Zilles, A Crítica Da Religião Na Modernidade
Zilles, A Crítica Da Religião Na Modernidade
Zilles, A Crítica Da Religião Na Modernidade
ISSN: 1809-8479
[email protected]
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Brasil
Zilles, Urbano
A CRÍTICA DA RELIGIÃO NA MODERNIDADE
Interações: Cultura e Comunidade, vol. 3, núm. 4, 2008, pp. 37-53
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Uberlândia Minas Gerais, Brasil
Urbano Zilles(*)
RESUMO
A modernidade, como processo histórico-cultural desenvolvido do século XVI ao sé-
culo XX, elabora nova crítica da religião. Tenta eliminar-se a questão do Deus transcen-
dente para voltar-se à imanência do homem: Feuerbach, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre,
entre outros. O critério passa a ser a razão científica. O pensamento secular reduz a
religião a produto humano e dispensável.
PALAVRAS-CHAVE: Religião. Iluminismo. Ciência. Fé. Deus-homem.
ABSTRACT
Modernity as a historical-cultural process from the 16th to the 20th century presents a new
criticism on religion. It tries to eliminate the issue of the transcendent God and concentrates
everything on the immanence of the human being . The criterion becomes the scientific reason.
Secular thought reduces religion to a human and expendable product.
KEYWORDS: Religion. Illuminism. Science. Belief. God-man.
INTRODUÇÃO
(*)
Doutor em Teologia pela Universitat Munster (Westfalische-Wilhelms). Atua como professor
titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É membro de corpo editorial
de várias publicações: Revista Veritas (Porto Alegre), Revista Teocomunicação, Revista Análise &
Síntese, REALISMO - Revista Ibero-Americana de Filosofia Política e Filosofia do Direito, Re-
vista Communio (Rio de Janeiro) e Revista Estudos Filosóficos. E-mail: [email protected]
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Continuação do artigo intitulado “Crítica da religião na Antiguidade e na Idade Média” do
mesmo autor, publicado no número anterior desta revista, v.3 n.3 p. 9-31.
Seus ataques contra a Igreja, Cristo e Deus adquirem sentido apenas nos
ataques contra uma falsa imagem, na qual foi pervertida a grandeza do homem.
Uma nova conceituação da vida atribui a força fundante aos mundos históricos
da vida, outrora atribuída ao Deus transcendente. Dessa maneira, ficou livre o
caminho para os numerosos projetos de uma interpretação secular da religião.
Questiona-se a consciência religiosa transcendente para desenvolver uma cons-
ciência secular da religião.
Para Nietzsche, a religião, sobretudo a cristã, é sentimento de fraque-
za, uma idealização perversa, hostil à vida e ao mundo, uma idealização do
sofrimento e da morte, um projeto ilusório e patológico de homens fracos.
Somente destruindo as idéias do além, para ele, há uma chance de libertar o
homem da religião.
Com o título Teodicéia, em 1710, Leibniz publicou uma obra para res-
ponder às objeções contra a justiça divina, demonstrando que a existência do
mal no mundo é compatível com a bondade providencial de Deus. Mas a te-
odicéia cristã do sofrimento perdeu sua plausibilidade. A questão de como
conciliar o sofrimento inocente com a idéia do Deus todo-poderoso e amante
é antiga.
Jeremias, na confiança em Deus, constatara: “Tu continuas justo, Se-
nhor, se entro em processo contigo; contudo falarei contigo sobre questões de
direito: Por que prospera o caminho dos ímpios? Por que os apóstatas estão
em paz?” (Jr 12,1).
Kant ainda concluíra, pela experiência, que o agir moral não necessa-
riamente traz felicidade e sucesso e, apesar disso, deve-se agir moralmente;
que cada homem traz dentro de si uma lei natural da razão prática a qual deve
prescrever, com seus postulados (Deus, alma, liberdade), as leis do agir ético e
responsável. Pois, sem um Deus e sem a esperança num mundo transcenden-
te, até se poderiam admirar as maravilhosas idéias da moralidade, mas seriam
desrespeitadas.
No século XIX, com o termo teodicéia passou-se a designar a teologia
natural ou a parte da metafísica que trata da existência e dos atributos de Deus
e suas relações com o mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem dúvida, a religião pode ser tudo isso. Mas da possibilidade não se
conclui a necessidade de ser somente isso. Assim, não existindo nenhuma prova
concludente da existência de Deus, não se pode concluir que sua não-existência
está provada. Portanto, o ateísmo não é uma evidência indiscutível nem impede
o crente de afirmar que a fé é uma questão de sentido transcendente para sua
existência neste mundo. Talvez se devesse recordar a advertência de Galileu,
quando afirma que a física ensina como está o céu, mas não como se vai ao céu.
A “crítica da religião” muitas vezes é entendida como simples recusa. Ora, não
é esse o sentido próprio de crítica. Também os Profetas, os Padres e os Douto-
res da Igreja criticam a religião, sem rejeitá-la.
Os que recusam a religião vêem nela uma forma de falsa consciência,
cujas causas tentam explicar. Nessas explicações apóiam-se, ou na fidelidade a
uma suposta natureza, ou nas conquistas da tecnociência. Com isso percebe-se
uma tendência a divinizar a própria “natureza” ou substituir antigos “dogmas”
religiosos por “dogmas” científicos. Os que recorrem ao ponto de vista social,
para recusar a religião, afirmam ser a impotência das classes inferiores ou opri-
midas a causa da religião. O desenvolvimento da ciência e da razão, segundo
eles, pode abrir o caminho para a humanização da sociedade e tornar a religião
supérflua. Opor a religião à sociedade ou à natureza, nos tempos modernos,
não é solução, mas um novo problema. Erraram aqueles que prognosticaram o
fim da religião na civilização urbana moderna, como atesta a emergência de fe-
nômenos tão diversos quanto os fundamentalismos militantes ou as chamadas
“igrejas” eletrônicas ou comerciais. Portanto, é urgente uma crítica da chamada
“crítica radical da religião” como simples recusa, pois o sujeito da fé religiosa é
o ser humano total e não apenas a razão instrumental ou científica. Na verdade,
ninguém precisa deixar de crer em Deus como sentido da existência humana e
do mundo, por causa da ciência ou por honestidade intelectual.
REFERÊNCIAS
HUME, David. Diálogos sobre a religião natural. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Hume. Investigação acerca do entendimento e outros. São Paulo: Nova Cultural,
1996. (Col. Os pensadores).