KESSAMIGUIEMON
KESSAMIGUIEMON
KESSAMIGUIEMON
“Ser mulher era não passar as raias da moralidade dominante. Era não desviar-se, mas
submeter-se; pois, na época, insubmissão e insanidade mental eram consideradas
sinônimos ou consequências mútuas; uma resvalando ou conduzindo à outra.”
A visão cientifica do século XIX estava imbuída de representações sobre a mulher que
tinham fundo no cenário religioso
“E a produção literária romântica serviu como perfeito veículo para definição dos
valores brasileiros, nos planos: histórico-social, artístico-literário, sendo que os
“valores” brasileiros eram os da minoria dominante.” Os romances românticos do
século caracterizam-se por valerem-se como um meio de efetivar a supremacia do
ideário da elite burguesa, isto é, “códigos, normas, convenções, gestos e reações
previamente aprovados e/ou esperados pelo público leitor”.
Século XIX como o período no qual as mulheres começaram a publicar seus escritos e
escrever para si mesmas
[7] “Escrever correspondia à necessidade de se des-cobrirem, de se reconhecerem
femininamente diferentes da imagem feminina impressa nos textos masculinos de seu tempo;
de se alforriarem na não-identificação com as personagens com que eram
associadas/representadas.”
“As ideias e representações literárias masculinas – em nada neutras –, apesar da rejeição das
mulheres escritoras, estavam de tal forma arraigadas no cotidiano, que penetravam e
refletiam-se até mesmo nas obras de algumas dessas escritoras.” Essa ambiguidade
manifestada na literatura explicita justamente esse cenário de contradição entre avanços e
acomodações, além de manifestar o caráter ubíquo da ideologia vigente no período.
Mulheres desviantes:
I. Nísia Floresta – ideias republicanas e abolicionistas
II. Júlia Lopes de Almeida – foco na educação, na urbanização, na luta pelo divórcio
e também envolvida nas causas abolicionistas e republicanas
III. Narcisa Amália – poetisa e escritora sobre os problemas sociais da época, como a
questão negra
IV. Ana de Barandas
V. Maria Benedicta Bormann
VI. Luciana de Abreu
VII. Maria Firmina dos Reis
VIII. Francisca Senhorinha da Mota Diniz
Todas elas [8] jornalistas, abolicionistas. Algumas, até, feministas. Outras professoras.
Mulheres que defendiam, com seus limites, a igualdade, a liberdade e uma certa recusa às
normas. Valiam-se de pseudônimos, movidas por duas razões: “uma era a conquista de um
mercado leitor que hostilizava a autonomia feminina; outra era a rejeição aos seus nomes de
família, como expressão do poder de darem à luz a si mesmas.”
Por que essas mulheres foram rejeitadas? Por que sofreram ataques de diversas naturezas?
“Porque enfatizaram a educação da mulher como um caminho para a sua emancipação moral,
social. Porque começaram a ocupar espaços e carreiras tidos como masculinos, despertaram,
assim, preocupações na elite conservadora, que passou a apregoar os possíveis danos que tal
liberação acarretaria: enfermidades, esterilidade – o desenvolvimento do cérebro implicaria o
enfraquecimento do útero, resultando a degeneração da raça humana, ou seja, um louvor à
mulher antiga.”
[10] a ênfase na moralidade em relação à conduta das mulheres, exigindo delas um
comportamento de intenso e constante sacrifício de si
“Era grande a preocupação com a moralidade, principalmente das jovens, as quais
deveriam encarnar a pureza e dedicação da Virgem – aquela mulher tão perto, solícita
e sofredora e, ao mesmo tempo, tão distante e inacessível em seu sacrifício”.
“Da mulher devotada ao lar/filhos à mulher dedicada à escola/alunos foi uma trajetória
percorrida de forma ambígua, às vezes com passos longos, lentos e astuciosos, outras, de
forma acelerada pela necessidade de substituir a mão-de-obra masculina nas escolas. Fazia-se
necessário romper o cerco de dominação/sujeição aos ditames masculinos, romper,
paulatinamente, com o preconceito sobre o trabalho feminino, o trabalho feminino
remunerado, o trabalho feminino remunerado além das fronteiras do lar.”
As mulheres, quando tratavam, nos jornais, sobre questões que diziam respeito à conduta
feminina – e inclusive sobre instrução –, “insinuavam uma conformidade aos pensamentos
masculinos dominantes, buscando fazer com que os homens se despreocupassem com a
possibilidade de uma excessiva emancipação da mulher e/ou seu afastamento dos cuidados
com o lar e filhos.”
[12] Na medida em que as mulheres adentram no magistério – acompanhadas de um
processo simultâneo de diversificação do ambiente e das possibilidades oferecidas
pelo meio urbano –, os homens já não sentiam-se impelidos à ensinar.
A educação conformava as normativas de gênero: homens eram educados para serem
homens e mulheres para serem mulheres.
[13] “Vocação, docilidade, espírito maternal e conduta moral sempre estiveram presentes na
vida da professora, quer como atributos necessários, quer como elementos de fiscalização e
controle, a preocupação com a moralidade/sexualidade pairando sobre as demais.”
Processo de feminização do magistério ao longo do século XIX
Por quais caminhos, desvios, atalhos ou brechas tiveram de passar?, [14] a autora questiona,
já que, embora o texto faça parecer uma mudança e contestação fácil: viver nesse ambiente de
constante repelir da mulher em espaços que não o doméstico não deve ter sido fácil. O que
essas mulheres, incluindo Maria Firmina dos Reis, precisou fazer para que fossem publicadas,
para que ensinassem, para que trabalhassem e conseguissem, de algum modo, ainda que
conformadas ou, melhor dizendo, locadas num contexto de normatização gendrada, pudessem
dar a si autenticidade do ser-mulher?