Apostila - Antropologia Da Religião
Apostila - Antropologia Da Religião
Apostila - Antropologia Da Religião
Unidade I - Fundamentos
Introdução.......................................................................................................................04
Introdução.......................................................................................................................35
2.1. Símbolos..........................................................................................................................35
2.2. Mitos................................................................................................................................49
2.3. Rituais..............................................................................................................................60
Introdução.......................................................................................................................69
Introdução....................................................................................................................105
Introdução
Para aqueles que criam que a religião desapareceria, a vida
contemporânea insiste em mostrar que a religião ainda está viva e exerce
um papel significativo na vida das pessoas e na sociedade. Não é raro nos
depararmos com noticiários que ressaltam alguns dos novos desafios
colocados para a religião em contraste com alguns desvios, por vezes
até violentos, de conduta em relação ao outro. O pluralismo sempre se
fez presente de uma forma ou de outra, porém, o pluralismo atual coloca
às religiões o desafio de promoverem um convívio pacífico.
Por mais que esse olhar possa parecer desinteressado, não existe um olhar
neutro para o outro. Qualquer forma de olhar sempre estará eivada por
valores – pelos valores daquele que olha. Porém, cada forma de olhar será
marcada por comportamentos distintos. Enquanto turista cultural, minha
preocupação pode ser apenas vivenciar o clima exótico do outro. Todavia,
ao olhar para a religião do outro a partir da minha própria religião a questão
se coloca de outra maneira. Dentre as formas possíveis, listemos três.
Glossário
Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua,
raça, religião, hábitos etc., como também das manifestações
materiais de suas atividades. É a ciência das etnias. Do grego
ethos (cultura) + graphe (escrita). A etnografia estuda e revela os
costumes, as crenças e as tradições de uma sociedade, que são
transmitidas de geração em geração e que permitem a continuidade
de uma determinada cultura ou de um sistema social (https://www.
significados.com.br/etnografia/).
Saiba mais
Há uma série de fenômenos de suma importância que de forma
alguma podem ser registrados apenas com o auxílio de questionários
ou documentos estatísticos, mas devem ser observados em sua plena
realidade. A esses fenômenos podemos dar o nome de os imponderáveis
da vida real. Pertencem a essa classe de fenômenos: a rotina do trabalho
diário do nativo; os detalhes de seus cuidados corporais; o modo como
prepara a comida e se alimenta; o tom das conversas e da vida social
ao redor das fogueiras; a existência de hostilidade ou de fortes laços de
amizade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas; a
maneira sutil, porém inconfundível, como a vaidade e a ambição pessoal
se refletem no comportamento de um indivíduo e nas reações emocionais
daqueles que o cercam. Todos esses fatos podem e devem ser
formulados cientificamente e registrados; entretanto, é preciso que isso
não se transforme numa simples anotação superficial de detalhes, como
usualmente é feito por observadores comuns, mas seja acompanhado de
um esforço para atingir a atitude mental que neles se expressa. É esse
o motivo por que o trabalho de observadores cientificamente treinados,
aplicado ao estudo consciencioso dessa categoria de fatos, poderá,
acredito, trazer resultados de inestimável valor.
MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do pacífico ocidental. Abril S.A.
Cultural e Industrial: São Paulo, 1976, p. 34
Todavia não se trata de partir de um quadro definido uma vez por todas
quando se trata da reconstituição da evolução da linhagem humana.
Vez ou outra somos informados sobre novas descobertas que colocam
de cabeça para baixo quadros antes definidos. Porém, trata-se de
uma pesquisa válida que busca encontrar o lugar da espécie humana
na natureza e conhecer a sua especificidade. Por detrás desta busca
encontra-se a questão sobre o quanto de animal existe no ser humano,
perguntando-se em que medida seu comportamento é próximo ou
distante de outros antropoides – e quanto de cultura está presente
também nessas diferenças. Não se trata da busca de um determinismo
biológico, pois os bioantropólogos não negam que a cultura contribuiu
Antropologia da Religião | FTSA | 13
para que o ser humano se tornasse naquilo que é hoje: a sua capacidade de
comunicação através de um sistema linguístico complexo e sofisticado,
a fabricação e o emprego de ferramentas e a adoção generalizada da
proibição do incesto como regra fundamental da sociedade humana
(Gomes, 2014, p. 17).
Saiba mais
O futuro da religião
Enquanto se desenrola a história política explosiva do século
nascente, o desdobramento mais notável – e o mais surpreendente
– que as ciências sociais se veem obrigadas a enfrentar na cena
mundial é com certeza aquilo que se usa denominar, muitas vezes
erroneamente, como “o retorno da religião”.
Erroneamente porque na verdade a religião nunca desapareceu –
foi a atenção das ciências sociais que se desviou a outros campos,
enquanto estiveram dominadas por uma série de pressupostos
evolutivos que consideravam o compromisso com a religião uma
força em declínio na sociedade, um resíduo de tradições passadas
inexoravelmente erodido pelos quatro cavaleiros da modernidade:
secularismo, nacionalismo, racionalização e globalização.
Desde a época das sociologias clássicas [...] a história da sociedade,
e especialmente a da sociedade ocidental considerada como seu
objetivo e estágio mais avançado, foi descrita como um movimento
regular, inevitável e cumulativo de um pólo cultural claramente definido
a outro – da magia à ciência, da solidariedade mecânica à solidariedade
orgânica, da tradição à razão: o mundo desencantado, o eu liberado de
seus entraves [...]
A religião não se enfraqueceu como força social. Pelo
contrário: parece se ter reforçado no período recente.
Mas mudou – e muda cada vez mais – de forma.
É essa situação – a emergência de conflitos religiosos mais a
crescente migração de pessoas e famílias rumo a sociedades mais
modernas, mas igualmente diversificadas, na Europa e América do
18 | Antropologia da Religião | FTSA
Norte, nas quais ela induz tensões e conflitos – que as ciências
sociais precisam, hoje, descrever e explicar, e não uma tendência
pretensamente generalizada à secularização e ao declínio da fé [...]
Aquilo de que precisamos é uma espécie de quadro que permita lançar
luz sobre a mudança no seio de diferentes tradições progressivamente
libertadas dos contextos sociais que as viram nascer e tomar forma. E
isso nos leva a estudar a modernização no seio das religiões, a não mais
avaliar o avanço ou recuo “da religião” em geral, mas, sim, apreender os
processos de transformação e reformulação de cada religião específica
no momento em que ela se vê penetrada, de bom grado ou de mau
grado, pelas perplexidades e desordens da vida moderna.
GEERTZ, Clifford. O futuro das religiões. Folha de São Paulo. São
Paulo, 14 de maio de 2016.
Exercício de Aplicação - 02
“Não existe alternativa: ou construímos o futuro juntos, ou não
haverá futuro. As religiões, de modo especial, não podem renunciar
à urgente tarefa de construir pontes entre os povos e as culturas
[...] Nossas tradições religiosas são uma fonte necessária de
inspiração para fomentar a cultura do encontro, é fundamental a
cooperação inter-religiosa, baseada na promoção de um diálogo
sincero e respeitoso”.
Exercício de Aplicação - 03
Sobre o valor do método antropológico para o sistema geral de nossa
cultura e educação, de maior importância é seu poder de nos fazer
compreender as raízes que deram origem à nossa civilização, de nos
incutir o valor relativo de todas as formas de cultura e de assim servir
como uma restrição a uma avaliação exagerada do nosso período,
que tendemos a considerar como a meta final da evolução humana.
Adaptado de: Franz Boas, A formação da antropologia americana
(antologia). Rio de Janeiro: Contraponto, Editora UFRJ, 2004, p. 57
Sobre o relativismo cultural de Franz Boas enquanto um método
antropológico podemos afirmar que:
Exercício de Fixação - 04
Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o
que aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que
é boa. De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado
que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo
realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não
quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o
pecado que habita em mim. (Romanos 7:15-20)
De outro lado, no entanto, vemos esse Eu como uma pobre criatura
submetida a uma tripla servidão, que sofre com as ameaças de três perigos:
do mundo exterior, da libido do Id e do rigor do Super-Eu. Três espécies de
angústia correspondem a tais perigos, pois angústia é expressão de recuo
ante o perigo [...] O ser superior, que se tornou ideal do Eu, ameaçou uma
vez com castração, e esse medo da castração é provavelmente o núcleo
em volta do qual se armazena a posterior angústia da consciência, é ele
que prossegue como angústia da consciência (Sigmund Freud, O Eu e o Id,
Companhia das Letras, 2001, p. 70, 72)
Após a leitura dos trechos acima, assinale a alternativa correta:
a) Ambos os textos descrevem uma experiência humana semelhante, mas
o fazem a partir de registros diferentes, um teológico e outro psicanalítico.
b) Enquanto monumentos da cultura ocidental ambos os textos se
colocam como mediadores da autocompreensão que um ocidental pode
fazer de si.
c) Embora os textos possam aparentar certa semelhança, são totalmente
diferentes entre si e mutuamente excludentes.
É a partir desse todo que o ser humano pensa. Não se trata apenas de
uma atividade cerebral, mas também de uma dimensão simbólica na
qual ele está imerso. O ser humano pensa, ou – sem mistificar a cultura
– todo um complexo simbólico pensa-se nele. Todavia, assim como a
língua, a cultura não limita, pois a criação de novos significados é sempre
possível. Prova disso são os registros históricos que temos das mudanças
pelas quais as sociedades e culturas humanas passaram, e continuam a
passar, ao longo do tempo. Uma imagem do humano se constrói a partir
das múltiplas expressões culturais dos modos humanos de ser e viver
com o outro. Em seus primeiros passos enquanto ciência os antropólogos
andavam as voltas com o primitivo, buscando compreender não somente
uma sociedade ou cultura primitivas, mas uma própria maneira de pensar
primitiva – de sinônimo de sociedade simples o conceito será revisto diante
da complexidade a ser destacada nestas sociedades e culturas “primitivas”.
Saiba mais
Os etnólogos cederam por muito tempo ao que se denomina
a “superstição do primitivo” ou ainda o “mito do primitivo”. O
importante para eles era estudar prioritariamente as culturas mais
“arcaicas”, pois eles partiam do postulado que estas culturas
forneciam para a análise as formas elementares da vida social
e cultural que se tornariam necessariamente mais complexas à
Exercício de Aplicação - 05
A respeito da relação entre religião e cultura podemos afirmar que:
a) Por se tratar de uma dentre outras dimensões que compõe a
cultura, a análise do fenômeno religioso limitar-se-á na indicação
das funcionalidades possíveis que a religião pode desempenhar em
um determinado grupo social, tais como normativa, tranquilizante,
identitária, estimulante e outras.
Considerações finais
Espero que você tenha chegado ao final desta primeira unidade instigado
com as possibilidades abertas para a compreensão do fenômeno
religioso a partir da religião. Até este momento a nossa discussão foi
mais geral e teórica. Porém, nas duas próximas unidades trataremos de
alguns elementos da religião que nos permitirão lançar luz tanto sobre as
crenças e práticas do outro quanto sobre as nossas próprias crenças e
práticas.
Bibliografia
Introdução
Vez ou outra nos deparamos com símbolos religiosos espalhados pela
cidade, mas, o que significa um símbolo e quais são as suas contribuições
para a prática religiosa? Pensando nesta questão, nesta segunda Unidade
nos voltaremos para alguns aspectos da dimensão simbólica e conjuntos
de práticas religiosas.
2.1. Símbolos
2.1.1. O que é um símbolo?
Conhecer uma religião implica também adentrar um mundo repleto de
símbolos. Embora em algumas mais e em outras menos, o fato é que os
símbolos estão presentes nas mais distintas formas de religião. Essa
diversidade também se estende ao papel e função desses símbolos, que
podem variar de um mero artefato decorativo a um objeto através do
qual imagina-se que alguma força ou ser se manifesta. Porém, a despeito
de todas essas diferenças, vamos buscar um conceito de símbolo que
permita nos aproximarmos desse universo tão rico, composto pelos
sistemas simbólicos das diferentes religiões. Comecemos por uma
definição genérica encontrada em um dicionário:
Antropologia da Religião | FTSA | 35
Símbolo
1 Qualquer coisa usada para representar ou substituir outra,
estabelecendo uma correspondência ou relação entre elas. 2 Aquilo
que, em determinada cultura, apresenta valor evocatório ou místico.
3 Ser, objeto ou imagem ao qual se pode atribuir mais de um
significado. 4 Pessoa ou personagem que simboliza alguma coisa
de modo exemplar. 6 Figura convencional especialmente elaborada
para representar algo; emblema. 7 Palavra ou imagem que possa
designar outra coisa ou outra qualidade por estabelecer com esses
uma correspondência de semelhança; alegoria, metáfora. https://
michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/simbolo
Exercício de Aplicação - 06
Buda e a suástica... contextualização dos símbolos
Eller (2007, p. 60) assinala que nem todos os antropólogos são favoráveis
a uma aproximação interpretativa da religião enquanto um sistema
simbólico. Estes antropólogos, ao ouvirem certas considerações de seus
informantes, concluem: “‘Isto é simbólico’. Por quê? Porque é falso”. Como
exemplo ele cita Radcliffe-Brown (apud Eller, 2007, p. 60): “temos de dizer
que do nosso ponto de vista os nativos estão errados, que os ritos não
realizam aquilo que eles acreditam que eles façam [...] Na medida em
que são práticos visando um propósito, são fúteis, baseados em crenças
errôneas [...] Os ritos são facilmente percebidos como simbólicos, e
podemos, portanto, investigar seu significado”. Isso aponta para o fato de
que, mesmo que um papel legítimo possa ser atribuído aos símbolos, a
“validade” da dimensão simbólica não fica garantida. Porém, a antropologia
interpretativa aponta para outra possibilidade de aproximação, ao “colocar
à nossa disposição as respostas que outros deram [...] e assim incluí-las
no registro de consultas sobre o que o homem falou” (Geertz, 2008, p. 21)
e suas possibilidades de interpretação do mundo.
Exercício de Reflexão - 07
Entretanto, os significados só podem ser "armazenados"
através de símbolos: uma cruz, um crescente ou
uma serpente de plumas. Tais símbolos religiosos,
dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem
resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles
que vibram com eles, tudo que se conhece sobre a
forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional
que ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem está
nele. Clifford Geertz, 2008, p. 93
Acima vimos a aplicação dessa ideia em relação à ideia de círculo para
o povo Oglaca, e agora, num momento reflexivo, vamos olhar para a
cruz, um dos principais símbolos do cristianismo, e buscar indicar qual
a visão de mundo e o ethos que ela é capaz de sintetizar (150 palavras)
Saiba mais
Para visualizar outras máscaras africanas, acesse a exposição
África, Mãe de Todos Nós do Museu Oscar Niemayer, disponível em:
https://ar tsandculture.google.com/exhibit/%C3%A1frica-
m%C3%A3e-de-todos-n%C3%B3s/IgICgD_GxFzxIw
b) Talismãs, amuletos
Nesta categoria pontuemos alguns objetos a que se atribui algum tipo de
poder. Em primeiro lugar, os kulangni, entre os Nuer: algumas peças de
madeiras, herdadas ou compradas, que possuíam um certo poder amoral,
no sentido de que pudesse ser utilizado para qualquer propósito de seu
possuidor. Em segundo lugar, os iinrung ou inogo, entre os Yupik: uma
espécie de amuleto (normalmente pequenas coisas), mais utilizado para
comunicação ou controle de espíritos. Em terceiro lugar, os hijbat, no Berti
islamizado do Sudão: pequenos pedaços de papel onde encontram-se
inscritos palavras do Alcorão, nomes divinos ou símbolos astrológicos,
utilizados para diversos fins, tais como, neutralizar feitiçarias ou mau-
olhado, repelir doenças, atrair riquezas ou também para fins maliciosos.
c) Textos
As religiões que se desenvolvem em contextos que lhes possibilitam a
escrita produziram uma diversidade de textos sagrados. Desde textos
d) Objetos rituais
As religiões se utilizam de uma quantidade impressionante de diferentes
objetos necessários às atividades próprias de cada uma. Dentre estes
objetos podemos destacar candelabros, altares, pratos, copos, gongos,
incensos, plantas e outros tantos.
Saiba mais
Símbolos públicos e pessoais
O problema de o que – ou talvez como – os símbolos significam
repousa em parte no fato de que o mesmo símbolo pode
significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Obviamente,
o especialista e o leigo podem ter entendimentos divergentes
e incompatíveis dos símbolos, mas mesmo entre as pessoas
comuns, o significado pode ser diferente. Em outras palavras, o
significado não está “dentro” do símbolo. Mas onde está? Gananath
Obeyesekere [Medusa’s hair: an essay on personal symbols
and religious experience] sugere que os símbolos são veículos
potenciais para significado e talvez veículos para significado
“convencional” ou “oficial”, mas eles não são pessoalmente
significativos para os indivíduos até que sejam utilizados pelo
indivíduo e refratada por meio da experiência biográfica pessoal
Saiba mais
Os gregos acreditavam na sua mitologia? A resposta não é fácil,
pois “acreditar” quer dizer tantas coisas... [...] A depuração do mito
pelo logos não é um episódio da luta eterna [...] entre a superstição
e a razão, que faria a glória do gênio grego; o mito e o logos [...] não
se opõe como o erro à verdade. O mito era um motivo de reflexões
sérias e os gregos ainda não tinham acabado com ele, seis séculos
depois do movimento dos sofistas do qual se diz ter sido sua
Aufklärung [esclarecimento]. Longe de ser um triunfo da razão, a
depuração do mito pelo logos é um programa muito datado, cujo
absurdo surpreende: porque os gregos ficaram infelizes por nada,
querendo separar o joio do trigo, em vez de rejeitar de uma só
Exercício de Fixação - 08
Os mitos não são meras histórias curiosas a respeito de coisas
fantásticas, mas apresentam uma verdade. No entanto, para os
antropólogos essa verdade não se encontra na literalidade das
palavras do mito – que talvez possa ser o caso dos humanos que
os cultivaram –, sendo registrada em outros domínios. No entanto,
devido a sua riqueza, os mitos permitem aproximações diversas, que
podem ir desde a pergunta por sua verdade poética até a busca pela
indicação de sua função.
A afirmação acima é: ( ) Verdadeira ( ) Falsa
Como vimos, a análise deste feixe de relações condiz com o objetivo do mito,
que é “fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição (tarefa
irrealizável quando a contradição é real)” (p. 247). São estas contradições
fundamentais – vida e morte, pertença e desenraizamento e outras – que
estimulam as muitas formas de se recontar um mito. Assim, conforme
pontua Eller, “para os estruturalistas, cada versão é pouco mais do que
uma nova reviravolta na mesma estrutura de nível inferior; não existe uma
versão verdadeira do mito, e cada permutação do mito é tão boa quanto
outra” (2007, p. 93), pois um mito é composto de suas variantes. A repetição
(duplicada, triplicada etc.) de um mito tem por função tornar manifesta a sua
estrutura ao mesmo tempo em que gera um número infinito de camadas
que fazem com que ele se desenvolva “como uma espiral, até que o impulso
intelectual que lhe deu origem se esgote” (p. 248).
No relato bíblico, após o dilúvio Noé plantou uma vinha. Ao beber do vinho
ele se embriagou e ficou nu dentro de sua tenda. Seu filho mais moço ao
vê-lo nesse estado, saiu a contar para seus outros irmãos. Sem e Jafé,
cuidando para não ver a nudez do pai, cobriram-no com uma capa. Após
despertar do sono, Noé soube o que aconteceu, e disse: “Maldito seja
Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos. E acrescentou: Bendito seja
o Senhor, Deus de Sem; e Canaã lhe seja servo. Engrandeça Deus a Jafé,
e habite ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo” (Gn 9:25-27).
Em um paralelo com o relato anterior, aqui também a atitude dos filhos
2.3. Rituais
Para quem já assistiu a série The Crown, este é um dos momentos mais
esperados por aqueles que iniciam a maratona. Todo o episódio gira em
torno da coroação da rainha Elizabeth II, e das tensões que surgem ao
longo da preparação dos detalhes da cerimônia. A cena que assistimos
ocorre no final do episódio, e é comentada de forma sarcástica pelo
Duque de Windsor, que abdicou da coroa inglesa em 1936. Frente à
complexidade do ritual, o anfitrião traduz para seus convidados franceses
alguns dos significados presentes na cerimônia. No momento mais
sagrado da cerimônia, a unção, o Duque comenta: “Óleos e juramentos.
Orbes e cetros. Símbolo sobre símbolo. Uma rede insondável de mistérios
arcanos e liturgia borrando tantas linhas que nenhum clérigo, historiador
ou jurista jamais poderia desembaraçar”. Quando um dos convidados,
incapazes de compreender o ritual, afirma ser aquilo loucura, recebe a
resposta: “Pelo contrário. É perfeitamente são. Quem quer transparência
quando se pode ter magia?”.
Bell também chama atenção para este aspecto distintivo das ações rituais
em relação ao conjunto geral das práticas humanas, mas critica os modos
de abordagem que buscam ver o ritual enquanto uma mera performance
exata de ações autorizadas pela tradição (religiosa, política, social etc.). Sua
abordagem busca responder a seguinte questão: como as características
distintivas das chamadas atividades rituais podem ser abordadas sem
cortar o ritual daquilo que ele compartilha com a atividade social em
geral? Assim, focando sua atenção na ação social, buscará responder a
essa questão indicando o porquê e como as pessoas concedem um status
privilegiado a determinados atos. Neste sentido a ritualização não será
mais entendida como uma mera formalização de ações, mas como uma
distinção estratégica de conjuntos específicos de ações.
No que diz respeito ao como, Catherine Bell indica que atuar ritualmente
é uma questão de contrastes matizados e evocações de distinções
dotadas de valor. Enquanto num primeiro nível a ritualização mostra-
se apenas como a produção de uma diferenciação, em um nível mais
complexo ela se mostra como uma forma de atuar que estabiliza um
contraste privilegiado entre um determinado conjunto de ações que se
diferenciam em si mesmas como mais importantes, sendo “o grau de
diferenciação em si mesmo estratégico e parte da lógica de eficácia do
ato” (p. 93). Porém, a ritualização pode tanto maximizar quanto minimizar
essas diferenças. Não há uma forma específica, pois esse processo se
dá em uma variedade de especificidades culturais.
Exercício de Fixação - 10
Tomando a coroação da rainha Elizabeth II como exemplo,
podemos pontuar que os pitos são caracterizados pelo seu
caráter formal, fixo e repetível. Específico para o ritual é sua
completa distinção das atividades do dia a dia, não mantendo
nenhuma continuidade ou semelhança com elas. Devido ao seu
caráter repetível, os pitos devem ser uma performance exata
autorizada pela tradição.
A partir das discussões deste ponto podemos dizer que a afi
rmativa acima é:
( ) Verdadeira ( ) Falsa
Bibliografia
BELL, Catherine. Ritual theory, ritual practice. New York: Oxford University
Press, 1992.
ROOTH, Anna Birgitta (1957) “The Creation Myths of the North American
Indians”, Anthropos 52: 497–508.
Com esta reflexão em mente nos voltaremos para dois outros pontos:
uma descrição das entidades religiosas e uma consideração a respeito
das tentativas de classificação do fenômeno. Quanto à descrição,
talvez esse seja o ponto onde mais apontaremos para a diversidade das
religiões, trazendo vários exemplos de culturas não ocidentais. Quanto
às propostas de classificação, três conceitos serão considerados: magia,
ciência e religião.
Quanto à distinção entre “crer em” e “crer que”, crer em Deus pode
ser expresso de forma direta: creio que Deus existe. Porém, esta
afirmação é diferente daquela que dota Deus de certas características
que permitem que ele seja representado em si mesmo. O conteúdo da
crença – a representação de Deus em si –, que se faz acompanhar por
uma afirmação da existência, pode ser separado dessa afirmação. E
é essa separação que torna possível estudar as crenças enquanto tal:
“não é preciso acreditar no que alguém acredita para analisá-lo. O ‘eu
acredito’ que precede tantos enunciados dos mais diversos tipos, é a
marca de um distanciamento e não de uma adesão” (p. 487). Esses dois
movimentos expressos pelo verbo crer parecem indicar direções opostas
ou completamente não relacionáveis.
Exercício de Fixação - 11
A comparação proposta neste ponto indica que:
a) O conceito de crença é complexo, e o pesquisador deve estar
atendo para o fato de que uma mera catalogação dos conteúdos
não é suficiente para a construção de uma boa compreensão da
religião do outro.
Saiba mais
Os cinco pilares do Islamismo
Assista ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=7f741GskK8A
Pouillon observa que o cristão não expressa “a sua fé apenas como [1]
confiança em Deus, mas também como [2] crença em sua existência e [3]
crença de que Deus possui tais e tais atributos, que o mundo foi criado e
assim por diante. Ele afirma isso como uma crença, embora saiba disso
– mas também porque sabe que, por esse mesmo fato, ela é contestável
e contestada” (2016, p. 489). Indo um pouco além do cristianismo, a
observação a respeito da necessidade de afirmação da existência divina
evidencia um aspecto próprio de determinados tipos de religião, aqueles
que se encontram em um contexto em que essa existência se torna
questionável, contestável. Pouillon indica como chave interpretativa para
essa situação a distinção – generalizável, mas não universal – entre
dois mundos de existência. Distinção essa que gera uma situação em
Saiba mais
O termo Hadjeray, que significa “das pedras ou montanhas”, é
um termo coletivo usado para descrever um grupo de povos das
montanhas que vivem na região de mesmo nome, no centro-sul do
Chade. Os Hadjeray incluem grupos como Kenga, Bidio, Jongor e
Dangaleat. Os Dangaleat cultuam aquilo que se poderia chamar
de espíritos locais: os margaï, poderes não humanos, que podem
causar distúrbios no curso das coisas.
Em sua crítica à proposta de Geertz, Talal Asad (1993) pontua que essa
proposta corresponde às demandas que uma sociedade pós-iluminista
impõe à religião: sua colocação como uma esfera independente e
limitada ao direito da crença individual. Neste sentido a ênfase recai em
uma prioridade da crença como um estado mental ao contrário de uma
atividade constitutiva no mundo (p. 47), uma característica que passa a ser
aplicada a todas as religiões por estudiosos contemporâneos. Para Asad,
um dos problemas da abordagem de Geetz é sua insistência na primazia
do sentido (do conjunto de símbolos de uma religião) sem atentar-se para
os processos pelos quais esse sentido é construído (p. 43).
Saiba mais
O problema da linguagem religiosa
Os valores e significados de uma sociedade estão intimamente
ligados e expressos em sua linguagem, que é muito mais do
que um conjunto de nomes para as coisas; é, especialmente no
contexto religioso, um conjunto de conceitos, relações, julgamentos
e avaliações sobre eles [...] No estudo da religião, estudiosos
ocidentais empregaram uma série de termos supostamente
analíticos, como “mito” e “ritual” e “oração” e “adoração” e até
mesmo “espiritual” e “sobrenatural” e “crença” e “religião” em si.
Apesar de nossa suposição de que essas palavras são termos
analiticamente úteis, descobrimos continuamente que não o são.
São conceitos ou categorias que nem sempre existem ou existem
da mesma forma em todas as culturas e religiões. Por exemplo,
podemos chamar o comportamento verbal de uma religião de
“oração” quando eles chamam de outra coisa. Podemos ser
tentados a atribuir alguma ação à “magia” ou “medo do Inferno”
quando carecem completamente desses conceitos. Ao fazer isso,
podemos distorcer profundamente as ideias e comportamentos
indígenas, forçando o estrangeiro a se tornar familiar ou, ao
contrário, nos levando a condená-lo por “fazer errado” ou “faltosos
da ideia/termo” que achamos que eles deveriam ter.
ELLER, Jack David. Introducing Anthropology of Religion: Culture to
the Ultimate. New York, Routledge, 2007, p. 5-6
Porém, como observa Eller (2007, p. 35), essa dicotomia não se confirma
diante das evidências empíricas. Como exemplo: enquanto em algumas
culturas os espíritos são objetos presentes nos comportamentos rituais,
a. Espíritos humanos
Uma das ideias presentes em várias culturas é a suposição de que o ser
humano possui uma parte espiritual, que habita o mundo em um corpo e
que pode sobreviver à morte do corpo (ao menos por um tempo). Porém,
as características deste espírito humano variam de cultura para cultura.
Para a maioria dos cristãos a alma é algo singular, permanente e integral,
sendo preservada assim em sua destinação final (céu ou inferno). No
entanto, algumas culturas apontam para a existência de múltiplas almas
ou para a composição da alma a partir de múltiplas partes. Vejamos dois
exemplos:
Saiba mais
Existem santos em outras religiões?
https://super.abril.com.br/sociedade/tem-santo-em-outras-
religioes/
Esta relação entre humanos e objetos materiais não humanos por vezes é
denominada de totemismo. A ideia é que um indivíduo ou grupo humano
possui uma relação espiritual única com um objeto em particular, o que
torna este objeto o totem deste indivíduo ou do grupo. Essa relação
implica em um comportamento especial para com este totem, como por
exemplo, não o ter como um componente do cardápio.
c. Deuses
Como pontuamos acima, Eller inclui os deuses na categoria dos espíritos
não humanos. Porém, levando em consideração a importância dessa
temática, trataremos destacadamente o assunto. Para nós, cristãos,
quem é Deus? Ao consultarmos o índice de uma obra de teologia
92 | Antropologia da Religião | FTSA
sistemática, veremos uma lista de atributos: criador, eterno, infinito,
imutável, soberano, onipotente etc. Se buscarmos uma definição geral
do conceito de divindade a partir desses atributos veremos que, em
comparação com outras religiões, o conceito cristão de Deus nada mais é
que a descrição de um tipo particular de divindade. Os deuses podem ser
bons, maus, indiferentes, podem morrer, nascer de outros deuses, tomar
parte ou não na criação ou possuir um domínio específico de atuação –
mar, guerra, amor, vinho etc.
Glossário
Politeísmo: crença na existência de vários deuses.
Monoteísmo: crença em um único deus.
Panteísmo: crença de que o universo seja deus, ou a mente de deus
ou uma grande alma cósmica (o Brahman no hinduísmo), da qual a
alma humana é uma pequena peça.
Monolatria: refere-se à adoração de um único deus, sem, no
entanto, negar a existência de outros deuses.
Teísmo: crença na existência de um deus criador que de forma
providencial interfere em sua criação.
Deísmo: crença na existência de um deus criador de todas as coisas,
porém, um deus que não interfere no mundo criado, deixando que a
natureza siga o curso de suas leis próprias.
Exercício de Aplicação - 13
Em sua pesquisa sobre a religião dos Nuer, Evans-Pritchard faz a
seguinte pontuação a respeito da tradução de um dos conceitos
fundamentais para compreensão da religião Nuer:
A palavra Nuer que traduzimos como 'Deus' é kwoth, Espírito. O Nuer
também fala dele mais definitivamente como kwoth nhial ou kwoth
a nhial, Espírito do céu ou Espírito que está no céu. Existem outros
espíritos menores que eles classificam como kuth nhial, espíritos
do céu ou de cima, e kuth piny, espíritos da terra ou de baixo.
EVANS-PRITCHARD, Evans. Nuer religion, 1956, p. 1
À luz das nossas discussões sobre o conceito de seres espirituais,
podemos afirmar que:
a) Caso um pesquisador leve a sério o seu trabalho, perceberá
que no final poderá encontrar um conceito de divindade que se
assemelhe aos termos e conceitos ocidentais.
b) O pesquisador não deve propor aproximações aceleradas,
mas, através de um trabalho árduo, buscar compreender as
particularidades dos conceitos do outro, para além da nossa
familiaridade com eles.
Exercício de Fixação - 14
Ao final desta rápida incursão no universo dos seres que povoam
as religiões, o caráter variável destes habitantes ganha destaque.
Porém, diante desta multiplicidade podemos afirmar que:
a) Há um conceito capaz de abarcar todas as entidades religiosas
em uma única categoria, tal como o conceito de espírito, que
marca claramente a distinção entre dois mundos existente em
todas as religiões.
b) Embora não haja um conceito específico, uma categorização
é possível, desde que o pesquisador esteja atento aos limites
de aplicabilidade de seus conceitos, bem como à carga de
significados que estes conceitos possuem em sua tradição.
Glossário
“A ciência é um método utilizado nos esforços organizados para
explicar a natureza, sempre sujeito a modificações e correções
através de observações sistemáticas” (Stark, 2001, p. 105).
“A magia se refere a todo esforço para manipular forças
sobrenaturais a fim de ganhar recompensas (ou evitar danos)
sem referência a um deus ou deuses ou a explicações gerais da
existência” (Stark, 2001, p. 111)
“A religião consiste em explicações sobre a existência baseadas em
suposições sobrenaturais, incluindo declarações sobre a natureza
do sobrenatural e sobre o sentido último” (Stark, 2001, p. 111)
Exercício de Aplicação - 15
Citação 1
O surpreendente não é que as religiões continuem existindo (elas
sempre terão seu espaço), mas sim a manutenção e sobretudo a
expansão desenfreada daquelas mais escancaradamente mágicas,
dado a progressiva racionalização da sociedade que incidiu
igualmente sobre as instituições religiosas. Assim, causa surpresa
que religiões mágicas, em vez de terem se retraído, perdido o
sentido, o significado, passado a discursar no vazio ou para
interlocutores majoritariamente indiferentes e hostis, prossigam
crescendo e estendendo seu poder e influência na vida cotidiana
dos indivíduos.
MARIANO, Ricardo. Igreja Universal do Reino de Deus: a magia
institucionalizada, 1996. Disponível em: http://www.revistas.usp.
br/revusp/article/view/26006/27737 Adaptado
Citação 2
[A magia] não tem por efeito ligar uns aos outros seus adeptos e
uni-los num mesmo grupo, vivendo uma mesma vida. Não existe
igreja mágica. Entre o mágico e os indivíduos que o consultam,
como também entre esses indivíduos, não há vínculos duráveis
que façam deles membros de um mesmo corpo moral, comparável
àquele formado pelos fiéis de um mesmo deus, pelos praticantes
de um mesmo culto. O mágico tem uma clientela, não uma igreja.
Considerações finais
Após nos debruçamos sobre diversas dimensões da religião, em se
tratando de uma disciplina que visa o nosso olhar para o outro, o objetivo
é que os temas tratados aqui sejam oportunos para o desenvolvimento
de uma perspectiva mais crítica e, quem sabe, até de uma experiência
de estranhamento positivo da nossa familiaridade religiosa. Muitas
vezes, a percepção restrita, desde a nossa própria religião, nos impede
de perceber o quão próximo ela se encontra das outras expressões
religiosas humanas. A antropologia nos ajuda a desenvolvermos uma
postura de respeito e diálogo construtivo com o outro, com vistas à
convivência pacífica e respeitosa.
Glossário
Paradigma
[...] ele [Thomas Kuhn] define um paradigma como ‘toda a
constelação de crenças, valores, técnicas, etc., compartilhada
pelos membros de uma determinada comunidade’ [...] Küng usa o
conceito no sentido de ‘modelos de interpretação’ [...] T. F. Torrance
menciona ‘estruturas de conhecimento’ [...] van Huyssteen alude
a ‘estruturas de referência’ e a ‘tradições de pesquisa’ [...] Hiebert
[...] sugere o conceito alternativo ‘sistemas de crenças’ [...] (Bosch,
2002, p. 231).
Como num efeito rebote, os próprios países ocidentais têm recebido uma
massa de gente que tenta escapar dessas situações de risco de vida em
seus próprios países. A Europa e a América do Norte hoje recebem uma
quantidade incontrolável de imigrantes ilegais que fogem das situações
de opressão e injustiça, ou de situações de poucos recursos para
sobrevivência. Nesse contexto, os encontros culturais são inevitáveis.
Mais que isso, os encontros religiosos também. Cada vez mais se discute
a questão do diálogo inter-religioso, ainda mais sob as constantes
ameaças terroristas e de extremismos religiosos. Em muitos países o
cristianismo é perseguido e seus adeptos assassinados por questões de
fé. Mesmo estatisticamente, há uma previsão de que o islamismo iguale-
se ao cristianismo, em número de adeptos, por volta do ano 2050 (Pew
Research Center, 2015). Isso sem contar as várias expressões religiosas
de países muito populosos, como China e Índia, que tem tido a sua
influência mundial aumentada e com tendência de assim continuar. Fora
isso, temos as questões de sustentabilidade ecológica de dimensões
planetárias. A escassez de recursos e as ameaças de catástrofes naturais
estão em todos os cantos e afetam a todos.
108 | Antropologia da Religião | FTSA
Exercício de fixação - 16
Tendo em vista que cada período histórico propõe uma forma
distinta da igreja em missão se relacionar com a cultura e suas
respectivas expressões, qual seria, com base no texto acima, o fator
imprescindível para uma ação missional efetiva? (200 Palavras).
Ainda que o cenário brasileiro seja diferente, por exemplo, da Europa, somos
afetados indiretamente pela cultura urbana global. Temos assistido a
fuga em massa de milhares de pessoas do continente Africano, tentando
escapar de situações conflituosas políticas, econômicas e religiosas em
seus países, arriscando suas vidas na travessia do mar Mediterrâneo
para alcançar a Europa na esperança de construírem uma vida melhor.
Independente das tragédias que acompanham essa travessia como
naufrágios, exploração e tráfico humano, a comunidade europeia tem
tentado acolher esses imigrantes. Ao mesmo tempo, surgem discussões
sobre como tratar essas pessoas que trazem consigo suas culturas e
costumes. Uma das formas de tratamento tem tido como resultado a
instauração de um ambiente de medo e desconfiança, associada à
questão religiosa e a reboque da indústria do terror.
% % Crescimento da
População
População População População População
projetada para
2010 Mundial Mundial em
2050
em 2010 2050 2010-2015
Religiões
404.690.000 5,9 449.140.000 4,8 44.450.000
populares
(Fonte: http://www.pewforum.org/2015/04/02/religious-projections-2010-2050/pf_15-
04-02_projectionstables8/)
SEM RELIGIÃO
Sem religião 14.595.979 95%
Ateu 615.096 4%
Agnóstico 124.436 1%
SEM RELIGIÃO
Urbana 13.742.551 89%
Os dados das tabelas apresentadas estão disponibilizada no site do IBGE sobre o Censo
de 2010 (www.ibge.gov.br).
122 | Antropologia da Religião | FTSA
Exercício de Aplicação - 18
Leia a reportagem intitulada “Nação de Jesus”
(https://tab.uol.com.br/edicao/nacao-de-jesus/index.htm#cover)
e responda a pergunta.
No cenário plurirreligioso, como as favelas cariocas comandadas
pelo Terceiro Comando Puro (TCP), perdura certas correntes
do neopentecostalismo que costumam associar as religiões de
matriz africana ao diabo. Assumindo uma postura de Cruzados
pós-contemporâneos, traficantes coagiram, exilaram e agrediram
sacerdotes praticantes de umbanda, candomblé e outras religiões.
Segundo a reportagem “jovens traficantes de baixa patente eram
enviados aos centros, ordenando a proibição de guias, roupas
brancas, toque de atabaques e exposição de imagens do lado de
fora dos terreiros. Quem ousou contestar foi expulso da comunidade
e teve o local depredado”. Para a facção criminosa TCP a lei do
tráfico é a lei de Deus.
Diante das afirmações mencionadas na reportagem sobre
intolerância religiosa, quais os desafios contemporâneos a serem
superados para se obter uma verdadeira contextualização do
evangelho nas favelas cariocas comandadas pelo TCP?
I) o desafio do extremismo religioso
II) o desafio da postura antirreligiosa
III) o desafio da postura antidialógica
Assinale a alternativa correta:
( ) Apenas as afirmações II e III estão corretas
( ) Apenas as afirmações I e III estão corretas
( ) Apenas as afirmações I e II estão corretas
( ) Todas as alternativas estão corretas
Gertz, com essa frase, afirmou que todos nós, de certa forma, dependendo
de quem nos olha, assumimos características que nos tornam diferentes
culturalmente. Tal como os índios poderiam ser considerados “diferentes”
para os antropólogos, os antropólogos, para os índios, também o eram.
Considerações finais
Ainda que esta unidade tenha procurado abordar a contextualização do
Evangelho destacando alguns desafios contemporâneos para a missão
da igreja, ela não tinha a intenção de ser pragmática, ou seja, não há
aqui respostas prontas para esses desafios. Todos eles, no entanto,
são realidades da sociedade atual e que merecem a nossa atenção,
principalmente, pelo fato de representarem boa parte do ambiente e
cultura do maior campo missionário para a igreja que é o contexto urbano.
Enfim, a contextualização do Evangelho é uma tarefa infindável e sempre
desafiadora, requerendo da igreja envolvimento, reflexão e disposição
para a ação missional.
Bibliografia
BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na
teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
DE WIT, Hans. Por um solo gesto de amo: lectura de la Biblia desde una
prática intercultural. Buenos Aires: ISEDET, 2010.
ilustrissima/2015/01/1575816-xenofobia-e-o-extremismo-formam-
combinacao-catastrofica.shtml. Acessado em 15 de abril de 2015.
Antropologia da Religião | FTSA | 137
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas
sociedades de massa. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
SILVA, Wilma Regina Alves da. Tribos urbanas, você e eu: conversas com
a juventude. São Paulo: Paulinas, 2003.