Direito Penal Do Inimigo-Gunter Jacobs
Direito Penal Do Inimigo-Gunter Jacobs
Direito Penal Do Inimigo-Gunter Jacobs
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inimigo (Hobbes); (d) quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, quem não aceita o
“estado comunitário-legal”, deve ser tratado como inimigo (Kant).
Características do Direito Penal do inimigo: (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim,
com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão con-
soante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado
(o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal
retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação;
(f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse
status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da
norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do
inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcan-
çar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim,
justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasi-
onal), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigên-
cia da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamen-
te, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.
Dois Direitos Penais: de acordo com a tese de Jakobs, o Estado pode proceder de dois modos
contra os delinqüentes: pode vê-los como pessoas que delinqüem ou como indivíduos que apre-
sentam perigo para o próprio Estado. Dois, portanto, seriam os Direitos Penais: um é o do cida-
dão, que deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais; para ele vale na
integralidade o devido processo legal; o outro é o Direito Penal do inimigo. Este deve ser tratado
como fonte de perigo e, portanto, como meio para intimidar outras pessoas. O Direito Penal do
cidadão é um Direito Penal de todos; o Direito Penal do inimigo é contra aqueles que atentam
permanentemente contra o Estado: é coação física, até chegar à guerra. Cidadão é quem, mesmo
depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao
Direito. Inimigo é quem não oferece essa garantia.
A pena de prisão tem duplo significado: um simbólico e outro físico: (a) o fato (criminoso) de
uma pessoa racional significa uma desautorização da norma, um ataque à sua vigência; a pena,
por seu turno, simbolicamente, diz que é irrelevante ter praticado essa conduta (para o efeito de
se destruir o ordenamento jurídico); a norma segue vigente e válida para a configuração da socie-
dade, mesmo depois de violada; (b) a pena não se dirige ao criminoso, sim, ao cidadão que atua
com fidelidade ao Direito; tem função preventiva integradora ou reafirmadora da norma; (c) A
função da pena no Direito Penal do cidadão é contrafática (contrariedade à sua violação, leia-se,
a pena reafirma contrafaticamente a norma); (d) no Direito Penal do inimigo procura predomi-
nantemente a eliminação de um perigo, que deve ser eliminado pelo maior tempo possível; (e)
quanto ao significado físico, a pena impede que o sujeito pratique crimes fora do cárcere. En-
quanto ele está preso, há prevenção do delito (em relação a delitos que poderiam ser cometidos
fora do presídio).
Bandeiras do Direito Penal de inimigo: o Direito Penal do inimigo, como se vê, (a) necessita da
eleição de um inimigo e (b) caracteriza-se ademais pela oposição que faz ao Direito Penal do
cidadão (onde vigoram todos os princípios limitadores do poder punitivo estatal).
Suas principais bandeiras são: (a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga
dos crimes e das penas); (b) inobservância de princípios básicos como o da ofensividade, da exte-
riorização do fato, da imputação objetiva etc.; (c) aumento desproporcional de penas; (d) criação
artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); (e) endurecimento sem causa da
execução penal; (f) exagerada antecipação da tutela penal; (g) corte de direitos e garantias proces-
suais fundamentais; (h) concessão de prêmios ao inimigo que se mostra fiel ao Direito (delação
premiada, colaboração premiada etc.); (i) flexibilização da prisão em flagrante (ação controlada);
(j) infiltração de agentes policiais; (l) uso e abuso de medidas preventivas ou cautelares (intercep-
tação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra a lei); (m) medi-
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das penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros, leiloeiros
etc.).
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l. a criminalidade etiquetada como inimiga não chega a colocar em risco o Estado vigente,
nem suas instituições essenciais (afetam bens jurídicos relevantes,
causa grande clamor midiático e às vezes popular, mas não chega a colocar em risco a
própria existência do Estado);
m. logo, contra ela só se justifica o Direito Penal da normalidade (leia-se: do estado de di-
reito);
n. tratar o criminoso comum como “criminoso de guerra” é tudo de que ele necessita, de
outro lado, para questionar a legitimidade do sistema (desproporcionalidade, flexibiliza-
ção de garantias, processo antidemocrático etc.); temos afirmar que seu crime é uma
manifestação delitiva a mais, não um ato de guerra. A lógica da guerra (da intolerância
excessiva, do “vale tudo”) conduz a excessos. Destrói a razoabilidade e coloca em risco
o Estado Democrático. Não é boa companheira da racionalidade.
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remédio para isso; (dd) o Direito Penal tornou-se um produto de mercado; (ee) o Direito Penal na
atualidade não tem discurso acadêmico, é puro discurso publicitário, é pura propaganda; é a mí-
dia que domina o Estado, não o Estado que se sobrepõe a ela; (ff) os juízes estão apavorados; juiz
garantista tem de enfrentar a mídia.
De tudo quando foi resenhado em relação ao pensamento de Zaffaroni, pode-se concluir:
desde 1980, especialmente nos EUA, o sistema penal vem sendo utilizado para encher os presí-
dios. Isso se coaduna com a política econômica neoliberal. Cabe considerar que desde essa época
vem se difundindo o fenômeno da privatização dos presídios. Quem constrói ou administra pre-
sídios precisa de presos (para assegurar remuneração aos investimentos feitos). Considerando-se a
dificuldade de se encarcerar gente das classes mais bem posicionadas, incrementou-se a incidên-
cia do sistema penal sobre os excluídos. O Direito Penal da era da globalização caracteriza-se
(sobretudo) pela prisionização em massa dos marginalizados.
Os velhos inimigos do sistema penal e do estado de polícia (os pobres, marginalizados etc.)
constituem sempre um “exército de reserva”: são eles os encarcerados. Nunca haviam cumprido
nenhuma função econômica (não são consumidores, não são empregadores, não são geradores
de impostos). Mas isso tudo agora está ganhando nova dimensão. A presença massiva de pobres
e marginalizados nas cadeias gera a construção de mais presídios privados, mais renda para seus
exploradores, movimenta a economia, dá empregos, estabiliza o índice de desempregado etc. Os
pobres e marginalizados finalmente passaram a cumprir uma função econômica: a presença deles
na cadeia gera dinheiro, gera emprego etc.
Como o sistema penal funciona seletivamente (teoria do labelling approach), consegue-se fa-
cilmente alimentar os cárceres com esse “exército” de excluídos. Em lugar de ficarem jogados
pelas calçadas e ruas, economicamente, tornou-se útil o encarceramento deles. Com isso também
se alcança o efeito colateral de se suavizar a feiúra das cidades latino-americanas, cujo ambiente
arquitetônico-urbanístico está repleto de esfarrapados e maltrapilhos. Atenua-se o mal-estar que
eles “causam” e transmite-se a sensação de “limpeza” e de “segurança”. O movimento “tolerân-
cia zero” (que significa tolerância zero contra os marginalizados, pobres etc.) é manifestação fi-
dedigna desse sistema penal seletivo. Optou claramente pelos pobres, eliminando-lhes a liberdade
de locomoção. Quem antes não tinha (mesmo) lugar para ir, agora já sabe o seu destino: o cárce-
re. Pelo menos agora os pobres cumprem uma função socioeconômica! Finalmente (a elite políti-
co-econômica) descobriu uma função para eles.