BLU2007011 Parte 2-081-102
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CORDEIRO:
EM PELE DE
IDEÁRIO NACIONAL-SOCIALISTA NO
MATERlAL DE ENTRETENIMENTO DO
Blumenauer volkskalender
(1933-1938)
Méri Frotscher
l INTRODuçÁO
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2o BLUMENAUER VOLKSKALENDER:
CARACTERÍSTICAS EDITORIAIS
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I Esta e as traduções seguintes foram livremente realizadas pela autora. Nas otações será usada a abreviação
BVK para identificar o almanaque.
2 Sobre a publicação e circulação de Kalender no estado de Santa Catarina vide GROTZMANN (2006).
3 O almanaque Wille voltou a ser publicado entre 1952 e 1960. Especificamente com relação à década de 30,
assumiu três títulos diferentes: Wille's Deutscher Kalender für die Südstaaten Brasiliens (1 934 e 1935); Wille's
Deutscher Kalender für Brasilien (1936·39) e Almanaque Wille Kalender (1940).
4 Sobre o perfil dos almanaques e revistas publicados em língua alemã em Blumenau, entre 1900 e 1965, vide
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6 o termo Vo1ksgenosse era muito usado nos discursos de Adolf Hitler ao se dirigir ao povo alemão e em
diversos documentos durante a época do regime nacional-socialista na Alemanha (1933-1945). O termo
deveria apagar as diferenças sociais existentes. Durante este periodo, o termo ainda abarcava concepções
racistas divulgadas pelo NSDAP, na medida em que o partido definia enquanto Volksgenosse apenas os que
tivessem ·sangue alemão'. Conforme verbete VOLKSGENOSSEN in KAMMER & BARTSCH (1992, p. 223).
7 O termo vôlkisch, originalmente uma palavra substitutiva ao adjetivo national, era, no vocabulário
nacional-socialista, impregnado pelas concepções do racismo nacional-socialista, sendo expressão de um
sentimento nacional anti-semita. Conforme verbete VOLKISCH in KAMMER & BARTSCH (1992, p. 217).
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• Sua publicação teve irúcio em fevereiro de 1933, um mês antes, portanto, da ascensão de AdolfHitler ao
poder. A partir de fevereiro de 1934, o jornal passou a ser informativo do NSDAP de Santa Catarina.
Entretanto, este foi o seu último número. O Arquivo Histórico José Ferreira da Silva dispõe todos os
números, menos o primeiro (fevereiro de 1933) e o de junho de 1933.
9 O jornal reprodUZia discursos e textos escritos por líderes nadonal-sodalistas na Alemanba, diversos outros
textos extraídos de jornaís nacional-sodalistas, relatos de atividades dos grupos locaís de Santa Catarina,
programações de suas atividades, relatórios financeiros da Winterhilfswerk, anÚlldos, avisos do consulado
alemão, notas de falecimento de membros do partido, etc. Ince ntivava a leitura de jornaís nacional-
sodalistas e o uso da biblioteca do grupo local do partido. Solidtava que os leitores dessem preferência aos
produtos e serviços ofereddos pelos anundantes. O exemplar do jornal era vendido, nos primeiros meses,
a 200 rs. e, depoiS, a 300 rs.
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10Através da DolchstDKlegende afirmava-se que o Exército alemão, durante a Primeira Guerra Mundial, teria
sido apunhalado pelas costas por civis traidores. Essa falsificação da história serviu a diversos grupos e
partidos da extrema direita como propaganda contra o Tratado de Versailles, contra os partidos de esquerda
e contra a República de Weimar e foi muito propagada pelos nacional-socialistas.
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11 Esta livraria vendia o Võlkischer Beobachter, Die Brennessel, Landpost e Der S.A. Mann. Informação
presente em anúncio publicado no Mitteilungs-Blatt der NSDAP. Bezirk Sta. Catarina. 2. Jahrgang, N. I,
Februar 1934, p. 9.
lZ Entre outros anúncios, o constante na página 166 do almanaque referente a 1937.
13 Entre outros anúncios, o constante na página 150 do almanaque referente a 1936.
14 Tratava-se do sal refinado e moído da marca Ladenstein. A firma Starke & Cia. era representante deste
produto em Blumenau e Rio do SuL
15 Vide item específico sobre o grupo local do NSDAP de Blumenau na tese de MORAES (2002, p. 159-210).
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16A convivência entre o uso das escritas Fraktur e Antiqua, na Alemanha, deram origem a uma discussão acirrada
em tomo do que deveria ser a escrita "correta", tomando conotações ideológicas. Essa questão chegou a
assumir uma expressão PI"ÓpIia, Fraktur·Antiqua Streit Em 1941, o governo nadonal-socialistafinalmente pôs
um fim legal à questão, ao declarar aAntiqua (fonoa latina) a "escrita nonnal" em que deveriam ser publicados
todos os impressos, proibindo o uso da Fraktur, "oficialmente não desejada". Esse decreto revela mais uma
contradição do governo nadonal-sodalista, pois até então ao nadonal-sodalistas haviam propagado a escrita
gótica como a verdadeira escrita "alemã". Disponível em: <http://de.wikipedia.org/wiki/Antiqua-Fraktur·
Streit>; <http://de.wikipedia.org/wiki/Frakturschrift#Entwicklung>. Acesso em: 18 set. 2007.
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pseudônimo. ·· .n.tlDJflueC·IJI·
le .
As fotografias reproduziam,
geralmente, vistas panorâmicas, cenas urbanas (geralmente o centro urbano
€l/ou construções significativas). atividades ãgropecuáriás, propriedades
agrícolas em particular, ocupação territorial em áreas de colonização alemã,
associações culturais e esportivas teu to-brasileiras, entre outras. A grande
maioria delas era de localidades do Brasil, havendo também algumas imagens
de cidades alemãs. As fotografias tinham conexão com os textos ou os
anúncios publicados, muito embora geralmente não fossem dispostas
exatamente nas páginas correspondentes.
Tanto a parte inicial e a final dos exemplares faziam do almanaque
um guia prático para o cotidiano, nas mais variadas áreas. Nas páginas iniciais
era impresso o calendário mensal incluindo os nomes dos dias católicos,
evangélicos e alemães e dados astronômicos. Adicionalmente, incluem-se
datas comemorativas alemãs, muitas delas nazistas, e datas comemorativas
brasileiras. Nos calendários mensais eram reservados espaços para
anotações. Esta possibilidade de usar o calendário também como uma
agenda, fazia do almanaque ainda mais útil para o dia-a-dia do leitor. A
importância da astronomia para a época é observável através da inclusão
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17 A partir do almanaque para o ano de 1935, a divisão das indicações para agricultura era feita segundo o
relevo (planíde e planalto) e não segundo os estados, medida considerada mais feliz, segundo os editores.
Landwirtschaftlicher Arbeitskalender (BVK, 1935, p. 265).
18 Por esta razão, somente os almanaques para os anos de 1933 e 1934 contam com informações sobre a
posição geográfica de Blumenau e explicações astronõmicas, tomando o horizonte de Blumenau como base.
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''Tu fostes um bravo cavalo de guerra e mereces uma bala honrada" (BVK, 1934,
p. 185). Com o tiro de pistola, um polidal acorre ao local disposto a autuar o
capitão. Entretanto, após ouvir a justificativa do capitão, o polidal imediatamente
fecha o seu caderno de autuação e, em silêndo, bate continênda. A honra de
morrer como um soldado em batalha, tão cara ao militar, aparece nesta estória,
assim como o respeito aos serviços prestados à pátria alemã durante a guerra.
Neste e noutros casos, a análise de conteúdo é facilitada tendo em
vista o próprio fato de a estória ter sido extraída
de um jornal nacional-socialista. Entretanto, noutros
textos de caráter literário, alguns dos quais inclusive
escritos por imigrantes alemães que viviam no Brasil,
também apareciam diversos elementos que, embora
não exclusivamente difundidos pelos nacional-
socialistas, revelam sentimentos presentes em
diversos circulos alemães do período.
No texto intitulado" Südwestafrika. Eine
Erinnerung" (Sudoeste da África. Uma lembrança),
a idéia de que aquela colônia havia sido roubada
da Alemanha pelos países vencedores da Primeira
Guerra Mundial aparece já no primeiro parágrafo
(BVK, 1933, p. 140-142). Hansotto Vorberg, um NOrnbcrg - SchOncr Bru nncn - Adolf-H itl er-Pl3 tz
(Sichc Artik el Seile 1B1)
alemão que havia imigrado para o Brasil depois de
haver morado no Sudoeste da África, rememora o
processo de ocupação alemã, representando-o como "colonização". Segundo
o autor, "a tenacidade alemã ganhou" aquele território, ou seja, o trabalho
alemão justificaria sua posse. O autor destaca os progressos alcançados
pelo processo de colonização alemã, referindo-se às inúmeras dificuldades
encontradas, entre elas, as lutas contra os nativos. A apreensão dos alemães
que ali viviam, com o irromper da Primeira Guerra Mundial, é rememorada
com emoção. Na descrição de como a guerra era acompanhada pelos alemães
no Sudoeste da África, o autor cita apenas as vitórias alemãs na Europa e
também naquela colônia. Ao final, ao ressentimento quanto à perda da
Sudoeste da África, relembrada com saudades, soma-se a constatação do
"grande lamento da pátria sucumbida", para onde o autor havia retornado
depois do desfecho da guerra, com o objetivo de "criar uma nova existência"
e ajudar a erigir a Alemanha novamente.
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19 Sobre a pedagOgia cívica presente no Almanaque Brasileiro Garnier, por exemplo, vide mITRA (2005).
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textos que divulgam imagens negativas dos franceses, tidos como inimigos
quase que naturais dos alemães. Estas imagens são explícitas nos relatos e
memórias de guerra, mas aparecem até mesmo numa biografia de Johann
Sebastian Bach, publicada por conta das comemorações dos 250 anos do seu
nascimento. Ao se referir às atividades de Bach enquanto organista da
Orquestra de Câmara e da Corte de Weimar, o autor define a última como
"uma das mais genuínas dinastias alemãs", a qual não admitia "macaquear
Versailles" (BVK, 1936, p. 137). Em seguida, o biógrafo discorre sobre um desafio
(Wettkamp.t) musical entre Bach e Marchand, "o divinizado virtuose em piano e
órgão francês", ocorrido em 1717 no palácio do Primeiro Ministro de Dresden.
O autor acentua a "vitória" da arte musical alemã sobre a "superficialidade
francesa que tudo dominava". Termina de contar o episódio relatando desta
forma a desistência do virtuose francês em participar da disputa: "O vaidoso
francês até aceitou conscientemente o desafio, mas depois de escutar
secretamente Bach tocar, preferiu sumir da residência saxã com a diligência
do correio na manhã do dia do desafio." (BVK, 1936, p. 137).
No conto histórico "C' est la guerre, eine franzosische Fliegergeschichte"
(C' est la guerre, uma estória de aviador francesa), a contraposição entre
franceses e alemães também é presente (BVK, 1936, p. 143-145), mas de
maneira bem mais sutil. Apesar de ambientada na Primeira Guerra, o enredo
principal da estória trata do relacionamento entre o personagem principal, o
aviador Gaston, e sua querida namorada Blonch. Esta é retratada como vaidosa
e infiel e parece não se importar muito com o desespero manifestado de
Gaston, um dia antes de cumprir uma missão em terras alemãs. Preso logo
após a aterrissagem em solo alemão, Gaston é julgado e executado por
espionagem. A estória termina com a cena em que Blonch, logo após receber
a notícia da morte, acaba aceitando o convite do barão Garré em acompanhá-
lo a um baile beneficente, sob o suspiro: "C' est la guerre".
Ao representar a pequena Blonch como vaidosa, infiel, insensível e
de certa forma superficial, explicita-se uma crítica à mulher francesa e,
implicitamente, define-se as qualidades da mulher alemã, mesmo que não
mencionada no conto: fiel e companheira do soldado. Isto porque é na
construção da imagem do "outro" que se define o "eu". A fidelidade em
relação à pátria alemã, tão difundida pelos nacionalismos alemães como
Palestra de Marcos Konder no Oube Germânia em 09.01.1933. Der UIWaldsbote, Blumenau, 21 fev.1933. p. 01.
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