2012 Psicologiaesportedesportoinfantil FrancoNoce PDF
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INTRODUÇÃO
Segundo Becker Jr. & Teloken (2000), o número estimado de crianças en-
volvidas nos programas de iniciação esportiva é muito expressivo. Diversos são
os estudos científicos que apontam para os benefícios do esporte para a criança
(Roberts, 1992; Fepsac, 1996), e os aspectos psicológicos envolvidos na prática
esportiva auxiliam o profissional a compreender e otimizar os processos de desen-
volvimento desses jovens praticantes.
A psicologia do esporte é uma das disciplinas que compõem o núcleo das
Ciências do Esporte (Samulski, 2009). Para Nitsch (1989, p. 29), “a psicologia
do esporte analisa as bases e efeitos psíquicos das ações esportivas, consideran-
do, por um lado, a análise de processos psíquicos básicos (cognição, motivação,
emoção) e, por outro lado, a realização de tarefas práticas do diagnóstico e da
intervenção”. A função da psicologia do esporte consiste na descrição, explicação
e no prognóstico de ações esportivas, com a finalidade de desenvolver e aplicar
programas, cientificamente fundamentados, de intervenção, levando em consi-
deração os princípios éticos (Nitsch, 1986). Para Becker Jr. (2000), a psicologia
do esporte e do exercício consiste no estudo científico de pessoas e seus compor-
tamentos no contexto do esporte e dos exercícios físicos e na aplicação desses
conhecimentos.
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44 Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil
Esporte escolar
Parte do princípio de que se analisam, por um lado, os processos de ensino
e aprendizagem e, por outro lado, processos de educação e socialização. Os prin-
cipais temas de pesquisa nesse campo são: análise da interação entre professor e
alunos, personalidade do professor, estresse na aula de educação física, comporta-
mento agressivo e social dos alunos, importância dos processos de socialização e
motivação para aprendizagem e rendimento.
Esporte recreativo
Trata-se da análise do comportamento recreativo de grupos de diferentes
faixas etárias, classes socioeconômicas e atuações profissionais em relação a di-
ferentes motivos, interesses e atitudes. Nos últimos anos, tem sido pesquisado o
fenômeno da animação nos esportes de tempo livre.
Treinamento psicológico
Treinamento de
capacidades Treinamento
psíquicas de autocontrole
Treinamento Treinamento
mental da automotivação
Treinamento Treinamento
da concentração da psicorregulação
ASPECTOS COMPORTAMENTAIS
Os aspectos comportamentais constituem informações importantes para o
treinador/professor em seu dia a dia de trabalho. Esses componentes são determi-
nantes do desempenho esportivo. Diversos aspectos comportamentais são apre-
sentados pela psicologia do esporte como meio de desenvolvimento dos jovens
atletas. Neste capítulo serão abordados três aspectos fundamentais: a persona-
lidade (que auxiliará o treinador/professor a compreender melhor seus atletas/
alunos no ambiente da prática esportiva), a motivação (que é o combustível do
praticante, responsável pela iniciação, manutenção e abandono em uma atividade
esportiva) e o estresse (um dos elementos constantemente presentes no ambiente
da prática esportiva de desempenho).
Personalidade
Conceito básico
Basicamente, existe um consenso de que a personalidade é constituída
de diferenças interindividuais. A personalidade representa, segundo Samulski
(2009), “um conjunto de características individuais, as quais são relativamente
permanentes e estáveis”. De acordo com Weinberg & Gould (2008, p. 26), “per-
sonalidade é o conjunto de todas as características que fazem de cada pessoa
uma pessoa única”.
Cerca de 90% de todas as pesquisas empíricas foram realizadas com base no
conceito de “trait” (traço), que tem como principais representantes Allport (1961),
Cattell (1979) e Eysenck et al. (1982).
Sob o ponto de vista dessa teoria, a personalidade de um indivíduo é carac-
terizada pela composição individual dos traços de personalidade (necessidades,
motivos, interesses, atitudes, temperamento). Um trait é uma característica de
personalidade relativamente constante, por meio da qual uma pessoa se diferen-
cia de outra.
O conceito de personalidade de Eysenck (1969) é internacionalmente reco-
nhecido. Nele, o autor, baseando-se em grande número de pesquisas, encontrou
dois superfatores da personalidade:
1. Introversão-extroversão.
2. Instabilidade-estabilidade emocional.
Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil 47
Individualização
Entende-se por processo de desenvolvimento da autodeterminação do indi-
víduo aquele que objetiva diferenciação e amadurecimento da personalidade de
maneira autônoma. Autoconfiança e autoidentidade deverão ser desenvolvidas de
maneira recíproca em comportamentos futuros.
Socialização
Entende-se por socialização um processo pelo qual a pessoa adquire capaci-
dades sociais, como a percepção social, o idioma, motivos e atitudes sociais, in-
tegração, interação e comunicação social, que lhe permitem agir adequadamente
em situações sociais.
48 Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil
Personalidade de crianças
Para explicarmos o desenvolvimento da personalidade de crianças no esporte de
alto nível, tomamos por base o modelo teórico apresentado na Figura 3.2.
AMBIENTE FAMILIAR
P
Cog
nitiv
T o
l
cia
So
Funções gerais
RENDIMENTO
ESPORTE DE
Motivacional
ESCOLA
C
co
áti m
Percepção e elaboração
so
de informações
s o
sic
op
Em Pe
ic
ocio
Fís
nal
A
RECREAÇÃO
No centro deste modelo aparecem a criança, com suas funções biológicas, e os processos
de percepção e elaboração de informações.
O próximo nível do desenvolvimento da personalidade da criança é determinado pelos
processos cognitivos, motivacionais, emocionais, psicossomáticos e sociais.
O último nível apresenta as áreas de influências sociais, como a família, a escola, o
tempo livre e o esporte de rendimento. Dentro desse contexto social, as seguintes pessoas
exercem grande influência no desenvolvimento da criança: pais, professores, treinadores,
colegas de escola e outros amigos.
Figura 3.2 Influências sociais no desenvolvimento da criança (Kaminski & Ruoff, 1979: 204).
(C: criança; P: pais; T: treinador; Pe: professor; A: amigos.)
Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil 49
Influências da escola
A motivação para a prática de esportes entre crianças e jovens depende da
estrutura da escola e da classe social. Em geral, as escolas estimulam pouco as
crianças para a prática do esporte de alto nível.
50 Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil
Esporte de rendimento
A organização das atividades de crianças no esporte de rendimento domina
a vida diária e todas as outras atividades durante 1 semana, 1 mês e, às vezes, du-
rante 1 ano inteiro. Isso significa que as atividades no esporte de rendimento são
altamente planejadas.
Em algumas modalidades esportivas, como na ginástica olímpica, por exem-
plo, os treinos são realizados duas vezes ao dia e ainda há as competições nos finais
de semana. Por esse motivo, crianças que praticam ativamente esportes de alto
nível não têm tempo para outras atividades recreativas ou sociais. Os contatos e
relações sociais se limitam ao grupo de treinamento.
Recreação
Jovens que praticam esporte de rendimento passam seu tempo livre com
amigos que também praticam esporte de alto nível. Jovens esportistas leem fre-
quentemente reportagens esportivas nos jornais e assistem a programas esporti-
vos com mais frequência.
Resumindo, pode-se constatar que a prática de esporte de alto nível na ado-
lescência exige condições específicas do ambiente social e também no planeja-
mento e na organização da vida diária dos atletas jovens.
Motivação
A motivação, segundo Samulski (2009), é um processo ativo, intencio-
nal e dirigido a uma meta que depende de fatores pessoais (intrínsecos) e
ambientais (extrínsecos). A motivação pode ser considerada o “combustível”
que move as pessoas para a realização de suas metas e interesses pessoais
(Figura 3.3).
Os motivos de participação no esporte, de acordo com Becker Jr. (2000), fo-
ram investigados por diversos pesquisadores:
a) Alegria (Klint & Weiss, 1987).
b) Aquisição de habilidades (Johns, 1985).
c) Competência e desenvolvimento de habilidades (Johns et al., 1990).
d) Status social, saúde e influência externa (Brodkin & Weiss, 1990).
Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil 51
Motivação
Ativação Direção
Intensidade Intenção
Persistência Orientação a
uma meta
Foi observado que para a maioria das crianças o nível máximo de participação
ocorre aos 12 anos de idade, quando ingressarão na adolescência. Para Ewing &
Seefeld (1989), verifica-se uma redução significativa do interesse a partir dos 13
anos de idade, e aos 18 a redução atinge o ápice. A explicação desse fenômeno pode
estar, de acordo com a teoria apresentada por Samulski (2009), centrada em aspec-
tos intrínsecos (por exemplo, surgimento de outras atividades que competem pelo
interesse do jovem) ou extrínsecos (por exemplo, influência dos professores que
fazem ou deixam de fazer algo que afetam a motivação do jovem para o esporte).
O papel dos professores e treinadores na motivação da criança e do jovem
também é determinante. Segundo Noce et al. (2008), deve haver uma relação de
compatibilidade entre a habilidade do praticante/aluno e os níveis de dificuldade
das tarefas propostas pelos professores/treinadores (Figura 3.4).
52 Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil
+
Ansiedade Motivação
Dificuldade
Apatia
– +
Habilidade
Figura 3.4 Relação entre os níveis de habilidade do praticante e dificuldade da tarefa. (Noce et
al., 2008.)
Estresse
O estresse é produto da interação do homem com seu meio ambiente físico
e sociocultural. De acordo com Samulski et al. (2009), existem fatores pessoais
(processos psíquicos e somáticos) e ambientais (ambientes físico e social) que in-
teragem no processo de surgimento e gerenciamento do estresse (Figura 3.5).
Estimulador estressor
AVALIAÇÃO
COGNITIVA
Reação de estresse
O modelo do estresse psicológico indica que nem todo estímulo estressor (por exemplo,
jogar contra um adversário agressivo) levará necessariamente a uma reação de estresse (por
exemplo, ansiedade) sem antes passar pelo componente intermediário, a avaliação cognitiva.
Um estímulo que esteja provocando uma reação de estresse poderá ser “bloqueado”
pela avaliação cognitiva, impedindo que a reação se prolongue (por exemplo, quando o
atleta se sente incomodado com uma torcida hostil e avalia que esta não poderá fazer nada
mais do que provocá-lo durante o jogo).
Dica para o professor/treinador: desenvolva em seus alunos uma perspectiva de avalia-
ção positiva em todas as situações.
Segundo Thomas et al. (1988), o estresse ocorre quando a criança percebe um de-
sequilíbrio entre seu nível de aptidão e as exigências do meio. Muitas dessas exigências
têm origem no treinador e na família. As cobranças provenientes dessas fontes pro-
vocam um incremento no nível de ansiedade dos jovens com repercussões na auto-
estima e nos demais aspectos comportamentais, bem como na área sensório-motora.
Nem sempre o estresse será negativo. Quando as situações potencialmente
críticas forem avaliadas como desafio, o estresse poderá ser positivo. A falta com-
pleta do estresse em determinada situação poderá levar o jovem atleta a se acomo-
dar, entrando em uma “zona de conforto”, e a consequência disso é que ele não se
preparará adequamente para um “desafio” ou simplesmente reduzirá de maneira
significativa seu desenvolvimento pessoal por se considerar no “ápice”.
Noce et al. (2010) oferecem algumas recomendações para lidar com o estresse
no dia a dia do ambiente de treinamento com atletas jovens:
• O treinador deve aprender técnicas de controle de estresse e ser um modelo
positivo de comportamento para seus atletas.
• Deve simular no treinamento situação de competição, introduzindo fatores de
estresse.
• Deve evitar sobrecarga e excesso de treinamento. Deve aplicar técnicas de rela-
xamento e recuperação durante e após o treino.
• Também deve transformar fatores negativos, antes e durante a competição, em
fatores positivos mediante o pensamento positivo.
• O treinador deve desenvolver boas relações interpessoais com seus atletas e
criar um bom clima emocional.
ASPECTOS COGNITIVOS
A abordagem da psicologia do esporte, ao tratar dos aspectos cognitivos, é mui-
to rica. Durante as aulas e treinamentos é possível utilizar-se do esporte como meio
de estimulação e desenvolvimento de diversas capacidades. Neste capítulo serão
abordados dois aspectos básicos: os aspectos atencionais e os processos decisórios.
Aspectos atencionais
Segundo Samulski (2009), atenção é entendida, de modo geral, como um
estado seletivo, intensivo e dirigido da percepção e exerce um papel decisivo no
Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil 55
Exigência
da tarefa
ERRO
Nível de
concentração
Manter um nível de concentração elevado durante toda a tarefa (por exemplo, prática
esportiva) é algo que exige preparação. Se a tarefa se prolongar, sustentar esse nível de
concentração em um ponto ótimo será praticamente impossível.
Dica para o professor/treinador: o professor/treinador poderá auxiliar o atleta a se au-
toperceber, para que assim ajuste sua conduta no jogo (compatível com uma capacidade
de concentração) a fim de minimizar provável erro.
Figura 3.6 Influência de fatores psicológicos na ocorrência do erro. (Samulski et al., 2005.)
+
Zona de
ativação
ótima
Rendimento
–
Nível de ativação +
Cada atividade apresenta um nível de ativação ótimo. Cada pessoa também conta com
traços de personalidade específicos que determinam sua conduta ótima em uma atividade.
Dica para o professor/treinador: ensine para seus atletas as técnicas básicas de psi-
corregulação e, na prática, trabalhe com diferentes situações que exijam a capacidade de
modulação/adaptação deles. Assim estarão se capacitando para ajustarem-se às diferentes
exigências da competição.
Tomada de decisão
Como vimos anteriormente, os processos atencionais representam um ele-
mento de fundamental importância para o sucesso em esportes. Atletas jovens
que aprendem a se perceber e a controlar os níveis de ativação se colocam em uma
situação ótima para o desempenho.
A tomada de decisão é um processo complexo que apresenta diversas variá-
veis intervenientes (Greco & Benda, 2001). Nos esportes competitivos, a falha no
processo decisório pode levar ao erro e à perda de desempenho (Noce, 1999; Noce
& Samulski, 1996).
O procedimento de tomada de decisão do atleta se inicia, na verdade, bem
antes (Figura 3.8). Existe um período de preparação da resposta que se inicia com
a percepção de um estímulo de alerta que ativa o sistema decisório. O próximo
passo seria a seleção do estímulo relevante que norteia a tomada de decisão e dis-
para a resposta (ação motora). O feedback é um mecanismo inerente ao processo
decisório que informa o executor sobre a qualidade e a eficácia de sua ação.
Como se pode notar, a qualidade da percepção é fundamental no processo.
Observa-se com mais detalhes, na Figura 3.9, o processo de tomada de decisão.
Normalmente, uma das grandes diferenças entre atletas novatos e experientes
começa no olhar sobre a situação (Noce & Samulski, 2002). A seleção correta
dos estímulos promove mais velocidade em todo o processo decisório e dá ao
atleta, inclusive, a possibilidade de antecipar, com mais eficácia, as ações. Com
base na informação sensorial, o atleta toma a decisão sobre sua ação e a executa.
58 Psicologia do Esporte Aplicada ao Desporto Infantil
FEEDBACK
Execução e Como e
A ação quando Que
manutenção das
foi devo executar ação
ações alternativas
correta? a ação? escolher?
em alerta
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicologia do esporte pode ser tornar uma ferramenta muito útil no dia a
dia do profissional que atua com crianças e jovens no esporte.
Do ponto de vista comportamental, uma série de aspectos (como os já abor-
dados neste capítulo) permite ao professor/treinador conhecer melhor o jovem
sob sua responsabilidade e assim disciplinar e otimizar o desempenho nos dife-
rentes níveis de prática esportiva.
Do ponto de vista cognitivo, o conhecimento dos diversos aspectos inerentes
à prática esportiva (por exemplo, percepção, atenção, tomada de decisão) permite
estimular e desenvolver o praticante, tornando-o cada vez mais capaz de analisar e
resolver as diferentes situações-problema que fazem parte do cotidiano esportivo
e pessoal desse jovem atleta.
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