Psicologia Jurídica - José Osmir Fiorelli - 2020-444-496

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 53

9

PSICOLOGIA E DIREITO PENAL

As pessoas não devem diferenciar-se em delinquentes e não


delinquentes, senão em menos ou mais resistentes às
tendências delitivas.
(Myra y Lopéz, 2007, p. 278)

9.1 INTRODUÇÃO
Segundo o Prof. Menelick de Carvalho Netto (in audiência pública sobre a
interdição judicial), o Direito tem um objeto. Esse objeto do direito não é a conduta
humana, mas a fixação de um padrão de conduta.
Para se atingir esse objeto, o Direito necessita deparar-se com a oposição ao
desejável, isto é, a situação em que ocorre exatamente o contrário do que se
preconiza. Assim, é extremamente relevante para o Direito que alguém mate alguém,
porque aí ele pode funcionar e mostrar que funciona; entretanto, também é
extremamente relevante para o direito que as pessoas habitualmente não se matem;
que haja uma previsibilidade bastante plausível de que as pessoas possam sair de
suas casas sem uma alta probabilidade de serem assaltadas, mortas, estupradas. O
Direito, contudo, não pode garantir que isso não vá ocorrer; se ele existe, é porque
isso pode ocorrer.
O Direito, portanto, trata da conduta humana, porém, a norma jurídica não basta
para inibir, asseguradamente, os comportamentos indesejáveis.
Na busca desse objetivo, atua em um campo de intersecção com as ciências
humanas e de saúde, cujos objetos também focalizam o comportamento humano,
embora por outra perspectiva.
A busca da compreensão sobre o fenômeno delitivo vem desde a Antiguidade.
Houve momentos em que o delinquente, considerado enquanto tal a partir de uma
visão individualista, foi entendido como um ser anormal (por exemplo, na Grécia
antiga), o que, em geral, o levava à expulsão do clã.
No século III, muitos entendiam que o desvio que levava a pessoa a afastar-se
das normas sociais era intervenção do demônio. Somente com o advento das ideias
renascentistas o Homem começou a ser visto como dono de seu próprio destino e
reconduzido à sua condição humana, por conta da abertura de pensamentos próprios
da época. Nessa fase, há também uma intensa busca em se humanizar as penas e o
tratamento dos condenados. Enfatizam-se as causas sociais e econômicas.
Há, porém, até os dias atuais, uma inquietude que move estudiosos, de diversas
áreas do saber, a buscar uma explicação para o comportamento criminoso.
O filme A experiência (Oliver Hirschbiegel, 2001), inspirado em fato real – o
experimento behaviorista conhecido como “O experimento da prisão de Stanford” em
1971 – retrata a incessante busca por esta explicação. Assim como no filme, a
experiência realizada na “vida real” foi interrompida antes de seu término, dadas as
graves consequências que advêm com a manipulação do ser humano e as variáveis
intrínsecas ao confinamento.
Neste capítulo, a convergência entre psicologia e direito sobressai-se para tentar
conjugar as teorias psicológicas com as determinações legais, resvalando no fato de
que estas últimas são determinadas pela ética social e construídas de acordo com
determinantes históricos, sociais, culturais e econômicos.
Essas considerações iniciais trazem uma visão macroscópica; parte-se da
premissa de que o entendimento sobre o comportamento criminoso abre um grande
espectro teórico, cuja compreensão, com a intenção de inibir a prática delitiva e
fomentar políticas públicas que previnam a ocorrência criminosa, solicita uma ampla
interdisciplinaridade. Ainda mais porque nenhuma ciência atingiu o grau de
previsibilidade efetiva do comportamento humano [como retratado no filme Minority
Report (Steven Spielberg, 2002)].

9.2 NOÇÕES DE CRIMINOLOGIA


A criminologia, enquanto ciência, originou-se na segunda metade do século XIX,
destacando-se uma etapa pré-científica e outra científica, cujo marco principal é a
obra do italiano Cesare Lombroso, Tratado antropológico experimental do homem
delinquente. Apresenta uma visão positivista, criticada já naquela época, de que o
comportamento criminoso tem sua origem no atavismo, que os delinquentes são
espécies não evoluídas.
A moderna criminologia mostra-se bem mais abrangente e, segundo Garcia-
Pablos de Molina (1997, p. 33), é uma ciência

empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do


infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata
de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, a dinâmica
e as variáveis principais do crime – contemplado este como problema
individual e como problema social – assim como sobre os programas de
prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem
delinquente.

Na mesma obra citada, o autor alerta que o crime é um problema da sociedade,


nasce na sociedade e nela deve encontrar fórmulas de solução positiva, exatamente
porque delinquente e vítima são membros ativos da sociedade. O filme Como nascem
os anjos (MURILO SALES, 1996) retrata essa face conflituosa, humana e social da
criminalidade.
Alguns desses elementos foram estudados ao longo deste texto:

➢ a pessoa do infrator;
➢ a vítima;
➢ as instituições de exclusão, que fazem parte do processo de controle social
do comportamento delitivo.

O controle social pode ser formal, representado pelas instituições estatais, desde
a investigação até a execução da pena, ou informal, o controle presente na sociedade,
que muitas vezes clama pela repressão e o endurecimento do controle formal. A
respeito da pena de morte indicam-se dois filmes paradigmáticos: O lavador de
almas (Adrian Shergold, 2006) e A vida de David Gale (Alan Parker, 2003).
O capítulo dedicado ao estudo da violência tratou de uma das facetas
relacionadas com o crime. Muitas outras, contudo, existem e a violência foi destacada
pela dimensão e pelo impacto que ocasiona sobre a sociedade.
Já a criminologia crítica vem estabelecer novos parâmetros de análise, como
paradigmas nas ciências humanas, incluindo pensar na relação dialética existente
entre as relações humanas de produção, historicamente construídas, e a criminalidade,
enquanto fenômeno igualmente construído a partir dessas relações, essencialmente
desiguais.

9.2.1 O fenômeno delitivo


O estudo do fenômeno delitivo tem apresentado diversas classificações ao longo
da história, ora tratando-o como manifestação individual, ora social, ou, ainda,
conjugando-se ambos os fatores. No entanto, a extensa lista de classificações denota a
persecução dos doutrinadores em catalogar tipos delinquentes que não se definem no
cotidiano, vez que indicar delinquência somente a partir do autor do fato representa
deixar de fora todas as vicissitudes sociais.
Apresenta-se a seguir, apenas para fins didáticos, a classificação proposta pelo
Prof. Hilário Veiga de Carvalho, citado por Maranhão (1981), que se refere ao
indivíduo que comete o crime e as influências para que o ato delitivo ocorra. Nesta
classificação, associa-se a origem do comportamento criminoso a dois tipos de
fatores: as forças do meio e as forças intrapsíquicas.
Tem-se, assim:
➢ mesocriminoso: atuação antissocial por força das injunções do meio
exterior, como se o indivíduo fosse mero agente passivo; por exemplo, o
silvícola;
➢ mesocriminoso preponderante: maior preponderância de fatores ambientais;
➢ mesobiocriminoso: determinantes tanto ambientais, quanto biológicos;
➢ biocriminoso preponderante: portador de anomalia biológica insuficiente
para levá-lo ao crime, mas capaz de torná-lo vulnerável a uma situação
exterior, respondendo a ela com facilidade;
➢ biocriminoso puro: atua em virtude de incitações endógenas, como ocorre
em algumas perturbações mentais.

O primeiro e o quinto tipo são considerados pseudocriminosos, por faltar ao


primeiro o animus delinquendi e ao quinto a capacidade de imputação penal. Quanto
aos demais, aplica-se o seguinte quadro:

Tipo Correção Reincidência

Mesocriminoso preponderante Esperada Excepcional

Mesobiocriminoso Possível Ocasional

Biocriminoso preponderante Difícil Potencial

No capítulo dedicado ao estudo do delinquente, observou-se extensa gama de


componentes de origem intrapsíquica, identificáveis na origem do comportamento
delitivo. Também foram apresentados fatores que combinam elementos intrapsíquicos
com os sociais, tais como:

➢ os valores, crenças e conceitos;


➢ a cópia e/ou identificação com modelos (pessoas significativas);
➢ a influência do grupo ou equipe à qual o indivíduo pertence ou com a qual
participa de ações;
➢ o condicionamento capaz de produzir comportamentos estereotipados
inadequados;
➢ emoções extremas, que conduzem a momentos de descontrole em que o
indivíduo comete ações fora do domínio consciente, embora responsável
por elas.

Viu-se, também, que o comportamento delitivo não pode ser analisado


desconsiderando-se dois importantes elementos presentes no campo de forças de
quem o pratica:

➢ a vítima; e
➢ os mecanismos de desestímulo a esse comportamento.

A vítima participa direta ou indiretamente do comportamento delitivo por meio


dos próprios comportamentos, conforme estudado anteriormente. Não basta, em
muitas situações, o desejo ou a expectativa do que pratica o delito, mas, também, é
necessária a participação da vítima para promover a motivação imediata ou para
desencadear o comportamento, seja pelo favorecimento simples, seja por
proporcionar a expectativa favorável de sucesso, seja pelo despertar de uma emoção,
entretanto, há que se cuidar para não culpabilizar a vítima, especialmente como
ocorrem nos delitos contra a dignidade sexual.
Os mecanismos de desestímulo e controle têm influência direta e determinante
sobre as perspectivas de sucesso e sobre as expectativas quanto às consequências do
comportamento. Eles afetam, diretamente, a percepção do potencial delinquente e
combinam-se com todos os elementos anteriores, intra e extrapsíquicos.
Trata-se, pois, de um quadro de extrema sofisticação, ao qual a adoção de
classificações simplificadoras ou modelos elementares de causa-e-efeito
simplesmente não se aplica.
Ademais, conforme ensinou o Prof. Alvino Augusto de Sá, a abordagem que se
faz da motivação criminal é a “pedra de toque” pela qual se diferenciam os mais
diversos posicionamentos científicos e ideológicos sobre crime, criminalidade e
homem criminoso (FIGUEIREDO DIAS; COSTA ANDRADE, 1997; GARCIA-
PABLOS DE MOLINA; GOMES, 1997).
A grande questão aí colocada refere-se à busca de análise e discussão das
“causas” do comportamento criminoso, dos motivos pelos quais as pessoas cometem
crimes, dos fatores associados à conduta criminosa. Pois bem, observa-se a esse
respeito uma evolução do pensamento criminológico, que vai de uma concepção
causalista, passa pela multifatorial e chega, por fim, a uma concepção crítica.
Esta última, em oposição ao positivismo e determinismo biológico, traduz-se
pelo questionamento centrado na crítica aos fundamentos que norteiam o Direito
Penal, indagando por que determinadas condutas são definidas como crime, enquanto
outras não, e por que determinados sujeitos são eleitos como criminosos, enquanto
outros não, embora tenham praticado a mesma conduta. Com isso, desperta-se a
criminologia para um conceito muito mais próximo do social, em detrimento de
concepções causalistas.
Assim, também, na psicologia, houve uma mudança, conforme assinalam Lane e
Godo (1999, p. 11), ao constatar a tradição biológica da psicologia, em que o
indivíduo era considerado um organismo que interage no meio físico, sendo que os
processos psicológicos (o que ocorre “dentro” dele) são assumidos como causa, ou
uma das causas que explicam o seu comportamento. Ou seja, para compreender o
indivíduo, bastaria conhecer o que ocorre “dentro” dele, quando ele se defronta com
estímulos do meio.
Ao se confrontar as teorias de cunho exclusivamente biológico, busca-se ainda
em Lane e Godo (1999, p. 12) a indicação dessa base social: o homem fala, pensa,
aprende e ensina, transforma a natureza; o homem é cultura, é história. Este homem
biológico não sobrevive por si e nem constitui uma espécie que se reproduz tal e qual
com variações decorrentes de clima, alimentação etc. O seu organismo é uma
infraestrutura que permite o desenvolvimento de uma superestrutura que é social e,
portanto, histórica.
Desse modo, ampliam-se o conceito e a noção de que buscar exclusivamente no
indivíduo que cometeu o crime a resposta para este ato significa restringir a um
universo individual aquilo que se encontra em constante movimento, em constante
interação: o comportamento humano.
Na intersecção entre direito penal e psicologia, isso fica bastante evidente. Em
geral, observa-se que a conjunção da história individual com a história social produz
o caldo que dá espaço para o surgimento da maioria dos conflitos que chegam aos
tribunais.
Não se trata, porém, de descartar a existência de casos em que prepondera a
influência do componente biopsíquico, em que o transtorno de caráter pode estar
relacionado a um comprometimento da saúde mental em grau elevado, embora não
sejam estes os que se encontrem com mais frequência no sistema prisional. Além
disso, mesmo estes devem ser entendidos sob a ótica da saúde e não do sistema penal,
uma vez que pessoas nessas condições são consideradas penalmente inimputáveis
perante a lei penal, devendo receber, pois, intervenção focada na saúde do indivíduo.
Há, ainda, que se considerar a extraordinária plasticidade do comportamento
humano e sua inigualável capacidade de se adaptar às mais complexas e inusitadas
situações.
O que fazer, pois, em relação ao fenômeno delitivo?
Sem dúvida, aprofundar-se sobre os fatores que levam ao comportamento
indesejado é imprescindível; nesse caso, quantidade e qualidade de informações são
igualmente importantes. Tamanha é a diversidade das condições sociais que a
obtenção de suficiência estatística em qualquer análise requer uma extensa (e
exasperante) segmentação do público-alvo, que leve em conta:
➢ faixas etárias;
➢ características étnicas;
➢ características psicológicas e comportamentais;
➢ microssistemas sociais;
➢ grupos de atuação;
➢ escolaridade;
➢ especialidade profissional;
➢ opções políticas, religiosas e outras etc.

Além disso, é necessário que o fenômeno seja entendido na relação com os


desencadeantes dos comportamentos, que compõem outra matriz de fatores.
Observa-se que a visão sistêmica, conforme explicitado no Capítulo 3, oferece
uma gama de informações relevantes para este estudo, considerando “sistemas” no
plural: família, grupo social, grupo de funcionários da justiça (tanto na fase
processual, quanto de execução da pena) etc.

9.2.2 Hipóteses
Diante da abrangência do assunto, cabe ressaltar a importância de não limitar as
abordagens a uma visão reducionista, quer pelo aspecto biológico, quer social. Os
estudos acerca da influência do meio vêm ganhando maior destaque, hajam vistas as
dimensões apontadas por Baratta (1990; 1999) e Zaffaroni (1998); por outro lado,
estudos sobre o funcionamento cerebral e influências endócrinas algumas vezes
recebem proeminência.
Comentam-se, a seguir, duas dessas hipóteses.

a) O crime como resultado da privação


Do ponto de vista das teorias que privilegiam a percepção, demonstra-se que a
privação tem antes um efeito relativo do que absoluto. Trata-se, aqui, da relação
figura e fundo.
Se, por um lado, a privação, tanto econômica, quanto afetiva, pode influenciar
negativamente no desenvolvimento do ser humano, por outro, encontram-se diversos
exemplos na vida cotidiana que indicam a possibilidade de um comportamento
adaptativo e resiliente que levam indivíduos a reagir satisfatoriamente, do ponto de
vista social, mesmo quando submetidos a ela. Por exemplo, comunidades carentes
cuja adesão a comportamentos criminosos é irrelevante ou situa-se dentro dos
padrões sociais.
Assim não fosse, um país com imensos desequilíbrios econômicos como o Brasil
veria a população que mais padece de privações engolida por um turbilhão de delitos,
o que, absolutamente, não acontece.
A situação oposta ratifica essa conclusão; os graves delitos cometidos por
indivíduos no outro extremo da cadeia social (que se suspeita tenham incidência
dentro da média desse tipo de comportamento) tanto sinalizam para a veracidade do
efeito da percepção sobre os comportamentos como para a evidência de que a
privação nem sempre é determinante para o comportamento delituoso.
Além disso, reconhece-se que são inúmeras as vias de solução da privação, que
não a delinquência, tais como:

➢ a elaboração psíquica; influenciada, sobremaneira, pela aquisição de novas


habilidades e pelo desenvolvimento cognitivo, para o qual a escola
contribui fortemente;
➢ o deslocamento ou a sublimação, como acontece com o relacionamento
amoroso, a dedicação a atividades de alcance social (lucrativas ou não),
a prática de atividades prazerosas;
➢ procedimentos obsessivos estereotipados, socialmente ajustados, como a
concentração no trabalho e sua utilização com objeto substitutivo;
➢ transtornos mentais como a ciclotimia, a distimia, a depressão;
➢ a drogadição, anteriormente estudada e que constitui um mecanismo
eficiente (mas não eficaz) de fuga.

A delinquência, sob esta ótica, pode ser percebida como um mecanismo de


reação à privação; eficaz, quando comparada com a drogadição ou o transtorno
mental; ineficaz, quando esse mecanismo cronifica-se e acaba por afastar o indivíduo,
definitivamente, do convívio social satisfatório ou o leva a produzir males que não
têm possibilidade de reparação (como o homicídio).

b) O crime como produto do meio


Vê-se, aqui, a delinquência como o resultado inexorável do microssocial. Nega-
se ao indivíduo o livre-arbítrio e a possibilidade de percorrer um caminho diferente
daquele dos seus pares. A respeito do livre-arbítrio, indica-se o filme O advogado do
diabo (Taylor Hackford, 1997), em que o leitor identificará, também, o processo de
vitimização.
Esta hipótese considera, implicitamente, que:

➢ os condicionamentos (comportamentos aprendidos do grupo) não podem ser


alterados, ainda que o indivíduo tenha a oportunidade de praticar novas
convivências.
A esse respeito, durante dez meses, um grupo de formandos em
Psicologia, da Universidade Tuiuti do Paraná, observou o
comportamento de crianças recolhidas na rua em uma instituição de
acolhimento.
Verificou-se a grande dificuldade de alterar os condicionamentos (desde
a disposição para dormir no chão, a negativa em praticar a higiene
pessoal etc.).
Entretanto, em diversas atividades, verificou-se uma rápida modificação
dos condicionamentos; por exemplo, a aceitação de rotinas de trabalho
produtivo em que o benefício/custo mostrava-se visível e a curto prazo.
A conclusão é que os condicionamentos estabelecidos são fortes, porém,
não substituíveis e tudo depende de uma conjugação de fatores, entre os
quais, a persistência talvez seja dos mais importantes;
➢ os indivíduos tornam-se escravos de seus modelos.
No ambiente original, modelos inadequados orientam, comandam e
gratificam. Esses modelos, de grande poder sob o ponto de vista
emocional, tornam-se pessoas extremamente significativas para os
indivíduos, que com eles desenvolvem vínculos afetivos, de fidelidade,
extremamente duradouros.
A grande dificuldade encontra-se em proporcionar modelos alternativos.
Na mesma experiência relatada, o novo condicionamento era conseguido
porque o modelo, representado pelo líder da instituição, conseguia
desenvolver, rapidamente, uma forte relação empática com o público-
alvo e demonstrava, por suas ações concretas (não intelectuais), que seus
procedimentos eram eficientes para combater as três maiores carências
daquela população: o frio, o medo da violência e a fome.
Inúmeras tentativas de recuperação de delinquentes esbarram na
dificuldade de oferecer modelos substitutivos que lhes acenem (e
cumpram) com vantagens que lhes dispensarão o agasalho emocional do
modelo inadequado anterior;
➢ novos modelos surgem, também, através das redes de comunicação. Não há
mais necessidade de se experimentar o contato físico ou a proximidade
daquele que será eleito como modelo.
No mundo virtual, o modelo nem mesmo precisa ter existência física:
pode ser um personagem de desenho animado, por exemplo. Os
comportamentos desses modelos virtuais (em jogos, por exemplo)
estendem-se aos extremos do bem e do mal e, naturalmente, avalizam as
correspondentes reproduções.
Essa questão agrava-se quando se vai além da comunicação pelos
sistemas abertos ao público (redes sociais similares ao Facebook). Ao se
adentrar no pantanoso terreno da comunicação utilizando os protocolos
de acesso direto aos equipamentos, sem qualquer monitoração do ponto
de vista ético ou legal, abrem-se os portões para os “monstros do Id”:
aplainam-se os terrenos para a explosão de insólitos e iníquos desejos e
desvios de conduta e de caráter.
Tamanha facilidade presta-se à ação criminosa de alcance individual,
por exemplo, em que se exibe o assassinato “ao vivo”, e/ou de
abrangência coletiva, quando preparam-se ações contra a coletividade,
como as de vandalismo e terrorismo.
Medram nesse ambiente os modelos estimulantes de comportamentos
inimagináveis pelos padrões comuns da sociedade. Subjaz a percepção
de uma teia de comunicações protetora dos agentes, ensejando-lhes
sentimentos de impunidade e invulnerabilidade.
Vastos, dispersos e diferenciados os campos de aplicação! Não há limite
para a criatividade humana: as aplicações incluem tráfico de drogas,
pornografia infantil, contratação de execuções, suicídios assistidos,
crimes resultantes de preconceito de raça ou cor – apenas para citar os
mais suportáveis para o senso comum.
➢ os indivíduos são dominados por crenças inadequadas, perversas,
antissociais.
Essas crenças, ainda que possam ter esses rótulos, são aquelas que
produziram resultados mais satisfatórios para lidar com os desafios da
sobrevivência e/ou para suprir as demandas desses indivíduos.
Elas serão substituídas por outras, desde que estas apresentam vantagens,
do ponto de vista psíquico, em relação àquelas.
Estas vantagens devem levar em consideração o nível de pensamento do
público-alvo. Não se pode acenar com crenças cuja realização aconteça
em um futuro remoto quando o indivíduo apresenta um pensamento
operatório-concreto (na concepção piagetiana já apresentada).
Um dos grandes motivos de abandono de qualquer tipo de
desenvolvimento psicológico, inclusive na escola convencional, é a
apresentação de conceitos que requerem elaboração mental em níveis de
pensamento muito superiores àqueles que o indivíduo consegue elaborar
(isso explica, por exemplo, a dificuldade de algumas crianças com
matemática).
A substituição de crenças deve obedecer uma estratégia de deslocamento
gradativo em quantidade e em qualidade. Em quantidade, porque, quanto
mais próximo do concreto for o nível de pensamento, mais reduzida será
a capacidade de processamento mental; em qualidade, porque os
conceitos deverão subordinar-se, em simplicidade e clareza, às
possibilidades da linguagem desses indivíduos.

A análise dessas duas hipóteses sugere ao leitor uma linha de avaliação de


qualquer outra hipótese reducionista, que pode ser realizada a partir das teorias
psicológicas e dos conceitos e propriedades das funções mentais superiores vistos
neste livro.

9.3 AS MODALIDADES DE CRIME


A conduta humana é tipificada como crime a partir da ilicitude e materialidade
do fato. Antes, porém, da realização do delito, esta ação percorre um caminho
subjetivo que vai da leve sugestão interna ou desejo à intenção, decisão e o efetivo
cometimento, o qual, não encontrando resistências internas e/ou externas, eclode para
o social.
Nesta seção, privilegia-se o enfoque psicológico sobre estas condutas,
relembrando que o comportamento humano é dinâmico e em constante interação com
os demais.
O sistema de crenças coloca justificativas para os comportamentos que escapam
à normalidade social. São situações de extrema gravidade, em geral envolvendo
grupo significativo de pessoas que se apoiam mutuamente, em suas ações, em torno de
motivos relacionados com suas crenças. O denominador comum é a aderência a
valores ou códigos de seus próprios grupos.
Encontra-se, por exemplo, em pessoas com forte ligação a grupos religiosos,
rigorosos e polarizados. Alguns exemplos dão a dimensão do potencial alcance desse
tipo de movimento:

➢ a Ku-Klux-Klan nos EUA (surgida no Tennessee, em 1865; ativa até 1944,


notabilizando-se pelas torturas e linchamentos); ainda mantém
simpatizantes;
➢ a Inquisição, movimento religioso que protagonizou dezenas de milhares de
assassinatos.

A manifestação contemporânea corresponde aos grupos de skin heads (que


pregam o preconceito contra outros grupos, como, por exemplo, os homossexuais);
grupos ultrarradicais de torcidas organizadas; equipes de luta etc.
O ponto central nesses movimentos é a forte liderança, sentimentos de afiliação
intensos, simbologia marcante e de grande significado que estimulam a coesão e a
perseguição dos objetivos comuns.
Avalia-se que, do ponto de vista de estrutura psíquica, esses indivíduos
comungam de sentimentos relacionados a:

➢ medo (de perda de benefícios, por exemplo);


➢ inferioridade (real ou apenas percebida; presente ou futura);
➢ rejeição afetiva (os indivíduos provêm de ambiente emocionalmente
instável e/ou de famílias onde não há afeto e cuidados – confronte-se
Winnicott no capítulo dedicado a teorias).

Tem especial interesse para o Direito a intenção que cerca o ato criminoso, por
parte de quem o comete. Sob essa ótica, os delitos dividem-se em dois grandes
grupos:
➢ o delito culposo, que consiste na prática de ato voluntário, porém, com
resultados involuntários;
➢ o delito doloso, em que ocorre ato voluntário com resultado esperado.

9.3.1 Delito doloso


No delito doloso, há evidência da vontade consciente; contudo, a análise, em
profundidade, das motivações que levam a pessoa à prática do delito agregará
elementos para melhor ilustrar a maneira como essa vontade se expressa.
Em primeiro lugar, é de se considerar que a consciência estabeleça um diálogo
com o inconsciente, na avaliação da vantagem de perpetrar o ato. Desse diálogo
(desconhecido, obviamente, pelo indivíduo) resultará o mecanismo de defesa que o
próprio inconsciente utilizará para justificar-se pelo comportamento.
Entre esses mecanismos, destacam-se:

➢ a projeção: atribui-se a alguém a culpa pelo próprio insucesso ou


infortúnio.

Betão (caso 10) justifica a morte de Everaldo porque este lhe


roubou a mulher desejada; o outro lado dessa moeda seria reconhecer
que ele, Betão, perdeu a mulher para outro homem que melhor soube
satisfazê-la;

➢ a racionalização: inventa-se uma razão para justificar o ato censurável.

Betão explica que alguém em sua posição não poderia ser “passado
para trás”; seria uma desmoralização perante a comunidade. Sem dúvida,
mas poderia também ser um ato de afirmação, em que ele demonstra
não precisar das atenções daquela mulher (caso 10).
O delito doloso encontra fácil justificativa no desequilíbrio emocional: ele se
apresenta como a solução que o psiquismo dispõe para dar fim à evolução de um
conflito em que o estresse se acumula e precisa de uma válvula de escape. Explode a
pólvora ou explode a mente. Esta escolhe aquela.
Em boa parte das situações, o condicionamento surge como uma explicação
razoável para o comportamento. Na colisão na rotatória (caso 1), na agressão no
trânsito (caso 27), tudo parece indicar que os agressores são dados a comportamentos
violentos, à reação impulsiva, inconsciente em sua aparência.
Vistas mais de perto, essas reações não são assim tão impulsivas, porque elas
acontecem corriqueiramente, em inúmeras situações que pontuam a vida dessas
pessoas. Inúmeras vezes, conhecidos e familiares já lhes sinalizaram a respeito dos
problemas desses comportamentos que são mantidos por esses indivíduos.
Conforme se comentou, trata-se de uma “drogadição interna”. A mente acostuma-
se com a adrenalina em altos níveis e solicita-a. Ou recebe doses extras por meio do
mecanismo de sublimação, ou vem a explosão, dirigida ao alvo mais próximo. Não há
como debitar essa conta ao passivo do inconsciente.

São dolosos, também, os delitos praticados contra Luciana (caso 3)


e contra a filha de Godofredo (caso 26). O primeiro pela oportunidade, o
segundo pela raiva temperada com inveja. Os autores, em qualquer caso,
poderão alegar a sedução; a expectativa de impunidade, contudo,
transparece como um fator ponderável a estimular os comportamentos,
da mesma forma que ocorre em diversos outros casos apresentados.
Essa mesma expectativa talvez nem tenha passado pela imaginação
da suave Adriana (caso 18), quando engana seus colegas de trabalho. A
ganância, nesse caso, aliada à compulsão pela mentira, comandam suas
ações. Nada há de inconsciente nisso: a pessoa planeja em detalhes e
executa a ação.

Todos os casos apresentados permitem o exercício de avaliar o caráter doloso


dos comportamentos. Em alguns casos, o transtorno mental torna-se evidente, como
acontece com Davi, aplicando-se a inimputabilidade.

9.3.2 Delito culposo


O Código Penal refere-se a três situações às quais aplica-se a classificação de
delito culposo:

➢ a imprudência;
➢ a negligência; e
➢ a imperícia.

O caso paradigmático pode ser o do cirurgião que “esquece” uma ferramenta no


interior da cavidade, provocando a morte do paciente, ou ainda o empregado que,
contrariado com o que ele interpretou como “injusta determinação do patrão”,
“esquece-se” de trancar a porta da loja e esta é saqueada.
Sob a ótica da psicologia, todas essas situações apresentam interpretações que
roubam a responsabilidade das mãos do acaso, para transferi-la, em variados graus,
para as mãos do autor – ainda que se reconheça o caráter inconsciente do
comportamento delituoso.
Para ancorar esse raciocínio, será utilizado o caso 20, que envolve três
personagens:

a) Wilson, o jovem imprudente;


b) Ivã, o pai negligente; e
c) Neuza, a mãe dependente.

De Wilson, tudo se espera. Das drogas leves à pesada; dos pequenos delitos aos
graves; no final do túnel espera-o, não a luz, mas a escuridão do homicídio, por
exemplo.
Nesse percurso, a saga de Wilson encontra-se já diagramada aguardando a arte-
final dos acontecimentos. O destino, pacientemente, ajusta o story board para inserir
as vítimas involuntárias – a senhora com a filhinha que aguarda o ônibus e receberá o
efeito da derrapada do BMW; ou o aposentado que se livrará da fila mensal pela bala
perdida no assalto ao banco ou algo assim.
É preciso desenhar esse percurso. O que move Wilson? A aventura ou a busca
do desfecho? Qual desfecho?
Wilson vai colocando depósitos na caderneta de poupança de culpas que
acumula (reveja-se o conceito de dissonância cognitiva, no capítulo de teorias). Não
há saques. A contabilidade emocional não consegue fechar o ativo dos
comportamentos com o passivo dos compromissos.
Se ao observador externo apresentam-se as cores da imprudência, ao analista
revela-se a busca da redenção – a “pulsão de morte” de Freud – que se realiza por
meio do Outro para voltar para ele mesmo. Não tem a coragem para se enfrentar, mas
tem a vantagem de o Outro nada significar para ele. Assim “morre” Wilson, quando
sepulta os valores sociais sob as ferragens ou fere-os mortalmente pela via simbólica
da hemorragia de um desconhecido e resgata o investimento acumulado.
A defesa de Wilson será paga pelo pai, ainda que nisso ele empenhe tudo o que
já angariou. Wilson, o mesmo que roubou dele e dos irmãos as atenções de Neuza,
que se tornou o “queridinho da mamãe”.
Depois que ele chegou, a família transformou-se. Tudo girava em torno dele.
Nada mais se fazia sem que ele não fosse o centro das atenções.
Ivã descuidou da escolinha. Não prestou atenção quando ele começou, mais
tarde, a repetir. Não tinha tempo. Não tinha vontade. Alguém tinha que cuidar dos
mais velhos…
Afinal, ele tinha a mãe (que já não era esposa…). Mas, agora, poderia contar
com o pai, que não iria abandoná-lo, mesmo distante. Não se rasga a promissória da
paternidade.
Neuza, coitada, depois que Wilson nasceu, viveu para ele. Só para ele.
Conhecia-lhe os mínimos gestos e desejos. A ele dedicava todas as preces e sofria
com seus fracassos.
Como exigir dele o que exigiu dos irmãos? Eles eram mais fortes, mais
dedicados aos estudos. Wilson precisava dela, não era uma opção, era um dever de
mãe.
O desafio de transformar Wilson em pessoa responsável, que assuma seu papel
na sociedade, é monumental. Talvez não seja menor do que o desafio de recuperar
Betão, o anti-herói do caso 10.

9.3.3 Delinquência ocasional


Denomina-se “ocasional” o delito praticado por agente até então socialmente
ajustado e obediente à lei, que só chegou à ação antissocial respondendo a uma forte
solicitação externa (MARANHÃO, 1981, p. 52). Em geral, apresenta uma
personalidade ajustada aos padrões de normalidade.
Alguns dos casos aqui apresentados referem-se a esse tipo de comportamento
(caso 1, caso 4, caso 7 e caso 27).
Já se tratou aqui da prática de pequenos delitos e de seu impacto na construção
de um comportamento rotineiro, principalmente quando a cada delito não corresponde
algum tipo de consequência.
Nesse caso, surge o condicionamento para o ato delituoso, cuja remissão torna-
se difícil pela frequência com que as oportunidades se apresentarão.
A delinquência ocasional, entretanto, de grande dimensão – como o homicídio –
surge como resposta a uma forte emoção e sua repetição torna-se mais improvável
pelas características do momento ou do agente (caso 24).

É improvável que a evitativa Helena salte ao pescoço de outras


histriônicas em conversas sociais, pois não há o mesmo elo emocional
que a une (ou separa) a sua irmã Carol (caso 7); o mesmo se pode dizer
de Betão, na hipótese de que ele, de fato, considerasse aquela jovem a
Julieta de sua tragédia contemporânea (caso 10).
Também é pouco provável que o zeloso Orestes se deixasse colocar
sob nova espada de Dâmocles após enfrentar os Cérberos de sua desdita.
A dimensão do acontecimento torna-se uma autovacina (caso 24).

Estas considerações têm por finalidade reafirmar ao leitor a importância de se


dar atenção aos pequenos delitos porque, pela via da delinquência ocasional, eles se
tornam a porta para comportamentos delituosos persistentes e evolutivos. Vários
estudos apontam que pequenos delitos, que provocam pequenos danos, podem ter uma
relação com os delitos de grande repercussão na vida das pessoas.

9.3.4 Delinquência psicótica


É a prática criminosa que se efetiva em função de um transtorno mental.
Foram apresentados casos exemplificadores dessa situação: o do senhor Davi
(caso 17), em que ocorre ilusão, alucinação, esquizofrenia; a da senhora Alice (caso
14), de psicose puerperal.
Diversas psicopatologias podem conduzir a comportamento delitivo; devem ter
diagnóstico por especialista e é indispensável que o quadro seja predominante ao
tempo da ação.
Uma dificuldade, para essa comprovação, é o tempo transcorrido entre o fato e a
avaliação.
Observe-se que é pouco provável que Alice (caso 14) deixe-se surpreender por
outra psicose puerperal em uma futura gestação ou que não se tomem providências
para que Davi deixe de surpreender extraterrestres em peripécias no planeta (caso
17).
Embora exista uma baixa incidência de delitos cometidos por pessoas com
transtorno mental (a grande maioria dos delitos no Brasil se refere a crimes contra o
patrimônio e é cometida por pessoas consideradas imputáveis), a delinquência
psicótica, muitas vezes, ocasiona grande impacto emocional ao observador porque:

➢ há o temor de que o comportamento se repita;


➢ não existe um quadro de referências que se possa considerar associado
ao comportamento; ele pode ocorrer a qualquer momento, em qualquer
lugar, ou não ocorrer novamente;
➢ há também o temor de que o indivíduo seja considerado “curado” quando
isso, de fato, não aconteceu e ele é liberado da instituição de exclusão à
qual possa ter sido recolhido, por medida de segurança e para tratamento;
➢ finalmente, tem-se também o temor de que a delinquência psicótica possa
ser uma sofisticada simulação.

Ressalte-se que o conceito de medida de segurança está ligado ao de


periculosidade e de intervenção por profissional de saúde.
A exposição de motivos do Código Penal assevera:

a medida de segurança, de caráter meramente preventivo e assistencial, ficará


reservada aos inimputáveis. Isso, em resumo, significa: culpabilidade – pena;
periculosidade – medida de segurança […] duas espécies de medida de
segurança consagra o projeto: a detentiva e a restritiva. A detentiva consiste na
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, fixando-se o prazo
mínimo de internação entre um e três anos […] a restritiva consiste na sujeição
do agente a tratamento ambulatorial cumprindo-lhe comparecer ao hospital nos
dias que lhe forem determinados pelo médico, a fim de ser submetido à
modalidade terapêutica prescrita.

A espécie restritiva corresponde ao cometimento de crimes menos graves


(aqueles puníveis com detenção) e tanto a espécie detentiva quanto a restritiva
encontram eco na desinstitucionalização, na desinternação progressiva e na luta
antimanicomial, devem ser aplicadas sob o manto da Lei 10.216/2001.

9.3.5 Delinquência neurótica


Na delinquência neurótica, a conduta delitiva é encarada como uma manifestação
dos conflitos do sujeito com ele mesmo. O que incomoda o psiquismo reflete-se no
ato, com a finalidade inconsciente (total ou parcial) de punição. Trata-se, pois, de
uma delinquência sintomática.
A punição serve para aplacar um sentimento de culpa de outra origem (o conflito
primário). É, por exemplo, a delinquência de Guguinha.
Maranhão distingue “neurose” de “personalidade delinquente”, conforme o
quadro seguinte.

Neurose Personalidade delinquente

Aparentemente sem conflito


Conflito interno
interno

Agressividade voltada a si Agressividade voltada à sociedade

Alívio de tensões internas por


Gratificação por meio de fantasias
ações criminosas

Admissão dos próprios impulsos e Atribuição de seus impulsos ao


reconhecimento dos erros mundo exterior

Desenvolvimento de reações Desenvolvimento de defesas


emocionais positivas emocionais

Superego desenvolvido Superego desarmônico

Comportamentos socialmente Comportamento dissocial


ajustados (desconsideração para com os
códigos sociais)

Reação à passividade e Tentativa de negar a passividade e


dependência com sofrimento, mas a dependência com atitudes
admitindo a situação agressivas

Caráter “normal” Caráter deformado (dissocial)

Perturbações psicossomáticas Perturbações psicossomáticas mais


menos frequentes frequentes

9.3.6 Delinquência profilática


O agente entende que estará evitando um mal maior e não revela remorso; por
exemplo, a eutanásia.
Nas situações anteriormente citadas, em que grupos atuam movidos por
poderosas crenças comuns, pode haver a interpretação de que suas ações tenham a
genuína missão de profilaxia social.
Se essa compreensão (eventualmente) não passa pelos líderes, que se aproveitam
dos benefícios econômicos dos movimentos, não se estranhe de que seja percebida
como real por substancial parte dos liderados. Isso, entretanto, não significa que as
fragilidades psíquicas e a personalidade antissocial não constituam elementos
predominantes nesses indivíduos, entre outros.
As questões que envolvem a delinquência profilática são de grande
complexidade e devem ser analisadas com estreita observância dos aspectos sociais e
culturais que sobre ela exercem influência determinante.
Elas podem, por exemplo, no caso de violência doméstica, em que pai ou mãe
infligem severos castigos aos filhos, resultar de um procedimento já convencional na
história familiar, pelo qual os progenitores mesmos passaram. Não praticar esse tipo
de procedimento significaria, sob a ótica da família, a não assunção de
responsabilidade sobre a educação das crianças.
Contornos diferentes, porém, relacionados, ganham os delitos praticados por
justiceiros, presos em cumprimento de penas, e até mesmo por representantes das
forças de segurança pública. Sob a ótica da assepsia social, manifestam-se em
homicídios, sevícias e torturas. Evidencia-se um tênue limite entre o caráter
“pedagógico” que lhes imprimem seus autores, procurando evitar o “mal maior”, e um
caráter meramente vingativo.
É comum, por exemplo, que em prisões, determinados delitos sujeitem aqueles
que os praticaram a também experimentá-los, praticados por outros presos. Por
exemplo, o abuso sexual; deve-se cuidar para garantir a integridade física do detento,
porque esse tipo de crime, em geral, desperta sentimentos de repugnância e desejo de
vingança para os demais sentenciados.
Indo além: há ações a tal ponto não toleradas pela população prisional que o
castigo, não havendo nada que o impeça, é a morte daqueles que a praticaram,
retomando uma forma antiga de se fazer justiça, a pena de Talião, o “olho por olho,
dente por dente”. Esse procedimento funciona como uma expiação de culpa, com a
qual os sentenciados se redimem, senão perante a sociedade, perante os próprios
psiquismos.

9.4 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO


A investigação do crime constitui um processo por meio do qual apura-se, ou
procura-se apurar tanto quanto possível, a realidade dos fatos.
Para a psicologia, deve-se distinguir a realidade objetiva da realidade psíquica,
que é a única existente para cada indivíduo. Em uma dada situação, pode ocorrer que
a realidade objetiva não corresponda a nenhuma das realidades psíquicas dos
indivíduos nela envolvidos e, também, que a combinação dessas realidades não
resulte na mesma realidade objetiva.
Disso decorre a importância de diversas medidas relacionadas com o fato
criminoso:

➢ a preservação da cena do crime;


➢ a reconstituição dos acontecimentos;
➢ as entrevistas com as testemunhas;
➢ as entrevistas com pessoas relacionadas aos protagonistas da ocorrência.

A preservação da cena do crime tem a ver com a atividade de coleta de provas


e com a reconstituição dos acontecimentos. Diversos fenômenos da percepção e da
atenção assim o justificam; quando testemunhas e participantes de uma ocorrência
reveem o local, os objetos, os sinais do que ali aconteceu, despertam-se conteúdos da
memória que podem ter sido suprimidos, ainda que temporariamente, pela emoção
que cercou o acontecimento.

Por exemplo, no caso 1, da colisão na rotatória, torna-se impossível


a reconstituição do sinistro e as testemunhas e participantes terão que se
valer de suas lembranças para contar o que aconteceu. É perfeitamente
possível que mesmo a totalidade dos relatos não leve a uma conclusão
que se possa considerar completamente fidedigna.
A situação apresentada no caso 27, entretanto, pode ser repetida,
porque envolveu apenas dois veículos em situação praticamente estática,
sendo pouco relevante a movimentação dos demais que se encontravam
presentes ou nas proximidades.
O mesmo pode-se afirmar em relação aos crimes relatados no caso
11, em que Álvaro mata Rosicler na presença de seus colegas de
trabalho, ou no caso 10 , em que Betão faz o mesmo com Everaldo. As
testemunhas, na cena do crime, encontrarão mais elementos para avivar
suas memórias e poder lembrar-se de detalhes a respeito de como foi o
encontro, o que cada um manifestou, como se encararam, que tipo de
reações foram apresentadas etc.

A fragilidade da memória, os fenômenos da percepção e da atenção justificam o


amplo cuidado com esse tipo de detalhes.
A s entrevistas (com criminosos, vítimas, testemunhas) constituem, como já
observado anteriormente, um momento peculiar, porque existe o fator emocional
sempre presente, capaz de proporcionar inúmeros fenômenos já estudados. Lapsos,
bloqueios, modificações de lembranças, confabulações podem estar presentes e
somente a habilidade do entrevistador permite eliminar ou reduzir essas
possibilidades.
A questão da linguagem é sensível entre adolescentes e entre integrantes de
grupos coesos (por exemplo, gangues). O conhecimento de detalhes de suas
linguagens melhora o canal de comunicação, porque cria um inevitável (ainda que
inconsciente) vínculo entre entrevistador e entrevistado. O desconhecimento, por
outro lado, acentua as diferenças e dificulta ainda mais a comunicação.
Daí a importância do domínio de técnicas de entrevista, para evitar que esta
ferramenta da investigação se transforme em um fator de alteração da realidade
relatada. O Apêndice C do material suplementar apresenta mais informações a
respeito de entrevistas e interrogatórios.
Entre os fatores que afetam substancialmente o processo de investigação, e que
influenciam os resultados das medidas anteriormente apontadas, sob o ponto de vista
da psicologia, destacam-se:

➢ o intervalo de tempo entre o fato gerador e o início;


➢ a duração de sua realização;
➢ a uniformidade dos procedimentos em relação a cada um dos envolvidos
que venham a ser investigados;
➢ o estilo de relacionamento interpessoal dos que investigam;
➢ a divulgação que se dá ao caso;
➢ a forma como são realizadas atividades de apoio, como as perícias médica,
psicológica e o exame de corpo de delito.

A memória e o tempo não convivem em harmonia; daí a importância de se


realizarem entrevistas, reconstituições da cena e outras providências que possam estar
relacionadas com as lembranças, tão logo quanto possível.
A rapidez na realização da investigação pode ser prejudicada, entretanto, pela
emoção do momento. Quando esta for demasiadamente intensa, as lembranças também
poderão ser prejudicadas por sofrerem influência das comunicações relacionadas com
o fato e com os impactos sofridos pelos expectadores das cenas.
É comum que detalhes de um acontecimento venham a brotar depois que a
emoção do momento refluiu. O momento imediatamente seguinte pode conter menor
quantidade de detalhes do que a mente recuperará após um curto período de calma e
reflexão, em que surgem novas imagens.
Entretanto, a demora é extremamente prejudicial. Em primeiro lugar, as
testemunhas e os envolvidos poderão ser submetidos a um bombardeio de
informações e opiniões capazes de, pela quantidade e intensidade, confundi-los a
ponto de não conseguirem distinguir entre o que ouviram e o que viram de fato. Os
conflitos de família são repletos desse tipo de ocorrência.
Em segundo lugar, cenas pouco nítidas, rostos mal visualizados, detalhes pouco
acentuados poderão receber a influência de outros estímulos e ganhar uma qualidade
perceptiva que, em nenhum momento, tiveram. Isso pode conduzir a convicções
desprovidas de fundamentos sólidos, transformando indícios em verdades absolutas.
Também se estudou, entre os fenômenos da percepção, a possibilidade de
confabulações; ainda que não patológicas, elas poderão ocorrer quando um conjunto
de lembranças sofrer pequenos prejuízos decorrentes do lapso de tempo entre o fato e
a investigação; a mente, inconscientemente, poderá encarregar-se de corrigi-los
empregando um pensamento lógico inatacável, mas nem por isso correto, a fim de
preencher as lacunas que a memória apagou.
A duração da investigação, se demasiado longa, aumenta o estresse dos
envolvidos e contribui para afetar ainda mais a memória.
Além disso, o contato com as pessoas que investigam e com outros envolvidos
leva a troca de opiniões, compreensão de expectativas, anseios e temores, aos quais o
psiquismo poderá responder por mecanismos de defesa diversos, entre eles o
bloqueio conveniente de dados da memória, ou, ainda, fomentar inclinações para este
ou aquele caminho.
Exemplo marcante destes aspectos encontra-se na incomunicabilidade do
tribunal do júri, em que os jurados são impedidos de se comunicar durante todo o
julgamento e até o veredicto final. O artigo 466, § 1º, do Código do Processo Penal
afirma que o juiz advertirá os jurados de que não poderão comunicar-se com outrem,
nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho e
multa.
Ressalte-se que a maioria dos países que adotam o sistema de júri popular
admite a comunicação e o debate entre os membros do corpo de jurados, buscando o
consenso. O legislador pátrio, contrário a esse ordenamento, entendeu por bem manter
a incomunicabilidade para eliminar a possibilidade de influência de uma
personalidade com fortes características de persuasão e liderança sobre os demais.
Cita-se como indicação para aprofundamento do tema, consubstanciado na arte, o
filme A jurada (Brian Gibson, 1996).
Além desses aspectos, pessoas em idade avançada e crianças são
particularmente vulneráveis nessas situações, porque a fantasia, por exemplo, pode
ser um mecanismo de defesa facilmente acionável pelo psiquismo.
A demora também pode gerar, como consequência da ansiedade, o
desenvolvimento de somatizações e de transtornos psíquicos, como a depressão;
todos, de alguma forma, poderão prejudicar a recuperação das lembranças.
Quando várias pessoas participam de uma investigação, um fator a ser
considerado é a uniformidade de procedimentos; características pessoais dos
investigadores influenciam nos resultados (agressividade, empatia, pressa, equilíbrio
emocional, sentimentos diversos), porque provocam diferentes reações nos
envolvidos, principalmente quando se trata de entrevistas. Nesse caso, o
conhecimento e a aplicação uniforme das técnicas têm especial relevância; tão
importante quanto saber perguntar é a maneira como se formula a pergunta.
Na mesma linha de raciocínio encontra-se o estilo pessoal de quem investiga.
Aqui se refere ao comportamento que amedronta, coloca à vontade, estabelece
relação de autoridade, revela disposição para cooperar ou para punir etc.
As pessoas sob tensão têm as mais diversas reações; algumas refugiam-se nelas
mesmas e tornam-se uma barreira à comunicação; outras têm a atenção despertada e
os mínimos sinais emitidos pelo interlocutor são captados com precisão, daí a
importância do estilo de relacionamento.
A divulgação do caso constitui outro fator relevante, com um lado social
indiscutível; testemunhas, jurados, a própria vítima e mesmo os que se encontram em
julgamento são afetados pela dimensão pública do fato que, em geral, incluirá o
clamor público baseado não na técnica, mas na emoção.
O quadro emocional que cerca um acontecimento provoca efeitos em todos os
envolvidos e os meios de comunicação mostram-se notavelmente hábeis em ampliá-
lo, em inúmeras circunstâncias. Isso se traduz em responsabilidades para os que
julgam, os que acusam e defendem, e afeta as interpretações de testemunhas e, até
mesmo, dos diretamente envolvidos.
O efeito Hawthorne, já comentado, ganha proporções e acentua-se a
representação. Dependendo da característica de personalidade do indivíduo, será
esse efeito. Haverá aquele que se intimidará e se tornará mais dependente; outro
procurará meios de se livrar do processo sempre que possível; um terceiro utilizará
os procedimentos como uma vitrine para se expor.
Esse efeito ganha especial importância nas entrevistas porque, dependendo das
características de personalidade, interesses, expectativas e fatores emocionais,
existirão consequências sobre o teor das respostas.
A forma como se realizam os procedimentos inclui a postura de proximidade
que o profissional (investigador, médico, psicólogo, assistente social ou outro perito)
adota, a maneira como ele se apresenta, sua gesticulação, as palavras que escolhe, o
tom de voz, a atenção concentrada, a fala reflexiva, a escuta ativa.
Isso é importante para todos os envolvidos (inclusive os de má-fé, pois facilita
identificá-la) e, em particular, no caso de crianças. Adotar uma postura de
proximidade com a criança é fundamental para que se crie uma relação de confiança e
acolhedora, ajudando a desfazer a noção que muitas vítimas têm (tanto crianças como
adultos) de que, de alguma forma, são culpadas pela violência sofrida.

9.5 PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO


Em diversos pontos deste livro, a questão do testemunho já foi abordada, como
no caso 3, de Luciana, em que se argumenta a respeito da impossibilidade de se
recordar de detalhes de um acontecimento tão traumático, com a riqueza pretendida
pelo advogado de defesa.
Distorções na recuperação de informações a respeito de fatos profundamente
desagradáveis não devem ser motivo de surpresa. O psiquismo adota mecanismos de
defesa para evitar a repetição dos sofrimentos anteriores. Isso foi visto no estudo das
amnésias (retrógrada, anterógrada e lacunar).
Viram-se, também, efeitos sobre a memória (e as funções mentais superiores, de
modo geral) em pessoas sob efeitos de substâncias psicoativas, em particular o
álcool. O uso dessas substâncias pode ocasionar sérios prejuízos para a fixação das
imagens e para a recuperação dos conteúdos armazenados.
No estudo da percepção, foi indicada a existência de limites, alguns ligados aos
mecanismos fisiológicos (por exemplo, em idosos, pode haver redução da capacidade
visual e auditiva; crianças podem ainda não ter aprendido a discriminar inúmeros
detalhes e, portanto, não os percebem), outros relacionados com aptidões
desenvolvidas (tato, sensibilidade auditiva e visual etc.).
Segundo Myra y Lopéz, o testemunho depende do modo como a pessoa percebeu
o acontecimento, conservou-o na memória, de sua capacidade de evocá-lo e da
maneira como quer expressá-lo. Isso se manifesta no relato que ela fará dos
acontecimentos.
Nessa perspectiva, evidenciam-se no Código de Processo Penal as disposições
concernentes ao testemunho, as quais revelam a necessidade legal de se aquilatarem
as relações de testemunhas com vítimas e réus, quanto ao grau de parentesco, às
relações pregressas entre ambos e à capacidade pessoal (arts. 202, 203, 206, 208,
213 e 217). Apontam-se, ainda, no Código de Processo Civil, os arts. 447 e 448, que
disciplinam a prova testemunhal em relação às pessoas incapazes, impedidas e
suspeitas.

9.5.1 Relato espontâneo e por interrogatório


É importante fazer uma distinção a respeito do resultado do relato quando este é
espontâneo e quando ocorre sob a pressão do interrogatório (Myra y Lopéz, 2007, p.
178).

a) Relato espontâneo
Nesta forma de relato, verificam-se a irregularidade e a incompletude; elementos
inúteis são interpolados. A espontaneidade possibilita a falta de objetividade, até
mesmo porque o que fala pode não ter consciência do que seja relevante.
Além disso, esse tipo de relato permite, ao que fala, concentrar-se na exposição
do que é figura em sua percepção; ainda que de grande relevância, uma cena oculta
n o fundo não será trazida à luz, obscurecida pela figura eleita. Os depoimentos
conflitantes do caso 1 são exemplos bastante claros de como isso acontece.
O relato espontâneo tem, também, o condão de expor as crenças do indivíduo,
seus preconceitos e esquemas de pensamento, que a liberdade propiciada pela
exposição livre permite aflorar; o inconsciente manifesta-se quando não há censura ou
direção obrigatória que cerceie o pensamento.
Fiorelli e Malhadas (2004, p. 104) mostram como isso pode conduzir a
resultados inesperados ao relatar um julgamento de ação trabalhista em que o
empregador, em seu depoimento, incentivado pelo juiz, expõe livremente suas ideias e
percepções com riqueza de detalhes. O indivíduo fala o que quer e diz o que não quer.
Sai, consciente de que demonstrou com clareza seu ponto de vista; surpreende-se,
tardiamente, com o resultado. Ciladas do inconsciente.
O preconceito, mantido zelosamente sob a tutela do consciente, manifesta-se em
frases do tipo “só podia ter vindo desse tipo de gente”, “… típico de uma mulher
descasada” etc. Elas se imiscuem no raciocínio e afloram quando menos o indivíduo
espera… então, é tarde.
Por outro lado, o relato espontâneo pode ser prejudicado por uma série de
características pessoais do indivíduo, tais como:

➢ detalhes de personalidade; um indivíduo narcísico poderá fazer do relato


um momento de glória e perder-se na busca de se exibir; uma histriônica
dará um toque de sedução à fala e poderá comprometer as interpretações
e assim sucessivamente; cada característica de personalidade terá sua
maneira de se fazer sentir na manifestação do sujeito;
➢ experiência em expor as próprias ideias; o que pode ser simples exercício
de exposição para uns representa suplício para outros, não afeitos a esse
tipo de atividade;
➢ aspectos relacionados com a fonoaudiologia; há pessoas que, sob pressão,
gaguejam, trocam sílabas, interrompem a fala, demoram para articular o
pensamento etc.;
➢ dificuldades com a linguagem; não sabendo exatamente como se expressar,
escolhem mal as palavras; quando existe um questionamento, este presta-
se para referência e orienta a resposta.

b) Relato por interrogatório


Myra y Lopéz (2007, p. 178) observa que “o testemunho obtido por interrogação
representa o resultado do conflito entre o que o sujeito sabe, de uma parte, e o que as
perguntas que lhe dirigem tendem a fazer-lhe saber”.
Vários são os riscos associados ao questionamento.
A emoção leva o indivíduo a preencher lacunas, por meio da confabulação,
anteriormente estudada. Além disso, ocorre o efeito representação já mencionado,
sendo que uma de suas consequências (inconsciente, mas nem sempre) é a inserção de
ideias (preconcebidas ou não) para conferir uma aura de validade às respostas que
emite.
Fatores sociais e psicológicos combinam-se para influenciar nas respostas. A
admissão de um erro ou omissão, sugerida por uma pergunta, pode ser percebida
como inadmissível e a testemunha, na busca de ocultá-lo, ratifica uma declaração
anterior incorreta, opta pela fuga declarando esquecimento ou escolhe uma saída
honrosa, mas incorreta.
As perguntas, além disso, fazem a função de estimular a memória e isso não
necessariamente acontece da melhor maneira e na melhor direção, principalmente
quando o que questiona não sabe detalhes essenciais do acontecimento e vale-se das
respostas para dar continuidade ao interrogatório.
Assim, uma ideia contida na pergunta pode originar uma associação falsa na
memória. Por isso, as perguntas “Qual a cor da roupa?” e “A roupa era escura? De
que cor?” podem conduzir a resultados completamente diferentes para um mesmo fato.
No caso 1, perguntar:

➢ Os motoristas estavam dirigindo em alta velocidade? Ou


➢ A que velocidade os motoristas dirigiam?

pode levar a respostas diferentes.


Mesmo uma pergunta em um segundo nível, do tipo:

➢ Os motoristas dirigiam a mais de 50 km/h?


➢ Os motoristas dirigiam em alta velocidade?

também pode resultar em diferentes interpretações.


A pergunta também pode trazer uma lacuna na memória; nenhuma das
testemunhas prestou muita atenção à velocidade dos veículos; agora, pressionadas, a
memória preenche a lacuna e elas dão opiniões, “pela lógica” (afinal, era uma
rotatória, não poderiam estar a mais do que 40 km/h etc.).
Esse tipo de questionamento também pode despertar na testemunha um
sentimento de inferioridade por declarar que, simplesmente, não sabia ou não prestou
atenção. Ela responde para demonstrar que estava atenta, ou que entendia do assunto.
São perigosas as perguntas que dão uma indicação de uma resposta “melhor” ou
“mais correta, socialmente”. A testemunha optará por esta sempre que se sentir
insegura, em dúvida ou quando queira demonstrar sua aderência àquela forma de
pensar ou sentir.
Um dos riscos do relato por interrogatório é que ele deixe de explorar dois
aspectos de grande importância, ligados às características da testemunha. (No filme
Doze homens e uma sentença, encontra-se um fantástico exemplo do quanto isso é
importante.)
O primeiro deles é o aproveitamento das competências da testemunha. O
especialista em um assunto pode ser capaz de produzir interpretações e explicações
que não se encontram ao alcance de outras pessoas (isso já foi comentado no estudo
da percepção e da atenção). O entrevistador deve estar atento a esse aspecto.

No caso 1, se uma das testemunhas fosse um motorista profissional,


sua interpretação dos acontecimentos poderia ser diferenciada, mais
precisa e rica em detalhes, pelo conhecimento que detém a respeito de
condução de veículos.

O segundo é a utilização da experiência de vida da testemunha. Há pessoas que


vivenciaram situações e isso lhes permite visualizar nuances dos acontecimentos que
passariam desapercebidas por outras. (Mais uma vez, recomenda-se o filme Doze
homens e uma sentença, em que a vivência da vida na rua, de um dos jurados, é
decisiva para interpretar um acontecimento.)
Além das influências da forma do depoimento, é de grande relevância a
compreensão dos aspectos emocionais que o cercam.

c) Depoimentos e tendência afetiva


Myra y Lopéz (2007, p. 200 e seguintes) refere-se à inexatidão do depoimento
por tendência afetiva, o que sugere cuidados especiais, principalmente nas situações
carregadas de grande carga emocional. Ela manifesta-se por meio de diversos tipos
de atitudes e comportamentos, como os seguintes.

Identificação com a vítima


A identificação acontece em dois polos opostos.
Em um deles, quando a vítima apresenta fragilidade, grande sofrimento, graves
dificuldades econômicas, doenças, deficiência orgânica ou psíquica, com muitos
filhos ou quando há grande disparidade de poder (físico, psíquico, econômico) em
relação ao delinquente.
No polo oposto, há a vítima rica, intelectual, que se dedica a atividade de grande
expressão pública (artista, esportista etc.).
A identificação também pode ocorrer por semelhanças de qualquer ordem
(mesma formação, crença, opção política, cor, orientação sexual etc.), que podem
incluir o fato de ter vivenciado situação similar (a vítima foi agredida pelo marido, a
entrevistadora ou a jurada também).

Antipatia com a outra parte


A situação da outra parte desperta ideias preconceituosas. São conhecidos os
casos de políticos, artistas e esportistas famosos que tiveram suas carreiras
interrompidas quando submetidos à imolação pública em julgamentos tendenciosos.
O caso do lutador Mike Tyson é emblemático. (O filme A grande esperança
branca, de 1970, explora o tema de maneira pungente, em excelente trabalho de
demonstração do processo de arruinar psicologicamente um indivíduo, pela via do
preconceito.)

Valor moral
Compreende a defesa de ideais internalizados, que a situação da vítima
demonstra terem sido transgredidos. Inclui “restaurar a verdade”, “defender o que é
justo”, “equilibrar a renda”, “defender os oprimidos” etc.

Falsas crenças
Inúmeras, povoam o imaginário popular e orientam a forma de interpretar fatos e
notícias. Alguns exemplos conhecidos: “policial bate nos mais fracos”, “morador de
morro é bandido ou ajuda traficante”, “todo político é ladrão”, “não dá para confiar
em empregado”, “patrão está a fim de ganhar dinheiro” etc.

9.5.2 Particularidades do testemunho de crianças e


adolescentes
Em seções anteriores, já se tratou da complexidade de se entrevistar a criança. A
linguagem constitui uma barreira respeitável que precisa de técnica e competência
para ser transposta. O desafio é triplo:

➢ emitir uma linguagem que a criança entenda;


➢ compreender a linguagem que ela utiliza (por exemplo, a forma como ela
nomeia os órgãos sexuais); e
➢ preservar sua integridade psíquica, não submetendo-a a situação que possa
comprometê-la.

Além disso, ao adentrar no universo do crime, a criança torna-se fragilizada,


seja na condição de vítima, seja como testemunha (por exemplo, em casos de
violência doméstica). Medo e insegurança a acompanham e o ambiente de
interrogatório não tem nada para minorar esses sentimentos.
O desafio é imprimir credibilidade ao testemunho da criança (que não deferirá
compromisso de dizer a verdade). A imaturidade psicológica e orgânica combinam-se
para torná-la imaginativa (mecanismo psicológico de defesa) e sugestionável
(facilidade de receber influência). Essa condição torna-se manipulável, por exemplo,
por um dos genitores, que pode utilizá-la para agredir o outro (conforme já se viu
anteriormente).
Ocorre, contudo, que a questão vai muito além da atenção à faixa etária. A
multiplicidade de condições socioeconômicas e afetivas a que se encontram sujeitas
crianças e adolescentes favorece a criação de grupos mais ou menos homogêneos,
com características diferenciadoras notáveis e importantes.
Assim, há aquela criança ou adolescente vítima da violência. Ela se vê
surpreendida por um quadro que coloca por terra sua visão de mundo estável, com
implicações inúmeras e insuspeitas. Os conteúdos imaginários que proporcionavam
estabilidade ao psiquismo dessa pessoa dificilmente serão descritos ou sequer
aventados por terceiros, ainda que imbuídos de todo o interesse nessa investigação do
inconsciente ou da verdade real e objetiva, como é o caso dos procedimentos
inquisitórios do processo penal.
A pessoa, nessa situação, encontra-se extremamente fragilizada e a continuidade
do processo de inquirição, em que ela se depara com a missão de depor contra
pessoas – pelo menos até aquele momento – queridas, representa uma revitimização e
uma via crucis que a justiça deve, a todo custo, abreviar. Observa-se que a criança
deseja que cesse a violência, mas ao mesmo tempo, não deseja que o pai (ou a mãe)
siga para a prisão.
Deve-se também distinguir a vítima da violência cometida por alguém que
coabita com ela ou por uma pessoa de confiança da família – que, até aquele
momento, gozou de seu afeto e sempre teve acesso à sua companhia. A postura dos
pais, neste caso, ganha extraordinária relevância.
Outra situação grave é aquela em que a criança ou adolescente testemunha a
violência. Ela explode no lar, entre progenitores, e coloca-a na incômoda situação de
escolher entre um lado ou outro. Por vezes, essa escolha lhe traz gravíssimas
consequências físicas e psicológicas. Aqui também há a destruição da estabilidade
emocional, a falência da perspectiva futura, a fragilização; seu depoimento deverá
igualmente cercar-se de cuidados para que os fatos não sejam ocultados pela
caleidoscopia do seu mundo, agora, fragmentado.
Seja a criança ou adolescente vítima ou testemunha da violência, a situação
ganha diferentes configurações dependendo de:

– a violência originar-se e ou acontecer fora ou dentro do lar;


– essa pessoa conviver habitualmente com situações pontuadas pela violência;
– ela contar em maior ou menor grau com o pálio protetor de um ambiente
familiar, na aparência, estável.
Constituem fatores essenciais à compreensão dos efeitos a postura dos familiares
e o apoio afetivo que ela venha a receber daqueles que se encontram a seu redor.
Por outro lado, é muito diferente a situação da criança ou adolescente que se
depara com um (ou ambos) progenitor envolvido em comportamentos delituosos, que
sempre se refletiram nas relações familiares.
Pai ou mãe traficam, aliciam menores para atividades ilícitas, praticam
contrabando, enfim, possuem uma vida pautada pelo crime. Esta situação tangencia a
vida desta pessoa e nela desperta sentimentos variados, que tanto podem ir do apoio
irrestrito aos pais, que simbolicamente representam proteção, como a uma
convivência forçada, ciente da precariedade dessa situação.
Quando a violência acontece e ela se vê envolvida – no conflito com a polícia ou
com outros criminosos, muitas vezes dentro do lar – debate-se com sentimentos
paradoxais que se somam à perda de referências. Trata-se aqui de criança ou
adolescente que pode nem mesmo contar com parentes em condições de acolhê-la e a
perda de progenitor(es) – por recolhimento à prisão, desaparecimento ou morte –
assume especial gravidade, seja pela situação do momento, seja pelas perspectivas
possíveis de destinação desta pessoa para acolhimento em famílias regularmente
estruturadas.
Outra condição é a daquela criança ou adolescente que, por inúmeros fatores,
acha-se envolvida em atos infracionais. Esta grande população, oculta nos vãos de
viadutos, escadarias, portais de edifícios e inúmeros locais inusitados, aprende a
sobreviver com o mínimo e desconhece as regras de convivência na sociedade, não
almeja qualquer espécie de trabalho e cedo recebe o batismo das drogas. Apresenta
precoce e distorcida maturidade, que implica em prover suas necessidades com os
parcos recursos de que dispõe. Ela nada tem e, portanto, nada pode perder, mas perde
e muito! Seus medos maiores são o frio, o traficante e a polícia – em ordem
situacional. Suas perspectivas, do ponto de vista social de inserção na sociedade para
a prática autossustentada de atividades econômicas, mostram-se limitadas.
Esses diferentes quadros sugerem que o depoimento de crianças e adolescentes
deve considerar suas características psicológicas e estas dependem de sua história de
vida. Em outras palavras, é imperioso que se respeite a individualidade do depoente.
Do ponto de vista estritamente psicológico, poupar uma criança ou adolescente
que tenha sido vítima, por exemplo, de uma ofensa sexual, do constrangimento de se
expor a questionamentos que venham a reavivar memórias que somente o
esquecimento ou a elaboração destas pode minorar, é louvável e necessário.
Entretanto, o depoimento não deve deixar de considerar a história particular de cada
criança ou adolescente, para que a linguagem a ser empregada seja ajustada às
características cognitivas e psicológicas do depoente.
Ainda que essa escuta possa ocasionar danos – a perfeição, aqui, seria
inatingível, dado que um mal maior existe – ela se torna preferível à oitiva pública,
sujeita, inclusive, a comportamentos maliciosos de advogados da outra parte,
emitidos com o propósito de desestabilizar e desacreditar o depoente. Impõe-se, aqui,
o desafio de aprimorar as técnicas de colheita de provas e testemunhos.
Na Lei nº 13.431/2017 evidencia-se a preocupação em preservar o depoente;
entretanto, trata-se de assunto tão sensível quanto complexo. Registre-se o alerta de
Gisele Câmara Groeninga (emhttps://www.conjur.com.br/2017-abr-23/processo-
familiar-lei-13431-longo-caminho-efetiva-causar-injusticas): “muitas vezes a
tentativa em proteger, e atribuir direitos às vítimas, pode atropelar um primeiro
passo a ser dado: o da identificação do problema, suas causas e agentes. Sendo que
as peculiaridades da mente infantil e adolescente são complicadores em nada
desprezíveis”.
O acompanhamento das escutas, por profissionais qualificados para essa missão,
ditará os aperfeiçoamentos necessários a essa prática, com o objetivo de cumprir os
objetivos da legislação.
Cabe, ainda, comentar que o escutador, que possui a incumbência de traduzir o
questionamento para a linguagem do depoente, da forma mais adequada ao universo
daquele que está sendo inquirido, há de ser um indivíduo preparado para essa função.
Não necessariamente um psicólogo ou um assistente social, vez que o produto do
trabalho destes profissionais é diverso da mera coleta de informações ou de uma
investigação para a coleta de provas processuais. Esse preparo não se prende à
formação profissional específica, mas à competência para a realização dessa tarefa de
traduzir preservando o conteúdo e ajustando a linguagem. Não se trata, pois, de
atividade que necessite, necessariamente, desta ou daquela formação acadêmica,
ainda que algumas aparentem ser naturalmente indicadas para essa missão. Na França,
por exemplo, um grupo de policiais é especialmente preparado para esta oitiva,
ajustando a linguagem e o acolhimento necessários.
Em 2003, foi implantado, em caráter experimental, o “depoimento sem danos” no
sistema judiciário do Rio Grande do Sul, com o intuito de evitar que a criança ou
adolescente vítima de abuso sexual passasse por mais de uma inquirição no processo
judicial. Nesse procedimento (também citado como “depoimento especial”,
“depoimento com redução de danos”, “escuta protetiva”, “escuta especial de crianças
e adolescentes”), ouve-se a criança ou adolescente em sala reservada e evita-se o
enfrentamento com o acusado e a presença de advogado de defesa, de acusação e do
próprio juiz. Por meio de recursos audiovisuais, os representantes da justiça passam
as perguntas ao profissional da área psicossocial (assistente social ou psicólogo), o
qual fará as perguntas da forma mais adequada ao universo daquele que está sendo
inquirido. Pretende-se difundir essa experiência pioneira do judiciário do Rio Grande
do Sul em todo o sistema judiciário com o advento da referida Lei nº 13.431/2017.
O papel deste profissional é basicamente de intermediação e sua aceitação não é
pacífica. A objeção por parte dos psicólogos (e também dos assistentes sociais) é que
este não se configura como uma prática psicológica, mas sim, um instrumental da
justiça e que, não necessariamente privará o depoente dos danos decorrentes.
Relembrando Freud, a simples transposição de técnicas psicológicas para outro
contexto que não o do setting não garante que a verdade real seja apresentada, nem
garante a integridade psíquica do sujeito, uma vez que se lida com a verdade do
paciente.
Não se deve confundir, entretanto, este procedimento – o “depoimento especial”
– com uma prática psicológica. As técnicas psicológicas de entrevista podem ser de
grande utilidade para lhe imprimir eficácia e eficiência; enquanto técnicas, são
empregadas por diversos profissionais em seu cotidiano, afinal, elas não são
privativas desta ou daquela categoria.
Os aspectos cruciais do “depoimento especial” encontram-se, pois, relacionados
com:

➢ a competência daquele que escuta, em promover a comunicação entre


depoente e representantes da justiça, preservando os conteúdos e
ajustando a linguagem;
➢ a habilidade do escutador em estabelecer um ambiente de cooperação,
adequado ao estado emocional daquele que depõe, onde a empatia, o
respeito, o controle emocional predominem e contribuam para minimizar
os danos psíquicos e, simultaneamente, assegurar um depoimento
confiável, na medida do possível.

Nos países onde este procedimento foi adotado há alguns anos, ainda não se
chegou a consenso sobre sua eficácia. Avaliar consequências de natureza psicológica
é sempre tarefa complexa, porque exige acompanhamentos de longo prazo e
segmentações de público, segundo os rigores da estatística, de elevado custo e
sofisticada elaboração.

9.6 CONFISSÃO
A confissão será sempre confrontada com as provas existentes nos autos.
Confessar um crime é expor-se voluntariamente à respectiva punição, o que leva a
indagar os motivos pelos quais tantos criminosos confessam.
Acredita-se que, para alguns, o martírio da culpa é insuportável, portanto,
melhor suportar a punição do que prolongar a culpa. Dessa maneira, o indivíduo
livra-se de insuportável dissonância cognitiva.
O sentimento de culpa provoca pensamentos aterrorizantes; a confissão os
elimina. Observe-se que isso somente acontece quando o indivíduo desenvolve o
sentimento de culpa. Não se aplica, portanto, à pessoa com transtorno de
personalidade antissocial, para quem tal sentimento simplesmente não existe.
A confissão também pode estar ligada à estrutura de crenças do indivíduo
(religioso, acredita que, fazendo-a, terá o pecado também perdoado). Há, também, a
expectativa de abrandar o castigo; o crime ocorreu em um momento de descontrole
emocional, que o tempo se encarregou de corrigir – a racionalidade leva-o a calcular
o benefício de confessar.
Há de se considerar, entretanto, que algumas vezes a confissão é, simplesmente,
imposta pela evidência dos fatos.
Existe, também, a confissão falsa, por motivos materiais (pagamento),
solidariedade familiar e, nos grupos de grande coesão, por valores morais (confessa
para livrar um amigo, um líder etc.).
A confissão falsa também pode estar associada a uma extrema fragilidade
emocional; pressionado pelo aparecimento de inúmeras provas incriminadoras,
influenciado mesmo pelo próprio advogado, o indivíduo confessa – mais tarde, a
vítima reaparece para surpresa de todos. O estado emocional pode provocar amnésia
lacunar, por exemplo, e o indivíduo fica em dúvida se, realmente, não praticou o ato
criminoso.
A tortura também leva a confissão falsa ou verdadeira pela fragilização
emocional e física, esta desencadeando aquela e agravando-a ainda mais.
No sistema penal brasileiro, em geral, a polícia está preocupada em determinar o
culpado, ou seja, quem praticou o delito, proceder ao inquérito policial e apontar o
autor do crime para o juiz.
Só recentemente tem-se investido mais em compreender por que o crime é
praticado, com a implementação de serviços de inteligência criminal. Nestes, cruzam-
se dados objetivos e subjetivos e a compreensão do funcionamento da mente humana
se torna muito importante. Esses serviços são fundamentais, pois colaboram, entre
outros aspectos, no estabelecimento de políticas públicas para programas de
prevenção.

Filmografia
O filme mostra uma sessão do júri.

1957 – Sidney Lumet Mecanismos de defesa, crenças irracionais,


Doze homens e uma sentença figura e fundo, preconceito,
1997 – William Friedkin
condicionamento, liderança, comportamento
em grupo (entre outros).

Relacionamento advogado-cliente. Doença


Duas faces de um crime, As 1996 – Gregory Hoblit mental e crime. Simulação. Dupla
personalidade.

Crime passional. Reação emocional a evento


Entre quatro paredes 2001 – Todd Field
traumático. Crime e castigo.

Temas para reflexão

➢ DOLOSO OU CULPOSO (item 9.3.2)


Em <http://genjuridico.com.br/2016/06/15/efeito-demonstracao/>,
apresenta-se o caso “Efeito Demonstração”, em que se encontra em pauta
a classificação de um delito como culposo ou doloso. O artigo deixa a
conclusão para o leitor, sugerindo fatores que podem afetá-la.

➢ DELINQUÊNCIA (item 9.3.3)


Um dos aspectos inquietantes relacionados com a gênese da delinquência
é a tolerância com os pequenos delitos que permeiam o cotidiano da
população.
Existe uma percepção generalizada de que um delito:
a) sendo de pequena proporção (um julgamento, sem dúvida, subjetivo
daquele que o comete), é “aceitável”;
b) sendo praticado por muitos, é ainda mais tolerável.
De um lado, atuam os mecanismos psicológicos de defesa do ego,
eficazes em imprimir a competente absolvição pelo delito e suas
consequências; de outro, a relação figura e fundo, por meio da qual
empresta-se invisibilidade a tais comportamentos.
Outros importantes aspectos psicológicos contribuem para validar e
cronificar os inumeráveis comportamentos dessa natureza.
Uma questão que se apresenta é o tratamento jurídico a ser dado a esses
comportamentos, de tal maneira que os benefícios psicológicos que os
mecanismos indicados propiciam sejam substituídos por outros,
socialmente mais adequados e inibidores dessas ações.
x
Caso 1 – Colisão na rotatória
Joana, esteticista, e Gilberto, baterista, aguardavam uma oportunidade
para atravessar, no cruzamento mal sinalizado de duas importantes
avenidas. De repente, quatro veículos envolvem-se em violenta colisão. Os
danos materiais parecem elevados.
Dois motoristas, os principais envolvidos, Pedro e Sílvio, iniciam áspera
discussão, enquanto os outros dois limitam-se a conversar, aparentando
calma, e a observar atentamente os danos menores em seus veículos.
Joana e Gilberto, que presenciaram os fatos, são arrolados como
testemunhas. A discussão evoluiu para agressão física; Pedro agrediu Sílvio
com violência; este, semiconsciente, foi hospitalizado com ferimentos na
face e suspeita de traumatismo craniano. Populares impediram a fuga de
Pedro enquanto aguardavam a chegada da polícia.
Em seu depoimento, Joana descreveu que Pedro entrou no cruzamento
em alta velocidade, de maneira irresponsável, atingindo a lateral do carro
de Sílvio, que freou abruptamente. Um terceiro motorista colidiu contra a
traseira do carro de Sílvio; o quarto motorista, contra a traseira do veículo
de Pedro. Os veículos de Sílvio e Pedro ficaram severamente danificados.
Também, segundo ela, Sílvio desceu do veículo proferindo palavras de baixo
calão para Pedro.
Gilberto apresentou depoimento bastante diferente do de Joana;
segundo ele, Sílvio, que vinha pela faixa da direita, invadiu a faixa central,
pela qual transitava Pedro, de maneira inesperada, sem sinalizar, não
dando tempo a ele de frear o veículo ou desviar para a faixa à sua
esquerda. Isso, no seu entendimento, teria provocado a colisão inevitável.
Joana e Gilberto presenciaram o mesmo fato, porém, o relataram de
modo diferente.
x
Caso 3 – Luciana: encontro com a violência
Luciana, jovem de 17 anos, estudante, voltava da escola para casa, à
noite, no trajeto habitual que a levava a transitar por um trecho mal
iluminado, próximo a vários terrenos baldios, com muitas árvores e mato
alto, margeando o pequeno riacho em torno do qual o bairro distante se
desenvolveu.
Tais circunstâncias propiciaram a ação de três homens que estavam
próximos ao local. Eles a cercaram e dominaram, desferindo-lhe um soco no
olho e tapando-lhe a boca. Assim, maltratada e imobilizada, Luciana viu-se
arrastada para o matagal.
Ali, foi estuprada pelos três, repetidas vezes, enquanto todos passavam
as mãos em seu corpo, mantendo-a imobilizada e emudecida pela própria
calcinha, violentamente arrancada e enfiada em sua boca, quase até
asfixiá-la.
Após breve confabulação, os três decidiram não matá-la e fugiram do
local, de posse dos escassos bens da vítima: alguns trocados, passes
escolares e o relógio barato adquirido na feira livre do bairro.
Luciana permaneceu um tempo, que lhe pareceu infinito, deitada sobre
o chão imundo, onde os três urinaram antes de se evadir, sentindo mais
nojo do que dor. Deve ter perdido os sentidos, pois, de repente, viu-se só.
Arrastou-se, com dificuldade, entre a vegetação, até que conseguiu se
orientar. Levantou-se e, tremendo e chorando, buscou o caminho de casa.
Com muita vergonha, relatou o ocorrido para a mãe e o padrasto.
Enquanto a mãe consolava-a, o padrasto não deixou de recriminá-la
por seus “modos”. “Sempre achei que ainda ia acontecer alguma desgraça”,
afirmou. A mãe, entretanto, fez questão de levá-la à delegacia do bairro
para prestar queixa.
A ocorrência foi comunicada à polícia civil, seguindo-se o suplício de se
submeter a exame de corpo de delito.
Nos próximos meses, Luciana permaneceu em casa, recuperando-se
pouco a pouco da provação. Perdeu o emprego e não conseguiu retomar as
aulas naquele ano… Tinha vergonha de encarar os colegas de trabalho e de
escola. Passou a evitar conhecidos e parentes.
Algum tempo depois, a polícia logrou êxito na prisão dos suspeitos, os
quais foram identificados, submetidos a julgamento, sentenciados e
condenados.
Durante o julgamento, a advogada de defesa dos criminosos colocou
em dúvida o depoimento de Luciana, questionando a gravidade dos fatos,
alegando que a vítima não soube precisar quantas vezes foi estuprada por
cada um dos elementos.
x
Caso 4 – No varal fica fácil
Dídio não teve dúvidas. Passava pela frente da casa de dona Nininha
quando percebeu o vento tremulando as cuecas e bermudas no varal do
quintal, que da rua se avistava. A casa encontrava-se fechada e,
aparentemente, não havia ninguém. Nem cachorro.
Abriu o portão, caminhou calmamente pela calçada lateral e recolheu
as peças de roupas. Enrolou-as, colocou debaixo do braço e saiu, tão
calmamente quanto entrou, observado por Maristela, a filha mais velha da
vizinha de dona Nininha.
No julgamento, a defesa alegou insuficiência de provas para alicerçar
um decreto condenatório, porém os autos de exibição, apreensão, avaliação
e entrega de bens comprovavam de maneira conclusiva a materialidade do
delito.
x
Caso 7 – Carol, a bem amada
A plácida reunião de família, com a tradicional troca de amenidades, foi
interrompida quando Carol, bela nos seus 40 anos bem administrados
anatomicamente, revira os olhos para o teto e comenta a respeito do
delicioso encontro com o gerente da padaria, casado e pai de três filhas.
Os demais, entre invejosos e espantados, embora já acostumados com
as notícias de suas aventuras amorosas, olham-na calados. De repente, sua
irmã mais velha, Helena, visivelmente transtornada, atira-se sobre ela.
O caso não chegou a originar Boletim de Ocorrência, embora a
agressão tenha sido violenta e somente não ocasionou consequências
maiores pela rápida ação de dois cunhados.
Helena “não podia se conformar com o desrespeito à memória do pai,
que, graças a Deus, não estava ali para presenciar aquela sem-vergonhice”.
O que sobrava a uma faltava à outra, e a rigidez do superego se incumbia
de escancarar a realidade.
x
Caso 10 – Uma Flor com um só marido
Everaldo iniciou com pequenos furtos; nunca foi punido por eles;
adolescente, chegou a ser detido uma única vez; liberado rapidamente, por
bom comportamento (e, também, porque a instituição não tinha mais
espaço para abrigá-lo).
Adulto, participou de alguns assaltos; acostumou-se a ser rapidamente
liberado; a perspectiva de ser punido tornou-se menor do que a de ser
gratificado. “Assaltante profissional”, foi baleado e morto na saída de uma
boate, por Betão, cuja companheira Flor, antiga paixão, Everaldo havia,
finalmente, conquistado.
x
Caso 10 – Uma Flor com um só marido
Everaldo iniciou com pequenos furtos; nunca foi punido por eles;
adolescente, chegou a ser detido uma única vez; liberado rapidamente, por
bom comportamento (e, também, porque a instituição não tinha mais
espaço para abrigá-lo).
Adulto, participou de alguns assaltos; acostumou-se a ser rapidamente
liberado; a perspectiva de ser punido tornou-se menor do que a de ser
gratificado. “Assaltante profissional”, foi baleado e morto na saída de uma
boate, por Betão, cuja companheira Flor, antiga paixão, Everaldo havia,
finalmente, conquistado.
x
Caso 14 – Entre a emoção e a razão
O faro aguçado da schnauzer da dona Rosinha, que indicou a presença
de algo inusitado na lixeira do edifício, e a perspicácia do zelador
conduziram os investigadores da polícia à sra. Alice, de 28 anos, moradora
de um dos apartamentos do edifício.
Alice vinha de um relacionamento profundamente frustrante entre ela e
o engenheiro Ronaldo, do qual resultou uma gravidez por ela
profundamente indesejada. A expressão odeio esse bebê não lhe saía dos
lábios; não aconteceram cuidados pré-natais; as amigas não lhe extraíram
qualquer manifestação de afeto em relação à futura criança e todas foram
unânimes em afirmar que Alice não queria ser mãe.
Aos 28 anos, ela havia se tornado uma bem-sucedida profissional de
vendas; no ano anterior, assumira a supervisão da equipe e os resultados
vinham sendo plenamente satisfatórios, o que lhe abria excelentes
perspectivas na organização.
Entretanto, a aproximação do nascimento do bebê veio acompanhada
de notáveis transformações do humor de Alice, o que suas colegas de
trabalho e amigas atribuíam a alterações hormonais típicas da gravidez.
O parto ocorreu na costumeira solidão do apartamento; a triste
ocorrência foi detectada no dia imediato, para consternação de todos os
moradores que sempre nutriram por ela consideração e afeto.
x
Caso 17 – Em legítima defesa
Davi, 42 anos, reside só em rua tranquila de bairro tradicional de uma
cidade média. Poucos se relacionam com ele; ainda assim, superficialmente.
Os vizinhos percebem que a residência de Davi é muito bem protegida,
bem como seus cuidados para entrar e sair de casa.
Ao final de uma tarde, ouvem-se tiros e os vizinhos deparam-se com
uma cena insólita: o jovem que faz a leitura do medidor de luz estendido no
jardim, morto, com um tiro no peito; próximo a ele, Davi, trêmulo, com o
revólver na mão.
Explica, então, que esqueceu o portão sem o cadeado e flagrou aquele
alienígena, que constantemente o persegue, já pronto para entrar em sua
residência.
Na delegacia de polícia, explicou detalhadamente que há alguns anos
vem sendo perseguido por pessoas de outro planeta e que,
frequentemente, as enxerga no jardim da casa, quando espia pela cortina,
em geral no início da noite.
Naquele dia, muniu-se de coragem e enfrentou o inimigo.
x
Caso 18 – A enfermeira legal
A suave Adriana encanta pela meiguice com que se dirige às pessoas;
combina gestos de contida afeição com o sorriso que se esboça para
permitir palavras ternas que denotam um misto de timidez e carinho e que
o fato de ser apenas prenunciado acentua e valoriza.
Esse dom de agradar granjeia-lhe simpatias e amizades nos lugares
que frequenta. Não foi exceção o curso de enfermagem, em que se tornou
querida de muitos colegas.
Certo dia, chegou Adriana à sala de aula, contando que havia sido
premiada com um computador, pela produtividade no trabalho. Ela tinha
interesse em vendê-lo por valor bastante inferior ao praticado no comércio
local, o que efetivamente fez, entregando o bem ao comprador.
Contudo, pouco tempo depois, relatou aos colegas, demonstrando
sofrimento, que havia perdido o emprego porque a empresa faliu. Os
empregados iriam receber as indenizações por meio de bens móveis. Todos
ficaram consternados. A partir daí, queixava-se de fortes dores de cabeça,
atribuídas ao estresse emocional.
Passou-se mais algum tempo e ela relatou que havia recebido meia
dúzia de computadores, novos, como parte da indenização; como precisava
de dinheiro, estava oferecendo-os pela metade do preço de mercado.
Rapidamente, surgiram interessados.
Adriana pediu-lhes, então, como sinal de negócio, 50% do valor a ser
integralizado, prometendo a entrega para a semana seguinte, quando o
inventário da massa falida estaria concluído. Recebeu o dinheiro e nunca
mais foi vista na escola. No celular, a mensagem “telefone
temporariamente fora de serviço”.
x

Caso 20 – “Curtindo a vida”


Ivã é um empresário de sucesso, proprietário de microempresa no
ramo de embalagens, na qual emprega 20 pessoas; Neuza, sua esposa,
reconhecida pelas obras de caridade e pela devoção com que promove
ações sociais no bairro em que residem, é mãe de Wilson, de 14, o mais
novo de três filhos.
Wilson já repetiu três vezes na escola; mostra-se relapso,
insubordinado e constitui um problema disciplinar recorrente.
A comunidade encara a situação com perplexidade: de um lado, pais
exemplares, de grande valor profissional e social; de outro lado, um jovem
que não participa de nada construtivo, que vive no clube de campo,
frequenta prostíbulos e, em mais de uma oportunidade, praticou pequenos
delitos.
Segundo Wilson, “a gente assalta e rouba de brincadeira”, uma cândida
explicação que sua ingênua e bondosa mãe não apenas aceita, como
também lhe basta para ocultar os lamentáveis fatos do marido – este, o
único que nada sabe. Ivã, ausente das atividades do lar, concentra-se nos
negócios, dos quais participam os dois filhos mais velhos.
Finalmente, Wilson e alguns amigos foram detidos quando iniciavam
um assalto a uma agência bancária em localidade próxima. O rapaz deu a
entender, então, que seu sonho era assaltar um banco sem ser preso.
Ivã, finalmente, tomou conhecimento da situação. Decidiu enviar o filho
para residir com parentes, em uma localidade do interior, distante de
grandes centros, na crença de que o isolamento e a distância das más
companhias bastariam para cicatrizar as feridas de suas almas. A partir daí,
a vida de Neuza tornou-se um sofrimento, devorada pela saudade;
“ninguém sabe a falta que Wilson me faz”, reclama para as amigas nas
conversas que antecedem os rituais devocionais que pratica com elas.
Wilson ainda será manchete.
x
Caso 24 – Corrupção antidroga
Foi como se a espada de Dâmocles, finalmente, tivesse caído sobre sua
cabeça, rompendo os fios que há séculos a sustentavam.
Orestes, casado, pai de quatro filhos, funcionário público há 12 anos,
encarregado do setor de compras de uma repartição pública, descobriu que
seu filho mais velho era dependente de drogas e que vinha sofrendo
ameaças de traficantes em consequência de dívidas contraídas.
Dono de excelente reputação, Orestes viu sua imagem perante
superiores e colegas desmoronar rapidamente; tornou-se mal-humorado,
passou a descumprir prazos, os documentos que sempre foram produzidos
de maneira impecável mostravam-se falhos e obrigavam a contínuas
revisões.
O estresse familiar deslocou suas atenções para o drama vivido pelo
filho, fazendo-o debater-se entre alternativas de ação que o torturavam
cada vez mais por não saber o que fazer.
Sentindo-se na obrigação de ajudar o filho, sem recursos financeiros
suficientes, propôs a um fornecedor que ele considerava de sua confiança o
pagamento de determinada quantia para obter favorecimento em uma
licitação próxima.
Foi denunciado e o que parecia um purgatório passageiro transformou-
se em autêntico inferno de Dante, onde se viu rodeado por Cérberos em
uma travessia sem fim.
x
Caso 26 – A filha de Godofredo
Godofredo apreciava uma visita periódica ao bar, que funcionava anexo
à padaria do bairro. Ali conheceu C.M., que sempre lhe pedia uns trocados e
uma pinga. Segundo Godofredo, recusados. Entre uma conversa fútil e
outra, C.M. tornou-se conhecedor da rotina de Godofredo e de sua família,
que residia nas proximidades.
Uma noite, por volta das 22 horas, quando a filha de 16 anos de
Godofredo retornava para casa, C.M. interpelou-a próximo do portão;
encostou um objeto em seu corpo, dizendo que se tratava de roubo e que,
se ela gritasse, ele entraria na casa e mataria todos. Abraçou-a e forçou-a a
acompanhá-lo até um matagal próximo, onde a estuprou. Mais tarde, já
preso, foi examinado por perito que atestou sua higidez mental. No
depoimento, tentou fazer crer que se encontrava bêbado e incapaz de
ereção. Durante as entrevistas, ficou patente que o réu demonstrava
profundo e infundado ódio em relação a Godofredo.
x
Caso 27 – Agressão no trânsito: Aguinaldo, o valente
João, 27 anos, vendedor autônomo, foi ao shopping center levar seus
dois filhos para um passeio dominical. Lá chegando, encontrou dificuldade
para localizar uma vaga para seu veículo; finalmente, surgiu uma que lhe
parecia adequada; manobrou o veículo e rapidamente a ocupou.
Há poucos metros dali, havia um veículo parado, sinalizando a intenção
de ocupar a mesma vaga. O segundo veículo era conduzido por Alex, 19
anos, e seu irmão Aguinaldo, de 20 anos, os quais já estavam lá há algum
tempo.
Alex manobrou seu veículo de modo a bloquear a passagem de João e
seus filhos; ato contínuo, saiu do carro e foi “tirar satisfações com João”, o
qual, surpreso com essa atitude ríspida, uma vez que não havia percebido
sua intenção de ocupar aquela vaga, procurou compreender a situação e
comunicar-se de modo cordial.
Entretanto, Aguinaldo, que também já havia saído do carro, não lhe
deu tempo para explicações. Quebrou-lhe o nariz com um soco na face.

Você também pode gostar