Canudos Muito Além de Belos Montes I
Canudos Muito Além de Belos Montes I
Canudos Muito Além de Belos Montes I
MUITO
ALÉM
DE BELOS
MONTES
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"CANUDOS"
Muito além de Belos Montes
Texto original: Benê Silva
DONO DO ARMAZÉM
Tratada?
FORASTEIRO
Não pura e das branquinhas! Deus a tenha!
PADRE JOÃO
Como?
FORASTEIRO
Aos mortos! Sua bênção!
PADRE JOÃO
É de Anjico?
FORASTEIRO
Não. Várzea da Ema. Bem lá pro norte!
PADRE JOÃO
Forasteiro!
FORASTEIRO
Vim ver a sogra. Cheguei tarde. Estava que era só preocupação. O filho confinado, perto de vaza-barrís,
co'as tropas chegando por tudo quanto é lado!
DONO DO ARMAZÉM
Eu que o diga. Milhares deles.
PADRE JOÃO
Passam aqui, do soldado razo aos coronéis, seis, se contei bem. Os Generais nunca vi.
FORASTEIRO
O armazém é ponto de abastecimento...?
DONO DO ARMAZÉM
...e cachaça. Vinho, padre?
PADRE JOÃO( pegando o copo)
Um tiquinho!
DONO DO ARMAZÉM
Pelo visto seu ajudante deu mesmo no pé?
PADRE JOÃO
Macué? Se enfiou em direção a vaza-barrís faz pra mais se semana... Tenho medo que seja confundido
com seguidor de Conselheiro e não mais retorne. Há tropas por todo lado.
DONO DO ARMAZÉM
Trinta mil soldados, calculam.
FORASTEIRO
Os cercados caíram na miséria. Morrem de fome. Passei por perto...
PADRE JOÃO
Pra que tanta gente? Assim a capital do Rio de Janeiro fica a ver navios.
FORASTEIRO
Diz que cada soldado, ganha de soldo um bangalô em Petrópolis. Antigas terras de Dom Pedro, tomadas
pela República. Ilusão!
PADRE JOÃO
Coragem. Ficar estes meses todos no mato, sofrendo emboscada dos sertanejos e beatos fiéis a Conselheiro!
Se é que ainda acreditam nas maravilhas que ele prometia!
FORASTEIRO
Ainda os há.
PADRE JOÃO
Fé prodigiosa! Quanto mais os cercam e humilham, mais crêem.
DONO DO ARMAZÉM
Teimoso santo.
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PADRE JOÃO
Tudo começou na birra pelos cemitérios. Queria que ficasse co'a Igreja, não com o Estado...
FORASTEIRO
Por que não?
PADRE JOÃO
Por ser santo, o campo.
DONO DO ARMAZÉM
E o Estado co'a mania de impostos ainda acabaria por cobrar taxa pra defunto.
FORASTEIRO
E não? Veja co'a minha sogra...
PADRE JOÃO
Deus a tenha!
FORASTEIRO
Queria se enfiar em Canudos junto com tantos desvalidos. Mas a caminhada e o peso da imagem de São
Francisco. Caiu de enfarte... Léguas daqui. Era melhor deixá-la lá. Agora... (pede outra dose) Mais uma!
CANTADORES
CANTADORES
Filho de Quixeramobim
No distante Ceará
Foi caixeiro em sobral
Antes de aqui chegá
CANTADORES
Em Ipú foi solicitador
Em Campo Grande escrivão
Do povo foi professor
Sua escola era o sertão
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CANTADORES
Homem do povo e obreiro
Devoto de São Francisco
Pra ouvir o Conselheiro
O povo correu o risco
Coisas simples ele falava
De fartura, terra e mel
Messias que nos pregava
Mais da terra que do céu
CORONEL
Mas que diacho! De onde surgiu essa gente?
PADRE JOÃO
É o tal Conselheiro, que me vem a menos de meia légua daqui!
CORONEL
Pensei que alguma festa, ou batizado na igreja, da turma do Coronel Luis Viana por não ter sido convidado!
PADRE JOÃO
Antes fosse, Coronel José Gonçalves. Antes Fosse!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Tão que nem barata tonta!
PADRE JOÃO
Bem podia ter ficado ele preso lá na sua terra do Ceará...
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Se pular cerca fosse motivo de assassinato no Ceará, por certo raras mulheres haveriam vivas. E os homem,
poucos haveriam livres!
PADRE JOÃO
Enfim, foi a vontade de Deus! Mesmo que tenha matado a mulher, que o traía , o certo é que prova alguma
foi encontrada e culpa não lhe foi impingida... E agora é recebido em festas em Monte Santo.
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Pode dizê o que quiser, mas esse tal Conselheiro deve de ter é muita lábia!!
PADRE JOÃO
Fala francês, espanhol e latim, sem na escola ter passado. Pelo menos no latim, posso lhe garantir que
conhece bem o que fala, embora não passe de um pé-rapado... Então o povo lhe deu essa distinção de
"conselheiro", que o difere de um réles beato... É grau acima. Assim se julga o tal, como se dispusesse dos
ministérios!! O Bispo, já ordenou-lhe que parasse com tais pregações e sermões...
JOSÉ GONÇALVES
E ele num ouviu o bispo?
PADRE JOÃO
Ouvido foi, acatado, não! Disse que é chamado a aconselhar os mais necessitados e assim o faz!
CORONEL
Mas que topetudo!
MACUÉ
Padre João! Padre João! É a República, Padre João! A República! Recebi agorinha o correio. Faz mais de
mês!
PADRE JOÃO
Justo agora? ! Com esse povo assim enebriado, aguardando a passagem do Conselheiro?
HOMEM DO POVO
E viva Nosso Senhor Jesus e Conselheiro!?
CORONEL
E então?
PADRE JOÃO
Era o esperado. Deus seja louvado!
CORONEL
O que num entendo é o Imperador dar assim... De mão beijada!
PADRE JOÃO
Falta de pulso sempre teve. Agora com a doença...
CORONEL
E o Marechal do Palácio, o Floriano Peixoto?
PADRE JOÃO
Ao invés de dar combate, abriu os portões! Floriano é o Vice- Presidente do invasor!
CORONEL
Tavam macomunados os dois taizinhos! Não me espanta que ele arrume um lugarzinho no Governo.
PADRE JOÃO
E assim nasce a República. Relata aqui o arcebispo que Deodoro, o Marechal invasor, entrou no Palácio,
disse que proclamava a República, deu meia volta, botou o pijama e voltou a dormir!
HOMEM DO POVO
Viva Nosso Senhor Jesus e Conselheiro!
CORONEL
Sem nem um tiro?
PADRE JOÃO
Sem violência. Deus seja louvado!
CORONEL
Amém! E assim nasce a República. Muita farda e pouca bala.
HOMEM DO POVO
E viva Nosso Senhor Jesus e Conselheiro!
PADRE JOÃO
Parece que todos os profetas das escrituras resolveram ressuscitar no nordeste!!!
CORONEL
Mas é bom esse aglomerado de gente, que já assumo de vez o papel de porta-voz da República e deixo o
Viana contando moscas!
MACUÉ
Sei não!
PADRE - É melhor desistir, coronel! Mau dia para nos aparecer esse homem. O povo o espera feito santo...
CORONEL - Só faltava ninguém me ouvir! Preciso marcar posição pública. Imagina se Coronel Luis Viana
se manifesta antes a favor do novo governo? É o diabo, padre João. Fico eu com a pecha de oposição e
ainda vinculado a monarquia falida?
HOMEM DO POVO
E viva Nosso Senhor Jesus e Conselheiro!
PADRE -
A República. Deus salve, a República!
MACUÉ (SAINDO)
Mas que República o quê ? É dia de esperar o Conselheiro. Vai lá pra benzê ele, Padre João!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Num adianta padre João. Parece que estão anestesiado! Olhe! Ainda não chegou o "messias", e retornam a
praça!
PADRE JOÃO
A praça é do povo!
(CORONEL SAI EM DIREÇÃO AO POVO, QUE PASSA POR ELE SEM NOTÁ-LO)
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Que será que estão buscando?
HOMEM DO POVO
E viva Nosso Senhor Jesus E Conselheiro!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Povo sem juízo! Povo bruto e mal'intencionado! Hara!
MACUÉ
Eh-rê! Coroné Zé Gonçarves tá cuspindo Marimbondo. Tá não, Padre João?
MACUÉ
Mas não há fiéis na igreja, Padre João!
PADRE JOÃO
É lá fora! Os andarilhos entoam a ladainha...
MACUÉ
É mais gente indo...
PADRE JOÃO
Deixe que sigam... Pobres diabos...
PADRE JOÃO
É só anoitecer! Dizem que a noite é mais fresca para a caminhada. Não gosto.! A noite foi feita para o
repouso. (Espia) Estranha gente... O que lhe parece?
MACUÉ
Procissão!
PADRE JOÃO
Fanáticos, Macué, Fanáticos!
MACUÉ
Pararam no Largo da Feira. Devem dar descanso até que amanheça.
(CESSA A LADAINHA)
MACUÉ
Vem gentes, Padre João! Fecho?
PADRE JOÃO
Bem podia. (T) Que blasfêmia! Deixe que venham!
MACUÉ
Parece velho!
(OFF- MACAMBIRA)
Padre João! Padre João!
PADRE JOÃO
Oras, se não é o velho Macambira? Te adentre!
MACAMBIRA
A bênção, santo padre! Precisamos de azeite pra alumiá as lamparinas... E quem sabe um pouco de leite
pras crianças, que vão drumí na praça....
PADRE JOÃO
O que faz aí parado, Macué... Vá providenciar o que temos! (t) E então...?
MACAMBIRA
Tô no rastro de Conselheiro...
PADRE JOÃO
Até índio atrás do Messias! Deixe disso, Macambira, deixe disso!
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MACAMBIRA
Homem bão, Padre João, homem bão! Em Pitomba, magina, sumitério dava inté pena e medo. Chamá
aquilo de Campo Santo? Com perdão da palavra, parecia mais um pasto. Pasto!? Nem cerca tinha. Vaca
vivia pastando e defecano por cima das covas - que a bichinha dá leite, mas num sabe o que é o fedamãe do
respeito. Já se viu!?
Padre Onório, vivia arreclamando. Cremésse e tudo quanto é pedido de ajitório foi feito , pedido e nada.
Daí que ele apareceu : "Mais que tão esperando aí feito vaquinha de presépio? Que seu vigário faça
milagre? Isso é que ele num faiz. Muro num brota do chão feito capim, oxente. Tem que sê feito. Nosso
senhor Jesus, poderoso que era, quando quis peixe, num ficô esperando caísse co'a chuva - que ele bem
podia, num é, padre?- ... Mas apanhou a rede e foi co's pescadô lançá ela mar adentro...". Disse assim
memo. Pois alguém duvidô? Eu não, que num sô tatu. Um troche pedra, ôtro area. Veio tijolo de
comerciante de Angico... e madeira doada pela senhora de um Coroné de Juetê, tumém veio. O certo é que
não só o muro foi feito em dois dias, como prometera , mas até a Igrejinha de Padre Onório, que tava que
dava pena, ganhou ampliação, artar-mór e pintura novinha em foia.
E aquele homem barbudo, quase descarço, que tinha de dele solamente camisolão e surrão, seguiu sem
nada dizê, levando consigo uma porcisão de fiéis, e deixando no rastro benfeitorias e duas ou treis
artoridades envergonhada... Pois o que ele feis n'arguns dias, eles nem se ativéro.
Sua bênção santo padre!
(MACAMBIRA SAI)
MACUÉ
O senhor ouviu, Padre João!
PADRE JOÃO
São crendices, Macué! Crendices! Macambira nasceu índio, mas envelheceu lá dos favores das famílias de
Queimadas e dos Jesuítas, Depois em Pitombas, foi recolhido pelo Vigário. Agora , depois de velho, deve
ter endoidecido de vez e virou seguidor do tal Antonio...
MACUÉ
É... Índio tem lá seus truques e entendimentos!
A porta, Macué!
MACUÉ
Zuzu. Corre... Vem vê! Num disse que não era assombração?
ZUZU
Bem que eu sabia, seu bobo! É gente mendiga. É gente que vai atrais daquele homem.
ANA ROSA
Zuzu! Macué! Que cês tão fazendo?
MACUÉ
Vamo lá mexê! Vem co'a gente!
ANA ROSA
Você vai, Zuzu?
ZUZU
Claro que vou, Ana Rosa!
ANA ROSA
E se seu pai vê lá de cima!
MACUÉ
Vê nada. Coroné Luis Viana tá é com as janelas fechadas. Morrendo de medo das ladainhas
ANA ROSA
Se eles são tudo uns pé-rapado, por que é então que o pai da Zuzu vai ter medo?
MACUÉ
É que eles num tem nada a perdê. O coronel tem.
ANA ROSA
Mais medo de quê, é tudo gente que nem nóis.
MACUÉ
Só se for que nem vocês da colônia do Coroné Luis Viana! Nós não!
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ANA ROSA
A gente num é andarilho!
ZUZU
Liga não, Ana Rosa. ele tá assim papudo só porque agora ele é filho do padre!
ANA ROSA
Olha lá na trilha vem uns! Vamos até a cerca, Zuzu!
ZUZU
É melhor lá do pomar!
ANA ROSA
E se eles pegam a gente?
MACUÉ
Pegam nada! Tudo véio e doente. E num soltam aqueles santos por nada... Olha!
Ói...
os desvalidos da vida
Ói...
os caminhantes sem dentes
São cafuz, caribocas, mulambos
Pés cascudos pisando
Serpentes...
Seguem o louco profeta barbudo
Que procura um lugar que não tem
Seguem o louco profeta barbudo
Que promete sem ter um vintém
Ói...
a marcha farrapa
macacheira,
rapadura
e garapa
E no rosto a pele
encardida
Enrugado retrato
de vida
Parda gente legião
desprovida
Não tem nada, inda marcha
E acredita
Ói...
os desvalidos da vida
Ói...
A marcha farrapa
Parda gente legião
desprovida
Não tem nada, inda marcha
E acredita
ANA ROSA
Ihhh! Num é seu pai que tá indo lá? Se esconda!
CORONEL LUIS VIANA
Boa noite, Ana Rosa!
ANA ROSA
Bas`noite, Seo coroné doutor Luis Viana...
CORONEL LUIS VIANA
Seu pai sabe que você tá aqui fora, uma hora dessas?
ANA ROSA
Só vim dá uma espiada e já tô vortando!
MACUÉ
Hara! Mas olha só! O coroné tá indo pro Largo onde tão os fanáticos!
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ANA ROSA
Ihhh! Mas o Coroné Luis Viana vai pô pra corrê tudo e' es!
MACUÉ
Vai nada! Qué apostá?
ZUZU
Os jagunços dão dando de comê aos desvalidos...
MACUÉ
E o Coroné Luis Viana caindo nas graças do Conselheiro...
ZUZU
E num é pra caír?
MACUÉ
Quando Coroné José Gonçalves subé vai sortá fogo pelas ventas!
ANA ROSA
A confusão tá só começando! Esse povo aí, num qué só o de comê!
ZUZU
Ué! O que mais há de querer?
OFF (GERÊ)
Ana Rosa! Pra dentro sá menina!
ANA ROSA
Tô indo, mainha!
EUFRÁSIA
Dona Inhana! Dona Inhana!
INHANA
Mas o que foi, Eufrásia?
EUFRÁSIA
Clovinho meu caçula, tá que nem se aguenta. Pele e osso. Magro e fraco. E tudo que se põe no estômo ele
bota pra fora..
INHANA
É fraqueza. Doença da seca!
DONDINhA
Que se fais, Dona Inhana?
INHANA
Se é fraqueza, sal na água fervida e vai dando de tiquinho!
EUFRÁSIA
Sal cabô. E Tonho, vai pras andanças e pras cachaças e se esquece da vida!
INHANA
Já te falei pra largá desse homem, Eufrásia...
EUFRÁSIA
Cruis-credo! Ruim co'ele, pior sem ele! E a curpa num é dele. É coisa rúim, mau-oiado que pusero nele.
INHANA
Pro sal eu dô um jeito, agora pro Tonho só tem uma sarvação... Esperá Conselhero chegá, que ele dá um
puxão de oreia no seu home e quero vê se ele não toma tento!
EUFRÁSIA
Bem que meu São Francisquinho podia alumiá a estrada de Conseero até Monte Santo. Que eu num
aguento de esperá...
INHANA
Pois sossega, Nhá Eufrásia! Escutei inda agorinha.... Que passando pelo Cumbe seguiu pras bandas de
Monte Santo. E antes que o sol entardeça, ele entre nóis vai está!
EUFRÁSIA
Que Deus nos ouça! Vamo Inhana!
JUCA
E há de ouvir Nhá Eufrásia... e de guiar nossos passos pruma terra bem mió!
INHANA
Eh, rê! Mas num é Juca Molambo?
EUFRÁSIA
Destrambelado, só se vendo!
INHANA
Tem é crença!
EUFRÁSIA
Diz que da bola num bate!
INHANA
Que nada! Seresteiro e sonhador!
OUTRO
E daí, Juca? Enfim o teu Messias, vai se instalar nestas paragens?
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JUCA
Vai é nada! Terra marcada... É só de passage, escuite bem!
EUFRÁSIA
Monte Santo é terra boa, Juca Molambo! Num tem lugar mió pr’essas bandas! E Conselheiro vai escolher
aqui pra fincar o chão!
JUCA
Como sabe? Tenta oiá mais adiante. Imagine mais que isso. Senão for pra ir em busca, pelo menos pra
provocá a poesia. Que é o que essa terra dá de monte e qualidade: repentista e cantador!
EUFRÁSIA
Eh-rê, Juca Molambo! Sonha que é bão!
CANTADORES
Homem do povo e obreiro
Devoto de São Francisco
Pra ouvir o Conselheiro
O povo correu o risco
Coisas simples ele falava
De fartura, terra e mel
Messias que nos pregava
Mais da terra que do céu
EUFRÁSIA
Cumadre, vem vê!
COMADRE
Bambús, barro e madeira... Inté tijolo do bão? Minha nossa! Onde conseguiu?
EUFRÁSIA
Sobras da igreja... Pra morde eu construir meu lugar!
COMADRE
Fugir do sereno? Ora veja. Neste pedaço de terra... Que sortuda!
EUFRÁSIA
Ganhei de Conselheiro! Menos de quadra da quitanda! Mas o mió presente -num sabe?- , é meu Tonho,
que prometeu nunca mais pô bebida na boca... e vortô a trabaiá. Olha ele lá enriba da torre!
TONHO(OFF)
Eufrásia, deixa de prosa e me ajuda aqui co'as cumeeiras, que a noite cai!
EUFRÁSIA
Já vou, home! (T) Nossa quem vem na carreira?
JERUSA
Eufrásia! Eufrásia, me acode cumadre! Pegaram o meu João e tão levando ele preso!
EUFRÁSIA
Mas ora! Que havera dele ter feito?
JERUSA
Nada, nadinha, que ele, bem sabe, num é desocupado!
EUFRÁSIA
E eu num sei? Dá duro em pé dia todo na quitanda.
COMADRE
Então, por quê?
JERUSA
Causa das táubuas!
EUFRÁSIA
Que Táubuas é essa?
JERUSA
Dos imposto, num sabe?
EUFRÁSIA
Sei não!
TONHO (ENTRANDO)
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EUFRÁSIA
Mas o que o beato tem de havê com tudo isso? Que eu num tô entendendo!
JERUSA
Os sordados, Eufrásia, tão prendendo ele. Diz que o arraiá de Bom Jesus tá crescendo por causa das obras
de Conselheiro... e João se negou a dar um cadinho do lucro pra morde o tar do imposto das táubuas da
República! Então foi preso!
TONHO
Num tá certo! Conselheiro disse pra recusar mesmo. Pra que dá dinheiro para sustentá essa cambada? Eles
que adeviam dá pra gente, num é?
COMADRE
Que se fais cumpadre Tonho?
TONHO
O que se há de fazer, senão acatá?
MACUÉ (ou beata)
Gentes! Gentes! Dona Jerusa, que eu te achei. Na igreja agorinha que Conselheiro tá chamando...
TONHO
Se assosssegue, diacho! E fale direito?
MACUÉ
Sabendo do ocorrido o povo se ajuntou! Tão recolhendo as táubuas dos imposto e fazendo co`elas um
fogueirão na porta da igreja. Sordadada tá que nem uns tonto olhando abobaiados sem sabê o que fazê!
João já foi sorto!
TONHO
Ihhh! Mas tá aí a resposta! (SAI)
COMADRE
Deus seja louvado!
JERUSA
Conselheiro, olha por nóis!
TONHO
E o que que tamo esperando? É ordem de Conselheiro!
MULHER
Eh, rê. Vamo pra igreja, gente!
HOMEM
É ordem de Conselheiro! Queimá as cobranças como resposta!
MULHER
Recolhas as táubuas, Deusdete!
HOMEM
É ordem de Conselheiro!
MULHER
Fora repúblia!
HOMEM
E viva nosso Senhor Jesus e conselheiro!
Te ferem
Te ofendem
Te batem
Ofereça , Cristão, o outro lado
É o ditado
É o ditado
E não tens
onde ficar
O que cuidar
e fincar raízes
Chão raso
Pra tua semente
E de tanto sofrer
Já não sentes
Então secas
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te enterras
Ou diz basta ao presente
A Escritura
É certa e não mente
E nos ensina a rima
o repente
Que é olho por olho
dente por dente
olho por olho
dente por dente
(TIROS. POVO FOGE)
VOZ
É os macaco.
OUTRA VOZ
Foge, gentes!
VOZ
Certaram o Geninho! Desgraceira . Foge!
JUCA (DECLAMANDO)
...Um lugar
Lá onde as estrelas
Guia dos amantes
Brilha mais que velas
Em procissões errantes
Lá onde a estrela esquerda
Não se esconde
E brilha em forma de cruz
Como uma réstia de luz
Símbolo do céu de Jesus!
Lá, sob um dos braços do cruzeiro
Há de ter um chão, um terreiro
Concreto sonho de terra
Guia de fé, de esperança
De nosso Antonio Conselheiro!
TODOS (cantando)
Um pedaço de terra
Lá no pé da serra
Além daqueles montes
Olhando o horizonte
Conselheiro tá lá
Num pedacinho de céu
Lá que é meu lugar
Adeus coronel.
HOMENS
Adeus pra quem fica
Eu já vou me embora
Pra terra prometida
Ôi tô indo agora
MULHERES
Vou lá criá cabra
E mel no "abeário"
Pra adoçá minha boca
Rezando o rosáriol
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HOMENS
E com tanta fartura
Eu e a moreninha
Fazemos diabruras
Até de manhãzinha
MULHERES
Quando vier os rebentos
Sei que Deus dará
Ai, eu não me aguento
De tanto sonhar
HOMENS
Crianças brincando
Ao lado da muié
Quem quiser ir comigo
Eu tô indo a pé
TODOS
Um pedaço de terra
Lá no pé da serra
Olhando o horizonte
Além daqueles montes
Olhando o horizonte
Conselheiro tá lá
Num pedacinho de céu
Lá que é meu lugar
Adeus Coronel
JUCA
Seo Lalau, Seo Lalau! Só vim me despedir. Vou buscar minha alegria!
LALAU
Pra onde vai Juca Mulambo?
JUCA
Pra cildad da' sperança!
GERÊ
Donde é isso?
JUCA
Lá pra trás da onde a vista alcança... Nem se cansa de espiar tanto verdume... Lá pra além de Belos Monte,
'Nhá Gerê !
LALAU
É mentira, é fatiota que se inventa...
JUCA
É não. Terra boa de plantio... Água e comida, fartura e verde! Vede lá... Espia longe que a vê.
LALAU
Imagina se há terra assim nesse sertão. E esse Antonio do Conselho?
JUCA
"Conselheiro".
LALAU
Que o seje! Mas as terras? Vai vê nem existe... É crendice, é lenda, é invenção.
JUCA
É não, Lalau. Ela há. Tenho certeza!
LALAU
Se é teu sonho, vai menino. Não se pare... Terra assim aqui não há...
GERÊ
Juca Mulambo. Cê é novo, moleque. Vai se perder ou morrer de sede nesta seca que inté a terra racha e
mata. Será que não vê?
JUCA
Perco nada. Ah! Ah! Ah! Sei que vô é me desalterar de tanta água que vô bebê!
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LALAU
Diacho de moleque da penca! Fala dum jeito de crença, que até me coça os miolos de vontade ir também.
GERÊ
Homem, hara! Que ocê num tem mais idade pr'isso. Devaneio nessa idade!? Toma tento!
JUCA
'Nhá Gerê que é que há? Que há aqui que pode num tê lá...? Tá se coçando também que eu bem sei... Junte
as traias vamo s'embora!
GERÊ
Hara menino, num provoque essa doidice!
LALAU
Muié, muié... Que há de perder? Vamo ver se num é história...
GERÊ
Vai que seja... Vamo, Lalau!
QUINQUIM DE COIQUI
Mais será que escuito derecho? Espera que eu vou!
JUCA
Mas donde vai esse curiango...?
LALAU
Vai decertamente beijá as mãos do seu painho. Não vê que ele é cupincha do patrão?
QUINQUIM DE COIQUI
Vô é nada! Vô é pedi premissão pra ir co'cês tamém!
ANA ROSA
Já se viu ? Ora veja!
LALAU (OFF)
S'imbora , Ana Rosa, senão a gente perde o rastro de Juca e nunca que mais chega em Belo Monte!
ANA ROSA
Tô indo, pai!
INHANA
JOSÉ GONÇALVES
Mas ocê deve de tá brincando co'a minha cara, Quinquim de Coiqui! A senhora ouviu isso, Dona Inhana?
Até esse moleque agora quer dar de ir atrás do messias do sertão...
DONA INHANA
Só se for pra ficar lá fumando o dia inteiro aqueles canudos de pito... Que diz que coisa que tem lá de
monte é isso: canudo de pito!
JOSÉ GONÇALVES
A senhora também me anda muito bem informado, Dona Inhana! Pois olhe vocês dois, que eu fiquei
sabendo é que eles passam o dia é esperando o homem defecar atrás das moitas de favela pra colher um
pouquinho da merda...
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QUINQUIM DE COIQUI
Brinca co'isso não padinho, que é coisa séria e Deus castiga!
JOSÉ GONÇALVES
Mas num tô brincando não, moleque! O que sei é que os conselheiristas juram de pé junto que as porcaria
do homem curam até doença ruim... É ou num é coisa do demo, Dona Inhana?
QUINQUIM DE COIQUI
Cruiz-credo, que isso eu num faço! Só quero í atrais do profeta pra morde...
JOSÉ GONÇALVES
Que profeta, Quinquim de Coiqui? Um beatola de merda! Desculpe, Dona Inhana, mas essa ignorância é
que me tira do sério.
QUINQUIM DE COIQUI
Dizque ele cura espinhela caida só de olhar, depois aconselha lá uns cuidado e uns chá de raiz pra morde de
que se confirme o sucedido...
JOSÉ GONÇALVES
Agora só faltam me dizer que além de líder religioso , espiritual, político e num sei o que mais... O tal
Antonio Conselheiro virou doutor também!?
DONA INHANA
Não chega a tanto, é verdade... Mas tem lá seus conhecimentos...
JOSÉ GONÇALVES
Caduquice! Mas, cadê ele?
DONA INHANA
Quem?
JOSÉ GONÇALVES
O Quinquim de Coiqui! Será que foi...?
DONA INHANA
Por certo já está na estrada! Moleque desajuizado. Licença que vô atrais dele, num sabe?
JOSÉ GONÇALVES
A senhora me espera é... Dona Inhana! Dona Inhana!
GERÊ
Conta mais, Juca Mulambo!
JUCA
Os morros cercando a terra.,. cobertos por uma plantação de nome favela... Cumicham os que por lá
tivero, que canudos nascem nos vales - sinar de água, pois não é? Prantação que dá mucho fácir, pra
morde a gente comê inté arregalá os zóio e lambê os beiço .... E tem água menos de metro furando poço....
(RUÍDO)
ANA ROSA
Ihh! Vem gente no rastro, pai.
LALAU
É o Quinquim!
GERÊ
Não é que o neguinho conseguiu se alforriar?
LALAU (GRITA)
Depressa, Quinquim. Se achegue mais. (T)( CHEGA QUINQUIM) E daí?
INHANA (OFF)
Quinquim, neguinho fugido, me espera!
QUINQUIM
Nem adianta vir atrais. Eu já me vou pros Belos Montes!
LALAU
Deixe o Quinquim, Dona Inhana!
INHANA
Vim buscá ele não. Vim é pra ir junto também! Truxe Maria Antonia comigo. Anda logo, sá menina!
MARIA ANTONIA
Eu vou não, mãe!
INHANA
Deixa de treta menina, lá há de ser bão!
GERÊ
Então vamos junto, Donha Inhana!
ANA ROSA
Vem, Toninha! Vai que de lá se tenha uns mangotes mió do que os daqui!?
TONINHA
Nesse ermo? Duvido e faço figa?
LALAU
Até um Tabaréu feito ocê qué í? Êta pêga! Que eu nem querdito!
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QUINQUIM
Espero que valha a empreitada!
INHANA
Tem que valê!
JUCA
Ele disse: O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão!
GERÊ
Será fato?
JUCA
É de fato. Se é sonho, deixa sê que eu querdito...
QUINQUIM
Ah, mas que eu vô sentir uma sodade das pencas do patrãozinho coroné, isso lá vô... Mas, conta mais
Juca Mulambo, pra morde eu esquecê essa danada!
JUCA
Cada de qual cuida dum canto e tudo mundo cuida do tudo.
QUINQUIM
Assim de misturado?
LALAU
Pois é!
QUINQUIM
E vai que dá certo?
LALAU
Tem que de dá... Se ninguém é dono de nada, tudo mundo é dono de tudo... Plantio, colheita...
QUINQUIM
E o de comê?
JUCA
É do plantio de todo mundo e do comércio co'as redondezas. Só que tem de trabaiá o dia todo.
QUINQUIN
Só, é? Que mais?
INHANA
Rezá é sagrado!
QUINQUIN
É, é? E a teimosa, pra morde despertar o dia?
LALAU
Bebê nem pensá!
QUINQUIM
Mas , Juca, me diz aí: E cafungá, como é que é?
INHANA
O quê, neguinho?
JUCA
Nada não, Nhá Inhana, é cá cos home!
GERÊ
Hara, que a gente num sabe!?
LALAU
O que ocê quer saber, Quinquim?
QUINQUIM
Num é fartando co'respeito não seo Lalau, mas é que só queria sabê se lá tumém num têm assim... sabe...
uma branquinha pra morde eu comê?
MACAMBIRA
Óia o respeito, neguinho!
JUCA
Claro que tem! Só que depois do feito vem os afazeres e deveres. E tem que ficá co'a muié e cuidá da cria.
E quando, de quando em veiz, que vem o vigário, tem que casá muito nos conforme. É egigênça do
Conseeiro!
QUINQUIM
Mas se elas topá antes, que mar há de se casá adepois? Quero é só saber se que nem nos quilombos lá se
pode cafungá!
LALAU
Tem que poder, Quinquim!
JUCA
Então a gente cafunga, uái!
LALAU
Claro que cafunga!
NHÁ GERÊ E INHANA
E nóis!
LALAU
Oceis não, muié!
19
MESTIÇAGEM
o povo de canudos
MULHERES
Se alguém deixa o sol do oriente
Atravessa o mar pro ocidente
HOMEM
E no ocidente vislumbra na frente
Amendoado o olhar da nativa,
O que vem?
MULHERES
Carnavais de cores distintas
Bacanais de corpos fatais
HOMEM
E por quê?
MULHERES
Talvez porque espanta a preguiça
Quem sabe se um chá de raízes
Que a danada da coisa comicha
HOMENS
O olhar da moça nativa
O seio da morena que atiça
O alvo da anca da branca
MULHERES
O gingado da negra fornica
Explode o sangue na artéria
O desejo da posse e a cobiça
TODOS
E olha a gente naquela delícia
Olha a gente naquela delícia
MULHERES
Se o branco com a índia vai
HOMEM
-Mameluco
MULHERES
Se a índia com o negro... Ai!
HOMENS
-Cafuzo
MULHERES
Se a negra com o branco sai
HOMENS
-Mulato
MULHERES
Cariboca confuso em carícias
Miscigena se une
-fornica
TODOS
E olha a gente naquela delícia
Olha a gente naquela delícia
MULHERES
Talvez seja o denso da mata
HOMENS
Talvez seja o sol do sertão
20
MULHERES
Quem sabe se a brisa marinha
HOMENS
Quem sabe o tutu de feijão
MULHERES
É o clima que favorece
O calor do corpo que atiça
HOMENS
Na selva a conquista acontece
E corpos de cores distintas
Na relva se entrelaçam
TODOS
E a folhagem da mata retinta
Se incendeia com tanto brasil
É mestiço
É moreno
É mulato
É caboclo
É cafuzo confuso
É negrão
LALAU
S’ embora gentes, que troveja mais adiante pra invernada que anuncia!
MACUÉ
Coroné! Coroné! Padre João pede pra morde o senhor passá na igreja! Tá preocupado por causa da
debandada!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Parece brincadeira. A cidade está vazia
MACUÉ
Tonho tamém num tá lá mais não. Se foi com Eufrásia! Seo Joaquim diz que se continuar assim fecha as
portas do armazém e vai plantar cacau em Ilhéus!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Alguém tem que fazer alguma coisa! Antes era como tempestade: fazia seus estragos, mas ia embora.
Agora esse louco tá arrastando atrás de si multidões. Veja Monte Santo!
MACUÉ
Lalau, Quinquim, Ana Rosa, Maria Antonia, Dona Inhana, Gerê... A cidade tá mais vazia que panela de
pobre.
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Floriano esbravejou, esbravejou e nada fez. Esse Prudente de Moraes, ares de liberal, será que faz alguma
coisa?
MACUÉ
Duvido!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
A porca quebra do lado do arrocho! Vamos Macué. Eu e o vigário temos que reunir as forças. Ele que fale
com o Bispo de Salvador. Que falo eu com o Barão de Jeremoabo. Acho que já passou da hora da gente ir
a Capital Federal conhecer o tal Palácio do Catete!
PRUDENTE DE MORAES
Gostaria que os senhores entendessem, em primeiro lugar, que o tempo dos marechais, do prendo e
arrebento acabou. O poder agora é civil. A República é civil. Porisso achei melhor chamá-los aqui no Rio
21
de janeiro, Senhor Barão de Jeremoabo, Senhor Coronel José Gonçalves, porque são sem dúvida as grandes
lideranças daquela parte de cima da Bahia!
BARÃO DE JEREMOABO
E com muito orgulho atendemos o convite, Senhor Presidente...
PRUDENTE DE MORAES
Mas vamos aos fatos! Chamei aqui também o Arce-Bispo do Rio, que se fez portador da Mensagem do
Governador e do Bispo da Bahia, sobre tal Canudos, ou Belo Monte como chama o pessoal de lá! Se me
permitem... (LÊ COMUNICADO DO BISPO)
"...Uma comunidade sem patrão... Unidos para o bem comum. A religião é a adoração a um homem que
representa esperança. Esperança que se traduz na possibilidade de fartura. Crença de que onde jogar a
semente na terra, nasce a plantação, porque não faltará chuva"
BISPO
É um louco. Se diz Jesus!
PRUDENTE DE MORAES
Não exagera, Eminência! Não batiza e nem faz casamento. Isso aliás, pelo que soube, é feito por Padres de
Pernambuco e da Bahia, que vão lá constantemente!
BISPO
É um herege! Vou excomungar os padres desobedientes, que vão lá, à revelia, fazer essas obrigações!
BARÃO DE JEREMOABO
Desculpe-me, Eminência, mas a parte religiosa é a de menor importância no momento. Não é o
messianismo nem o milenarismo que temos que combater, mas o monarquismo... É esse o inimigo da
República... Inda mais quando vem escondido com essa prática de socialismo sertanejo... Plantações
comuns...
PRUDENTE DE MARAES
Barão!!!
BARÃO DE JEREMOABO
O povo aguarda uma atitude forte da república. Os intelectuais reclamam a lentidão e as derrotas nas três
primeiras expedições...
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Politicamente falando... Aquilo lá era território meu. Gente minha. Com a chegada do Conselheiro, que tem
lá uns agradecimentos com o Coronel Luis Viana , o beato anda baldeando todo mundo pro lado dele. É ou
num é, nobre Barão de Jeremoabo?
BARÃO DE JEREMOADO
Não esmiucemos, Coronel. Não esmiucemos!
BISPO
O fanatismo religioso transformou essa gente em animais ferozes... As táticas de guerra aprenderam com os
negros e índios que lá moram.
BARÃO DE JEREMOABO
Na verdade eles usam uma zarabatana com um líquido tirado da pele da rã, que é mortal pro homem.
BISPO
E Conselheiro se diz o próprio Messias!
BARÃO DE JEREMOABO-
São inimigos da República. Monarquistas fanáticos!
BISPO
Tem o rei como o escolhido por Deus!
MINISTRO
Senhor Presidente, me desculpe, mas está aí uma junta de Deputados .Insistem em participar da reunião...
de qualquer maneira! Estão mesmo furiosos. Reclamam até de suas mulheres, que, dizem, estão histéricas
e mal conseguem dormir, assustadas com a ladainha dos esfarrapados, que aproveitam o frescor da noite
para se debandarem para Canudos.
PRUDENTE DE MORAES
Coronel... Barão... Eminência! Senhores! Está aí uma comitiva da Bahia. Chegam também Deputados de
São Paulo. Trazem documentos e uma publicação de artigo assinado por Euclides da Cunha, alertando para
o perigo eminente de Canudos, a quem chama de Vendéia brasileira, em vista das proporções que este foco
monarquista já atinge. Conta hoje Canudos com mais de cinco mil moradias, o que dá por baixo mais de
vinte e cinco mil pessoas, em se considerando crianças, velhos e mulheres, lá residindo. Ignoro? A turma
de Floriano Peixoto pressiona-me. Instiga-me a escalar para lá um homem sem caráter. Responsável por
vários fuzilamentos quando da Revolta Federalista. Um homem sem escrúpulo e sem princípios, mas que
cresceu rapidamente dentro do Exército: Coronel Moreira César! Se não acato dizem que o poder civil não
22
funciona, por ser fraco. Se acato e liquidamos Canudos, derrubam-me com a vitória. Que faço? Que
dizem-me? Pois que seja! Eis a lição que a República insiste em aprender... Conheçamos Canudos para
destruí-lo.Cerquemo-lo. Incendiemos os barracos e envenenemos o chão, já que esse é o medo da nação.
Isso ainda não basta, que morram de fome? Cá por mim nada faria. É lá apenas um chão ermo, sem nada, a
não ser canudos de pito.
refrão
refrão
refrão
MACAMBIRA
Meu povo aqui morô, muito nos antigamente. Co'a chegada dos branco teve que se enfiá mata adentro. Eu
memo fui nascê muito que acolá. E vagueei menino até ir pará nos Jesuíta e lá finquei chão. Agora depois
de tanto, quando sube que esse Conselhero vinha pras bandas escutei nos sonho:"- Macambira é o
chamado dos antepassados, dos espírito! Macambira véio é hora de vortá pro lugar da sua gente e lá
abandoná seus ossos..."
LALAU
A lição se reaprende quando se tem terra de plantio. Primeiro um verdume que se expande, depois vai se
amarelando, se esmiuçando feito véio... E de conforme a estação é seca, parece morta. Mas engano! Quem
tem raiz num morre, renasce... Esverdeia de novo.
QUINQUIM
'Gualzinho tá na Bíblia, na ressurreição.
LALAU
Terra é tudo! Em Canudos nem chega secá vez em quando, se esmarela e já se rebrota... Diz que é águas do
Vaza-Barrís.
INHANA
Sei não! Vaza-Barrís me é um rio muito estranho, sem nascente. É a água que brota nele! É um rio que
não nasce... Porisso me trais maus presságios!
QUINQUIM
Êpa rei, minha mãe!
23
LALAU
Hara, largue disso, Inhana! Mar presságio de quê? A Fraqueza do Governo?
JUCA
Se adescuide não, Lalau, nem lhe faiz pouco. Se num é Imperador, ninguém sabe donde veio... Vaza-
barrís sem nascente, sem raiz...
INHANA (SAINDO)
É disso que eu tenho medo!
JUCA
Vamos cuidá de vigiar que a lua clareia. É nas horas de Deus, que a fraqueza se mexe mais. Tem medo de
escuro...
MACAMBIRA
Êpa! Escuita!
JUCA
Parece longe.
LALAU
É o sopro do vento...
MACAMBIRA
É o sopro da morte...
LALAU
Hara! É a guerra de novo!
MACAMBIRA
Um dia Conselheiro me disse ansim: "Guerrear se preciso for, mas procurá evitá sempre a danada da
guerra... Porque memo do outro lado, do lado dos fardados, há gente tão necessitada quanto a gente". Vê
que não. São apenas os cães.
LALAU (CANTANDO)
Na horas de Deus amém,
Não é zombaria, não!
Desafio o mundo inteiro
Pra cantar nesta função!
LALAU
Saiu D. Pedro segundo
Para o reino de Lisboa
Acabou-se a monarquia
O Brasil ficou atôa!
QUINQUIM
Garantidos pela lei
Aqueles malvados estão
Nós temos a lei de Deus
Eles têm a lei do cão!
LALAU
O Anti-Cristo nasceu
Para o Brasil governar
Mas aí está o Conselheiro
Para dele nos livrar.
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QUINQUIM
Visita nos vem fazer
Nosso rei D. Sebastião
Coitado daquele pobre
Que estiver na lei do cão.
(SOBE A MÚSICA )
ANA ROSA
Toninha! Corre. Vem vê! Lá embaixo... a poeira, vê?
MARIA ANTONIA
É vento?
ANA ROSA
Não. É home... Uns home empinado que só vendo... Num são curvado que nem os de cá. Marcham e
cantam... bonito que dá inté gosto...
MARIA ANTONIA
São sordados, Ana Rosa. Sordados!
ANA ROSA
Pr'onde vão, Toninha?
MARIA ANTONIA
Num vão, vem! Viche! Conselheiro que nos acuda! (SAI)
ANA ROSA
Hara! Conselheiro já num acode nem que dele... E acudí pra mode o quê? Deixa que a sordadaiada venha
chegando pelo meno pra gente arregalá os zóio. Loguinho eles vortam corrido, que nem os outros... Deixa
que venham... quem canta bonito desse jeito, deveras nem deve fazê mar a ninguém.... Maria Antonia!
Diacho, onde será que se meteu essa Toninha!
( RUÍDO)
ANA ROSA
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Quem vem lá? É gente de bem? (UM SOLDADO SURGE NA PASSAGEM) Num se achegue que eu
grito...
ANA ROSA
Abusado! Vai que arguém lhe fure as tripa eu ache bom... que nem co'sotros que vieram!
SOLDADO
Vocês conselheiristas são muito é topetudo!
ANA ROSA
Hara, que me deixe passar,..
SOLDADO
Se me der um beijo!
ANA ROSA
Mais que abusado, que nem sei quem te pare... Sordadinho de nada!
SOLDADO
Não te faça de santa... Há pouco te escutava, com a outra...
ANA ROSA
Maria Antonia! É uma medrosa!
SOLDADO ( SEGURA-A, DEPOIS A DEIXA IR)
Você não. Como se chama?
ANA ROSA
Ana Rosa! Mais num é de tua conta! Tenho que ir!
SOLDADO
Lhe meto medo?
ANA ROSA (RETORNA E SE ENCOSTA AO SOLDADO PROVOCANDO-O)
Medo? Sei não! Mas num devia de tar aqui... Logo-logo painho vem com uma porção dos nossos. Maria
Antonia por de certo já bateu co's dentes! É melhor que também se vá embora!
SOLDADO
Tinhosa!
ANA ROSA
Num ti falei? Tão vino! Ai, minha santinha, que eu vou fazer loucura! Vem cá.
(PEGA SOLDADO PELA MÃO E FOGEM POR UM LADO ENQUANTO POR OUTRO
ENTRAM LALAU, GERÊ E MARIA ANTONIA, SEGUIDOS POR JUCA E INHANA)
LALAU
Mais que descaramento.
MARIA ANTONIA
Ela num tem culpa, seo Lalau. Foi o soldadinho que agarrou ela. Eu vi e fugi!
LALAU
Campeia eles, Juca!
INHANA
É mió a gente ajudá os outros no combate! Dexa ela, Lalau! Não há de ter sido a primeira. Como diz o
Conselheiro: "- Seguiu o destino de todas. Passou por baixo da árvore do bem e do mal".
LALAU
E daí?
JUCA (OFF)
Tão aqui, no bem bão, Lalau! Vamo em frente, froxo!
LALAU
Desavergonhada!
JUCA
O que que a gente fais co'ele?
LALAU
Castra e manda s'imbora!
ANA ROSA
Pelo amor de Deus! Fais isso não painho!
LALAU
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Castra Juca!
ANA ROSA
Se fô pra castrá é melhor que mate, mas num aleja um home assim não!
LALAU
Dona Inhana, me fais favô! Rume a troxa dessa desinfeliz. E bote ela pro mundo, que ele me desonrô! (T)
Vai, muié da vida, que num quero mais te avistá!
ANA ROSA
Num tenho pronde í, pai!
INHANA
Vem comigo, Ana Rosa, te arrumo um aconhego até que Conselhero arresorva o que se fazê contigo!
JUCA
Conselheiro vai é querê pô panos quentes. Tá ficano molerão! Se qué sarvá tua honra que faça agora!
MARIA ANTONIA
Deixa o froxo í, seo Lalau... Que ele já se borrô todo!
LALAU
Dá aqui a peixeira, Juca. Que não se desonra assim um cabra destabocado feito eu.
QUINQUIM
Eh, rê! Tamo sarvos, gentes. Olha, que pegaro o demo! Pegaro o demo!
LALAU
Olha que ele tá escapando... Atira Juca!
ANA ROSA
Deixa ele í pai.
EUFRÁSIA
Ehhh, Lalau! Deixa o covarde ir no trote, que quem sabe ele alcança os outros.
QUINQUIM
Macambira e os índios. De tocaia... Deixou a tropa passar e avançar. O nosso véio Macambira brabo e
corado. Podiam ficar cercados, nem ligô!. O corta-cabeças vinha no meio. Montado à cavalo, que ele num
era de andar muito... Mas, Macambira foi certeiro, bala e onça. A tropa passou, o de mo não. Tombou
morto no meio da invernada!
JUCA
Pajeú saiu agora em perseguição da cambada até pra além de Belos Montes... e o mais mió é que deixaram
as armas. Vamos juntá e botá na Igreja véia. Vamo colhê as sobras. É a vitória Lalau! Iuuuhhhhh!
LALAU
Que cara é essa homem?
MACAMBIRA (ENTRANDO)
João Grande, Lalau!
EUFRÁSIA
Meu João?
MACAMBIRA
Aquela matadeira derrubando tudo dos nossos. enquanto cercavam a gente. Ele num pestanejou. Marrou
dinamite pelo corpo tudo. Acendeu e mergulhou no meio da sordadaiada.. Morreu mas levou junto dele um
amontoado de imprestáver. Além de explodir com a matadeira, que não nos dava tréla!
EUFRÁSIA
Mais por que é tudo tão difícil pra gente?
LALAU
Traçou seu destino e com Deus partiu, Eufrásia!
EUFRÁSIA
Espero que agora deixa a gente em paz e se aquietem lá co's deles. Que a gente percisa num é de armas,
mas de ferramenta pro plantio, antes que a colheita se perca... E a gente morra é de fome.
JUCA
Mais óia que tá certa Eufrásia. Porque terra feito muié, num gosta de vivê abandonada e só. Percisa de tê
quem lhe curtiva Num é?
(CANTAM)
SOLDADO -
E caminhamos mais de seis horas, pra alcançar o alto da Favela, de onde avistamos o vale e o tão falado
povoado. Parecia uma cidadela sem nada. Os canhões dispararam derrubando os primeiros casebres. Nada.
Ninguém sabia que ali tinha mistérios. Foi aí que começou a acontecer os absurdos. Falo o que vi!
Soubesse num teria ido. Os sinos da igreja tocavam sozinhos. E eles saíam de toda a parte, como formigas.
A tropa começou a descer a serra apesar do medo. Então se ouviu a bateria de tiros, vinda das torres da
Igreja nova. Mas ninguém tava lá... eu juro! Os jagunço vinham do nada. Não era verdade. As balas não
lhes furavam e eles se atiravam ao fogo sem se queimar. E começaram a se multiplicar... As mulheres
rezavam, as crianças choravam, os homens gritavam como coiotes e todos... Todos lutavam e atiravam se
tivessem com armas e nos atacavam de peito aberto com seus paus e enxadas e foices e martelos. Pulavam
sobre nós feito bichos. O Coronel foi acertado pelo índio velho... A gente só queria sair dali, deixando
armas e feridos... E tivemos que rasgar as fardas pra não sermos reconhecidos e mortos, pois por tudo
quanto é banda há jagunços de Conselheiro.
OFF
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!"
(FOCO )
(NA PENUMBRA POVO CANTA E OBSERVA INHANA QUE FAZ O PARTO DE ANA ROSA.
DEPOIS ERGUE A CRIANÇA E MOSTRA A TODOS)
Terra fértil
Terra farta
Terra terra
Que nos falta
Terra vida
Terra nobre
Terra nossa
Terra nossa
Terra pura
Que insinua
No plantio
Terra arada
Fresca e nua
Terra nova
Moça terra
Fêmea em cio
28
LALAU
Certaram Inhana!
GERE
Tão chegando perto demais, Lalau . Cadê os homens do Bom Jesus?
LALAU
Juca! Depressa! Trais salmoura! (T) Percisa mais não, Juca!
JUCA
A gente creu, que era possível terra de plantio.... Deus dos pobres de guia. E por que não?
A gente creu na terra, água e verde...Sem dono e sem patrão.
A gente creu nas palavras de promessa, que incendiava as esperanças...se era sonho ou delírio que que
importa?
A gente creu num guia e nas palavras, que mal havia?
A gente creu e partiu... No risco da morte, na seca, no perigo!
A gente creu...que que importava o escurraço, no riso, a descrença de quem num apostou na empreitada e
no desafio da percura.
A gente creu...Num é direito?
E fez na terra abandonada da velha fazenda o talho do plantio que a remoça!
E da fé da alma, o chão respeitoso feis germinar o sustento do corpo, até que esgotou nas guerras que
vieram!
A gente creu...E vamo tombando um a um.
A gente creu. É só o que resta...a crença! Que sordado do Bom Jesus num morre...Rebrota noutro lugar,
doutra vida, pra semear-que é o que sabemos, e para as rezas e agradecimento.
A gente creu no Bom Jesus e em Conselheiro....E num é agora que vai deixa de crê.
(CANTO DE GUERRA)
MULHERES
É a tropa, o cachorro, o canhão
HOMENS
É o povo com a enxada na mão
MULHERES
A tropa é continência do não
HOMENS
O povo é exigência do sim
MULHERES
A tropa diz sim pro patrão
HOMENS
O povo é a nação que diz não
TODOS
Esse povo da terra brasílis
Só quer seu pedaço de chão
rastelo, foice e martelo
E sempre afiado o facão
O facão ferramenta de corte
É de paz é de guerra na mão
De um povo cansado da sorte
De um povo sem medo da morte
Que busca um pedaço de chão
Esse povo da terra brasílis
É o povo com a enxada na mão
É o povo com a enxada na mão
É o povo com a enxada na mão
(SAINDO)
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
29
MACUÉ
Isso decertamente num há de estar certo! Gentes tanta que nunca vi. Mas falta assim a alegria da feira
antiga, Seo Lalau os pregões! E Ana Rosa, Maria Antonia, que há de ser delas?
sabe, seo padre, vendo bem aquela gente que é a minha, não essa!
(MACUÉ SAI CORRENDO. ENQUANTO ENTRA PELO OUTRO LADO O CORONEL)
PADRE JOÃO
Pelo visto meu ajudante, foi se embora!
CORONEL JOSÉ GONÇALVES
Vai nada. Como bicho de estimação, sempre voltam!
PADRE JOÃO
Sei não! (SAINDO ATRÁS DO MACUÉ) Macué! Macué!
LALAU
Macué!
MACUÉ
Desgraceira, seo Lalau. Acode aqui!
MACAMBIRA
Macué conseguiu escondê a gente na carroça. Disse que vinha por ordem do padre, deixaram passar.
LALAU
Êta, neguinho!
MACUÉ
Viinha avisá. Num deu tempo! Vamo pra carroça, com sorte a gente escapa!
LALAU
Se arriscou demais vindo! Pode também lhe sobrá pórva!
MACUÉ
Devia tê vino antes. Cheguei tarde.
QUINQUIM
Pegaram nóis, Lalau!
MACAMBIRA
Por onde passa, só o cheiro da morte e da podridão dos mortos.
QUINQUIM
Aquele mundaréu de abestiados grita ansim: "- Morra corja de monarquista! " E atiram que nem em caça.
Atirano, matando e degolando... Véios, meninu... homem feito... Se antes eles envergonhava as muié
primeiro, agora nem isso... Sem tempo... É direta a morte. Os desejos dos assassinos é maió que os desejo
da carne...
JUCA
Na frente vem o demo. Coroné Artur Oscar. Encontra um frangalho, já sem resistência, manda passá a faca,
pra morde economizá pórva!
LALAU
Velha fazenda... as gentes de Norberto?
MACUÉ
Velha fazenda é sangue só! Por lá tudo passei fugino. E nada mais vi. Só gente morto de fome, de peste e
de bala. Vivo nenhum. Só cá, Perto da igreja véia vi uns gato ... Era gente vinda de Pelados e Angicos,
sabendo Bel's Montes cercado, insistira em adentrá para morrer co's seus... E assim tombaram. Miséria,
não mais. Tal qual eu fiz.
LALAU
Que é de João Abade, que subiu faz três luas?
MACAMBIRA
Tombou com os seus, logo no primeiro dia!
LALAU
Dona Inhana? João da Mota?
JUCA
30
E Maria Antonia!
LALAU
Meu Deus! Desgraceira demais! E os jagunços de Conselheiro?
JUCA
Os doze mortos com seus bandos!
LALAU
Canabrava?
MACUÉ
Caiu cercada! Várzea da Ema, Vale das Providências, Morro da Favela...
LALAU
José Venâncio, meu cumpadre brabo e corado?
MACAMBIRA
Tombou, Lalau!
LALAU
Major Sariema, Raimundo, Antonho Fogueteiro, Zé Gano, Fabrício de Cocorobó....
QUINQUIM
E Antonio Beato, Zé Felix "Tamarela", Manué Quadrado curandeiro... Tudo, Lalau, tudo! Depois a
sordadaida veio cercando. Desceram do alto da favela. Nunca vi tanta gente. Parecia milhares de enxames
de abeias saindo do mato. Tanta gente que encobriu da estrada do Maçacará ao Vale das Quixabeiras. E de
lá ao Vale das Providências, já na estrada do Rosário.
MACAMBIRA
É o guverno novo! Só se contenta quando espalhá o que mais tem: miséria ! A órdem é matá todo mundo,
bem sabia Conselheiro!
LALAU
E Conselheiro?
QUINQUIM
Diz que tombô faz pra duas semanas perto da Igreja nova.
JUCA
Que dia é hoje, Macambira?
MACAMBIRA
Sei lá eu! Tanto fais!
MACUÉ
Saí de lá fais trêis dias. Antes das rezas do primeiro domingo de outubro! Deve de ser terça, dia 5.
MACAMBIRA
Um belo dia pra morrê! Mas que se morra em pé e lutando!
AVANTE, REPÚBRIA!
(RUÍDO)
JUCA
Ôpa que é vem gente. Vem só!
MACAMBIRA
Quem é esse?
MACUÉ
Num é esse! É essa!
MACAMBIRA
Ana Rosa, menina! Donde surge? E que fais ansim vestida de homem?
LALAU
Mais essa?
ANA ROSA
Tava percurano ele, pai! Queria que visse o fio! Venho seguino de longe as tropa.
LALAU
Desavergonhada!
ANA ROSA
Mainha e Eufrásia vinham mais eu, mas pegaro elas , meu painho. É o fim do mundo! Tá tudo acabado!
Só encontrei de vida oceis... E os sordados já vem...
MACAMBIRA
Se achegue menina. E espere co's seus! Mas ólia só o rebento, Juca!
JUCA
Ihhh! Que desgraceira é 'Lemãozinho que nem o pai!
QUINQUIM
Mas tinha que sê! Tudo tem seu tempo e sua hora. Lemãozim!
LALAU
Marca da vergonha!
MACAMBIRA
Tome tento, Lalau! Num é o que fartava na raça?
ANA ROSA
Só resta nóis. É o fim, pai!
MACUÉ
A tropa tá chegando. Quantos! Se perde de vista!
LALAU
Vai se embora, menino!
MACUÉ
Eu fico!
LALAU
Fica não, neguinho! Alguém tem que sobrá pra morde contá a história!
MACUÉ
Lá num tem porquê! A mansidão do padre e a alegria do coronel esconde as desgraça.
MACAMBIRA
Se aquiete, neguinho e foge! Que se num fecharem tua boca é dela que vão sabê da nossa crença!!
JUCA
É o fim, Macué! Vai caminhando devagar e acenando. Vai! (t) Tão cercano a gente de tudo quanto é lado...
TENENTE (OFF)
O menino deixa vir, é o fio do padre. O resto não. Que num se fique pedra sobre pedra! É órdem!!
ANA ROSA
Mas, minha Nossa Senhora! É ele, pai. É o meu sordado! Eu vô!
LALAU
Vai não, fia. Fica comigo! E bota o chapéu!
JUCA
Mais num pode sê... O pai do 'lemãozim é o demo doTenente Dourado, braço direito do General Arthur
Oscar!
LALAU
Mas que se passa co'a fraqueza do guverno? Será que num se apercebero que é apenas nóis?
MACAMBIRA
Não vê, Lalau! São apenas nóis, restos de raça... Mas é justo o resto que sobrevive de cada uma. É disso
que eles têm medo. Dos vurtos. Eles tão com medo da nossa sombra e dos nossos espíritos... Que espíriro
num morre com bala de canhão... Eles tão com medo das assombração que um dia vão surgi das favela...
Que conselheiro hoje fais ventá e assobiá. Escuita! ( UM BERIMBAU E UM TAMBORIM CHORAM
DISTANTE) Vencemos Juca Molambo. Vencemos Lalau! Venha, Quinquim! Se ajunte Ana Rosa. Se
alevante, que é de pé que se vê a vitória. Nóis conseguiu!
QUINQUIM
Num delira, Macambira! Guenta o juízo índio véio!
JUCA
O índio véio tá certo! É essa a plantação que fizemos. Quem crê num tem medo da morte. Depois de caído
na terra o corpo do sordado de Bom Jesus é semente, que germina onda , que se fais mar e se alastra sobre
a terra. Agora é que entendo o que o beato dizia sobre o sertão vir a ser mar e o mar virar sertão, um dia!
LALAU
Será fato?
JUCA
É de fato. Se é sonho, deixa sê que eu querdito...
(cantam)
ANA ROSA
Será que ele pensa....?
ANA ROSA
Não. Nem se atina! E atira...
ANA ROSA
E viva o Bom Jesus e Conselheiro!
( FOCO)
PRUDENTE DE MORAES
Quem é?
MINISTRO
Esposa do Tenente Dourado, o homem que jogou querosene nos últimos barracos! Os homens foram
mortos a tiros, já a jagunça, apertou contra si o filho e atirou-se as chamas bradando - Viva o nosso Bom
Jesus e Conselheiro.
PRUDENTE DE MORAIS
A indômita coragem desta gente era digna de melhor causa!
MINISTRO
Toda a oposição da Câmara e do Senado acaba de expedir ao General Arthur Oscar telegrama de
congratulações pela vitória em Canudos
PRUDENTE DE MORAES
E os mortos... Quantos?
MINISTRO
Os comandantes falam em cinco, os soldados falam em dez e há quem diga que foram mais de quinze mil.
Vai falar sobre isso? Talvez seja importante para dimensionar a vitória!
MINISTRO
Não! O importante é que não se lembre. O importante é que não se saiba. O importante é que não se
conte!
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Ói...
os desvalidos da vida
Ói...
os caminhantes sem dentes
São cafuz, caribocas, mulambos
Pés cascudos pisando
Serpentes...
Seguem o louco profeta barbudo
Que procura um lugar que não tem
Seguem o louco profeta barbudo
Que promete sem ter um vintém
Ói...
a marcha farrapa
macacheira,
rapadura
e garapa
E no rosto a pele
encardida
Enrugado retrato
de vida
Parda gente legião
desprovida
Não tem nada, inda marcha
E acredita
Ói...
os desvalidos da vida
Ói...
A marcha farrapa
Parda gente legião
desprovida
Não tem nada, inda marcha
E acredita
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LA MESS MERD
Ou Não Somos a Vendéia (região que fez levante contra a Revolução Francesa em 1893)
Você, ó soldado, acredita
Que quem se rebela por terra
É inimigo de morte, de guerra
Tem que ser monarquista em levante
Contrário a nação
Ativista
Da República a plebe inimiga
Que em Canudos entricheira outra vez?
Não sabe que o mote da sorte
É a diferença de prato
E de trato
E no prato feijão ou salmão
Monarquia ou República de fato
É um ato contínuo, sem corte
E no ato o fato do trato
É o burguês eterno patrão?
Então pergunto, ó soldado,
Quem é o inimigo de morte
Quem é o bandido... O impecilho
Por quem ladra o cão no portão
Rondando as muralhas do forte
Não somos à Vendéia bastarda
Que honras te movem à luta
Responda ó filho da farda
Responda da farda filho:
De que lado que a gente está?
- Pense primeiro pra depois atirar!
De que lado que a gente está?
- Depois do tiro de que te adianta o pensar!
De que lado que a gente está?
Nos prepara o Conselheiro
Para o dia do Juízo
Só quem sofre as privações
Vai alcançar o Paraiso
LIXO
MANÉ PERALTA - Pegamos o rastro vem por "XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX". Já tamo
cercando.
MACAMBIRA (dá ordens de batalha. VER ESCRITOS)
CORREM. CENA EM CONTRA-LUZ - GRITOS -
( NHÁ GERÊ REZA)
FESTEJAM A VITÓRIA E AS ARMAS
- Lá num sei bem dizê. Tem os mais de posse e os menos de posse, mas trabaio num farta... Sem capataz e
coroné... Se trabaia duro, mas cum mais gosto, num é?
(CENA SUAVE. LAVADEIRAS, ÀS MARGENS DO VAZA-BARRÍS EM CANUDOS?
TRABALHADORES CONSTROEM CANUDOS))
intelectuais - a vendéia - presidente Prudente de Moraes - Governador da Bahia: Coronel Luís Viana
Macué é Quinquim - Mané Peralta é Macambira
Jagunço - destemeroso; Tabaréu - Ingênuo; Caipira - Simplório
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palavras: acentuação fechada : sapê (sapé) - vocabulário: Creando (criando), cumiadas (cumeadas),
selvícolas (silvícolas), logares, concurrência, taboleiro, cousa, dous, doudas, poude
fauna: Caititus, queixadas (espécie de porco espinho), emas, siriemas, sericóias, suçuaranas, veados e
pombas,
1896 -Governo intervém em Canudos, fortemente (Presidente Prudente de Morais ) - Cem praças.
Sangrenta batalha com os jagunços, muitas mortes, retirada dos soldados. Canudenses ficam com as armas
e se reforçam
Terra preparada
Terra noiva
Nova terra
tombada despida
Pronta pro plantio
Fêmea em cio
Fêmea em cio
Mas sugada
Terra descuidada
Nada mais de vida
Brota em ti
Envelhece e secas
terra estéril
terra estéril
Abre entranhas
feita terra
Te fecunda
A boa semente
Te penetras e aceitas
Moça terra
Terra desejada
Terra graciosa
De corpo formosa
Terra mulher feita
Não nega colheita
Terra mãe
Terra mãe!
Antonio Vicente Mendes Maciel (Antonio Conselheiro) - foi comerciante em Quixeramobim, caixeiro em
Sobral; escrivão em Campo Grande; solicitador em Ipu; mestre-escola no Crato.
1874 - chega a Bahia, com alguns seguidores, mas tem que retornar ao Ceará, acusado de assassinar a ex-
esposa. é absolvido
1887 - Conselheiro cria a primeira "cidade santa", o arraial do Bom Jesus (hoje Crisópolis)
- Monte Santo (Bahia) É proibido pelo Bispo da Bahia de continuar pregando, não dá ouvidos. Adeptos
crescem. Dizem que seus seguidores andam armados de cacetes, facas facões e clavinotes.
O presidente da Província manda internar conselheiro num hospital de loucos, mas não há vagas.
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1.893 - Ordem do governo de cobrar impostos no interior do estado - inicia-se a rebelião. Conselheiro se
revolta, manda queimar os editais em praça pública e foge para o norte, com 200 fiéis.
Os fugitivos são perseguidos por força policial de 30 praças, que alcançou o grupo, mas foi desbaratada.