe à visão da água
como mercadoria e como oportunidade de lucro e que, inevitavel-
mente, tende a excluir aqueles que têm dificuldade de pagar pelos
serviços. A pandemia da Covid-19 realçou que não há segurança

22
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

efetiva se o serviço não chegar a todos, pois se uma pessoa estiver


em risco, o coletivo também estará.
Alguns documentos e relatórios da ONU apontavam que a
cobrança pelo acesso à água e ao saneamento não pode compro-
meter a disponibilidade financeira das famílias pobres, preser-
vando, assim, seu acesso a outros direitos humanos. Mostram,
ainda, a importância da gradativa evolução do padrão de quali-
dade de atendimento, mas destacam que é fundamental asse-
gurar primeiramente o atendimento universal, ainda que com um
padrão de qualidade básico. Ou seja, na definição da prioridade de
investimentos, devem ser privilegiadas as iniciativas voltadas para
estender o acesso e atendimento a toda gente em detrimento das
ações voltadas para a melhoria do padrão de qualidade do atendi-
mento existente.
A extensão das redes públicas a locais acessíveis a todos os domi-
cílios é um passo importante, porém a universalização do acesso à
água e ao saneamento precisa ir muito além. É necessário contem-
plar aqueles que não têm domicílio, aqueles que não têm condições
financeiras para executar ou pagar pela execução das ligações domi-
ciliares para conexão às redes ou que trabalham em locais onde não
têm acesso a instalações sanitárias e, ainda, os que estão impossibili-
tados de pagar pela tarifa regular dos serviços.
O reconhecimento pela ONU, em 2010, do acesso à água e
ao saneamento como direitos humanos fundamentais considerou
cinco critérios normativos: (a) a disponibilidade desses serviços; (b)
a qualidade e segurança; (c) sua aceitabilidade junto aos usuários;
(d) a acessibilidade; (e) a modicidade de preços.
Para a devida aplicação desses critérios na rotina da prestação
dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de
esgotos, os cinco princípios comuns a todos os direitos humanos
devem ser observados: (i) equidade e ausência de discriminação
de qualquer ordem; (ii) responsabilidade; (iii) sustentabilidade; (iv)
participação; (v) transparência e acesso à informação.
Esse conjunto de conceitos, quando compreendido e assumido
pelos prestadores de serviço e pelos usuários, se apresenta como
um instrumento capaz de auxiliar na universalização do saneamento
e, portanto, do avanço na melhoria da saúde, do desenvolvimento
social e da qualidade de vida da população.

23
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O cenário do saneamento no Brasil é claro em apontar que as


deficiências no cumprimento daqueles cinco critérios normativos
se dão de modo contundente junto às parcelas da população em
situação de vulnerabilidade: moradores de favelas, palafitas e peri-
ferias das grandes cidades; comunidades e povos tradicionais; popu-
lações atingidas por desastres de grandes proporções; pequenas
localidades e comunidades rurais. Estes grupos têm em comum,
pelo menos, a baixa capacidade financeira das famílias e a quase
inexistente presença do poder público ofertando políticas públicas
distributivas que os atenda.
Dentro desse contexto, o critério normativo da modicidade
de preço, em conjunto com o princípio da equidade e ausência de
discriminação de qualquer ordem, ganha proporção significativa na
busca por garantir o direito humano de acesso à água às parcelas da
população em situação de vulnerabilidade.
A Lei nº 11.445/2007, conhecida como Lei do Saneamento,
com a nova redação introduzida pela Lei 14.026/2020, estabe-
lece, no parágrafo segundo de seu artigo 29 que “poderão ser
adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários
que não tenham capacidade de pagamento suficiente para
cobrir o custo integral dos serviços”. Assim, a Tarifa Social,
que eventualmente assume outras denominações no país –
popular, reduzida, favela etc. – é um instrumento de caráter inclu-
sivo, direcionado às famílias de baixa renda e que busca mini-
mizar o impacto da incapacidade financeira dos usuários sobre o
acesso à água para consumo humano. Observe-se que essa dispo-
sição legal não impede de avançar no debate sobre a possibilidade
de isenção de tarifas, até um limite mínimo de fornecimento de
água, para atendimento das necessidades básicas da população
em situação de vulnerabilidade.
Em geral, as empresas que prestam os serviços de abastecimento
de água no Brasil, sejam elas de natureza jurídica pública ou privada,
ofertam a Tarifa Social em sua maioria dirigida à população de baixa
renda. Entretanto, a quantidade e a natureza dos requerimentos
impostos para que os usuários sejam elegíveis para receberem este
benefício extrapolam o critério da (baixa) renda, e passam a exigir
requisitos adicionais, resultando em caráter excludente para um
instrumento que deveria ser inclusivo.

24
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Esse conflito, entre o propósito da Tarifa Social e os critérios


de enquadramento exigidos pelas empresas, ganha nova dimensão
na situação que ora vivenciamos. Com a pandemia da Covid-19, as
principais medidas de prevenção ao contágio – o isolamento social
e a lavagem frequente das mãos – têm apelo imediato não apenas à
aplicação dessa tarifa, mas também à necessidade de otimização de
sua abrangência.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-
tica (IBGE), publicou, em abril de 2020, resultados referentes ao
primeiro trimestre daquele ano, indicando queda com relação ao
mesmo período de 2019, na renda dos assalariados formais e infor-
mais do setor privado, bem como dos empregadores. A estabilidade
apontada na renda dos empregados do setor público deve seguir a
mesma tendência em virtude da redução das atividades nos muni-
cípios e estados. Adicionalmente, uma consulta ao CECAD, a ferra-
menta para consulta, seleção e extração de dados do CadÚnico,
indicou que em um grupo de oito capitais brasileiras (Manaus/AM,
Salvador/BA, Brasília/DF, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/
MS, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, e São Paulo/SP) houve
um incremento médio de 24% do número de famílias inscritas no
Programa Bolsa Família no período de março a maio de 2020.

Antecedentes e contextualização do debate sobre


Tarifa Social no ONDAS
No dia 7 de outubro de 2019, o ONDAS, juntamente com o
Relator Especial da ONU para os Direitos Humanos à Água e ao
Esgotamento Sanitário, professor Léo Heller, promoveu “mesa
redonda” com o tema “Direitos humanos à água e ao sanea-
mento na prática: uma agenda de prioridades para as cidades
brasileiras”, que se realizou na sede do Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (CREA-MG), em Belo
Horizonte. Entre os tópicos debatidos no evento, destacam-se:
Acessibilidade Financeira, no tocante à Tarifa Social, ao corte
de serviços e ao volume mínimo gratuito, além do apoio, por parte
do poder público, às pessoas cujas residências não estão conectadas
às redes de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

25
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Equidade de Gênero, que priorizou o debate sobre oportuni-


dades desiguais e graves violações aos direitos humanos; igualdade
de gênero nas leis e políticas públicas; intersetorialidade e as múlti-
plas formas de discriminação; medidas responsivas às questões de
gênero; e correção das desvantagens econômicas.
Direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário em
esferas de vida além do ambiente doméstico, com ênfase em
espaços públicos, cujo foco central foi a população em situação de
rua com especial atenção à questão de gênero.
Regulação dos serviços de abastecimento de água e esgota-
mento sanitário no contexto da realização dos direitos humanos,
que discutiu o papel essencial que os marcos regulatórios podem
desempenhar na implementação dos direitos humanos à água e ao
esgotamento sanitário, permitindo aos estados, através de ferra-
mentas para tomada de decisão, nos diferentes níveis da federação,
cumprirem suas obrigações em relação a esses direitos.
Um dos grupos formados para aprofundar os debates dedicou-
se, especificamente, ao tópico da acessibilidade financeira, buscando
identificar a agenda de prioridades e ações para as cidades brasi-
leiras relacionadas aos direitos humanos para a água e saneamento.
Foram debatidas e indicadas prioridades de ações para os seguintes
tópicos:
• Interrupção ou alteração do fornecimento regular de água;
• Tarifa social para os serviços de água e esgotamento sani-
tário e fornecimento de volume mínimo de água indepen-
dentemente de cobrança;
• Formas de apoio para quem não está conectado à rede
pública de água e esgotamento sanitário.
Quanto à interrupção ou alteração do fornecimento regular de
água para domicílios residenciais, o grupo considerou necessário
que seja preservada, em quaisquer situações que resultem na inter-
rupção do fornecimento contínuo de água potável – inclusive aquela
oriunda da inadimplência do usuário – a garantia de fornecimento
de um volume mínimo de água para os domicílios residenciais,
essencial para proteção da saúde e da dignidade dos indivíduos. O
montante mínimo a ser necessariamente fornecido deve ser definido
em cada contexto socioeconômico. Um parâmetro para definição

26
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

do volume mínimo é aquele preconizado pela Organização Mundial


da Saúde (OMS), para padrão de baixo risco à saúde, que é de 50
litros por habitante ao dia. O fornecimento com instrumentos que
limitam o consumo e asseguram o fornecimento do volume mínimo
essencial de água deve ser uma alternativa ao corte por falta de
pagamento e deve viabilizar o compromisso de volume mínimo a ser
entregue em situações de escassez de água.
Com relação à proteção dos direitos humanos de acesso aos
serviços de água e esgotamento sanitário das famílias mais pobres e
vulneráveis, o grupo que se reuniu em outubro de 2019, para debater
a acessibilidade econômica aos serviços de saneamento, identificou
dois possíveis encaminhamentos para assegurar a proteção dos
direitos.

Alternativa 1- Abastecimento mínimo gratuito


Nesta alternativa, deve-se assegurar o fornecimento gratuito de
água (incluindo-se o respectivo esgotamento sanitário) para domicí-
lios residenciais de famílias que estão incluídas no CadÚnico. Tem-se
como referência o fornecimento livre de cobrança de 4,5 a 6 m³ de
água por mês, para cada domicílio. Este valor é apontado tomando-
se como base a indicação da OMS de 50 litros por habitante ao
dia, e considerando-se de 3 a 4 pessoas por domicílio. Acima desse
volume, se aplicaria a Tarifa Social.

Alternativa 2- Ampliar a Tarifa Social


Para assegurar que a Tarifa Social dos serviços de água potável
e esgotamento sanitário cumpra o papel de proteção dos direitos
humanos, consideram-se necessários os seguintes procedimentos:
• Ampliar os descontos do benefício, garantindo-se o mínimo
de 50% de redução sobre a tarifa residencial normal;
• Assegurar que a Tarifa Social seja ativada independente-
mente de solicitação da família que necessita do apoio;
• Ampliar a base de atendimento, tendo como meta todas as
famílias que estejam incluídas no CadÚnico;
• Assegurar a implantação da Tarifa Social onde ela ainda não
é aplicada.

27
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O mesmo grupo que debateu a acessibilidade financeira aos


serviços de saneamento, com relação às formas de apoio para os domi-
cílios residenciais de baixa renda que não estão conectados à rede
pública de água e esgotamento sanitário, considerou que precisam
ser contemplados os diversos casos e situações em que domicílios
residenciais não estão conectados à rede pública e os casos em que
a família arca com ônus excessivos para executar, operar e manter o
sistema individual. Destacam-se as seguintes situações:
• Existe a rede, mas os moradores não têm recursos para arcar
com os custos das ligações domiciliares ou para a instalação
intradomiciliar;
• Usuário não é atendido por rede (moradores de ocupações
informais e outras situações em que os investimentos não
chegaram à área da residência);
• O esgotamento sanitário através de rede já existe, mas o
usuário hesita em fazer a ligação por conta dos valores da
conta, gastos e problemas da ligação;
• A família carente faz uso de sistema próprio individual, mas
arca com elevados custos de implantação, operação e manu-
tenção.
As sugestões apontadas para esses casos foram:
• Na previsão dos recursos a serem empenhados na implan-
tação de novas redes, sempre deverão estar previstos aqueles
necessários para execução das ligações domiciliares. Nos
casos de famílias de baixa renda, não deve ser cobrado
o custo da ligação domiciliar, e a eventual execução ou
complementação da instalação intradomiciliar também não
deve ser cobrada;
• No caso de redes já existentes, o usuário integrante do
CadÚnico deve ter garantia de ligação domiciliar e intrado-
miciliar gratuitas;
• Quando se tratar de famílias integrantes do CadÚnico e a
solução adequada para abastecimento de água ou de esgota-
mento sanitário for um sistema individual, deve haver apoio
financeiro e técnico do Estado para atividades tais como a
limpeza periódica da fossa séptica ou dispositivo similar e a

28
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

fiscalização e o controle sanitário, que incluem a vigilância


da qualidade da água e do correto destino dos efluentes
sanitários. Devem ser previstos recursos orçamentários para
apoio financeiro às famílias de baixa renda que necessitam
implantar sistema próprio individual, em especial nos casos
em que os serviços de manutenção são feitos pelos próprios
moradores.  Em qualquer caso, torna-se necessário o acom-
panhamento e assessoria técnica para assegurar as condições
sanitárias adequadas dos sistemas individuais.
As discussões ocorridas no evento de outubro de 2019, foram
motivadoras da temática abordada neste livro. A relevância do
debate cresceu face ao novo contexto da pandemia da Covid-19.
Considera-se estratégico o avanço de medidas concretas que viabi-
lizem o acesso financeiro aos serviços de saneamento como medida
essencial para controle da proliferação da doença e, neste sentido,
vem a contribuição apresentada nesta publicação.

29
Capítulo 2

As tarifas sociais de abastecimento


de água e esgotamento sanitário: experiências
internacionais
Ana Lucia Britto1

Introdução

E ste texto tem como objeto a discussão das formas de


cobrança de tarifas aos usuários nos serviços de água e
esgoto, com especial atenção para as Tarifas Sociais, examinando
o cenário internacional. Mesmo considerando um contexto de
serviços universalizados, a discussão dos modelos tarifários é funda-
mental para garantir a continuidade do acesso. Ter as redes no seu
bairro não significa para o morador de baixa renda ter acesso aos
serviços com qualidade. Muitos moradores, por não poderem pagar
as tarifas cobradas, optam por formas de abastecimento irregulares
(conexões clandestinas nas redes ou poços, no caso do abasteci-
mento de água), com consequências negativas tanto para eles (uso
de água contaminada, por exemplo) como para o bom funciona-
mento dos sistemas. O enfrentamento dessas desigualdades persis-
tentes no acesso aos serviços exige reconhecer o direito humano à
água e ao saneamento, estabelecido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2010, e questionar a concepção da água-merca-
doria, que está na base de determinadas estruturas de cobrança.
Além dessa introdução, o trecho está dividido em três partes. A
primeira traz um breve histórico sobre a cobrança pelos serviços e as
diretrizes internacionais com relação ao que é designado em inglês
affordability, que pode ser traduzido pela capacidade dos usuários
de pagarem pelos serviços. As diretrizes internacionais estabele-
cidas pela ONU, pela Organização para a Cooperação e Desenvol-
vimento Econômico (OCDE) e pela Organização Mundial da Saúde
1
Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]

30
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

(OMS) trazem parâmetros sobre o percentual de renda familiar que


pode ser comprometido com o pagamento dos serviços e sobre o
volume mínimo a ser fornecido para garantir a saúde dos usuários.
A segunda parte traz um panorama do cenário internacional e das
alternativas existentes de Tarifas Sociais. A parte final traz, com
base nos modelos internacionais levantados, uma discussão pra
subsidiar a construção de modelos possíveis de Tarifas Sociais no
Brasil e suas perspectivas na promoção do direito humano à água e
ao saneamento.

A cobrança pelos serviços de água e esgotamento


sanitário: breve histórico e diretrizes internacionais
Na Europa, a cobrança pelos serviços de água fornecida nos
domicílios começa na segunda metade do século XIX, quando a
maioria dos sistemas de distribuição era gerenciada por empresas
privadas relativamente pequenas, que forneciam água para uma
parcela restrita da população. A qualidade da água era variável, resul-
tando em um padrão de abastecimento altamente estratificado, com
a atuação das empresas visando essencialmente à geração de lucros
para seus investidores. Em Paris, em 1885, havia menos de 30% de
usuários cadastrados para o serviço por volume fixo ou por preço
fixo. Em 1894, este tipo de contratação para prestação do serviço de
água deixou de ser proposto e, em 1900, os medidores de água eram
utilizados em mais de 97% das contratações para prestação de serviço
de abastecimento. Um dos argumentos empregados era que a água
potável provinha de fontes remotas, não deveria ser desperdiçada e
que havia um custo de transporte. O pagamento era uma forma de
cobrir os custos de investimento e evitar o desperdício. Na Inglaterra,
a primeira empresa de distribuição autorizada pelo Parlamento, em
1698, foi a The Newcastle & Gateshead Water Company, criada por
William Yarnold. A rede existia nesse território: havia uma empresa
de abastecimento de água em Newcastle, de propriedade de Cuthbert
Dykes, e outra em Gateshead, administrada pela família Ellison.
O próprio Yarnold estivera envolvido no suprimento de água de
Oxford. Em Londres, as primeiras canalizações de abastecimento de
água foram instaladas entre 1471 e 1546, graças às empresas privadas
(sociedades por ações). No entanto, até o século XIX, o serviço domi-

31
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

ciliar era escasso e a maioria dos moradores urbanos dependia de


poços públicos e privados. Os sistemas se expandiram rapidamente e
o pagamento pela água consumida era feito na forma de taxas locais
ou sobre um volume estimado, resultando em um preço fixo. Ainda
hoje, dois terços das famílias britânicas (e uma proporção ainda
maior de irlandeses) não têm medidores e pagam pela água através
de impostos locais relacionados ao valor de aluguel de suas moradias
(rates). (Barraqué, 2011 e 2005)
Nos Estados Unidos, durante a maior parte do século XIX, a
maioria dos norte-americanos vivendo em cidades dependia, para
seu suprimento, de água de superfície como lagoas e córregos ou de
cisternas de águas pluviais ou poços. Ao longo do século XVIII e início
do século XIX, são instalados os primeiros sistemas de distribuição
domiciliar de água nas cidades. Nas cidades de Filadélfia e Nova York
os serviços eram fornecidos pelo município, mas na maior parte
das cidades os serviços eram fornecidos por empresas privadas. Os
governos municipais eram, muitas vezes, politicamente fracos e prefe-
riam depender do capital privado para prestar serviços públicos. Os
acionistas das empresas privadas poderiam obter lucro, mas também
assumiriam o risco associado ao não pagamento (Salzman, 2012). De
toda forma, os serviços não eram acessíveis à população mais pobre;
em Nova York os moradores tinham que pagar os custos das ligações
domiciliares, o que era inviável para a população de baixa renda.
No século XIX, na Europa, as políticas públicas para acesso
dos pobres aos serviços de abastecimento de água se faziam via polí-
ticas de habitação social. Na França, ainda no século XIX, surgem
as primeiras iniciativas de habitação operária, promovidas pelos
próprios donos de fábricas, no âmbito de um modelo que associava
higienismo a um capitalismo industrial paternalista, baseado em
princípios utilitaristas, buscando manter trabalhadores saudáveis e
produtivos próximos às unidades de produção. Dois exemplos são
o Familiastère de Guise (1859) e Cité Ouvrière Minier (1892), onde os
alojamentos coletivos dos operários dispunham de água encanada.
Depois da ampliação do número de inciativas privadas, em 1906,
foi aprovada a lei de criação das Sociedades Cooperativas da HBM2.

2
HBM é a sigla para Habitação de Baixo Custo. Moradias de baixo custo, muitas vezes
chamadas de HBM, correspondiam, até 1950, às moradias de aluguel moderado atuais
(HLM), representando os dois modelos históricos de habitação social na França.

32
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A lei facilitava as operações de financiamento, permitindo que os


municípios atuassem na política de habitação social sob a forma de
assistência financeira, e autorizando a instituição financeira Caisse
des Dépôts et Consignations a conceder empréstimos diretamente
às empresas da HBM. Na Grã Bretanha, a partir da década de
1890, as autoridades locais substituíram os filantropos como prin-
cipais construtores da habitação social. O Conselho do Condado
de Londres era o líder, mas outras cidades, particularmente Liver-
pool e Glasgow, também desenvolveram essas políticas. É impor-
tante ressaltar que, nesse primeiro período, a demanda por habi-
tação social era maior do que a oferta, permanecendo um número
expressivo de pobres sem acesso adequado à água, recorrendo a
fontes públicas e morando em habitações precárias, cujas instala-
ções sanitárias eram coletivas, a maior parte alugada por proprie-
tários privados.
A partir das últimas décadas do século XIX, os autores Swynge-
douw, Kaïka e Castro (2002) identificam um processo de municipali-
zação dos serviços de abastecimento de água promovida, principal-
mente, pela preocupação causada pela deterioração das condições
ambientais e aumento das exigências de salubridade urbana. Nessa
fase, a rentabilidade com o fornecimento dos serviços é uma preocu-
pação secundária, tendo em vista que se podia contar com subsídios
oriundos da receita gerada por impostos públicos (seja no governo
local ou no nacional). Os sistemas de abastecimento de água se
consolidaram aos poucos, expandindo a cobertura doméstica inte-
grando-a a um sistema de esgotamento sanitário com disposição
final, mesmo que sem tratamento.
Após o final da Primeira Guerra Mundial, inicia-se nos
países do Norte (considerando aqui os países capitalistas da
Europa Ocidental e América do Norte) a estruturação de um
modelo de Estado do Bem-Estar Social, que buscava asse-
gurar ao mesmo tempo as condições de reprodução do
capital e da força de trabalho, garantindo investimentos e
organizando a gestão de meios de consumo coletivos, aten-
dendo, assim, às necessidades de reprodução do capital
e da força de trabalho nas cidades. Entre esses meios de
consumo coletivos, que se materializavam em redes e serviços
urbanos, estavam os sistemas de abastecimento de água e esgo-

33
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

tamento sanitário. Os investimentos dos governos centrais para


a melhoria desses serviços ampliam-se, tornando-se essenciais
para a construção de serviços universais. (Swyngedouw, Kaïka e
Castro, 2002)
Um projeto de universalização do acesso aos serviços nos países
do Norte, com massivos investimentos públicos, consolida-se, após
a Segunda Guerra Mundial, junto ao Estado do Bem-Estar Social.
Coing (1992) destaca, nesse momento, a constituição de quatro
processos históricos estreitamente inter-relacionados: o desenvolvi-
mento do consumo coletivo e, portanto, dos Meios de Consumo
Coletivo (MCC); a socialização das despesas de investimento e/ou
consumo dos MCC; a intervenção do Estado neste campo; e o desen-
volvimento de órgãos de gestão pública para os MCCs.
O tema do acesso aos serviços dos pobres e vulneráveis torna-se
mais importante no final dos anos 1980 e inicio dos anos 1990,
quando alguns países europeus, como a Inglaterra, optam pela
privatização das empresas públicas. É após esse período, nos anos
1990-2000, que o número de contas não pagas e cortes de água
devido à incapacidade de pagá-las aumentou significativamente
na França (Smets, 2008), Inglaterra (Bakker, 2004) e em outros
países europeus. Em trabalho de 2002, Fitch e Price analisam
o que foi designado como water poverty na Inglaterra e País de
Gales, definida como a incapacidade dos usuários de pagarem os
custos dos serviços (quando as famílias devem gastar mais de 3%
de sua renda com tarifas de água). Um dos aspectos destacados
no trabalho é o impacto das diferentes tarifas, em diferentes áreas
do território britânico sobre a renda dos usuários e de como esse
fator pode exacerbar a water poverty. Na época, uma em cada seis
famílias gastava mais com água do que o limite estabelecido (3%)
e não foi estabelecida nenhuma “tarifa social” para ajudá-los. Ao
mesmo tempo, havia certo consenso de que a ajuda aos usuários
mais pobres deveria vir do governo, e não dos consumidores em
melhor situação via sistemas de subsídios cruzados.
Segundo Fitch e Price (2002), os Regulamentos de Grupos
Vulneráveis, destinados a ajudar um pequeno grupo de usuários,
foram completamente ineficazes. O atendimento foi inferior
a 1% dos números de elegíveis. Para as famílias no Reino Unido
como um todo, a proporção de gastos familiares com água era

34
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de apenas 1%. Para aqueles com rendimentos mais baixos, essa


proporção subia para 3%; e para as pessoas que estavam em
situação realmente precária, a proporção da renda que precisam
dedicar à água é o dobro disso, chegando a 6% (Fitch e Price,
2002). O exemplo do Reino Unido no final do século XX e início
do século XXI é emblemático em dois aspectos: (i) como, em
contextos de serviços universalizados, as estratégias dos grupos
privados podem comprometer o acesso dos mais pobres a esses
serviços; (ii) como as políticas regulatórias do Estado, incluindo
aí Tarifas Sociais, em contextos de prestação privada podem ser
ineficazes na promoção do acesso universal à água.
Estamos diante de um caso que contraria os princípios do
direito humano à água e ao saneamento. Como assinala docu-
mento da ONU (Heller, 2015), o acesso aos serviços é essencial
para a concretização do direito à água e ao saneamento. Se esses
serviços estão disponíveis, mas são muito caros, as pessoas que
não conseguem obter água suficiente são forçadas a recorrer a
fontes ou práticas menos dispendiosas, mas menos salubres ou
a sacrificar outros direitos fundamentais, como os direitos à
alimentação, habitação, saúde. Ainda segundo documento da
ONU, os custos dos serviços de água e saneamento não deverão
ultrapassar 5% do rendimento familiar. A OMS indica que são
necessários entre 50 a 100 litros de água por pessoa, por dia, para
assegurar a satisfação das necessidades mais básicas e a minimi-
zação dos problemas de saúde.3
Anteriormente ao estabelecimento do direito humano à água e
ao esgotamento pela ONU, abordando a questão da acessibilidade
financeira, OCDE havia tratado o tema da capacidade de pagamento
em documento de 2002. Segundo o documento, as famílias muito
pobres, que consideram as contas de água muito altas, poderiam ser
obrigadas a reduzir seu consumo de água a um nível em que suas
necessidades básicas não fossem atendidas e, assim, comprometer
as externalidades positivas do acesso regular aos serviços, como a
saúde pública. Figura no documento a seguinte afirmação:
“A precificação da água de uma forma que reflita as preocu-
pações ambientais e de eficiência pode, às vezes, ser controversa,
3
https://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sa-
nitation_media_brief.pdf

35
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

sobretudo quando se leva em conta considerações sociais (especial-


mente a acessibilidade econômica para as famílias de baixa renda)”.
(OCDE, 2002)
Considerando eficiência e equidade social, o mesmo texto
destaca que as abordagens não necessariamente resultam em opções
políticas conflitantes. Sob certas condições, os sistemas de precifi-
cação de água podem promover eficiência e manter ao mesmo
tempo a meta da equidade. Uma das abordagens que se estrutura
nessa linha é a que definiria uma parte da demanda de água como
aquela para atender às “necessidades básicas”, cujo acesso deveria
ser garantido para todos (especialmente os de baixa renda). Para
além dos volumes correspondentes a essa demanda, os preços dos
serviços de água deveriam refletir os objetivos da política de susten-
tabilidade econômica e ambiental. (OCDE, 2002)

Tarifas sociais: modelos internacionais


No mundo, vários prestadores de serviços de água e esgoto
adotam sistemas tarifários que incluem mecanismos que permitem
cobrar diferenciadamente o consumo de usuários pobres, merece-
dores de proteção no uso desses serviços essenciais. Henri Smets
(2004 e 2008) se propõe a fazer uma taxonomia dos diferentes meca-
nismos voltados para a promoção do acesso aos serviços de popu-
lações pobres e vulneráveis, identificando duas formas de ajuda aos
usuários de baixa renda ou mais vulneráveis: redução das tarifas
(ajuda a priori) ou ajuda financeira para pagar a tarifa (ajuda a poste-
riori). Na ajuda a priori encontram-se as Tarifas Sociais.
Os diferentes modelos de ajuda a priori podem considerar dife-
rentes características dos usuários, segundo prioridades e necessi-
dades definidas nas políticas públicas de abastecimento de água e
esgotamento sanitário de cada país. Essas diferentes características
são estabelecidas segundo as especificidades de cada local. Podem
ser por idade (tarifas específicas para determinadas categorias de
pensionistas na Austrália, tarifas reduzidas para os pobres de mais
de 60 anos, no México), condições de saúde (tarifas específicas para
portadores de determinadas doenças, na Inglaterra e na Austrália),
tamanho da família (tarifas específicas para famílias numerosas, na
Bélgica, em Luxemburgo, na Grécia, em Barcelona, na Espanha),

36
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

renda (Portugal, Estados Unidos, Austrália, África do Sul, Hungria),


características da habitação como tamanho, localização e valor
(Espanha, Inglaterra, Colômbia). (Smets, 2004 e 2008)
Definidas as características dos usuários que serão beneficiados
pelas Tarifas Sociais, passa-se a definição da forma dessas tarifas.
Estas podem ser uma redução ou um abatimento sobre elementos
da conta, quando apresenta uma separação, por exemplo, entre uma
parte fixa (o custo da ligação, isto é, da disponibilidade do serviço)
e uma parte variável (o consumo realizado). Muitos países, porém,
não possuem contas nesse formato. Nesses casos, a fórmula mais
comum é a redução ou não contabilização de uma primeira faixa de
consumo.
Além das Tarifas Sociais, existem outros mecanismos, conside-
rados ajuda a posteriori que podem considerar diferentes caracte-
rísticas dos usuários, segundo prioridades e necessidades definidas
nas políticas públicas de cada país. Existem também vários modelos
de ajuda como reembolso de uma parte ou da totalidade da tarifa
paga ao prestador de serviço. Nessa categoria, encontram-se os
programas de reembolso progressivo de dívidas dos usuários ou
mesmo anistia, colocados em prática em alguns países.
O modelo adotado no Chile pode ser considerado ajuda a
posteriori. É importante se deter um pouco mais sobre esse modelo
porque vem sendo apontado como o “bom modelo” por atores polí-
ticos e por atores ligados às empresas privadas de saneamento brasi-
leiras. Para propiciar o atendimento aos usuários de baixa renda,
com dificuldades para pagar as tarifas, foi estabelecida no Chile a
Lei de Subsídio das Tarifas (Lei nº 18.778/1989). Essa lei estabelece
subsídio direto aos serviços para a população de baixa renda, com
recursos provenientes do orçamento do governo nacional. O sistema
foi introduzido em função dos problemas oriundos da privatização.
Em Santiago, quando os serviços de abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário passaram a ser geridos por empresas privadas,
as tarifas de água aumentaram 90% em quatro anos. No sentido de
fazer cumprir os objetivos de que nenhuma família deveria gastar
mais do que 5% de sua renda com abastecimento de água e esgoto,
o sistema de subsídios foi criado.
Os beneficiários do subsídio são aqueles que moram em domi-
cílios permanentes, que possuem conexão de água encanada, que

37
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

estão em dia com o pagamento do serviço, mas alocariam 3% ou


mais de sua renda média mensal para pagar por uma conta de água
padrão (15 m³ de água, incluindo água, coleta e tratamento de
esgoto). Até 2001, como mencionado, o nível da despesa familiar
com água e esgoto para ter acesso ao benefício era de 5%; em 2002,
foi reduzido para 3%, aumentando o número e a intensidade de
subsídios necessários.
O programa cobre todo o país, beneficiando usuários aten-
didos por diferentes operadores privados regionais. Do total de
recursos distribuídos pelo orçamento nacional às municipalidades,
não mais que 15% poderão ser destinados a subsídio. Os subsídios
são pagos diretamente pelos municípios às empresas prestadoras de
serviço. Como no Chile os serviços são de titularidade municipal,
mas a prestação de serviços é feita por empresas privadas, diferentes
autores mostram que esse mecanismo por um lado, beneficia os
pobres e por outro, subsidia com recursos públicos a lucratividade
das empresas privadas.
No caso do Chile, um problema maior identificado nas análises
está relacionado ao fato de que somente a metade dos grupos mais
pobres recebia o subsídio. Ao mesmo tempo, famílias nos grupos de
alta renda conseguem ter acesso ao subsídio (por exemplo, 7% nos
quinto e sexto decis de renda). Um dos problemas do programa é,
portanto, a taxa de erro de público-alvo (Dubreil, 2006). Segundo
estudo da OCDE, aproximadamente 77% desse subsídio era desti-
nado à parcela mais pobre da população, enquanto aproximada-
mente 23% escapavam, beneficiando camadas de média e alta renda
(Gomez-Lobo, 2003, apud, Palaniappan et al., 2006). Outros autores
afirmam que os erros relativos à exclusão de população que deveria
ser beneficiada pelo programa é de mais de 50% nas avaliações mais
otimistas. Por outro lado, a porcentagem de pessoas que tem direito
aos subsídios ainda é pequena, de 5% a 10 % dos residentes (Mitlin,
2004; Dubreil, 2006).
Examinando a situação dos subsídios no Chile, Gomez-Lobo e
Contreras sugerem que os custos administrativos do sistema chileno
são elevados. Depende da hidrometração e de uma análise da
situação econômica em cada domicílio (Gomez-Lobo e Contreras,
2000 apud Mitilin, 2004). Para concessão dos subsídios, os usuários
de baixa renda são classificados por um critério de pontuação

38
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

definido pelo Ministério da Planificação, em função de suas carac-


terísticas socioeconômicas, da qualidade da habitação, do nível
educacional, emprego etc. A cada ano, o Ministério do Planeja-
mento determina quantos subsídios serão concedidos. Os direitos
das famílias beneficiadas têm que ser renovados a cada três anos.
Em função da avaliação do Ministério, o subsídio pode ser extinto.
Para obter o subsídio, o usuário deve comprovar ser de baixa renda
e, caso não seja contemplado de imediato, entrar na lista de espera.
Pela Lei, o subsídio pode cobrir de 25% a 85% de uma conta
de água e esgoto de um domicílio. Isso quer dizer que, mesmo as
famílias mais pobres, que recebem os maiores valores de subsídios,
devem pagar um mínimo de 15% da conta. O subsídio é referente
a um consumo de 15 m³ por mês; o que exceder esse volume é
pago pelo usuário. Todo consumo acima desse limite é cobrado pela
tarifa plena.
Ao longo dos últimos anos, o modelo tarifário chileno foi
objeto de novas análises e propostas. Molinos-Senante e Donoso
(2015), professores dos departamentos de engenharia hidráulica e
economia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, formulam
modelo de tarifa de água e esgoto que internalize o valor da escassez
da água e ao mesmo tempo melhore as preocupações sociais, como
a equidade e a acessibilidade. O modelo proposto concentra-se no
componente variável da tarifa e segue uma estratégia de blocos cres-
centes. Os principais aspectos do modelo de tarifa proposto pelos
autores são resumidos da seguinte forma: (i) o volume máximo de
água fornecida que pode ser subsidiada não deve ser uniforme em
todo o país e deve depender das características da população em
cada região; (ii) deve ser considerado um subsídio cruzado, uma vez
que os usuários de alta renda, que consomem mais água, pagariam
pelos usuários que consomem menos, que geralmente são famílias
de baixa renda e, portanto, a equidade entre os usuários poderia ser
melhorada; (iii) as despesas necessárias para financiar os subsídios
às famílias de baixa renda deveriam ser obtidas das contas de água e
esgoto e, portanto, o governo central poderia realocar fundos para
outras necessidades sociais; (iv) a receita obtida pelas empresas de
água não seria afetada; (v) a introdução de um fator de escassez
para estimar o preço unitário da água para o segundo bloco geraria
receita extra, que deveria ser usada para implementar medidas de

39
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

conservação de água e alternativas para o aumento de oferta, extre-


mamente necessárias em regiões com escassez de água.
A discussão recente do modelo tarifário chileno também é
objeto de análises e críticas fora do âmbito acadêmico, nas asso-
ciações de usuários. Segundo dados compilados por organizações
não governamentais no Chile, e em particular pela Organização dos
Consumidores (ODECU), a privatização, em sua primeira etapa,
gerou diferenças de até 400% para as taxas de água em todo o país,
sendo os maiores aumentos na zona central norte. Consequência
direta desses aumentos foi a redução do consumo de água de 25
m³/mês para 17 m³ entre 1999 e 2002, na primeira fase da priva-
tização. Segundo Larrain e Schaeffer, a redução do consumo não
ocorreu por causa da maior eficiência no uso da água, mas porque
as famílias não tinham renda suficiente para pagar as crescentes
taxas de água potável. (Larrain e Schaeffer, 2010; Larrain, 2012)
Em trabalho recente, Contreras, Gómez-Lobo e Palma (2018)
fazem uma análise do modelo chileno entre 1998 e 2015. Uma
primeira constatação é que no período houve aumento de renda
real da população, redução da taxa de pobreza – em 1998, a taxa
oficial era de 22%; em 2015, estava próxima de 7% – e mudanças
demográficas, fatores que têm implicações no consumo de água.
O tamanho das famílias diminuiu de 4,69 habitantes em 1998 para
4,02 em 2015. Assim, considerando que a base do modelo chileno é
o percentual da renda familiar gasta com serviços de abastecimento
de água e esgotamento, deveria haver, com a melhoria da renda,
uma diminuição das famílias inscritas no programa e, portanto, da
necessidade de subsídio.
Em 2004, foi introduzido um programa de bem-estar abrangente
denominado Chile Solidario (mais tarde substituído por Seguridades
y Oportunidades). Este programa foi concebido para agregados fami-
liares muito pobres e beneficiários que recebem todos os subsídios
do Estado (habitação, água, abono de família, entre outros), além
do apoio de assistentes sociais e psicólogos para sair da pobreza.
O grupo passou a receber um subsídio de 100% para os primeiros
15 m³ de consumo de água. Em 2014, o programa foi expandido
para incluir as famílias de idosos nos dois primeiros quintis de
distribuição de renda (40% das famílias mais pobres), independen-
temente da conta de água padrão estar acima ou abaixo de 3% da

40
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

renda mensal. Neste programa, o primeiro segmento são aqueles


domicílios com rendimento mensal inferior a duas cestas básicas –
que é a definição da linha de pobreza no Chile – e o segundo são
domicílios relativamente mais ricos, mas cuja conta mensal de água
ainda é superior a 3% da renda.
O número de subsídios e o valor de cada subsídio por região são
determinados anualmente, e a despesa total projetada no programa
é incluída no orçamento nacional em cada ano fiscal. O subsídio
é inteiramente financiado por receitas fiscais gerais e o regulador
da água (responsável pela fixação de tarifas) não está envolvido na
determinação dos níveis de subsídios ou nos aspectos operacionais
do plano. Assim, existe uma separação completa entre as políticas
de bem-estar aplicadas no setor de águas e a regulação econômica
do setor. Os subsídios são concedidos a um agregado familiar por
um período de três anos (embora os benefícios sejam mensais), após
o qual o agregado familiar deve voltar a candidatar-se.
Segundo Contreras, Gómez-Lobo e Palma (2018), ao longo do
período de 1998 a 2015, houve aumento das despesas públicas com
Tarifas Sociais, mesmo com o aumento geral da renda da população
e diminuição da pobreza, acima mencionados. A principal expli-
cação para a expansão do orçamento público dedicado ao programa
tem sido o aumento contínuo das tarifas de água em todo o país.
As tarifas aumentaram significativamente, em alguns casos mais do
que o dobro. Os autores afirmam que, segundo os prestadores, esse
aumento decorreu em grande parte pela necessidade de financiar
os investimentos e custos operacionais das instalações de tratamento
de esgoto, que entraram em operação durante a última década para
que o Chile atingisse 100% de tratamento de esgoto. Entre 1998 e
2013, para a maioria das famílias pobres, as tarifas de água aumen-
taram mais rapidamente do que a renda, justificando o aumento no
número e valor dos subsídios em 34%.
No Chile foi criado Formulário de Proteção Social (FPS),
que introduziu abordagem de vulnerabilidade socioeconômica
para caracterizar as famílias. Entre 2007 e 2016, este foi o instru-
mento utilizado para identificar, caracterizar e estratificar a popu-
lação nacional, visando identificar os beneficiários sociais dados
pelos diferentes órgãos do governo. O sistema de identificação dos
usuários é bastante complexo e caro, mas ele é usado para distribuir

41
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

todas as transferências estatais, incluindo benefícios educacionais,


de saúde e previdência que chegam a vários milhares de milhões
de dólares a cada ano. Assim, os custos institucionais do sistema
estão espalhados entre muitos programas sociais e os custos incre-
mentais no sistema gerados pelo esquema de subsídio de água rela-
tivamente modesto são insignificantes. (Contreras, Gómez-Lobo e
Palma, 2018)
A avaliação de Contreras, Gómez-Lobo e Palma (2018) indica
que a qualidade e o alcance do esquema de subsídio chileno são
moderados, com um Índice de Gini positivo, isto é, a possibilidade
de redução das desigualdades entre grupos sociais, mas ainda
baixo e sujeito a altos erros de alcance. Uma das explicações possí-
veis é que o objetivo do esquema de subsídio chileno é manter
as contas de água abaixo de 3% das despesas domésticas. Como
as tarifas diferem em todo o país, algumas famílias relativamente
ricas podem receber o subsídio em algumas localidades onde as
tarifas de água são altas, enquanto as famílias mais pobres em
áreas de baixa tarifa não conseguem o subsídio. Outra explicação
é o fato dos agregados familiares que têm pagamentos em atraso
nas suas contas de água não serem elegíveis para o subsídio.
Ainda segundo Contreras, Gómez-Lobo e Palma (2018), no
modelo chileno as famílias precisam solicitar o subsídio em seu
município. Não está claro se todas as famílias merecedoras fazem
isso. Se um número significativo de famílias carentes não solicitar
o benefício, os subsídios serão destinados a outras famílias menos
necessitadas. Os prestadores estão legalmente autorizados a ajudar as
famílias a solicitar o subsídio. No entanto, pode ser que as empresas
visem mais os não pagadores para reduzir seus riscos comerciais em
vez dos domicílios mais necessitados.
Por último, vale lembrar que o período do benefício é de
três anos. Nesse período, o rendimento de um agregado familiar
pode melhorar nos anos seguintes, após receber o subsídio, ou um
agregado pode tornar-se mais pobre e necessitar da subvenção e
não existir mais subsídios adicionais disponíveis no seu município.
Outra referência latino-americana é a Colômbia. A Constituição
de 1991 e a Lei de Serviços Públicos estabeleceram nova estrutura
legal e institucional para os serviços de infraestrutura na Colômbia,
que modificou os papéis do Estado e do setor privado. A consti-

42
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

tuição colombiana estabelece o acesso à água potável como um


objetivo social do Estado, define que o Estado deve criar soluções
para necessidades essenciais insatisfeitas e pode conceder subsídios
a parcelas da população com pouca renda, dentro de certos limites.
(Vargas e Heller, 2016)
Os serviços de água e saneamento na Colômbia são de respon-
sabilidade municipal. Os governos municipais, responsáveis por
garantir a prestação de serviços, têm o poder de tributar os serviços,
além de definir áreas de prestação e questões de planejamento terri-
torial. O governo nacional detém a responsabilidade de supervi-
sionar o desempenho ex-post de todas as concessionárias do país e
tem a obrigação de intervir na gestão de serviços públicos que apre-
sentem dificuldades financeiras. A Superintendência de Serviços
Públicos, órgão do governo nacional, supervisiona o desempenho
dos prestadores de serviços públicos e monitora a sua conformi-
dade com os padrões de serviço, segurança e outros regulamentos
emitidos pela Comissão Reguladora de Água e Saneamento (CRA).
O CRA define metodologias de estabelecimento de tarifas, com
base em fórmulas padrão e em planos de investimento apresentados
pelos prestadores, e define padrões técnicos e de qualidade a serem
seguidos pelas concessionárias. A Lei de Serviços Públicos (Lei nº
142/1994), que abrange todos os setores, promoveu a adoção de
tarifas na base do cost recovery para as concessionárias e estabeleceu
limites para a extensão de subsídios cruzados entre os clientes, que
é base da estrutura das Tarifas Sociais. Também forneceu a estru-
tura institucional sob a qual os setores de serviços públicos operam
atualmente.
Os dois governos liberais de César Gaviria (1990-1994) e
Ernesto Samper (1994-1998) implementaram uma política de
abertura econômica e liberalização, promovendo a participação
do setor privado na prestação dos serviços. Em 2004, havia na
Colômbia 125 empresas privadas e 48 empresas públicas mistas de
água, incluindo grandes, médias e pequenas empresas. O envolvi-
mento do setor privado no setor da Colômbia começou em 1995,
em Cartagena, com o apoio do Banco Mundial. Em 1997, como
parte do programa de modernização das empresas (Programa de
Modernização Empresarial - PME), foram estabelecidas 19 Parce-
rias Público-Privadas (PPP) no setor de água e saneamento. Os

43
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

exemplos mais importantes são em Cartagena, Barranquilla, Santa


Marta, Tunja, Montería, Palmira, Girardot e Riohacha. Documento
do Banco Mundial indica que as tarifas tiveram, a partir de 1996,
importantes aumentos que explicam, em parte, uma redução do
consumo muito superior ao esperado.
Analisando o impacto da participação privada nas tarifas,
Gómez-Lobo e Meléndez (2007) mostram que parece haver um
aumento das contas de água quando a amostra completa de domi-
cílios é usada. No entanto, quando a amostra é restrita a famílias
pobres, esse efeito desaparece. O que esses resultados indicam é que
a Participação Privada (PSP) pode estar associada a um aumento nas
tarifas, mas isso parece não afetar as famílias mais pobres, presu-
mivelmente porque o esquema de subsídios adotado, explicitado a
seguir, neutralizaria o efeito do aumento das tarifas.
Com o objetivo de permitir aos usuários de menor renda o
pagamento das tarifas de forma que suas necessidades básicas
sejam atendidas, a Lei nº 142/1994 estabeleceu um sistema de
estratificação socioeconômica que classifica os usuários em seis
estratos, com base nas características do local de residência e nas
condições ambientais, sendo a primeira (1) a que representa as
pessoas mais desfavorecidas, do ponto de vista socioeconômico.
Os usuários dos extratos de renda superiores (5 e 6), assim como
os usuários não residenciais (com exceção de usuários do setor
público e entidades sem fins lucrativos dos setores de educação
e saúde) estão sujeitos a pagar um fator de contribuição de 20%
sobre o custo de suas contas. Tais recursos devem ser utilizados
para a concessão de subsídios ao consumo básico dos estratos de
menor renda (1, 2 e 3), limitando os referidos subsídios a 50%,
40% e 15%, respectivamente, do custo econômico do serviço,
determinado pela comissão reguladora. Em 2003, o subsídio para
o nível 1 foi ampliado a 70%. (Fernandez, 2004)
O nível de consumo básico, definido em 1993, pela Comisión de
Regulación de Agua foi de 20 m³/habitação/mês. Existem subsídios
cruzados que são internos a cada prestador. Quando os montantes
arrecadados dos usuários não são suficientes para financiar total-
mente o esquema de subsídios – o que é sempre o caso – o deficit
é financiado pelo governo nacional, local e/ou contas especiais
através dos fundos de solidariedade e redistribuição de renda. Estes

44
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

fundos são contas geridas pelas autoridades nacionais para redis-


tribuir excedentes de sobretaxas em todas as regiões. No entanto,
na prática, os excedentes gerados em certas regiões raramente são
transferidos para esses fundos e os deficits são financiados inteira-
mente pelo governo nacional ou local.
Vargas e Heller colocam duas visões em debate sobre o modelo
colombiano: (i) alguns defendem o sistema como instrumento de
baixo custo que reflete a capacidade econômica das famílias, pois,
embora não esteja necessariamente ligado à renda auferida, tem
relacionamento com seus rendimentos acumulados ao longo do
tempo; (ii) outros, ao contrário, consideram que o sistema levou à
segregação geográfica e socioespacial, o que dificultou a integração
social (Vargas e Heller, 2016). Os autores indicam que existem
disfunções no sistema de subsídios. Por exemplo, em 2005, era
possível perceber um desequilíbrio no modelo de subsídios e contri-
buições, uma vez que mais recursos foram concedidos aos estratos
1, 2 e 3 do que coletados nos estratos 5 e 6 e nos setores comercial e
industrial. De fato, quase 80% das contribuições vieram de usuários
comerciais e industriais. A estrutura socioeconômica existente não
produziu, portanto, contribuições suficientes para cobrir a totali-
dade dos subsídios, daí o importante recurso aos fundos do governo
local e nacional. Além disso, assim como no Chile, existem erros na
definição de quem efetivamente precisa dos subsídios, beneficiando
grupos de estratos médios mais dos que os mais pobres.
Em 2019, a Corte Constitucional, ao fazer a interpretação da
Nova Lei de Abastecimento de Água, determinou que os adminis-
tradores do serviço têm o dever de fornecer o mínimo de 50 litros
diários de água potável por pessoa. A decisão tem como base o artigo
13 da Constituição Colombiana, que obriga o Estado a proteger
pessoas que encontram-se em situação de carência manifesta. Isso
porque, mesmo com o sistema de subsídios, famílias pobres mais
numerosas não recebiam água suficiente para suas necessidades em
função de um cálculo de tarifas e benefícios baseado em blocos cres-
centes. Anteriormente, o conceito de mínimo essencial havia sido
reconhecido pela Corte Constitucional através do inciso T-426/92,
que estabelecia direito a um volume não identificado, entendido
como garantia de condições materiais mínimas para viver uma vida
decente.

45
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Essas decisões decorrem da aplicação da Constituição e


ensejam o estabelecimento de quantidade mínima essencial de água
gratuita para as famílias em condições de pobreza, convergindo
com o quadro para legal internacional referente ao direito humano
à água e ao saneamento. Como mostram Vargas e Heller (2016),
Medellín foi o município pioneiro no estabelecimento desse direito.
Em 2009, essa provisão foi incorporada a um programa existente,
denominado Medellín Solidaria, que visa melhorar as condições das
famílias que vivem em situação de extrema pobreza. Bogotá também
adotou o sistema, mas, diferentemente de Medellín, é mais restrito
em termos de benefícios: não havia um cadastro anterior como o
do Medellín Solidaria, sendo usado o sistema existente de subsídios,
e beneficiados os estratos 1 e 2; os volumes disponibilizados em
Bogotá são inferiores aos de Medellín (50 litros/pessoa/dia, sendo
o cálculo feito por domicílio, considerando 4 pessoas por domicílio
em Bogotá e 83 litros/pessoa/dia em Medellín); em Bogotá o bene-
fício refere-se somente aos serviços de abastecimento de água e em
Medellin, à água e esgotamento. Contudo, o número de beneficiá-
rios em Bogotá (38% de beneficiados entre 2012 e 2014) é superior
ao de Medellin (4% de beneficiados entre 2012 e 2014).
Na Inglaterra, onde, como visto anteriormente, a prestação
é feita por empresas privadas, o regulador (OFWAT) estabeleceu
regras do que é designado affordability. Isso porque em 2009/2010,
23,6% dos agregados familiares que pagavam pela água na Ingla-
terra e no País de Gales gastavam mais de 3% do seu rendimento em
água e esgoto e 11,5% gastavam mais de 5%.
No relatório de 2015 do regulador sobre dívida e acessibili-
dade financeira, foram usados os seguintes termos para descrever
a escala do problema: (i) a proporção de usuários que gastam mais
de 3% e 5% de sua renda familiar (após os custos de moradia) na
água; (ii) a porcentagem de clientes que não acreditam que sua
conta de água é acessível (usando os dados de pesquisa do cliente
do Consumer Council for Water (CCWater). O OFWAT impôs, então,
um sistema em que as empresas de água devem atender os que não
conseguem pagar as tarifas através de uma redução do valor das
contas, denominado water sure e é estabelecido um limite ao valor
da conta de água e esgoto das famílias (a partir de um valor médio).
O water sure deve ser adotado pelas diferentes empresas privadas

46
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

que atuam na provisão dos serviços. Para ter direito ao benefício,


os usuários devem ter hidrômetro, receber benefícios de bem-estar
social, receber auxílios sociais referentes a três ou mais crianças com
menos de 19 anos ou ter alguém que viva na propriedade com uma
condição médica que exija alto uso de água.
Todavia, o sistema tem alcance limitado. Segundo relatórios
de 2018 do CCWater4, representante independente dos consumi-
dores de água para uso doméstico e empresarial na Inglaterra e no
País de Gales, o sistema water sure é insuficiente. Só tem capacidade
para apoiar cerca de um quarto dos quase 3 milhões de agregados
familiares que afirmam não ter condições de pagar as tarifas. Na
Inglaterra e no País de Gales, a conta média de água e esgoto
doméstico é de 4,19 euros o m³, mas há muita diferença de uma
empresa de água para outra devido à diversidade de custos locais.
A Tarifa Social water sure corresponde a um desconto na conta,
que pode reduzir o valor pela metade e não tem relação com o
volume consumido. O OWFAT divulgou, em 2017, um documento
denominado The guaranteed standards scheme GSS summary of stan-
dards and conditions5, que traz as normas a serem seguidas pelos
prestadores. Além disso, o corte da água por não pagamento é
proibido por lei em residências, hospitais e escolas. As empresas
são obrigadas a propor esquemas de renegociação das dívidas dos
usuários sem corte da água.
Existe, contudo, um problema de comunicação e apenas 5%
dos clientes em toda a Inglaterra e País de Gales estão cientes do
esquema de tarifa social da empresa que lhes presta os serviços.
Segundo relatório do CCWater, 27% dos entrevistados tem pouca
probabilidade de procurar a empresa caso estejam preocupados
com o pagamento da conta. O relatório recente, de 2018, Vulne-
rability in the water6, destacou exemplos de boas práticas dos pres-
tadores em resposta às principais recomendações do Relatório
de Revisão de Esquemas de Assistência Especial, publicado pelo
CCWater em novembro de 2016, mas também demandou que as

4
Disponíveis em https://www.ccwater.org.uk/
5
https://www.ofwat.gov.uk/wp-content/uploads/2017/03/The-guaranteed-stan-
dards-scheme-GSS-summary-of-standards-and-conditions.pdf
6
https://www.ccwater.org.uk/wp-content/uploads/2018/10/Vulnerability-in-the-
-water-sector.pdf

47
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

empresas fizessem mais para inovar, no sentido de proteger os


consumidores em circunstâncias vulneráveis. O relatório deman-
dava o suporte necessário, no momento necessário, aos usuários
mais vulneráveis.
Na França, é o município que define o preço da água por
deliberação do Conseil Municipal (Câmara de Vereadores). Esse é
o caso mesmo quando existe delegação da prestação desse serviço
a uma empresa privada. Neste caso, o papel do Conseil Municipal
pode variar. Às vezes, ele limita-se a validar ou invalidar as taxas
propostas pela empresa prestadora. Às vezes, o município é mais
ativo e estabelece emendas ao contrato com a empresa prestadora.
Na maioria das vezes, o preço da água por metro cúbico é idêntico
para a mesma categoria de usuários, independentemente do volume
consumido. Mas, desde 2010, o município também pode optar por
praticar um preço progressivo, por volume consumido, para desen-
corajar o desperdício e tornar acessíveis os primeiros metros cúbicos
essenciais para alimentação e higiene. A maior parte dos imóveis
multifamiliares possuem hidrômetros coletivos. Somente a partir
do ano 2000, uma lei passa a obrigar a instalação de hidrômetros
individualizados nos imóveis novos. Frequentemente, o pagamento
é feito em duas parcelas anuais. Caso o usuário não tenha condições
de pagar a tarifa, ele deve recorrer ao FSL Fonds de Solidarité pour le
Logement (fundo de solidariedade habitacional), que é administrado
pelo departamento7. A água continuará a ser fornecida se a conta for
referente à residência principal. No FSL o problema será examinado
por uma comissão, que reúne representantes das partes interessadas
(prestador, município, Estado) e organizações sociais. Ela examina
as demandas submetidas e que foram instruídas por um serviço
social. Como resultado desta revisão, ela decide por fornecer ou não
assistência ao usuário para o pagamento de sua dívida.
Como o sistema dos FSL funcionava relativamente bem na
França, a discussão das Tarifas Sociais é recente. A partir de 2016,
cinquenta municípios se comprometeram a testar a Tarifa Social da
água, cumprindo o direito fundamental de acesso à água potável.
A experiência assumiu dois modelos de ajuda aos que não tem condi-

7
A França é dividida em Regiões, Departamentos e Comunas (municípios). Exis-
tem 95 departamentos, sendo 93 na França metropolitana e dois no exterior, fora
do território europeu.

48
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

ções de pagar as tarifas: (i) ajuda preventiva pagando, por exemplo,


um cheque de água para reduzir o valor das contas de água; (ii) tarifa
progressiva de água, incluindo uma primeira parcela de consumo
gratuita, modulada de acordo com a renda do usuário e número de
pessoas no domicílio. Como os serviços são municipais, o município
decide aplicar a Tarifa Social conforme julgar adequado, após deli-
beração do Conseil Municipal. Além disso, a Lei Brottes, de 2013,
proibiu o corte de água no caso de contas não pagas (artigo L115-3
do Código de Ação Social e Famílias). De acordo com essa lei, que
está em vigor desde o final de fevereiro de 2014, os prestadores não
podem cortar o fornecimento de água para uma residência quando
um usuário deixa de pagar sua conta.
Em Portugal, análises realizadas com dados de 2007 mostram
que não existia grande problema de acessibilidade financeira aos
serviços. No nível municipal, o preço de 10 m³ dos serviços de
água e saneamento representa 0,39% da renda média domici-
liar da água e 0,17% para coleta e tratamento de efluentes, com
um máximo de 0,99% para água e 0,81% para águas residuais
nos municípios onde os serviços eram mais caros. No entanto, a
Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR)
recomendava a implementação de Tarifas Sociais em cada muni-
cípio. Isto consistiria em isentar as pessoas da parte fixa da tarifa
e aplicar a taxa reduzida do primeiro bloco (0 m³ – 5 m³) ao
segundo bloco (5 m³ – 15 m³). A ERSAR também propunha
que os municípios aplicassem descontos a famílias numerosas
para compensar o custo dos blocos em crescimento (Comission
Économique pour L’Europe; Organization Mondiale de la Santé des
Nations Unies, Bureau Regional de l’Europe).
Vale lembrar que em alguns países não existem Tarifas Sociais.
Todos os problemas relacionados ao pagamento das contas pelos
mais pobres são resolvidos pelo sistema de assistência social, como é
na França pelo FSL, sem que seja necessária a criação de mecanismos
especiais para viabilizar o acesso aos serviços (Noruega, Suécia, Dina-
marca, Alemanha e Polônia, encontram-se nesse caso). Destaca-se
que na Alemanha existe a possibilidade de subsídios cruzados entre
serviços administrados pelo mesmo Stadwerke, empresas públicas
municipais multiserviços em que o município é o acionista majori-
tário, gerenciando água, esgoto, gás, energia e resíduos sólidos.

49
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A combinação de vários serviços pode ajudar a reduzir custos, faci-


litar a gestão de liquidez e financiamento de investimentos e criar
sinergias no desenvolvimento ou renovação urbana. Mas não existe
um modelo de Tarifa Social, entendendo que cabe aos órgãos de
assistência social organizados no nível nacional garantir que todos
tenham acesso aos serviços.
Na Itália, uma lei de 2016 prevê que as pessoas pobres devem
ter acesso à água necessária para as suas necessidades básicas,
sendo garantido a 50 litrosL/dia por pessoa carente (Bônus
H20). O órgão regulador nacional Autoritàdi Regolazione por
Energia Reti e Ambienti (ARERA), a autoridade reguladora para
eletricidade, gás e sistema de água, estabelece esse volume, com
referência à quantidade vital mínima referida a faixa anual de
consumo subsidiado para os usuários residentes domésticos.
A estrutura de subvenção cruzada para subsidiar esse volume
é determinada pela ARERA, mas implementada pelos muni-
cípios. A ARERA também disciplina as condições de privação
econômica e social que permitem ao usuário/unidade familiar
acessar o bônus, baseando-se em dados estatísticos do ISEE, o
indicador da situação econômica equivalente. Trata-se de ferra-
menta que permite medir a condição econômica das famílias na
Itália, levando em conta a renda, os ativos (títulos e imóveis) e as
características de uma unidade familiar (em termos de número
de habitantes e tipo). O fornecimento do volume mínimo não
pode ser suspenso em caso de atraso de pagamentos.
Sobre corte da água, que fere o direito humano, relatório
recente da EurEau, a Federação Europeia de Associações Nacio-
nais de Serviços de Água, mostra a situação entre os membros da
Comissão Europeia. As taxas de desconexão estão variando entre
0,1% e 2%, geralmente inferiores a 1% do total de conexões (o que
inclui segundas residências, lojas e indústrias) por ano. As taxas mais
altas são geralmente devido a várias desconexões para o mesmo
cliente. Antes de acontecer a desconexão, o processo é longo, pode
levar vários meses e diferentes cartas/chamadas/visitas pelos pres-
tadores são necessárias. As desconexões ocorrem também com
base em uma decisão de justiça. As empresas tentam evitar o uso
de desconexões, já que elas têm que arcar com os custos associados
a elas. Em alguns Estados-Membros, as empresas prestadoras de

50
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

serviços preferem limitar o volume (por exemplo, 20 litros/pessoa/


por dia) ou instalar medidores de água pré-pagos em vez de desco-
nexões. Na Hungria e na Suíça, a redução de fluxo é a única opção
permitida. (EurEau, 2016)
Nos Estados Unidos, 89% da população é atendida por um
prestador público. Eles são de propriedade de uma cidade ou de um
county (município), mas têm personalidade jurídica, administração
e finanças separadas. Exemplos disso são a Autoridade de Água e
Esgoto do Distrito de Columbia, o Departamento de Água e Energia
de Los Angeles e a Denver Water. Em Nova York, a responsabili-
dade pelo abastecimento de água da cidade é compartilhada entre
três instituições públicas: o Departamento de Proteção Ambiental
de Nova York (DEP), que opera e mantém o sistema e é responsável
pelo planejamento de investimentos; a Autoridade Municipal de
Finanças da Água de Nova York (NYW), que trata do financiamento
para garantir os custos do sistema; e o Water Board, que define
taxas e coleta de pagamentos dos usuários.
Em alguns casos, os serviços públicos abrangem várias juris-
dições. Um exemplo é a Comissão Sanitária Suburbana de Washin-
gton, que abrange dois condados em Maryland. As cooperativas
de serviços públicos são também um importante fornecedor de
serviços de água, especialmente em pequenas cidades e áreas rurais.
As empresas privadas são minoritárias, fornecem água para 11% da
população. A maioria dessas empresas é de capital norte-americano
e relativamente pequena.
Apesar dos serviços estarem universalizados, muitos usuários
pobres têm dificuldade de pagar as tarifas e a exclusão do acesso
pode se dar pela incapacidade de pagamento. Os Estados Unidos
não incluem a acessibilidade econômica de água, saneamento e
outros serviços básicos para os consumidores de renda mais baixa
em suas leis ou regulamentos. Para tratar essa questão, foi criada
nos EUA a National Coalition for Legislation on Affordable Water
(NCLA Water). Trata-se de uma coalizão de organizações nacionais,
estaduais e locais, instituições religiosas, organizações jurídicas,
sindicatos e outros que trabalham para conquistar a aprovação da
legislação nacional e de legislações estaduais sobre acesso seguro
e acessível à água potável e ao saneamento, seguindo os princí-
pios do direito humano à água e ao saneamento. O projeto de Lei

51
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

de Acessibilidade dos Serviços de Água e Saneamento foi elabo-


rado por Roger Colton, advogado e economista especializado em
taxas, políticas e financiamento de serviços públicos. O projeto
está em consulta com as comunidades afetadas e grupos de defesa
de direitos dos cidadãos.
De fato, como assinala estudo produzido por Jones e Moulton
(2016), a ausência de um marco legal referente ao direito humano à água
segura e acessível contradiz os regulamentos dos EUA, que afirmam o
valor da justiça ambiental. A United States Environmental Protection Agency
(EPA) define justiça ambiental como “o tratamento justo e o envolvi-
mento significativo de todas as pessoas, independentemente de raça, cor,
nacionalidade ou renda em relação ao desenvolvimento, implementação
e cumprimento de leis, regulamentos e políticas ambientais”. Contudo,
a EPA usa “renda mediana” para determinar a acessibilidade e não se o
custo dos serviços é realmente acessível para as famílias de baixa renda.
Os cálculos gerais de renda mediana também ocultam diferenças signi-
ficativas na renda real entre raça, etnia e gênero, que têm suas raízes
na discriminação histórica, e persistem até hoje e são temas da justiça
ambiental. Isto é particularmente verdadeiro em cidades onde o quintil
mais baixo e mais alto tem rendimentos que se desviam da mediana da
nação como um todo.
Em Atlanta, 25% das pessoas (114.000) vivem na pobreza e
uma conta anual de serviços de água de US$ 3.912,00 consome,
pelo menos, 16% da renda de uma família similar. Em Baltimore,
24% da população vive na pobreza e a conta média de água de
US$ 1.896,00 consumiria 8% da renda de uma família de quatro
pessoas vivendo na linha da pobreza. Em Detroit, um total de 40%
dos moradores vivem na pobreza (272.000 pessoas) e as famílias
de quatro pessoas que vivem na linha da pobreza teriam que pagar,
pelo menos, 7% de sua renda para sua conta anual média de 1.668
dólares. Existe, efetivamente, uma grande variação nas tarifas entre
diferentes cidades, em função dos custos de disponibilização dos
serviços que envolvem abastecimento de água, coleta e tratamento
de esgotos e das águas de chuva.
Em função do modelo federativo norte-americano, existe uma
grande variedade de normativas, segundo os diferentes estados
da federação, com relação ao tema da affordability. Em 2012, a
Califórnia se tornou o primeiro estado dos Estados Unidos a

52
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

aprovar lei que estabelece o direito humano à água. Para apoiar


esse marco regulatório, vários estudos examinaram a acessibili-
dade da água no estado, encontrando custos problemáticos para
as famílias de baixa renda. O Instituto de Políticas Públicas da
Califórnia realizou estudo por condado que estima que quase
13% dos californianos têm contas de água que excedem 2% de
sua renda. Na Califórnia existe uma Lei de Assistência à Baixa
Renda, aprovada e assinada pelo governador em 9 de outubro
de 2015, que estipula que até 1º de janeiro de 2018, o Conselho
Estadual de Controle de Recursos Hídricos deveria “desenvolver
um plano para o financiamento e implementação de programa
de assistência para o pagamento das tarifas de água”. A análise
do site do California Water Boards mostra que uma versão preli-
minar do plano encontra-se em debate. Constatou-se que apenas
46% da população da Califórnia é atendida por serviços públicos
de água que oferecem algum programa de assistência para o
pagamento das tarifas e que muitos desses programas têm baixos
níveis de inscritos e são limitados. Como resultado, menos de
20% da população de baixa renda do estado atualmente se bene-
ficia de um programa de assistência. Uma razão para a limitação
nas ofertas de programas é que os sistemas de água de proprie-
dade pública e cooperativos são limitados pela Proposição 2185
no uso do que é arrecadado com as tarifas de água e outras
cobranças. O financiamento da assistência à população de baixa
renda não pode vir das tarifas. Usando como referência a linha
de pobreza estabelecida no nível federal, verifica-se que, para
muitos prestadores, mais de 50% de seus usuários seriam elegí-
veis para assistência. Para operar um programa de assistência
à baixa renda, interno aos serviços, esses prestadores provavel-
mente teriam que impor custos ou encargos sobre os agregados
familiares com rendimentos mais elevados. Na realidade, essa é
a base do modelo colombiano, mas não é factível em um país de
tradição liberal individualista como os EUA.
Como o desenvolvimento de um programa abrangente de
assistência de baixa renda baseado em subsídios dentro do sistema
é pouco factível, o California Water Boards prevê um programa
estadual, com benefícios distribuídos por meio de outras formas,
como créditos de contas de serviços públicos, créditos fiscais ou

53
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

benefícios monetários diretos. O Boards recomenda o recurso a


fontes progressivas de receita (ou seja, impostos ou taxas) para não
sobrecarregar os usuários que este programa procura servir. Por
exemplo, impostos sobre renda pessoal e comercial proporciona-
riam receitas progressivas, enquanto as taxas sobre a água engar-
rafada ou álcool teriam um nexo com a água e também poderiam
servir de base aos subsídios.
No estado de Massachussets, o prestador não pode cortar ou
recusar-se a restabelecer os serviços de água àqueles que estão grave-
mente doentes ou com dificuldades financeiras, a famílias com um
bebê ou durante os meses de inverno. Na região metropolitana de
Boston, os serviços são públicos. A Metropolitan Water Resources Autho-
rity (Autoridade Metropolitana de Recursos Hídricos, que assumiu
o sistema de abastecimento de água da área metropolitana em 1984)
atende cerca de 2,5 milhões de usuários em 46 cidades e vilarejos.
Em Boston, em 2015, a prefeitura estabeleceu um programa de
desconto para pessoas idosas de baixa renda e portadores de neces-
sidades especiais. Os proprietários de casas de baixa renda com 65
anos ou mais ou com deficiência total têm direito a desconto de
30%, mas apenas na conta de água (não na parte de esgoto ou refe-
rente ao manejo de águas pluviais, que também compõem a conta).
No entanto, apenas os proprietários são elegíveis para o programa,
deixando os locatários em risco. (Jones e Moulton, 2016)
Em Michigan, existe um conjunto de leis referentes ao Direito
Humano à Água, sendo esta a legislação mais abrangente sobre
água dos Estados Unidos, incluindo: (i) um programa dentro do
Departamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS), assegu-
rando que as contas de água sejam baseadas na renda familiar;
(ii) proteção do corte de água a determinadas categorias de
usuários (idosos de baixa renda, famílias com crianças pequenas,
mulheres grávidas e pessoas com necessidades especiais).
Na África, os estudos sobre os modelos de Tarifas Sociais
mostram que a possibilidade de promover o acesso dos pobres é
bastante discutível. Trabalho publicado em 2009, envolvendo várias
entidades de cooperação internacional, incluindo o Banco Mundial,
mostra que as prestadoras de serviços africanas operam em um
ambiente de alto custo. Esses altos custos, combinados com a obri-
gação de cobrir, pelo menos parcialmente, os custos de operação

54
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

e manutenção, tornam as tarifas mais altas na África do que em


outras regiões do mundo. (Banerjee et. al, 2009)
O modelo tarifário de blocos crescentes é a estrutura mais
comum na África. A maioria dos prestadores de serviços africanos
consegue obter a recuperação de custos nas tarifas mais altas, mas
não nas tarifas de primeiro bloco, que são projetadas para fornecer
água a preços acessíveis, com os menores volumes, aos mais pobres.
Segundo Banerjee, os objetivos de equidade da estrutura tarifária
não são atingidos em muitos países. O preço efetivo pago pelos
consumidores de baixo volume de água geralmente é maior do que
o pago pelos consumidores médios ou de alto volume. O subsídio
ao bloco mais baixo de consumo nas atuais estruturas tarifárias
não é recebido exclusivamente pelos pobres porque muitos consu-
midores que não são pobres não excedem o limite desse bloco de
consumo. Ao mesmo tempo, a tarifa mínima de consumo é, muitas
vezes, onerosa para os clientes mais pobres. Famílias pobres (e em
alguns países, a maioria das famílias é de pobres) não estão sequer
conectadas à rede de água encanada; os subsídios ao consumo não
chegam até elas, exceto indiretamente, através de pontos de distri-
buição públicos.
Observando o caso da África do Sul, que se tornou emble-
mático com a crise de água de 2018, devido a uma diminuição
muito forte do volume das reservas de água, verifica-se que a Cons-
tituição contém parte muita extensa de direitos socioeconômicos,
sendo que os direitos à alimentação e à água estão incluídos. É esti-
pulado que o Estado deve “tomar medidas razoáveis, dentro dos
limites de seus recursos disponíveis, para satisfazer estes direitos
fundamentais”. Além disso, a Lei da Água, de 1997 (Capítulo 4,
Seção 3c), deixa claro que é proibido privar de água uma pessoa
que tenha se mostrado indigente. Este direito à água limita, em
parte, a possibilidade de corte dos serviços de água daqueles consi-
derados indigentes.
Foi estabelecida uma Política Municipal para Indigentes da
África do Sul, iniciativa para fornecer serviços básicos essenciais
para os considerados indigentes (ou seja, aquelas famílias que não
podem pagar ou acessar serviços básicos) dentro do programa de
serviços básicos gratuitos (Burger e Jansen, 2014). No entanto, o
volume gratuito fornecido incialmente era muito baixo (em 1997,

55
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

em Durban, 6 m³ por domicílio; em outra cidade, Volksrust, 9 m³)


sendo justificado pela escassez de água no país. Mais tarde, no início
dos anos 2000, esse volume gratuito foi estendido a todos os domi-
cílios do país, na quantidade de 6 m³.
Segundo Vircoulon (2003), esse modelo foi relativamente bem-
sucedido no meio urbano, mas não garantiu o direito à água aos
mais pobres do meio rural, que não tinham acesso aos serviços.
Atualmente, essa política pública exige que os municípios ofereçam
pelo menos 25 litros por pessoa por dia de água gratuitamente
para as necessidades básicas dentro de um raio de 200 m de casa
(Rodina, 2016). Os provedores de água têm poder de decisão sobre
o projeto e sobre a implementação de uma estrutura de blocos cres-
centes para financiar o fornecimento de água gratuita, isto é, podem
determinar o tamanho e os números de cada bloco, bem como os
preços marginais. Há também a possibilidade de créditos ou subsí-
dios direcionados, que exigem uma identificação precisa dos domi-
cílios indigentes. Em Cape Town, o modelo de tarifas progressivas
mantém o volume gratuito de 6 m³ e uma tarifa subsidiada para
famílias consideradas indigentes, dentro de uma faixa de até 10,5
m³. Contudo, como mostra Rodina (2016), analisando o caso de
Khayelitsha, assentamento de população negra pobre, é necessário
questionar em que medida esse acesso extremamente limitado aos
serviços básicos, que é usado para promover o direito humano à
água, é capaz de efetivamente promovê-lo na África do Sul. A autora
destaca que, na África do Sul, existem 2.700 assentamentos infor-
mais. Muitas casas, como em Khayelitsha, não tem banheiros nem
água encanada, contando apenas com as bicas públicas.

Considerações finais
Dados levantados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), versão de 2013, indicam quem eram aqueles que não têm
acesso ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário com
relação às condições socioeconômicas. Com relação ao deficit em
saneamento básico, concentra-se nos grupos de mais baixa renda (de
zero até um salário mínimo).8 Cerca de 75% da população brasileira
8
A versão de 2019 disponibilizada para consulta pública não relacionou o deficit
à renda.

56
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

que compõe o deficit em abastecimento de água possui renda domi-


ciliar mensal de até meio salário mínimo por morador. Com relação
ao esgotamento sanitário, a população que possui renda domici-
liar mensal per capita de até 1 salário mínimo representa, aproxi-
madamente, 79,5% do déficit em afastamento de esgotos sanitários
(Moraes, 2011). Nas áreas urbanas e metropolitanas essas faixas de
renda estão nos assentamentos precários e favelas, nas periferias e
nos conjuntos habitacionais construídos para essa faixa etária, no
âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida.
Nas áreas rurais, os últimos levantamentos do Programa de
Saneamento Rural (PNRS) mostram que quanto menor a renda
agregada dos moradores, maior o deficit. Em 2010, entre domicílios
com renda agregada inferior a 1 salário mínimo, 41% não possuíam
abastecimento de água com canalização interna; entre os domicí-
lios com renda agregada superior a 1 salário mínimo, esse percen-
tual era de 43%; entre os com renda agregada superior a 5 salários
mínimos, 7%. O deficit em esgotamento no meio rural, representado
pelos esgotos destinados a fossa rudimentar, vala rio, lagoa ou mar,
a inflexão de renda também é importante. Entre domicílios com
renda agregada inferior a 1 salário mínimo, 83% apresentavam essas
características; entre os domicílios com renda agregada superior a
1 salário mínimo esse percentual era de 67%; entre os com renda
agregada superior a 5 salários mínimos, 6%.
Os dados demonstram que o deficit de acesso à água e ao esgo-
tamento está naqueles com baixa capacidade de pagamento. Torná
-los usuários dos serviços públicos demanda equacionar subsídios
na forma de Tarifas Sociais, corretamente estruturadas, conside-
rando que elas não podem ultrapassar 3% da renda do domicílio ou
garantir um volume básico de acesso à água, relacionando o direito
humano e as condições de saúde. O Estado não pode se furtar do
seu papel. Segundo relator da ONU, ele tem função importante
a desempenhar para assegurar que os recursos necessários sejam
canalizados para a prestação de serviços e subsidiar aqueles cujos
custos, de outra forma, seriam inacessíveis. (Heller, 2015)
Hoje os modelos de subsídios existentes no Brasil se concen-
tram em Tarifas Sociais, que apresentam diversos modelos,
conforme será apresentado nos próximos capítulos. Pensar no mais
adequado, considerando as diferenças entre regiões, entre custos

57
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

de serviços, entre urbano e rural é tarefa complexa, mas necessária


se quisermos avançar no sentido da universalização e da garantia
do direito humano à água e ao esgotamento. No contexto atual de
avanço da pobreza, essa questão ganha maior premência. Verifica-
se um aumento da pobreza entre 2014 e 2015, período de início da
crise econômica e política no Brasil, acompanhada pela elevação
no nível de desemprego. Estudo realizado por Neri mostra que,
desde o final de 2014 até final de 2017, o aumento da pobreza foi
de 33%, passando de 8,38% a 11,18% da população brasileira. Este
contingente representa 23,3 milhões de pobres no país, resultado da
adição de 6,27 milhões de novos pobres às estatísticas sociais.
Com a pandemia da Covid-19 e a crise no emprego, os percen-
tuais de população com baixa ou nenhuma capacidade de pagar
pelos serviços certamente aumentaram. Isso significa que mesmo
que tenha ocorrido uma pequena redução dos deficits, como indicam
os dados apresentados pela versão de 2019 do Plansab, não basta
disponibilizar o serviço para garantir o acesso; é necessário garantir
a possibilidade de usufruir dos serviços. Os exemplos internacionais
sugerem algumas pistas de políticas públicas de subsídios e modelos
tarifários que alimentam essa reflexão.
Partindo das recomendações da ONU e de uma perspectiva
de direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário, o primeiro
elemento a ser considerado em termos de financiamento público e
de política de preços para os serviços de água e esgotamento é que
eles devem ser acessíveis para todos. Essa abordagem difere significa-
tivamente da análise puramente econômica da questão tarifária, que
se concentra no aspecto de recuperação de custos, total ou parcial.
A Lei nº 14.026/2020, no seu artigo 29, estabelece que os
serviços públicos de saneamento básico tenham a sustentabilidade
econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante
remuneração pela cobrança dos serviços, e, quando necessário,
por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções. Em
contextos de aumento da pobreza, como é o caso do Brasil atual-
mente, existe, portanto, uma possibilidade de redesenho de instru-
mentos econômicos que orientem a prestação dos serviços, entre os
quais a tarifa paga pelos usuários.
Nesse sentido, segundo a ONU (Heller, 2015), quando as
pessoas não podem arcar com os custos do acesso a serviços de

58
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

água e saneamento, a estrutura de direitos humanos exige que um


serviço gratuito, financiado por outra forma que não as tarifas, seja
colocado à disposição dos usuários. Para garantir a acessibilidade
financeira dos serviços de água e saneamento, os estados devem,
portanto, ir além da aplicação de tarifas e recorrer a um sistema
mais amplo de financiamento, incluindo impostos e subsídios, bem
como subsídios cruzados de receitas governamentais ou de dife-
rentes sistemas de preços.
No que diz respeito ao modelo de Tarifa Social, um aspecto
é central: os critérios para ter o direito devem ser claros, verificá-
veis e facilmente adaptáveis às tarifas normais; isto que dizer que o
princípio básico de um sistema de preços sociais é adaptar o preço
regular/normal de consumo de água às características socioeco-
nômicas do usuário, de forma que os mais vulneráveis possam ter
acesso aos serviços. A acessibilidade à informação e a transparência
são fundamentais. As características socioeconômicas ou critérios
levados em conta para a aplicação de Tarifas Sociais geralmente
estão relacionadas a: (i) renda familiar; (ii) tamanho da família
– vários países introduziram tarifas preferenciais para famílias
maiores, muitas vezes porque os sistemas progressivos as penalizam;
(iii) estado de saúde, incapacidade ou idade.
Quanto aos subsídios cruzados, existem várias possiblidades
de equacioná-los. Como assinala relatório da ONU (Heller, 2015),
onde há suficientemente pessoas com renda mais elevada, com
capacidade de pagamento, em comparação com aquelas que não
podem pagar a taxa total por esses serviços, a recuperação total dos
custos é possível graças ao subsídio cruzado entre os primeiros e os
segundos. Outros tipos de subsídios são possíveis, como mostram os
exemplos internacionais: entre diferentes tipos de usuários (indus-
triais, comerciais e residenciais); entre territórios, sendo que o
princípio é que as tarifas arrecadadas nos territórios com melhores
condições socioeconômicas subsidiariam as tarifas em territórios
socioeconômicos mais vulneráveis, sendo necessário um estudo
cuidadoso da sua delimitação.
Contudo, como assinala o relatório da ONU (Heller, 2015), em
muitos países em desenvolvimento, a população de renda média e
alta é insuficiente para permitir subsídios cruzados e a recuperação
total dos custos apenas através de tarifas não é uma opção. Observa-

59
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

se que, nesses casos, a ação do Estado para garantir o direito à água


e ao esgotamento é fundamental. Existe a possiblidade de criar
impostos ou taxas que proporcionariam receitas progressivas (taxas
sobre a água engarrafada ou álcool teriam um nexo com a água e
poderiam servir de base aos subsídios, como proposto nos EUA).
Para garantir o acesso, as subvenções podem cobrir partes das
tarifas: os custos das ligações domiciliares; a parte fixa da tarifa (que
não depende do consumo); a parte relativa ao consumo dentro do
sistema de blocos crescentes, geralmente limitada ao primeiro bloco.
Pode haver também combinações dessas três fórmulas.
Finalmente, é importante ressaltar que água e o saneamento
são tão importantes para a saúde pública e que o financiamento
público é essencial. O Estado tem papel importante a desempenhar
para assegurar que os recursos necessários sejam canalizados para
a universalização dos serviços e para subsidiar aqueles cujo custo
da tarifa seria inacessível. Quando as pessoas não podem pagar
pelo acesso a serviços de água e esgotamento, a estrutura legal dos
direitos humanos exige o serviço gratuito, com um volume mínimo
necessário de garantia da vida e da saúde. Como visto, alguns países
trazem estruturas regulatórias que garantem essa possibilidade.
Para garantir a acessibilidade e a sustentabilidade dos serviços
de água e saneamento, os Estados devem, portanto buscar meios
para subsidiar a gratuidade, indo além da aplicação de tarifas, e
recorrer a um sistema mais amplo de financiamento, incluindo
impostos e diferentes formas de subsídios, bem como subsídios
cruzados de receitas do governo.

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à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para
editar normas de referência sobre o serviço de saneamento, a Lei nº 10.768,
de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atribuições do cargo de
Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para
vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata
o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007,
para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País, a Lei
nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição
final ambientalmente adequada dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro
de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às
microrregiões, e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a
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63
Capítulo 3

CadÚnico e Tarifa Social de água e esgoto


Rosangela D. O. da Paz1

Introdução

E ste artigo busca refletir sobre as possibilidades do Cadastro


Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico) ser instrumento de acesso à Tarifa Social de água e
esgoto por parte da população brasileira de menor renda, buscando
dialogar com outros instrumentos e avaliando as dificuldades polí-
ticas e institucionais para sua efetivação.
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU),
em sua Resolução nº 64/292, de 28 de julho de 2010, “reconhece
que o acesso à água potável e ao saneamento é um direito humano
essencial para a plena fruição da vida e de todos os outros direitos
humanos”. Mas como viabilizar esse direito em contextos tão desi-
guais como o Brasil e na contracorrente do neoliberalismo, que
transforma os bens comuns em mercadoria privada?
No Brasil, a Lei do Saneamento (Lei nº 11.445/2007) esta-
belece, no artigo 29, que “os sistemas tarifários devem ser inclu-
sivos, garantindo o acesso de todos aos serviços e promovendo a
equidade”. É nessa perspectiva que a Tarifa Social é compreen-
dida, como instrumento inclusivo, de acesso à água para consumo
humano aos segmentos sociais de menor renda, garantindo o aten-
dimento às necessidades básicas da população.
No Brasil, encontramos diversas experiências municipais de
implantação de Tarifas Sociais de água e esgoto, mas busca-se um
caminho para ampliação desse atendimento através do CadÚnico e da
simplificação e desburocratização dos procedimentos de acesso.
O CadÚnico foi criado em 2001, mas sua efetividade deu-se a
partir da criação e implementação do Programa Bolsa Família (PBF),

1
Assistente social, professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
PUC-SP. E-mail: [email protected]

64
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

em 2003, no governo Lula, sob a coordenação do Ministério de Desen-


volvimento Social (MDS) com a unificação e gerenciamento de diversos
programas sociais. Foi regulamentado pelo Decreto nº 6.135, de 26 de
junho de 2007, e sua operacionalização é de responsabilidade compar-
tilhada entre os entes federados (governo federal, estados, municípios
e Distrito Federal), através dos Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS) do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
O CadÚnico unificou diversos sistemas de cadastros e se
consolidou como o principal instrumento que identifica e caracte-
riza as famílias de baixa renda, possibilitando a seleção e a inclusão
em programas sociais. Seu uso é obrigatório para a concessão
dos benefícios de programas sociais federais, com destaque para
o Programa Bolsa Família e a Tarifa Social de energia elétrica,
podendo ser adotado também pelos governos estaduais e muni-
cipais para seleção de famílias a serem atendidas por programas
dessas esferas de governo.2
O CadÚnico representa um avanço para a gestão social pública,
pois construiu uma base de dados abrangente e fidedigna sobre a
pobreza e extrema pobreza no Brasil e que permite o monitora-
mento, diagnósticos e a construção de políticas do Estado para
atender às necessidades sociais e enfrentar as situações de pobreza.
Na discussão das possibilidades de adoção do CadÚnico para
implementar a Tarifa Social de água e esgoto, parte-se da compre-
ensão sobre pobreza, desigualdade e de uma visão sobre o funciona-
mento do CadÚnico, dialogando também com o Benefício de Pres-
tação Continuada (BPC) e com experiências de Tarifa Social que
adotaram o CadÚnico e o BPC.

Pobreza e desigualdade social


A expansão e crescimento das cidades brasileiras foram, histori-
camente, definidos pelo interesse do capital e das elites dominantes
em detrimento dos interesses da maioria da população, gerando
contradições e desigualdades sociais que se expressam nos terri-
tórios intraurbanos, em especial nos bairros periféricos com baixa
infraestrutura e acesso a serviços públicos.
2
https://www.gov.br/cidadania/pt-br/acoes-e-programas/cadastro-unico/o-
-que-e-e-para-que-serve-1

65
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A desigualdade social das cidades brasileiras tem suas causas


nas formas com que se organizou a sociedade, na maneira com
que se construiu o Estado Brasileiro, marcado pelo patrimonia-
lismo, pela exploração do trabalho e, principalmente, no controle
absoluto das elites sobre o processo de acesso à terra, rural e urbana
(Bonduki, 1998).
Nessa chave, a segregação socioespacial reproduz as desigual-
dades sociais, cria guetos, segrega e tensiona a disputa do espaço
urbano entre os grupos e classes sociais por recursos e serviços.
Lena Lavinas (2003) afirma que a pobreza, enquanto questão, tem
o selo urbano, revelando a disputa pela apropriação do espaço, da
cidade, da moradia, do trabalho e dos serviços.

[...] a pobreza é urbana não apenas porque a maioria dos pobres


vive nas cidades e zonas metropolitanas ou porque a reprodução
da pobreza é mediada pela reprodução do modo urbano das
condições de vida, através da dinâmica do mercado de trabalho,
da natureza do sistema de proteção social e do pacto de coesão
social que é, na verdade, o que estrutura o conjunto de relações
e interações entre a sociedade civil, o Estado e o mercado. Ela
também é urbana porque desafia a governabilidade urbana,
exige dos governos locais soluções rápidas e efetivas, inscreve no
território da cidade marcas indeléveis das contradições sociais
que a reconfiguram e recontextualizam a cada momento. Ela é
urbana porque cada vez mais as formas de regulação de pobreza
são mediadas por compromissos instituídos no processo de
construção da cidadania urbana (Lavinas, 2003).

Há diferentes concepções teóricas sobre a pobreza. Silva (2002)


identifica quatro perspectivas:
• Abordagens Culturalistas: as causas da pobreza são identi-
ficadas em fatores internos aos indivíduos, expressos pelo
desenvolvimento de padrões valorativos, a partir dos quais
os pobres são identificados;
• Abordagens Estruturais: as determinações de ordem estru-
tural são causas determinantes da pobreza;
• Abordagens Liberais/Neoliberais: a causa explicativa da
pobreza é o próprio indivíduo, ressaltando as deficiências
pessoais: ignorância, preguiça, infortúnio, fraqueza etc.;

66
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

• Abordagem Multidimensional: a pobreza é entendida como


um Fenômeno Multidimensional e Relativo. (Silva, 2002, p.10)
Não cabe, neste texto, desenvolver essas diferentes abordagens,
mas, sim, adotar a perspectiva multidimensional, na qual a pobreza
não pode ser reduzida à carência de renda, e, sim, analisada e enfren-
tada pelas políticas públicas na sua complexidade multidimensional
e multifatorial. Os pobres não são um grupo homogêneo. Para além
da renda, a composição familiar, com destaque para as famílias
monoparentais e chefiadas por mulheres, as diferentes inserções no
mundo do trabalho (formal, informal, precário, com e sem proteção
social etc.) e as desigualdades decorrentes do racismo estrutural e
de gênero são elementos que incidem na configuração dos grupos e
classes sociais. Somam-se a essas configurações as condições precá-
rias de moradia e acesso à cidade e aos serviços urbanos, o baixo
acesso à educação e à saúde de qualidade (as taxas de analfabetismo e
de mortalidade, acesso ao ensino público e aos serviços de saúde são
os principais indicadores). A pobreza expressa carências de renda, de
acessos, mas também de direitos, de informações, de oportunidades
e possibilidades de superação. Esse conjunto compõe a configuração
multidimensional da pobreza e as condições de vida da maioria da
população brasileira, mas é preciso observar que há uma relatividade
dessa configuração atribuída aos diferentes contextos locais e regio-
nais e aos momentos históricos da política brasileira.
A perspectiva multidimensional reconhece a interrelação e inter-
dependência com base na satisfação de necessidades como educação,
saneamento, habitação etc. e, ainda, a diferença entre ser pobre em
áreas urbanas e rurais e também internamente nas áreas urbanas,
dependendo do grau de urbanização das cidades. (ROCHA, 2006)
Dessa forma, a pobreza é constitutiva da história do Brasil,
produto da desigualdade social, das relações desiguais de poder e
do padrão de desenvolvimento capitalista adotado pela sociedade
brasileira, marcado pela tradição oligárquica e autoritária, pela
escravidão, pela exploração dos recursos naturais, na qual direitos
e igualdade de acesso não constituíram bases para o ordenamento
político e econômico. Como nos diz Vera Telles (1993, p. 2- 4),
“um país caracterizado por uma história regida por privatismo
selvagem e predatório, que faz da vontade privada e da defesa de
privilégios a medida de todas as coisas, que recusa a alteridade

67
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

e obstrui, por isso mesmo, a dimensão ética da vida social, pela


recusa dos fundamentos da responsabilidade pública e da obri-
gação social”.
Pobreza e desigualdade social são os conceitos-chave estrutu-
rantes do modelo brasileiro. Dialogam com as noções de exclusão e
vulnerabilidade social, utilizadas nas diferentes políticas sociais, pois
as situações de privação social, decorrentes da pobreza e desigualdade,
potencializam riscos e situações de vulnerabilidade social, presentes
no cotidiano vivido por famílias e grupos sociais nas cidades, campos
e florestas. No entanto, é preciso que não se perca de vista que o
enfrentamento da desigualdade e pobreza passa pela combinação
de políticas de acesso, de ampliação de direitos e de mudanças no
modelo de desenvolvimento econômico e social do país.
De acordo com recente estudo do Banco Mundial3, realizado
a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD), a renda dos 40% mais pobres no Brasil, no período de 2014
a 2019, caiu, em média, 1,4% ao ano. Já a renda média dos brasi-
leiros em geral cresceu 0,3% ao ano. O estudo aponta o aumento da
desigualdade de renda, medida pelo Índice de Gini4, que em 2015
estava em 0,525, a menor da história do país, e em 2018 chegou a
0,550. Em 2019, houve leve queda, para 0,547.
O parâmetro de renda do Programa Bolsa Família considera,
desde 2018, em extrema pobreza pessoas com renda mensal de
R$ 89 por membro da família. Os rendimentos entre R$ 89,01
e R$ 178,00 são classificados como situação de pobreza. Para
o Banco Mundial, a extrema pobreza inclui rendimento de até
US$ 1,90 (R$ 10,09) por dia, equivalente a R$ 302,70 por mês por
pessoa. O parâmetro de pobreza inclui pessoas com renda entre
US$ 1,91 e US$ 5,50 (R$ 29,21) per capita por dia, o que equivale
a R$ 876,30 por mês.5

3
Banco Mundial. (2020). Poverty and Shared Prosperity 2020: Reversals of Fortune.
https://www.worldbank.org/en/publication/poverty-and-shared-prosperity
4
Índice de Gini: quanto mais próximo de 1, mais desigual é a renda.
5
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/cobertura-do-bolsa-familia-
-cai-apos-o-fim-do-auxilio-emergencial.shtml#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20
de%20benef ici%C3%A1rios%20do,o%20f im%20do%20aux%C3%ADlio%20
emergencia l.&text=Seg undo%20o%20Minist%C3%A9rio%20da%2-
0Cidadania,fam%C3%A Dlia s%20que%20seu%20or%C3%A7amento%20
comporta%E2%80%9D

68
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Em 2020, o impacto da pandemia e da crise sanitária e econô-


mica foi minimizado para parte da população mais pobre devido
ao auxílio emergencial do governo federal. O valor do auxílio
de R$ 600,00 (que chegou a 1,2 mil reais para mães solteiras) é
muito superior ao do Programa Bolsa Família (valor médio de
190 reais), representando importante medida para retirada de
famílias da pobreza. O beneficio foi encerrado em dezembro de
2020, mas o agravamento da pandemia, nos meses de janeiro e
fevereiro de 2021, levou o governo federal a propor novo auxílio
para o período de março a junho de 20216.
O estudo do Banco Mundial sobre a extrema pobreza global
é bastante pessimista e aponta que a Covid-19 e a recessão global
podem fazer com que até 150 milhões de pessoas caiam na pobreza
extrema (cerca de 1,4% da população mundial). Em países de
economia de médio rendimento, como o Brasil, serão 82% dos novos
pobres do mundo.
O relatório da Oxfam, O Vírus da Desigualdade, lançado
em 25 de janeiro de 2021, aponta que a pandemia expôs as
desigualdades sociais: “os super-ricos recuperam perdas em
tempo recorde; os mais pobres terão que esperar mais de uma
década”.7
A pandemia da Covid-19 tem o potencial de aumentar a
desigualdade econômica em quase todos os países ao mesmo
tempo, revela o relatório – algo que acontece pela primeira vez
desde que as desigualdades começaram a ser medidas, há mais
de 100 anos. O vírus matou mais de dois milhões de pessoas
pelo mundo e tirou emprego e renda de milhões de pessoas,
empurrando-as para a pobreza. Enquanto isso, os mais ricos –
indivíduos e empresas – estão prosperando como nunca. A crise
provocada pela pandemia expôs nossa fragilidade coletiva e a
incapacidade da nossa economia profundamente desigual traba-
lhar para todos. (OXFAM, 2021)

6
A definição de novo auxílio emergencial está em processo de aprovação no Con-
gresso Nacional no mês de março de 2021.
7
https://www.oxfam.org.br/publicacao/pandemia-e-desigualdades/

69
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Programa Bolsa Família, Auxílio Emergencial e


Benefício de Prestação Continuada (BPC)
As transferências condicionadas de renda surgiram, no Brasil,
em meados da década de 1990, em experiências municipais como
na cidade de Campinas/SP, e passaram a contar com um programa
nacional no início dos anos 2000, concomitantemente ao CadÚnico.
O Programa Bolsa Família foi criado pela Lei n° 10.836/2004.
Configura-se como um programa de transferência direta de renda,
que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza
no Brasil. Essas duas situações foram definidas a partir de corte de
renda, sendo consideradas famílias em situação de extrema pobreza
aquelas com renda per capita de até R$ 89,00 mensais e famílias
em situação de pobreza aquelas que apresentam renda per capita
de R$ 89,01 a R$ 178,00 mensais, com crianças ou adolescentes de
0 a 17 anos. Em julho de 2020, o PBF chegou a 14,283 milhões
de famílias em todo o país8, com maior concentração na região
Nordeste, seguida pela região Norte do Brasil.
As avaliações do Programa concluem que ele é exitoso na luta
contra a pobreza absoluta, reduz a pobreza extrema, impacta os
cuidados de saúde de crianças e adolescentes, o acesso à educação
básica e a economia local. O programa tem sido replicado em
outros países, como México, Argentina, Venezuela, Colômbia e,
ainda, na África, China, Vietnam e Filipinas, entre outros.
A principal crítica ao PBF refere-se ao baixo valor das transfe-
rências, que limita os impactos na redução da pobreza e das desi-
gualdades. A pandemia da Covid-19 e a consequente crise econô-
mica, que levou à ampliação do desemprego formal e informal e
o aumento da fome e da pobreza, pautaram o debate e adoção do
auxílio emergencial para instaurar medidas de proteção social e
atenuar a crise econômica. O pleito da sociedade civil organizada
gerou iniciativa do Poder Legislativo de implementação de paga-
mento de uma renda ou auxílio emergencial temporários. A Lei
nº 13.982 foi publicada em 2 de abril de 2020, estabelecendo o
auxílio de R$ 600,00 mensais para aqueles que se enquadrassem

8
https://www.gov.br/cidadania/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-
-social/noticias-desenvolvimento-social/bolsa-familia-alcanca-14-283-milhoes-
-de-familia-em-julho

70
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

nas regras estabelecidas na lei, durante um período mínimo


de vigência de três meses, com a possibilidade de prorrogação
do benefício enquanto durar o estado de calamidade pública.
O contexto da pandemia e a aprovação do auxílio atualizou o
debate da necessidade de instituição de um programa de renda
básica no Brasil, proposta, aprovada, mas nunca regulamentada
pelo então senador Eduardo Suplicy.
O auxílio emergencial, apesar do seu caráter temporário,
preservou a renda das famílias mais pobres e, por ter um valor
muito superior ao do Bolsa Família, a renda emergencial para os
mais pobres superou a perda provocada pela Covid-19. De acordo
com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)9, em
novembro de 2020, 27,45% dos domicílios brasileiros não tiveram renda
proveniente do trabalho e 4,32% contaram apenas com o auxílio emer-
gencial para financiar suas contas, o que corresponde a cerca de 2,95
milhões de famílias.
O que nos interessa ressaltar neste artigo é que as características
dos programas de transferência de renda, como o PBF e o auxílio
emergencial, são instrumentos ímpares na mitigação dos impactos
econômicos e sociais da pandemia e na redução da pobreza, possibi-
litando, se agregados a outras políticas sociais de acesso a trabalho
e serviços, a diminuição das desigualdades estruturais da formação
histórica do Brasil.
No caso do auxílio, as regras de acesso contam com um apli-
cativo próprio e não se utilizam do banco de dados do CadÚnico
como no PBF e no BPC.
Ainda em fase de integração ao CadÚnico, o Benefício de Pres-
tação Continuada previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, em
seu artigo 20, foi criado e implementado em 1996, sendo operado
pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). É um benefício
constitucional da assistência social, mantido com recursos do Fundo
Nacional de Assistência Social (Fnas), que substituiu a antiga Renda
Mensal Vitalícia (RMV). Consiste em garantir uma renda de um
salário mínimo para idosos e pessoas com deficiência (de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo) com renda

9
https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/01/06/cerca-de-29-milhoes-de-
-domicilios-tiveram-apenas-renda-do-auxilio-emergencial-em-novembro-aponta-
-ipea.ghtml

71
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

familiar per capita de até um quarto do salário mínimo que não


podem se manter ou serem mantidos por suas famílias. Importante
considerar que a presença de pessoas com deficiência e idosos na
família exige despesas extras e cuidados, em geral, executados pelas
mulheres, que para além dos custos, limitam ou impossibilitam sua
permanência no mercado de trabalho.
Desde 1996 o acesso ao BPC foi ampliado significativamente,
chegando, em fevereiro de 2020, a um total de 4.664.866 de
pessoas recebendo o benefício, dos quais 2.071.233 são idosos (a
partir de 65 anos) e 2.593.633 são pessoas com deficiência (dados
do Boletim Estatístico da Previdência Social, fevereiro/202010).
Contudo, principalmente a partir de 2016, diversas medidas gover-
namentais foram tomadas para reverter essa ampliação e restringir
a concessão do BPC. Desde essa data, o governo federal vem redu-
zindo o acesso, a exemplo do Decreto Federal nº 8.805/2016,
que estabelece a obrigatoriedade de inscrição no CadÚnico (sob
o risco de perda do benefício), a atualização do cadastro a cada
dois anos pelo próprio beneficiário e a exigência de declaração e
comprovação de renda familiar.
As dificuldades de cumprimento dessas exigências têm sido
apontadas por profissionais e especialistas do tema, que destacam
as limitações de mobilidade dos beneficiários e suas famílias e das
instâncias operacionais da política de assistência social no cumpri-
mento dos prazos e procedimentos de atualização cadastral. Segundo
o INSS, em maio de 2020, aproximadamente 1,1 milhão de pessoas que
recebem o Benefício de Prestação Continuada ainda não fizeram
a inscrição no CadÚnico11. Os prazos têm sido prorrogados desde
março de 2020, mas há incerteza sobre possíveis cortes no bene-
fício. Para implantação de Tarifas Sociais de água e esgoto, é preciso
considerar o público específico do BPC, dada a expressiva quanti-
dade de pessoas que não estão cadastradas no CadÚnico.

CadÚnico – contexto e funcionamento


Anteriormente à implantação do CadÚnico, era possível
observar a sobreposição e desarticulação de dados cadastrais das
10
http://sa.previdencia.gov.br/site/2020/04/Beps022020_trab_Final_portal.pdf
11
https://www.inss.gov.br/tag/bpc/

72
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

diversas políticas sociais como também questionamentos sobre a


confiabilidade dos dados em políticas e programas federais.
O cadastro constitui-se em uma base informacional, essencial
para o funcionamento dos programas sociais brasileiros, permitindo
avaliar e acompanhar o crescimento ou redução dos números que
medem a pobreza, estabelecer metas de atendimento e os valores
de repasses de verbas aos municípios para a gestão dos programas,
através do Índice de Gestão Descentralizada (IGD).
O uso é obrigatório para os programas federais e tem sido utili-
zado pelos municípios para seleção de beneficiários para programas
municipais. Programas que compõem a rede de proteção social
do país utilizam o CadÚnico, entre eles o Bolsa Família, o BPC,
a Tarifa Social de Energia Elétrica, o Programa de Cisternas, a
isenção de Pagamento de taxas de inscrição em Concursos Públicos,
o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
A base de dados permite a seleção das famílias que serão benefi-
ciadas pelos programas sociais, cabendo à Caixa Econômica Federal
(Caixa) o pagamento dos benefícios, sob a coordenação política do
atual Ministério da Cidadania.
Podemos afirmar que o Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal é um instrumento de gestão que contribui com
a eficiência e eficácia dos programas sociais, otimizando recursos e
eliminando sobreposições no nível federal e municipal.

Este instrumento pode, além de permitir a concessão de bene-


fícios do Bolsa Família, nortear o desenho e a implantação de
políticas públicas, de responsabilidade de diferentes esferas de
governo, voltadas para as famílias de baixa renda. Ao identificar
características socioeconômicas das famílias, possibilita carac-
terizar várias dimensões de pobreza e vulnerabilidade, para
além do rendimento monetário. Permite ainda identificar, por
meio de variáveis multidimensionais, as famílias mais vulnerá-
veis, prioritárias para acompanhamento familiar e aquelas que
podem, segundo suas características, ser incluídas em programas
complementares ao Programa Bolsa Família. (MDS, 2007, p.4)

No governo do presidente Jair M. Bolsonaro, o Ministério da


Cidadania é o gestor responsável e a Caixa é o agente operador que

73
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

mantém o Sistema de Cadastro Único a partir dos dados inseridos


no sistema pelos municípios.
Os municípios são os responsáveis pelo preenchimento do
CadÚnico, questionário respondido pelas famílias no qual constam
informações dos membros do domicílio sobre composição familiar,
qualificação escolar e profissional, características da moradia e
despesas familiares. As informações referentes ao responsável pelo
domicílio são as bases para a geração do Número de Identificação
Social (NIS), gerado pela Caixa. O questionário aborda os seguintes
pontos:
1) Identificação da pessoa (gera o NIS)
• Nome completo;
• Nome da mãe;
• Data de nascimento;
• Município de nascimento;
• Algum documento de emissão nacional (CPF ou título de
eleitor).
2) Identificação do endereço
3) Caracterização socioeconômica
• Composição familiar (número de pessoas, gestantes, idosos,
portadores de deficiência);
• Características do domicílio (número de cômodos, tipo de
construção, água, esgoto e lixo);
• Qualificação escolar dos membros da família;
• Qualificação profissional e situação no mercado de trabalho;
• Rendimentos e despesas familiares (aluguel, transporte,
alimentação e outros).
Os gestores municipais são responsáveis pela sistematização dos
dados e pelo repasse para a Caixa, utilizando aplicativos e formulá-
rios fornecidos por esta instituição, que, por sua vez, realiza a capa-
citação de gestores e técnicos para operação do sistema e identifica
e atribui o NIS às pessoas cadastradas.
De acordo com a Caixa12, devem ser cadastradas famílias que
ganhem até meio salário mínimo por pessoa ou até três salários
12
www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx

74
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

mínimos de renda mensal total. Os programas e benefícios sociais


do governo federal que utilizam o CadÚnico como base para seleção
das famílias são:
• Programa Bolsa Família;
• Programa Minha Casa, Minha Vida;
• Programa de Apoio à Conservação Ambiental (Bolsa Verde);
• Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI);
• Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais
(Fomento);
• Carteira do Idoso;
• Aposentadoria para pessoa de baixa renda;
• Programa Brasil Carinhoso;
• Programa de Cisternas;
• Telefone Popular;
• Carta Social;
• Projovem Adolescente;
• Tarifa Social de Energia Elétrica;
• Passe Livre para pessoas com deficiência;
• Isenção de taxas em concursos públicos.
Desde dezembro de 2020, o governo federal discute mudanças
no CadÚnico, principalmente a adoção de autocadastramento dos
beneficiários por meio de um aplicativo para celular, minimizando
o papel dos municípios e esvaziando as atribuições e funções dos
CRAS e do Suas no acompanhamento e orientação das famílias13. As
mudanças, se efetivadas, representam um desmonte do CadÚnico e
de seu acervo construído ao longo dos últimos 20 anos – um retro-
cesso para as políticas sociais, destruição das políticas de seguridade
social e, consequentemente, uma perda para segmentos dos traba-
lhadores em situação de precariedade e pobreza.

13
No dia 25 de janeiro de 2021, o portal de notícias UOL divulgou uma altera-
ção pretendida pelo Ministério da Cidadania no acesso ao Cadastro Único para
Programas Sociais (CadÚnico), disponível em: https://noticias.uol.com.br/poli-
tica/ultimas-noticias/2021/01/25/governo-quer-esvaziar-papel-de-municipios-no-
-cadastramento-do-bolsa-familia.htm

75
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tirar a responsabilidade dos municípios é esvaziar a descen-


tralização político-administrativa definida na Constituição Federal
de 1988 e construída no Sistema Único de Assistência Social na
afirmação da autonomia dos municípios em suas particularidades
territoriais.
A proposta de autocadastramento através de aplicativo de
celular, se efetivada, aprofundará a desigualdade social brasileira
pelo baixo acesso de grande parcela da população em situação de
pobreza aos recursos tecnológicos e digitais. No Brasil, o acesso
à internet e às plataformas digitais é para poucos, reproduzindo
a perversidade de nossas relações sociais, autoritárias, racistas,
desiguais e excludentes. A centralização do CadÚnico e o cadas-
tramento em plataforma digital prejudicará a população mais
pobre, que não tem acesso às plataformas digitais ou que não
sabe como acessá-las, além de afetar a articulação federativa da
política de assistência social, o controle social e aumentar as desi-
gualdades sociais.
Em 2020, o contexto da pandemia e de grave crise sanitária
provocada pelo coronavírus impactou a condição de vida da maioria
da população com o crescimento do desemprego, a criminalização
dos pobres, o aumento das várias formas de violência contra as
mulheres, crianças, idosos, indígenas e contra os jovens negros da
periferia das cidades. A diminuição da renda das famílias brasileiras
ampliou o público elegível para os programas e as mudanças na
operacionalização e acesso ao CadÚnico representam o “fecha-
mento de portas”, de alternativas de proteção social, um retrocesso
à construção dos últimos 20 anos e uma redução no número de
pessoas atendidas nos programas de proteção social.
Soma-se a essa mudança a preocupação de que, no governo
do presidente Jair M. Bolsonaro, a gestão do CadÚnico saiu do
comando técnico da área de políticas sociais para a segurança
nacional e foi separado do Programa Bolsa Família. A Secretaria
Nacional do CadÚnico é dirigida por oficial da Agência Brasileira
de Inteligência (Abin) e a Secretaria de Avaliação e Gestão de Infor-
mações está sob o comando de um delegado da Polícia Federal. Essa
mudança político-institucional revela a finalidade de controle das
informações de parte significativa da população brasileira cadas-
trada no CadÚnico.

76
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

O CadÚnico consolidou-se como porta de entrada para as polí-


ticas públicas, mapeando vulnerabilidades sociais e tirando da invi-
sibilidade parcelas significativas da população que passaram a ter
acesso a direitos sociais. Vale ressaltar novamente que as mudanças
põem em risco os avanços dos últimos 20 anos, levará a exclusão dos
mais pobres e gerará a desumanização do atendimento.

Conclusões: a Tarifa Social e a adoção do CadÚnico no


saneamento
O debate sobre Tarifa Social parte da premissa de ruptura com
a concepção de que a água é um bem privado, vendido e comprado
de acordo com o poder aquisitivo do consumidor individual e
afirma a água como um bem comum, da coletividade, um direito
humano, de saúde, de reprodução da vida e de justiça social. Nessa
concepção o acesso ao saneamento tem que ser subsidiado com
financiamento público.
Um exemplo de adoção do CadÚnico e BPC é o da Tarifa
Social de Energia Elétrica, benefício Federal que corresponde a um
desconto na conta de energia elétrica, concedido aos primeiros 220
kWh consumidos mensalmente por usuários residenciais.
Apesar da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
adotar o CadÚnico e o BPC, a inclusão dos beneficiários não é auto-
mática. É necessário que um dos integrantes da família compareça
e solicite a Tarifa Social. Está em discussão no Senado o Projeto de
Lei nº 1.106/2020, que inclui automaticamente as famílias de baixa
renda como beneficiárias da Tarifa Social de energia e concede
descontos de até 65% no pagamento das contas de energia, depen-
dendo da faixa de consumo.
No saneamento, os levantamentos junto às empresas munici-
pais e estaduais apontam diferentes critérios de concessão de Tarifa
Social. A grande maioria da população urbana é atendida por
sistemas de abastecimento de água das concessionárias estaduais e
cada agência aplica diferentes critérios de seleção e concessão do
benefício. Em alguns casos, os critérios representam um mecanismo
de exclusão de parcelas da população – são mais restritivos do que
inclusivos. Essa variabilidade de critérios, requisitos ou exigências
dificulta o acesso às famílias mais pobres e compromete o propósito

77
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

de universalização do direito humano essencial à água potável e ao


saneamento.
Por outro lado, as diversas experiências municipais e estaduais,
em estudo e avaliação pelo ONDAS, iluminam e sugerem caminhos
para unificar procedimentos nacionais.
Vários municípios como Belo Horizonte/MG, Manaus/AM,
Salvador/BA, Porto Alegre/RS e também o Distrito Federal, entre
outros, adotam o CadÚnico e o Bolsa Família, mas a questão que se
coloca é como adotar o CadÚnico e o BPC de maneira automática
e desburocratizada, facilitando o acesso às famílias e pessoas em
situação de pobreza e contribuindo com o enfrentamento da desi-
gualdade social através da universalização do acesso à água.
A unificação de critérios e procedimentos de inclusão de
usuários do serviço de abastecimento de água e esgotamento sani-
tário na Tarifa Social é o desafio a ser pactuado entre os entes fede-
rados e empresas concessionárias,para garantir o acesso aos serviços
de saneamento básico enquanto direito humano.

Referências
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Fortune. https://www.worldbank.org/en/publication/poverty-and-shared-
-prosperity
BRASIL. Decreto nº 8.805, de 7 de julho de 2016. Altera o Regulamento do
Benefício de Prestação Continuada,a provado pelo Decreto nº 6.214, de 26
de setembro de 2007. Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_
publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21288767/do1-2016-07-08-decreto-n-
8-805-de-7-de-julho-de-2016-21288693
BRASIL . Decreto nº 3.877/2001. Dispõe sobre o Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providências. Disponível
em: https://www.caixa.gov.br/Downloads/cidades-cadastramento-unico-
-manuais/DECRETO_NUM_6136_26062007.pdf
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Minis-
tério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Perfil das famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família. Brasília, 2007. Disponível em:
www.mds.gov.br
BONDUKI, Nabil Georges, Origens da Habitação Social do Brasil. Arquite-
tura Moderna, Lei de Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação
Liberdade, FAPESP, 1998.
LAVINAS, Lena. Rede Urbal: Documento Base URB-AL 10. REDE URBAL

78
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

10 Luta Contra a Pobreza Urbana, Documento de Guia, In: Rede Urbal. São
Paulo: PSP/Sec. Rel. Internacionais, texto, 2003.
Oxfam International. O Vírus da desigualdade. Oxfam, janeiro de 2021.
Disponível em: https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms%2Ffiles%2F11532
1%2F1611531366bp-the-inequality-virus-110122_PT_Final_ordenado.pdf
ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: afinal de que se trata?3ª ed. Rio de Janeiro:
FGV, 2006.
SILVA, M. O. da S. O debate sobre a pobreza: questões teórico-concei-
tuais. Revista de Políticas Públicas, v. 6, n. 2, p. 65-102, 2002. Disponível em:
file:///C:/Users/DELL/Downloads/3720-11582-1-PB.pdf
TELLES, - Vera da Silva. Direitos Sociais. Afinal do que se trata? Belo Hori-
zonte, Ed. UFMG, 1999.

79
Capítulo 4

A Tarifa Social nos serviços de água


e esgoto em Belo Horizonte
Alex Moura de Souza Aguiar1

Introdução

S e a pandemia da Covid-19 ressaltou a importância das ativi-


dades de higiene pessoal na prevenção de seu contágio, ela
também colocou em destaque a desigualdade social e econômica
da população brasileira, expondo as dificuldades adicionais viven-
ciadas pelos grupos em situação de vulnerabilidade e, de forma
geral, pela população mais pobre do país. Especificamente, a falta
de acesso contínuo, regular e suficiente à água potável e ao esgota-
mento sanitário expõe uma parcela significativa da população ao
risco de contágio pelo vírus Sars-CoV-2 e também de outras doenças
de veiculação hídrica.
Uma das primeiras medidas anunciadas em meados de março
de 2020, por diversos governadores e prefeitos em todo o país, para
combate à transmissão da doença foi a suspensão do corte de água
devido à inadimplência para as famílias de baixa renda, usualmente
beneficiadas por tarifas especiais denominadas Tarifa Social ou
denominações equivalentes.
Após três meses da tomada dessa medida, o ONDAS
buscou avaliar a condição de atendimento dessas famílias pelos
serviços de água e esgotamento sanitário em oito capitais brasi-
leiras: Belo Horizonte/MG; Brasília/DF; Campo Grande/MS;
Manaus/AM; Porto Alegre/RS; Rio de Janeiro/RJ; Salvador/
BA e São Paulo/SP.

1
Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Con­
sultor, com experiência em projetos e gestão de obras de saneamento. Foi Diretor
Técnico e de Expansão da Copasa-MG. E-mail: [email protected]

80
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Neste artigo são apresentadas as informações apuradas à


época e discutidas as condições de atendimento às famílias de
baixa renda de Belo Horizonte, capital na qual os serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário são prestados
pela concessionária estadual Companhia de Saneamento de
Minas Gerais (COPASA).

Caracterização da localidade
Em 2019, Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, possuía uma
população estimada de 2.512.070 habitantes (IBGE, 2020), sendo a
sexta capital mais populosa do país e sede da Região Metropolitana
de Belo Horizonte (RMBH), constituída, ainda, de outros 33 muni-
cípios.
Os dados do IBGE publicados por meio da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), referentes ao
primeiro trimestre (janeiro a março) de 2020, apontam para Belo
Horizonte um rendimento médio total de R$ 3.121,00 das pessoas
ocupadas com 14 anos ou mais, o oitavo maior dentre as 27 capitais
brasileiras. A taxa de desocupação desse mesmo grupo é de 12,8%,
a décima menor entre as capitais.
A série histórica desses dados (Figura 1) indica uma tendência
de aumento da população vulnerável, com estabilização dos rendi-
mentos da população ativa e progressivo aumento do número de
desocupados, que tendia a ser agravada para o trimestre seguinte
(abril a junho), haja vista os impactos da Covid-19 na economia em
escala mundial. Com isso, admite-se um recrudescimento do Índice
de Gini, principal indicador da concentração de renda, revertendo
a tendência de diminuição da desigualdade observada no período
1991 – 2010 (Índices de Gini de 0,61 e 0,60, respectivamente),
apontada pelo PNUD Brasil (2020).

81
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Figura 1: Evolução Trimestral do Rendimento Médio Mensal e da Taxa


de Desocupação em Belo Horizonte

Fonte: IBGE (2020-a)

O mapeamento do Censo 2010 do IBGE (2020-b) possibilita


uma visualização geográfica da desigualdade em Belo Horizonte.
A Figura 2 mostra que a renda média mensal per capita de até
0,5 salário mínimo ocorre entre 17,76% e 23,41% dos domicílios
localizados em áreas de vilas e favelas em todas as regiões da
cidade.

82
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Para as áreas fora das ocupações subnormais, a ocorrência


de rendimento médio mensal per capita de até 0,5 salário mínimo
situa-se, majoritariamente, no intervalo entre 0,81% e 6,46% dos
domicílios, alcançando valores de até 12,11%, especificamente nos
vetores Norte e Sul da cidade (Figura 3). Observa-se que este percen-
tual máximo de 12,11% é inferior ao mínimo apurado para os domi-
cílios em vilas e favelas.

Figura 2: Domicílios (%) com renda mensal média de até 0,5


salário mínimo – áreas de vilas e favelas

Fonte: IBGE (2020-b)

Os dados apurados à época do levantamento realizado pelo


ONDAS (junho de 2020) junto ao sistema de consulta, seleção e
extração de informações do Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal (CadÚnico), o CECAD, davam conta de mais
de 170.000 famílias inscritas no CadÚnico em Belo Horizonte,
conforme tabela a seguir.

83
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Figura 3: Domicílios (%) com renda mensal média de até 0,5


salário mínimo nas demais áreas.

Fonte: IBGE (2020-b)

Tabela 1: Famílias Inscritas no CadÚnico em Belo Horizonte

Situação Fev/2020 Mar/2020 Abr/2020

1. Famílias inscritas no CadÚnico 168.722 171.082 171.213


2. Famílias c/ cadastro atualizado 134.627 138.100 135.931
3. % de famílias c/ cadastro atualizado 80% 81% 79%
Fonte: CECAD (2020)

Observa-se da Tabela 1 que o número de famílias inscritas no


CadÚnico em Belo Horizonte cresceu 1,5% entre fevereiro e abril de
2020, período no qual ocorreram o início da transmissão comuni-
tária da Covid-19 e a promulgação dos decretos com medidas asso-
ciadas à pandemia, dentre as quais o isolamento social, que trouxe
impactos sobre o trabalho e a renda das famílias.

84
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Adicionalmente, observa-se que o crescimento da atualização


cadastral entre fevereiro e março de 2020 foi de 2,6% e de fevereiro
a abril de 2020 foi de 1,0%. Ressalva-se que o cadastro das famílias no
CadÚnico precisa ser atualizado a cada 24 meses. Sendo essas famílias
de baixa renda e, consequentemente, com menores capacidades – tais
como acesso à internet e aos meios de transporte para deslocamento
– a realização da atualização cadastral pode ter sofrido impacto de
restrição econômica associada à pandemia da Covid-19. Vale atentar
que a realização desta atualização de modo presencial sofreu os efeitos
da medida de teletrabalho adotada na maioria dos postos onde havia
disponibilidade para ofertar ao cidadão este procedimento.
O crescimento verificado no número de famílias inscritas no
CadÚnico corrobora os dados publicados pelo IBGE na PNAD
Contínua referentes ao primeiro trimestre de 2020, evidenciando a
tendência de aumento da população em situação de vulnerabilidade.
A segregação dos dados apurados no CECAD aponta que
pelo menos 76% das famílias inscritas em abril/2020 tinham renda
mensal total de até 1 salário mínimo e pelo menos 90% do total
das famílias tinham como forma de abastecimento de água a rede
pública de distribuição, conforme tabela a seguir.

Tabela 2: Forma de Abastecimento de Água e Renda das Famílias


Inscritas no CadÚnico em Belo Horizonte

Faixa da Renda Total da Família


Forma de Abastecimento
de Água Até 1 1SM – 2SM –
> 3SM TOTAL
SM 2SM 3SM
Rede Geral de Distribuição 115.110 29.388 7.346 3.251 155.095

Poço ou nascente 167 28 6 3 204


Cisterna
161
1 189
22
5
Outra forma 2.584 183 30 3 2.800

Sem resposta 12.480 431 28 4 12.943

Total 130.502 30.052 7.415 3.262 171.231


Fonte: CECAD (2020)

85
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Caracterização dos Serviços de Abastecimento de Água


e Esgotamento Sanitário
Belo Horizonte tem os serviços de abastecimento de água e
de esgotamento sanitário operados pela Copasa, concessionária
estadual em Minas Gerais desde 1974. A concessão, renovada em
2002 e aditada em 2004, tem vigência até 2034. A prestação dos
serviços é regulada pela Agência Reguladora dos Serviços de Abas-
tecimento de Água e de Esgotamento Sanitário em Minas Gerais
(Arsae-MG), desde o ano de 2009.
A Copasa é uma empresa pública de economia mista com
capital aberto. O estado de Minas Gerais é o sócio controlador,
contando com 50,04% das 380.253.069 ações ordinárias que
compõem o capital social da empresa. As demais ações ordinárias
são de propriedade de privados, majoritariamente de investidores
estrangeiros, com destaque para fundos de pensão diversos: College
Retirement Equities Fund; Dignity Health Retirement Plan Trust; Dow
Retirement Group Trust; Illinois Municipal Retirement Fund; Lousiana
State Employees Retir System; Public Employees Retirement Association Of
New Mexico; Teachers Retirement System of the State of Illinois; Virginia
Retirement System; California Public Employees Retirement System; dentre
outros. Em 2019, o lucro líquido da Copasa foi de R$ 754,3 milhões.
Em setembro de 2020, a Copasa detinha 640 concessões de
abastecimento de água em Minas Gerais, atendendo a um contin-
gente de 11,5 milhões de pessoas e 310 concessões de esgotamento
sanitário por meio das quais atendia a 8,2 milhões de pessoas. Os
dados operacionais disponibilizados pela Copasa (2020) mostram
uma expressiva atuação em Minas Gerais, conforme tabela a seguir.
O abastecimento de água em Belo Horizonte é realizado por
meio de um sistema integrado, que atende a outros 22 municípios
da RMBH. A produção de água para consumo humano conta com
dois grandes sistemas:
• Sistema Paraopeba, com três reservatórios vinculados à bacia
do rio Paraopeba, dos Sistemas Produtores Rio Manso (6,0
m³/s), na cidade de Brumadinho; Serra Azul (2,7 m³/s), na
cidade de Juatuba; e Vargem das Flores (1,0 m³/s), na cidade
de Betim;

86
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 3: Dados e Indicadores Operacionais da Copasa


em Minas Gerais – 1º Trimestre de 2020

Parâmetro Valor Parâmetro Valor

Nº de Ligações - Água: 4.489.472 Nº de empregados: 11.442


Nº de Ligações - Esgoto: 2.971.659 Empregados/1.000 ligações: 1,53
Nº de Economias – Água: 5.412.542 % das Economias de Água:
Nº de Economias – Esgoto: 3.737.178 − Residencial: 89,6%
Extensão (km) de Rede – Água: 56.682 − Comercial e serviços: 8,3%
Extensão (km) de Rede – Esg.: 28.956 − Industrial: 0,7%
Vol. Distribuído (10³m³) – Água: 259.641 − Poderes públicos: . 1,4%
Vol. Esgoto Tratado (10³m³): . 82.405 − TOTAL: 100,0%
Fonte: Copasa (2021)

• Sistema Rio das Velhas, cuja produção (7 m³/s) se dá a partir


da captação a fio-d’água no rio das Velhas, na cidade de Nova
Lima, e dos Sistemas Morro Redondo (0,8 m³/s) e Barreiro
(0,2 m³/s), em Belo Horizonte.
O esgotamento sanitário de Belo Horizonte é, quase em sua
totalidade, do tipo dinâmico com separação absoluta. Abrange
duas bacias de drenagem: a Bacia do Ribeirão do Onça e a Bacia do
Ribeirão Arrudas.
Os esgotos coletados na Bacia do Ribeirão do Onça são encami-
nhados à estação de tratamento ETE Onça, cujo processo de trata-
mento abrange tratamento preliminar, reatores UASB seguidos de
filtros biológicos percoladores e decantadores secundários. O lança-
mento do efluente tratado se dá na calha do Ribeirão do Onça, a
aproximadamente 3 km de sua confluência com o Rio das Velhas. A
ETE Onça tem capacidade nominal de 1,8 m³/s.

87
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Figura 4: Localização das ETEs e bacias de drenagem em


Belo Horizonte

Fonte: Fundação Christiano Otoni/UFMG

Os esgotos coletados na Bacia do Ribeirão Arrudas são encami-


nhados para tratamento na ETE Arrudas, cujo processo é aeróbio
(lodos ativados). A ETE Arrudas tem capacidade nominal de 3,4
m³/s e seu efluente é lançado na calha do Ribeirão Arrudas, a cerca
de 4 km de sua confluência com o Rio das Velhas.

88
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tarifação da Copasa em Minas Gerais


Categorias de Consumo e Critérios de Enquadramento
à Tarifa Social
Os consumidores da Copasa são classificados segundo a
natureza da atividade da unidade usuária, sendo agrupados nas
seguintes categorias:
• Residencial: unidade usuária utilizada com fins de moradia e
uso doméstico da água;
• Comercial: unidade usuária dedicada à comercialização de
produtos, à prestação de serviços ou desenvolvimento de
atividades não contempladas nas outras categorias;
• Industrial: unidade usuária destinada ao exercício de ativi-
dade industrial, segundo definição do IBGE;
• Pública: unidade usuária com exercício de atividade de órgão
ou entidade da administração pública direta ou indireta,
incluindo também, desde que legalmente identificadas sem
fins lucrativos: hospitais, orfanatos, creches e albergues.
Os usuários da categoria Residencial podem, ainda, ser classi-
ficados como Residencial Social, recebendo o benefício da Tarifa
Social com desconto sobre os valores tarifários. A categoria Residen-
cial Social destina-se a abrigar aqueles usuários de baixa capacidade
de pagamento (baixa renda), segundo os critérios de enquadramento
da Resolução nº 141 da Arsae-MG (2020), sendo responsabilidade da
Copasa a atualização do cadastro de beneficiários desta tarifa:

Art. 4º - Estabelecer os critérios de enquadramento dos usuários


à Tarifa Social:
I - unidade usuária classificada como residencial;
II - os moradores da unidade usuária classificada como Residen-
cial – Tarifa Social devem pertencer a uma família inscrita no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico); e
III - a renda per capita mensal familiar desta unidade usuária
deve ser menor ou igual a meio (1/2) salário mínimo nacional.
§ 1º O benefício da Tarifa Social será vinculado somente a uma
unidade usuária por família registrada no Cadastro Único para
Programas Sociais.

89
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

§ 2º A Copasa deverá atualizar o cadastro de beneficiários da


Tarifa Social pelo menos uma vez ao ano, conforme registro
mais recente do CadÚnico.
§ 3º A Copasa deve manter ampla divulgação dos critérios de
enquadramento da Tarifa Social, por meio de mensagem inserida nas
faturas de água e esgoto e em meios de comunicação de massa.

Tabela Tarifária
Assim como na maioria das empresas prestadoras de serviços
de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no país, a
cobrança pelos serviços da Copasa se baseia em blocos progres-
sivos de consumo, com valores diferenciados por categoria: resi-
dencial, comercial, industrial e público. A autorização das tarifas é
responsabilidade da Arsae-MG, reguladora dos serviços, sendo que
a Copasa mantém acessível em seu sítio na web a tabela com os
valores tarifários correntes.
Nas tarifas da Copasa há a cobrança de um valor fixo para
os serviços de água, coleta e tratamento de esgotos, cobrados
independentemente do consumo, não sendo empregada tari-
fação de consumo mínimo. Esse valor fixo é autorizado pela
Arsae-MG para cobrança mesmo quando há suspensão dos
serviços, conforme indica o § 5º do Art. 1º da Resolução nº 118 da
Arsae-MG (2018):

§ 5º Mantém-se a autorização da cobrança de Tarifa Fixa mesmo


nas situações de suspensão da prestação do serviço de abas-
tecimento previstas na Resolução nº 40 da Arsae-MG, de 3 de
outubro de 2013.

O consumo efetivo de água é tarifado com valores variados,


dependendo da faixa do volume consumido.
A cobrança do esgoto é subdividida em dois grupos: Esgota-
mento Dinâmico com Coleta (EDC), quando o sistema ainda não
dispõe de tratamento dos esgotos, e Esgotamento Dinâmico com
Coleta e Tratamento (EDT), aplicáveis aos usuários de sistemas
que dispõem de tratamento dos esgotos coletados. A Figura 5
apresenta a tabela de valores tarifários em vigor na Copasa até
julho de 2021.

90
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Figura 5: Tabela Tarifária da Copasa, com validade até jul/2021

Fonte: Copasa

Avaliação da Tarifa Social da Copasa em Belo Horizonte


A Tarifa Social no Conjunto dos Usuários da Copasa em
Belo Horizonte
Conforme dados informados pela Arsae-MG à época dos
levantamentos do ONDAS, as economias classificadas nas catego-
rias Residencial e Residencial Social, esta beneficiada pela Tarifa

91
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Social, apresentavam os quantitativos mostrados na Tabela 4,


a seguir.

Tabela 4: Quantitativo das Economias Residenciais da Copasa em Belo


Horizonte
Economias
Período Categoria
Água Esgoto
Fevereiro/2020 Residencial Social 55.366 55.185
Residencial 853.729 840.808
Total 909.095 895.993
Março/2020 Residencial Social 55.357 55.199
Residencial 854.491 841.678
Total 909.848 896.877
Abril/2020 Residencial Social 55.247 55.137
Residencial
854.643
841.972
Total 909.890 897.109
Fonte: Arsae-MG

Observa-se que as economias beneficiadas com a Tarifa


Social representam cerca de 6% do total de economias residen-
ciais da Copasa em BH. Curiosamente, a despeito dos efeitos
da pandemia da Covid-19, o número absoluto das economias
de água beneficiadas com a Tarifa Social diminuiu a cada mês
entre fevereiro e abril, mesmo tendo sido observado um progres-
sivo aumento no número de famílias belorizontinas inscritas no
CadÚnico no mesmo período, conforme apresentado anterior-
mente na Tabela 1.
A redução do número de economias pode estar associada
a diversos fatores, tais como a solicitação por parte do usuário
de desligamento do sistema, mas também pelo vencimento do
cadastro junto ao CadÚnico. Neste contexto, a Arsae-MG explicita
um prazo de 60 dias para reclassificação da categoria do usuário,
devendo este receber duas notificações acerca da possível perda do
benefício (Arsae-MG, 2020-a). Uma vez que a atualização cadastral
envolve a presença do usuário em postos da prefeitura para atua-
lização documental e, ainda, o prazo processual de atualização do

92
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

cadastro na esfera federal, é possível que esse prazo de 60 dias


não seja suficiente para assegurar ao usuário a manutenção do
benefício. Assim, é recomendável que a Arsae-MG avalie essas
condições e, caso confirmadas, amplie o prazo de reclassificação
de categoria de consumo motivada pela falta de atualização cadas-
tral junto ao CadÚnico.

Número de Beneficiados pela Tarifa Social da Copasa e


as famílias inscritas no CadÚnico em Belo Horizonte
Conforme os dados apresentados anteriormente na Tabela 2, em
abril de 2020 eram 155.095 famílias em BH inscritas no CadÚnico
que utilizavam a rede geral de distribuição, isto é, o sistema público
de abastecimento operado pela Copasa. A consulta ao CECAD
indica que 110.153 famílias atendiam ao critério de renda per capita
mensal familiar de até meio salário-mínimo.
Assim, observa-se que em abril de 2020, o número de famílias
beneficiadas pela Tarifa Social da Copasa correspondeu a 50% das
famílias elegíveis ao benefício e que atendiam aos critérios de enqua-
dramento estipulados pela Arsae-MG. Assim, mais de 55.000 famílias
que faziam uso da rede geral de distribuição deixaram de receber o
benefício da Tarifa Social da Copasa. É fundamental levar em consi-
deração esta condição na atual situação de pandemia da Covid-19,
quando as dificuldades financeiras se ampliam, em especial junto às
camadas mais desfavorecidas da população.Desta forma, sugere-se
que a Arsae-MG e a Copasa apurem os números e a situação dessas
famílias, buscando esclarecer a causa de seu não enquadramento
à categoria Residencial Social, deixando de usufruir do direito à
Tarifa Social.

Valores de Conta da Tarifa Social da Copasa em Belo


Horizonte
Uma estimativa dos valores para conta de usuários com
consumo mensal de 10, 15 e 20 m³ é apresentado na Tabela 5, a
seguir:

93
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 5: Estimativa de Valor de Conta da Tarifa Social


Valor R$
Consumo
Categoria Esgoto TOTAL
(m³/mês) Água
EDC EDT A + EDC A + EDT
Residencial Social 20,46 5,13 20,46 25,59 40,91
Residencial 10 42,71 10,70 42,71 53,41 85,42
Desconto 52,1% 52,1% 52,1% 52,1% 52,1%

Residencial Social 37,81 9,47 37,81 47,28 75,62


Residencial 15 77,42 19,38 77,42 96,80 154,83
Desconto 51,2% 51,1% 51,2% 51,2% 51,2%

Residencial Social 59,65 14,93 59,65 74,58 119,30


Residencial 20 121,09 30,30 121,09 151,39 242,18
Desconto 50,7% 50,7% 50,7% 50,7% 50,7%
Fonte: Copasa

Considerada uma família de quatro pessoas, os volumes


adotados na estimativa correspondem a consumos per capita de
aproximadamente 80, 120 e 160 L/hab.dia, respectivamente.
Observa-se da Tabela 5 que os descontos da Tarifa Social para
esses consumos situam-se em torno de 50% dos valores correspon-
dentes à categoria Residencial. Tais valores, mesmo considerando
cotas per capita tão baixas, são superiores ao percentual indicado no
Manual do Usuário da Copasa, de até 40%, disponibilizado no sítio
da Arsae-MG na web.
Em Belo Horizonte, quase a totalidade dos usuários tem seus
esgotos tratados, portanto, a prevalência das contas dos usuários
compreende as parcelas “Água” e “EDT”. Para os consumos consi-
derados, os valores calculados (R$ 40,91; R$ 75,62; e R$ 119,30)
correspondem, respectivamente, a 3,7%, 6,9%, e 10,8% do valor
do salário-mínimo vigente (R$ 1.100,00). Para as faixas de renda
discriminadas anteriormente na Tabela 2 dos inscritos no CadÚnico
em BH, as contas representariam os seguintes comprometimentos
da renda:

94
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

− Renda familiar mensal de 1 SM: ....... entre 3,7% e 10,8%


da renda familiar
− Renda familiar mensal de 2 SM: ....... entre 1,9% e 5,4%
da renda familiar
− Renda familiar mensal de 3 SM: ....... entre 1,2% e 3,6%
da renda familiar

Consideradas as famílias com faixa de consumo de 10 m³, o


comprometimento do orçamento familiar com as contas de água e
esgotos em BH corresponde a 3,7%, 1,9% e 1,2%, respectivamente,
para as famílias com renda familiar de 1, 2, e 3 salários mínimos.
Para as famílias com renda até 1 salário mínimo, que correspon-
diam à época dos levantamentos do ONDAS a 74,2% das famílias
belorizontinas inscritas no CadÚnico e que tinham o abastecimento
a partir da rede geral de distribuição, o comprometimento da renda
supera 3%, valor máximo apontado pelo Human Development Report
do PNUD (HNDP, 2006). Adicionalmente, supera também o valor
de 2,74% referenciado pela Arsae-MG para a categoria Residencial
Social na Nota Técnica CRFEF 63/2017 (Arsae-MG, 2017).

Conclusões
Embora a Tarifa Social seja um instrumento que objetiva asse-
gurar o direito humano fundamental de acesso à água e ao esgota-
mento sanitário aos usuários da Copasa, observa-se que um contin-
gente de mais de 50% das famílias elegíveis para usufruto desse
benefício encontra-se excluído do enquadramento na categoria de
consumo Residencial Social.
Além disso, as famílias com renda familiar mensal de até 1
salário mínimo, que em abril de 2020 correspondiam a 74,2% das
famílias belorizontinas inscritas no CadÚnico e que tinham como
forma de abastecimento a rede geral de distribuição, têm o compro-
metimento do orçamento familiar pelas contas da Copasa em níveis
superiores aos aceitos internacionalmente e mesmo aos indicadores
apontados pela Arsae-MG.
É, portanto, recomendável e necessário, para assegurar o direito
humano de acesso à água e ao esgotamento sanitário, que a Arsae-MG
e a Copasa revejam os critérios financeiros e os processos de acom-

95
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

panhamento do enquadramento das famílias ao benefício da Tarifa


Social, estendendo seu emprego a todo o contingente de famílias
elegíveis, fazendo cumprir o objetivo precípuo deste instrumento.

Referências
ARSAE-MG (2017). Nota Técnica CRFEF 63/2017 – Indicador para Avaliação
da Capacidade de Pagamento dos Usuários da COPASA, de 13 de junho de
2017. Disponível na web em 30/06/2020 no sítio http://arsae.mg.gov.br/
images/documentos/audiencia_publica/15/NTCRFEF_63_2017_Capaci-
dade_Pagamento.pdf
ARSAE-MG (2018). Resolução 118, de 14 de dezembro de 2018. Disponível
na web em 10/06/2020 no sítio http://arsae.mg.gov.br/images/documentos/
legislacao/2019/Resolucao_118_Reajuste_Copanor_2018.pdf
ARSAE-MG (2019). Resolução 127, de 25 de junho de 2019. Disponível na
web em 10/06/2020 no sítio http://arsae.mg.gov.br/images/documentos/
legislacao/2019/Resolucao_127_ReajusteCopasa_2019.pdf
ARSAE-MG (2020). Resolução 141, de 22 de junho de 2020. Disponível na
web em 30/06/2020 no sítio http://arsae.mg.gov.br/images/documentos/
legislacao/2020/Resolucao_141_ReajusteCopasa_2020.pdf
ARSAE-MG (2020-a). Relatório de Fiscalização Econômica GFE 005/2020.
Disponível na web em 30/06/2020 no sítio http://arsae.mg.gov.br/images/
documentos/gfe_rf_2020_005_fisc_comunicacao_tarifa_social.pdf
CECAD (2020). Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico.
Disponível na web em 10/06/2020 no sítio https://aplicacoes.mds.gov.br/
sagi/cecad20/agregado/index4.php
COPASA (2021). Planilha Interativa. Disponível na web em 21/01/2021 no
sítio http://ri.copasa.com.br/informacoes-financeiras/planilha-interativa/
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na web em 10/06/2020 no sítio https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/belo-horizonte/panorama
IBGE (2020-a). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua -
PNAD Contínua. Disponível na web em 10/06/2020 no sítio https://www.
ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9171-pesquisa-nacional-por-a-
mostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e
IBGE (2020-b). Censo 2010. Disponível na web em 10/06/2020 no sítio
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/belo-horizonte/panorama
PNUD Brasil (2020). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Perfil
Municipal – Belo Horizonte, MG. Disponível na web em 10/06/2020 no sítio
https:// www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/belo-horizonte_mg
UNDP (2006). UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Beyond
Scarcity: power, poverty and the global water crisis - Human Development Report.
Nova Iorque: United Nations Development Programme, 2006.

96
Capítulo 5

Abastecimento de água, esgotamento


sanitário e Tarifa Social no município
de São Paulo
Edson Aparecido da Silva1

Introdução

O ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao


Saneamento realiza estudo sobre a Tarifa Social praticada
pelas operadoras dos serviços de abastecimento de água e esgota-
mento sanitário em 7 capitais brasileiras: Rio de Janeiro/RJ, São
Paulo/SP, Belo Horizonte/BH, Salvador/BA, Campo Grande/MS,
Porto Alegre/RS, Manaus/AM e mais o Distrito Federal.
O objetivo do estudo é identificar critérios para enquadra-
mento dos usuários dos serviços, número de famílias atendidas e
potencial de atendimento caso o critério adotado fosse os inscritos
no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico)2 nas faixas de renda familiar per capita de extrema
pobreza, pobreza e baixa renda3.
1
Sociólogo, Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, Secre-
tário Executivo do ONDAS e Assessor de Saneamento da Federação Nacional dos
Urbanitários (FNU). E-mail: [email protected]
2
O CadÚnico é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situ-
ação de pobreza e extrema pobreza. Essas informações são utilizadas pelo governo
federal, pelos estados e pelos municípios para implementação de políticas públicas
capazes de promover a melhoria da vida dessas famílias. Devem estar cadastradas
as famílias de baixa renda: que ganham até meio salário mínimo por pessoa; ou
que ganham até 3 salários mínimos de renda mensal total. Disponível em: https://
www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx. Acessado em
05/09/2020.
3
O enquadramento que define as faixas de renda familiar per capita de extrema po-
breza, pobreza e baixa Renda são: de R$0,00 até R$89,00; de R$89,01 até R$178,00
e R$178,01 até meio salário mínimo, respectivamente. As faixas de extrema pobre-
za somavam 36%; pobreza, 11%; baixa renda, 25% e acima de meio salário mínimo,
29%, em 05/09/2020. Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/painel03.
php#. Acessado 05/09/2020.

97
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

E, mesmo nesses casos, verificar se o critério vem sendo


atendido ou se são necessárias intervenções para ajustes e conse-
quente ampliação do acesso.
Partimos da premissa que o acesso à água e ao esgotamento
sanitário são direitos humanos fundamentais e que toda a popu-
lação deve ter acesso garantido, independentemente da capacidade
de pagamento e das condições de moradia, inclusive aquela que vive
em situação de rua e que se deve abolir todas as formas de discri-
minação. Temos como referência resolução4 aprovada pela Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) em 2010, e detalhada em 2015, no
que se relaciona ao esgotamento sanitário.5

O município de São Paulo 


A população estimada em 2020 para o município de São Paulo
era de 12,3 milhões de habitantes. Na saúde, os indicadores mostram
uma taxa de mortalidade infantil média, em 2017, de 11,19 para
1.000 nascidos vivos, o que coloca a cidade na posição 268 entre
os 645 municípios do estado de São Paulo. As internações devido a
diarreias são de 0,3 para cada 1.000 habitantes, posição 332 de 645.
Ao se comparar com os 5.570 municípios brasileiros, a cidade ocupa
as posições 2.833 de 5.570 e 3.907 de 5.570, respectivamente.
Em 2018, o salário médio mensal dos trabalhadores formais
era de 4,3 salários mínimos e o pessoal ocupado igual a 5,6 milhões,
o equivalente a 45,8% da população total. O percentual da popu-
lação com rendimento nominal mensal per capita de até meio salário
mínimo, em 2010, era de 31,6 %. Os números relacionados ao
salário médio mensal dos trabalhadores formais colocam a cidade
de São Paulo, em 21º lugar no país e em 7º no estado de São Paulo.
O PIB per capita da cidade, em 2017, foi de R$ 57.759,39, 211º
no país e 53º no estado de São Paulo. O Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDHM), em 2010, era de 0,8056. O Índice de
4
Resolución aprobada por la Asamblea General el 28 de julio de 2010. Disponível
em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/479/38/PDF/
N0947938.pdf ?OpenElement. Acessado em 05/09/2020.
5
Resolução A/RES/70/169. Disponível em: https:https://www.un.org/en/ga/
search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/169&Lang=S Acessado em 05/09/2020.
6
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama.
Acessado em 14/10/2020.

98
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Gini7 da renda domiciliar per capita do município de São Paulo é


0,6453. Apenas quatro cidades, entre as 645 do estado de São Paulo
coeficiente pior que o da cidade de São Paulo, ou seja, a maior
cidade do país concentra, também, a maior desigualdade, onde um
pequeno grupo detém a maior parte da renda8. O Índice de Gini do
estado de São é de 0,5690 (2000)9.
A cidade de São Paulo tem 12,91% dos domicílios em aglome-
rados subnormais (proporcionalmente mais do que o estado de São
Paulo, que tem 7,09%), o que equivale a mais de 1 milhão de domicí-
lios nessa condição. Onze capitais têm percentual maior de aglome-
rados subnormais e quinze tem percentual menor de aglomerados
subnormais do que a cidade de São Paulo.10

Saneamento Básico no município de São Paulo 


Os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da
cidade de São Paulo são operados pela Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) desde 1973. A empresa é uma
sociedade anônima de economia mista11 cuja criação foi autorizada
pela Lei Estadual nº 119, de 29 de junho de 1973, com o objetivo de
planejar, executar e operar os serviços públicos de saneamento básico
em todo o território do estado de São Paulo. Em 31 de dezembro

7
O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instru-
mento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele
aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Nume-
ricamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero
representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor
um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a rique-
za. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_
content&id=2048:catid=28. Acessado em 02/11/2020.
8
Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginisp.def.
Acessado em 02/11/2020.
9
Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/155#resultado. Acessado em
02/11/2020.
10
Disponível em: https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/
noticias/27728-quase-dois-tercos-das-favelas-estao-a-menos-de-dois-quilometros-
-de-hospitais.html. Acessado em 14/10/2020.
11
Disponível em: http://www.sabesp.com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect
/?temp=4&proj=investidoresnovo&pub=T&db=&docid=B8E8FCF437413CBA8
3257723004C2D2F&docidPai=1698C08F24239E5A8325768C00517EF8&pai=f
ilho0&filho=neto-1. Acessado em 14/10/2020.

99
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

de 2019, a companhia atendia 372 municípios de um total de 645


(57,67%) no estado, porém mantinha contratos formalizados com
325 cidades. Esses 325 municípios responderam por 85% das suas
receitas totais no exercício encerrado em 31 de dezembro de 201912.
Desde 1994, a Sabesp atua como empresa de capital aberto e, a
partir de maio do ano de 2002, aderiu às regras do Novo Mercado
e passou a negociar suas ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque.
Nessa ocasião, a Sabesp realizou oferta pública de ações e o governo
do estado de São Paulo passou a deter 71,5% do seu capital.13
Em outubro de 2004, em razão de nova oferta pública de ações
no mercado brasileiro e internacional, o governo do estado passou
a ser detentor de 50,3% do capital total da companhia.14
Desde 2 de março de 2006, com a aprovação da Lei nº 12.292, a
Sabesp pode “coligar-se ou participar de qualquer empresa privada
ligada ao setor de saneamento básico”. A partir de agosto de 2008, a
empresa iniciou sua parceria com o setor privado.15

Em parceria com empresas privadas, a Companhia também


presta serviços de água e esgoto em outros quatro municípios,
Mogi-Mirim, Castilho, Andradina e Mairinque. No segmento de
água de reuso obtida a partir do tratamento de esgotos, a Sabesp
produz, fornece e comercializa diretamente o produto por meio
de suas próprias estações e, como sócia na Aquapolo Ambiental,
que abastece o Polo Petroquímico de Capuava. Além disso, no
segmento de esgotos não domésticos, a Companhia é sócia da
Estre Ambiental, na empresa Attend Ambiental e, recentemente,
no segmento de energia elétrica, criou a Paulista Geradora
de Energia S.A., em sociedade com as empresas Tecniplan
Engenharia e Servtec. A Companhia também oferece serviços
12
Formulário de Referência - 2020 – CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf. Página 32 de 489. Acessado em 02/11/2020.
13
Formulário de Referência - 2020 – CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 108 de 489. Acessado em 02/11/2020.
14
Formulário de Referência - 2020 – CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 108 de 489. Acessado em 02/11/2020.
15
Formulário de Referência - 2020 – CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 188 de 489. Acessado em 02/11/2020.

100
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de consultoria sobre uso racional da água, planejamento e


gestão comercial, financeira e operacional, atuando atualmente
no Panamá, Honduras, e Nicarágua, sendo nos dois primeiros
países em parceria com a Latin Consult.16

A operação dos serviços no município se dá através de convênio


celebrado, no ano de 2010, entre o governo do estado e a Prefeitura
do Município de São Paulo (PMSP), com a finalidade de compar-
tilhar a responsabilidade pela operação dos serviços na capital. O
convênio foi aditado em 12 de setembro de 2012 e em 12 de feve-
reiro de 2014. Outro instrumento é um contrato assinado, também
no ano de 2010, conduzido por um comitê gestor com presidência
alternada a cada dois anos entre governo do estado e PMSP.
A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São
Paulo (Arsesp) é responsável pela regulação, inclusive tarifária,
controle e fiscalização dos serviços prestados pela Sabesp no muni-
cípio de São Paulo.
O Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) é de 2010 e
considera um horizonte de 20 anos. São previstas atualizações peri-
ódicas com prazo máximo de revisão de quatro anos, estando em
andamento a segunda revisão. A base legal do contrato e do PMSB é
fundamentada na Lei nº 11.445/2007; no Decreto Regulamentador
nº 7.217/2010; e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001).17

Abastecimento de Água no Município de São Paulo


O município é abastecido por quatro sistemas (integrados),
Alto Tietê, Cantareira, Guarapiranga e Rio Claro, e por um
sistema isolado, denominado Jardim das Fontes18. O Sistema

16
Disponível em: http://www.sabesp.com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect
/?temp=4&proj=investidoresnovo&pub=T&db=&docid=B8E8FCF437413CBA8
3257723004C2D2F&docidPai=1698C08F24239E5A8325768C00517EF8&pai=f
ilho0&filho=neto-1. Acessado em 14/10/2020.
17
Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploa-
ds/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf. Aces-
sado em 14/10/2020.
18
O sistema isolado Jardim das Fontes é responsável por apenas 0,06% da água
que atende à cidade de São Paulo. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.
sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-
-impressa%CC%83o.pdf, página 29. Acessado em 14/10/2020

101
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Integrado Metropolitano (SIM), responsável por abastecer toda


a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com cerca de 21
milhões de habitantes, além dos quatro citados, é composto pelos
sistemas Rio Grande, Alto Cotia, Baixo Cotia19 e Ribeirão da
Estiva, com produção média de água, em 2008, de 60,65 m³/s e
capacidade total de reservação de 2,7 milhões de metro cúbicos.
A extensão de redes de água atinge 20,7 mil km20.
A cidade possui 3 milhões de ligações ativas de água21 e 5
milhões de economias22. A capacidade de produção das Estações de
Tratamento de Água (ETA) que abastecem a cidade é apresentada
na Tabela 1.

Tabela 1: Capacidade de produção das Estações de Tratamento


de Água (ETA)
ETA Sistema Produtor Capacidade m³/s
Guaraú Cantareira 33
Eng. Rodolfo José
da Costa e Silva (RJCS) Guarapiranga 16
antiga ABV
Taiaçupeba Alto Tietê 15
Casa Grande Rio Claro 4
Fonte: Disponível em https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/
uploads/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf,
página 31. Acessado em 14/10/2020. Elaboração: Autor

19
No início de 2018, a região atendida pelo sistema Baixo Cotia passou a ser
suprida pelo sistema São Lourenço, com índice de produção de 1,6 m³/s em
2018 e 3,1m³/s em 2019. Formulário de Referência - 2020 - CIA SANEAMEN-
TO BÁSICO EST SAO PAULO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/
uploads/file/investidores/FRE_2020_v4.pdf, página 135 de 489. Acessado em
02/11/2020.
20
Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploa-
ds/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf, pági-
na 29. Acessado em 14/10/2020.
21
Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploa-
ds/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf, pági-
na 26. Acessado em 14/10/2020.
22
Disponível em:http://site.sabesp.com.br/site/interna/Municipio.aspx?secaoId=
18&id=607. Acessado em 14/10/2020.

102
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A distribuição das ligações faturadas, segundo as categorias de


consumo, é apresentada na Tabela 2.

Tabela 2: Ligações faturadas segundo categorias de consumo


Ligações Ligações Ligações Ligações Ligações
residenciais comerciais Industriais públicas mistas
faturadas faturadas faturadas faturadas faturadas
% % % % %
84,14 9,21 0,98 0,19 1,48
Fonte: Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/
uploads/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf,
página 26. Acessado em 14/10/2020. Elaboração: Autor

Esgotamento Sanitário no município de São Paulo


O índice de atendimento com coleta de esgoto no município é
de 86% e o índice de tratamento dos esgotos coletados é de 70% (ou
60,2% do esgoto gerado). O número total de economias de esgoto é
4.750.45723 e o número de ligações é de 2.791.00524.
Quatro sistemas de coleta, afastamento e tratamento de esgotos
(principal ou integrado) servem a cidade. São eles: Barueri, ABC,
Parque Novo Mundo e São Miguel. Possuem capacidade de trata-
mento de 23 m³/s e tratam cerca de 14 m³/s25.
A tarifa cobrada pela coleta de esgotos, independentemente
se esses esgotos são direcionados para tratamento, é baseada no
consumo de água, estimando-se que 100% de consumo de água se
convertem em águas residuais,
Demais informações sobre o esgotamento sanitário no muni-
cípio de São Paulo são apresentadas na Tabela 3.

23
Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploa-
ds/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf, pági-
na 40. Acessado em 14/10/2020.
24
Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/interna/Municipio.aspx?
secaoId=18&id=607. Acessado em 14/10/2020.
25
Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploa-
ds/2019/05/PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf, pági-
na 44. Acessado em 14/10/2020.

103
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 3: Esgotamento sanitário no município de São Paulo


Extensão Volume
Economias Volume
Nº total de Ligações de redes faturado de
de esgoto coletado
Economias faturadas coletoras esgotos
faturadas (1.000
(1.000 un) (1.000 un) de esgoto (1.000 m³/
(1.000 un) m³/ano)
(km) ano)
4.750 4.465 2.704 17.305 509.734 750.863
Fonte: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/05/
PMSB_Caderno_Completo_-final-para-impressa%CC%83o.pdf, páginas 40 e 42.
Acessado em 14/10/2020. Elaboração: Autor

A importância do Município de São Paulo para a Sabesp 


A Sabesp opera em 372 municípios no estado de São Paulo,
sendo que a prestação de serviços de água e esgoto na cidade foi
responsável por 44,5% da receita operacional bruta dos serviços de
saneamento prestados pela companhia em 2019. O contrato de pres-
tação de serviços de água e esgoto tem vigência até junho de 2040,
podendo ser prorrogado por mais 30 anos.26
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que conta com
39 municípios, foi responsável por 64% do total da receita bruta
no estado em 2019, correspondendo a R$ 11,85 bilhões, da qual a
receita operacional foi de 73,4%.27

Números da Sabesp no estado – Volume faturado por


segmento
Em 2019, o setor residencial representou 82,8% do volume de
água faturada da Sabesp, enquanto o consumo comercial, indus-
trial, o setor público e o atacado representaram 9%; 1,9%; 2,2%; e
4,1%, respectivamente28.

26
Formulário de Referência - 2020 - CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 24 de 489. Acessado em 02/11/2020.
27
Formulário de Referência - 2020 - CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 131 de 489. Acessado em 02/11/2020.
28
Formulário de Referência - 2020 - CIA SANEAMENTO BÁSICO EST SAO PAU-
LO. Disponível em: http://site.sabesp.com.br/site/uploads/file/investidores/
FRE_2020_v4.pdf, página 23 de 489. Acessado em 02/11/2020.

104
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Números da Sabesp no estado – lucro e receita


operacional
Em 2019, a Sabesp teve lucro líquido de R$ 3,4 bilhões,
aumento de 18,8% se comparado com os R$ 2,8 bilhões do ano de
2018 (Figura 1). A receita líquida foi de R$ 18 bilhões, acréscimo de
11,8% em relação ao ano anterior, quando a receita líquida foi de R$
16,1 bilhões (Figura 2).

Figura 1: Lucro Líquido

Fonte: http://www.sabesp.com.br/sabesp/filesmng.nsf/BCDFA8190A43974D0325854
600568FD5/$File/DF_2019_final_reapresentacao.pdf. Acessado em 02/11/2020.

Estrutura tarifária da Sabesp


A Sabesp adota estrutura baseada no Decreto Estadual nº
41.446/1996 (até que a Arsesp aprove a nova estrutura tarifária),
que divide as tarifas em duas categorias: residencial e não residen-
cial. A categoria residencial é subdividida em residencial básica,
social e favela. A tarifa não residencial se divide em comercial,
industrial e pública.

105
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Figura 2: Receita Liquida

Fonte: http://www.sabesp.com.br/sabesp/filesmng.nsf/BCDFA8190A43974D0325854
600568FD5/$File/DF_2019_final_reapresentacao.pdf. Acessado em 02/11/2020.

Critérios de enquadramento na Tarifa Social


A deliberação Arsesp nº 1.021, de 15 de julho de 2020, em seu
artigo 5º, apresenta os critérios para que os usuários dos serviços
possam ter direito à Tarifa Social.

Art. 5º. Terão direito a pagar tarifa social os usuários que,


mediante avaliação pelas áreas comerciais da SABESP, realizada
com base em instruções normativas da Companhia, atendam
aos seguintes critérios:
I. ter renda familiar de até 3 salários mínimos, ser morador de
habitação unifamiliar subnormal com área útil construída de 60
m² e ser consumidor de energia elétrica com consumo de até
170 kWh/mês; ou
II. estar desempregado e que o último salário tenha sido de no
máximo de 3 (três) salários mínimos; ou
III. morar em habitação coletiva considerada social, como
cortiços e as verticalizadas, tal qual Unidade Social Verticalizada
resultante do processo de urbanização de favelas.
§ 1º. Na hipótese do inciso II, o tempo máximo de concessão da
tarifa socialserá de 12 (doze) meses.

106
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

§ 2º. Os parâmetros de elegibilidade para o enquadramento de


usuários da categoria Residencial Social serão aqueles constantes
dos respectivos contratos de programa ou de instruções normativas
da SABESP estabelecidas até a data desta deliberação.29

A Tabela 4 apresenta as faixas de consumo e valores das cate-


gorias residencial/social, residencial/favela e residencial comum
para água e esgoto. Não apresentamos as faixas comercial/comum,
comercial/assistencial, industrial/comum, pública/comum e
pública contrato pura (Programa de Uso Racional da Água) por
não ser objeto deste artigo.

Tabela 4: Tarifas dos serviços de água e/ou coleta de esgotos


(15 de agosto de 2020)
Classes de consumo m³/mês Tarifa de água – R$ Tarifa de esgoto – R$
Residencial/social
0 a 10 9,18/mês 9,18/mês
11 a 20 1,58/m³ 1,58/m³
21 a 30 5,61/m³ 5,61/m³
31 a 50 8,00/m³ 8,00/m³
Acima de 50 8,84/m³ 8,84/m³
Residencial/favela
0 a 10 7,00/mês 7,00/mês
11 a 20 0,80/m³ 0,80/m³
21 a 30 2,65/m³ 2,65/m³
31 a 50 8,00/m³ 8,00/m³
Acima de 50 8,84/m³ 8,84/m³
Residencial/comum
0 a 10 27,07/mês 27,07/mês
11 a 20 4,24/m³ 4,24/m³
21 a 30 10,58/m³ 10,58/m³
31 a 50 10,58/m³ 10,58/m³
Acima de 50 11,65/m³ 11,65/m³
Fonte: Disponível em https://www9.sabesp.com.br/agenciavirtual/pages/template/
siteexterno.iface?idFuncao=13Acessado 05/11/2020.
Elaboração: Autor

29
Disponível em: http://www.arsesp.sp.gov.br/LegislacaoArquivos/ldl10212020.
pdf. Acessado em 02/11/2020.

107
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Segundo informações obtidas em 18/08/2020 junto à Sabesp


através da Lei de Acesso à Informação, a quantidade de economias
ativas residenciais de água e de esgoto no município de São Paulo,
em junho de 2020, era de 4.309.614 e 3.981.501, respectivamente.
As economias beneficiadas com a tarifa residencial social e tarifa
residencial favela no município de São Paulo no mesmo mês e ano
eram de 370.030 e 289.082, respectivamente. Ou seja, do total de
economias ativas de água na cidade de São Paulo, apenas 8,59% são
beneficiadas com a Tarifa Social, sendo que, com relação às econo-
mias de esgoto, esse número cai para 7,26% (Tabela 5).

Tabela 5: Economias residenciais ativas de água e esgoto e Tarifa


Social/Favela (junho de 2020)
Econo- Econo-
Economias mias resi- mias resi- Economias
residen- denciais denciais residen-
Economias Economias
ciais ativas ativas de ativas de ciais ativas
residenciais residen-
de água água com esgoto de esgoto
ativas de ciais ativas
com Tarifa tarifa com com Tarifa
água de esgoto
Social social Tarifa Social e
(total) (total)
e tarifa e tarifa Social tarifa favela
favela favela e tarifa (%)
(%) favela
4.309.614 370.030 8,59 3.981.501 289.082 7,26
Fonte: Informação obtida via Lei de Acesso à Informação em 18/08/2020 – Protocolo
nº 559172016193
Elaboração: Autor

A Tabela 5 apresenta números que apontam para a desigual-


dade em relação ao atendimento com esgotamento sanitário para
as populações incluídas na Tarifa Social, ou seja, as mais vulnerá-
veis socialmente. A relação entre as economias residenciais ativas de
esgoto (total) e as economias residenciais ativas de água (total) é de
92,37%. A relação entre as economias residenciais ativas de esgoto
com Tarifa Social e tarifa favela e as economias residenciais ativas
de água com Tarifa Social e tarifa favela é de 78,12%.
Aprofundando o estudo, observamos que a relação percen-
tual da conta residencial social de água e esgoto com relação à
conta residencial comum até 10 m³ é de 34%. Da conta até 15 m³,
é de 35%.

108
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A relação percentual da tarifa residencial favela com relação à


tarifa residencial comum até 10 m³ é de 26%; até 15 m³, é de 23%
(Tabela 6).

Tabela 6: Relação entre os valores das contas residencial comum e resi-


dencial social e favela
Percentual Percentual
Tarifa Tarifa
Tarifa da conta resi- da conta resi-
residencial residen-
Consumo social dencial social dencial favela
comum cial favela
Faturado AeE com relação à com relação à
AeE AeE
(R$) conta residen- conta residen-
(R$) (R$)
cial comum cial comum
10 m³ 54,14 18,36 34 14,00 26
15 m³ 96,54 34,16 35 22,00 23
Elaboração: Autor

O valor das contas de água e esgoto residencial comum, social e


favela até 10 m³ equivale a 5,18%; 1,76% e 1,34% do salário mínimo
nacional, respectivamente. E o valor das contas residencial comum,
social e favela até 15 m³ equivale a 9,24%; 3,27% e 2,11% do salário
mínimo nacional, respectivamente.
Como podemos observar, os valores da tarifa residencial social
e favela praticados pela Sabesp são relativamente baixos quando
comparados com outros prestadores de serviços, porém o número
de pessoas atendidas com a Tarifa Social é pequeno, quando se faz
a mesma comparação.30
Quando comparamos o número de economias com Tarifa
Social atendidas pela Sabesp com o CadÚnico (setembro/2020),
observamos que há grande diferença entre os beneficiados com
essa tarifa (pelos critérios hoje adotados) e o potencial de aten-
dimento, se considerados os inscritos no CadÚnico nas faixas
de renda familiar per capita de extrema pobreza, pobreza e
baixa renda.
Vejamos: em setembro de 2020, a cidade de São Paulo contava
com 988.094 famílias cadastradas nessas faixas. Dessas, 911.712 ou
92,27% contavam com abastecimento de água por rede geral de

30
Ver estudos disponíveis em https://ondasbrasil.org/abordagens-da-tarifa-social-
-nos-servicos-de-agua-e-esgotamento-sanitario-os-casos-do-rio-de-janeiro-e-do-distri-
to-federal/

109
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

distribuição. As economias com tarifa residencial social/tarifa resi-


dencial favela eram 370.030 (Tabela 7).

Tabela 7: Economias ativas de água com tarifa residencial social/tarifa


residencial favela x CadÚnico31
(1) Economias com (2) Famílias cadas- 31
Diferença entre econo-
tarifa residencial tradas no CadÚnico mias com Tarifa Social/
social/tarifa residen- com rede geral de favela e famílias cadas-
cial favela – água distribuição de água tradas CadÚnico
370.030 911.712 541.682
(1) Fonte: Informação obtida via Lei de Acesso à Informação em 18/08/2020 – Protocolo
nº 559172016193
Elaboração: Autor
(2) Fonte: Famílias cadastradas: Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/tab_cad.
php, acessado 02/11/2020.
Elaboração: Autor

Conclusões
Considerando que o acesso ao abastecimento de água e ao
esgotamento sanitário deve ser garantido a toda a população,
independentemente da capacidade de pagamento e das condições
de moradia, defendemos que a acessibilidade econômica é fator
primordial. Nesse sentido, o mecanismo da Tarifa Social constitui-
se em instrumento que pode garantir a ampliação do acesso a esses
serviços.
A cidade de São Paulo pode vir a ampliar o número de famílias
atendidas com a Tarifa Social caso o critério de enquadramento
fosse alterado, de forma a incluir os cadastrados no CadÚnico.
Passaríamos das atuais 370.030 economias (famílias) beneficiadas
com a Tarifa Social para 911.712, aumento de quase 2,5 vezes o
número de famílias atendidas.
Quando consideramos o número de pessoas (e não famílias)

31
Para efeito do cálculo da diferença entre economias com tarifa
Social/favela e famílias cadastradas CadÚnico consideramos “eco-
nomia” prédio ou subdivisão de um prédio, com ocupações com-
provadamente independentes entre si, que utilizam uma única ins-
talação de abastecimento de água e/ou esgotos. Portanto podemos
considerar que cada “economia” seja uma família.

110
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

cadastradas no CadÚnico com rede geral de distribuição de água,


temos um total de 2.480.390 que seriam beneficiadas com a Tarifa
Social.
Esses números indicam a necessidade de se alterar os critérios
de inclusão de usuários do serviço de abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário na Tarifa Social. Nos parece que a utilização do
CadÚnico possibilitaria a inclusão de parcela significativa da popu-
lação que se encontra em processo de vulnerabilização, fato que se
torna mais grave à luz da pandemia da Covid-19 e da crise econô-
mica que assola o país.
O esforço para garantir o acesso aos serviços deve ser de toda a
sociedade, mas deve partir, fundamentalmente, do órgão regulador.
Assegurar o acesso econômico aos serviços de saneamento básico é
indispensável para a realização dos Direitos Humanos à Água e ao
Esgotamento Sanitário a toda a população.

111
Capítulo 6

Tarifas Sociais de água e esgoto em


Campo Grande
Marcos Helano Montenegro1
Pery Nazareth2

Introdução

C ampo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, tem atual-


mente população total em torno de 885 mil habitantes
(IBGE/2018). Em 2010, o Índice de Gini da renda domiciliar per
capita era de 0,5720, superior ao mesmo índice para o conjunto do
estado.3 A cidade apresenta serviços de abastecimento de água e
esgotamento sanitário de elevada cobertura e conta com legislação
de Tarifa Social para facilitar o acesso de usuários de menor renda
aos serviços de saneamento, os quais são prestados pela empresa
privada Águas Guariroba, do grupo Aegea, por meio de concessão
municipal, e regulados pela Agência de Regulação dos Serviços
Públicos Delegados do Município de Campo Grande (Agereg).

Histórico da prestação dos serviços


Os serviços, que eram prestados pela Empresa de Saneamento
de Mato Grosso do Sul (Sanesul) até 1998, foram municipalizados
e posteriormente, no ano 2000, privatizados, sendo concedidos
a um consórcio liderado pela multinacional Águas de Barcelona,
quando foi criada a empresa Águas Guariroba. O controle dessa
empresa foi transferido para outro consórcio, em 2005, formado
1
Engenheiro civil, regulador de serviços públicos, foi diretor do Semasa, da Caesb,
da Cedae e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do MCidades. É co-
ordenador do Ondas. E-mail: [email protected]
2
Engenheiro civil, consultor especialista em saneamento, foi diretor da Saneatins,
da Sanesul e da Caesb. E-mail: [email protected]
3
Informação extraída de http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/gini-
ms.def

112
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

pelos grupos Bertin e Equipav e posteriormente este último grupo


assumiu o controle. Em 2010, a Equipav criou holding especializada
em concessões na área de saneamento, a Aegea, que atualmente
controla a Águas Guariroba. A Aegea, segundo informa sua página
na internet, presta serviços de saneamento em cerca de seis dezenas
de cidades de 12 estados brasileiros.4

Situação atual e evolução do atendimento


Campo Grande apresenta elevada cobertura dos serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Segundo infor-
mado no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS), em 2018, o índice de atendimento urbano de água é de
100% e o de atendimento urbano de esgoto é de 84%, com 100% de
tratamento do esgoto coletado. Segundo essa edição do SNIS, são
294 mil ligações e 336 mil economias de água; e 207 mil ligações e
251 mil economias de esgoto. Mais de 90% das economias ativas são
residenciais.
A evolução histórica do atendimento em Campo Grande,
segundo as informações do SNIS, pode ser observada na Tabela 1,
onde se destacam: a manutenção de níveis quase universais de abas-
tecimento de água ao longo de toda a série; e a grande evolução da
cobertura de esgoto no período de 2001 a 2018.5
A cobertura do serviço de abastecimento de água em Campo
Grande, sem dúvida, é muito abrangente e elevada. Não obstante,
é evidente que o sistema não atende 100% dos domicílios urbanos
como informado no SNIS. Tomemos as famílias inscritas no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e que
não são abastecidas por rede, mas por poço ou nascente, cisterna ou
outra forma: são 8.708 no total. Este número, admitida a taxa de
3,15 pessoas por família, a mesma do Censo 2010 do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), corresponde a uma popu-
lação na ordem de 27 mil habitantes. A população rural atual de
4
Histórico que vai às origens do saneamento em Campo Grande até 2005 pode
ser encontrado no documento “A perspectiva da educação ambiental e o processo
histórico do saneamento básico: a instalação das redes de água e esgoto nos muni-
cípios de Campo Grande/MS e Dourados/MS”, de 2008, disponível em: https://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-70122009000100007
5
http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/

113
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Campo Grande pode ser estimada, com base nos dados do IBGE,
em menos da metade desse valor. Portanto, é possível afirmar que
ao menos metade das famílias inscritas no CadÚnico e que não são
abastecidas por rede está na área urbana, número que indica que, na
pior das hipóteses, pelo menos 1,5% da população urbana não está
sendo atendida pelo serviço de água.

Tabela 1: Evolução do atendimento de água e esgoto em


Campo Grande desde 2001
População
População
População total Ligações Economias
Ligações Economias Atendimento total Atendimento
Ano de total do atendida com ativas de ativas de
ativas de ativas de urbano de atendida com urbano de
Referência Município abasteci- esgotos esgotos
água (quant) água (quant) água (%) esgotamento esgoto (%)
(IBGE) mento de (quant) (quant)
sanitário
água

2018 885.711 885.711 293.536 336.048 100,0 732.551 206.663 251.061 83,8
2017 874.210 860.943 282.039 322.725 99,8 704.573 167.063 207.616 81,7
2016 863.982 862.427 275.124 314.506 99,8 672.537 161.476 200.953 78,9
2015 853.622 852.512 270.628 309.381 97,8 649.108 153.570 192.075 77,1
2014 843.120 823.504 261.035 297.055 99,0 606.140 144.364 179.394 72,9
2013 832.352 819.012 245.317 278.174 99,7 580.551 131.263 162.919 70,7
2012 805.397 792.208 237.390 269.250 99,7 551.049 118.808 149.299 69,4
2011 796.252 781.958 226.974 257.521 99,5 487.942 107.521 137.266 62,1
2010 786.797 768.887 212.793 241.244 99,0 474.147 97.992 125.396 61,1
2009 755.107 742.427 195.228 222.649 99,6 448.160 87.987 113.909 60,2
2008 747.189 734.160 186.571 210.958 99,6 422.029 74.945 96.933 57,3
2007 724.524 710.033 182.938 206.797 99,3 327.847 55.153 72.916 45,9
2006 765.247 821.417 179.311 202.462 100,0 193.547 41.439 54.864 25,6
2005 749.768 789.194 172.616 195.554 100,0 166.040 34.988 47.344 22,4
2004 734.164 627.827 164.728 187.846 86,5 138.598 31.163 42.204 19,1
2003 705.975 750.799 156.919 180.080 100,0 137.437 28.179 39.791 19,7
2002 692.549 734.606 154.401 176.983 100,0 125.220 23.955 35.447 17,0
2001 679.281 641.971 146.412 169.020 100,0 109.530 22.800 34.764 17,1

Fonte: SNIS - Série Histórica

Quanto ao esgoto, parece haver incoerência nos dados do SNIS


informados pela concessionária correspondentes ao índice de aten-
dimento de esgoto e à quantidade de ligações e economias. A razão
entre o número de economias de esgoto e o número de economias
de água (74,7% em 2018, por exemplo) é muito inferior à razão
entre a população atendida com esgoto e a população atendida com
água (83,8% no mesmo ano). Diferenças ainda maiores são obser-
vadas quando tomamos para comparação as ligações. Tamanha dife-
rença não faz sentido. Como a quantidade de economias e ligações
é uma informação mais confiável que a estimativa de população,
acredita-se que a população atendida com serviço de esgoto tenha

114
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

sido superavaliada. Portanto, é provável que os índices de atendi-


mento de esgoto informados também estejam superavaliados.
Em que pese o avanço notável em coleta e tratamento de esgoto
verificado no período de 2001 a 2018 (considerável, mesmo levando
em conta o problema no indicador de atendimento), deve-se
comentar que, em Campo Grande, ainda observam-se lançamentos
de esgoto em cursos hídricos urbanos por meio de galerias pluviais
em áreas atendidas com rede de esgoto. Essa situação indica que
nem toda água residual que deveria estar sendo tratada está sendo
coletada e conduzida a tratamento pelo sistema. Esse problema afeta
a maioria dos sistemas de esgoto existentes no Brasil, com impactos
ambientais importantes, afetando especialmente rios e córregos de
grandes cidades. A questão dos lançamentos de águas residuais no
sistema de drenagem é um problema importante ainda não solucio-
nado em Campo Grande.

Tarifas
A tarifa dos serviços de água e esgoto de Campo Grande é
composta por uma parcela fixa, independentemente do consumo,
e duas parcelas variáveis: uma para água e outra para esgoto, calcu-
ladas proporcionalmente ao volume de água consumido. A tarifa de
esgoto corresponde atualmente a 70% do valor da tarifa de água6.
Os valores praticados nas tarifas estão apresentados na Tabela 2.
A simulação de valores de contas de usuários das categorias
residencial e residencial social, com consumo até 20 m³/mês, decor-
rentes da aplicação das tarifas de 2020 para as regras tarifárias
vigentes em Campo Grande, é apresentada nas Tabelas 3 e 4, sendo
a primeira referente aos usuários com serviços de água e esgoto e a
segunda a usuários com serviços apenas de água.
Nota-se que as contas de usuários da categoria social variam
de 40% a 45% do valor da conta de usuários residenciais para um
mesmo consumo.

6
Conforme o 7º Termo Aditivo ao contrato de concessão, de dezembro de 2018:
(i) a tarifa de esgoto deve passar a 75% da tarifa de água em dezembro de 2021,
quando a cobertura do serviço de esgoto atingir, no mínimo, 90% da população; e
(ii) a 80% da tarifa de água em dezembro de 2025, quando a cobertura de esgoto
atingir, no mínimo, 98% da população.

115
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Considerando que o valor do salário mínimo vigente a partir de


01/02/2020 é de R$ 1.045,00 e adotando um consumo mensal de
referência de 12 m3 que, para uma família com quatro integrantes,
corresponde a 100 litros per capita ao dia, tem-se que o valor da conta
de água e esgoto para este consumo corresponde a 5,1% do salário
mínimo e o valor da conta somente de água a 3,3% do salário mínimo.

Tabela 2: Tarifas vigentes por categoria de usuário


Tarifa
Parcela Variável em Parcela Variável em
Categoria de Usuário Faixa de Consumo Parcela Fixa
Função do Consumo - Função do Consumo -
Independente do
Abastecimento de Esgotamento Sanitário
Consumo (R$)
Água (R$/m³) (R$/m³)

Residencial:
Até 20 m3 5,80 2,35 1,65
Tarifa Social

1 a 10 m3 5,16 3,61

11 a 15 m3 6,61 4,63

16 a 20 m3 6,74 4,72
Residencial 21 a 25 m3 12,79 7,43 5,20

26 a 30 m3 9,15 6,41

31 a 50 m3 10,97 7,68
3 12,07 8,45
Acima 50 m
1 a 10 m3 7,12 4,98
Comercial 19,39
Acima 10 m3 14,60 10,22

1 a 10 m3 11,14 7,80
Industrial 30,48
Acima 10 m3 21,44 15,01

1 a 20 m3 6,49 4,54
Poder Público 64,70
Acima 20 m3 26,87 18,81
Fonte: Ta bel a a da pta da pel o a utor com ba s e na ta bel a publ i ca da no Decreto Muni ci pa l nº 14.086, de 3/12/2019.

Tarifas Sociais – histórico e resumo do quadro


As Tarifas Sociais praticadas nos serviços de água e esgoto
em Campo Grande após a privatização dos serviços foram estabe-
lecidas pelo município por meio da Lei Municipal nº 3.928/2001,
que institui a Tarifa Social e cria as regras e condições para sua
concessão, posteriormente modificadas pela Lei Municipal nº
5.914/2017 e especialmente pela Lei Municipal nº 5.918/2017.
Os critérios para a família ter acesso à Tarifa Social em Campo
Grande não guardam relação com aqueles estabelecidos para
inscrição no CadÚnico.

116
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 3 - Simulação do valor da conta Tabela 4 - Simulação do valor da conta


para usuários com serviços de Água e para usuários com serviços apenas de
Esgoto Água
Categorias Categorias
A B Relação A B Relação
Consumo Consumo
Residencial A/B Residencial A/B
(m3/mês) Residencial (m3/mês) Residencial
Social (%) Social (%)
(R$) (R$) (R$) (R$)
0 5,80 12,79 45% 0 5,80 12,79 45%
1 9,80 21,56 45% 1 8,15 17,95 45%
2 13,80 30,33 45% 2 10,50 23,11 45%
3 17,80 39,10 46% 3 12,85 28,27 45%
4 21,80 47,87 46% 4 15,20 33,43 45%
5 25,80 56,64 46% 5 17,55 38,59 45%
6 29,80 65,41 46% 6 19,90 43,75 45%
7 33,80 74,18 46% 7 22,25 48,91 45%
8 37,80 82,95 46% 8 24,60 54,07 45%
9 41,80 91,72 46% 9 26,95 59,23 46%
10 45,80 100,49 46% 10 29,30 64,39 46%
11 49,80 111,73 45% 11 31,65 71,00 45%
12 53,80 122,97 44% 12 34,00 77,61 44%
13 57,80 134,21 43% 13 36,35 84,22 43%
14 61,80 145,45 42% 14 38,70 90,83 43%
15 65,80 156,69 42% 15 41,05 97,44 42%
16 69,80 168,15 42% 16 43,40 104,18 42%
17 73,80 179,61 41% 17 45,75 110,92 41%
18 77,80 191,07 41% 18 48,10 117,66 41%
19 81,80 202,53 40% 19 50,45 124,40 41%
20 85,80 213,99 40% 20 52,80 131,14 40%
Nota: Nota:
Cálculos elaborados pelo autor com base nas Cálculos elaborados pelo autor com base nas
tarifas de 2020 tarifas de 2020

As regras de acesso à Tarifa Social da lei de 2001 eram extrema-


mente restritivas, incluindo a limitação do benefício a um máximo
de 3% das economias residenciais de água, quando mais de um
terço das famílias atendidas pela rede de água em Campo Grande
são inscritas no Cadastro Único.
A alteração mais recente da legislação municipal que regula a
Tarifa Social, ocorrida em 2017, promoveu avanços importantes em
relação às regras da lei de 2001, incluindo a revogação do limite de
economias residenciais beneficiadas e o aumento da renda familiar
máxima.
Na prática, contudo, mesmo com o novo texto legal, aparente-
mente nada mudou até o momento em relação ao acesso à Tarifa
Social: o percentual de economias residenciais beneficiadas segue
na ordem de 3%. Em resposta à consulta realizada para este estudo,

117
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

a Águas Guariroba não citou a nova Lei e informou que estavam


em vigor as regras da lei de 2001, enfatizando o limite de 3%. A
página na web da concessionária, na seção de Tarifa Social, informa
os critérios e condições da lei de 2001.

Tarifa Social – apresentação e análise da legislação


municipal de interesse
Lei Municipal nº 3.928/2001
A Lei Municipal nº 3.928, de 26 de dezembro de 2001, pode
ser resumida pelas cláusulas e condições principais a seguir trans-
critas7, cabendo destacar as elevadas restrições de acesso que impõe:
a exigência de renda familiar não superior a um salário mínimo
mensal (art. 2º - I); a exclusão de inquilinos (art. 2º - II); o consumo
de energia do usuário de até 100 kWh/mês (art. 2º - III); e a limi-
tação do benefício ao máximo de 3% do número total de ligações de
água do sistema (art. 2º § 2º).

Art. 1º- Fica instituída (...) a tarifa social sobre o serviço (...) de
abastecimento de água e esgotamento sanitário, destinada a
beneficiar a população reconhecidamente carente (...)
Art. 2º- Para os efeitos desta Lei, consideram-se carentes (...)
usuários do (...) serviço (...) que se enquadrarem cumulativa-
mente nas seguintes condições:
I- Possuir renda familiar não superior a 1 (um) salário mínimo
mensal, a qual deverá ser comprovada (...);
II- Ser proprietário de um único imóvel destinado exclusiva-
mente à sua moradia (...), desde que isento (...) do IPTU nos
termos da Lei (...);
III- Ser consumidor monofásico de energia elétrica, cujo
consumo não poderá ultrapassar 100 kWh/mês;
IV- Não consumir mais do que 20 m³/mês de água.
§ 1º- Caberá ao usuário comprovar o seu enquadramento nas
condições estabelecidas nos incisos I, II, III e IV deste artigo (...)
§ 2º - A concessão do benefício da tarifa social será limitada ao
percentual de 3% do número total de ligações de água existentes
no sistema de abastecimento da Capital.

7
Versão integral da Lei Municipal nº 3928/2001 pode ser encontrada em https://
cm-campo-grande.jusbrasil.com.br/legislacao/246152/lei-3928-01

118
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Art. 3º- Para ser beneficiado com a tarifa social, deverá o usuário
fazer seu cadastramento (...), comprovando o preenchimento
dos requisitos exigidos (...)
Parágrafo Único – Não poderão ser cadastrados os usuários que
se encontrarem na condição de inadimplentes (...)
Art. 4º- Anualmente, todos os beneficiados com a tarifa social
deverão comparecer (...) para renovar o seu cadastramento, (...)
comprovar a continuidade de seu enquadramento nas condições
exigidas.
Parágrafo Único – O beneficiário da tarifa social que não
atender ao disposto no caput deste artigo, terá o seu cadastro
automaticamente cancelado.

A limitação do benefício ao máximo de 3% do número total de


ligações de água do sistema é uma regra profundamente restritiva e
contraditória com a ideia de Tarifa Social como ferramenta de viabi-
lização do acesso universal dos usuários em condição de pobreza
aos serviços de água e esgoto.
Em 2017, foram aprovadas duas novas leis, facilitando as condi-
ções de acesso à Tarifa Social e retirando a limitação do número
máximo de usuários que podem ser beneficiados.

Lei Municipal nº 5.914/2017


A Lei Municipal nº 5.914, de 13 de novembro de 20178, estendeu
o benefício da Tarifa Social aos portadores de câncer e doenças
renais crônicas com renda familiar até dois salários mínimos.

Lei Municipal nº 5.918/2017


A Lei Municipal nº 5.918, de 1º dezembro de 2017, corrigiu
diversos aspectos excludentes da lei original, tornando menos restri-
tivas as condições de acesso à Tarifa Social e retirando das regras
a limitação anteriormente existente quanto ao número máximo de
usuários passíveis de receber o benefício. Alterou a redação do
artigo 2º da Lei Municipal nº 3.928/2001, elevando a renda familiar
máxima para meio salário mínimo per capita; estendendo o bene-
fício a inquilinos; e aumentando o teto de consumo de energia do

8
Disponível em http://www.primeiranoticia.ufms.br/upload/ckeditor/files/edia-
rio_20171113200229.pdf

119
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

usuário para até 220 kWh/mês, que é o consumo máximo corres-


pondente ao critério de Tarifa Social de energia definido pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). As cláusulas e
condições principais da nova lei são transcritas9 a seguir:

Art. 1° Dá nova redação ao Art. 2º da Lei n. 3.928, de 26 de


dezembro de 2001, passando a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se carentes e passí-
veis de serem beneficiados com a tarifa social os usuários do
referido serviço público que se enquadrarem cumulativamente
nas seguintes condições:
I - comprovar renda não superior a meio salário mínimo vigente
per capita;
II - comprovar ser proprietário de um único imóvel exclusivo
à sua moradia e de sua família, ou possuir contrato de locação
em nome do usuário cadastrado junto à concessionária, com
tamanho máximo de 80 m²;
III - ser consumidor monofásico de energia elétrica, cujo
consumo não poderá ultrapassar 220 kWh/mês;
IV - utilizar no máximo 20 m³/mês de água.
Parágrafo único. Caberá ao usuário comprovar o seu enquadra-
mento nas condições estabelecidas nos incisos I, II, III e IV deste
artigo (...)

Tarifa Social – números e indicadores10


A Tarifa Social beneficia atualmente em Campo Grande mais
de 10 mil famílias. O número de famílias beneficiadas vem se
mantendo relativamente estável, aumentando pouco menos de 9%
desde 2018, conforme mostra a Tabela 5.
A parcela de economias beneficiadas pela Tarifa Social é pequena
com relação ao total de 312 mil economias residenciais atendidas
pelo sistema de água de Campo Grande. As economias que recebem
Tarifa Social correspondem a apenas 3,4% desse universo.
9
Versão integral da Lei Municipal nº 5.918/2017 pode ser encontrada em http://
portal.capital.ms.gov.br/egov/downloadFile.php?id=6766&fileField=arquivo_dia_
ofi&table=diario_oficial&key=id_dia_ofi&sigla_sec=diogrande
10
Todos os números informados pela Águas Guariroba de quantidades de econo-
mias beneficiadas com Tarifas Sociais são referentes a economias de água. Parte
dessas economias são também atendidas com serviço de esgoto, entretanto a con-
cessionária não forneceu números a respeito.

120
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 5: Evolução das economias com Tarifa Social


A B C = B/A

mês/ano de Total de Economias Economias % Economias


Fonte
referência Residenciais Ativas Residenciais Ativas Residenciais com
de Água com Tarifa Social Tarifa Social

Águas Guariroba abr/20 312.010 10.662 3,4%

Águas Guariroba mar/20 310.041 10.570 3,4%


Águas Guariroba fev/20 308.972 10.447 3,4%
Águas Guariroba jan/20 308.577 10.273 3,3%
SNIS 2018 309.069 9.799 3,2%
SNIS 2017 297.148 7.927 2,7%

A quantidade de famílias beneficiadas com a Tarifa Social,


10.662, é pequena se comparada as mais de 119 mil famílias inscritas
no CadÚnico, que são abastecidas de água por meio de redes da
Águas de Guariroba, conforme Quadro 1. Os números da Tabela 6
mostram que menos de 9% das famílias inscritas no CadÚnico são
beneficiadas com as Tarifas Sociais de água e esgoto em Campo
Grande.

Quadro 1: Dados do Cadastro Único para Programas Sociais do


Governo Federal referentes a Campo Grande/MS (abril de 2020)

121
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 6: Famílias com Tarifa Social em relação ao número de famílias


inscritas no CadÚnico abastecidas por rede em Campo Grande/MS
(abril de 2020)
A B C D = C/B
Famílias com Tarifa
Mês/ano Número de Famílias Social em relação ao
de Total de Economias Economias
abastecidas por número de Famílias
referência Residenciais Ativas Residenciais Ativas
Rede inscritas no inscritas no Cadastro
de Água (1) com Tarifa Social (1)
Cadastro Único (2) Único abastecidas
por Rede (%)

abr/20 312.010 119.595 10.662 8,9%

Nota:
(1) Fonte: Aguas Guariroba ref. abril 2020
(2) Fonte: Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal ref. abril 2020

A legislação municipal mais recente referente à Tarifa Social em


Campo Grande estabelece, entre outros critérios, a renda familiar
máxima de meio salário mínimo per capita, condição de renda mais
restritiva que a adotada no CadÚnico.
Tomando o universo das famílias inscritas no CadÚnico com
renda até um salário mínimo, mesmo assim o percentual das bene-
ficiadas com Tarifa Social é reduzido. Das 78.916 famílias com essa
renda inscritas no CadÚnico abastecidas pela concessionária, apenas
13,5% são beneficiadas com a Tarifa Social. Portanto, a Tarifa Social
não está beneficiando a maior parte das famílias que deveriam ter o
acesso em Campo Grande, conforme pode-se observar na Tabela 7.

Tabela 7: Famílias com Tarifa Social em relação ao número de famílias


inscritas no CadÚnico com renda até 1 SM abastecidas por rede em
Campo Grande/MS (abril de 2020)
A B C D = C/B
Famílias com Tarifa
Número de Famílias Social em relação ao
Mês/ano de Total de Economias abastecidas por número de Famílias
Economias
referência Residenciais Ativas Rede inscritas no inscritas no Cadastro
Residenciais Ativas
Cadastro Único e Único com Renda
de Água (1) com Tarifa Social (1)
com Renda até 1 SM até 1 SM que são
(2) abastecidas por
Rede (%)

abr/20 312.010 78.916 10.662 13,5%

Nota:
(1) Fonte: Aguas Guariroba ref. abril 2020
(2) Fonte: Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal ref. abril 2020

122
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Conclusões
Como os números demonstram, apesar de terem sido introdu-
zidas alterações na legislação municipal, em Campo Grande as difi-
culdades para uma família pobre usufruir do direito à Tarifa Social
continuam, tendo em vista que, além de serem exigidas condições
excessivas, a disposição de que caberá ao usuário comprovar o seu
enquadramento mostra-se um obstáculo à efetividade do direito que
a lei confere.
Assim, a tarifa Social de Campo Grande é ineficaz em garantir
acessibilidade econômica das famílias pobres aos serviços de abaste-
cimento de água e de esgotamento sanitário porque deixa de incluir
a grande maioria das famílias que deveria ser beneficiada, apesar da
previsão da legislação municipal vigente.
O baixo número de beneficiados pela Tarifa Social em
Campo Grande relativamente ao número de usuários que teriam
direito a ela deve-se a uma combinação de fatores que incluem,
provavelmente:
• A falta de informação adequada aos usuários por parte da
concessionária e do poder público;
• Dificuldades impostas na prática aos usuários para a
concessão do benefício; e
• A fiscalização deficiente por parte da agência responsável
pela regulação dos serviços e outros órgãos de fiscalização e
controle dos serviços públicos.
A ausência de um mecanismo automático para assegurar a
Tarifa Social às famílias inscritas no CadÚnico, além da informação
sobre o direito à Tarifa Social direcionada aos usuários residenciais
por meio da própria fatura e o maior controle social são medidas a
considerar em conjunto.
Finalmente, cabe considerar que o consumo mensal de refe-
rência de 12 m3 para uma família com quatro integrantes, o que
corresponde a 100 litros per capita por dia, e o valor da conta de
água e esgoto, correspondente a 5,1% do salário mínimo, pode
representar um comprometimento excessivo da renda, pelo menos,
das famílias na extrema pobreza.

123
Capítulo 7

A Tarifa Social nos serviços de água e


esgoto em Porto Alegre
Arnaldo Luiz Dutra1
Carlos Eduardo de oliveira2

Introdução

V ocê seria capaz de imaginar por alguns instantes uma vida


sem água limpa para beber, para lavar as mãos, o rosto, o
corpo e as roupas? Pois esta é a realidade de 2,2 bilhões de pessoas
ao redor do mundo. Situação gravíssima que assume proporções
catastróficas em tempos de pandemia da Covid-19, em que o simples
gesto de lavar as mãos com frequência pode salvar vidas. Ao que
parece, o gesto histórico da Organização das Nações Unidas (ONU),
quando editou a resolução 64/292 reconhecendo que “o direito à
água potável e ao saneamento é um direito humano essencial para a
plena fruição da vida e de todos os outros direitos humanos” ainda
não produziu resultados práticos na vida dessas pessoas.
No Brasil, indicadores apontam que, apesar dos avanços obtidos,
especialmente após a edição da Politica Nacional de Saneamento e
o advento de politicas públicas de financiamento para o setor, veri-
ficadas até o ano de 2016, cerca de 35 milhões de brasileiros ainda
não são atendidos com o fornecimento de água gerenciada de forma
segura. Aproximadamente 75% da população, que compõe o deficit

1
Engenheiro Agrônomo (UFRGS), Funcionário do Departamento Municipal de
Limpeza Urbana-DMLU/POA, foi presidente da Associação Nacional dos Serviços
Municipais de Saneamento (Assemae) de 2007 a 2011, e Presidente da Companhia
Riograndense de Saneamento (Corsan) de 2011 a 2014. Membro do ONDAS. E-
-mail: [email protected]
2
Administrador e estudante de Direito, com atuação em diversos órgãos munici-
pais de saneamento e regionais como o Consórcio Pró-Sino. Foi Chefe de Gabinete
da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) de 2011 a 2014. Assessor do
Presidente Nacional da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamen-
to (Assemae), quando da discussão da Política Nacional de Saneamento em 2007.
E-mail: [email protected]

124
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de acesso ao abastecimento de água, possui renda domiciliar mensal


de até meio salário mínimo por morador. Esses brasileiros sem acesso
aos serviços estão, em sua grande maioria, nos pequenos municí-
pios, nas áreas rurais e nas periferias das grandes cidades. Tivemos
avanços importantes, mas é inegável que, para uma situação digna
de saneamento para todos, ainda temos um longo caminho a trilhar.
Não podemos esquecer que este desafio passa obrigatoriamente por
politicas públicas e pela diminuição da desigualdade social.
Para o ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água
e ao Saneamento, esses grupos necessitam de políticas públicas e
da ação estatal para acessarem direitos, o que torna-se ainda mais
evidente neste momento de crise.  Há também que se destacar que,
em termos de saúde pública, não existe uma linha que separe os
setores mais vulneráveis dos demais, ou seja, o impacto diferenciado
da crise nesses grupos afeta indistintamente toda a sociedade e,
portanto, essa prevenção é de interesse geral.
Nesta linha, diversos governadores e prefeitos em todo o país,
com o intuito de diminuir a transmissão da doença, tomaram a
decisão de suspender o corte de água devido à inadimplência para as
famílias de baixa renda. No caso do Rio Grande do Sul, a Companhia
Riograndense de Saneamento (Corsan) e o Departamento Municipal
de Água e Esgoto (DMAE) de Porto Alegre foram um pouco além e
isentaram, inicialmente por 90 dias, os beneficiários da Tarifa Social.
Passados quase três meses da tomada dessa medida, o ONDAS
busca avaliar a condição de atendimento dessas famílias pelos
serviços de água e esgotamento sanitário em oito capitais brasileiras:
Belo Horizonte/MG; Brasília/DF; Campo Grande/MS; Manaus/
AM; Porto Alegre/RS; Rio de Janeiro/RJ; e São Paulo/SP.
Este texto tem como objeto trazer alguns elementos e iniciar
a discussão sobre as condições de atendimento às famílias de baixa
renda de Porto Alegre, capital na qual os serviços de abastecimento
de água e de esgotamento sanitário são prestados pelo DMAE, autar-
quia municipal responsável pelos serviços de abastecimento de água
e esgotamento sanitário na cidade.

Caracterização da localidade
Em 2019, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, possuía

125
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

uma população estimada de 1.483.771 habitantes (IBGE/2020),


sendo a décima capital mais populosa do país, e sede da Região
Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), constituída, ainda, de
outros 35 municípios. A densidade demográfica, segundo Censo de
2010, é de 2.837,53 hab./km².
Porto Alegre possui uma área territorial de 495.390 km², tendo
93% de domicílios com esgotamento sanitário adequado, 82,7% de
domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 69,4% de
domicílios urbanos em vias públicas com urbanização adequada
(presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio). Ao comparar
estes dados aos outros municípios do estado, fica na 12ª posição de
497; 265ª, de 497; e 11ª, de 497; respectivamente. Quando compa-
rado a outras cidades do Brasil, sua posição é a 290ª de 5570; 2201ª,
de 5570; e 98ª, de 5570, respectivamente.
Segundo dados do IBGE de 2018, o salário médio mensal
era de 4,2 salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas
em relação à população total era de 53.1%. Na comparação com
os outros municípios do estado, ocupava as posições: 2ª de 497 e
7ª de 497, respectivamente. Na comparação com cidades do país
todo, ficava na 24ª posição de 5570 e 42ª, de 5570, respectivamente.
Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio
salário mínimo por pessoa, tinha 25.6% da população nessas condi-
ções, o que o colocava na 360ª posição das 497 cidades do estado
e na 5269ª posição das 5570 cidades do Brasil, conforme quadro a
seguir (Figura 1), extraído da síntese dos resultados do IBGE/2020.
Porto Alegre representa 17,2% do PIB gaúcho e concentra
13,13% da população do Rio Grande do Sul. Entre as capitais brasi-
leiras, Porto Alegre ocupa o ranking de 7ª maior economia, conforme
dados do IBGE disponibilizados pela Fundação de Economia e Esta-
tística (FEE). Em termos de renda per capita, Porto Alegre é a 5ª
maior capital do Brasil, somente atrás de Vitória, Brasília, São Paulo
e Rio de Janeiro, e a maior do Sul do país.
Os dados do IBGE, publicados por meio da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), referentes ao primeiro
trimestre (janeiro a março) de 2020, apontam para Porto Alegre um
rendimento médio total de R$ 4.036,00 das pessoas ocupadas com 14
anos ou mais e uma taxa de desocupação do mesmo grupo de 10%.

126
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Figura 1: Trabalho e rendimento

Fonte: IBGE (2020)

Ao avaliar a série histórica, constata-se que, nos últimos cinco


anos, houve uma estabilização com tendência de queda do poder
aquisitivo dos portalegrenses, conforme demonstrado na Figura 2,
abaixo apresentada:

Figura 2: Salário Médio Mensal

Fonte: IBGE (2020)

127
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Além da redução do poder aquisitivo, outro fator alarmante


diz respeito ao crescente número de pessoas desocupadas, cuja
tendência é de aumento, em virtude dos efeitos da pandemia
de Covid-19. Tal projeção tencionará ainda mais por medidas
efetivas das estruturas públicas de Estado para não excluir as
classes em vulnerabilidade social dos sistemas de abastecimento
e esgotamento sanitário, aumentando, assim, a incidência de
ligações clandestinas.
Conforme demonstrado na Figura 3 a seguir, após um aumento
de ocupação no período de 2010 a 2014, houve uma assustadora
tendência de aumento da desocupação das pessoas, ampliada pelas
flexibilizações e retiradas de direitos sociais e trabalhistas, como
também pelo agravamento da situação econômica do país.

Figura 3: Ocupação de pessoas assalariadas na cidade de Porto Alegre


– série histórica

Fonte: IBGE (2020)

Não menos relevante, a tendência de aumento da desocupação é


evidenciada também na fatia de pessoas não assalariadas, conforme
Figura 4 a seguir:

128
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Figura 4: Pessoal ocupado, índice geral

Fonte: IBGE, 2020

Percebe-se, portanto, o devastador impacto causado pelas


seguidas crises econômicas vivenciadas, com tendência de agrava-
mento pelos efeitos negativos ocasionados pela pandemia de Covid-
19, o que aumentará o número de pessoas desocupadas e, por
conseguinte, a perda de poder aquisitivo dos cidadãos. As ações de
inclusão das comunidades em vulnerabilidade devem, obrigatoria-
mente, ser ampliadas, sob pena de aumento dos problemas advindos
dos excluídos dos sistemas de saneamento.
Não menos relevante, os governos serão forçados, pela reali-
dade caótica, a tomar medidas enérgicas no sentido de promover
a manutenção dos cidadãos nos sistemas, pois as transferências de
renda de programas como Bolsa Família e Auxílio Emergencial são
para atendimento às demandas de existência das pessoas, aqui não
incorporando os serviços de abastecimento e esgotamento sanitário
que, pelo caráter de essencialidade e direito de todos, deverão ser
oferecidos, respeitando-se as condições das diferentes parcelas da
sociedade.
As políticas públicas devem ser pensadas para atingir de forma
diferenciada as distintas camadas sociais das cidades. Logo, nos
deparamos com o desafio de perceber que dentro de uma cidade
existem várias cidades, com sua realidade peculiar, conforme
podemos facilmente perceber na Figura 5, a seguir:

129
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Figura 5: Configuração social de Porto Alegre

Fonte: Relatório Socioeconômico da Cidade de Porto Alegre, elaborado pela Fundação


de Economia e Estatística (FEE/RS), 2017, pg. 28 – Tipologia socioespacial da Região
Metropolitana de Porto Alegre – 2010, citando a fonte Mammarela et al. (2015), com
fonte dos dados brutos: IBGE, 2010

Os dados apurados junto ao Sistema de Consulta, Seleção


e Extração de Informações do CadÚnico (Cecad), dão conta de
que em torno de 106.000 famílias estão inscritas no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)
em Porto Alegre. Segundo dados da Fundação de Assis-
tência Social e Cidadania (FASC), 52 mil são beneficiárias do
Bolsa Família.
A segregação dos dados apurados no CECAD aponta que
pelo menos 85% das famílias inscritas em abril/2020 tinham renda
mensal total de até 1 salário mínimo e pelo menos 90% do total
das famílias tinham como forma de abastecimento de água a rede
pública de distribuição. A tabela abaixo evidencia de forma deta-
lhada esta afirmação.

130
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 1: Forma de Abastecimento de Água e Renda das Famílias


Inscritas no CadÚnico em Porto Alegre

Faixa da Renda Total da Família


Forma de Abasteci-
mento de Água 1SM – 2SM –
Até 1 SM > 3SM TOTAL
2SM 3SM
Rede Geral de Distri-
81.119 10.540 3.065 1.531 96.255
buição

Poço ou nascente 323 33 7 2 365

Cisterna 46 2 2 1 189

Outra forma 2.035 92 15 2 2.144

Sem resposta 7.056 229 23 17 7.325

Total 90.579 10.896 3.112 1.553 106.140


Fonte: CECAD – abril/2020

Caracterização dos serviços de abastecimento de água e


esgotamento sanitário
Dentre todos os estados do Brasil, Porto Alegre foi a única
capital que não teve os serviços de saneamento delegados para a
companhia estadual. O abastecimento de água e o esgotamento
sanitário de Porto Alegre são de responsabilidade do DMAE,
que possui autonomia financeira. O DMAE é o órgão respon-
sável pela captação, tratamento e distribuição de água, bem como
pela coleta, condução e tratamento do esgoto sanitário em Porto
Alegre.
São de responsabilidade do departamento a fiscalização e
manutenção desses serviços, além de planejar e promover, de forma
constante, seu melhoramento e ampliação, garantindo a infraestru-
tura necessária para o crescimento sustentável da cidade.
No tocante ao controle social, o DMAE tem suas ações acompa-
nhadas pelo Conselho Deliberativo, formado por representantes de
entidades da sociedade civil. A fiscalização contábil e financeira por
parte da Delegação de Controle, no âmbito do DMAE, é realizada
em conformidade com o Decreto Municipal nº 18.491/2013.

131
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

O número de funcionários ativos, no ano de 2020, totaliza 1346.


A Figura 6 apresenta a evolução do quadro funcional nos últimos 15
anos. Observa-se um decréscimo superior a 40% no período.

Figura 6: Evolução do quadro funcional do DMAE, período 2005-2020

Fonte: DMAE, com informações obtidas através da Lei Federal nº. 12.527/2011 –
Lei De Acesso à Informação

O abastecimento de água em Porto Alegre é composto por seis


sistemas: Moinhos de Vento, São João, Menino Deus, Belém Novo,
Ilha da Pintada e Tristeza. Até 2012, a cidade contava, ainda, com
o sistema Lomba do Sabão. Em 2013, a Estação de Tratamento de
Água (ETA) Lomba do Sabão foi desativada e as áreas até então
abastecidas por este sistema foram absorvidas pelo Sistema Menino
Deus (áreas próximas à Avenida Bento Gonçalves) e pelo sistema
Belém Novo.
Conforme dados dos Planos Municipais de Saneamento Básico
(PMSB) de 2015, dos atuais seis sistemas de abastecimento de Porto
Alegre, destacam-se 111 subsistemas. Os sistemas Moinhos de
Vento, São João, Menino Deus, Belém Novo e Tristeza captam água
no Lago Guaíba, em quatro diferentes pontos (os sistemas Moinhos
de Vento e São João possuem uma única captação) e o sistema Ilha
da Pintada tem sua captação junto ao braço direito do Rio Jacuí.
Cada ETA constitui um sistema de abastecimento. Cada sistema é
dividido em diversos subsistemas, conforme as zonas de pressão a
serem abastecidas.
Em relação ao Sistema de Esgotamento Sanitário (SES),
também segundo dados do PMSB/2015, o município de Porto
Alegre possui dez sistemas: SES Rubem Berta, SES Sarandi, SES
Navegantes, SES Ponta da Cadeia, SES Zona Sul, SES Cavalhada,
SES Salso, SES Belém Novo, SES Lami e SES Ilhas. Com exceção

132
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

do SES Ilhas, que possui soluções individuais de tratamento,


em conformidade com as normas técnicas NBR 7.229 e NBR
13.969, os demais possuem Estações de Tratamento de Esgoto
(ETEs) com processos diversificados, que vão desde biodigestor
de fluxo ascendente, passando por lagoa de estabilização do tipo
australiano, até reator anaeróbio seguido de lodos ativados com
remoção de nutrientes e desinfecção. A capacidade instalada de
tratamento, a partir da conclusão da ETE Serraria, com 4.115 l/s
em abril de 2014, está em torno de 80%.
Ainda em conformidade com o PMSB/2015, esse alto índice
de capacidade de tratamento não configura-se em esgoto efeti-
vamente coletado e tratado. Diante disso, a busca da paridade
entre os serviços de coleta e de tratamento, com a melhoria da
qualidade dos cursos d’água e, principalmente, do manancial
de abastecimento, o Lago Guaíba, resgatando suas condições
de balneabilidade, constitui-se em um desafio para o DMAE nos
próximos anos.
A questão tarifária dos serviços de abastecimento de água
e esgotamento sanitário em Porto Alegre, dividida por faixas de
consumo e por categorias de usuários, tem como base legal a Lei
Complementar nº 170/1987, conforme art. 36:

Art. 36 - A tarifa mensal de água será calculada através de preços


básicos por metro cúbico e por categoria de consumidor, fixados
- VETADO - mediante proposta aprovada pelo Conselho Delibe-
rativo do DMAE, de acordo com os seguintes critérios:
I - consumo até 20 m3: PB x C (valor do preço básico multipli-
cado pelo consumo)
II - consumo de 20 m3 a 1000 m3: PB x 0,2711 x (C1,43577),
desprezada a fração;
III - consumo acima de 1000 m3: PB x C x 5,5

O valor faturado para serviços de esgotamento sanitário corres-


ponde a 80% do volume faturado de água.
Na Tabela 2 apresenta-se os preços vigentes em 2020. Na
Tabela 3, o número de economias ativas residenciais totais (A/E
separadamente), tendo como base os meses de janeiro, fevereiro e
março de 2020.

133
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 2: Tarifas de água e esgoto, vigentes em 2020


Categoria de Usuário Valor (R$ /m³)
Residencial 3,75
Comércio/indústria 4,27
Órgãos Públicos 7,50
Tarifa Social até 10 m³/mês (água) 15,00
Tarifa Social (água + esgoto) 27,00
Fonte: DMAE (Decreto Municipal nº 20.477/2020)

Tabela 3: Número de Economias Ativas Residenciais, Água e


Esgoto Separadamente
Numero de economias ativas resi-
Jan/20 Fev/20 Mar/20
denciais totais (A/E)
a. Economias residenciais ativas,
somente abastecimento de água, sem 60.277 60.196 60.236
coleta de esgoto
b. Economias residenciais ativas, com
435.772 437.765 438.060
coleta de esgoto cloacal
c. Economias residenciais ativas, com
129.691 128.459 127.869
coleta de esgoto misto
Total 625.740 626.420 626.165
Fonte: DMAE(2020), com informações obtidas através da Lei Federal nº. 12.527/2011
– Lei de Acesso à Informação

A Tarifa Social em Porto Alegre


A Assembleia Geral da ONU, no dia 28 de julho de 2010, editou
a Resolução nº 64/292 na qual “reconhece que o direito à água
potável e ao saneamento é um direito humano essencial para a plena
fruição da vida e de todos os outros direitos humanos”. Cinco prin-
cípios são considerados: igualdade e ausência de discriminação de
qualquer ordem; sustentabilidade; responsabilidade; participação; e
a modicidade das tarifas. Este último também presente na Lei nº
11445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento
básico, art. 22, inciso IV, conforme segue:

IV - definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e


financeiro dos contratos como a modicidade tarifária, mediante

134
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que


permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade.
(grifo nosso)

Em artigo³ publicado no site do ONDAS, Alex Moura de Souza


Aguiar escreve:

(...) No Brasil, cerca de 70% da população urbana é atendida por


sistemas de abastecimento de água das concessionárias estaduais,
portanto de abrangência regional3, sendo que a maioria delas
disponibiliza na sua estrutura tarifária alternativa especial –
tarifas sociais ou similares – como benefício aos usuários de baixa
renda, carentes e outras definições adotadas. Chama a atenção,
contudo, a variabilidade de requisitos para obtenção do bene-
fício das tarifas sociais impostos pelas empresas, gerando dificul-
dades que contrastam com o propósito de tornar possível o acesso
à água (...).

Em Porto alegre, o DMAE disponibiliza, na sua estrutura tari-


fária, a alternativa da Tarifa Social para usuários de baixa renda. O
critério de concessão do benefício é regido pela Lei Complementar
nº 170/1987:
(...)
Art. 37 A tarifa social a ser fixada - VETADO - para manu-
tenção dos serviços, em valor igual ao custo definido no parágrafo
único do art. 34, corresponderá à tarifa dos seguintes consumidores
desde que seu consumo não seja superior a 10m³:

I - economia unifamiliar destinada, exclusivamente, à moradia,


quando sua área construída for inferior a 40m²;
II - habitação coletiva, construída através da Companhia de Habi-
tação do Estado do Rio Grande do Sul - COHAB e do Departa-
mento Municipal de Habitação - DEMHAB;
III - instituições:
a) educacional mantida pelo Estado, e a particular que conceda ao
Município, gratuitamente e, no mínimo, bolsas de estudo na proporção
de 3% (três por cento) sobre o número de alunos matriculados nos
respectivos cursos;
b) cultural, caritativa, assistencial e de educação extraescolar,
3
Tarifas sociais: Exclusão ou inclusão?

135
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

considerada de utilidade pública pelo Município. (Redação dada pela


Lei Complementar nº 180/1988)
c) creches comunitárias e escolas de educação infantil, desde que comuni-
tárias e conveniadas com a Secretaria Municipal de Educação (Smed),
e entidades que possuam o Serviço de Apoio Sócio Educativo (SASE),
desde que conveniadas com a Smed ou com a Fundação de Assistência
Social e Cidadania (FASC), atuem exclusivamente com essa finalidade
e não façam jus a outro benefício tarifário. (Redação acrescida pela Lei
Complementar nº 697/2012)
d) prédios ocupados exclusivamente por associações recreativas, escolas
de samba e entidades carnavalescas, que não tenham fins lucrativos e
que não façam jus a outro benefício tarifário, para a realização de suas
atividades. (Redação acrescida pela Lei nº 860/2019)
Art. 38 - O consumo mensal de água além de até 10 m³, será cobrado
na base de um preço básico por metro de consumo para os consumidores
mencionados no artigo anterior, independentemente da quantidade
consumida.

Como pode ser visto nos parágrafos I e II, a concessão do bene-


fício para consumidores residenciais não guarda relação direta de
renda mensal familiar ou per capita, mas com requisitos associados
ao imóvel: ser unifamiliar com área construída inferior a 40 m² ou
habitação coletiva, desde que construída através da Companhia de
Habitação do Estado do Rio Grande do Sul (COHAB) e do Depar-
tamento Municipal de Habitação (DEMHAB). Segundo o DMAE,
atualmente o benefício também alcança usuários de baixa renda do
Programa Minha Casa Minha Vida.
A condição de Tarifa Social confere ao usuário o direito de
pagar apenas os Custos de Manutenção dos Serviços (CMS), 4 m³,
limitado a 10 m³ de consumo. A diferença entre o valor do metro
cúbico dentro da Tarifa Social corresponde a uma redução de
60% sobre o metro cúbico na tarifa residencial normal, estando
ambos na faixa de 10 m³. O que exceder é cobrado na base de um
preço básico por metro cúbico de consumo excedido, indepen-
dentemente da quantidade consumida. A situação está ilustrada
na Tabela 4 para consumos de 10, 15 e 20 m³, considerando o PB
vigente de R$ 3,75.

136
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 4: Valores cobrados com Tarifa Social


Tarifa Social S/Tarifa Social
Água Água + Esgoto
Água + Esgoto
Consumo até 10 m³
R$ 15,00 R$ 27,00 R$ 67,5

Consumo de 15 m³
R$ 33,75 R$ 60,75 R$ 101,25

Consumo de 20 m³
R$ 52,50 R$ 94,50 R$ 135,00

Fonte: DMAE (2020)

Para usuários da Tarifa Social, não se aplica a tabela progressiva


para consumos acima de 20 m³. A Tabela 5 apresenta o número de
economias ativas residenciais beneficiadas com a Tarifa Social em
Porto Alegre nos meses de janeiro, fevereiro e março.

Tabela 5: Número de economias ativas residenciais beneficiadas


com a Tarifa Social
Número de economias ativas residenciais
(A/E separadamente) que pagam Tarifa Jan/20 Fev/20 Mar/20
Social
a. Economias residenciais ativas, cadastradas
com Tarifa Social, somente abastecimento de 7.803 7.306 7.306
água, sem coleta de esgoto
b. Economias residenciais ativas, cadastradas
com Tarifa Social, com coleta de esgoto 31.684 32.407 32.404
cloacal
c. Economias residenciais ativas, cadastradas
5.803 5.807 5.808
com Tarifa Social, com coleta de esgoto misto
Total 45.290 45.520 45.518
Fonte: DMAE (2020), com informações obtidas através da Lei Federal nº. 12.527/2011
– Lei De Acesso à Informação

Na sequência, a Tabela 6 traça um comparativo entre as Tabelas


4 e 5, identificando os percentuais de economias ativas com Tarifa
Social em relação às economias ativas residenciais totais.

137
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 6: Percentual de economias ativas com Tarifa Social / Econo-


mias ativas totais
Percentual de economias ativas com Tarifa
Jan/20 Fev/20 Mar/20
Social / economias ativas totais
a. Economias residenciais ativas, cadastradas
com Tarifa Social, somente abastecimento de 12,9% 12,1% 12,1%
água, sem coleta de esgoto
b. Economias residenciais ativas, cadastradas
com Tarifa Social, com coleta de esgoto cloacal 7,3% 7,4% 7,4%
c. Economias residenciais ativas, cadastradas
4,5% 4,5% 4,5%
com Tarifa Social, com coleta de esgoto misto
Total 7,2% 7,3% 7,3%
Fonte: DMAE (2020), com informações obtidas através da Lei Federal nº. 12.527/2011
– Lei De Acesso à Informação

Algumas considerações
• Em função da pandemia da Covid-19, o executivo municipal
aprovou, no dia 23 de abril de 2020, o Projeto de Lei Comple-
mentar ao Executivo (PLCE) nº 05/2020, isentando os consu-
midores beneficiados com a Tarifa Social das tarifas de água
e esgoto, a serem cobradas nas contas correspondentes às
competências de março, abril e maio de 2020;
• Segundo dados do DMAE, com base no valor faturado em
01/2020, o valor mensal da isenção é de R$ 2.564.100,22, o
que corresponde a 3,43% do total faturado na competência;
• Vereadores de oposição e algumas entidades da sociedade
civil tentaram estender o benefício da isenção para todas as
famílias inscritas no CadÚnico, uma vez que este apresenta
como critérios para classificação de família de baixa renda
uma renda mensal per capita de até meio salário mínimo e
uma renda familiar mensal de até três salários mínimos.
• O número de famílias inscritas no CadÚunico em Porto
Alegre, tomando com base o mês de abril de 2020, gira em
torno de 106 mil, o que é muito superior aos beneficiários da
Tarifa Social .
• Dentro da perspectiva do direito humano à água e ao sanea-
mento, conforme preconiza a resolução da ONU e conside-

138
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

rando que, em Porto Alegre, a Tarifa Social é a única forma


de financiamento público para que os usuários de baixa
renda tenham acesso aos serviços, fica a certeza da necessi-
dade urgente de se avaliar a incorporação da variável socio-
econômica, a partir da inscrição no CadÚnico, aos critérios
de concessão deste benefício.
• Em Porto alegre, um dos grandes desafios para a implan-
tação de políticas públicas de acesso aos sistemas de abasteci-
mento e esgotamento sanitário por meio da implantação de
mecanismos como Tarifa Social é compreender as diferentes
realidades sociais existentes nas diferentes regiões que
compõe a cidade e pensar uma política pública perene, que
tenha adesão e respeito a essas diferenças.

Referências
BRASIL. Lei nº 11445 de 5 de janeiro de 2007. Estabelece Diretrizes Nacio-
nais Para O Saneamento Básico; Altera as Leis nº 6.766, de 19 de dezembro
de 1979; 8.036, de 11 de maio de 1990; 8.666, de 21 de junho de 1993; 8.987,
de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978; e
dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil - Subchefia para
Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 2007.
BRASIL. Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei nº
11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o sanea-
mento básico, e dá outras providências. Presidência da República. Brasília, 2010.
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na web em 29/06/2020, no sitio: https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/porto-alegre/panorama.
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na web em 29/06/2020, no sitio: https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/porto-alegre/pesquisa/19/29765?tipo=grafico
&indicador=29765.
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na web em 29/06/2020, no sitio: https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/porto-alegre/pesquisa/19/29765?tipo=grafico
&indicador=29764.
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na web em 29/06/2020, no sitio: https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/porto-alegre/pesquisa/19/29765?tipo=grafico
&indicador=29763.
FEE/RS. Análise Socioeconômica da Cidade de Porto Alegre – 2017, elabo-
rada pela Fundação Estadual de Economia e Estatística do Rio Grande do
Sul. Disponível para download na web, em 29/06/2020, no sítio: https://
arquivofee.rs.gov.br/relatorios/relatorio-analise-socioeconomica-da-cidade-
-de-porto-alegre/

139
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

PORTO ALEGRE/RS. Lei Complementar nº 170/87 - Revoga


a Lei Complementar nº 32, de 7 de janeiro de 1977. Estabelece normas para
instalações hidrossanitárias e serviços públicos de abastecimento de água
e esgotamento sanitário prestado pelo Departamento Municipal de Água e
Esgotos e dá outras providências.
PORTO ALEGRE. Plano Municipal de Saneamento (PMSB) – Porto Alegre,
versão 2015. Disponível na web, em 29/06/2020, no sítio: https://www2.
portoalegre.rs.gov.br/dmae/default.php?p_secao=352.
PORTO ALEGRE. Informações obtidas através do Portal da Transparência
da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, via protocolo nº 002419-20-37 por
meio do sítio: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/transparencia/default.
php?p_secao=11.

140
Capítulo 8

Acessibilidade econômica aos serviços


públicos de água e esgoto e Tarifa Social
no Distrito Federal
Thiago Faquinelli1
Marcos Helano F. Montenegro2

Introdução

O s autores analisam a efetividade da aplicação da Tarifa


Social de água e esgoto no Distrito Federal como ferra-
menta de promoção da acessibilidade econômica a esses serviços
públicos. É feita a caracterização das famílias pobres do DF
utilizando os dados do Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CadÚnico). Foi avaliada a efetividade da política
de acesso ao benefício, bem como o impacto financeiro do mesmo
para as famílias. Ao final, são apresentadas recomendações para
assegurar a acessibilidade econômica das famílias mais pobres do
DF aos serviços públicos em tela e ainda o texto de projeto de lei em
tramitação na Câmara Legislativa do DF.

Caracterização da área de estudo


O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima
que o DF conta com 3.101.220 habitantes em 20203. Vedada sua
divisão em municípios pela Constituição Federal, o território do DF
é atualmente dividido em 33 Regiões Administrativas.
Na Tabela 1 verifica-se que, quando agrupadas por renda média
domiciliar, o valor da renda média domiciliar do grupo de Regiões
Administrativas caracterizado pela alta renda (abrangendo 13%
1
Gestor ambiental. E-mail: [email protected]
2
Engenheiro e Mestre em Engenharia Urbana, Coordenador-geral do ONDAS,
Regulador de serviço público. E-mail: [email protected]
3
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/df.html

141
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

da população) é mais de 6 vezes superior à renda média domiciliar


do grupo de baixa renda (onde está 11% da população).

Tabela 1: Grupos de regiões administrativas por renda domiciliar


média

Grupo de Regiões Admi- População Renda domiciliar


População (%)
nistrativas (hab.) média (R$ 1,00)

1 (alta renda) 384.913 13% 15.635

2 (média-alta renda) 916.651 32% 7.321

3 (média-baixa renda) 1.269.601 44% 3.123

4 (baixa renda) 310.689 11% 2.476


Fonte: Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), PDAD/2018.
Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/
relatorio_DF_grupos_de_renda.pdf

Dos resultados da última Pesquisa Distrital por Amostra de


Domicílio (PDAD/2018), realizada pela Companhia de Planeja-
mento do Distrito Federal (Codeplan), quando o valor do salário
mínimo era de R$ 954,00, destacam-se as seguintes informações:
− 883.509 domicílios com média de 2,62 habitantes cada;
− Renda domiciliar estimada de R$ 6.209,60, com valor médio
por pessoa de R$ 2.481,40;
− Índice de Gini da renda domiciliar de 0,58, e para a renda
por pessoa de 0,61.

No Distrito Federal, os serviços de abastecimento de água e


esgotamento sanitário são prestados pela Companhia de Sanea-
mento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Fundada em 1969,
a Caesb é uma empresa estatal e, mesmo categorizada como
sociedade de economia mista, é de fato uma empresa pública,
com todo o seu capital controlado pelo DF, sendo, portanto,
um prestador que integra a administração indireta do titular
dos serviços.
Os sistemas operados pela Caesb contam com 12 estações
de tratamento de água, 9.269 km de rede de água, 688.562 ligações

142
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de água e com 15 estações de tratamento de esgoto, 7.285 km de


rede de esgoto e 591.150 ligações de esgoto.
A estatal apresenta relevante cobertura de abastecimento de
água e esgotamento sanitário na área urbana, onde estão cerca de
97% dos habitantes, de acordo com o Censo de 2010. Segundo o
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em
2018, o Índice de Atendimento Urbano do Abastecimento de Água
(IN023) era de 99% e o Índice de Atendimento Urbano de Esgoto
(IN024) era de 89,29%.
Segundo o Censo de 2010, 86.714 pessoas viviam nas áreas
rurais do DF, correspondendo a 3,4% da população total da ocasião.
A população rural é parcialmente atendida pela Caesb por meio de
61 sistemas independentes, que viabilizam o atendimento de 32.414
habitantes das áreas rurais com 5.565 ligações de água.4
Outras informações relevantes relativas à Caesb, em 20195, são:

Nº de economias residenciais ativas


de água 1.009.497
Nº de economias residenciais ativas
de esgoto 901.419
Receita operacional direta residencial
de esgoto R$ 623.443.240,00
Receita operacional direta residencial
de água R$ 501.973.409,00
Lucro líquido no exercício R$ 149.002.000,00
Nº de empregados próprios 2.463

A prestação dos serviços pela Caesb é regulada pela Agência


Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal
(Adasa), autarquia distrital organizada nos termos da Lei Distrital
4.285/2008. Dentre as funções desta Agência estão, não só o reajuste
e a revisão periódica das tarifas cobradas pela Caesb, mas também
a fixação da estrutura tarifária e da Tarifa Social a ser cobrada das
4
Plano Diretor de Água e Esgoto da Caesb. Disponível em: https://www.caesb.
df.gov.br/images/arquivos_pdf/PDAE-2019.pdf
5
https://www.caesb.df.gov.br/images/arquivos_pdf/arquivos_Lai/indicadores_
desempenho2020.pdf, consultado em 24/08/2020.

143
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

famílias mais pobres e, ainda, o regulamento com as condições de


prestação e utilização dos serviços.

População do Distrito Federal no CadÚnico


De acordo com relatório disponibilizado pelo Governo Federal6,
em junho de 2020, o Distrito Federal possuía:
• 168.014 famílias inseridas no CadÚnico;
• 127.522 famílias com o cadastro atualizado nos últimos dois
anos;
• 134.517 famílias com renda até meio salário mínimo; e
• 100.676 famílias com renda até meio salário mínimo com o
cadastro atualizado.
Assim, a Taxa de Atualização Cadastral (TAC) é de 74,84%7.
Em julho de 2020, o Sistema de Consulta, Seleção e Extração de
Informações do CadÚnico (Cecad)8 informa que o total de famílias
no DF no CadÚnico era ligeiramente superior, atingindo 168.793 e
correspondendo a 451.726 pessoas, com média de 2,68 pessoas por
família.
As informações disponibilizadas pelo Cecad relativas ao mês
de junho de 2020 foram utilizadas para a caracterização das famílias
pobres no DF, conforme apresentado nas tabelas a seguir.
Em junho de 2020, 15% dos habitantes do DF estavam no
CadÚnico. Estavam em situação de rua 2,4% das famílias integrantes
do CadÚnico, ou seja, 3.982 famílias.
6
https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/relatorio-completo.html ,
consultado em 21/08/2020.
7
A TAC:é calculada pela divisão do total de cadastros válidos de famílias com
renda per capita, até meio salário mínimo atualizados nos últimos dois anos no
Cadastro Único, pelo total de cadastros de famílias com renda per capita, até meio
salário mínimo no Cadastro Único no município ou no DF. Este indicador varia de
0 (zero) a 1 (um), sendo mais próximo de 1 (um) melhor a qualidade das ações de
atualização cadastral.
8
O Cecad - Consulta, Seleção e Extração de Informações do Cadastro Único é uma
ferramenta que permite conhecer as características socioeconômicas das famílias e
pessoas incluídas no Cadastro Único (domicílio, faixa etária, trabalho, renda etc.),
bem como saber quais famílias são beneficiárias do Programa Bolsa Família e de
outros programas sociais que usam o Cadastro Único como base para seleção de
beneficiários.

144
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 2: Famílias no Cadastro Único – Disponibilidade de banheiro


nos domicílios por situação do domicílio (junho/2020)

Existência de banheiro
Situação do
Total
domicílio
Sim Não Sem Resposta

Urbana 149.779 651 2.397 152.827

Rural 11.213 244 804 12.261

Sem Resposta 0 0 3.705 3.705

Total 160.992 895 6.906 168.793


Fonte: Cecad (consulta em 21/08/2020)

De acordo com a Tabela 3, 88% das famílias no CadÚnico se


abastecem de água por meio de rede geral e são potenciais usuários
dos serviços da Caesb, a não ser quando estejam se utilizando de
sistemas comunitários. A Tabela 4 apresenta a tipologia do abasteci-
mento de água para as famílias do CadÚnico, segundo as faixas de
renda familiar per capita.

Tabela 3: Famílias no Cadastro Único – Forma de abastecimento de


água por situação do domicílio (junho/2020)
Situação do domicílio
Forma de abasteci-
Sem Total
mento de água Urbanas Rurais
Resposta
Rede geral de distri-
144.790 4.123 0 148.913
buição
Poço ou nascente 3.484 5.172 0 8.656
Cisterna 552 1.481 0 2.033
Outra forma 1.604 681 0 2.285
Sem Resposta 2.397 804 3.705 6.906
Total 152.827 12.261 3.705 168.793
Fonte: Cecad (consulta em 21/08/2020)

145
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 4: Famílias no CadÚnico – Forma de abastecimento de água por


faixa de renda familiar per capita (junho/2020)
Forma de abastecimento de água
Faixa da
renda Rede
geral de Poço ou Outra Sem Total
familiar per Cisterna
capita distri- nascente forma Resposta
buição
Extrema
64.792 5.000 1.327 1.536 5.793 78.448
Pobreza
Pobreza 19.128 1.125 210 278 184 20.925
Baixa Renda 33.390 1.451 278 287 265 35.671
Acima de
31.603 1.080 218 184 664 33.749
1/2 S.M.
Sem
0 0 0 0 0 0
Resposta
Total 148.913 8.656 2.033 2.285 6.906 168.793
Fonte: Cecad (consulta em 21/08/2020)

São consideradas em situação de extrema pobreza as famílias


com renda per capita de até R$ 89,00 por mês, e em situação de
pobreza as com renda per capita de até R$ 178,00 mensais. As de
baixa renda têm renda per capita até meio salário mínimo (R$
522,50).
A seguir, são examinados os parâmetros das famílias que
recebem o Bolsa Família, das quais mais de 99% apresentam renda
familiar de até 1 salário mínimo e 3.112 estão em situação de rua, o
que corresponde a 3,7% do total.

Tabela 5: Renda dos beneficiários do Programa Bolsa Família


Faixa de renda (salários mínimos) Nº de famílias
Até 1 83.295
Entre 1 e 2 633
Entre 2 e 3 10
Acima de 3 2
Total 83.940
Fonte: Cecad (consulta em 21/08/2020)

A Tabela 6 informa as famílias no Programa Bolsa Família


por forma de abastecimento de água e por faixa de renda familiar

146
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

per capita. É relevante para o tema da Tarifa Social a distribuição


nas faixas de renda das famílias que dispõem de água por rede: 80%
estão em situação de extrema pobreza, 18% em situação de pobreza
e 2% em situação de baixa renda.

Tabela 6: Famílias no Programa Bolsa Família – Forma de abasteci-


mento de água por faixa de renda familiar per capita (julho/2020)

Forma de abastecimento de água


Faixa da
renda Rede
geral de Poço ou Outra Sem Total
familiar per Cisterna
capita distri- nascente forma Resposta
buição
Extrema
56.165 4.517 1.180 1.396 4.806 68.064
Pobreza
Pobreza 12.875 831 150 205 92 14.153

Baixa Renda 1.548 120 14 19 13 1.714


Acima de
8 1 0 0 0 9
1/2 S.M.
Sem
0 0 0 0 0 0
Resposta
Total 70.596 5.469 1.344 1.620 4.911 83.940
Fonte: Cecad (consulta em 21/08/2020)

Marco Legal da Tarifa Social no DF


Tarifa social é aquela que concede subsídios tarifários na
cobrança de água e esgoto para famílias de baixa renda, conforme
versa o § 2º do Art. 29, da Lei Federal nº 11.445/2007, modificada
pela Lei 14.026/2020. “Poderão ser adotados subsídios tarifários e não
tarifários para os usuários que não tenham capacidade de pagamento sufi-
ciente para cobrir o custo integral dos serviços”.
No DF, a Tarifa Social estava sendo regida pela versão original
da Resolução Adasa nº 14/2011, que neste tema não inovou em
relação ao estabelecido por decreto ainda na década de 1990, e que
associava o direito à Tarifa Social às características construtivas do
imóvel usado para fins domiciliares.
Esse regramento, que vigeu até 31/05/2020, com pouca ou
nenhuma divulgação pela Caesb, beneficiava com a Tarifa Social,

147
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

ao final da sua existência, menos de 3.000 famílias residentes


em imóveis classificados como rústicos ou populares, conforme
informou a Caesb9.
Atendendo ao disposto na Lei Distrital nº 6.272/2019, a Adasa
publicou a Resolução nº 12/2019, que alterou a Resolução Adasa nº
14/2011, dispondo sobre alterações na estrutura tarifária da Caesb.
Esse normativo também estabeleceu novas regras de elegibilidade
da Tarifa Social com o objetivo de ampliar o número de famílias de
baixa renda beneficiadas, de possibilitar menores custos administra-
tivos e de melhor direcionar o público-alvo do benefício, conforme
exposto na Nota Técnica nº 13/2019 da Adasa10.
A alteração procedida na estrutura tarifária suprimiu a cobrança
do consumo mínimo mensal de 10 metros cúbicos por economia e
estabeleceu uma tarifa binária, composta por um valor fixo e outro
variável com o consumo medido. A Tabela 7 traz os preços vigentes
para as tarifas residencial padrão e residencial social de água, sendo
o valor da tarifa de esgoto correspondente a 100% do valor da tarifa
de água, exceto quando a coleta for do tipo condominial, quando
corresponde a 60% ou 80%.

Tabela 7: Tarifas residenciais vigentes a partir de 01/06/2020


Tarifa residencial Padrão Social
Valor fixo R$ 8,00 R$ 4,00
Faixa (m³) Preço (R$/m³) Preço (R$/m³)
0a7 2,99 1,49
8 a 13 3,59 1,79
14 a 20 7,1 3,55
21 a 30 10,66 5,33
31 a 45 17,05
Acima de 45 23,87
Fonte: Resolução Adasa nº 12, de 29 de novembro de 2019.

9
Resposta a questionamento feito à Caesb com respaldo na Lei de Acesso à Infor-
mação pelo ONDAS em 07/08/2020 (Apêndice 2)
10
Disponível em http://www.adasa.df.gov.br/images/storage/area_de_atuacao/
RegulacaoEconomica/Resolucoes_notas_tecnicas/Nota_Tecnica_n13_2019.pdf

148
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Nos termos da nova regulamentação, é elegível para o bene-


fício a unidade usuária da categoria residencial cujo titular da
relação contratual pertença a uma unidade familiar pobre ou extre-
mamente pobre beneficiária do Programa Bolsa Família ou de outro
programa social que venha a sucedê-lo.
O benefício da Tarifa Social só pode ser concedido a uma
unidade usuária por família pobre ou extremamente pobre benefici-
ária do Programa Bolsa Família ou de outro que venha a sucedê-lo.
As unidades usuárias de habitações coletivas não individualizadas
que façam parte do programa Morar Bem, de Faixa I, ou outro
programa que venha a sucedê-lo também são elegíveis para a classe
residencial social.
Nessa nova estrutura tarifária, os preços da Tarifa Social corres-
pondem a praticamente 50% dos preços praticados na tarifa resi-
dencial padrão, limitados os descontos ao consumo mensal de 30
m³ de água.
A Tabela 8 apresenta, para efeito de comparação, os valores
de contas mensais de água para a categoria residencial social antes
e depois da reestruturação tarifária, evidenciando significativa
redução nos valores cobrados.

Tabela 8: Redução nos valores da fatura mensal apenas de água e de


água e esgoto para a categoria residencial social

Valores vigentes até Valores vigentes a partir


Consumo 31/05/2020 (R$) de 01/06/2020 (R$) Redução
(m³) (%)
Água Água + esgoto Água + esgoto
Água
(*) (**) (**)
5 23,50 47,00 11,45 22,90 51%
10 23,50 47,00 19,80 39,60 16%
15 45,50 91,00 32,27 64,54 29%
20 74,30 148,60 50,02 100,04 33%
Notas: (*) Tarifa antes designada como residencial popular. (**) Os valores das contas
de água e esgoto calculados para 100% de acréscimo em relação aos de água.
Fonte: https://www.caesb.df.gov.br/images/Tarifas/tabela-01junho2019-a-31maio2020.pdf

A Nota Técnica nº 13/2019, já referida, informa que os novos


critérios de elegibilidade da Tarifa Social irão ampliar o número

149
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

de famílias que recebem o benefício para cerca de 70.000 famílias,


número coerente com os 69.040 que se obtém da Tabela 6 quando
se adiciona os quantitativos das famílias extremamente pobres e
pobres que recebem água da rede geral.
Porém, segundo informou a Caesb11, no faturamento de junho
de 2020, foram contabilizadas 23.919 economias ativas residen-
ciais de água contempladas pela Tarifa Social, sendo que destas,
19.824 são também economias ativas residenciais de esgotamento
sanitário12.
Assim, há um descompasso entre o número de famílias contem-
pladas pelo Programa Bolsa Família com abastecimento por rede e
as economias ativas com Tarifa Social, já que apenas 34% fizeram jus
ao benefício. São várias as explicações plausíveis para esse descom-
passo, dentre elas:
• Falta de correspondência entre a pessoa da família inscrita no
programa e a que está cadastrada como titular da ligação de
água pela Caesb, inclusive por desconhecimento da condição
para desfrutar do benefício da Tarifa Social;
• Ligações ativas que atendam domicílios com mais de uma
família integrante do Programa Bolsa Família;
• Famílias beneficiadas pelo programa que não possuem titula-
ridade da conta;
• Famílias em situação de rua.
É necessário entender o impacto da espécie do domicílio. O
CadÚnico registra que 1.288 famílias residem em imóveis particu-
lares improvisados, 735 em imóveis coletivos e que 2.889 famílias
não responderam a esse item do questionário.

Acesso e informação de direito à Tarifa Social


Para ter direito à Tarifa Social, o beneficiário do Programa
Bolsa Família deve estar com CPF cadastrado e atualizado no
CadÚnico pela
11
Questionamento feito à Caesb com respaldo na Lei de Acesso à Informação pelo
ONDAS em 30/07/2020 (Apêndice 1).
12
Resposta a questionamento feito à Caesb com respaldo na Lei de Acesso à Infor-
mação pelo ONDAS em 07/08/2020 (Apêndice 2).

150
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES) e ser o titular da


conta de água de sua residência.
O beneficiário do Programa Bolsa Família que não seja titular
da ligação deve solicitar à Companhia a mudança da titularidade
da conta para receber o benefício (art. 33 §2). No seu sítio na
Internet, a Caesb orienta e disponibiliza meios para realizar a
alteração de titularidade tanto nos postos de atendimento quanto
virtualmente no site e nos aplicativos para celular13. No entanto,
na mesma página do sítio, a Caesb avisa: “É importante lembrar que,
somente após a aprovação do cadastro pessoal e da vinculação ao imóvel,
o usuário passa a ser o responsável pelas contas do imóvel, pois muitos
usuários entendem que apenas a realização do cadastro no site já efetiva
a alteração de titularidade”.
Nos casos de solicitação de novas ligações residenciais, a Reso-
lução da Adasa estabelece que compete à Caesb informar ao solici-
tante, no ato do pedido de ligação, as condições de elegibilidade do
benefício da Tarifa Social. No entanto, o normativo da Adasa não
estabelece exigências para que o prestador comunique às famílias
usuárias do serviço, de modo sistemático e frequente, sobre as
condições de acesso à Tarifa Social aos beneficiários do Programa
Bolsa Família.
A mesma resolução vedou a cobrança dos seguintes serviços
dos usuários beneficiários da Tarifa Social: ligação de unidade
usuária; vistoria de unidade usuária para fins de habite-se e de
ligações temporárias; emissão de segunda via de fatura e desati-
vação de ligação de água14.

Contexto dos usuários pobres dos serviços de água e


esgoto relevante à acessibilidade econômica
Como antes referido, os potenciais beneficiários da Tarifa
Social são as famílias que recebem o Bolsa Família ou enquadram-
se no programa Morar Bem. Da Tabela 9, vê-se que 14.880 famílias
13
https://www.caesb.df.gov.br/8-portal/noticias/1107-12-05-20-caesb-deixa-de-
-cobrar-consumo-minimo-de-agua-e-aplica-novas-tarifas-de-senvicos-a-partir-de-1-
-de-junho.html (consultado em 21/08/2020).
14
Nova redação do art. 119 da Resolução 14/2011, conforme http://www.
adasa.df.gov.br/images/storage/legislacao/Res_Adasa/Versao_Consolidada_
Resolucao_n_14_2011_Ver270520.pdf (consultado em 21/08/2020).

151
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

ligadas à rede geral de distribuição e em situação de extrema pobreza


ou situação de pobreza estão no CadÚnico, mas não no Programa
Bolsa Família e, assim, não têm direito à Tarifa Social.
Analisadas pelo parâmetro da renda total da família, verifica-se,
na Tabela 10, que 59.151 famílias com renda de até 1 salário mínimo
e 15.349 com renda entre 1 e 2 salários mínimos são usuárias dos
serviços e não podem se beneficiar da Tarifa Social por não receber
o Bolsa Família.

Tabela 9: Famílias com água por rede geral no CadÚnico


e no Programa Bolsa Família por faixa de renda familiar per capita
(junho/2020)

Faixa da renda familiar Rede geral de distribuição


Diferença
per capita Bolsa Família CadÚnico
Extrema Pobreza 56.165 64.792 8.627
Pobreza 12.875 19.128 6.253
Baixa Renda 1.548 33.390 31.842
Acima de 1/2 S.M. 8 31.603 31.595
Sem Resposta 0 0 0
Total 70.596 148.913 78.317
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados obtidos no Cecad (consulta em
21/08/2020)

Tabela 10: Famílias com água por rede geral no CadÚnico e no


Programa Bolsa Família por faixa de renda familiar per capita
(junho/2020)
Rede geral de distribuição
Faixa da renda total da
Diferença
família Bolsa Família CadÚnico

Até 1 S.M. 70.004 129.155 59.151


Entre 1 e 2 S.M. 580 15.929 15.349
Entre 2 e 3 S.M. 10 2.547 2.537
Acima de 3 S.M. 2 1.282 1.280
Sem Resposta - - 0
Total 70.596 148.913 78.317
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados obtidos no Cecad (consulta em
21/08/2020)

152
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A avaliação da acessibilidade econômica ao benefício da Tarifa


Social no DF foi efetuada para quatro cenários de consumo mensal
de água e esgoto, a saber: 7, 10, 12 e 15 m3, tendo a cobrança de
esgoto com 100% do preço da água. Assim, avaliou-se o percentual
de renda familiar comprometido com o pagamento dos serviços de
água e esgoto para famílias que recebem um salário mínimo mensal,
sendo os resultados apresentados na Tabela 11.

Tabela 11: Valores das contas de água e esgoto – Usuário residencial


padrão e social (valores em reais e em % do salário mínimo)
Res. Padrão Res. Padrão Res. Social Res. Social
Consumo
Água + Esgoto Água + Esgoto Água + Água + Esgoto
mensal (m³)
(R$) (% SM) Esgoto (R$) (%SM)
7 R$ 57,86 5,50% R$ 28,86 2,76%
10 R$ 79,40 7,60% R$ 39,60 3,79%
12 R$ 93,76 9,00% R$ 46,76 4,47%
15 R$ 129,34 12,40% R$ 64,54 6,18%
Fonte: Elaborado pelos autores, com base em dados obtidos no site da Caesb (consulta
em 22/08/2020).

Da análise da Tabela 11, que traz os valores das contas de água


e esgoto para consumos residenciais típicos15 de usuário residencial
padrão e social, tanto em reais quanto em porcentagem do salário
mínimo, verifica-se a efetividade da Tarifa Social da Caesb como
fator de acessibilidade econômica das famílias pobres.

Conclusões e recomendações
Conclui-se que, mesmo para um consumo mensal bastante
reduzido de 7 m³, o comprometimento da renda de uma família
com renda mensal de 1 salário mínimo pagando a tarifa padrão é
muito alto, não havendo dúvidas que, para assegurar acessibilidade
econômica ao serviço, as 64.500 famílias com renda total mensal de
até 2 salários mínimos deveriam ser elegíveis para a Tarifa Social.
Se adotada esta diretriz, 97,5% das famílias integrantes do
CadÚnico seriam elegíveis para a Tarifa Social, o que sugere adotar
15
Foram considerados os seguintes valores de consumo médio: 7 m³ representativo
de um consumo reduzido, 12 m³, considerando o indicador IN 053 do SNIS; 10 m³
e 15 m³, em conformidade com valores adotados em análises similares do ONDAS.

153
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

a inscrição no CadÚnico como critério de elegibilidade para a


Tarifa Social.
Considerando o valor relativamente elevado da renda média
e do alto valor do Índice de Gini da renda domiciliar, configura-se
uma situação na qual o subsídio cruzado entre usuários dos serviços
de abastecimento de água e esgotamento sanitário pode e deve ser
usado para financiar a Tarifa Social a ser adotada, assegurando
acessibilidade econômica às famílias mais pobres. Esta opção tem a
vantagem de não onerar o orçamento público, tendo impacto fiscal
nulo, pelo menos, em primeira aproximação.
A sistemática de elegibilidade da Tarifa Social da Caesb, vigente
desde 01/06/2020, ampliou o número de famílias beneficiárias em
cerca de sete vezes, mas não abrangeu parte significativa (cerca de
dois terços) do público-alvo que declarou (famílias beneficiárias
do Programa Bolsa Família em situação de pobreza e de extrema
pobreza). Entre as possíveis causas para este fato, a mais provável é a
falta de informação e apoio às famílias potencialmente beneficiárias
para fazer com que o membro beneficiário do Bolsa Família seja o
titular da conta da Caesb.
As mudanças na forma de faturar os serviços, em particular a
supressão da cobrança de consumo mínimo de 10 m³ e o desconto
de 50% consignado na tarifa residencial social em relação à tarifa
residencial padrão, contribuem significativamente para a acessibi-
lidade econômica aos serviços. Observa-se que o valor da conta de
água e esgoto para consumo de 10 m3 não ultrapassou 4% do valor
do salário mínimo.
No entanto, verificou-se que parte importante das famílias
pobres inscritas no CadÚnico não faz jus ao Bolsa Família, o que
revela que, mormente os avanços na ampliação do número de
famílias beneficiárias, é preciso ampliar a abrangência das condi-
ções de elegibilidade da Tarifa Social.
Assim sendo, para assegurar a acessibilidade das famílias mais
pobres do DF aos serviços públicos em tela, recomenda-se:
• Adotar como critério de elegibilidade para a Tarifa Social a
inscrição da família usuária no CadÚnico;
• Investigar as razões de a maior parte das famílias elegíveis
para a Tarifa Social não se beneficiaram deste direito;

154
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

• Implementar mecanismos efetivos de informação e suporte


às famílias titulares do direito à Tarifa Social para que possam
usufruí-los.
O Apêndice 3 traz o Projeto de Lei nº 1387/2020, em tramitação
na Câmara Legislativa do DF, que foi preparado pelo ONDAS e pela
Seção Distrito Federal da Associação Brasileira de Engenharia Sani-
tária e Ambiental (ABES-DF) e apresentado pela Deputada Distrital
Arlete Sampaio. A proposição visa estabelecer diretrizes a serem
observadas na definição da tarifa residencial social dos serviços
públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no
Distrito Federal, buscando implementar as conclusões antes apre-
sentadas. O acompanhamento da tramitação legislativa pode ser
feito em: https://legislacao.cl.df.gov.br/Legislacao/consultaPropo-
sicao-1!1387!2020!visualizar.action

155
Apêndices

Apêndice 1
Questionamento feito à Adasa pelo ONDAS com respaldo
na Lei de Acesso à Informação em 30/07/2020 (Protocolo e-sic.
df.gov.br/Sistema/00092000197202057)

Brasília, 30 de julho de 2020.


À Ouvidoria
Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do
Distrito Federal (Adasa)

O ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao


Saneamento, associação civil sem fins lucrativos, com sede em
Brasília/DF, está desenvolvendo um estudo sobre a cobertura dos
serviços de abastecimento de água às famílias de baixa renda no
Brasil em oito capitais brasileiras: Porto Alegre, Campo Grande,
Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Manaus e
Distrito Federal.
Neste sentido, e amparados pela Lei nº 12.527/2011, soli-
citamos a colaboração dessa Agência Reguladora para o forneci-
mento, com a maior brevidade possível, das seguintes informações
referentes aos números de economias associados às faturas emitidas
pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal
(Caesb) nos meses de fevereiro a junho de 2020, dos serviços de
abastecimento de água e esgotamento sanitário do Distrito Federal,
que serão imprescindíveis à elaboração de nosso estudo:
1. Quantidade de economias ativas residenciais totais de água;
2. Quantidade de economias ativas residenciais totais de esgoto;
3. Quantidade de economias ativas residenciais de água em que
é cobrada a Tarifa Social (ou tarifa equivalente para popu-
lação de baixa renda); e
4. Quantidade de economias ativas residenciais de esgoto em
que é cobrada a Tarifa Social (ou tarifa equivalente para
população de baixa renda).

156
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Desde já, agradecemos a atenção e nos colocamos à disposição


para quaisquer esclarecimentos por este e-mail ou pelo telefone (61)
98189-xxxx.
João Marcos Paes de Almeida
Conselheiro Fiscal do ONDAS

Apêndice 2
Resposta ao questionamento feito à Adasa pelo ONDAS com
respaldo na Lei de Acesso à Informação em 07/08/2020

Apêndice 3

PROJETO DE LEI Nº 1387/2020


(Autoria: Deputada Arlete Sampaio e outros)

Estabelece diretrizes a serem observadas na definição


da tarifa residencial social dos serviços públicos de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário no
Distrito Federal.

A CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL decreta:

Art. 1º Esta Lei estabelece diretrizes referentes à tarifa residen-


cial social dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgo-
tamento sanitário no âmbito do Distrito Federal.
Art. 2º É reconhecido o direito à tarifa residencial social a
família residente em unidade residencial usuária dos serviços
públicos de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário que
se enquadrar em, pelo menos, uma das seguintes situações:

157
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

I – estiver inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais –


CadÚnico ou no sistema cadastral que venha a sucedê-lo ou obser-
vados os critérios de renda estabelecidos para acesso e permanência
no CadÚnico, no Sistema Integrado de Desenvolvimento Social –
SIDS da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – SEDES;
II – tiver, entre seus membros, pessoa que receba o Benefício de
Prestação Continuada da Assistência Social – BPC, nos termos dos
arts. 20 e 21 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, ou bene-
fício equivalente que venha a sucedê-lo; ou
III – for ocupante de edificações residenciais multifamiliares, com
medição não individualizada do consumo de água, que faça parte
do programa Morar Bem, de Faixa I, ou outro programa que venha
a sucedê-lo.
§ 1º Cada família residente poderá ser considerada, para fins do
caput, apenas uma unidade usuária.
§ 2º A família removida do CadÚnico ou sistema cadastral que
venha a sucedê-lo deve permanecer como beneficiária da tarifa resi-
dencial social por três meses, e as faturas referentes a este período
devem trazer aviso da remoção no Cadastro e da perda iminente do
benefício.
§ 3º A regulação dos serviços públicos de abastecimento de água
ou de esgotamento sanitário poderá prever outros beneficiários da
tarifa residencial social.
Art. 3º Os valores das tarifas dos serviços públicos de abasteci-
mento de água e de esgotamento sanitário cobradas dos usuários
mencionados no caput do art. 2º não podem ultrapassar 50% dos
valores correspondentes das unidades residenciais padrões para os
consumos mensais de até 25 metros cúbicos.
§ 1º O valor da fatura do abastecimento de água das unidades
usuárias de uso residencial da classe social correspondente ao
consumo de quinze metros cúbicos mensais não pode exceder o
valor de R$ 32,27 (trinta e dois reais e vinte sete centavos).
§ 2º O valor mencionado no § 1º deste artigo deve ser reajustado
quando dos reajustes das tarifas de abastecimento de água e de esgo-
tamento sanitário.

158
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Art. 4º É reconhecido o direito ao beneficiário de tarifa residen-


cial social prevista no art. 3º de, independentemente de pagamento,
obter a ligação de água ou de esgoto da unidade usuária em que
reside.
§ 1º Inclui-se no direito previsto no caput as vistorias, inclusive para
fins de habite-se, e os serviços de desmembramento e de remaneja-
mento total ou parcial de ligação de água, bem como o padrão de
ligação e o hidrômetro ou dispositivo de medição equivalente inte-
grantes da ligação de água.
§ 2º Os ativos derivados das ligações mencionadas no caput podem
integrar os sistemas públicos de abastecimento de água ou de esgo-
tamento sanitário, sujeitando-se ao registro patrimonial em conta de
ativo oneroso do prestador de serviço.
Art. 5º À família beneficiária de tarifa residencial social prevista no
art. 2º é reconhecido o direito de ser abastecida com pelo menos
dez metros cúbicos de água por mês, mesmo em situação de inadim-
plência, salvo quando ficar demonstrado pelo prestador que o não
pagamento se deve a motivo distinto de incapacidade financeira do
usuário.
Art. 6º É direito dos usuários residenciais serem informados na
fatura dos serviços:
I – no mês anterior à entrada em vigor dos critérios previstos no art.
2º, bem como, semestralmente, das condições de elegibilidade para
enquadramento na tarifa residencial social e dos procedimentos
para solicitação de enquadramento;
II – mensalmente, quando usuário residencial social, sobre a neces-
sidade de a família beneficiada atualizar periodicamente a inscrição
no CadÚnico.
§ 1º As informações mencionadas nos incisos I e II do caput devem
ser disponibilizadas de forma permanente pela Internet.
§ 2º No recebimento de pedido de ligação residencial, o prestador
de serviços deve informar ao usuário residencial as condições de
elegibilidade para obtenção dos benefícios da tarifa residencial
social e do não pagamento dos serviços constantes do caput.

159
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

§ 3º Cabe ao prestador de serviço assegurar os direitos dos usuários


reconhecidos no caput.
Art. 7º Devem ser publicadas as seguintes informações:
I – a cada trimestre, o número total de famílias elegíveis para a
tarifa residencial social nos termos dos incisos I e II do art. 2º e o
número total de famílias efetivamente beneficiadas em cada mês do
trimestre;
II – no primeiro trimestre de cada ano, com base na posição de
dezembro do exercício anterior, o número de famílias elegíveis para
a tarifa residencial social nos termos dos incisos I e II do art. 2º e
o número daquelas que não foram beneficiadas pela tarifa residen-
cial social, categorizadas por região administrativa e setor, bairro
ou equivalente, quantificando separadamente o número das famílias
elegíveis que não dispõem de ligação de água.
Art. 8º A regulamentação desta lei deve observar o previsto no inciso
IV do caput do art. 23 da Lei federal nº 11.445, de 5 de janeiro de
2007.
§ 1º A regulamentação poderá promover adequação da estrutura
tarifária de modo a manter inalterada a receita tarifária do pres-
tador de serviço por meio de subsídios cruzados.
§ 2º Decorrido o prazo de noventa dias da publicação desta Lei sem
sua regulamentação, a tarifa mensal de água das unidades usuárias
de uso residencial da classe social terá o valor de R$ 4,00 (quatro
reais) por unidade usuária até que ato regulamentar venha a dispor
em sentido diverso.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

160
Capítulo 9

A Tarifa Social na cidade de Manaus


Sandoval Alves Rocha1

Introdução

C onsiderada uma conquista popular que viabiliza o acesso


à água potável para as populações de menor poder aquisi-
tivo, a Tarifa Social tem encontrado dificuldade de implementação
em Manaus, cidade cujos serviços de abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário foram privatizados no ano 2000. O mercado da
água, ao pautar-se pela racionalidade economicista, deixa à margem
do sistema de abastecimento um expressivo contingente da popu-
lação manauara. Com isso, podemos averiguar que a política de
saneamento de Manaus não somente descumpre um direito estabe-
lecido em lei, mas também dificulta ainda mais as condições de vida
das pessoas mais pobres em meio ao agravamento da pandemia da
Covid-19 na cidade.
A morosidade na implantação da Tarifa Social retrata o baixo
desempenho dos serviços de água e esgoto realizados na cidade. Como
será visto a seguir, a gestão do saneamento em Manaus apresenta,
com frequência, um dos piores índices de qualidade dos serviços de
água e esgoto em comparação com as grandes cidades brasileiras,
lançando por terra o discurso da eficiência privada que acompanha
os processos de privatização das empresas públicas desse setor.
Neste artigo, abordaremos os contrastes do saneamento básico
em Manaus, envolvendo os serviços de abastecimento de água e
esgotamento sanitário, assim como os entraves na implantação da
Tarifa Social. Desse modo, mostraremos que a gestão privada, ao
priorizar os lucros, dificilmente viabilizará a universalização dos
serviços, uma vez que tal modelo de gestão ignora as desigualdades

1
Professor da Escola das Humanidades da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos/RS) e assessor do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação
Socioambiental (Sares/AM). E-mail: [email protected]

161
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

sociais reinantes, naturalizando a precariedade e a ausência de tais


serviços entre os setores populacionais mais pobres.
Além de exigir uma gestão tecnicamente eficiente, a univer-
salização da água e do esgotamento sanitário demanda uma visão
humanista e ecológica capaz de reconhecer a dignidade de todos
os seres humanos, independentemente de sua condição financeira,
racial e de gênero. Tal visão também deve ser capaz de perceber
a necessidade de valorizar e proteger os bens naturais que sustêm
a vida, destacando a sua incompatibilidade com a lógica da apro-
priação privada, que caracteriza a economia de mercado.

Características da cidade
A cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, vive
um intenso processo de expansão, tanto geográfica quanto popu-
lacional, iniciado na década de 1970. Atualmente, a capital amazo-
nense possui uma população que corresponde a 2.219.280 habi-
tantes (IBGE/2020), figurando como a cidade mais populosa da
região amazônica e a 7º no ranking brasileiro. O Polo Industrial de
Manaus (Zona Franca de Manaus) se destaca na produção tecno-
lógica realizada por centenas de empresas nacionais e internacio-
nais, impactando significativamente a economia, a política, o espaço
construído, além de impor repercussões sociais e ambientais. Esta
dinamicidade produtiva coloca Manaus entre as oito cidades mais
ricas do Brasil (IBGE/2017).
Tal opulência contrasta com a realidade social, que apresenta
um cenário altamente conflitivo. Manaus possui uma taxa de desi-
gualdade social equivalente a 0,63, de acordo com o Índice de Gini
(DATASUS/2010). A gravidade desta situação pode ser vista através
das pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), ao mostrarem que 37,9% da população auferem um rendi-
mento mensal de até meio salário mínimo (IBGE/2010), enquanto
a mortalidade infantil atinge 14,52 óbitos por mil nascidos vivos
(IBGE/2017). Tudo isso pode ser visualizado também nas condi-
ções de moradia da cidade. Pesquisa do IBGE revela que 348.684
moradias em Manaus (53,38% do total) estão localizadas em áreas
de habitação subnormal: favelas, palafitas, ocupações e assenta-
mentos (IBGE/2020).

162
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Estes fatores contribuem para a existência de elevados


índices de vulnerabilidade social. De fato, o Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), que reúne
informações socioeconômicas das famílias brasileiras de baixa
renda, registra 264.499 famílias manauenses inscritas em junho
de 20202. Essas unidades familiares possuem uma renda mensal
de até meio salário mínimo por pessoa e estão vinculadas a algum
programa social do governo federal. O Programa Bolsa Família
(PBF), iniciativa que transfere renda para as famílias em situação
de pobreza e extrema pobreza, atende um total de 135.753 famílias
em Manaus (agosto/2020), com forte tendência à ampliação deste
contingente como consequência do aprofundamento da pobreza
nos últimos anos.
No que diz respeito à infraestrutura da cidade, importa consi-
derar também o tratamento que é dispensado à rede de igarapés
que corta sinuosamente a cidade, desaguando no Rio Negro. Os
mais de 150 igarapés, que refletem a beleza e as características
do território amazônico, são considerados, desde a fundação da
cidade (1669), como entraves à modernidade e ao progresso capi-
talista. Durante o auge da cidade (1880 – 1920), muitos deles
foram aterrados para viabilizar a implantação de uma urbani-
zação europeia, sem nenhuma interação com as peculiaridades
naturais da região.
Tais cursos d’água, que outrora serviam como lazer para a
população e eram as fontes de abastecimento hídrico da cidade,
atualmente encontram-se poluídos na sua totalidade, sendo trans-
formados em verdadeiros esgotos a céu aberto. Desprovidos de
políticas ambientais eficientes, os igarapés recebem toda espécie
de resíduos provenientes do Polo Industrial de Manaus, das resi-
dências e até da empresa de saneamento. Esta última, prestando
serviços inadequados na cidade, lança grandes quantidades de
esgoto nos igarapés, sem nenhum tratamento, numa flagrante
agressão ao meio ambiente.
É contraditório que uma empresa contratada para gerir o sanea-
mento urbano promova a degradação ambiental, lançando esgotos
nos cursos d’água naturais. Esta contradição tem sido constatada
2
Fonte: Portal do Ministério da Cidadania. Disponível em: <https://aplicacoes.
mds.gov.br/sagi/RIv3/ger al/relat orio.php#>. Acesso em 14/9/2020.

163
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

por pesquisas científicas que demonstram a deterioração da quali-


dade da água do Rio Negro nos últimos anos. Tais estudos mostram
não somente os impactos negativos na água, mas também indicam
os reflexos nocivos na população, uma vez que ela não pode beber
aquela água nem tomar banho, sem correr o risco de contrair uma
ameba ou uma giárdia.3

Os serviços de abastecimento de água e esgotamento


sanitário
A gestão dos serviços de abastecimento de água e esgota-
mento sanitário de Manaus é realizada mediante uma concessão
privada, que teve início em 4 de julho de 2000. Tal concessão tem
uma história tumultuada e cheia de contradições, frustrando as
expectativas da privatização. Conhecida nacionalmente como um
mau exemplo de gestão, esta concessão realiza um serviço insa-
tisfatório para a maioria da população, embora tenha mudado
quatro vezes de operador: Lyonnaise des Eaux (Suez), que operou
de 2000 a 2006; Grupo Solvi, de 2007 a 2012; Águas do Brasil, de
2012 a 2018; e Aegea Saneamento e Participações, na operação
desde 2018.
Se de um lado há demonstrações de eficiência na geração de
lucros açambarcados pelas empresas, por outro lado, a concessão
coleciona um extenso histórico de denúncias por serviços mal
realizados, cobranças abusivas e descumprimentos contratuais,
ensejando inúmeras intervenções por parte dos poderes públicos:
Câmara dos Vereadores de Manaus, Ministério Público do Estado
do Amazonas e Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
Ao longo desse período, duas Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPI) foram instaladas pelo Legislativo Municipal para
elucidar os responsáveis pela precariedade dos serviços de abas-
tecimento de água e esgotamento sanitário. Tanto a CPI de 2005,
quanto a CPI de 2012 constataram a inviabilidade da privatização
para a cidade, recomendando a quebra do contrato de concessão,
3
SOUZA, Poluição dos igarapés de Manaus está diminuindo a acidez do rio
Negro. Portal A Crítica. 20 de julho de 2016. Disponível em: <https://www.
acritica.com/channels/manaus/news/quinta-feira-estamos-matand o-nossos-
-igarapes?fbclid=IwAR3s-SufxWAmAs9r_k7rWHgvJzCVUvC-gi49aI---e8In4k7Imki-
JuFP0to>. Acesso em 20/8/2020.

164
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

mas foram ignoradas pelo poder público. Isso contribui para apro-
fundar a precarização dos serviços e promover a cultura da impu-
nidade na gestão dos serviços públicos. Com tal conivência, as
empresas se sentem acomodadas diante do seu baixo desempenho,
prestando indefinidamente serviços de má qualidade.
O sistemático descumprimento do contrato de concessão
ocasionou a assinatura de múltiplos aditivos, alterando as metas e
condições de realização dos serviços.4 Tais Termos Aditivos, quase
sempre beneficiaram as empresas envolvidas, sem levar melhorias
significativas para as periferias da cidade. Com tantas alterações, é
possível observar que a privatização tornou-se uma obsessão, inde-
pendentemente do desempenho dos serviços realizados. Observa-se
que a iniciativa privada não tem cumprido as exigências contratuais,
mas o contrato de concessão tem sido alterado reiteradamente para
se adequar ao baixo desempenho da empresa.
O Quarto Termo Aditivo ao Contrato de Concessão (17 de
maio de 2012) é considerado o mais abusivo, pois ampliou o
período de concessão privada de 30 anos para 45 anos, sem fazer
nenhuma licitação pública ou ponderação sobre a qualidade dos
serviços realizados. Além disso, este documento impôs alterações
como o aumento da tarifa de esgotamento sanitário, que, a partir
de então, equivale ao valor cobrado pelo consumo de água. Ao
modo dos aditivos anteriores, este também flexibilizou as metas
do contrato de concessão original, projetando para a cidade
uma cobertura de 98% de abastecimento de água no ano 2016, e
uma abrangência de 90% dos serviços de esgotamento sanitário
em 2040.
A partir de junho de 2018, a gestão dos serviços de água e
esgoto foi assumida pelo Grupo Aegea Saneamento e Participações,
que atua em Manaus através da concessionária Águas de Manaus.
A Aegea Saneamento entrou na concessão planejando um investi-
mento de R$ 880 milhões de reais nos próximos 5 anos e firmando
a meta de implantar a cobertura de esgotamento sanitário em 80%
da cidade até 2030. Além disso, a empresa aspira reduzir o desper-
4
O Contrato de Concessão (julho de 2000) já recebeu cinco versões alteradas desde
a época da privatização: janeiro de 2007, agosto de 2008, outubro de 2008, maio
de 2012 e abril de 2014. Além destes Aditamentos, houve também dezenas de al-
terações nas condições de realização de obras específicas, sempre beneficiando a
concessionária de plantão.

165
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

dício de água na distribuição e melhorar o abastecimento na capital


amazonense.5
Até hoje, a concessão não apresenta os resultados esperados. O
desempenho dos serviços aparece tradicionalmente entre os piores,
em comparação com as grandes cidades brasileiras. Os dados mais
recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS/2018) mostram que a cobertura de abastecimento de água
alcança somente 91,42% da cidade, sendo que nas periferias este
serviço é precário ou totalmente inexistente. Essas informações
são confirmadas por órgãos de fiscalização (Procon Amazonas
e Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Municipal de
Manaus – Comdec/CMM), ao revelarem que a empresa de água e
esgoto ocupa, com persistência, a liderança no ranking das empresas
mais reclamadas da cidade.
Em se tratando dos serviços de esgotamento sanitário, a
concessão tem revelado inegável irresponsabilidade. Ao longo das
duas décadas de privatização, as empresas que assumiram a gestão
dos serviços de água e esgoto implantaram os serviços de esgoto
somente em 12,43% da cidade, deixando quase 1.900.000 pessoas
sem este serviço essencial. Importa lembrar que tal atuação tem
afetado negativamente não somente a saúde da população, mas
também a sustentabilidade ambiental, na medida em que a quase
totalidade dos esgotos urbanos é lançada nos igarapés e rios locais.
O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS) também assinala elevadas perdas na distribuição da água,
mostrando que 74,62% da água potável são desperdiçados até chegar
às residências dos consumidores (SNIS/2018). Trata-se de um
problema que jamais foi resolvido, embora todas as concessionárias
tenham constatado e projetado sua solução. A eficiência tão
característica da iniciativa privada não equacionou a demanda,
uma vez que implicaria elevados gastos para a empresa. Além disso,
tal desperdício não comove a administração privada, pois a região
amazônica é portadora de um gigantesco reservatório hídrico, tido
como inexgotável pela empresa.

5
Editor. Ministério Público vai investigar venda da Manaus Ambiental para a Ae-
gea. Portal A Crítica. 20 de junho de 2018. Disponível em: <https://www.acritica.
com/channels/manaus/news/ministerio-publico-vai-investigar-venda-da-manaus-
-ambiental-para-aegea>. Acesso em 16/9/2020.

166
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A fiscalização dos serviços é realizada pela Agência Reguladora


dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus (Ageman),
vinculada ao Gabinete do Prefeito (Lei nº 2.265/2017). A Ageman
tem como competência regular a prestação de todos os serviços
municipais delegados a terceiros. A sua estrutura organizacional é
composta por: órgão colegiado, órgãos de assistência e assessora-
mento, órgãos de apoio à gestão e órgãos de atividades finalísticas.
Outra atribuição da agência é representar o poder concedente em
eventos oficiais, colocando em risco sua autonomia, pois esta atri-
buição inviabiliza a neutralidade necessária para fiscalizar a atuação
do poder concedente na sua relação com a concessionária.
As receitas da Ageman provêm, sobretudo, do percentual
incidente sobre o faturamento mensal das concessionárias ou
permissionárias, decorrente da receita dos serviços públicos
delegados, do valor de multas, de indenizações estabelecidas nos
contratos de concessão e termos de permissão, de transferências
de dotações orçamentárias e créditos adicionais que lhe forem
consignadas no orçamento anual da Prefeitura. Visitas locais
tornam possível concluir que a Ageman possui uma infraestru-
tura incipiente, impossibilitando-a de realizar uma regulação
autônoma e eficiente.
A política de saneamento básico adotada em Manaus sugere
que a privatização dos serviços de abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário é incompatível com o direito humano à água
e ao saneamento, reconhecido pela Organização das Nações
Unidas (ONU), em 2010. Na capital amazonense, é possível cons-
tatar que a iniciativa privada prioriza a geração de lucros em
detrimento do bem-estar da comunidade. Esta assertiva é ratifi-
cada por Riva (2016), quando ela averígua que a política de preci-
ficação e valorização econômica da água não tem obtido resul-
tados positivos, especialmente porque, ao invés de conservar o
recurso, aqueles que podem pagar os altos preços cobrados pelos
serviços continuam a desperdiçá-lo, ao mesmo tempo em que os
mais necessitados enfrentam entraves econômicos ainda maiores
para o acesso à água.6

6
RIVA, Gabriela R. Saad. Água, um direito humano. São Paulo: Paulinas, 2016.

167
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A questão tarifária
O sistema tarifário dos serviços de água e esgoto em Manaus
obedece a uma estrutura composta por cinco blocos diferenciados,
em que os valores cobrados variam de acordo com a modalidade de
consumidores, conforme Figura 1.

Figura 1: Estrutura Tarifária do sistema de água e esgoto de Manaus

Fonte: Ageman (Julho/2019)

A estrutura tarifária da empresa é composta por diferentes


modalidades de consumidores: residencial social, residencial, indus-
trial, público e comercial. Em Manaus, a modalidade residencial
fornece a maioria da base de clientes da empresa de água e esgoto
(95,35%) e os outros consumidores representam a minoria (4,65%).
No que diz respeito à incidência no faturamento da empresa, as resi-
dências aportam uma colaboração muito superior (90,93%) àquela
realizada pelos demais (9,07%). Isso indica que os clientes com
maior capacidade de pagamento, como as indústrias do Distrito
Industrial, colaboram menos do que os clientes residenciais, que
possuem menor capacidade financeira. Estes dados possibilitam
afirmar que, em Manaus, o maior peso da responsabilidade pela
manutenção do sistema público de água e esgoto recai sobre os
pagadores mais pobres.7
7
Fonte: Concessionária Manaus Ambiental (abril de 2016).

168
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

O contrato de concessão permite à empresa reajustar as


tarifas anualmente, visando restabelecer o equilíbrio financeiro
da concessão, mas tais aumentos devem ser ratificados pelo
poder concedente. Segundo o SNIS 2018, Manaus cobra uma
média tarifária equivalente a 5,29 R$/m³, praticando a segunda
tarifa mais cara da região amazônica. A primeira é cobrada na
cidade de Palmas/TO (5,61 R$/m³), cujos serviços são reali-
zados pela BRK Ambiental, concessionária privada controlada
pelo grupo canadense Brookfield. Isso confirma a tese de que as
empresas privadas cobram as tarifas de água e esgotos mais caras
da Amazônia.
Apesar de constar no Primeiro Termo Aditivo ao Contrato
de Concessão, firmado em 10 de janeiro de 2007, a prefeitura
de Manaus exigiu a implantação da Tarifa Social dos serviços de
água e esgoto somente a partir do dia 3 de abril de 2014 (Decreto
nº 2.748). O benefício da Tarifa Social recai sobre a primeira
faixa de consumo, de zero a 15 m³/mês, com um desconto de
50% do valor normal. A partir deste volume é cobrada a tarifa
residencial normal, ficando o usuário suspenso do benefício no
referido mês. Segundo o decreto, são beneficiários da Tarifa
Social os usuários de classe residencial: I – cujo titular da ligação
de água, proprietário, possuidor legítimo ou inquilino esteja
inscrito no Programa Bolsa Família do Governo Federal; e II – que
possuam ligação de água hidrometrada, sem violação, alteração
ou fraude.
Atualmente, a empresa gestora dos serviços de água e esgoto
beneficia com a Tarifa Social 51.114 economias residenciais, contem-
plando somente 38% do total das famílias que têm direito.8 Perde o
benefício o usuário inadimplente após três faturas vencidas ou cuja
ligação apresentar violação, adulteração ou fraude (art. 5º), mas o
inadimplente de faturas anteriores à implementação do benefício
não é impedido de obter a Tarifa Social (art. 6º). Além disso, o
documento estabeleceu a obrigação de a concessionária implantar
o benefício no prazo máximo de trinta dias, a contar da publicação
do decreto (art. 7º).

8
Fonte: Ageman (julho/2020).

169
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A Tarifa Social em Manaus


Ao modo de boa parte dos municípios brasileiros, a cidade de
Manaus adotou o critério da inserção no Programa Bolsa Família
para a concessão da Tarifa Social. O público elegível para receber
o benefício se limita às famílias em situação de pobreza e extrema
pobreza contempladas pelo PBF, ficando de fora aqueles que não
são alcançados por nenhum programa social, como a população de
rua, que totaliza cerca de duas mil pessoas em Manaus (Ipea, 2015).
Caso a inserção no CadÚnico fosse o critério para receber a Tarifa
Social, o contingente de beneficiados seria ampliado para 264.499
famílias, mas a racionalidade empresarial – ânsia pelo lucro – não
permite tal mudança, nem existe vontade política que preconize tal
ampliação por parte dos poderes públicos.
É possível perceber uma forte morosidade na implantação da
Tarifa Social na capital amazonense, uma vez que foi projetada
em janeiro de 2007, mas instituída somente em abril de 2014. Tal
medida foi firmada em meio a intensas críticas aos sistemas de
abastecimento de água e esgotamento sanitário, em um momento
em que o grupo Suez transferia a concessão dos serviços para o
grupo Solvi. Este, por sua vez, se retirou da gestão dos serviços
em 2012, sem implantar a Tarifa Social, portanto, descumprindo
o acordo firmado.
A Tarifa Social foi implantada por força de decreto municipal
em 2014, quando a gestão dos serviços já era realizada pelo grupo
Águas do Brasil. No entanto, um ano após a sua criação, o benefício
ainda não tinha sido efetivado, sendo necessária a intervenção da
Câmara Municipal dos Vereadores, que obrigou a concessionária a
divulgar a iniciativa nos seus próprios canais de comunicação (Lei
nº 2.001/2015).
Atualmente, sete anos depois do decreto municipal, a implan-
tação da Tarifa Social alcança somente 38% das unidades familiares
contempladas pelo PBF. Tal morosidade constitui a violação de um
direito humano, com especial gravidade por se tratar do acesso a
um bem essencial à saúde e à vida. O contexto de pandemia tem
agravado esta situação, uma vez que o combate ao novo coronavírus
não pode ter sucesso sem as condições mínimas de higiene, que
inclui o acesso à água.

170
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

As crises sanitária e econômica vividas atualmente no Brasil


reforçam a necessidade da implantação da Tarifa Social e a ampliação
do grupo dos elegíveis diante do colapso do emprego e da renda
(IBGE/2020). Esta situação tem provocado a redução do poder de
compra de milhares de famílias, tornando imprescindível para elas
serem favorecidas por aquele subsídio para que possam aliviar as
despesas domésticas e garantir um mínimo de acesso à água potável.
Diante das circunstâncias, a morosidade na implantação da Tarifa
Social tem agredido o direito humano à água, afetando as popula-
ções mais vulneráveis da cidade.
Para que o direito à água e ao saneamento seja implantado
adequadamente é necessário considerar as situações das famílias
que se encontram em elevado grau de vulnerabilidade socioe-
conômica, concedendo a isenção do pagamento de um volume
mínimo de 50 a 100 litros per capita ao dia. De fato, com quase
40% da população auferindo até meio salário mínimo, um contin-
gente expressivo de manauenses não possui condições de pagar a
tarifa social sem comprometer outras necessidades essenciais. Vale
lembrar que o preço cobrado pela água em Manaus situa-se entre
os mais caros da Amazônia, perdendo apenas para Palmas/TO,
cujos serviços são realizados pelo grupo privado BRK Ambiental,
conforme mencionado.
A cultura da desigualdade que configura estruturalmente a
cidade de Manaus também prejudica a implantação da Tarifa Social
na capital amazonense. Para que a tarifa seja adequadamente viabi-
lizada é necessário que os consumidores mais ricos se empenhem
em tal processo, pagando os subsídios necessários para a sustentabi-
lidade da iniciativa. Convém que as empresas do Distrito Industrial
de Manaus aportem de forma mais significativa na manutenção do
sistema público de água e esgoto. A prática dos subsídios cruzados
tem uma boa tradição na operação dos sistemas de água e esgoto no
Brasil. Junto a isso, uma regulação mais rigorosa da parte dos órgãos
fiscalizadores pode trazer melhores resultados.
A demora na implantação da Tarifa Social em favor das popu-
lações mais vulneráveis parece sugerir que o setor privado opera
a partir da perspectiva de que é natural que uma parte da popu-
lação não tenha acesso à água e ao saneamento. Tal perspectiva,
no entanto, fere frontalmente o direito à água e ao saneamento,

171
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

reconhecido pela ONU. Diante das dificuldades do setor privado


em universalizar tais serviços, compete ao Estado tomar as rédeas
da política de saneamento a fim de cumprir a sua obrigação consti-
tucional de garantir esse direito a todos os cidadãos.
Para que a Tarifa Social seja adequadamente implantada, é
necessária uma tomada de consciência do conjunto da sociedade
sobre a importância do direito à água e ao saneamento como avanço
civilizatório rumo a uma sociedade mais democrática e minima-
mente justa.

Considerações finais
Em última instância, a Tarifa Social não foge à lógica da
mercantilização da natureza, segundo a qual a água é dotada de um
valor econômico. Por uma questão humanitária, advoga-se que é
preciso satisfazer as necessidades mais essenciais dos pobres, desde
que o mercado não seja prejudicado. No entanto, a Tarifa Social
pode ser visualizada também a partir da ótica dos direitos humanos,
que obriga a sociedade a viabilizar um mínimo de água potável para
o uso diário de todas as pessoas.
Em Manaus, o critério de acesso à Tarifa Social é a inserção
no Programa Bolsa Família. No entanto, a Tarifa Social contempla
somente 38% deste contingente, configurando uma grave agressão
ao direito humano à água e ao saneamento. A situação é agravada se
considerarmos que a população vulnerável abrange um contingente
muito superior àquele inscrito no PBF, uma vez que o CadÚnico
registra 264.499 famílias manauenses. Estas famílias passam por
grandes dificuldades em pagar as tarifas cobradas pela concessio-
nária, colocando em risco a saúde e a própria vida.
Tendo em vista o histórico de precariedade dos serviços de
abastecimento e água e esgotamento sanitário, é necessário que haja
um forte investimento do Estado, visando universalizar tais serviços.
Somente assim é possível vislumbrar um cenário em que o direito
à água e ao saneamento alcance todas as pessoas, independente-
mente de suas condições sociais, étnicas e religiosas. Infelizmente,
este histórico de precariedade tem naturalizado o descumprimento
do direito humano à água e ao saneamento na capital amazonense,
legitimando os serviços mal realizados pelos operadores.

172
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tendo em vista a essencialidade da água na manutenção do


ecossistema e dos seres vivos, é preciso protegê-la da competição
mercadológica, que dificulta o seu acesso às pessoas de baixa renda.
Convém preconizar a gratuidade de um mínimo de água potável
para todos os membros da sociedade, sem deixar de preservar os
reservatórios hídricos naturais, como lagos, rios e igarapés. No
entanto, enquanto a água for estratégia de produção de lucros, é
improvável que toda a população de Manaus tenha acesso garantido
a este bem essencial, pois não se cumpre adequadamente nem a lei
da Tarifa Social.

173
Capítulo 10

A Tarifa Social nos serviços de água e


esgoto no Rio de Janeiro
Ana Lucia Britto1
Patrícia Finamore Araujo2

Caracterização da localidade

O município do Rio de Janeiro possui, segundo estimativas


do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
de 2018, uma população de 6.718.903 habitantes. É a segunda
capital mais populosa do país e sede da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, constituída de outros 22 municípios, segundo a Lei
Complementar nº 184 de 27 de dezembro de 2018.
A população do município do Rio de Janeiro corresponde a 40%
do total do Estado do Rio de Janeiro (ERJ). A área mais populosa
da capital é a Zona Norte, com 87 bairros e 42% da população do
município. A maior densidade demográfica (10.185 hab./km²)
também situa-se na Zona Norte. A Zona Oeste apresenta a segunda
maior população e a menor densidade demográfica (2.851 hab./
km²), já que sua área territorial é extensa. Nela estão os três bairros
mais populosos da cidade: Campo Grande (328.370 hab.), Bangu
(244.728 hab.) e Santa Cruz (217.333 hab.). A densidade demo-
gráfica do Centro e Zona Sul é de 9.794 hab./km², bem próxima
da Zona Norte. O bairro com a maior densidade demográfica da
capital é a Rocinha (48.258 hab./km²). O percentual de pobres3 é
1
Professora associada do Programa de Pos-Graduacao em Urbanismo (PROURB) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: [email protected]
2
Engenheira Ambiental e Sanitarista, Msc. Saúde Pública, Doutoranda do Pro-
grama de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
3
Para o cálculo do percentual de pobres, foi construída uma linha de extrema pobreza
regionalizada. Seu valor representa os custos de uma cesta básica alimentar que con-
temple as necessidades de consumo calórico de um indivíduo em reais de 2015. A linha
de pobreza foi definida como o dobro dessa quantia. Para o Estado do Rio de Janeiro,
esse valor é, aproximadamente, de R$ 139 para área urbana, R$ 126 para área não ur-
bana e R$ 165 para a metrópole. https://m.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/
UFs/RJ/Menu%20Institucional/Nota45.pdf

174
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

menor no Centro e Zona Sul (12,2%), que conta com uma renda
domiciliar per capita duas vezes maior que a da capital. Por outro
lado, a Zona Norte apresenta renda um pouco superior à metade da
média da capital e menor Índice de Gini, o que indica uma menor
desigualdade em um cenário de renda mais baixa. Na Zona Oeste, a
participação dos pobres é a maior da capital, bem como o Índice de
Gini, conforme Tabela 1.

Tabela 1: Percentual de pobres e Índice de Gini no Rio de Janeiro


% de pobres Índice de Gini
Rio de Janeiro 20,9 0,639
Centro e Zona Sul 12,2 0,626
Zona Norte 22,7 0,538
Zona Oeste 23,8 0,637
Fonte: Sebrae (2015)

A divisão das Zonas e das Áreas de Planejamento está represen-


tada no Mapa 1, a seguir.

Mapa 1: Zonas e áreas de planejamento no município do Rio de Janeiro

Fonte: IPP (2018)

175
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A distribuição da renda, segundo o censo do IBGE (2010), é


apresentada no Mapa 2.

Mapa 2: Rendimento nominal médio mensal das pessoas responsáveis


por domicílios particulares permanentes no município do
Rio de Janeiro

Fonte: Censo IBGE (2010)

Dados do Sebrae baseados na Relação Anual de Informações


Sociais (RAIS), de 2012, mostram que os empregos formais no
setor de serviços equivalem a 62% do total no município do Rio de
Janeiro. Depois desse setor, é no comercio que está grande parte
dos empregos formais. No Centro e Zona Sul, 69% dos empregos
estão no setor de serviços; na Zona Norte, 56% e na Zona Oeste,
54%. Na Zona Norte e na Oeste, o comércio responde por 26% em
cada; no Centro e Zona Sul, por 14%. Analisando os dados de renda
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua),
temos o Gráfico 1, a seguir.
Os dados referentes ao primeiro trimestre (de janeiro a março)
de 2020 indicam, para o Rio de Janeiro, um rendimento médio
total das pessoas de 14 anos ou mais ocupadas igual a R$ 3.916,00.
Observando a série histórica da taxa de desocupação, verifica-se que
nesse trimestre havia atingido 13%, muito próxima ao valor mais
alto da série. Provavelmente no segundo trimestre (de abril a junho)

176
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de 2020, esse percentual será maior, em função da crise econômica


decorrente da Covid-19, sobretudo considerando que a maior parte
dos empregos formais está nos setores de comércio e serviço.

Gráfico 1: Rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas, de


todos os trabalhos (em R$) e taxa de desocupação (%) – município do
Rio de Janeiro

Fonte: PNAD Contínua (IBGE/2020)

Os dados do CECAD, o Sistema de Consulta, Seleção e Extração


de Informações do Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CadÚnico), de 2020, indicam um aumento no
número de famílias inscritas no CadÚnico no Rio de Janeiro.

Tabela 2: Famílias inscritas no CadÚnico no Rio de Janeiro

Situação Fevereiro/2020 Março/2020 Abril/2020

1. Famílias inscritas no
538.308 544.882 546.883
CadÚnico
2. Famílias c/ cadastro
423.278 422.979 415.868
atualizado
3. % de famílias atual-
78,6% 77,6% 76,0%
izadas
Fonte: CECAD (2020)

A Tabela 2 mostra que o número de famílias inscritas no


CadÚnico no Rio de Janeiro cresceu 1,6% no período no qual

177
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

ocorreu o início da transmissão comunitária da Covid-19 e a promul-


gação dos decretos com medidas associadas à pandemia, dentre as
quais o isolamento social, que trouxe impactos sobre o trabalho e
a renda das famílias. Reforça-se a tendência de aumento das condi-
ções de vulnerabilidade da população.
Observa-se, ainda, uma redução no número de famílias com o
cadastro atualizado, sendo que o cadastro das famílias no CadÚnico
precisa ser atualizado a cada 24 meses. Sendo essas famílias de baixa
renda e, consequentemente, com menores condições – tais como
acesso à internet e aos meios de transporte para deslocamento – a
realização da atualização cadastral pode ter sido impactada. Vale
atentar também que a realização da atualização de modo presen-
cial sofreu os efeitos da medida de “trabalho em casa” adotada
na maioria dos postos onde havia disponibilidade para ofertar ao
cidadão este procedimento.
A segregação dos dados apurados no Cecad aponta que
86,5% das famílias, inscritas em abril de 2020, tinham renda
mensal total de até 1 salário mínimo e que 92,2% do total das
famílias tinham como forma de abastecimento de água a rede
pública de distribuição.

Tabela 3: Forma de abastecimento de água e renda das famílias


inscritas no CadÚnico no Rio de Janeiro

Faixa da Renda Total da Família


Forma de Abastecimento
de Água Até 1 1SM – 2SM –
> 3SM TOTAL
SM 2SM 3SM
Rede Geral de Distri-
433.894 52.691 12.003 5.813 504.401
buição

Poço ou nascente 2.949 264 56 18 3.287

Cisterna 576 52 8 6 642

Outra forma 7.728 509 80 30 8.347

Sem resposta 28.159 1.725 246 78 30.208

Total 473.306 55.241 12.393 5.945 546.885

Fonte: CECAD (2020)

178
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Um marco da desigualdade e vulnerabilidade social na cidade


do Rio de Janeiro é o número de pessoas vivendo em favelas.
Segundo dados do Censo do IBGE de 2010, o Rio de Janeiro é a
cidade brasileira com o maior percentual da população vivendo em
favelas: 22,03%, o que corresponde a quase 1,4 milhão de pessoas e,
aproximadamente, 420.000 domicílios. Segundo Ximenes e Jaenisch
(2019), as favelas no Rio de Janeiro caracterizam-se por terem a
maior densidade demográfica dentre todos os municípios da sua
região metropolitana (257 hab./ha) e por possuírem uma alta taxa
de verticalização: 24% dos domicílios possuem três pavimentos ou
mais, 59% possuem dois pavimentos, restando 17% com apenas um
pavimento.
As Áreas de Planejamento estão divididas em Regiões Adminis-
trativas (RA), conforme o Mapa 3 a seguir, e existem RAs que são
compostas exclusivamente por favelas, como a RA Rocinha e a RA
Complexo do Alemão.

Mapa 3: Áreas de planejamento e Regiões Administrativas


no município do Rio de Janeiro

Fonte: http://www.data.rio/datasets/3f105a10dcf7475eae69b2514b9d6262

179
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A Área de Planejamento 1 (AP1) corresponde aos bairros da


área central (incluindo a região portuária) e possui pouco mais
de um terço de sua população vivendo em favelas. A Área de
Planejamento 2 (AP2) corresponde aos bairros da faixa litorânea
da Zona Sul e da região da Tijuca. Suas favelas, em geral, estão
localizadas em enclaves dispostos nas encostas dos maciços que
circundam a região, como a Rocinha. A Área de Planejamento
3 (AP3) corresponde aos bairros majoritariamente residenciais
de classe média da Zona Norte ou do subúrbio, que cresceram
e se consolidaram ao longo das linhas de trem que cruzam a
região e é onde estão localizados alguns dos maiores complexos
de favelas da cidade: Maré, Alemão, Jacarezinho, Manguinhos e
Acari. A AP3 concentra quase metade da população moradora
em favela do Rio de Janeiro (45%). A Área de Planejamento 4
(AP4) corresponde as regiões da Barra da Tijuca e da Baixada de
Jacarepaguá. A Área de Planejamento 5 (AP5) corresponde aos
bairros da Zona Oeste da cidade; possui 27% de sua população
residindo em favelas (Ximenes e Jaenisch, 2019).

Tabela 4: Favelas por área de planejamento no Rio de Janeiro


População
% da população resi- % em relação à
Área de residente em
dente em favelas da população da
Planejamento favelas em
cidade AP
2010
AP1 103.296 7.0% 34,7%
AP2 174.149 12.0% 17,3%
AP3 654.755 45.0% 27,3%
AP4 236.834 16.0% 26,0%
AP5 274.739 19.0% 16,1%
Total 1.443.773 100% 22,84%
Fonte: Ximenes e Jaenisch (2019), com base em IPP (2012)

Não existe um levantamento preciso do acesso ao abaste-


cimento de água e esgotamento sanitário nas favelas do Rio de
Janeiro. Contudo, observa-se, em diferentes estudos, que muitas
favelas do município do Rio de Janeiro sofrem com irregulari-
dade no abastecimento. As causas são múltiplas: (i) os sistemas

180
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

construídos por programas de urbanização não acompanharam


o crescimento da população, que estabelece novas conexões
nos sistemas existentes; (ii) falta de reservatórios, que poderiam
regular a pressão nas redes e amortecer as flutuações de vazão nos
horários de pico de consumo; (iii) ausência de manutenção dos
sistemas pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de
Janeiro (Cedae). Para lidar com as falhas do sistema público de
abastecimento, é recorrente a prática de manobras nas redes e,
além disso, os domicílios precisam criar estratégias de reservação
(caixas d’água). Contudo, nem todas as casas possuem estrutura
física que suporte o peso destes reservatórios.
A maior parte das favelas do Rio de Janeiro apresenta densi-
dade populacional elevada, habitações precárias, mais de uma
família coabitando o mesmo imóvel, com apenas uma instalação
hidrosanitária, muitas vezes precária e compartilhada por vários
moradores. Levantamento recente realizado pela Cedae para projeto
de urbanização no âmbito do programa Comunidade Cidade do
governo estadual, na favela da Rocinha, indica que 69,3% dos domi-
cílios estão ligados à rede de abastecimento. Desses, apenas 21,5%
possuem canalização interna.
Com relação ao esgotamento sanitário, sistemas isolados
foram instalados por projetos de urbanização, notadamente o
Favela-Bairro, mas não houve manutenção posterior. Uma série de
impasses entre a Cedae e a prefeitura do Rio fez com que estações
de tratamento de esgoto localizadas em comunidades carentes do
Rio deixassem de funcionar. Os equipamentos, como as bombas de
elevatórias construídas para levar o esgoto até as estações de trata-
mento, apresentavam defeitos por falta de manutenção. As Estações
de Tratamento de Esgoto (ETEs) não entraram em funcionamento,
sendo abandonadas. Em muitas favelas ou em partes de grandes
complexos como Alemão e Maré predominam canalizações a céu
aberto ou valas, bem como ligações diretas nas redes de águas
pluviais, quando existentes.

181
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

A prestação dos serviços de abastecimento de água e


esgotamento sanitário
O município do Rio de Janeiro é atendido pela Cedae e pela
empresa Zona Oeste Mais Saneamento, esta última prestadora de
serviços de coleta e esgotamento sanitário na AP5. Para entender
a atuação da Cedae no Rio de Janeiro é necessário recuperar a sua
história e a história de criação do município. Até 1975, o município
do Rio de Janeiro era estado da Guanabara. Este estado possuía
uma companhia pública para abastecimento de água, a Compa-
nhia Estadual de Águas da Guanabara (Cedag) e uma companhia
para esgotamento sanitário, a Empresa de Saneamento do Estado
da Guanabara (Esag). Em 1975, ocorre a fusão dos estados do
Rio de Janeiro e da Guanabara, a criação do município do Rio de
Janeiro e a estrutura de gestão dos serviços passa por uma grande
transformação. Com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara e a criação do novo estado, foi criada a Cedae, empresa
pública responsável pela prestação dos serviços de água e esgoto no
novo estado. A nova empresa teve origem na incorporação das três
antigas empresas: a Cedag, a Esag e a Companhia de Saneamento
do Estado do Rio de Janeiro (Sanerj), que atendia o antigo estado do
Rio de Janeiro. As três empresas tinham características muito dife-
rentes. Como mostra Marques, a Cedag apresentava melhores condi-
ções econômicas e financeiras, contava com um quadro de pessoal
bem pago e treinado, que operava a empresa com padrões técnicos
conservadores e com grande insulamento. A Sanerj, ao contrário,
não apresentava uma situação financeira sólida, sofria grande inge-
rência política por parte do gabinete do governador, que utilizava
a operação dos sistemas do interior como moeda na negociação
política com os prefeitos, e não contava com quadro técnico tão
bem treinado e capacitado. A Esag apresentava uma situação inter-
mediária, mais próxima da Cedag. O processo de fusão foi realizado
sob forte comando da Cedag (Marques, 1999).
Com isso, a Cedae passou a atender ao município do Rio de
Janeiro. Os anos se passaram sem que houvesse um instrumento
jurídico que regulamentasse a prestação dos serviços no município.
Em 28 de fevereiro de 2007, o governador do Estado do Rio de
Janeiro, na época, Sérgio Cabral Filho (2007 – 2014), o então prefeito

182
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

do município do Rio de Janeiro, Cesar Maia, e o então presidente da


Nova Cedae, Wagner Victer, assinaram o Termo de Reconhecimento
Recíproco de Direitos e Obrigações (TRRDO)4 entre a Prefeitura e o
Governo do Estado na área de saneamento básico. Pelo convênio, o
Estado repassa para a prefeitura a responsabilidade do esgotamento
sanitário na Zona Oeste, na denominada Área de Planejamento 5
(AP5), e de todas as áreas compostas por favelas no município do
Rio. A Cedae se manteve responsável pelo abastecimento de água
de todo o município e pelo esgotamento sanitário das outras Áreas
de Planejamento.
Destaca-se que o modelo de delegação de serviços à Cedae, não
regulamentado por nenhum tipo de instrumento legal, perdurou
até 2007, quando, então, o TRRDO estabelece que o convênio tem
prazo de 50 anos, prorrogáveis automaticamente por mais 50 anos,
exceto notificação prévia com 2 anos de antecedência:
“A COMPANHIA permanecerá sendo a prestadora dos serviços de
captação, tratamento, adução e distribuição de água potável e coleta, trans-
porte e tratamento adequado dos esgotos sanitários e cobrança pela prestação
desses serviços no Município do Rio de Janeiro, pelo prazo de 50 (cinquenta)
anos, contados da celebração do presente instrumento, prorrogáveis por outros
50 (cinquenta) anos, independentemente de notificação prévia, com exceção
apenas da coleta, transporte e tratamento adequado dos esgotos sanitários e
cobrança pela prestação desses serviços na Área de Planejamento 5 (AP5) e
nas Áreas Faveladas, definidas nos ANEXOS I e II, deste instrumento.”
Segundo define o termo, as Áreas Faveladas são as “áreas de
ocupações irregulares, de uso predominantemente habitacional,
caracterizadas por ocupação irregular de terra por população de
baixa renda, normalmente dotadas de infraestrutura urbana e
serviços públicos precários, vias estreitas e de alinhamentos irre-
gulares, lotes de formas e tamanhos irregulares e construções não
licenciadas pelo poder público”. Vale lembrar que a prefeitura,
através da Rio Águas, nunca assumiu efetivamente a manutenção
dos sistemas de esgotamento implantados por projetos de urbani-
zação nas favelas.
O acordo, assinado em fevereiro de 2007, um mês após a
promulgação da Lei nº 11.445/2007, a Lei do Saneamento Básico,
4
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4517645/4122697/TermodeReconhe-
cimentoReciprocodeDireitoseObrigacoesentreEstadoeMunicipio.pdf

183
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

não obedece às determinações da mesma. Segundo estabelecia


a referida lei, a relação entre o município e a concessionária pública
estadual deve ser mediada pelos seguintes instrumentos: lei muni-
cipal, autorizando a celebração do convênio de cooperação do
município com o estado; convênio de cooperação entre município e
estado, prevendo a forma de gestão associada dos serviços e o apoio
ao planejamento regional e aos municípios; contrato de programa
entre município e companhia estadual. O contrato de programa e o
convênio de cooperação são, portanto, os dois novos instrumentos
que deveriam regular a relação entre os municípios, estados e as
companhias estaduais prestadoras dos serviços. Porém, no caso do
município do Rio de Janeiro, esses instrumentos não chegaram a
ser formulados. Também não foi instituído o órgão que regula a
relação de prestação de serviço entre a Cedae e o município do Rio,
nem elaborado o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB)
que daria validade ao contrato. O PMSB para os serviços de abas-
tecimento de água e esgotamento sanitário do Rio de Janeiro foi
aprovado pelo Decreto n.º 34.290, de 15 de agosto de 2011.
Em junho de 2011, depois de quatro anos sob a responsabi-
lidade da prefeitura, foi feito um novo acordo entre governo do
estado e prefeitura, determinando que a manutenção das redes de
esgoto de favelas cariocas voltaria para a Cedae nas comunidades
que contassem com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
A participação privada foi instalada na AP5 através de concessão
onerosa realizada em 2011. Esta forma de concessão foi escolhida
porque a possibilidade de oferta da menor tarifa não era viável, pois as
tarifas estavam pré-estabelecidas – deveriam ser as mesmas da Cedae
no resto do município. O consórcio vencedor do edital, Foz Águas 5,
agrega os dois maiores grupos privados atuando no setor no Brasil:
Águas do Brasil e Foz do Brasil (grupo Odebrecht). A outorga era de
R$ 78 milhões e o consórcio vencedor ofereceu R$ 84,2 milhões, uma
diferença de 8%. Para regular o contrato, o município designou a
Rio-Águas, órgão público que não foi, inicialmente, estruturado para
assumir essa função. Os controladores atuais da empresa são a gestora
de fundos canadense Brookfield, que comprou a parte da Odebrecht
Ambiental, o Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) e o Grupo
Águas do Brasil. A empresa ganhou uma nova denominação, Zona
Oeste Mais Saneamento. O contrato é de 30 anos.

184
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A regulação da Cedae foi instituída em 2015. Foi estabelecido o


Decreto Estadual nº 43.982, de 11 de dezembro de 2012, que deter-
mina a regulação da Cedae pela Agência Reguladora de Energia e
Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa). Uma
das medidas previstas para o cumprimento do referido decreto foi
a assinatura de um convênio firmado entre a Agenersa, a Cedae e o
governo do estado, através das Secretarias de Estado da Casa Civil
e do Ambiente, em 20 de dezembro de 2012. Desde então, grupos
de trabalho externos e internos foram criados para que a transição
ocorresse. Em agosto de 2015, foi estabelecido o Decreto nº 45.344
que formaliza as condições gerais para a regulação e fiscalização
das atividades da Cedae pela Agenersa. Há controvérsias sobre a
validade desse decreto, pois a entidade reguladora não é definida
pelo titular.
A Cedae atende com abastecimento de água 97,41% da popu-
lação do município e com esgoto, 65,08%, segundo dados do SNIS
(2018). A Zona Oeste Mais Saneamento atende com esgotamento
sanitário cerca de 75% da população da área de concessão, o que
corresponde a 20,06% da população do município.

Tabela 5: Dados e indicadores operacionais da Cedae

Parâmetro Valor Parâmetro Valor

Nº de Ligações – Água 1.147.027 Nº de empregados: 2.754


Empregados/1.000
Nº de Ligações – Esgoto 630.521 2,4*
ligações
% das Economias
Nº de Economias – Água 2.450.920
de Água
Nº de Economias – Esgoto 1.424.318 − Residencial 87%
− Comercial e
Extensão (km) de Rede – Água 10.736,86
serviços
Extensão (km) de Rede – Esgoto 4.569,57 − Industrial
Vol. Distribuído (10³ m³) – Água 777.585 − Poderes públicos
Vol. Esgoto Tratado (10³ m³) 311.435
*NOTA: Foram consideradas apenas as ligações de água.
Fonte: BRASIL (2018)

185
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 6: Dados e indicadores operacionais da Zona Oeste


Mais Saneamento

Parâmetro Valor Parâmetro Valor

Nº de Ligações - Esgoto 315.924 % das Economias:


Nº de Economias – Água - – Residencial 95%
Nº de Economias – Esgoto 444.731 – Comercial e serviços
Extensão (km) de Rede
1.986,00 – Industrial
– Esgoto
Vol. Esgoto Tratado (10³ m³) 21.900,09 – Poderes públicos
Nº de empregados 573
Empregados/1.000 ligações 1,82
Fonte: BRASIL (2018)

Tarifação
Os usuários dos serviços são classificados nas seguintes cate-
gorias: domiciliar, comercial, industrial e pública. A Cedae cobra
uma tarifa mínima nas categorias residencial e pública, referente
a 500 litros de água diários, mesmo que o imóvel esteja desocu-
pado. Para o comércio e a indústria, são considerados 666 litros/
dia. A companhia também adota tarifas progressivas, segundo
faixas de consumo. Além disso, a Cedae tem na sua política de
cobrança tarifária a tarifa diferenciada A e B, de acordo com
a localidade, criada pelo Decreto nº 23.676, de 4 de novembro
de 1997. No município do Rio de Janeiro, os bairros corres-
pondentes às áreas A e B estão listados no site da companhia.
A lei não justifica a divisão de áreas. Na tarifa A, de valor mais
elevado, estão todos os bairros da Zona Sul, área nobre da cidade,
e bairros que correspondem a conjunto de favelas, como a Maré
e a Rocinha. Na tarifa B estão bairros da AP5, na Zona Oeste, e
bairros da Zona Norte. Todavia, bairros adjacentes da Zona Norte
como Ramos e Penha são classificados em tarifas diferentes (A e
B, respectivamente).

186
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

As tabelas a seguir mostram a estrutura tarifária vigente5 apenas


para o fornecimento de água. Cobra-se pelos serviços de esgoto o
mesmo que se cobra para o fornecimento de água.

Tabela 7: Estrutura tarifária vigente da Cedae – conta mínima


TARIFA 1 – ÁREA A
CATEGORIA FAIXA MULTIPLICADOR TARIFA VALOR
DOMICILIAR (CONTA MÍNIMA) 1,00 3,97628 59,64
0-15 1,32 5,248689 78,72
PÚBLICA ESTADUAL
> 15 2,92 11,610736 601,17
TARIFA 1 – ÁREA B
CATEGORIA FAIXA MULTIPLICADOR TARIFA VALOR
DOMICILIAR (CONTA MÍNIMA) 1,00 3,487958 52,30
0-15 1,32 4,604103 69,06
PÚBLICA ESTADUAL
> 15 2,92 10,184835 527,34
NOTA: Os valores das contas se referem aos limites superiores das faixas, sendo
considerado o consumo de 60 m³/mês na faixa em aberto da categoria pública.
Fonte: CEDAE (2019)

Tabela 8: Estrutura tarifária vigente da Cedae


TARIFA 2 E 3 – ÁREA A
CATEGORIA FAIXA MULTIPLICADOR TARIFA VALOR
0-15 1,00 4,555225 68,32
16-30 2,20 10,021496 218,63
DOMICILIAR 31-45 3,00 13,665677 423,60
46-60 6,00 27,331355 833,56
> 60 8,00 36,441807 1.197,97
0-20 3,40 15,487767 309,74
COMERCIAL 21-30 5,99 27,285803 582,59
> 30 6,40 29,153445 1.165,65
0-20 5,20 23,687174 473,74
INDUSTRIAL 21-30 5,46 24,871533 722,45
> 30 6,39 29,107893 1.304,59
PÚBLICA 0-15 1,32 6,012898 90,18
ESTADUAL > 15 2,92 13,301259 688,72

5
PROCESSO E-22/007.322/2019, publicado no DOE-RJ de 30/08/2019.

187
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

TARIFA 2 E 3 – ÁREA B
CATEGORIA FAIXA MULTIPLICADOR TARIFA VALOR
0-15 1,00 3,995804 59,92
16-30 2,20 8,790768 191,77
DOMICILIAR 31-45 3,00 11,987412 371,57
46-60 6,00 23,974825 731,18
> 60 8,00 31,966433 1.050,84
0-20 3,40 13,585733 271,70
COMERCIAL 21-30 5,99 23,934867 511,04
> 30 6,40 25,573147 1.022,50
0-30 4,70 18,780279 563,40
INDUSTRIAL 31-130 5,40 21,577343 2.721,10
> 130 5,70 22,776084 2.948,86
PÚBLICA 0-15 1,32 5,274462 79,11
ESTADUAL > 15 2,92 11,667747 604,12
NOTA: Os valores das contas se referem aos limites superiores das faixas, sendo
considerados os seguintes consumos nas faixas em aberto: (i) 70m³/mês na categoria
residencial (A/B); (ii) 50 m³/mês na comercial (A/B); (iii) 50m³/mês (A) e 140 m³/mês
(B) na industrial; (iv) 60 m³/mês na pública.
Fonte: CEDAE (2019)

As Tarifas Sociais são regulamentadas pelo Decreto nº


25.438/1999, que dispõe sobre a fixação de cota mínima de água
e esgoto para imóveis residenciais em áreas de interesse social e
dá outras providências. O decreto estabelece o cálculo do valor
da Tarifa Social [6,0 m³ x tarifa B], no parágrafo único do artigo
1º. A leitura do decreto, que é bastante confuso, indica que seriam
beneficiários de Tarifa Social os imóveis residenciais situados nas
áreas consideradas de interesse social, sendo essas áreas, segundo
o decreto, definidas pelo Secretário de Estado de Saneamento e
Recursos Hídricos. Não está claro que áreas seriam essas e quais
os critérios para defini-las, já que a definição de áreas de especial
interesse social são atribuições dos municípios, através dos planos
diretores de desenvolvimento urbano, regulamentados por lei. O
volume de água consumido para ter direito a Tarifa Social seria
de 6 m³/mês para cada unidade residencial, menos da metade do
volume mínimo disponibilizado para aqueles que pagam a tarifa
convencional, de 15 m³.

188
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

O site da companhia menciona o decreto, indicando que


podem reivindicar acesso à Tarifa Social comunidades carentes e
conjuntos habitacionais destinados a moradores de baixa renda que
apresentarem documentação em atendimento ao decreto, sendo
que o mesmo não menciona documentação. O site indica, ainda,
que o usuário pode obter todas as informações e regras nas agências
de atendimento da Cedae.
O site da Cedae traz, contudo, os possíveis beneficiários. Os
primeiros seriam moradores de favelas. Para estes, seria necessário
apresentar documentação que qualifique o cliente/usuário, como
CPF e identidade. Na prática, todas a favelas que tem sistemas insta-
lados pela Cedae tem acesso à Tarifa Social.
Também seriam beneficiários de Tarifa Social os imóveis loca-
lizados em conjuntos habitacionais construídos pelo Sistema Finan-
ceiro de Habitação (SFH) para população com renda familiar de
até 5 salários mínimos. Não está mencionado no site, mas os mora-
dores de conjuntos do Minha Casa Minha Vida, grupo de 1 até 3
salários mínimos, também têm direito à Tarifa Social. Nesses casos
(de conjuntos habitacionais), o usuário é o condomínio e não o
morador, ou seja, o condomínio é que deve fazer a solicitação. A
cobrança é feita por um único hidrômetro com a multiplicação do
número de economias, como é feita nos condomínios em geral.
A Cedae também dá acesso à Tarifa Social a habitações popu-
lares destinadas às famílias de baixa renda em terrenos cedidos
por órgãos públicos federais, estaduais e municipais. O usuário
deve apresentar documentos comprobatórios da cessão do terreno,
emitido pelo órgão municipal, estadual ou federal.
Finalmente, também tem acesso à Tarifa Social imóveis em
áreas de interesse social para residências até 50 m² e comércios de
até 30 m², situados em loteamentos irregulares, em área de posse,
periferia de favelas e áreas de risco com impossibilidade de vistoria
para apuração da área construída. Para reivindicar o benefício, os
usuários residentes desses imóveis devem comprovar a posse.
Observa-se, portanto, que a Cedae define a Tarifa Social pela
localização/condição da moradia, e não pela situação socioeconô-
mica do usuário, e que o valor do metro cúbico da Tarifa Social é o
mesmo da tarifa residencial normal, pois o que varia é o consumo
mínimo adotado para a cobrança. Na estrutura tarifária em vigor,

189
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

estabelecida em 2019, o valor de conta com Tarifa Social para


unidade predial atendida com cobrança de água e sem esgoto é
de R$ 18,45. A cobrança de esgoto é igual à cobrança de água. A
companhia parte do pressuposto de que famílias mais pobres sejam
menos numerosas ou tenham menor consumo, o que não é neces-
sariamente a realidade. Esse modelo tarifário é muito desfavorável
para famílias pobres urbanas, que possuem um número maior de
pessoas morando no mesmo domicílio ou que dispõem de certo
conforto doméstico, mas, ainda assim, apresentam baixa renda,
tendência que vem se consolidando no contexto das grandes cidades
brasileiras.
Levantamentos realizados por pesquisa mostram que nas
favelas não há corte por inadimplência. Em 2010, foi revelado
que o consumo das favelas passou a ser considerado consumo
autorizado, com a companhia alegando que a água consumida
em favelas e comunidades carentes era uma forma de atendi-
mento social. Esse aspecto foi mencionado no SNIS de 2010 e de
2011. Segundo o SNIS/2011 “o comentário introduzido no Diag-
nóstico 2010 do SNIS, referente à redução do índice de perdas
na distribuição da Cedae/RJ se manteve no atual Diagnóstico
de 2011. Tal redução decorreu de alteração na metodologia de
avaliação dos volumes e não de ações concretas de redução das
perdas. Segundo a companhia, ao contrário de anos anteriores,
em 2010 e também em 2011 foram computados os volumes de
atendimento social em favelas como consumo autorizado, parte
no volume de água consumido (AG010) e parte no volume de
água de serviço (AG024). Tal situação fez com que o índice de
perdas na distribuição reduzisse de 51,1% em 2009 para 31,2%
em 2010 e 31,6% em 2011” (Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental, 2013, p. XXIX). Não há corte de água para mora-
dores de favela. Essa prática acaba mascarando a inadequação do
consumo mínimo admitido para as famílias mais pobres contem-
pladas com a Tarifa Social. Para as outras categorias, o corte é
realizado a partir do débito de três faturas.
Em resposta ao questionamento do ONDAS de informações
sobre Tarifas Sociais, a Cedae enviou, em 5 de junho de 2020, os
dados a seguir, com as economias ativas domiciliares (em um prédio
com uma única instalação de abastecimento de água e/ou esgoto,

190
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

as economias correspondem ao número de apartamentos; nas


construções horizontais, cada casa representa uma economia, com
uma só ligação) e aquelas contempladas com a Tarifa Social.

Tabela 9: Economias ativas com Tarifa Social


Quant. Economias Quantidade Economias Ativas
Mês/Ano %
Residenciais Ativas com Tarifa Social
Baixa renda 40.518 1,73
Fevereiro/
2.346.158 Conj. Habitacional 158.147 6,74
2020
Total 198.665 8,47
Baixa renda 40.520 1,73
Março/
2.347.696 Conj. Habitacional 159.729 6,80
2020
Total 200.249 8,53
Baixa renda 40.521 1,73
Abril/
2.350.297 Conj. Habitacional 159.729 6,80
2020
Total 200.250 8,53
Fonte: Cedae (2020)

Dados sobre domicílios em favelas (aglomerados subnor-


mais) do IBGE, pelo Censo de 2010, indicam que existiam 426.479
domicílios em aglomerados subnormais, com uma média de 3,26
moradores por domicílio, perfazendo 1.390.321 habitantes. Destes,
411.152 domicílios (96%) têm acesso à água por rede geral. Não
existem informações sobre o número total de economias em favelas.
Entende-se que esses domicílios e usuários estão, em grande
parte, fora da categoria de baixa renda, indicada nos dados supra-
citados fornecidos pela Cedae, já que o número de economias está
muito abaixo do número de domicílios em favelas atendidas por rede
geral, se considerarmos uma ligação por domicílio, correspondendo
a uma economia. Parece irreal que a Cedae só tenha cadastradas
40.000 das economias em favelas, o que representa menos de 10%
do total de domicílios situados nestes locais. Contudo, parece que
as economias de favelas são contabilizadas como economias residen-
ciais, embora não sejam cobradas (tarifa nenhuma, nem a social).
Isto porque o número de economias residenciais é coerente com a
população total do município, incluindo as favelas.
Se a Cedae alega que o consumo das favelas é considerado
consumo autorizado, então essas 40.000 economias de baixa renda

191
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

seriam apenas de moradores que estariam enquadrados nos outros


critérios de Tarifa Social, tais como posse de terreno público, área
de interesse social etc., à exceção dos conjuntos habitacionais.
Caso a totalidade das moradias em favelas fosse incluída formal-
mente na Tarifa Social, teríamos um acréscimo de 17,5% de benefi-
ciários, totalizando 26% dos domicílios do município sendo enqua-
drados no benefício da Tarifa Social ou não arcando com a conta.

Avaliação da Tarifa Social no contexto local,


considerando o CadÚnico
A tabela a seguir busca fazer uma análise preliminar de famílias
no CadÚnico no Rio de Janeiro e famílias vivendo em condições
habitacionais consideradas precárias. Essa análise é preliminar e
precisaria ser aperfeiçoada, pois os dados do Censo do IBGE sobre
domicílios em aglomerados subnormais estão defasados, devendo o
número atual ser superior ao indicado.

Tabela 10: Famílias cadastradas no CadÚnico e residentes


de habitações precárias
Famílias no Domicílios em Economias de Economias em
CadÚnico aten- favelas atendidos baixa renda aten- conjuntos habita-
didas por rede por rede geral didas com Tarifa cionais atendidos
geral Social com Tarifa Social
504.401 411.152 40.521 159.729
Fonte: CadÚnico e IBGE (2010)

Os dados acima revelam que, mesmo de maneira distorcida,


a política de atendimento da população de baixa renda da Cedae,
incluindo a política de fornecimento de água para as favelas que
dispõem de rede, é bastante inclusiva em termos sociais. A compa-
nhia vem apresentando lucro, portanto, a política de atender parte
significativa dos domicílios em favelas, incluindo esses domicílios na
Tarifa Social, não parece comprometer a receita.
Todavia, os serviços na maior parte das favelas não são contínuos.
A intermitência é bastante elevada e não há controle sobre as perdas
físicas (vazamentos). A informalidade/ilegalidade das ocupações faz
com que os moradores não se entendam como detentores de direitos,
dentre eles o de serem atendidos por serviços públicos regulares.

192
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Assim, a rotina do abastecimento acaba ficando a cargo de moradores


designados para este fim, nem sempre treinados pela companhia.
Durante a pandemia de Covid-19, diante das medidas neces-
sárias de isolamento social e de distanciamento mínimo, a Cedae,
cumprindo os decretos do estado do Rio de Janeiro, permitiu o parce-
lamento de débitos diretamente no endereço eletrônico da empresa,
com isenção total de multas; prorrogou o vencimento das contas por
60 dias, dos meses de março a junho de 2020; suspendeu o corte do
abastecimento e da negativação de débitos dos seus clientes; e intensi-
ficou o treinamento dos leituristas para minimizar os riscos do atendi-
mento presencial tanto do funcionário quanto da população. Contudo,
foram identificadas pelo Ministério Público Estadual e a Defensoria
Pública do Rio de Janeiro diversas favelas com problemas de abasteci-
mento. Os dois órgãos, em agravo de instrumento, demandaram que
a Cedae realizasse força-tarefa para abastecer moradores dessas áreas.
Outra medida adotada recentemente (Lei nº 8.984, de 20 de agosto
de 2020) autorizou ampliar de 6 m³ para 12 m³ o volume mensal de
água estimado para unidades residenciais de consumidores nas áreas
identificadas como de interesse social enquanto durar a pandemia
de Covid-19, isto é, durante o estado de calamidade, consoante com
o Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020. Contudo, como o
consumo das favelas não é medido, essa lei só impacta as residências
onde a Tarifa Social está formalizada, que representam 8,5% do total
de residências da cidade.
No que diz respeito ao valor da Tarifa Social, considerando
somente os serviços de água, ele corresponderia a 1,76% do salário
mínimo em 2020. Caso sejam cobrados os dois serviços, água e esgo-
tamento sanitário, o valor seria de 3,58%, acima dos percentuais
apontados por organismos internacionais, como a Organização das
Nações Unidas (ONU), que indica que a tarifa de água não deve
ultrapassar 3% da renda da família. No caso das famílias inscritas no
CadÚnico, 86,54% tem renda até 1 salário mínimo. A Tarifa Social
da Cedae pode ser, portanto, considerada elevada. Caso venha a ser
efetivamente cobrada dos moradores de favelas e dos inscritos no
CadÚnico, fica a questão da capacidade de pagamento da tarifa com
esse valor. Como possibilidade de atender de forma mais inclusiva e
com tarifas justas os moradores mais vulneráveis, no caso do muni-
cípio do Rio de Janeiro, uma possibilidade seria manter os critérios

193
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

espaciais adotados pela Cedae, ampliando para atender também os


inscritos no CadÚnico que não se enquadrem nos critérios espaciais
e, ainda, rever o valor da tarifa, considerando o critério de acessibi-
lidade financeira.
Todavia, a possibilidade de manter o critério espacial adotado
pela Cedae pode ser questionada em função das mudanças na Lei
nº 11.445/2007, introduzidas pela Lei nº 14.026/2020. O artigo
29 da Lei 11.445/2007, que trata da sustentabilidade econô-
mico-financeira e dos subsídios em seu parágrafo 2º previa que
“poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para
os usuários e localidades que não tenham capacidade de paga-
mento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral
dos serviços”. A redação desse parágrafo foi modificada pela Lei
nº 14.026/2020. A nova versão do parágrafo 2º estabelece que
“poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para
os usuários que não tenham capacidade de pagamento suficiente
para cobrir o custo integral dos serviços”. A palavra “localidade”,
que poderia sustentar o critério espacial que beneficia áreas de
baixa renda, foi suprimida.

Referências
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de
Saneamento – SNS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: 24º
Diagnostico dos Serviços de Água e Esgotos – 2018. Brasília: SNS/MDR, 2019.
Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE), 2019.
Disponível em: https://www.cedae.com.br/tarifas. Acesso em: 08/01/2021.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2010. Censo Demográ-
fico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
IBGE Cidades@, 2020. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/
rio-de-janeiro/panorama. Acesso em: 08/01/2021.
IBGE, 2020. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD
Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/popu-
lacao/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.
html?=&t=o-que-e. Acesso em: 08/01/2021.
MARQUES, E. C. “Estado e empreiteiras na comunidade de políticas urbanas
no Rio de Janeiro”. In: Dados Revista de Ciências Sociais, Vol. 42 (2). 1999.
RIO DE JANEIRO. Decreto nº 25.438, de 21 de julho de 1999. Dispõe sobre
fixação de cota mínima de água para imóveis residenciais situados em áreas

194
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

de interesse social e dá outras providências. Disponível em: http://alerjln1.


alerj.rj.gov.br/decest.nsf/ca382ee09e6ab7f803256a11007e6769/dd8cd6cb8f-
d708e003256a4e006c664f?OpenDocument. Acesso em: 08/01/2021.
RIO DE JANEIRO. Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020. Reconhece
a situação de emergência na saúde pública do estado do Rio de Janeiro em
razão do contágio e adota medidas enfrentamento da propagação decorrente
do novo coronavírus (Covid-19); e dá outras providências. Disponível em:
https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTAyMjI%2C.
Acesso em: 08/01/2021.
RIO DE JANEIRO. Lei nº 8.984, de 21 de agosto de 2020. Autoriza o poder
executivo ampliar para 12 m³ (doze metros cúbicos) o volume mensal de água
estimado para unidades residenciais de consumidores nas áreas identificadas
como de interesse social, constantes do Decreto nº 25.438, de 21 de julho de
1999, enquanto durar o estado de calamidade em decorrência do coronavirus
(Covid-19), consoante o Decreto nº 46.973, de 16 de março de 2020, e reco-
nhecido pela Lei nº 8.794, de 17 de abril de 2020. Disponível em: https://pge.
rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTE2MTI%2C. Acesso em:
08/01/2021.
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), 2015.
Painel regional: Rio de Janeiro e bairros / Observatório Sebrae/RJ. Rio de
Janeiro, SEBRAE/RJ, 2015.
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informa-
ções sobre Saneamento: Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2011.
– Brasília: MCIDADES. SNSA, 2013.
XIMENES, L. A. e JAENISCH, S. T. As favelas do Rio de Janeiro e suas
camadas de urbanização. Vinte anos de políticas de intervenção sobre espaços
populares da cidade. Anais do XVIII ENANPUR 2019. Disponível em http://
anpur.org.br/xviiienanpur/anais

195
Capítulo 11

A Tarifa Social nos serviços de água e


esgotos na cidade do Salvador/BA
Abelardo de Oliveira Filho1
Luiz Geovane Andrade Santana2

Introdução
Existe uma relação direta comprovada cientificamente por
diversos estudos entre a saúde e o saneamento básico. Neste momento
de pandemia evidenciada pela crise do novo coronavírus, apesar de
não existir uma evidência científica de que a transmissão ocorra pela
água ou pelo esgoto, sabe-se que, de forma indireta, o saneamento
básico é de grande importância. Está comprovado que lavar bem as
mãos com água e sabão é uma das principais medidas de prevenção
contra a Covid-19. Para tanto, as famílias precisam ter água potável
em suas residências, o que, infelizmente, não é uma realidade tão
evidente para uma parcela dos cidadãos soteropolitanos.
O estudo a seguir é apresentado por uma solicitação do ONDAS
- Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento, que
avalia o atendimento das populações de baixa renda, mais notada-
mente com relação à importância da aplicação da Tarifa Social para
esse estrato da sociedade em oito capitais do país: Salvador/BA;
São Paulo/SP; Rio de Janeiro/RJ; Belo Horizonte/MG; Brasília/
DF; Porto Alegre/RS; Manaus/AM e Campo Grande/MS.
O artigo faz uma abordagem do serviço prestado pela Empresa
Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), no município de Salvador,
com base nos dados comerciais e operacionais obtidos na empresa,
1
Engenheiro Civil, Ex-Secretário Nacional de Saneamento Ambiental do Minis-
tério das Cidades; Ex-Presidente da Embasa. Atualmente é Conselheiro do Con-
selho de Administração da Embasa e Conselheiro do ONDAS. E-mail: abelardo-
[email protected]
2
Bacharel em Ciências Contábeis, Diretor do Sindicato dos Trabalhadores em
Água, Esgoto e Meio Ambiente no Estado da Bahia (Sindae-BA) e Secretário de
Saneamento da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste (Frune). E-mail:
[email protected]

196
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

em triangulação com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística (IBGE) e do CECAD, a ferramenta para consulta, seleção
e extração de dados do Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (CadÚnico), em 2020. Buscou-se trazer um retrato
– o mais próximo da realidade – no que diz respeito às famílias cadas-
tradas no CadÚnico, estratificadas por renda, e a sua relação com o
enquadramento tarifário na classe Residencial Social da Embasa.
O CadÚnico, de acordo com a Caixa Econômica Federal, é um
conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação
de pobreza e extrema pobreza. Essas informações são utilizadas
pelo Governo Federal, pelos estados e pelos municípios para imple-
mentação de políticas públicas capazes de promover a melhoria da
vida dessas famílias. Para tanto, devem estar inscritas as famílias de
baixa renda que ganham até meio salário mínimo por pessoa ou que
ganham até três salários mínimos de renda mensal total.
Entende-se que o artigo aqui apresentado é de grande rele-
vância, não só para enfrentarmos a crise do coronavírus, mas para,
efetivamente, darmos cada vez mais uma melhor condição de vida
e saúde para a sociedade brasileira, em especial as mais carentes e
vulneráveis, expostas a grande desigualdade social.

Caracterização da cidade do Salvador


A cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, possui popu-
lação estimada de 2.872.347 habitantes (IBGE/2020), sendo a quarta
capital mais populosa do país, e sede da Região Metropolitana de
Salvador (RMS), constituída, ainda, de outros 12 municípios.
Em 2018, o salário médio mensal de Salvador era de 3,5
salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à
população total era de 29,7%. Na comparação com os 417 municí-
pios do Estado, Salvador ocupa a 5ª posição e a RMS, a 3ª posição.
Quando se compara com 5.570 municípios do País, Salvador e RMS
ficam, respectivamente, na 70ª e 505ª posição, o que representa
índices altos de desemprego. Considerando domicílios com rendi-
mentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, Salvador
possui 36,8% da população nessas condições, o que o coloca na
414ª posição dentre os 417 municípios do Estado e na 3211ª posição
dentre os 5570 municípios brasileiros (IBGE/2020).

197
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de


Domicílios Contínua (PNAD Contínua), as características gerais
dos domicílios e dos moradores, analisados pela Superintendência
de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), em 2017, indica
que entre os 5,1 milhões de domicílios do estado da Bahia, 94,4%
(4,8 milhões de domicílios) possuíam água canalizada. Em 84,9%, a
principal fonte de abastecimento de água era a rede geral de distri-
buição. Em 5,3% dos domicílios, era poço profundo ou artesiano;
em 2%, poço raso, freático ou cacimba; em 2,2%, fonte ou nascente;
e em 5,6% havia outra forma de abastecimento.
Entre os domicílios abastecidos pela rede geral, a PNAD
Contínua informa que 66,4% dispunham da rede diariamente;
12,6%, com frequência de 4 a 6 vezes por semana e 14,9%, de 1
a 3 vezes. O mesmo documento mostra que, com relação ao ano
de 2016, houve ampliação (11,9%) de 71 mil domicílios com distri-
buição de água da rede geral de 4 a 6 vezes na semana, enquanto
que em domicílios com distribuição de água da rede geral de 1 a 3
vezes na semana houve redução (5,3%) de 31 mil domicílios. Nota-se
que apesar da redução ocorrida na distribuição de água na frequ-
ência de 1 a 3 vezes por semana, houve aumento na distribuição de
água na frequência de 4 a 6 vezes na semana, o que pode indicar a
possibilidade de uma maior intermitência com o passar dos anos.
A pesquisa mostra que 95,4% dos domicílios do estado
possuíam banheiro de uso exclusivo e que em 55,8% (56,3% em
2016) deles, o escoamento do esgoto era feito pela rede geral ou
fossa ligada à rede. Em 38,1% (1,9 milhões de domicílios), o esgota-
mento sanitário era feito por meio de fossa não ligada à rede e em
4% (206 mil domicílios) havia outra forma de esgotamento sanitário
(diretamente para o rio, por exemplo). De acordo com IBGE, em
2020, a cidade de Salvador apresentou 92,8% de domicílios com
esgotamento sanitário adequado, o que, considerando a média das
capitais brasileiras, é um número relativamente alto.
No que diz respeito à saúde, a taxa de mortalidade infantil
média na cidade de Salvador é de 14,56 para 1.000 nascidos vivos. As
internações devido a diarreias são de 0,2 para cada 1.000 habitantes.
Comparado com todos os 417 municípios do Estado, Salvador está,
na 221ª posição, enquanto a RMS, se encontra na 353ª posição.
Quando comparado às demais cidades do Brasil, Salvador e RMS,

198
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

ocupam, respectivamente, a 2011ª e a 4284ª posições entre os 5570


do País. (IBGE/2020).
Os dados de 2020 apurados junto ao sistema CECAD dão conta
de um número de mais de 326.000 famílias inscritas no CadÚnico
em Salvador e são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1: Famílias inscritas no CadÚnico em Salvador


Fevereiro/ Abril / Junho/
Situação
2020 2020 2020
1. Famílias inscritas no CadÚnico 320.995 326.406 326.484

2. Famílias c/ cadastro atualizado 250.449 247.979 239.664

3. % de famílias c/ cadastro atualizado 78% 76% 73%


Fonte: CECAD (2020)

Observa-se da Tabela 1 que o número de famílias inscritas no


CadÚnico em Salvador cresceu 1,71% entre fevereiro e junho de
2020, período no qual ocorreu o início da transmissão comunitária
da Covid-19 e a promulgação dos decretos com medidas associadas
à pandemia, dentre as quais o distanciamento social, que trouxe
impactos sobre o trabalho e a renda das famílias.
Apesar do crescimento na inscrição, observa-se que houve um
decréscimo no percentual de famílias com o cadastro atualizado.
Ressalva-se que o cadastro das famílias no CadÚnico precisa ser
atualizado a cada 24 meses. Sendo essas famílias de baixa renda
e, consequentemente, com menores condições, tais como acesso à
internet e aos meios de transporte para deslocamento, com o estabe-
lecimento do isolamento social pela Covid-19, a realização da atuali-
zação cadastral pode ter sido impactada.
O crescimento verificado no número de famílias inscritas no
CadÚnico corrobora os dados publicados na PNAD Contínua refe-
rentes ao primeiro trimestre de 2020 para todo o Brasil, evidenciando
a tendência de aumento da população em situação de vulnerabilidade.
Analisando-se os dados apurados no CECAD em 2020, apre-
sentados na Tabela 2, constata-se que pelo menos 92% das famílias
inscritas em junho tinham renda mensal total de até um salário
mínimo e pelo menos 88% do total das famílias tinham como forma
de abastecimento de água a rede pública de distribuição.

199
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 2: Forma de Abastecimento de água e renda das famílias


inscritas no CadÚnico em Salvador
Forma de Faixa da Renda Total da Família
Abastecimento
de Água Até 1 1SM – 2SM –
> 3SM TOTAL
SM 2SM 3SM

Rede Geral de 264.523 21.136 3.147 1.153 289.959


Distribuição
Poço ou nascente 602 32 8 2 644
Cisterna 200 5 1 0 206
Outra forma 29.304 987 75 15 30.381

Sem resposta 5.213 147 7 4 5.371


Total 299.842 22.307 3.238 1.174 326.561
Fonte: CECAD (2020)

Caracterização dos serviços de abastecimento de água e


esgotamento sanitário
A cidade de Salvador tem os serviços de abastecimento de água
e de esgotamento sanitário prestados pela Embasa desde 1971. A
prestação dos serviços é regulada pela Agência Reguladora dos
Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário no
Estado da Bahia (Agersa).
A administração da Embasa segue o princípio da descentra-
lização geográfica e acontece por meio de 19 Unidades Regionais
(URs), sendo: 6 na RMS, destas 4 em Salvador e 13 no interior, além
de vários escritórios locais nos municípios do interior.
A Embasa é uma empresa pública de economia mista. O estado
da Bahia é o sócio controlador, com 99,7% das ações ordinárias que
compõem o capital social da empresa. Em 2019, o lucro líquido foi
de R$ 185,9 milhões.
Em dezembro de 2019, a Embasa atendia 367 municípios com
abastecimento de água e 106 municípios com esgotamento sanitário,
o que perfaz um atendimento de 10.308.319 e 4.676.916 milhões de
pessoas, respectivamente (SNIS/2019). Hoje a Embasa está presente
em 368 municípios.
Os dados operacionais disponibilizados pela Embasa em 2020,
na Tabela 3, mostram uma expressiva atuação no estado da Bahia.

200
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Tabela 3: Dados e indicadores operacionais e da Embasa na Bahia –


junho de 2020

Parâmetro Valor Parâmetro Valor


Nº de Ligações Existentes – 3.733.955 Nº de empregados: 4.917
Água: Empregados/1.000 1,31
Nº de Ligações Existentes – 1.097.613 ligações
Esgoto: % das Economias de Água: 92,6%
– Residencial: 6,8%
Nº de Economias Existentes 4.452.433 Comercial e serviços: 0,001%
– Água: – Industrial: 0,6%
Nº de Economias Existentes 1.581.482 Poderes públicos: 100,0%
– Esgoto: TOTAL:
Extensão (km) de Rede – 33.222
Água:
Extensão (km) de Rede – 11.170
Esgoto:
Vol. Prod. Tratado (10³m³) 617.792
– Água:
Vol. Esgoto Tratado (10³m³): 214.086
Fonte: Embasa (2020)

O abastecimento de água em Salvador é realizado por meio de


um sistema integrado, que atende a outros dois municípios da RMS,
Simões Filho e Lauro de Freitas. A produção de água para consumo
humano conta com dois grandes sistemas:
• Sistema Joanes/Ipitanga, com quatro reservatórios (Joanes I,
Joanes II, Ipitanga I e Ipitanga II) vinculados à bacia dos
rios Joanes e Ipitanga, sendo Rio Joanes (3,3 m³/s), e Rio
Ipitanga (0,7 m³/s) e,
• Sistema Pedra do Cavalo, com um grande reservatório cuja
produção (6,6 m³/s) se dá a partir da barragem de Pedra do
Cavalo, localizada na Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu,
no município de Cachoeira/Ba.
Além desses dois grandes sistemas, destaca-se também a
Barragem de Santa Helena, localizada na Bacia Hidrográfica do
Rio Jacuípe, onde está instalado um sistema de reversão para a
Barragem do Joanes II. (Joanes II/Santa Helena). Atualmente, o
sistema da Barragem do Cobre encontra-se desativado por motivos
operacionais.

201
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

No que se refere ao Tratamento de Água, a cidade de Salvador


apresenta quatro estações de tratamento (ETA): Bolandeira (ETA
Vieira de Mello e ETA Teodoro Sampaio), ETA Principal e ETA
Suburbana. A ETA Principal é uma das maiores estações de
tratamento do Brasil, com capacidade de, aproximadamente,
11m3/s, tratando as águas da Barragem de Pedra do Cavalo e do
Sistema Joanes II/Santa Helena. As Estações da Bolandeira (Vieira
de Mello e Teodoro Sampaio), com capacidade de tratamento de
3 m³/s, recebem e tratam as águas dos Sistemas Joanes/Ipitanga.
A ETA Suburbana tem capacidade bem menor que as anteriores,
tratando água do Sistema Ipitanga para o Centro Industrial de
Aratu e alguns bairros periféricos de Salvador. A ETA do Cobre
encontra-se desativada.
A Figura 1 apresenta um croqui esquemático com o Sistema de
Produção e Adução de Água da cidade de Salvador.

Figura 1: Sistema de produção de água de Salvador

Fonte: Embasa (2010)

202
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A Figura 2 apresenta um detalhamento das principais linhas


adutoras que atendem à cidade de Salvador a partir de seus
mananciais.

Figura 2: Sistema adutor de água de Salvador

Fonte: Embasa (2018)

O Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) de Salvador é quase


que em sua totalidade do tipo dinâmico com separação absoluta
e abrange quase todas as bacias de drenagem dos rios urbanos. O
SES de Salvador é composto por 28 bacias – algumas delas têm
sistema de captação em tempo seco, que estão totalmente interli-
gadas ao sistema de esgotamento sanitário. Outras três últimas
bacias (Cambunas, Trobogy e Águas Claras) estão com as obras de
implantação em andamento, de forma bastante lenta, tendo em vista
as dificuldades de execução nessas áreas onde vive parte conside-
rável de populações vulneráveis e mais carentes de Salvador. Na sua
grande maioria, são áreas subnormais e que necessitam de requalifi-
cação urbanística e melhoria das moradias existentes. Quando essas
obras forem concluídas, Salvador contará com a possibilidade de
cobertura de 100% de esgotamento sanitário.
Todo o esgoto coletado nas bacias de drenagem e estações
elevatórias é encaminhado para duas Estações de Condiciona-
mento Prévio (ECP), nos Sistemas de Disposição Oceânica (SDO)

203
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

do Rio Vermelho e Jaguaribe, com lançamento posterior no


Oceano Atlântico. A cidade de Salvador conta atualmente com
a cobertura de 82% de coleta de esgoto, sendo que todo esgoto
coletado é tratado.
A Figura 3 representa o macrossistema de esgotamento sani-
tário. Em traçado vermelho são representadas as bacias direcio-
nadas ao SDO Rio Vermelho e, em azul, ao SDO Jaguaribe.

Figura 3: Macrossistema de esgotamento sanitário de Salvador

Fonte: Embasa (2018)

Tarifação da Embasa em salvador


Categorias de consumo e critérios de enquadramento à Tarifa Social
Os consumidores da Embasa são classificados segundo a
natureza da atividade da unidade usuária, sendo agrupados nas
seguintes categorias:
• Residencial: unidade usuária utilizada com fins de moradia
e uso doméstico da água;
• Comercial: unidade usuária dedicada à comercialização de
produtos, à prestação de serviços ou desenvolvimento de
atividades não contempladas nas outras categorias;

204
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

• Industrial: unidade usuária destinada ao exercício de ativi-


dade industrial, segundo definição do IBGE;
• Pública: unidade usuária com exercício de atividade de órgão
ou entidade da administração pública direta ou indireta,
incluindo também, desde que legalmente identificadas sem
fins lucrativos: hospitais, orfanatos, creches e albergues.
Os usuários da categoria Residencial também podem ser clas-
sificados como Residencial Social, recebendo o benefício da Tarifa
Social com desconto sobre os valores tarifários. A categoria Resi-
dencial Social destina-se a abrigar aqueles usuários de baixa capaci-
dade de pagamento (baixa renda), segundo o Manual Comercial da
Embasa de 2020, sendo responsabilidade da Embasa a atualização
do cadastro de beneficiários da tarifa.
De acordo com o referido manual, tem-se os seguintes critérios
para enquadramento:
• Residencial social: imóveis residenciais com características
físicas similares ou inferiores a da subcategoria intermedi-
ária, comprovadas mediante vistoria, sob a responsabilidade
de usuários (residentes) portadores de Número de Inscrição
Social (NIS), beneficiários do Programa Bolsa Família do
Governo Federal;
• O usuário beneficiário do Bolsa Família será, obrigatoriamente,
o titular da matrícula, após o cadastramento na Tarifa Social;
• O enquadramento do imóvel na Tarifa Social deverá ser atua-
lizado anualmente ou em qualquer época, nas seguintes situ-
ações: i) exclusão do usuário do Programa Bolsa Família; e
ii) sempre que houver mudança nas características do imóvel,
tornando o padrão construtivo superior às características
exigidas às da subcategoria intermediária;
• No caso de alteração de titularidade, os requisitos do novo
usuário deverão ser verificados, inclusive com consulta aos
dados cadastrais constantes no CadÚnico;
• Usuário titular de mais de um imóvel não poderá ser enqua-
drado na Tarifa Social;
• Ligações com mais de uma economia residencial em que
todos os responsáveis das unidades usuárias atendam aos

205
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

critérios acima serão enquadrados na Tarifa Social mediante


solicitação do usuário;
• Nos casos em que não haja totalidade de unidades usuárias
residenciais que atendam aos critérios acima, será permitida
a classificação na Tarifa Social apenas para aquelas unidades
possuidoras dos requisitos, todavia, sem o benefício de
redução do saldo devedor, previsto no Programa Estadual
da Tarifa Social.
De acordo com a Resolução Agersa no 004/2019, tem-se a
seguinte definição para a categoria Residencial Social:
“Residencial Social: para usuário beneficiário do Programa Bolsa
Família que não seja titular de outra unidade usuária da Embasa, cujo
imóvel residencial possua características físicas similares ou inferiores às
descritas para a categoria residencial intermediária ou usuário benefici-
ário do Programa Minha Casa Minha Vida, na modalidade MCMV Faixa
01, titular do imóvel e nele residente”.

Tabela Tarifária
Assim como na maioria das empresas prestadoras de serviços de
abastecimento de água e de esgotamento sanitário no país, a cobrança
pelos serviços da Embasa se baseia em blocos progressivos de consumo,
com valores diferenciados por categoria: residencial, comercial, indus-
trial e público. A Agersa é o órgão responsável pela definição dos
valores tarifários da Embasa, sendo que esta mantém acessível em seu
sítio na web a tabela com os valores tarifários correntes.
Nas tarifas da Embasa, há a cobrança de um valor fixo para o
consumo de até 6 m³ (tarifa mínima), que é cobrado independen-
temente do consumo. O consumo efetivo de água é tarifado com
valores variados, dependendo da faixa do volume consumido. Para
consumos maiores de 6 m³, os valores são cobrados progressiva-
mente em função das faixas de consumo (7 – 10 m³; 11 – 15 m³ e
assim sucessivamente, conforme definido na Tabela da Figura 4).
Para as ligações não medidas, o valor cobrado é a tarifa mínima.
Para a cobrança dos serviços de esgotamento sanitário, é utilizado o
percentual de 80% do volume de água consumido.
A Figura 4 apresenta a tabela de valores tarifários em vigor
na Embasa, a partir de junho de 2019, com validade para todos os

206
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

municípios operados no Estado da Bahia. Este ano, a Agersa, por


meio da Resolução nº 001/2020, de 14 de abril de 2020, suspendeu
o reajuste tarifário da Embasa que seria concedido no mês de junho
de 2020, em função da pandemia do coronavírus.

Figura 4: Tabela Tarifária da Embasa (Junho/2020)

Fonte: Agersa (2020)

207
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Avaliação da Tarifa Social da Embasa em Salvador


A Tarifa Social no conjunto dos usuários da Embasa em Salvador
Conforme dados informados pelo Sistema Comercial da
Embasa em 2020, as economias existentes classificadas nas catego-
rias Residencial (incluindo Residencial Normal e Residencial Inter-
mediária) e Residencial Social (esta beneficiada pela Tarifa Social)
são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4: Quantitativo das economias residenciais da Embasa


em Salvador
Economias
Período Categoria
Água Esgoto
janeiro/2020 Residencial Social 22.365 20.120
  Residencial 1.032.492 903.525
  Total 1.054.857 923.645
fevereiro/2020 Residencial Social 22.422 20.168
  Residencial 1.033.412 904.732
  Total 1.055.834 924.900
março/2020 Residencial Social 22.478 20.218
  Residencial 1.033.783 905.484
  Total 1.056.261 925.702
abril/2020 Residencial Social 22.516 20.256
  Residencial 1.034.190 906.198
  Total 1.056.706 926.454
maio/2020 Residencial Social 22.555 20.296
  Residencial 1.034.239 906.276
  Total 1.056.794 926.572
junho/2020 Residencial Social 22.659 20.393
  Residencial 1.034.249 906.556
  Total 1.056.908 926.949
Fonte: Embasa (2020)

208
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Observa-se que as economias beneficiadas com a Tarifa Social


representam cerca de 2,1% do total de economias residenciais exis-
tentes na Embasa. Considerando uma taxa de 10% de economias
inativas para Salvador e que todas as economias enquadradas como
Tarifa Social continuam ativas, esse percentual cresce para 2,4%.
O número absoluto das economias existentes vem, efetivamente,
aumentando ao longo dos meses (2.051 economias no período). A
despeito dos efeitos da pandemia da Covid-19, o número absoluto
das economias de água beneficiadas com a Tarifa Social perma-
neceu estável (aumento de apenas 194 novas ligações no período
analisado), apesar do aumento de 1,71% no número de famílias
inscritas no CadÚnico no mesmo período, conforme apresentado
na Tabela 1.
Acredita-se que o crescimento do número de economias,
mesmo de forma pouco significante, deveu-se muito em função
da isenção das contas com a Tarifa Social promovida pelo estado
da Bahia nesse período. Conforme o Projeto de Lei nº 23.812,
de 6 de abril de 2020, todas as famílias inscritas na Tarifa Social
com consumo menor de 25 m3 não pagaram a conta de água no
período de abril a junho de 2020. Essa medida foi eficaz para
socorrer a parcela da população mais carente de Salvador e do
restante do estado, sendo esta a que mais sofre os efeitos econô-
micos provocados pela pandemia. Ademais, a Embasa também
suspendeu, desde março de 2020, os cortes de fornecimento
de água por falta de pagamento para os usuários inscritos na
Tarifa Social.
Sabe-se, de acordo com a Tabela 1, que a parcela da socie-
dade soteropolitana que é atendida pelo CadÚnico é bem maior
que a quantidade de famílias em Tarifa Social apresentada pela
Embasa para Salvador. Assim, é recomendável que a Agersa avalie
essas condições e, caso confirmadas, verifique junto à Embasa
a classificação de categoria de consumo dos seus usuários,
podendo, inclusive, desenvolver campanhas em mídias de
comunicação.

209
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Número de beneficiados pela Tarifa Social da Embasa e


as famílias inscritas no CadÚnico em Salvador
De acordo com os dados apresentados na Tabela 2, em junho
de 2020, eram 264.523 famílias em Salvador inscritas no CadÚnico
que utilizavam a rede geral de distribuição, isto é, o sistema público
de abastecimento operado pela Embasa.
Considerando-se o mesmo mês de junho de 2020, o número de
famílias beneficiadas pela Tarifa Social corresponde a apenas 6,9%
das famílias elegíveis que estão dentro do CadÚnico. Considerando-
se apenas as famílias com cadastro atualizado até junho de 2020,
esse percentual cresce para 9,5%. É evidente que, para uma análise
mais criteriosa, é necessário verificar todos os critérios de enquadra-
mento na Tarifa Social.
Analisando-se apenas a faixa salarial de até 1 salário-mínimo
(1SM), observa-se que 264.523 famílias são atendidas por rede de
distribuição de água. Avaliando-se que a cidade de Salvador tem
cobertura de 99% no abastecimento de água e que todo o sistema é
operado pela Embasa, apenas 22.659 economias são atendidas pela
Tarifa Social. Assim, verifica-se que boa parte da população soteropo-
litana enquadrada nessa faixa de renda (1SM) seria potencial usuária
do benefício. É importante observar que parte dessa população não
atendida pela Tarifa Social pode estar incluída dentro de situações de
ligações clandestinas e até mesmo de fraudes comerciais.
É fundamental levar em consideração que, na atual condição
da pandemia da Covid-19, quando as dificuldades financeiras se
ampliam, em especial junto às camadas menos favorecidas da popu-
lação, embora houvesse um apoio do Governo do estado, a discre-
pância entre a população atendida por CadÚnico e a com direito à
Tarifa Social da Embasa na cidade de Salvador é muito grande.
De acordo com a Figura 5, pode-se observar que a cidade de
Salvador apresenta uma grande inadimplência no que se refere
ao pagamento das tarifas de água e esgoto. Destacam-se na figura
os pontos em vermelho, que representam, em sua maior parte, as
áreas dos subúrbios rodoviário e ferroviário, onde se concentram
as maiores faixas de população mais fragilizada e que é suscetível a
obter os benefícios sociais.

210
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Figura 5: Disposição da inadimplência na cidade de Salvador –


Junho/2020

Fonte: Embasa (2020)

A possibilidade do enquadramento dessa população do


CadÚnico na Tarifa Social, com toda certeza, deve levar à redução
do percentual de inadimplência na cidade de Salvador e, conse-
quentemente, na queda do percentual de fraudes comerciais. Dessa
forma, sugere-se que a Agersa e a Embasa apurem os motivos que
levam a essa defasagem, assim como a situação das famílias aten-
didas, buscando esclarecer a causa do baixo enquadramento das
famílias à categoria Residencial Social, que deixam de usufruir do
direito à Tarifa Social.

Valores de conta da Tarifa Social da Embasa em


Salvador
Neste item, pretendemos comparar o valor da conta dos usuários
com Tarifa Residencial Normal e Intermediária da Embasa com a
Tarifa Social. A Tabela 5 abaixo faz uma estimativa dos valores de
consumo mínimo de conta da Embasa (de até 6 m3) para as diversas
tarifas, considerando a Tabela Tarifária da Embasa apresentada na
Figura 4.

211
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 5: Estimativa de valor de conta da Embasa

Valor da conta mínima (água + esgoto) (R$)


Valores Normal Intermediária Social
Água 29,90 26,40 13,40
Esgoto 23,92 21,12 10,72
Total 53,82 47,52 24,12
Fonte: Embasa (2020)

Os valores apresentados na Tabela 5 demonstram que a Tarifa


Social representa uma redução na conta do usuário de 55,2% e
49,2%, considerando a Tarifa Normal e a Tarifa Intermediária,
respectivamente.
Considerando que cada família consuma apenas 6 m3 e uma
média estimada de 4 pessoas por família, teríamos um consumo per
capita de, aproximadamente, 50 L/hab.dia. Este valor é a metade do
mínimo recomendável pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
que é de 100 L/hab.dia. Para obter um consumo per capita de 100
L/hab.dia, tem-se que considerar um consumo de 12 m3/mês para
uma família de 4 pessoas. Isso significa que o valor da conta mínima
passaria a custar R$ 51,37.
O salário mínimo para 2020 está no valor de R$ 1.045,00. Caso a
tarifa fosse considerada Residencial Normal, o custo de uma conta
para o consumo de 12 m3 (considerando a família de 4 pessoas e o
consumo de 100 L/hab.dia) seria de R$ 92,23. Isso representaria
8,8% da renda bruta da família que sobrevive com apenas 1 SM.
Se analisarmos a Tarifa Intermediária, essa conta seria de R$ 79,63
representando 7,6% da renda bruta. Considerando a Tarifa Social
para esse mesmo consumo, tem-se um comprometimento da renda
bruta de 4,92%. Ressalta-se que 92% das famílias soteropolitanas
que estão no CadÚnico representam a faixa de renda de até 1 SM.

Conclusões
O número de famílias beneficiadas pela Tarifa Social da Embasa
corresponde a apenas 6,9% das famílias elegíveis que estão dentro
do CadÚnico. Considerando-se apenas as famílias com cadastro

212
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

atualizado até junho de 2020, esse percentual cresce para 9,5%.


Observa-se que existe um número bastante inexpressivo dentre as
famílias cadastradas no sistema da Embasa que estão enquadradas
na tarifa de consumo Residencial Social para a cidade de Salvador.
Sabe-se que existem vários fatores que tem que ser considerados,
como as economias inativas que podem estar dentro desse contin-
gente de famílias no CadÚnico e que, efetivamente, não pagam sua
conta de água e esgoto. A Tarifa Social pode ser uma oportunidade
da Embasa reduzir o percentual de economias inativas e de inadim-
plência. É necessário que a Embasa, juntamente com o órgão regu-
lador (Agersa), reveja o enquadramento das famílias, pois, muito
possivelmente, uma parte delas encontra-se na Tarifa Intermediária/
Normal, e, com as novas condições impostas pela pandemia, seja
necessário rever as regras de enquadramento hoje em vigor.
Também é fundamental que sejam revistas pela Embasa e
Agersa as condições de enquadramento da Tarifa Social em todo
o estado da Bahia para o enquadramento das famílias elegíveis.
Apesar de analisarmos apenas a capital do estado, entendemos
que é muito provável que a situação se repita em outros municí-
pios, com um agravante. Sabemos que as condições de emprego
e renda nas cidades do interior ainda são piores do que na capital
e Região Metropolitana de Salvador, o que impacta ainda mais na
sociedade, que necessita desse bem indispensável para a vida, que
é a água potável.
Foi demonstrado que 88% das famílias soteropolitanas utilizam
a rede de distribuição de água da Embasa e, portanto, só tem essa
forma de abastecimento. Com o advento da pandemia, sabe-se que
o índice de desemprego aumentou, o que, seguramente, impac-
tará no pagamento das faturas de água e esgoto e no aumento das
economias inativas, e que, certamente, possibilitará um aumento do
número de fraudes nas ligações.
Sabemos que o acesso à água potável e ao saneamento básico
é um direito humano essencial declarado pela Assembleia Geral da
ONU em 2010. É necessário que, nesse momento tão difícil para
o mundo, todas as organizações, empresas e instituições, sejam
elas públicas ou privadas, se unam em prol daquelas famílias mais
carentes e vulneráveis, que precisam de todo o apoio para uma vida
digna, e sem se privar de um bem fundamental como a água. A

213
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tarifa Social é um instrumento que pode ajudar a cumprir esse


papel, no que se refere à área de saneamento básico, especialmente,
aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Referências
AAGERSA-BA (2019). Resolução 004/2019. Agersa. Dispõe sobre a atuali-
zação das denominações das categorias de usuários e das respectivas defini-
ções Disponível na WEB em agersa.ba.gov.br. /wp-content/uploads/2019/06/
Resolucao_n004de18dejunhode2019_DOE_27jun.pdf
CECAD (2020). Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico.
Disponível na WEB em 24/07/2020 no sítio https://aplicacoes.mds.gov.br/
sagi/cecad20/agregado/index4.php
EMBASA (2020). Apresentação Diretoria de Operações Metropolitana,
junho, 2020.
EMBASA (2020). Controle Operacional de Água e Esgoto - COPAE, julho,
2020.
EMBASA (2020). Sistema Comercial Informatizado, julho, 2020.
EMBASA (2020). Tarifas por categorias de usuários. Disponível na WEB em
http://old.embasa.ba.gov.br/centralservicos/index.php/tarifas?informa
coes=sim
IBGE (2020). Cidades@. Disponível na WEB em 24/07/2020 no sítio https://
cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador /panorama
IBGE (2020). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD
Contínua. Disponível na WEB em 24/07/2020 no sítio https://www.ibge.gov.
br/estatisticas/sociais/populacao/9171-pesquisa-nacional-por amostra-de-
-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e
IBGE (2020). Censo 2010. Disponível na WEB em 24/07/2020 no sítio
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador/panorama

214
Capítulo 12

O desafio da implementação
da tarifa social no Brasil- análise
dos resultados dos estudos nas oito
capitais estudadas
Marcos Helano F. Montenegro1
Ricardo de Sousa Moretti2

O ONDAS defende a realização dos direitos humanos à


água e ao saneamento por meio da gestão pública e
democrática. Para a parcela da população que tem acesso à rede
de abastecimento de água e esgotamento sanitário, a efetivação
dos direitos exige o atendimento, entre outros, a critérios de
acessibilidade econômica. Para tanto, faz-se necessário identi-
ficar a parcela da população que necessita a Tarifa Social através
de critérios simples que facilitem o enquadramento dos domicí-
lios e, portanto, o acesso efetivo ao benefício. Tem-se apontado
a necessidade de contemplar de forma automática as famílias
que estão cadastradas no Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e também aquelas que
estão no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e que não
estejam cadastradas no CadÚnico. Importante destacar que
não se pode simplesmente somar os números de famílias que
estão nos dois programas, pois parte delas está incluída nos
dois cadastros.
Por outro lado, o valor máximo da tarifa deve contemplar as
especificidades regionais e um parâmetro de referência utilizado
é o limite de 3% da renda familiar como dispêndio máximo com
1
Engenheiro Civil e Mestre em Engenharia Urbana, Coordenador-geral do ON-
DAS, regulador de serviço público. E-mail: [email protected]
2
Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Engenharia Urbana, professor titular
aposentado da Universidade Federal do ABC, professor colaborador do Progra-
ma de Planejamento e Gestão do Território da UFABC. E-mail: ufabc.moretti@
gmail.com

215
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

os serviços. A motivação deste trabalho é o alcance limitado da


Tarifa Social hoje praticada e, em muitos casos, a complexidade do
processo de enquadramento no benefício, o que, ao final, resulta em
uma pequena parcela da população vulnerável com acesso efetivo à
tarifa reduzida. Por isso, o estudo realizado nas oito capitais buscou
justamente averiguar como é implementada a Tarifa Social e qual o
alcance efetivo deste benefício.
A preocupação com o baixo alcance efetivo das Tarifas Sociais
havia sido anteriormente apontado pela Associação Brasileira
de Agências de Regulação (ABAR), que, em dezembro de 2018,
divulgou estudo intitulado “Tarifa Social nas Companhias Esta-
duais de Saneamento Básico e o Papel da Regulação” (Disponível
em http://abar.org.br/biblioteca/. Consultado 17 de fevereiro
de 2021). No Sumário Executivo deste estudo é incluído entre as
conclusões:

“Com base nas estimativas do estudo, havia no Brasil, em


2017, 2.913.337 famílias (ou 9.614.012 pessoas) beneficiadas
com TARIFA SOCIAL. Considerando a definição de baixa
renda como aqueles cadastrados no CadÚnico do Governo
Federal e com renda per capita familiar até 0,5 salário mínimo,
estima-se que a quantidade de famílias baixa renda com
acesso a saneamento não beneficiadas com TARIFA SOCIAL
era de 13.145.718 (ou 38.527.351 pessoas), o que representa
que 82% das famílias baixa renda não eram beneficiadas (ou
80% das pessoas).”

Evidentemente, as demandas de atendimento dos direitos


humanos à água, esgotamento sanitário e higiene não se limitam
à Tarifa Social. O recorte aqui realizado apenas ilumina uma
dimensão do desafio que hoje se apresenta. Em tempos de
pandemia da Covid-19, é fundamental alavancar as políticas
públicas voltadas para garantir o fornecimento mínimo de água
em qualquer situação e atender a população que não se encontra
em sua residência através de iniciativas voltadas para a oferta de
banheiros públicos e locais para higiene, tanto para os que se
encontram fora de sua residência como aqueles que se encon-
tram em situação de rua.

216
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

A análise dos resultados encontrados nas oito cidades


investigadas permite identificar quadros bastante distintos na
cobrança pelos serviços de água e esgoto: há significativas dife-
renças no valor das tarifas, na forma de cobrança, na estrutura
tarifária e no critério para enquadramento das famílias na Tarifa
Social. Em comum, encontra-se, porém, um contingente expres-
sivo de pessoas em situação de reconhecida carência, inscritas
no CadÚnico, que não chegam a receber o benefício da Tarifa
Social. Em função da forma como são armazenados e apresen-
tados os cadastros dos programas sociais, não foi possível no
escopo deste estudo, diferenciar as famílias que estão no BPC e
que não estão cadastradas no CadÚnico e, assim, optou-se por
comparar o número de famílias atendidas pela Tarifa Social com
aquelas que estão no CadÚnico e que são atendidas por rede
pública de água. Mesmo sem incluir os potenciais demandantes
oriundos do BPC, chega-se a resultados impressionantes, de baixo
atendimento da tarifa.
Em coerência com seu papel de Observatório, o estudo
conduzido pelos colaboradores do ONDAS foi feito em cidades
com diferentes modelos de gestão dos serviços de água e esgota-
mento sanitário, conforme registrado na Tabela 1.
Observam-se significativas diferenças entre as tarifas
cobradas, tanto para o serviço residencial, como para a Tarifa
Social, como pode ser visto na Tabela 2, adiante, que mostra os
valores praticados nas sete cidades e no Distrito Federal. Nesse
quadro, os valores mais baixos das tarifas são destacados em
negrito e os mais altos estão sublinhados. Essas diferenças de
tarifas chegam a ser de 220%, no caso das tarifas residenciais,
e de 378%, no caso das Tarifas Sociais.

217
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Tabela 1: Prestadores e entidades reguladoras dos serviços de água e


esgotamento sanitário nos oito municípios analisados
Natureza do pres- Entidade
Cidade Prestador Observações
tador reguladora
Campo Controlada pela
Grande Águas de Concessionária Aegea Sanea-
Agereg
Guariroba privada mento, empresa
privada
Belo Hori- Sociedade de
zonte Copasa economia mista Arsae Capital aberto
estadual
Porto Autarquia muni-
DMAE (*) -
Alegre cipal
Distrito Sociedade de
Federal Caesb economia mista Adasa Capital fechado
distrital
Rio de Sociedade de
Janeiro Cedae (**) economia mista Agenersa Capital aberto
estadual
Salvador Sociedade de
Embasa economia mista Agersa Capital fechado
estadual
São Paulo Sociedade de
Sabesp economia mista Arsesp Capital aberto
estadual
Manaus Controlada pela
Águas de Concessionária Aegea Sanea-
Ageman
Manaus privada mento, empresa
privada
(*) Tarifas fixadas por decreto municipal com aprovação prévia do Conselho Deliberativo
do DMAE.
(**) O esgotamento sanitário é realizado por uma concessionária privada (Zona Oeste
Mais Saneamento) em uma das cinco áreas de planejamento da cidade.
Fonte: Relatos dos respectivos municípios (Capítulos 4 a 11).

Todas as tarifas da Tabela 2 são referentes ao ano de 2020.


Algumas delas são oriundas de acordo tarifário celebrado em 2019,
que se mantiveram em 2020. No Distrito Federal, as tarifas são de
junho de 2020, quando houve significativa redução dos valores das
Tarifas Sociais. No Rio de Janeiro, há tarifa diferenciada para os
serviços em duas diferentes áreas da cidade e a Tarifa Social se aplica
para um volume mensal de até 6 m³ – este volume foi ampliado para

218
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

12 m³, em agosto de 2020, em função da Covid-19. Os percentuais


de atendimento da Tarifa Social são também referentes a 2020.

Tabela 2: Comparação entre as tarifas dos serviços de água e esgota-


mento sanitário praticadas nos oito municípios analisados
Tarifa Tarifa resi- Tarifa Tarifa Percentual Percentual
Percentual
residencial dencial 15 social 10 social 15 da tarifa domicílios com
do total de
10 m³ m³ m³ m³ social com tarifa social
Cidade domicílios
(água e (água e (água e (água e relação à em relação a
com tarifa
esgoto) esgoto) esgoto) esgoto) residencial inscritos no
social
R$ R$ R$ R$ 10/15 m³ CadÚnico (*)
Campo
100,49 156,69 45,80 65,80 46/42 8,9 3,4
Grande
Belo Hori-
85,42 149,87 38,98 73,21 48/49 35,5 6,1
zonte
Porto
Alegre 67,50 101,25 27,00 60,75 40/60 47,3 7,3

Distrito
79,40 129,34 39,60 64,54 50/50 16,1 2,4
Federal
Rio de 104,60 a 104,60 a 39,7 8,5
61,50 - -
Janeiro 119,28 119,28
Salvador
55,22 116,24 30,10 83,29 55/72 7,6 2,1

São Paulo 18,36 34,16 34/35


54,14 96,54 14,00 22,00 26/23 28,8 8,6
(favela) (favela) (favela)
Manaus 76,68 150,99 38,34 57,51 50/38 19,3 -

(*) Percentual calculado com relação ao total de inscritos no CadÚnico, atendidos por rede pública de
abastecimento de água
Fonte: Relatos dos respectivos municípios (capítulos 4 a 11).

Os preços mais altos cobrados pelos serviços de água e esgo-


tamento sanitário para consumo de 10 m³ são encontradas no Rio
de Janeiro e em Campo Grande. Para consumo de 15 m³, as tarifas
mais altas estão em Campo Grande e Salvador. Campo Grande, com
operação do serviço pela iniciativa privada, destaca-se pelas altas
tarifas e baixos percentuais de população beneficiada com a Tarifa
Social. Em Salvador, as grandes diferenças de tarifa nos blocos suces-
sivos de consumos mais altos aumentam significativamente o valor
do serviço quando se eleva o consumo, inclusive para a Tarifa Social.
As Tarifas Sociais mais elevadas são encontradas no Rio de Janeiro
(para 10 m³) e em Salvador (para 15 m³). Necessário destacar que,
na cidade do Rio de Janeiro, encontra-se situação peculiar, pois, além

219
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

das famílias que têm a Tarifa Social, há significativa população resi-


dente em favelas, que recebe um serviço muitas vezes precário, mas
que não paga tarifa. O valor exato de domicílios que não pagam tarifa
não é fornecido pela concessionária, mas estima-se que possa atingir
cerca de 411 mil famílias. As tarifas mais baixas para as quatro catego-
rias e os maiores descontos da Tarifa Social com relação à categoria
residencial são encontradas em São Paulo.
Quando se observam os descontos concedidos para a Tarifa
Social, encontra-se um quadro mais homogêneo, com percen-
tuais mais uniformes, predominando descontos de cerca de 50%
com relação à tarifa residencial. São necessários alguns destaques:
em São Paulo tem-se a Tarifa Social e a tarifa favela, e em ambas
é expressiva a redução, chegando a ser quatro vezes menor que a
tarifa residencial cheia, o que equivale a um desconto de 75%. Em
Salvador, a Tarifa Social representa 55% do valor da tarifa residen-
cial para 10 m³, mas esse desconto se reduz drasticamente para o
consumo de 15 m³.
Há que se destacar a informação contida na coluna da Tabela
2 que apresenta o percentual de domicílios beneficiados pela Tarifa
Social com relação àqueles que estão cadastrados no CadÚnico
e que são atendidos por rede pública de abastecimento de água.
Como apontado anteriormente, os valores são surpreendentemente
reduzidos. Os dois piores resultados são encontrados nas cidades
de Salvador e Campo Grande, onde apenas cerca de 8% daqueles
inscritos no CadÚnico têm acesso ao benefício da Tarifa Social. A
melhor situação é encontrada em Porto Alegre, em que um número
correspondente a 47,3% dos inscritos no CadÚnico recebem o bene-
fício. Importante relembrar que a cidade de Porto Alegre é operada
por autarquia municipal, que no momento vem sofrendo sistemá-
tica estratégia de sucateamento, como parte do esforço para tentar
justificar e forçar a privatização dos serviços que presta.3
São também bastante variados os critérios e procedimentos
utilizados para definir os domicílios que podem receber o bene-
fício da Tarifa Social. Tanto em Belo Horizonte quanto no Distrito
Federal há regulamentação recente das entidades reguladoras, que
estabelece critérios baseados nos cadastros dos programas sociais.
3
https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/materias/marchezan-precariza-
-dmae/

220
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

Em Belo Horizonte, a agência reguladora (ARSAE/MG) definiu


que devem receber o benefício da Tarifa Social os domicílios resi-
denciais em que a família está inscrita no CadÚnico e com renda
per capita mensal inferior a meio salário mínimo. Posteriormente,
em 3 de julho de 2020, foi publicada a Lei Estadual nº 23.671, que
estabelece que a concessão do benefício deve se dar de forma auto-
mática, sem exigência de inscrição formal junto ao prestador do
serviço, devendo o prestador divulgar informações aos consumi-
dores por meio de campanhas publicitárias sobre este tipo de bene-
fício. Essa orientação vai ao encontro do que vem sendo defendido
pelo ONDAS.
No Distrito Federal, a agência reguladora local (Adasa),
seguindo disposição da Lei Distrital nº 6.272/2019, publicou as
resoluções de números 12 e 13, que estabeleceram que é elegível
para o benefício da Tarifa Social a unidade usuária da categoria resi-
dencial cujo titular da relação contratual pertença a uma unidade
familiar pobre ou extremamente pobre beneficiária do Programa
Bolsa Família ou de outro programa social que venha a sucedê-lo.
São consideradas em situação de extrema pobreza as famílias com
renda per capita de até R$ 89,00 por mês e em situação de pobreza
as com renda per capita até R$ 178,00 mensais. Embora haja poten-
cialmente 70 mil domicílios nessas condições e tenham sido feitas
simplificações de procedimentos para recebimento do benefício,
no mês de junho de 2020, havia 24 mil famílias beneficiadas pela
Tarifa Social. Entre as possíveis justificativas para esta defasagem
está a falta de correspondência entre a pessoa inscrita no programa
Bolsa Família e o titular da ligação de água na Caesb, inclusive por
desconhecimento da condição para desfrutar do benefício da Tarifa
Social. Isso mostra como são importantes as iniciativas de comuni-
cação social para assegurar que o programa atinja seus objetivos.
Em São Paulo, o critério atual de enquadramento do bene-
ficiário da Tarifa Social é complexo. Depende de iniciativa do
demandante e envolve fatores tais como renda, área construída
e consumo de energia do domicílio. A Agência Reguladora dos
Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) submeteu à
consulta pública, durante o mês de fevereiro de 2021, uma proposta
de revisão da estrutura tarifária que altera substancialmente esses
critérios. De acordo com a proposta, o enquadramento na Tarifa

221
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Social é automático para as famílias que estejam no CadÚnico e


têm renda de até meio salário mínimo per capita. É proposta a subs-
tituição do nome da tarifa favela para tarifa social vulnerável, com
esta atendendo automaticamente às famílias com renda mensal per
capita de até R$ 178,00, com descontos no valor da tarifa residencial
que chegam a 90%. A estimativa da equipe da Arsesp que elaborou
o estudo, apresentada em reunião em 16 de fevereiro de 2021 para
debater a proposta de estrutura tarifária, é que esses novos critérios
levem ao atendimento de um número cinco vezes maior de famílias
com as Tarifas Sociais. A incorporação dos novos critérios está
prevista para acontecer gradativamente de 2021 a 2024. A mesma
proposta de revisão de estrutura tarifária inclui a criação de uma
tarifa fixa e uma tarifa variável para os serviços de abastecimento
de água, de coleta de esgotos e de tratamento de esgotos. Propõe-
se, assim, diferenciar o valor da tarifa quando o esgoto é tratado ou
não, como é praticado em Minas Gerais.
Para fazer jus à Tarifa Social em Campo Grande, além de
comprovar renda per capita inferior a meio salário mínimo, a família
deve comprovar que não é proprietária de outro imóvel, que o uso é
exclusivo para moradia, que o consumo mensal de energia elétrica é
inferior a 220 kWh e o consumo de água é inferior a 20 m³ por mês.
Até 2017, havia regulamentação que estabelecia que não mais que
3% do total de ligações de água do sistema poderiam estar enqua-
dradas na Tarifa Social.
Em Porto Alegre, o enquadramento na Tarifa Social é feito a
partir da área construída do imóvel, que não pode exceder a 40m².
O benefício é também concedido para habitação coletiva produzida
pela Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab),
pelo Departamento Municipal de Habitação e também, mais recen-
temente, pelo Programa Minha Casa Minha Vida.
No Rio de Janeiro, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos
do Rio de Janeiro (Cedae) define a Tarifa Social pela localização/
condição da moradia e não pela situação socioeconômica do usuário.
Embora as Tarifas Sociais sejam regulamentadas pelo Decreto nº
25.438/1999, que estabelece que seriam beneficiários os imóveis resi-
denciais, situados nas áreas consideradas de interesse social, não está
claro no decreto que áreas seriam essas e quais os critérios para defi-
ni-las. O site da Cedae traz os possíveis beneficiários: moradores de

222
Água como Direito: Tarifa Social como Estratégia para a Acessibilidade Econômica

favelas e imóveis localizados em conjuntos habitacionais construídos


pelo antigo Sistema Financeiro de Habitação para população com
renda familiar até cinco salários mínimos. As informações fornecidas
pelo Cedae ao ONDAS quanto ao número de famílias atendidas pela
Tarifa Social não incluem os domicílios em favelas e indicam um total
de cerca de 200 mil domicílios em conjuntos habitacionais e áreas
de baixa renda. Estima-se que outros 411 mil domicílios situados em
favelas não paguem pelo fornecimento de água, fazendo com que
26% do total de domicílios residenciais tenham Tarifa Social ou não
paguem pela água, ou seja, é um número maior do que o de famílias
inscritas no CadÚnico. Infelizmente, isso não significa que todos os
inscritos no CadÚnico estão conseguindo ter acesso à isenção ou à
Tarifa Social, pois estão sendo beneficiadas famílias que têm renda
muito superior àquela estabelecida nos programas sociais. Assim,
encontra-se no Rio de Janeiro uma situação paradoxal, que beneficia
um número significativo de famílias, porém o benefício não chega
necessariamente aos mais necessitados.
Tanto em Salvador como em Manaus utiliza-se o cadastro do
Bolsa Família como critério para identificação dos que farão jus à
Tarifa Social, embora em ambas as cidades o número de famílias que
hipoteticamente teriam direito ao benefício é muito maior do que
o daqueles que efetivamente conseguem acessar a tarifa reduzida.
Foi constatada tendência para introduzir uma taxa fixa, inde-
pendentemente de consumo, e cobrar separadamente pelo volume
consumido. Isto é feito em Belo Horizonte e no Distrito Federal e
foi proposto no estudo para revisão da estrutura tarifária em São
Paulo. A eliminação da cobrança de um volume mínimo de água,
muitas vezes, em torno de 10 m³, é especialmente benéfica para
aqueles grupos familiares pequenos, que consomem quantidade
expressivamente menor que o volume mínimo, mas que hoje são
obrigados a pagar pelo valor mínimo.
Em praticamente todas as localidades estudadas há limites
quanto ao volume de água que pode ser consumido com pagamento
da Tarifa Social. Como anteriormente citado, o Rio de Janeiro espe-
cificou o limite de 6 m³, embora durante a pandemia tenha flexibili-
zado para 12 m³. Em outros casos, os descontos da Tarifa Social são
significativamente reduzidos quando o consumo ultrapassa 10 m³
ou 15 m³. Vale lembrar que esse critério, que estimula o uso racional

223
ONDAS - Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

da água, pode ser problemático nos casos em que há um número


grande de pessoas no mesmo domicílio ou quando vários domicílios
utilizam a mesma ligação, o que é frequente nos assentamentos em
que reside a população em condição de vulnerabilidade.4
Resumindo, as informações coligidas indicam:
• A necessidade de implementar garantias de que, em qualquer
situação, mesmo de inadimplência, nenhuma família fique
sem água para atender a suas necessidades básicas;
• A adequação ao critério de inclusão automática das famílias
com membros inscritos no CadÚnico e no BPC como bene-
ficiários da Tarifa Social;
• A necessidade de compatibilizar os valores das Tarifas Sociais
com a capacidade de pagamento das famílias em situação de
vulnerabilidade;
• A importância das iniciativas de comunicação social que
permitam que as famílias mais carentes tenham acesso às
informações sobre seus direitos e como realizá-los;
• A necessidade de monitoramento e publicização de indica-
dores que permitam avaliar a efetividade da política pública
para garantir acessibilidade econômica aos serviços públicos
de abastecimento de água e de esgotamento sanitário;
• A relevância das instâncias de participação e controle social
na supervisão e responsabilização do poder público, das enti-
dades reguladoras e dos prestadores dos serviços.
Para finalizar, cumpre lembrar algumas lições que ficaram
claras com a pandemia da Covid-19, em especial a da fragilidade
das barreiras, inclusive as sociais: é necessário olhar e cuidar indis-
tintamente de toda gente. A provisão de condições adequadas de
moradia, de saneamento, de vida em geral, é condição básica para
assegurar a saúde pública. Ou seja, é indispensável que se criem
condições seguras para toda gente, como forma de evitar que todos,
todas e qualquer um esteja em risco.

4
É uma situação comum também em prédios de apartamentos que não têm medi-
ção individualizada.

224
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