Tudopelosares

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Tudo pelos

ares
Fabio Rocha
Copyright © 2001 por Fabio Rocha

Registro EDA – Biblioteca Nacional:


Nome(s) do(s)
FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Autor(es):
Título da Obra: TUDO PELOS ARES
No. Registro da Obra: 210400
Livro: 366
Folha: 60
Data de Registro: 11/9/2000
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Nome(s) do(s)
FÁBIO JOSÉ ALFREDO SANTOS DA ROCHA
Autor(es):
Título da Obra: FÉRIAS
No. Registro da Obra: 224134
Livro: 393
Folha: 294
Data de Registro: 23/2/2001
Gênero da Obra: POESIA
Obra Publicada: Não

Título original: Tudo Pelos Ares

Editoração eletrônica: Fabio Rocha

Endereço eletrônico:
http://www.fabiorocha.com.br

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Índice
1. Capa
2. Dados
3. Índice
4. Índice (continuação)
5. Índice (continuação)
6. Pré-Fácil – Fred Matos
7. Pré-Fácil – Fred Matos (continuação)
8. Prosa de Abertura – Ricardo Alfaya
9. Prosa de Abertura – Ricardo Alfaya (continuação)
10. Dedicatória
11. Citação – Fernando Pessoa

12. I – Tudo Pelos Ares

13. NÃO PISE NA GRAMA


14. CREPÚSCULO
15. RESPIRÁVEL
16. ARCO-ÍRIS
17. VIAGENS
18. GREVE
19. ÁGUA-VIVA
20. QUADRO
21. GREYS
22. BELO-BELO?
23. CALCULUS
24. ORDEM
25. A CIGARRA ATÔMICA
26. SÃO JOÃO
27. DOENÇA
28. HIENAS
29. TAMANHO
30. FORD
31. A PRAÇA
32. SAIA SAIA
33. CONDICIONADO
34. DESEJO
35. LOIRA ECOLÓGICA
36. O GATO
37. A VIOLÊNCIA DAS VELAS
38. O TREM
39. PEQUENA SONATA AO LUAR
40. DE MAIO DE 1968 AO NEOLIBERALISMO
41. DA TENTATIVA
42.

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43. CULPA
44. DISTANTE
45. CÚMULO-NIMBO
46. ENIGMA
47. COMO?
48. DOURADAS
49. O SER POETA:
50. FOGOS
51. QUE HORAS SÃO
52. LÍNGUA
53. CINZA
54. DESAMOR
55. MODERNIDADE
56. LINHA AMARELA
57. CRIAÇÃO
58. X
59. ASAS
60. TERRA BRASILIS
61. VI UM SATÉLITE
62. FIM DE MILÊNIO
63. INDECISÃO
64. QUE ANDRA DOR FEZ ANDRADE?
65. A MORTE DA PERNA-DE-PAU
66. O NADA
67. TUDO PELOS ARES
68. ESTRELA DISTANTE
69. HERANÇA
70. UTILIDADE
71. A CECÍLIA MEIRELES
72. ISSEDÔNIA
73. CHEGADA
74. EQUILÍBRIO DISTANTE
75. FOTO DELA
76. ENGENHARIA ELÉTRICA UFRJ
77. VOCAÇÃO

78. II – Férias

79. E ATENÇÃO:
80. E ATENÇÃO: (continuação)
81. JANEIRO
82. PARA MANOEL DE BARROS
83. VIAGEM
84. CANTO NA PRAIA
85. PERENE
86.

4
87. A FOTO
88. MONTES
89. PICOLÉ DE MANGA
90. POSSIBILIDADES
91. BÚZIOS OU NADA
92. QUADRO SUPERIOR ESQUERDO
93. O TORTO
94. LONGE
95. O FANTASMA
96. SÍNDROME DA CHEGADA
97. PELA ESTRADA AFORA
98. VENTO FORTE
99. SEVEN
100. KAFKA
101. NOITE NA RUA DAS PEDRAS
102. FÉRIAS
103. ALVO
104. FAMÍLIA
105. PLACA
106. SOPRO
107. ORGANIZAÇÃO CEREBRAL
108. DAS NEGATIVAS
109. INÍCIO DE UM ROMANCE POLICIAL
110. 3 A. M.
111. DESTINO
112. DELÍRIO
113. SAÍDA DE BÚZIOS
114. CORTE
115. Biografia
116. Biografia (continuação)

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PREFÁCIL

Todos sabem que o nosso país não tem especial apreço pela
leitura de literatura, sobretudo pela poesia. A arte brasileira por
excelência é a música popular. Comprova essa assertiva o fato de
que o Brasil é um entre os poucos países cujo consumo da produção
nativa rivaliza ou supera a da música norte-americana, que se
alastra, mundo afora, por força das grandes indústrias multinacionais
que monopolizam a produção e o comércio das artes audiovisuais.
Uma das características que contribuem para a vitalidade da música
popular brasileira, excetuando-se os gêneros de sucessos fugazes, é a
poesia. Isso posto, não temo estar errado quando afirmo que, por
paradoxal que possa parecer, o brasileiro gosta de poesia, mas sofre
da falta do hábito da leitura.
Contudo é alvissareiro observar que o advento da internet, e a
sua massificação, tem resultado na aparecimento de centenas, quiçá
milhares de novos poetas, alguns já maduros, outros em processo de
aprendizagem, mas a maior parte, felizmente, formada por poetas
comprometidos com uma nova atitude, que é a de não filiação às
idiossincrasias que caracterizaram as escolas teóricas onde os
discursos e manifestos fundavam-se preponderantemente na negação
da corrente que pretendiam suplantar, como se a arte fosse uma
guerra santa onde um ícone havia que ser derrubado para abrir
espaço a outro.
É essa a novidade na nova poesia: há espaço para todos e para
a diversidade de formatação poética. O belo já não tem vergonha de
ser belo, o sentimento já não se emascula pelo temor do ridículo. As
palavras libertam-se das amarras subjetivas que se lhes intentaram
submeter com o falso dilema da hierarquização; uma tolice que
parecia comparar o idioma a uma sociedade de classes onde
designou-se para os adjetivos o papel de párias.

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É este bom convívio entre todas as formas e todos os ritmos,
este criar o novo, cultivando e cultuando o estabelecido e o eterno,
uma outra das características que impulsionam a música brasileira e
que agora há de servir à poesia escrita e ou inscrita em qualquer
suporte onde a imaginação do poeta se lhe permita expressar.
Entre esses poetas que agora se revelam está o Fabio Rocha,
que nos oferece à leitura este "TUDO PELOS ARES", livro onde se
deve buscar a poesia que surge das suas inquietações, da sua acurada
observação do tempo e espaço que habita e não o rigor frígido de
poemas laboriosamente lapidados em laboratórios de dissecação
filológica. Neste livro, mais que o corpo, é alma, a sua alma, que o
poeta nos oferece. Deleitem-se.

Fred Matos, poeta

7
PROSA DE ABERTURA

Considero este um dos melhores livros de autores de nosso


tempo que me chegaram às mãos.
O motivo? Difícil dizer de imediato, mas o que me
impressionou foi a sintonia de sua poesia, na medida exata, com a
época em que vivemos.
Não se trata apenas de ter escapado das armadilhas de tentar
reproduzir esquemas recentes já esgotados de fazer poético, mas de
ter sido capaz de escapar disso sem escorregar para fórmulas ainda
mais antigas e passadistas.
Ler a poesia desse livro é tomar um banho de atualidade. Não
no sentido meramente histórico ou jornalístico que a frase possa
sugerir, mas também, no sentido estético.
Por outro lado, poucos livros terão recebido um título tão feliz
e tão apropriado ao conteúdo que encerra. "Tudo pelos ares".
Mistura de irreverência, crítica e lirismo. Título que sugere vôo,
imponderabilidade e frescor. Também, explosão e fragmento. A pós-
modernidade, com seu acúmulo total de tudo, explode de repente em
seu livro e dos fragmentos que voam pelos ares você realiza notável
colagem. Colagem ou reciclagem? Sim, há mais que mera colagem,
como já se fez em outras obras. Há um discurso implícito nas
entrelinhas que realiza a tessitura desses fragmentos, do qual emerge
um novo sentido.
E aqui entra um fator interessante. Em vários momentos, Fabio
Rocha mostra, com muita felicidade na escolha das imagens, o
paradoxo em que estamos imersos. Somos destruidores do Planeta,
mesmo quando pretendemos fazer "o bem". Pior, e você trata disso
com eficácia num poema, somos destruidores até mesmo quando

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não estamos fazendo nada, quando simplesmente estamos dentro de
casa, sentados no conforto de nossa poltrona. Existir é destruir.
Então, a sua poesia de certo modo realiza o sonho da
reciclagem. Nada se perde, tudo se transforma, como em Leibnitz.
Porque o título de seu livro, além dos aspectos já relatados, retrata
também um medo que subjaz a nosso tempo. Sim, nunca estivemos
tão perto de ir pelos ares. Mais que isso. Se pensarmos como Gibran
Kalil Gibran, que dizia ser o medo da fome a própria fome, então, já
fomos pelos ares. Todos nós somos, de certo modo, Memórias
Póstumas de Brás Cubas. E você está lá no meio das nuvens da
explosão, colhendo os fragmentos e reinventando-os. Com o espírito
da reinvenção *possível*.
Talvez daí a irreverência sempre permeada por um toque de
leveza. Não há na sua dicção o soturno canto nihilista, o peso do
pesar, o hermetismo simbolista, a exaltação dramática. Também não
há, e isso me parece importante frisar, aquele tom um tanto cínico
que tem marcado a produção contemporânea mais recente. Em
resumo: nem exaltação, nem frieza. Um olhar diferente, especial. E
isso, acredite, não é pouco e, igualmente, é muito raro.

Ricardo Alfaya, poeta, contista, cronista, ensaísta, editor e


jornalista carioca.

9
Para o vento.

10
“Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.”

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)


O GUARDADOR DE REBANHOS

11
I - Tudo Pelos Ares

12
NÃO PISE NA GRAMA

Placa inútil e amarela:


“Não pise na grama.”

Amarela
pela ausência de girassóis.

Inútil
porque não tenho os pés no chão.

13
CREPÚSCULO

Que belas nuvens arredias


nesse crepúsculo dourado.
Longe, a Ave-Maria
vence infinitos telhados.

Pardais nos fios, nos prédios, nas casas...


parecem encantados.
Ah, o que se passa
sob esses tetos gelados?

No céu, agora há um balão.


Em breve, algo incendiado.
Barulhento e alto avião
me chama ao chão, atordoado.

14
RESPIRÁVEL

Quero tudo pelos ares.

Sem bombas,
o fim das certezas de terra,
das durezas de pedra,
das friezas de água,
das ardências de fogo...

Quero silêncio respirável.

15
ARCO-ÍRIS

Que o Senhor nos prometa


não mandar um cometa
bem no nosso planeta.

Sim, somos uns macacos...


com poucos pelos e muitos medos.
Mas os mesmos dedos
que apertam gatilhos, fazem partos.

Guarde os seus astros.


Se demonstrarmos total incompetência,
nossa criação atômica
não permitirá sobrevivência.

16
VIAGENS

Pela janela,
as luzes coloridas dos ônibus, dos caminhões
mostram sonhos apagados.

As casas simplórias, as encostas


lembram dolorosamente
onde não estive – que saudade.

O fio (onda negra)


desce, para, sobe,
bate no poste,
desce, para, sobe,
bate no poste.

Nós, fios de Deus,


temos que teimar em subir pelos ares
temos que teimar em vencer os postes.

17
GREVE

Tempo cinza que nos embaça.


Sabiá gelado.

Tudo perdeu aquela graça.


Vento recortado.

O céu é fumaça?
Sonho velho abandonado.

Isso um dia passa?


Ah, inalcançável passado...

(Eu sabia amar.)

18
ÁGUA VIVA

Eu quero o poema cnidoblasto,


cheio de chatos nematocistos.

Que arde como os antigos emplastos,


estranho como os ornitorrincos.

Que ignore aqueles verdes pastos


e embriague como vinho tinto.

Quero o verso chato enigmático


que cante tudo e nada que sinto.

Que se danem o pássaro simpático


e as flores em formato de brinco.

19
QUADRO

A melhor poesia
é como a paisagem
de costas.

20
GREYS

Para Carlos Drummond de Andrade

O vidro sujo do carro


faz ainda mais cinza
aquilo a que chamam Méier...

Nem o azul do céu


escapa da cor maligna
que em tudo se entranha...
(Poluído e funesto tom!)
Como num filme de Chaplin.

Me pego abismado,
ao ver ali as pessoas...
Sem ser filme, novela ou seriado...

Como serão suas vidas,


seres cinzas transeuntes?

Não tenho veneno,


tomo Coca-Cola...

21
BELO BELO?

Para Manuel Bandeira

O belo - a bunda.
Abunda o belo
padrão.

Sem carne, sem pão:


silicone na massa.
Famintos felizes morrerão.

Compre, beba, ouça, seja


bunda.

Hoje, a beleza
é ainda mais triste.

22
CALCULUS

Engenharia
leva qualquer 1
ao limite.

Integro
a massa que bóia.

Em ondas
de fórmulas
decoradas.

No mar
de inutilidades,
derivo à deriva,
sem objetivos nem assíntotas no horizonte.

Se achasse uma ilha


com um X,
no lugar do tesouro
haveria um Y.

23
ORDEM

O velho Erasmo Dias


não se arrepende.

Era um homem público


que só defendeu
a ordem
que só cumpria
ordens.

(aquela da bandeira?)

Nossa vitória
é ouvi-lo falar
o que quiser.
(mesmo essas imbecilidades)

24
A CIGARRA ATÔMICA

Para Drummond

A cigarra atômica
não se contentava em cantar
sem ninguém ouvir.

As pessoas passando,
walkmans,
admirando outdoors
engluteados

fizeram-na descer
da árvore.

Hoje canta na internet,


aparece na TV,
nos jornais
e é ouvida.

Cientistas afirmam:
É por causa de uma contaminação por Césio 137 que ela não morre.

25
SÃO JOÃO

Se Toledo
tivesse tolerado
ter lido
as instruções,
o estalido
não teria matado.

26
DOENÇA

Para Manoel de Barros

Só lendo Manoel de Barros


é que descobri o que tinha
minha professora loira do primário,
que vivia de olho arregalado
desolhando o distante:

Ela tinha lonjuras.

27
HIENAS

Para o Excelentíssimo Professor de Economia Paulo Márcio

Os pobres nem sabem


o que podem ganhar.

A classe média só pensa


no que pode perder.

Revolução? Não.
Melhor ver Malhação
e sonhar com o Jogo do Milhão.

Eu aqui sem aula e mudo


e meu Centro Acadêmico
vendendo X-Tudo.

Todos só dizem, entre empadas:


não se pode fazer nada.

Mas vamos sorrir, tenta...


Quem sabe o salário aumenta.

28
TAMANHO

Pobre navio
preso na garrafa.

Que importa o tamanho?


Lugar de navio é no oceano.

29
FORD

Se o Fordismo
inspirou Chaplin,
há esperança
para a humanidade.

Pela mesma lógica torta,


há Tchan e Djavan,
mosquito e periquito,
cigarros e Manoel de Barros.

30
A PRAÇA

A praça daqui
tem flores que caem
amarelas.
Melhor que todas
em que vivi.

Não há
mais bela.
A praça sorri
pros pombos de cartolas,
pros velhos ricos pedindo esmolas
e pra quem quer que prace.
– A praça que não vi.

31
SAIA SAIA

Ah, a sensualidade
dessa sinuosidade
em deslizante cetim...

beija os sentidos,
cintilando, seduzindo,
vibrando em mim.

Visão na mão de pelo loiro...


Aspiro o áspero suave
sucumbindo no sonho sem fim.

32
CONDICIONADO

Sim, eu poderia
ficar aqui sentado
sobre minhas vitórias,
derrotado.

Mas há alegria
fora do passado.
Quero o ar de glórias
do não conquistado.

O vento do incerto
é melhor que o conforto regulado
do ar condicionado.

33
DESEJO

Almejo
a Lisa.

Alcanço
a brisa.

Aliso
os alíseos.

34
LOIRA ECOLÓGICA

Seu eu parecer
não te ouvir
queira não se irritar
por favor.

É que fico meio arbóreo


com o verde dos teus olhos.

35
O GATO

De quando em vez
esse ser equilibrado
de aparente ausência assimilada,

esse eu sério, de óculos, barba,


poucas palavras e sorrisos,
desce da altura medida.

A vista míope enturva, escurece.


Dentes trincados não fazem preces.
A lentidão de pernas e braços
destransforma-se em negro gato.

Gato ágil que arranha de angústia rouca


tão profundo, tantas vezes, tanta gente...
vai embora num relampejar de luz pouca
e sou eu quem se arrepende.

36
A VIOLÊNCIA DAS VELAS

Vamos acender as velas


e rezar pedindo que a bala perdida
não atravesse nossas grades, muros e janelas.

Sigamos, multidão apática,


com sonhos mediados pela mídia.
Iluminemos essa cultura Iluminista
com fogo em nossas vidas egoístas.

20/7/2000

37
O TREM

O trem
vai rápido.

O trem
não segue trilhos
em seus caminhos aéreos.

O trem
não tem maquinista,
mas todos somos passageiros.

O trem
nunca chega, nunca pára.
(nem nas quatro estações)

Feliz de quem
aproveita a viagem.

38
PEQUENA SONATA AO LUAR

Noite.
Deus, sono lento.

Aplausos.
Mãos das trevas?
Não.
Gotas pingando nas frias folhas.

Edredom.
Sem som.
Sem sonho.
Se alimenta.
Lentamente.
De mim.

39
DE MAIO DE 1968 AO NEOLIBERALISMO

Os jovens contra o sistema


envelhecem.

Seus filhos, sem tempo,


emburrecem.

As grafites de Paris
em pichações desfalecem.

O sistema, o mesmo sistema


se disfarça, vence e cresce.

Descanse em paz, Guevara,


perdoe as preces.

Nós, os verdadeiros mortos,


vamos trabalhar.

40
DA TENTATIVA

Quis fazer um poema triste.


Mas triste estou eu, não o poema triste.
(Celulose com rugas no carpete.)

Tentei fazer um verso frio.


Mas frio é esse tempo excomungado, não o verso frio.
(Alvidez alvidrada janela abaixo.)

Imaginei um soneto morto


e vi que a folha não respirava.

– Medusa, olha essa poesia!

Com pena idiossincrática,


deitei a pena esferográfica.

(Talvez se eu falasse de lagartixas...)

41
CULPA

Meus passeios
poluem o mundo.

Para ler,
gasto a luz de cidades inundadas.

A geladeira
esburaca a camada de ozônio.

Banhos longos
desertificam o planeta.

Para comer, beber, viver


gasto dinheiro (que nem ganhei).

Meus poemas
derrubam árvores.

42
DISTANTE

Para Andréa

Onde a linha amarela


cruza o entardecer
meus sonhos dormem
escondidos
em você.

43
CÚMULO-NIMBO

Seu dentro
é nublado.

Embaço
embaixo
de embaço.

Em seus olhos,
persianas e pestanas
persistem em fechar.

Mas um vento vem,


vagaroso...
Move leve o sonho.

Mostra as cores
sob o cinza, no seu íntimo,
por um ínfimo
instante.

Queira Deus que chova.

44
ENIGMA

O que há nas cervejas geladas?


Murmúrias
de sedes esfarrapadas.

45
COMO?

Me pedem poemas de amor


e, no lixão, o agricultor,
entre moscas e urubus,
alimenta sua família
com restos.

A vida toda plantou e colheu


pros outros.
Agora envelheceu
sem terra.

E ele sabe
como o governo come.

E ele sabe
que de fora comem nosso país.

Ele só não sabe


o que vai comer amanhã.

46
DOURADAS

Para Anna Gabriela

Nessas raias estreitas,


as douradas
por quem mais nadei
eram horizonte.

Bati o recorde
atlântico
das mil tentativas
(tiros n’água).

Fui tetracampeão
de salto ornamental
no escuro.


subi no pódio de mim mesmo,
sem hino, bandeira ou torcida.

47
O SER POETA:

Falar da luz
que não se vê.

Mostrar o bem
que não se têm.

Cantar o amor
sem nem querer.

Fazer feliz
e triste ser.

48
FOGOS

Os fogos de artifício
em Copacabana,

os fogos de míssil
no Oriente Médio

iluminam o passar dos anos.

Evolução?
Engano.

49
QUE HORAS SÃO

Meg Donas nosso


que estás no shopping,

amarela e brilhante
seja tua luz,

queira deus que haja vacas


entre teus pães,

venha a nós essa gordura


assim no Meg Bacon como no Big Meg,

não nos deixe


cair em dieta

e livra-nos
da batata murcha.

50
LÍNGUA

Pela porta da poesia


entrei pra dentro de um pleonasmo.

Vivo, vivia
na língua de tanta gente
que achei doentes
os dentes que diziam “tá errado”.

51
CINZA

O sonho que não realizei


me beija às cinco da manhã.
Só pra me lembrar
que dói sonhar.

A cidade do alto, cinza


sob o céu pesado, cinza.
Carros, ambulâncias, helicópteros, sirenes, trânsito, luzes girando,
[pedestres...
pensam que chegam a algum lugar.

Ninguém abre os olhos


pras flores abertas.
Aposto que assim são mais felizes.

52
DESAMOR

Enamorados nas românticas gôndolas,


os vejo gônadas.

53
MODERNIDADE

ritmo
acelerado
de
vida
curta
como
o
poema
burguer

54
LINHA AMARELA

Vejo
na grandeza das pedras à esquerda
Deus.

Rádio ligado:
nuvem de melancolia
em música lenta.

No túnel, silêncio.
No túnel, escuro.
Há de se acelerar
para o túnel passar.

Passado,
o chão molhado
fez, entre ex-carros, quatro corpos deitados.

Cai por terra o espiritualismo


e instantâneo medo
ascende no gris.

Mas passa logo.


Acelerando divago:
chegar é o que sempre quis.

55
CRIAÇÃO

A palavra viva
levantou-se da folha morta.

De altura ambígua,
inspirou sua alma.
Se tivesse olhos, os abriria.

Ouviu-se: – Viva!
E então não se sabia
se era ordem, celebração
ou se alguém a lia.

56
X

Sem mutação,
mutante:
metamorfose
ambulante.

De médico e Logan
todo poeta
tem um tempo.

Infeliz do estagnado,
cromossomo degenerado.

Ri no rio a momentânea sinuosidade de cobra antes do bote.

57
ASAS

Não procuro a liberdade que passará,


mas a do pássaro ligeiro.
Nem espero a que virá:
o futuro é traiçoeiro.

Sinto as asas invisíveis agora.


Vôo alto, contente.
Se não fosse o vento de outrora
me contentaria com o chão quente.
Não deixarei de ascender na aurora
Pelas aves abaixo, maldizentes.

Pouco importa alcançar.


Quero é ser livre para sonhar
sonhos em qualquer altitude.

58
TERRA BRASILIS

Desta terra
regada com suor,

coberta de pedras
nos caminhos,

cansada de guerras
(invisíveis?),

cercada pelos grandes


(invencíveis?),

nascem os dons
que perfumam o mundo.

59
VI UM SATÉLITE

Hoje foi quente.


Jantei galinha
e dispensei a TV.

Deitei sob as estrelas,


ouvi o vento balançando as plantas
e o casal de vizinhos brigando.

Fui feliz assim,


com muitos verbos,
poucas conjunções
e nenhuma metáfora.

60
FIM DE MILÊNIO

Caminhava na floresta molhada


e pisei no gnomo, caí na fada.

Desesperado,
tentei falar com meu anjo da guarda.
Linha ocupada!

Minha lua em aquário


sempre me fez de otário.

61
INDECISÃO

Sou
a porta entreaberta.
(lua estilizada)

Nem aberta
nem fechada.

Se a mais leve brisa


me define,
é temporário:

Minha chave
não existe.

62
QUE ANDRA DOR FEZ ANDRADE?

A dor dos dardos da idade


rolou os dados, vergou Andrade.
Resultado: andar.

Andar até o fim do dia,


pois vem a tarde.

Vem a tarde, Andrade,


com sua antropofagia.

Ande como subindo os Andes,


como fugindo do antes,
antes que te coma o fim.

(Andando por minha rua, Andrade se ergueu do derrame.)

63
A MORTE DA PERNA-DE-PAU

Sinara me ensinara
a sina de Nara,
em cima de varas,
acima de caras.

Felicidade o dia inteiro,


simplicidade no passo ligeiro,
velocidade em fazer dinheiro,
longevidade até o bueiro.

64
O NADA

Para Manuel Bandeira

Aprendo a fingir aprender


com professores atrasados fingindo ensinar.
Anoto todas as regras
menos a filosofia das janelas.

Requeiro petições e memorandos


demorando em diretorias
vazias de humanos,
cheias de burocracia.

Todas as pessoas perto, distantes.


Todas as pessoas distantes, perto.

Meu todo dia


só se salva pelo não fazer,
único prazer: poesia.

65
TUDO PELOS ARES

Somos anjos perdidos.


Asas mortas no chão
desde a primeira audição
da palavra impossível.

66
ESTRELA DISTANTE

Estou solstício
no espaço cósmico.

Não que minha vida seja


especial.

É que no ócio
construo veleiros espaciais
para ir, só.

67
HERANÇA
Para meu pai
Comecei a ler
pelos olhos de meu pai.
Os contos de fada
espantavam monstros no escuro.
Mas eu gostava tanto
que acabava o livro e eu não dormia.
Ele então partia,
deixando a luz acesa.
Cresci.
Aprendi a ler (e a ser) só.
Mas herdei até o problema
com as palavras:
As que faltam, nos seus silêncios de retrato
e as que sobram, espinhentas, e destroem palácios.
Construídos demoradamente, silenciosamente, arduamente
com atos de amor.
Levei duas dúzias de anos
para ver que as palavras com espinhos
não diziam o que nós realmente sentíamos.
Queria ter herdado
o dom de sentir prazer com as coisas simples,
como deixar a luz acesa
para aqueles que amo.

68
UTILIDADE

Me falam para produzir,


como se alguém produzisse...

Quem produz terra fértil


é a minhoca.

Quem limpa a água


é a terra fértil.

Quem joga oxigênio no ar?


Algas cianofíceas.

E nós, humanos,
o que produzimos
usando a terra,
acabando com a água,
sujando o ar
e adorando a moeda?

– Eu quero é produzir pedras.

69
A CECÍLIA MEIRELES

Cantos serenados
cruzam etéreos crepúsculos.

Nuvens douradas
pastam perfumes seculares
em seus altos caminhos.

Sonhos naufragados
atravessam espelhos, horizontes,
borbulham baixinho:

A poesia da rosa
é seu espinho.

70
ISSEDÔNIA

Antônia, eu vou pra Issedônia


sentir a brisa de Pasárgada,
vou ver as ondas do mar Jônio
sem descobrir como voltar.

Soube que lá tudo é belo,


não há favela nem castelo,
mas se não for o que espero
eu vou continuar por lá.

Dizem que lá tudo é na cama,


sem placas “Não pise na grama”,
mas se não for assim bacana
eu vou continuar por lá.

Ouvi que lá não há trabalho,


só sexo, siesta e baralho,
mas se for tudo ao contrário
eu vou continuar por lá.

71
CHEGADA

A chuva a luz a Lia acabou

Há quanto?
Voltarão?

Eu espero

No escuro de meu desespero


a esperança é chama oscilante

O portão, de ferro melancólico, chora sonoro


O jardim se arrasta ruidosamente em algo

Já posso vê-la
de volta

A escada triste derrama exata


água pelos degraus em cascata

A madeira da porta vibra com o ranger


Abre-se, olhos idem

Eu no carpete no silêncio no breu

Apenas vento

72
EQUILÍBRIO DISTANTE

Para Renato Russo

Na linha fina do horizonte


se equilibra meu equilíbrio distante.

Mas quem um dia chegou lá?


Por que quero (logo eu) chegar?

Faço poemas
com tais temas
dentro do shopping.

Que a perfeição afunde em sua lonjura


e eu ache felicidade em tanajuras.

73
FOTO DELA

Para Andréa

Via eu contente as fotos:


formatura de um amigo.
Até que chegou a dela,
de branco, rindo de mim.

Foi quando não vi mais nada.

Só senti um calor estranho,


e explodiu em meu silêncio
num velho vulcão distante
a vontade de a ter.

74
ENGENHARIA ELÉTRICA UFRJ

Para Walton e Vagner

Meus dois amigos


derrotaram números
com garra
de adamantium.

Surfaram em ondas eletromagnéticas


apenas para acabar, muitas vezes,
afogados em teorias.

Mas integraram volumes


em cinco dimensões
sem se entregarem...

Ralaram as mãos nas Físicas (e suas leis),


sujaram a alma nos motores (sem ouvir RPM),
eletrocutaram esperanças nos circuitos (algumas morreram),
perderam um pouco de fé nos fios (efeito Joule?),
sistematicamente comeram o pão que o Basílio amassou
[(maldito seja).

E agora a recompensa,
a vitória, a conquista, o papel derradeiro:
engenheiro.

75
VOCAÇÃO

Meu avô
queria ser aviador,
piloto mesmo.

Não conseguiu.
Algumas vezes foi visto em sua juventude
olhando o nada com a vista cansada.

No fundo, bem
que quero voar também.
Porém sem avião.

Minha aeronave anemofílica


é a palavra etílica.
E eu nem bebo...

Mas leio sonhos aéreos,


que os ventos ventaram
e ventarão.

E passo a vida
a dar passos
sem pegadas.

76
II - Férias

77
E ATENÇÃO:

Devo comer este bife mal passado


tentando esquecer que vai me engordar,
o colesterol ruim,
a vaca louca,
os triglicerídeos,
a vaca louca,
que pode ter cisticercos,
a vaca louca,
o coliforme 157,
ou ainda,
a vaca louca.

Devo mastigar esta alface sem pensar nas planárias,


beber esta água sem sentir o vibrião colérico na garganta.

Devo ignorar este mosquito que me morde – com listrinhas na


[bunda,
possível portador da dengue tipo 3,
que pode ser mais grave para quem já teve a 2 ou a 1.

Devo inspirar sem sentir o gás carbônico,


piorando o efeito estufa.

Devo parar de suar, no ar condicionado,


sem a culpa de destruir a camada de ozônio.

Devo passar estes dias a esperar o telefone tocar


tentando me convencer de que estou bem,
que estou de férias
e que não estou esperando você ligar.

78
Apesar de estar em casa,
ajudando a destruir o mundo,
esperando o telefonema sagrado
e absorvendo informações demais.

79
JANEIRO

O dourado vence o vermelho


no dia nascente.
A revanche: o crepúsculo.

Verão.
Estação de sonhos e ócio.
Já cheira a saudade
antes de esquentar.

Provo as bênçãos
dos bons arcanjos
em trajes de banho
sobre a areia branca

e a irregularidade
dos horizontes
das cidades
do interior
da alma.

80
PARA MANOEL DE BARROS

Seu Nhonhô
morava no silêncio
e tinha cabelos de nuvens.

Era irmanado das águas paradas


e de quando em vez libélulas
punham ovos em sua cabeça.

Sua voz tinha falha de crostas


e vulcões invisíveis expeliam o nada por suas ventas.

Da última vez que o vi


estava árvore.

Quando foi cortado,


se cercou de cinza
e desandou a falar
sem dizer.

81
VIAGEM

A casa era uma estranha


na chegada.

Após o primeiro banho,


o primeiro silêncio
e o primeiro poema
nos tornamos cúmplices.

Aposto que em uma semana


serei um pouco casa.

E, na despedida,
meio que vou ficar
e meia casa vai viajar.

Ponta Negra – 1º/2/2001

82
CANTO NA PRAIA

Andorinhas
em bando,

namorados
na praça,

os amigos
falando,

os cachorros:
desgraça.

Tantas ondas,
tantos plurais
e a cigarra,
no singular,
canta.

(no plural morreria)

Ponta Negra – 1º/2/2001

83
PERENE

Para Camões

O mar:
constante fúria espumante.

Desfaz penhas
(teimosas e duras)
em areia molhada.

Piso tatuís,
gaivotas cortam o ar
e sinto na palavra escrita
a perenidade do mar.

Ponta Negra - 2/2/2001

84
A FOTO

Para Mariana

O mar fala.
O mar repete.
Tento sentir o que.

Talvez seja
para não pensar.

Uma menina pergunta:


– Senhor, que horas são?
Falo dois números e me pergunto
quando virei senhor.

Talvez por isso


esteja de relógio na praia
e não entenda a graça
das cambalhotas infantis na água.

De tanto
olhar sentir ouvir
enormes ondas,
entendo a grandiosidade do momento.

Uma família fotografa o crepúsculo.


O mar diz que não caberá na foto.

Ponta Negra - 2/2/2001

85
MONTES

Os urubus não estão baixos,


nós é que estamos altos.

Trepados na terra vermelha,


motorizados por entre matos,
procurando poesia nas alturas.

Mas alturas há aos montes...

E poesia não é paisagem.

É o bicho que entra pelo vidro do carro


e assusta,
é a vertigem na beira do despenhadeiro,
é a cobra imaginária dos caminhos,
é o não chegar.

Ponta Negra - 2/2/2001

86
PICOLÉ DE MANGA

É verão
Como picolé de manga

A praia arde
Como picolé de manga

A água dourada no entardecer


Como picolé de manga

(um pessimista dirá


que vou engordar)

Ponta Negra - 2/2/2001

87
POSSIBILIDADES

Ler é aumentar as chances


de que minha seta
acerte a palavra,
a certa.

Ponta Negra - 6/2/2001

88
BÚZIOS OU NADA

A rua que dá no ócio


é de pedras irregulares.

Na chegada posso
sentir o cheiro dos mares.

Mas fazer o nada


é difícil empreitada.

E as revoluções industriais,
a cada onda, cada vez mais
complicam sua produção.

Habituados a correr demais,


desaprendemos a andar na contramão.

(Pegar sol é pegar sol, não é nada.


Dormir é dormir, não é nada.
Nadar é nadar, não é nada.)

Para reaprender
preciso escrever.
(A família dorme: não temos TV.)

Búzios - 11/2/2001

89
QUADRO SUPERIOR ESQUERDO

Ah,
a vela,
a chama.

A vela-chama.

A vela chama ao mar


em belos tons de vermelho.

O homem é muito pequeno, é nada


perto da vela cheia de ar e esplendor.

Mas parece maior, pensando brilhar no leme.

Búzios - 11/2/2001

90
O TORTO

Há um peixe torto
pintado num prato
pendurado numa
parede bem reta.

Ainda bem.

Búzios - 11/2/2001

91
LONGE

Disseram que a praia era perto...


mas longe mesmo é a noite
que não cai sem uma TV ligada.

Búzios - 11/2/2001

92
O FANTASMA

Hoje o fantasma de Seu Nhonhô


passou por mim.
Mas ventava tão alto que não o vi.
Assim sendo, não pude lhe escrever meus silêncios
nem recordar tudo que não fiz.

Búzios - 11/2/2001

93
SÍNDROME DA CHEGADA

As casas de praia, montanha ou nada


são sempre decepção na chegada.

Se fôssemos para Pasárgada,


no primeiro dia me perguntaria:
– Por que não fiquei em casa?

Búzios - 11/2/2001

94
PELA ESTRADA AFORA

Olho pro papel


e lembro que deixei cair
versos não escritos
pela estrada toda.

Nunca mais vou achá-los.


Mas quem sabe
alguém que passe...

Agora,
aqui,
instalado,
confortável,
caneta destampada,
folha em branco...

E esses casais de namorados


namorando, namorando, namorando
nada me dizem.

Búzios - 11/2/2001

95
VENTO FORTE

Para Mario Quintana

O vento aqui não pára.

Nem um segundo,
nem um pouquinho.

Ah, se eu fosse moinho...

Búzios - 11/2/2001

96
SEVEN

Fiz sete poemas em meia hora


mas a TV continua sem pegar nada.

Agora
vou beber água.

Búzios - 11/2/2001

97
KAFKA

Todo caminho leva


à rua das pedras,
onde a beleza ganha.

Queria mais olhos e pernas


pra ver as belas e desviar das pedras.
Resumindo – virar aranha.

Búzios - 12/2/2001

98
NOITE NA RUA DAS PEDRAS

Maria farinha
de lado caminha
devagar, calminha.

O barco balança
devagar, não cansa.

E eu rimo mal.

Búzios - 12/2/2001

99
FÉRIAS

O céu tem mais estrelas


o silêncio, mais grilos
as horas, mais tempo
os amores impossíveis, mais brilho.

Búzios - 12/2/2001

100
ALVO

O sol a pele doura.


Mas só dura até a dureza
que é o cotidiano da vida fordista.

E tudo embranquece.

Búzios - 12/2/2001

101
FAMÍLIA

Para meus pais e minha irmã

Regularmente,
algum bicho
morde mamãe.

E ela irrompe pelos cômodos


como trotando um jegue de tamancos
dando rodopios de voz
e distribuindo culpas.

Meu pai canta ou assobia.

Minha irmã pergunta.

Depois de uns duodécimos temporais


tudo é calma.

As famílias são fascinantes.

Búzios - 13/2/2001

102
PLACA

Procura-se alguém
que ame com certeza.

Interessados
entrar em contato
para breve discussão filosófica
pelo telefone vermelho.

Búzios - 13/2/2001

103
SOPRO

Não sei o que me deu hoje


que não durmo e faço poemas.

Talvez a noite esteja insone


e me sopre versos pelo escuro.

Búzios - 13/2/2001

104
ORGANIZAÇÃO CEREBRAL

Para Walter Cabral de Moura

Decepção amorosa?
Por favor pegue este número,
entre na fila a sua direita
e aguarde ser chamada pelo alto-falante
para um poema.

Búzios - 13/2/2001

105
DAS NEGATIVAS

E novamente não durmo


por algo que não é
e talvez nunca seja.

(Decepção amorosa número 32, dirija-se ao balcão azul.)

Búzios - 13/2/2001

106
INÍCIO DE UM ROMANCE POLICIAL

Eram sete e meia.


A polícia tentava isolar o local.
Mostrei a carteira de poeta e passei.
O crepúsculo, morto, vertia sangue pelo céu.

Búzios - 13/2/2001

107
3 A.M.

Nem sinal de sono.

A pele coça (queimada),


ouço (no silêncio) a maldição do Tchan,
escrevo sem parar (quase três da manhã).

O universo conspira insônias lá fora.

Búzios - 13/2/2001

108
DESTINO

A cigana leu minha mão


e não viu que escrevia poemas.

Pediu vinte, dei dez.

Búzios - 13/2/2001

109
DELÍRIO

Para o hipopótamo de Brás Cubas

Há um ar de ave
na algibeira das costelas de porco
que como como se fossem
voar.

Búzios - 13/2/2001

110
SAÍDA DE BÚZIOS

Parou o vento.

O silêncio ensinava o orvalho


a pingar da relva...

Foi quando a TV funcionou e partimos.

Cheios de melanina
e lembranças argentinas.

111
CORTE

Tenho sorte.
Ao menos tento forte
(mesmo que não acerte)
fazer do ócio, arte.

O tempo curto – corte.

Sem vida – morte.

112
Biografia
Retirado do PD-Suplementos / Sábado com você de 24/11/2001, com atualizações

"Nada é para sempre,


exceto sua alma."

FABIO José Alfredo Santos da ROCHA vive no Rio de Janeiro, onde nasceu, em 04 de junho de
1976. Cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (mas não concluiu o
curso) e se formou em Administração de Empresas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
FABIO é FABIO mesmo — como MARIO, o Quintana, é MARIO — sem acento, o que ele explica
em versos:

ESCOLHA

A Drummond

O meu Fábio é Fabio.


Nem nasci, tropeçavam em mim.

Tive então duas escolhas:


Ser pedra ou poeta.
 
Fora isso, é muito pouco o que ele diz de si mesmo:

"Quanto a falar de mim, é a parte mais difícil (sorri, disfarçando). Acho que comecei a
escrever por dois motivos: sempre gostei demais de ler e admirava os escritores (de prosa
ou verso) que conseguem transmitir pros leitores algo que inspire, emocione ou faça
pensar. O outro motivo é que falo pouco (sorri, certo de que está justificado). Então, alguns
anos depois de começar a escrever poemas, comecei a fuçar na Internet e aprendi a fazer
páginas. E como não tinha nada melhor para colocar na homepage, pus uns poemas. Eu
não esperava, mas deu certo. Hoje já são mais de 350 mil visitantes e o site ganhou vários
prêmios. Foi isso que me estimulou a escrever mais e participar de concursos. Também tive
várias surpresas boas e conheci pessoas maravilhosas e cheias de talento, graças a ele.
Pessoas que, infelizmente, a mídia em geral não mostra, mas que estão a apenas um clique
de distância".  

Deu certo mesmo. Ao longo de um tempo historicamente curto — ele começou a escrever
em 1994, aos 18 anos de idade — FABIO ROCHA publicou vários livros e juntou um
monte de premiações em concursos. Seus poemas estão nos seus livros (de papel e
eletrônicos), em vários sites de língua portuguesa, são notícia de jornal e até andam de
ônibus. Como foi o caso do seu poema "A Magia da Poesia" que circulou no Busdoor

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colocado na traseira dos veículos de Blumenau, no período de outubro a dezembro de 2000.
Foi este poema que deu nome ao seu primeiro livro, publicado em janeiro de 2001. Depois,
vieram mais vários, eletrônicos, todos disponíveis para leitura no seu site pessoal. É lá que
o leitor vai conhecer o máximo que o poeta fala de si:
http://www.fabiorocha.com.br

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