2016 PriscilaSousaSilva
2016 PriscilaSousaSilva
2016 PriscilaSousaSilva
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS - IG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS APLICADAS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
PÓS-GRADUAÇÃO EM HIDROGEOLOGIA E MEIO AMBIENTE
Orientador:
Prof. Dr. José Eloi Guimarães Campos
Brasília - DF
Setembro de 2016
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS – IG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS APLICADAS
Banca Examinadora:
Prof. Dr. José Eloi Guimarães Campos (Universidade de Brasília - UnB) (orientador)
Prof. Dr. Luiz Rogério Bastos Leal (Universidade de Federal da Bahia - UFBA)
Brasília - DF
Setembro de 2016
ii
AGRADECIMENTOS
iii
SUMÁRIO
iv
ÍNDICE DE FIGURAS
vii
Figura 3.26 - Diagrama esquemático que representa a relação entre o 14C e o 3H em
águas subterrâneas de diferentes idades. As águas recentes possuem dezenas de anos,
águas jovens possuem centenas de anos, águas velhas possuem milhares de anos, águas
muito velhas e águas fósseis possuem dezenas de milhares de anos (MOOK, 2001). ....... 73
Figura 4.1 - Mapa de localização das amostragens realizadas em águas superficiais,
subterrâneas e em rocha no município de Petrolina-PE. A escala de tons de vermelho
nos sítios de amostragem para caracterização isotópica regional se referem à
condutividade elétrica (C.E.) das águas. Quanto mais forte o vermelho, maiores as C.E. . 79
Figura 4.2 - Carta Geohidroquímica do Município de Petrolina na escala 1:100.000
elaborada com base na análise hidroquímica de 526 amostras de água subterrânea
realizada em 2001/2002. ..................................................................................................... 80
Figura 4.3 - Diagrama de Piper com as 232 amostras selecionadas pela avaliação do
balanço iônico. .................................................................................................................... 81
Figura 4.4 - Classificação das 232 amostras selecionadas de água subterrânea do
município de Petrolina segundo o Diagrama de Piper. ....................................................... 81
Figura 4.5 - Gráficos de bola representando a porcentagem correspondente a cada íon
em uma amostra representativa de cada grupo e o Diagrama de Piper por grupo. ............. 82
Figura 4.6 - Concentração dos íons das amostras representativas de cada grupo. .............. 84
Figura 4.7 - Gráficos que relacionam a concentração dos principais íons com as
condutividades elétricas para poços de Petrolina-PE. ......................................................... 85
Figura 4.8 - Gráfico δD versus δ18O com a representação das amostras de água
subterrânea e superficial (canal de irrigação, Rio São Francisco e amostras de chuva)
coletadas no município de Petrolina-PE em relação a GMWL e LMWL. No quadro a
direita é possível observar a indicação das amostras coletadas no canal de irrigação e no
Rio São Francisco................................................................................................................ 88
Figura 4.9 - Fotos das coletas ao longo do canal de irrigação no município de Petrolina -
PE. ....................................................................................................................................... 89
Figura 4.10 - Resultado das análises isotópicas realizadas nas amostras do canal de
irrigação, evidenciando a alta taxa de evaporação presente na região semiárida do
nordeste brasileiro. .............................................................................................................. 90
Figura 4.11 - Água sendo injetada pelo caminhão pipa diretamente na trincheira no
Sistema Piloto da Escola Municipal. A camada de xisto presente próximo à superfície se
comportou como uma barreira hidráulica não permitindo que a água infiltrasse e
chegasse à fratura monitorada pelo poço. ........................................................................... 93
Figura 4.12 - Trincheira de recarga mal preenchida e localizada mais distante do poço
de monitoramento no Sistema Piloto da RKF Mudas. ........................................................ 93
Figura 4.13 - Monitoramento do Sistema Piloto da RKF Mudas........................................ 94
Figura 4.14 - Monitoramento do Sistema Piloto da Fazenda do Jair. ................................. 96
Figura 4.15 - Secção esquemática simplificada dos poços presentes na fazenda do
Senhor Jair. .......................................................................................................................... 96
Figura 5.1 - Diagrama Eh X pH do elemento cloro considerando [Cl-]TOT = 18.00 mM a
T=25°C. Mostrando que sob as condições das águas subterrâneas, predominantemente
redutoras, a forma estável do cloro é em solução Cl-. ......................................................... 99
viii
Figura 5.2 - Amostras de água subterrânea de Petrolina plotadas juntamente com
GMWL e com a LMWL. As amostras estão localizadas acima das linhas e encontram-se
alinhadas formando uma linha denominada “linha da água subterrânea de Petrolina”. ..... 100
Figura 5.3 - Amostras de água subterrânea de aquífero fraturado do Canadá de
diferentes salinidades plotadas no diagrama δD x δ18O. As linhas de aumento de
salinidade representam águas salinas resultado da mistura de águas rasas e frescas
(localizadas abaixo da GWML) e de salmouras profundas (sinalizadas com o círculo
vermelho) (FRAPE et al., 1984). ........................................................................................ 101
Figura 5.4 - Variações da curva da água meteórica global prevendo o comportamento de
águas subterrâneas decorrente do fracionamento isotópico no processo de interação
água-rocha (Adaptado de GEYH, 2001). ............................................................................ 102
Figura 5.5 - Evolução do processo de interação água-rocha nas águas subterrâneas do
município de Petrolina com base na análise da razão 87Sr/86Sr........................................... 103
Figura 5.6 - Relação das idades aproximadas obtidas pelo método carbono 14 com a
condutividade elétrica e com o δ13C.................................................................................... 104
Figura 5.7 - Seção transversal mostrando as prováveis variações nos conteúdos de Trítio
das águas subterrâneas de acordo com a profundidade ....................................................... 105
Figura 5.8 - Curva da evaporação para amostras coletadas ao longo do canal de
irrigação que liga as águas do Rio São Francisco ao interior do município (proximidades
do povoado de Uruás). ........................................................................................................ 105
Figura 5.9 - Variação dos parâmetros físico-químicos e isotópicos durante o
monitoramento do Sistema Piloto da RKF Mudas. O quadrante vermelho corresponde à
amostra RKF-III-20. ............................................................................................................ 107
Figura 5.10 - Avaliação do funcionamento do Sistema Piloto da RKF Mudas. O gráfico
mostra a assinatura isotópica inicial do aquífero, da água utilizada na recarga e da
possível mistura. .................................................................................................................. 107
Figura 5.11 - Indicação das alterações nos parâmetros físico-químicos e isotópicos no
momento da chegada da água da recarga artificial apontada pela Figura 5.12. .................. 108
Figura 5.12 - Avaliação do funcionamento do Sistema Piloto da Fazenda do Jair. O
gráfico mostra a assinatura isotópica inicial do aquífero, das águas utilizadas na recarga
e da mistura. ........................................................................................................................ 108
ix
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 3.1 - Isótopos estáveis dos principais elementos utilizados como traçadores
ambientais e suas respectivas abundâncias (Adaptado de MARTINELLI et al., 2009). .... 50
Tabela 3.2 - Principais padrões dos isótopos estáveis mais utilizados em estudos
ambientais............................................................................................................................ 51
Tabela 4.3 - Dados de datação por trítio e carbono 14 para as amostras de água
subterrânea do município de Petrolina. ............................................................................... 92
Tabela 4.4 - Características das águas de recarga utilizadas no teste do Sistema Piloto da
RKF Mudas. ........................................................................................................................ 94
Tabela 4.5 - Características das águas de recarga utilizadas no teste do Sistema Piloto da
Fazenda do Jair. ................................................................................................................... 95
Tabela 5.1 – Estimativa do tempo necessário para que a água subterrânea de Petrolina seja
considerada doce com o Sistema Piloto funcionando de maneira natural com a água da chuva.
............................................................................................................................................. 110
x
RESUMO
xi
ABSTRACT
The Petrolina County, State of Pernambuco, Brazil has several peculiarities that make it
particular in the hydrogeological point of view. The water resources scarcity issue is related to
quantitative (depending on the weather, the soil and the nature of aquifers) and qualitative (due
to the high salinity of groundwater). The climate of the region is classified as semiarid, with
scarce rains irregular on time and spatially and with high temperatures. The geology is
represented by granites, gneisses and metassediments, of the São Francisco Craton and of the
Riacho do Pontal Mobile Belt, with ages since Paleoarchean to Neoproterozoic, in addition to
recent sediments of alluvial, lateritic and paleo dunes deposits. The coverage soil and regolith
show small thickness and alluvial sediments can accumulate up to 10 meters. In this way, the
regional aquifers occur in low connected fractures resulting in a limited circulation of
groundwater. The aquifers recharge is reduced due to the climate and the high evaporation rate.
The salinity of groundwater is high due to joint action of factors such as: climate, soil, plan
relief, restrict recharge (low water availability), low connectivity of fractures, and restricted
circulation of water in the aquifer and high water-rock time contact. In order to improve the
quality of the groundwater of the region, decreasing its salinity, a pilot artificial recharge system
was proposed. With the salinity decreasing it is possible to increase the groundwater usage
potential. In a synthetic form, the pilot systems consist of a set of gutters and pipes of rainwater
collecting on roofs, a recharge trench filled with gravel and a tubular well for pumping and
monitoring groundwater quality. Three artificial recharge systems were built in the Petrolina area
to verification of hydraulic feasibility and applicability. The tests were conducted by the
induction of artificial recharge by injecting water in the recharge trenches by tanker trucks. The
monitoring was conducted with analyses of stable isotopes, δD (‰) and δ18O (‰), and in situ
measures of electrical conductivity, pH and reduction-oxidation potential. The tests showed that
the systems show hydraulic feasibility, and that its success depends on the adequate location and
construction of the pilot systems. By the other hand, the applicability and effectiveness of the
pilot system exhibit greater complexity due to the necessity of large amounts of water in artificial
recharge to result on groundwater more widely usage. As the rains in the region are restricted, it
is estimated the need of a long period of time to recharge systems get results. In addition to the
pilot systems test, hydrochemical analysis of groundwater samples, 87Sr/86Sr ratio analyses of
rock and water, isotopic analysis (δD (‰) and δ18O (‰)) of samples along the irrigation channel,
isotopic characterization of aquifers and groundwater dating were carried out. The joint
assessment of the data allowed reaching contributions to the knowledge about the natural
recharge, water-rock interaction and salinization of groundwater from the semiarid Northeast
region of Brazil.
Keywords: Stable Isotopes (δ18O and δD), Artificial Recharge (MAR - Managed Aquifer
Recharge), Brazilian Semiarid Northeast Region, Salinization, Fractured Aquifer.
xii
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
No Brasil grande parte da demanda de água é suprida com a utilização de recursos
hídricos superficiais. Tal fato é decorrente, em grande parte, da facilidade de retirada desses
recursos comparativamente com a explotação de mananciais subterrâneos. Porém, nas últimas
décadas, tem se observado uma participação cada vez maior da utilização da água subterrânea
em escala nacional. O crescimento constante da demanda por água, a poluição de mananciais
superficiais, aliado as crises hídricas ocasionadas por falta de planejamento por parte da esfera
pública e por fenômenos climáticos extremos, cada vez mais comuns, tem contribuído para essa
questão.
O interesse por pesquisas voltadas para os recursos hídricos subterrâneos vem crescendo
tanto no cenário nacional como internacional. Segundo dados da Agência Nacional de Águas -
ANA, no ano de 2010, 47% dos municípios brasileiros eram abastecidos exclusivamente por
mananciais superficiais, 39% exclusivamente por mananciais subterrâneos e 14% possuíam
abastecimento misto (ANA, 2010).
Para a utilização dos recursos hídricos subterrâneos, se faz uso de aquíferos profundos
livres ou confinados - com explotação a partir de poços tubulares profundos - e de aquíferos
freáticos (rasos) e livres - a partir de poços escavados (cisterna, cacimba ou poço amazonas).
A escolha dentre as alternativas de uso de aquíferos profundos ou rasos, em geral, é feita
a partir de variáveis econômicas, de forma que populações de baixa renda ficam restritas à opção
de menor custo representada pela captação de águas freáticas. A forma de captação da água
subterrânea também sofre influência de aspectos como: características naturais dos aquíferos,
qualidade da água subterrânea, eficiência da rede de distribuição pública e disponibilidade
hídrica superficial. Tais fatores controlam, por exemplo, a profundidade média dos poços
tubulares que pode variar de 60 até centenas de metros.
A região semiárida brasileira é amplamente conhecida pela escassez de recursos hídricos.
A disponibilidade hídrica é baixa e insuficiente para o abastecimento da população que sofre
devido a esse aspecto. Como no restante do país, a demanda de água da região semiárida é
atendida principalmente por recursos hídricos superficiais, sendo que a principal fonte de
abastecimento superficial utilizada é a Bacia Hidrográfica do São Francisco.
A utilização dos mananciais subterrâneos merece atenção em um contexto emergencial,
como no caso de secas, para um efetivo gerenciamento dos recursos hídricos. Já que o efeito dos
eventos extremos nas reservas subterrâneas é mais brando comparativamente aos efeitos nas
águas superficiais. Um fato preocupante nesse sentido é a falta de informação tanto do número
quanto da situação das captações existentes no semiárido. Nota-se nas áreas das rochas
cristalinas uma grande quantidade de poços desativados ou abandonados por desconhecimento
da população sobre a hidrogeologia da área (BELTRÃO et al., 2005).
A dificuldade de encontrar fontes hídricas com qualidade e quantidade adequadas torna a
questão do abastecimento de água crítico nessa região há anos. Diante do exposto, a utilização
conjunta de recursos hídricos superficiais e subterrâneos na região semiárida brasileira vem
sendo considerada pelo poder público, porém ainda está muito aquém do ideal. O uso da água
1
subterrânea em conjunto com a água superficial oferece grandes expectativas para o futuro da
região.
Quanto ao uso da água subterrânea, as áreas de bacias sedimentares são mais propícias
para esse fim já que as águas, em geral, são de melhor qualidade e sua explotação é facilitada
(ANA, 2015a). Um agravante para o uso dos mananciais subterrâneos no semiárido nordestino é
que a maior parte dos municípios em estado crítico de abastecimento está localizada em áreas de
embasamento cristalino, onde os aquíferos são fraturados (Figura 1.1).
Figura 1.1 - Áreas de embasamento cristalino e bacias sedimentares do Brasil com destaque para a região
semiárida (CPRM, 2016).
3
1.2 Objetivos
O objetivo central do RECARFRAT é entender os processos de recarga e conhecer com
maior detalhe os processos de circulação da água subterrânea dos aquíferos fraturados em meios
cristalinos no semiárido nordestino e propor um sistema inovador de recarga artificial, para
melhoria da qualidade das águas captadas de poços tubulares, a partir da diminuição de sua
salinidade. A presente dissertação visa aplicar e avaliar a viabilidade hidráulica e a aplicabilidade
do sistema piloto de recarga artificial desenvolvido pelo projeto RECARFRAT para aquíferos
fraturados com o objetivo de melhorar a qualidade das águas subterrâneas diminuindo o elevado
teor de sais dissolvidos. Para tanto, foram integradas técnicas de sensoriamento remoto, geologia
estrutural (neotectônica), geofísica, hidroquímica e isótopos estáveis e radiogênicos.
Dentro do objetivo principal que norteia a presente dissertação existem objetivos
secundários, porém não menos importantes. Dentre eles destacam-se:
Ampliar o conhecimento com relação à recarga natural dos aquíferos fraturados do
nordeste do Brasil;
Entender como se dá a circulação da água nos meios fraturados do município de
Petrolina-PE;
Colaborar para ampliação do conhecimento sobre aquíferos fraturados em regiões
semiáridas;
Gerar dados que auxiliem os órgãos públicos na tomada de decisão quanto à gestão
dos recursos hídricos subterrâneos na região semiárida brasileira;
Ampliar o conhecimento sobre as causas das altas salinidades das águas subterrâneas
dos aquíferos fraturados da região semiárida brasileira;
Conhecer a composição química das águas e sua modificação antes e depois da
implantação da recarga artificial;
Conhecer a evolução dos isótopos ambientais antes e depois da implantação da recarga
artificial;
Ampliar o conhecimento sobre o processo de interação água-rocha nos aquíferos
fraturados do semiárido brasileiro;
Avaliar a idade das águas subterrâneas de diferentes salinidades do município de
Petrolina-PE;
Conhecer a trajetória de evaporação dos canais de irrigação do município de Petrolina-
PE e;
Avaliar a efetividade da proposta para recarga artificial, a partir da instalação de
sistemas pilotos e realização de testes.
1.3 Justificativas
A região semiárida brasileira abrange os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe ocupa uma área de
aproximadamente 977.000 Km² e possui uma população estimada em 20 milhões de habitantes,
sendo que aproximadamente 56% encontram-se na área urbana e 44% na área rural (ANA,
2010).
Essa região é conhecida pelas chuvas restritas, altas temperaturas durante todo o ano com
baixas amplitudes térmicas (2 a 3°C), forte insolação, altas taxas de evapotranspiração e,
consequentemente, pelo déficit hídrico. A pluviosidade é geralmente superada pelas altas taxas
de evapotranspiração resultando em um balanço hídrico com valores negativos. Assim, a reserva
4
de água presente nos mananciais é insuficiente e não oferece garantia de água para os seus
diversos usos, em particular, para o abastecimento humano. A escassez de recursos hídricos é
preocupante nessa região do país e afeta de maneira direta a vida da população e o seu
desenvolvimento econômico e social (ANA, 2015b).
Segundo dados do Atlas de Abastecimento Urbano da Agência Nacional de Águas, dos
1.794 municípios estudados do nordeste brasileiro somente 466 possuem abastecimento de água
satisfatório segundo dados de 2015, e 1.312 requerem investimentos nesse sentido (ANA,
2015c).
Como já explanado anteriormente, a demanda de água da região semiárida do nordeste é
atendida principalmente por recursos hídricos superficiais. Porém, as pesquisas voltadas para o
uso conjunto de recursos hídricos subterrâneos e superficiais vêm crescendo no cenário nacional.
Tal uso vem sendo cogitado pelo poder público, porém ainda está muito aquém do ideal.
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) recebeu a tarefa do Governo Federal de realizar
estudos e pesquisas visando à busca de soluções para o abastecimento de água da população que
sofre com a seca extrema. Foram realizados estudos, desde 2012, em 69 municípios sendo que a
medida sugerida foi expandir a utilização dos recursos hídricos subterrâneos. Como fruto deste
trabalho foi criado uma rede de poços estratégicos no semiárido. A maior parte dos municípios
afetados pela falta de água se localiza na região do cristalino, porém a equipe de pesquisadores
tomou a decisão de alocar os poços nas bordas das bacias e fazer o transporte da água por
caminhões pipa até tais municípios. Em outubro de 2014, 24 poços haviam sido perfurados
(CPRM, 2014a).
O Programa Água Doce, criado em 2003 e coordenado pelo Ministério do Meio
Ambiente, trabalha visando o estabelecimento de políticas públicas permanentes para acesso a
água de qualidade para consumo humano por meio do aproveitamento sustentável de água
subterrânea. O Programa prioriza regiões com dificuldades de acesso aos recursos hídricos,
baixos índices de chuvas, baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e alto percentual de
mortalidade infantil. Hoje abrange os estados: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. Os municípios contemplados recebem
dessalinizadores que tornam a água de poços tubulares adequada para consumo humano (CPRM,
2015).
A Secretaria Executiva de Recursos Hídricos da Secretaria de Desenvolvimento
Econômico (SDEC) de Pernambuco inaugurou um sistema pioneiro de dessalinizador solar para
ser aplicado nas águas salinas de poços tubulares no sertão do estado (GREENME, 2015).
Como demonstrado pelos projetos acima citados, o uso da água subterrânea em conjunto
com a água superficial oferece grandes expectativas para o futuro da região semiárida brasileira.
Andrade & Leal (2010) dizem que o poço tubular é comprovadamente uma das soluções mais
apropriadas para o abastecimento humano e animal no meio rural do semiárido nordestino.
Segundo tais autores o uso de dessalinizadores tem mostrado boa eficiência para a problemática
da elevada salinidade das águas (ANDRADE & LEAL, 2010).
Entretanto, um agravante para o uso dos mananciais subterrâneos nessa região do país é
que a maior parte dos municípios em estado crítico de abastecimento de água está localizada em
áreas de embasamento cristalino (aquíferos fraturados). Devido ao condicionamento geológico-
estrutural peculiar, as zonas aquíferas em fissuras de rochas cristalinas são limitadas
lateralmente, se localizando, normalmente, em faixas estreitas que acompanham zonas de falhas
e fraturas regionais. Por isso formam reservatórios anisotrópicos, heterogêneos e de geometria
5
complicada. A heterogeneidade e anisotropia desse tipo de aquífero dificultam a explotação da
água subterrânea, sendo que a locação e perfuração de poços possui maior complexidade
comparativamente com a explotação em aquíferos intergranulares existentes nas áreas de bacias
sedimentares.
Além disso, as águas subterrâneas de aquíferos fraturados em algumas localidades do
nordeste brasileiro possuem elevados teores de sais dissolvidos o que as torna impróprias para
consumo humano. A Figura 1.2 mostra uma interpolação realizada com dados de condutividade
elétrica de águas subterrâneas de todo território brasileiro. Os dados utilizados para confecção da
interpolação foram retirados da base de dados do SIAGAS pertencente ao Serviço Geológico do
Brasil (CPRM). É nítido na imagem que altos valores desse parâmetro são encontrados na região
semiárida brasileira (CPRM, 2016).
Portanto, em regiões semiáridas a questão da escassez de recurso hídrico se dá, tanto do
ponto de vista quantitativo, em função da ocorrência restrita e concentrada das chuvas, quanto
qualitativa, em função da ampla salinidade das águas.
Figura 1.2 - Mapa das condutividades elétricas das águas subterrâneas do Brasil (CPRM, 2016).
6
Pensando em um possível aproveitamento dessas águas salinas dos aquíferos fraturados
do nordeste brasileiro, o projeto RECARFRAT desenvolveu um sistema piloto de recarga
artificial cujo objetivo é melhorar a qualidade de tais águas pela diminuição de sua salinidade,
aumentando assim as suas possibilidades de uso. O sistema foi elaborado, implantado e avaliado
de maneira a obter respostas quanto à sua efetividade e aplicabilidade.
No caso específico do presente estudo, não se pretende aplicar a recarga artificial para
ampliar a oferta de águas subterrânea, uma vez que não há pressão de sobrexplotação dos
aquíferos considerados. A indução da infiltração pretende melhorar a qualidade das águas dos
aquíferos fraturados diminuindo sua salinidade.
Apesar de ser encontrada ampla literatura internacional no tema sobre recarga artificial de
aquíferos fraturados (BOUWER, 2002; ASANO, 1985; GROVEA & WOOD, 1979; OKUBO &
MATSUMOTO, 1979), no Brasil, este tipo de pesquisa é muito limitada e incipiente, sendo que
o desenvolvimento deste tipo de projeto é fundamental para nivelar o entendimento sobre a
recarga ao nível daquele que é conhecido para sistemas intergranulares.
O município escolhido para o teste do sistema piloto foi Petrolina no estado de
Pernambuco. A escolha do município para o desenvolvimento da pesquisa é justificada por se
tratar de uma área com conhecimento prévio de diferentes aspectos da hidrogeologia regional e
do fato de se poder contar com importante acervo de poços com dados hidroquímicos completos.
Além disso, o município conta com um aeroporto o que facilita a logística e diminui os custos
associados ao projeto.
Segundo dados do Atlas de Abastecimento Urbano da ANA, 100% do município é
abastecido atualmente por água superficial do Rio São Francisco, que é distribuída através de
adutoras. Essa mesma fonte classifica a disponibilidade de água insuficiente e sugere ampliação
do sistema (ANA, 2015c). Apesar disso, o município, juntamente com Juazeiro, forma o polo de
irrigação Petrolina-Juazeiro que é grande produtor de frutas e verduras para exportação e possui
importância econômica regional.
No município de Petrolina a água subterrânea dos aquíferos fraturados é utilizada em
pequena quantidade comparativamente com a utilização da água superficial devido à sua alta
salinidade e as características das fraturas na região que possuem baixa interconexão o que
ocasiona dificuldades na locação dos poços, sendo que grande parte dos poços perfurados são
secos. Os usos da água subterrânea no município são para dessedentação de animais (bodes e
cabras em sua maioria) e para irrigação de pequenas áreas.
A diminuição da salinidade das águas subterrâneas aumentaria suas possibilidades de uso
e esta poderia complementar o abastecimento do município. As opções de usos após a recarga
artificial só serão conhecidas quando for determinada a qualidade detalhada da água gerada após
o processo.
Um aspecto importante que justifica a presente proposta é o impacto social e econômico
que os eventuais resultados positivos podem alcançar. A escassez de água de boa qualidade
natural é um dos fatores que mais limitam o desenvolvimento e a qualidade de vida da população
residente em regiões de clima semiárido.
O município de Petrolina foi escolhido para serem feitos os testes do sistema piloto de
recarga artificial, sendo que a depender dos resultados obtidos, esse modelo de sistema poderá
ser implantado em outras regiões do nordeste brasileiro. Além disso, os conhecimentos
adquiridos no presente estudo poderão auxiliar na locação de novos poços na região.
7
1.4 Localização da Área de Estudo
O município de Petrolina se localiza no limite sudoeste do estado de Pernambuco na
mesorregião São Francisco Pernambucano e faz divisa com os municípios de Afrânio,
Dormentes e Lagoa Grande, no estado de Pernambuco; e Juazeiro, Sobradinho e Casa Nova, no
estado da Bahia. Possui uma área de 4.561,872 Km², está situado na região semiárida e pertence
à região nordeste do Brasil.
Seu acesso pode ser tanto por via aérea quanto terrestre. Possui um aeroporto que é de
importância regional sendo utilizado para acesso ao sertão nordestino. Por estrada o acesso para
diferentes regiões do país pode ser realizado por 5 estradas, são elas: BR-407, BR-235, BR-428 e
BR-122 (Figura 1.3).
Juntamente com Juazeiro, no estado da Bahia, faz parte da Rede Administrativa Integrada
de Desenvolvimento (RIDE) do Polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA que foi criada pela Lei
Complementar nº 113, de 19 de setembro de 2001, e regulamentada pelo Decreto nº 4.366, de 9
de setembro de 2002. Também fazem parte da RIDE os municípios de Lagoa Grande, Orocó,
Santa Maria da Boa Vista, no estado de Pernambuco; e Casa Nova, Curaçá e Sobradinho, no
estado da Bahia.
1.5 Metodologia
8
Figura 1.3 - Mapa de localização do município de Petrolina-PE.
9
Com base nisso, o sistema elaborado pelo Projeto RECARFRAT é constituído por calhas
para coleta de água de telhados, uma trincheira de recarga (caixa de infiltração sem revestimento
e preenchida por cascalho) e um poço de monitoramento. O objetivo é a coleta de água da chuva
pelas calhas e transporte desta para as trincheiras de recarga e consequentemente para o aquífero.
A trincheira deve ser construída com profundidade suficiente para passar pelo solo e atingir a
rocha fresca. Foram desenvolvidos dois tipos de poços de monitoramento, sendo um para solos
rasos e outro para saprólitos profundos ou áreas de acumulação de aluviões arenosos (Figuras 1.4
e 1.5).
Inicialmente foi prevista a construção de três sistemas pilotos. As áreas para a sua locação
foram determinadas com a utilização de técnicas de sensoriamento remoto, análise neotectônica
e geofísica pela equipe do projeto RECARFRAT. Os estudos para locação dos sistemas piloto
foram realizados antes do início desse estudo de mestrado. Por isso, somente seus pontos chave
serão brevemente citados.
As análises de sensoreamento remoto foram feitas em imagens gratuitas utilizando o
Google Earth para auxiliarem na definição da logística necessária para locação dos pilotos.
Foram traçados os principais lineamentos da área incluindo lineamentos de drenagens. Neste
sentido, foram localizadas áreas com as seguintes características: presença de áreas cobertas
(casas ou aglomerados de casas) situadas próximas aos lineamentos (possíveis zonas de fraturas),
áreas com lineamentos (possíveis zonas de fraturas) a jusante das áreas com coberturas, presença
de poços tubulares nos mesmos sítios e presença de águas salinizadas com diferentes teores de
Sólidos Totais Dissolvidos (TDS). A proximidade dos poços perfurados com edificações permite
que os mesmos possam ser utilizados pela população posteriormente ao término dos estudos.
Em seguida foi realizado o levantamento geofísico terrestre com eletrorresistividade e
GPR nas áreas pré-selecionadas pelas técnicas de sensoreamento remoto. Apesar da espessura do
solo na região ser pequena, sobre as zonas de fratura e de cisalhamento nota-se uma maior
espessura das coberturas pedológicas dificultando assim o mapeamento superficial das fraturas.
As investigações geofísicas definiram as características geométricas dos aquíferos,
distribuição espacial do fraturamento, espessura do manto de intemperismo e de possíveis
coberturas sedimentares nas áreas. O emprego de eletrorresistividade a estudos hidrogeológicos
em terrenos fissurados tem como objetivo principal a identificação das principais zonas de
fraturamento. Estas fraturas preenchidas ou não, mostram contraste elétrico relevante quando
comparadas às rochas. O arranjo utilizado foi o dipolo-dipolo (DD) e Wenner Schlumberger
(WS), com espaçamento entre os eletrodos de 5 metros. A máxima profundidade de investigação
foi de 40 metros. A aplicação do GPR a estudos hidrogeológicos apresenta bons resultados na
identificação de zonas de fraturamento. As seções de GPR foram efetuadas a cada 5 metros de
distância, com o objetivo de localizar as principais zonas de cisalhamento, bem como toda a
estruturação da cobertura geológica. Estes perfis foram analisados em 2D, e interpolados com o
objetivo de obter um volume tridimensional da área.
10
Figura 1.4 - Esquema do Sistema Piloto de Recarga Artificial com poço de monitoramento para solos rasos.
Figura 1.5 - Esquema do Sistema Piloto de Recarga Artificial com poço de monitoramento para solos
profundos ou área de acumulação de aluviões arenosos.
11
Uma das áreas selecionadas para fazer a geofísica foi no campus da Universidade Federal
do Vale do São Francisco (UNIVASF). Nessa área, foram obtidas 10 seções de
eletrorresistividade, cada uma com 145 metros de comprimento, espaçadas a cada 5 metros. Os
caminhamentos elétricos foram executados com os arranjos dipolo-dipolo (DD) e Wenner
Schlumberger (WS). Na aquisição de dados foi usado um sistema elétrico multieletródico
(Syscal PRO), com 30 eletrodos. Os dados foram adquiridos paralelos e equi-espaçados, sendo
posteriormente concatenados como dados 3D (Quase-3D). O conjunto de dados do arranjo DD
correspondeu a um bloco com 2678 pontos de investigação, ao passo que no arranjo WS foram
investigados 1542 pontos. A inversão dos dados de elétrica Quase-3D foi realizada no software
Res3dinv até a quinta iteração. Os erros RMS foram de 18% (DD) e 7,5% (WS). Nas aquisições
de GPR na UNIVASF foi utilizado o sistema SIR3000 acoplado a uma antena blindada de 200
MHz. Os dados foram processados no Módulo 2D do software REFLEXW® versão 5.5, e o
principal objetivo do processamento foi realçar as camadas de solo. Durante o processamento foi
determinada a chegada da primeira onda (ajuste do tempo zero); aplicação de ganho do tipo
decaimento de energia, filtragens 1D e 2D, e migração de difrações (diffraction stack). A
velocidade do meio foi obtida através de ajuste hiperbólico de pequenas difrações encontradas
nos perfis de GPR (0,11 m/ns) (PÁDUA et al., 2013).
Os dados obtidos com a geofísica foram apresentados no 13° Congresso Internacional da
Sociedade Brasileira de Geofísica em 2013 (PÁDUA et al., 2013).
Dos 3 locais selecionados com a geofísica e o sensoreamento remoto, em 2 áreas durante
a perfuração dos poços não foram encontradas vazões suficientes para a pesquisa. Dessa forma,
foram feitos acordos para a utilização de 2 poços particulares que haviam sido recentemente
perfurados. Um na área da empresa RKF Mudas que trabalha com a produção de mudas de uva e
outro na fazenda do Sr. Jair que possui criação de animais e pequena área de plantação. O poço
que obteve sucesso na perfuração está localizado próximo a Escola Municipal Dr. José Araújo de
Souza no quilômetro 90 da BR-407. A Tabela 1.1 e a Figuras 1.6 apresentam a localização dos
Sistemas Piloto de Recarga Artificial com suas devidas denominações. Essas denominações
serão utilizadas no decorrer da dissertação.
Devido a problemas financeiros relacionados ao Projeto RECARFRAT não foi possível à
construção dos sistemas em tempo hábil para que os testes fossem realizados de maneira natural
com a água da chuva. Dessa forma, os sistemas foram testados durante trabalhos de campo
realizados em Dez/2014 e Mar/2015 com o uso de água proveniente de caminhões pipa,
abastecidos com água do Rio São Francisco e do canal de irrigação. Durante os testes foram
monitorados o volume de água injetado e o tempo de infiltração, além de serem coletadas
amostras para determinação de condutividade elétrica, pH, Eh e isótopos estáveis (D e O), tanto
das águas dos aquíferos, quanto das águas utilizadas na recarga.
12
Figura 1.6 - Mapa de localização dos Sistemas Piloto de Recarga Artificial.
As Figuras 1.7 e 1.8 mostram os perfis construtivos dos poços de monitoramento dos
sistemas piloto da Escola Municipal e da Fazenda do Jair, respectivamente. Infelizmente não foi
possível obter informações sobre o perfil construtivo do poço de monitoramento do Sistema
Piloto da RKF mudas, pois o poço já estava pronto quando foi feito o acordo para sua utilização
sendo que não foi possível acompanhar a perfuração do mesmo. E a Figura 1.9 mostra
fotografias dos 3 sítios retiradas durante os trabalho de campo.
13
Figura 1.7 – Perfil construtivo do poço de monitoramento do Sistema Piloto da Escola Municipal. O poço
possui 36 metros de profundidade e apresentou uma vazão aproximada de 4.360,7 L/h.
14
Figura 1.8 - Perfil construtivo do poço de monitoramento do Sistema Piloto da Fazenda do Jair. O poço
possui 72 metros de profundidade e apresentou uma vazão aproximada de 4.551,2 L/h.
15
Sistema Piloto da Fazenda do Jair
16
Estudos Isotópicos
No presente estudo foram utilizados os traçadores isotópicos naturais: Oxigênio (18O e
16
O), Hidrogênio (H e D) e a razão 87Sr/ 86Sr. Enquanto que as variações isotópicas de oxigênio e
hidrogênio são afetadas por processos físicos que modificam a razão isotópica desses elementos
(ex. temperatura, difusão, condensação), as razões isotópicas de estrôncio permanecem
inalteradas frente a esses processos.
Foram realizadas análises isotópicas de O e H em poços distribuídos pelo município e
com diferentes quantidades de sólidos totais dissolvidos para caracterização regional da área e
para estudo da origem das águas subterrâneas.
As análises isotópicas também foram utilizadas para estudo da mistura na recarga
artificial. Uma quantidade significativa de água (do Rio São Francisco e do canal de irrigação)
com composição isotópica de O e H conhecidos foi colocada nos Sistemas Piloto de Recarga
Artificial. A mistura com as águas subterrâneas gera alterações no seu sinal isotópico (também
previamente conhecidas). Nesse caso, foi privilegiado águas com composições isotópicas
significativamente diferentes da água infiltrada naturalmente, possibilitando assim um maior
contraste isotópico com a água subterrânea local.
De maneira complementar, foi realizada a análise isotópica de D e O em vários pontos de
um canal de irrigação que tem uma extremidade próxima ao povoado de Uruás e captação no Rio
São Francisco. O objetivo é estudar o comportamento da evaporação nas águas superficiais do
município, pois esse processo atua de maneira direta nas águas de recarga dos aquíferos.
As análises isotópicas de oxigênio e hidrogênio foram realizadas no Laboratório de
Geocronologia da Universidade de Brasília, sendo que as de δD e δ18O em água foram aferidas
no aparelho da marca PICARRO modelo L2120-i δD e δ18O Analyzer (adquirido pelo Projeto
RECARFRAT) que utiliza o método de medição de espectrometria de massa com separação a
laser.
As análises da razão 87Sr/ 86Sr foram utilizadas para analisar a interação água-rocha,
tempo de residência da água subterrânea, recarga e o fluxo. Foram realizadas no Laboratório de
Geocronologia da Universidade de Brasília, em água e em rocha, no espectrômetro TIMS
(espectrômetro de massa por ionização térmica) do modelo Triton Plus.
Datações com auxílio do método carbono 14 e trítio também foram realizadas em
amostras de águas com diferentes quantidades de sólidos totais dissolvidos para estudo da
origem e tempo de residência das águas subterrâneas.
17
CAPÍTULO 2
2.1 Hidrografia
O conceito de Região Hidrográfica foi implementado em 2003 através da Resolução n°
32/2003 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Segundo este documento, Região
Hidrográfica (RH) é: “o espaço territorial brasileiro compreendido por uma bacia, grupo de
bacias, ou subbacias hidrográficas contíguas com características naturais, sociais e econômicas
homogêneas ou similares, com vista a orientar o planejamento e o gerenciamento dos recursos
hídricos” (ANA, 2015b).
A Região Hidrográfica do São Francisco possui aproximadamente 638.466 Km² de área,
o correspondente a aproximadamente 7,5% do território brasileiro (Figura 2.1). Esta inserida em
estados das regiões sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil, sendo eles: Bahia, Minas Gerais,
Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal. O Rio São Francisco nasce em Minas
Gerais e percorre cerca de 2.800 Km até a chegada ao Oceano Atlântico entre Alagoas e Sergipe.
Nesse percurso foi dividido em quatro unidades hidrográficas: Alto São Francisco, Médio São
Francisco, Sub-médio São Francisco e Baixo São Francisco (Tabela 2.1). Os principais rios da
região são: São Francisco, das Velhas, Grande, Verde Grande, Paracatu, Urucuia, Paramirim,
Pajeú, Preto e Jacaré. A densidade populacional média na Região Hidrográfica é de 22,4
hab./Km², correspondente a média brasileira (ANA, 2015b).
Aproximadamente 58% da área da RH São Francisco esta localizada na região do
semiárido brasileiro. Sendo que nessa porção somente três municípios tem população superior a
100.000 habitantes, são eles: Petrolina-PE, Arapiraca-AL e Juazeiro-BA. Segundo dados do
Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a precipitação anual nessa área é de 1.003 mm,
muito inferior à média nacional que é de 1.761 mm. A questão da escassez de recursos hídricos
se acentua na porção correspondente ao semiárido nordestino, onde o Rio São Francisco e seus
afluentes exercem papel fundamental no abastecimento de água (ANA, 2015b).
A demanda hídrica da Região Hidrográfica do São Francisco é predominantemente
representada pela irrigação (77%), seguido da demanda urbana (11%), industrial (7%), animal
(4%) e rural (1%). Estima-se uma área total irrigada de 626.000 hectares (ano base 2012), onde
podem se destacar os polos de Juazeiro-Petrolina (fruticultura), Barreiras (soja) e bacia do Rio
Preto/Paracatu (Figura 2.2) (ANA, 2015b).
O município de Petrolina está localizado na unidade hidrográfica Sub-médio São
Francisco na porção correspondente ao semiárido nordestino. Juntamente com Juazeiro forma
um dos principais aglomerados urbanos da Região Hidrográfica do São Francisco.
18
Figura 2.1 - Região Hidrográfica do São Francisco com as principais cidades representadas
(Adaptado de ANA, 2015b).
Tabela 2.1 - Caracterização das Unidades Hidrográficas da RH São Francisco. Em destaque a unidade na
qual o município de Petrolina está localizado (Adaptado de IBGE, 2010 Input ANA, 2015b).
Número de
Unidade População População População
Área (ha) Sedes
Hidrográfica Urbana Rural Total
Municipais
Alto São
100.085 151 6.706.784 368.803 7.075.587
Francisco
Médio São
402.491 156 2.189.862 1.349.447 3.539.309
Francisco
Sub-médio
110.473 73 1.340.371 893.532 2.233.903
São Francisco
Baixo São
25.417 72 775.351 665.803 1.441.154
Francisco
RH São
638.466 452 11.012.368 3.277.585 14.289.953
Francisco
19
Figura 2.2 - Principais polos de irrigação da Região Hidrográfica do São Francisco juntamente com
estimativas de áreas irrigadas por microbacia (ha). A direita um gráfico representando as demandas hídricas
presentes na RH (Adaptado de ANA, 2015b).
2.2 Geomorfologia
O município de Petrolina está localizado na unidade de paisagem Depressão Sertaneja
que se localiza em torno do Planalto Sertanejo. As características desta unidade estão
relacionadas com as rochas cristalinas e sedimentares que ocorrem na região.
As depressões são esculpidas por processos denudacionais, ou circundenudacionais, ao
longo do Terciário e Quaternário, por meio da alternância de fases erosivas em climas secos e
úmidos. São superfícies rebaixadas e aplainadas e constituem superfícies de erosão ou de
aplainamento do relevo que variam de colinas baixas e médias até relevos de topos planos ou
formato levemente convexo. É comum a presença de inselbergs que são morros elevados
caracterizados como relevos residuais que estão associados à litologias mais resistentes aos
processos erosivos como rochas metamórficas e ígneas intrusivas (STORANI & PEREZ FILHO,
2008).
A Depressão Sertaneja foi dividida em 11 unidades geoambientais, sendo que 10 ocorrem
em Petrolina e estão expressas na Figura 2.3 (SILVA & FERREIRA, 2003). As unidades
geoambientais estão descritas na Tabela 2.2.
20
Figura 2.3 - Mapa de geomorfologia de Petrolina (SILVA & FERREIRA, 2003).
Tabela 2.2 - Tabela de descrição das unidades geoambientais presentes no município de Petrolina-PE
(SILVA & FERREIRA, 2003).
Unidade Área do
Ocorrência Relevo Solos
Geoambiental município
Latossolos (amarelo e
Chapada pouco vermelhos) e
1 Topos planos das chapadas baixas 33%
dissecadas podzólicos (amarelo e
vermelho-amarelo)
Superfícies
2 Várzeas e terraços Ao longo das calhas dos rios Solos aluviais 4%
aplainadas
Chapadas baixas Suave ondulado Podzólicos (amarelo e
3 17%
dissecadas a ondulado vermelho-amarelo)
4 Pediplanos arenosos Superfícies claras Regossolos arenosos <1%
Superfícies Plano a Podzólicos vermelho-
5 Áreas de intenso retrabalhamento 33%
retrabalhadas ondulado amarelo
Pediplanos
Vertissolos, cambissolo
avermelhados de Plano a suave
6 e podzólicos vermelho- 0,5%
textura média e ondulado
escuro
argiloso
Pediplanos com
7 problemas de sais e Acompanha rios e riachos Plano abaciado Planossolo solódicos 7%
drenagem
Sedimentos em forma de colina
Dunas do São
8 ou elevações de areias trabalhadas Areias quartzosas <0,5%
Francisco
pela ação do vento
Elevações em forma de serra e
9 Serras e serrotes serrotes comumente apresentando Ondulado Litólicos 1%
e expondo afloramentos de rocha
Depósito de material arenoso que
Superfícies arenosas do preenche uma grande fossa. Plano a suave
10 Areias quartzosas 3%
São Francisco Superfície aplainada em forma de ondulado
chapadas com vales abertos
21
É comumente observada no relevo de Petrolina-PE a presença de vales escavados por rios
intermitentes. Resumidamente, pode-se caracterizar o relevo do município como suave ondulado
com a presença de inselbergs que se destacam no relevo.
2.3 Clima
O município de Petrolina apresenta clima tropical semiárido, caracterizado por altas
temperaturas e irregularidade de chuvas. O fenômeno da seca, que acomete o nordeste brasileiro
a anos, é caracterizado não pela falta absoluta de água, mas sim pela má distribuição das chuvas
no tempo e no espaço. O semiárido nordestino é a única região semiárida do planeta localizada
na zona equatorial da terra (entre os paralelos 11°43’19” de latitude norte e sul), o que o torna
uma anomalia do ponto de vista da climatologia (BOTELHO, 2000).
A precipitação é o elemento meteorológico de maior variabilidade espacial e temporal, o
que contribui para a escassez de recursos hídricos na região (EMBRAPA, 2001). O município
permanece de 7 a 8 meses do ano sem chuvas, que se concentram de novembro a abril (Tabela
2.3) (INMET, 2016). Sendo que o mês de março é o mais chuvoso (com totais médios de chuva
de 136,2 mm) e agosto o menos chuvoso do município (com totais médios de chuva de 4,8 mm).
A umidade relativa do ar acompanha o regime de chuvas da região. Sendo que os meses mais
úmidos do ano ocorrem de novembro a abril. Abril (umidade varia de 66 a 71,5%), que
corresponde ao fim do período chuvoso, e é o mês mais úmido. O período mais seco do ano
acontece de setembro a outubro (umidade abaixo de 55%) e o mês mais seco é outubro, que
corresponde ao fim do período seco (EMBRAPA, 2001).
Média 285,1 259,2 188,5 82,6 28 14,4 9,3 17,1 63,1 129,6 201,7 240,4
Limite Inferior
231,1 208,3 120 46,7 6,4 6,1 3,2 3,7 40 76,6 150 165,5
da Faixa Normal
As temperaturas são elevadas durante todo o ano com média de 26°C (SILVA &
OLIVEIRA, 2012). Dados históricos de estações meteorológicas localizadas em Petrolina e
Juazeiro mostram que o mês de julho é o mais frio do ano e novembro é o mais quente.
Devido a tais características a evapotranspiração é elevada durante todo o ano. Os valores
oscilam de 1.200 mm a 1.500 mm anuais. Em Silva & Oliveira (2012), é apresentado o
comportamento do total anual de evapotranspiração potencial calculada pelo método de
Thornthwaite & Mather de 1957 para o estado de Pernambuco. O resultado expressa a
quantidade potencial de energia do ambiente (Figura 2.4) (SILVA & OLIVEIRA, 2012). É
possível observar que os maiores valores são encontrados próximo ao litoral e no limite sudoeste
do estado, onde se localiza o município de Petrolina.
22
Figura 2.4 - Evapotranspiração do estado de Pernambuco em mm
(Adaptado de SILVA & OLIVEIRA, 2012).
2.4 Vegetação
A vegetação do município de Petrolina é a caatinga, típica do sertão brasileiro.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente a caatinga é rica em biodiversidade e abriga 178
espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 de anfíbios e 241 de peixes. Possui
imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção.
Esta ampara diversas atividades econômicas e se bem explorada pode contribuir para o
desenvolvimento da região semiárida e do país. Apesar de sua importância estima-se que 46% da
área do bioma no Brasil estejam desmatadas (MMA, 2016).
2.5 Geologia
O município de Petrolina está localizado na
transição entre o Cráton São Francisco e a Província
Borborema. A parte sul de seu território expõe
rochas do referido cráton e a porção norte já
apresenta exposições da Província Borborema
representada na área pela Faixa Móvel Riacho do
Pontal.
A área do Cráton São Francisco corresponde
do ponto de vista geográfico político aos estados de
23
Figura 2.6 - Geologia regional do Cráton São Francisco. Ao norte em verde a localização aproximada do
município de Petrolina-PE (Modificado de ALKMIM, 2004).
24
Petrolina se localiza no limite do Cráton São Francisco com a Faixa Riacho do Pontal de forma
que elementos de ambos estão aflorando em sua área.
A Faixa Móvel Riacho do Pontal ocorre a norte do Cráton São Francisco, e pertence à
Província Borborema. A Província Borborema, ou Sistema Orogênico Borborema, abrange
grande parte do nordeste brasileiro e é definida por HASUI (2012) como um mosaico de porções
de embasamento, micros continentes e faixas orogênicas do arqueano ao neoproterozoico
separadas por zonas de cisalhamento transcorrentes e de empurrão. A Província é dividida pelo
mesmo autor em compartimentos distintos que são separados de maneira regional pelas zonas de
cisalhamento Patos e Pernambuco (Figura 2.7). O autor ressalta que tal compartimentação não
tem significado geotectônico ou evolutivo, mas simplesmente geométrico (HASUI, 2012).
Figura 2.7 - Visão regional da Província Borborema com a compartimentação feita por HASUI (2012). Em
preto estão as zonas de cisalhamento Pernambuco e Patos que separam a Província em 3 setores e as linhas
azuis representam as zonas de cisalhamento que separam os setores em domínios. Os nomes dos domínios
estão em azul e vermelho. E o nome das zonas de cisalhamento em verde. O quadrado laranja representa a
localização aproximada do município de Petrolina (Adaptado de HASUI, 2012).
26
Figura 2.8 - Mapa geológico simplificado da Faixa Riacho do Pontal. O quadrado verde mostra a localização
aproximada do município de Petrolina-PE (Adaptado de UHLEIN et al, 2011).
27
Figura 2.9 - Litotipos da Faixa Riacho do Pontal. A - Metagrauvaca e metapelito da Formação Mandacaru; B
- Mica xisto da Formação Barra Bonita, com estrutura S/C, devido à deformação tangencial (D1), próximo ao
contato com o embasamento, no povoado de Pau Ferro, ao sul de Rajada. C - Suíte Rajada: granitoide
foliado, sintectônico, na barragem do açude de Rajada. D - Gnaisse bandado, pertencente ao Embasamento,
que aflora como escama tectônica na região de Afrânio (Complexo Morro do Estreito) (UHLEIN et al, 2011).
28
Figura 2.10 - Mapa geológico do município de Petrolina-PE segundo Beltrão et al. (2005).
29
Do ponto de vista estrutural, a área apresenta falhas, fraturas, zonas de cisalhamento
contracionais e transcorrentes e diques. As principais falhas/zonas de cisalhamento contracionais
separam blocos distintos. O bloco mais antigo, soerguido por tais falhas, é representado
predominantemente por rochas do Completo Gnáissico-migmatítico Sobradinho/Remanso e é
datado do Paleoarqueano ao Paleoproterozoico. Já o bloco mais novo é representado por rochas
da Formação Mandacaru, Grupo Casa Nova e Suíte Intrusiva Metaluminosa a Peraluminosa
Rajada, ambas datadas do Neoproterozoico. Na porção norte do município as falhas/zonas de
cisalhamento contracionais tem direção preferencial NE-SW. Na porção leste da área do
município ocorrem falhas/zonas de cisalhamento transcorrentes dextrais. As falhas e fraturas
encobertas possuem direção preferencial NE-SW e N-S (BELTRÃO et al., 2005).
O arcabouço estrutural na porção norte do Aulacógeno do Paramirim, que corresponde à
porção sul do município, é descrito por Alkmim (2004). O mesmo explana que as estruturas
dominantes são parcialmente obliteradas por um sistema de falhas de empurrão de orientação
preferencial EW e vergência para sul. Esse sistema avança de forma epidérmica em direção ao
sul até quase a metade da área do Aulacógeno.
Uhlein et al. (2011) descreve a geologia estrutural da Faixa Riacho do Pontal. A mesma
apresenta deformação complexa com o desenvolvimento de nappes em sua porção externa e
transcorrências em sua porção interna. Sua evolução estrutural pode ser dividida em 2 fases
sendo D1 de tectônica tangencial e D2 de tectônica transcorrente. A fase D1 originou nas rochas
do Grupo Casa Nova, uma xistosidade milonítica proeminente (S1) e uma lineação de
estiramento orientada 320 a 350 de azimute. O transporte tectônico nessa fase é para sul-sudeste
em direção ao Cráton São Francisco evidenciado por dobras assimétricas apertadas a isoclinais,
dobras em bainha e estruturas SC. A idade aproximada para a fase D1 é 555 Ma e o
metamorfismo varia de fácies xisto verde ao sul até anfibolito ao norte o que é coerente com
empilhamento de nappes de norte para sul. A fase D2, por sua vez, possui tectônica transcorrente
e gerou feições importantes como a Zona de Cisalhamento Pernambuco. Além dela também
foram geradas foliação milonítica subvertical e lineação de estiramento sub-horizontal além de
zonas de cisalhamento transcorrentes subordinadas (UHLEIN et al., 2011).
O município de Petrolina se localiza na zona externa da Faixa Riacho do Pontal onde se
destaca um fold-and-thrust belt com predomínio de rampas frontais de baixo ângulo, nappes e
rampas laterais envolvendo as Formações Barra Bonita e Mandacaru. A leste de Petrolina pode-
se encontrar a klippe de Barra Bonita, que é uma porção alóctone do Grupo Casa Nova (Figura
2.11) (UHLEIN et al., 2011).
Durante os trabalhos de campo realizados no Projeto RECARFRAT foram medidas
fraturas em uma pedreira abandonada localizada as margens da BR-407 próximo à sede do
município de Petrolina. Com os referidos dados, rosetas de 360° e 180° foram elaboradas (Figura
2.12). Nestas rosetas é possível observar a presença de fraturas na direção NE-SW, como
representado no mapa de Beltrão et al. (2005), porém a direção predominante é NW-SE.
Presença de biotita foi observada nas fraturas NW-SE e NE-SW.
Os solos do município de Petrolina são em geral pouco evoluídos e espessos. Nas
proximidades de rios intermitentes é observado pacote de aluvião mais espesso. Foi observada,
em campo, a presença de uma camada de cascalho predominantemente quartzosa localizada
entre o solo e as rochas. Tais blocos foram utilizados para preencher as trincheiras de recarga dos
sistemas de recarga artificial. Em afloramentos localizados na pedreira abandonada, é evidente
que os solos se tornam mais espessos sobre os planos e intersecções de fraturas.
30
Figura 2.11 - Seção geológica simplificada da Faixa Riacho do Pontal e da porção norte do Cráton São
Francisco com indicação das zonas interna e externa (UHLEIN et al., 2011).
Figura 2.12 - Roseta de fraturas de pedreira localizada as margens da BR-407 no município de Petrolina-PE.
31
Afloramento de gnaisse próximo a poço
Afloramento de mármore bandado associado a Afloramento de xisto provavelmente
tubular denominado na presente tese de 113
solos avermelhados provavelmente pertencente pertencente a Formação Mandacaru ou Barra
provavelmente pertencente ao Bloco Gavião do
a Formação Barra Bonita do Grupo Casa Nova. Bonita do Grupo Casa Nova.
Cráton São Francisco.
33
O fluxo restrito de água nos aquíferos fraturados faz com que as águas subterrâneas
permaneçam longos períodos de tempo em contato com as rochas nas fraturas. Isso permite que
o processo de interação água-rocha possa atuar por um tempo prolongado.
As condutividades elétricas das águas subterrâneas são variadas sendo que nos aquíferos
presentes nos sedimentos inconsolidados dos depósitos aluvionares elas são menores (< 500
µS/cm) e nos aquíferos fraturados encontram-se os maiores e mais preocupantes valores (a
maioria > 1.000 µS/cm).
34
Próximo ao município de Petrolina também está localizada a Usina Hidrelétrica de
Sobradinho. O aproveitamento hidrelétrico do Rio São Francisco constitui a base para o
suprimento de energia da região nordeste. A Usina Hidrelétrica de Sobradinho (UHE
Sobradinho) foi inaugurada em 1979 e é operada pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(CHESF). Se localiza a 35 Km, em linha reta, a jusante do Rio São Francisco da sede do
município de Petrolina. Ela possui um potencial outorgado de 1.050 MW (ANA, 2015b).
A Barragem de Sobradinho tem capacidade de armazenamento de 34,1 bilhões de litros
de água, sendo que é o maior reservatório hidrelétrico da bacia do Rio São Francisco e um dos
maiores do Brasil. Devido ao seu tamanho considerável desempenha um importante papel na
região nordeste, não só para fins de geração de energia elétrica, mas também pode contribuir
para fins de abastecimento; regularidade da navegação; irrigação, através de canais de irrigação;
e lazer. A eclusa existente na Barragem de Sobradinho garante a manutenção de um trecho
navegável importante que liga Pirapora (MG) aos portos fluviais de Juazeiro (BA) e Petrolina
(PE) (ANA, 2015b).
O reservatório de água se estende do município de Barra a Juazeiro, ambos localizados no
estado da Bahia, possui um espelho d’água de 4.214 Km². Durante o ano sofre grande variação
de nível d´água devido a forte estiagem existente na região, sendo que o espelho d’água chega a
diminuir 70% no pico da seca (MOURA-JUNIOR et al., 2011).
O município de Petrolina encontra-se em pleno desenvolvimento econômico e social e
vem ganhando importante notoriedade no cenário estadual, regional e nacional.
35
CAPÍTULO 3
REFERENCIAL TEÓRICO
36
GOLDSHMID, 1974; STAMOS et al., 2013; PICOT-COLBEAUX et al., 2013;
CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Restaurar aquíferos com superexplotação prolongando sua vida útil (BROWN & KEYS,
1985; STAMOS et al., 2013; BHATTACHARYA, 2010; PICOT-COLBEAUX et al.,
2013; CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Garantir o abastecimento em períodos de estiagem (GOLDSHMID, 1974; PICOT-
COLBEAUX et al., 2013; CUSTODIO & VILARÓ, 1983; FETTER, 2001);
Armazenamento de água local ou importada e servir como reservatório regulador do
aquífero (GOLDSHMID, 1974; CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Utilizar o aquífero como conduto de distribuição de água quando já existe uma rede de
poços apropriada (GOLDSHMID, 1974; CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Melhorar a qualidade da água do aquífero (STAMOS et al., 2013; PICOT-COLBEAUX
et al., 2013; CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Descarte de águas residuais (CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Promover o tratamento de efluentes (BARBOSA & MATTOS, 2008);
Diluir águas do aquífero controlando sua salinidade (CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Reverter quadros de intrusão salina e contaminação criando barreiras hidráulicas
apropriadas (ABERBACH, 1967; CUSTODIO & VILARÓ, 1983);
Controlar a subsidência do solo por excesso de bombeamento (CUSTODIO & VILARÓ,
1983);
Mistura de águas de diferentes qualidades e renovação da água subterrânea (STAMOS et
al., 2013; CUSTODIO & VILARÓ, 1983) e;
Armazenar água de rios durante períodos de enchentes extremas e controle de enchentes
(BARBOSA & MATTOS, 2008).
Figura 3.1 - Esquema simplificado das respostas esperadas no nível freático com a recarga artificial por
bacias de recarga (a) e por poços de injeção (b) (Adaptado de CUSTODIO & VILARÓ, 1983).
38
Figura 3.2 - Comportamento simplificado do nível freático em 2 contextos hidrogeológicos simples relativo a
recarga artificial em bacia de infiltração circular de raio a. Onde R é a recarga, h 0 é o nível freático inicial, h
é o nível freático máximo após a recarga, K é a condutividade hidráulica e Sy é a vazão específica do aquífero
livre aflorante. Esse modelo é restrito para aquíferos homogêneos, isotrópicos, onde R<<K e para uma taxa
de recarga constante no tempo e no espaço. (a) Representa a elevação do nível freático em aquífero livre
horizontal em contato na base com formação impermeável. (b) Representa a recarga artificial em camada
pouco permeável aflorante em contato na base com camada permeável
(Adaptado de FREEZE & CHERRY, 1979).
Figura 3.3 - Síntese de métodos comumente utilizados para recarga artificial de aquíferos. Os mesmos serão
descritos logo em seguida (Adaptado de FEITOSA et al., 2008).
39
Abaixo serão descritos de maneira simplificada alguns métodos de recarga artificial
comumente utilizado.
Figura 3.4 - Processo de funcionamento de barreira de infiltração. Um método de recarga artificial que
consiste no bombeamento próximo a rios.
40
REPRESAS PERENES - Armazenamento de grande quantidade de água em áreas escavadas
com grandes profundidades. Podem ser utilizadas como fonte direta de água ou como
contribuições para a recarga de aquíferos (BARBOSA & MATTOS, 2008).
VALAS E SULCOS (ou canais) - São bacias de infiltração longas e estreitas, sendo que sua
largura é inferior a sua profundidade. Podem ser projetadas para se adaptar a topografia e a
condições geológicas específicas (BARBOSA & MATTOS, 2008).
MODIFICAÇÕES EM LEITOS DE RIOS - São construídas barreiras no leito dos rios de forma
a retardar o escoamento da água aumentando assim a infiltração. O material utilizado pode ser os
sedimentos aluvionares do próprio rio (BARBOSA & MATTOS, 2008).
41
POÇOS DE UNIÃO OU POÇOS CONJUNTIVOS (conjuctive well) - Os poços de união são
baseados no princípio de que quando a água subterrânea é bombeada de um aquífero confinado
profundo e sua superfície potenciométrica é rebaixada a um nível abaixo do lençol freático do
aquífero livre sobrejacente, a água do aquífero livre é drenada para dentro do poço e flui para o
aquífero confinado profundo (Figura 3.5). A água utilizada para recarga é a água do próprio
aquífero o que diminui o risco de contaminação e colmatação nos filtros.
42
Dependendo da densidade e da interconectividade das fraturas a capacidade de
armazenamento pode ser limitada e a dispersão por longas distâncias pode ocorrer;
A recuperação em caso de contaminação é difícil. Por isso, o cuidado com a escolha
adequada do local de implantação da recarga e com a qualidade da água injetada
deve ser redobrado;
As fraturas correm risco de sofrerem acomodação devido à recarga.
Um aspecto que deve ser levado em conta antes e durante a realização da recarga
artificial é o entupimento dos filtros dos poços de injeção e das fraturas ou a diminuição da
permeabilidade nos métodos de infiltração superficiais (clogging). Em geral a presença de
material em suspensão pode afetar a capacidade de infiltração entupindo os filtros de poços de
recarga e as fraturas ou diminuindo a permeabilidade na base e nas paredes das escavações dos
métodos superficiais. Custodio & Vilaró (1983) citam que em geral até 100 mg/L de sólidos em
suspensão é admissível para sistemas de recarga artificial por trincheiras. A penetração de
sedimentos e a consequente diminuição da taxa de infiltração da recarga no aquífero dependem
da granulometria das rochas e dos solos, da granulometria dos sedimentos em suspensão, da
velocidade de infiltração e das condições da recarga se com fluxo (rios e córregos) ou sem fluxo
(trincheiras e tanques de recarga).
O entupimento dos filtros e das fraturas pode ocorre devido a: presença de sedimentos
finos, material orgânico, desenvolvimento de colônias de bactérias, formação de precipitados
devido a interação da água de recarga com a água do aquífero, precipitação de ferro devido a
diferenças de pH e Eh entre a água de recarga e as condições iniciais do aquífero e compactação
mecânica do aquífero devido a alta pressão da injeção de água (FETTER, 2001).
A presença de microrganismos deve ser verificada para não haver contaminação das
águas do aquífero e evitar o entupimento biológico das bacias de recarga por desenvolvimento de
colônias de algas. Custodio & Vilaró (1983) relatam que em geral o limite é de 10 mg/L de algas
e 100.000 colônias bacterianas por cm³ na água de recarga. Em alguns casos é necessário
tratamento prévio das águas que serão infiltradas.
A qualidade da água utilizada na recarga é um tópico de extrema importância para o
sucesso do sistema. Esta depende das características hidrogeológicas e dos objetivos específicos
do procedimento. O processo de infiltração da água de recarga na zona vadosa, geralmente
representada pelos solos nos aquíferos fraturados, já ocasiona uma filtração e a mudança de
parâmetros químicos e físicos de maneira que a água que chega à zona saturada, e efetivamente é
misturada com a água do aquífero, possui características distintas da água injetada na superfície.
A capacidade de tratamento do terreno é limitada e depende das características do meio, da
qualidade inicial da água injetada, do oxigênio disponível e do tempo de residência. É preciso
43
estar atento ao comportamento de certos contaminantes e a precipitação de sais que diminuem a
permeabilidade na superfície de recarga (CUSTODIO & VILARÓ, 1983).
A interação química das águas de recarga com as águas do aquífero pode gerar mudanças
no pH e Eh do meio causando precipitação de sais como carbonato de cálcio, óxido e hidróxido
de ferro e manganês, além de sulfatos e outros sais. Os sais podem preencher as fraturas
diminuindo o espaço para o fluxo de água. O controle periódico da qualidade das águas do
aquífero e da água da recarga é imprescindível para evitar transtornos futuros. Custodio & Vilaró
(1983) e Banton & Klisch (2007) apresentam tabelas com a simulação das mudanças sofrida pela
água no processo de infiltração em aquífero intergranular e fraturada, respectivamente (Figura
3.6). Os primeiros autores recomendam que a água utilizada para recarga não supere certos
limites para parâmetros químicos, tenha um gosto e odor toleráveis, baixo DQO, e não contenha
impurezas industriais não degradáveis (CUSTODIO & VILARÓ, 1983).
Figura 3.6 - Exemplos de alterações nos parâmetros físico e químicos das águas subterrâneas sofridos
durante o processo de recarga artificial. À esquerda em aquífero poroso (Adaptado de CUSTODIO &
VILARÓ, 1983) e a direita em aquífero fraturado (BANTON & KLISCH, 2007).
45
Alguns conceitos hidrogeológicos são relevantes no controle e monitoramento durante a
recarga artificial.
Zona de espalhamento (spreading zone) é a região da zona vadosa onde há a propagação
da água durante a recarga. A relação entre a condutividade hidráulica vertical e horizontal no
aquífero interfere de maneira direta na zona de espalhamento. A possibilidade de fuga horizontal
da água da recarga deve ser levada em conta. A criação de uma elevação local do nível freático
próximo à zona de infiltração depende da zona de espalhamento (POEHLS & SMITH, 2009).
Capacidade de infiltração é o volume de água infiltrado por m² e por tempo. Sua unidade
é m³/m²/s ou (m/s). Também é chamada de velocidade de infiltração. A capacidade de infiltração
é função da permeabilidade do terreno no sentido do fluxo e do gradiente hidráulico. Como tais
parâmetros variam ao longo do processo de recarga, a capacidade de infiltração também varia
(Figuras 3.7 e 3.8).
46
Figura 3.8 - Variação da capacidade de infiltração durante o processo de recarga artificial (tempo)
(Adaptado de CUSTODIO & VILARÓ, 1983).
47
3.2 Isótopos
Uma das grandes contribuições da ciência moderna para os estudos hidrológicos e
hidrogeológicos esta sendo o desenvolvimento das técnicas nucleares aplicadas para estudo dos
isótopos ambientais (SANTIAGO et al., 2008).
O uso de isótopos em estudos ambientais é muito difundido a nível mundial podendo ser
considerado, nos dias de hoje, uma ferramenta tradicional no meio técnico hidrogeológico.
Porém, os mesmos não têm sido utilizados de forma substancial no Brasil, havendo ainda certo
desconhecimento no meio técnico especializado de suas peculiaridades e mesmo de potenciais
situações em que estas técnicas poderiam ser úteis (SILVEIRA & SILVA JUNIOR, 2002).
A denominação isótopos ambientais se refere aos isótopos que tem ocorrência natural e
que acompanham os ciclos naturais do meio ambiente (ciclo hidrológico, entre outros). São
assim chamados por serem encontrados de forma generalizada no meio ambiente em quantidades
que permitem seu uso como traçadores ou marcadores cronológicos (SILVEIRA & SILVA
JUNIOR, 2002).
No Brasil, os estudos hidrogeológicos recentes com isótopos estão concentrados
principalmente nos aquíferos de São Paulo e do Nordeste. O uso dos isótopos restringe-se a
datação das águas, sendo poucos os estudos que utilizam os mesmos como traçadores de fluxo e
do comportamento da recarga da água subterrânea (SILVEIRA & SILVA JUNIOR, 2002).
Silveira & Silva Junior (2002) observam uma tendência a aumentar o uso das técnicas de
isótopos nos próximos anos no Brasil, tanto pela ampliação da base laboratorial disponível no
país; quanto pela maior facilidade no envio de amostras para laboratórios no exterior que estão
oferecendo preços e prazos frequentemente competitivos e vantajosos; e, principalmente, pelo
crescente interesse em estudos de isótopos ambientais.
Isótopos são espécies atômicas que possuem em seus núcleos o mesmo número de
prótons (Z) - portanto correspondem ao mesmo elemento químico - e diferentes números de
nêutrons (N). A massa atômica (A) corresponde à soma de seus prótons e nêutrons, sendo assim,
isótopos de um mesmo elemento tem diferentes valores de massa atômica. Como exemplo,
podemos utilizar os isótopos estáveis do carbono:
12
C – Possui 6 prótons e 6 nêutrons (A=12)
13
C – Possui 6 prótons e 7 nêutrons (A=13)
48
3.2.1 Isótopos Estáveis em Hidrogeologia
A evolução nos estudos e na utilização dos isótopos estáveis está intimamente ligada à
evolução da espectrometria de massa. A espectrometria de massa é um dos métodos analíticos
mais antigos. A comunidade científica passou a reconhecer a existência dos isótopos no campo
dos elementos estáveis a partir de 1920, após Francis William Aston apresentar seu
espectrógrafo de raios positivos que usava campos elétricos e magnéticos para separar íons de
diferentes massas e focá-los em relação à velocidade de cada íon. Entre 1927 e 1932 foram
descobertos os isótopos estáveis do enxofre (32S, 33S e 34S), seguido dos de carbono (13C),
oxigênio (18O e 17O), nitrogênio (15N) e hidrogênio (2H) (MARTINELLI et al., 2009).
Os isótopos estáveis passaram a ser utilizados como traçadores ambientais, na década de
1930, com o aprimoramento da espectrometria de massa por Alfred Neir e colaboradores
(MARTINELLI et al., 2009).
No final da década de 40 o aumento na precisão dos equipamentos de espectrometria de
massa permitiu que pesquisadores ligados a Universidade de Chicago desenvolvessem uma série
de estudos sobre a variabilidade natural do hidrogênio (Irving Friedman), carbono (Harmon
Craig), nitrogênio e oxigênio (Sam Epstein) (MARTINELLI et al., 2009).
A utilização dos isótopos ambientais em estudos hidrogeológicos se iniciou com os
trabalhos pioneiros de Urey et al. e Epstein & Mayeda na década de 50. Uma publicação clássica
nos estudos isotópicos de 1947, realizada por Urey, explica e quantifica os efeitos da variação
isotópica (fracionamento) em abundâncias naturais. E em 1961, Harmon Craig publica um artigo
que descreve os fatores de correções analíticas e padronização dos resultados. Nas décadas de
1960 e 1970, os espectrômetros de massa de razão isotópica (IRMS - Isotope Ratio Mass
Spectrometer) se desenvolveram e ocorreu um aumento na capacidade analítica das análises
(MARTINELLI et al., 2009; SILVEIRA & SILVA JUNIOR, 2002).
Nos dias atuais houve uma melhora significativa na precisão das análises e no sistema de
preparo e admissão das amostras, sendo que amostras líquidas, gasosas e sólidas podem ser
analisadas em fluxo contínuo (MARTINELLI et al., 2009).
No Brasil, os primeiros estudos com isótopos ambientais em águas datam do final da
década de 60 e tiveram como alvos principais o nordeste brasileiro, a Amazônia e posteriormente
a região sudeste (basicamente o Aquífero Botucatu). No nordeste os estudos foram motivados
pela seca e salinização das águas apoiados pela SUDENE (Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste) e inicialmente tinham como objetivos o conhecimento da origem
e dos mecanismos de recarga dos aquíferos, a causa da salinização, o tempo de trânsito e a
datação (SILVEIRA & SILVA JUNIOR, 2002).
No vale da estabilidade (zona onde os isótopos estáveis se localizam no gráfico Z x N), os
isótopos mais leves (N < 20) possuem relação linear entre o número de prótons e nêutrons. A
partir de N > 20 os mesmos tendem a ter um excesso de nêutrons. Outra curiosidade é que os
elementos que possuem número atômico (Z) par possuem maior número de isótopos do que os
que possuem Z ímpar (ALLÈGRE, 2008). Normalmente, para um mesmo elemento químico, os
isótopos com menor massa atômica (denominados isótopos leves) são mais abundantes que os
isótopos com maior valor de A (denominados isótopos pesados). A Tabela 3.1 mostra a
abundância média dos isótopos estáveis mais utilizados em estudos ambientais.
49
Tabela 3.1 - Isótopos estáveis dos principais elementos utilizados como traçadores ambientais e suas
respectivas abundâncias (Adaptado de MARTINELLI et al., 2009).
Elemento Isótopos Abundância média
12
C 98,89
Carbono 13
C 1,11
14
N 99,34
Nitrogênio 15
N 0,37
16
O 99,76
17
Oxigênio O 0,037
18
O 0,199
1
H 98,98
Hidrogênio 2
H (D) 0,02
32
S 95,00
33
S 0,76
Enxofre 34
S 4,22
36
S 0,01
84
Sr 0,56
86
Sr 9,86
Estrôncio 87
Sr 7,02
88
Sr 82,56
50
No fracionamento isotópico de equilíbrio, α representa a constante de equilíbrio da uma
reação e geralmente possui valor próximo da unidade, por conta disso definiu-se o Fator de
Enriquecimento Isotópico (ε) ou Discriminação Isotópica (Δ) que é representado por
(MARTINELLI et al., 2009):
𝛿𝐴 − 𝛿𝐵
𝛥 = (𝛼 − 1) ou 𝛥=𝛿 (Eq. 3.03)
𝐵 +1.000
δ é representado em partes por mil (‰). Observando a equação podemos deduzir que
quando δ é positivo o Ramostra é maior que o Rpadrão, ou que a amostra está enriquecida em
isótopos pesados (raros) em relação ao padrão. Já quando δ é negativo Ramostra é menor que o
Rpadrão, a amostra está enriquecida em isótopos leves (abundantes) em relação ao padrão.
Existem 2 padrões clássicos para o 18O e o D que são SMOW e VSMOW. Ambos são
provenientes da água dos oceanos. Em 1953, Epstein e Mayeda coletaram amostra de todos os
oceanos e com esses resultados foi criada a amostra padrão do SMOW (Standard Mean Ocean
Water). Em 1976, a seção de hidrologia isotópica da IAEA (International Atomic Energy
Agency) e a NIST (US National Institute of Standards and Technology) criaram uma amostra
padrão para ser distribuída ao redor do mundo do SMOW, em Viena, Áustria. Esse material foi
criado por H. Craig para equalizar o antigo SMOW para δ18O e δD e foi denominado VSMOW.
Análises em laboratório mostraram que a diferença entre eles é muito pequena
(aproximadamente +0,05‰). Por definição: δ18OVSMOW = 0‰ e δDVSMOW = 0‰ (MOOK, 2001).
O oceano é o maior reservatório de água do planeta. A abundância de 18O e D na sua
camada superficial tende a ser uniforme (variando de +0,5 a -0,5 ‰). Somente quando
comparamos os valores da região tropical e polar é que variações mais expressivas são
observadas. Nas regiões tropicais valores mais positivos de δ18O e de δD são observados devido
a maior taxa de evaporação, enquanto que nas regiões polares valores mais negativos são
encontrados devido à contribuição da neve e dos gelos das geleiras que são mais negativas
(MOOK, 2001).
Os principais padrões definidos estão representados na Tabela 3.2.
Tabela 3.2 - Principais padrões dos isótopos estáveis mais utilizados em estudos ambientais .
Nome do padrão Elementos R Origem δ
Carbono 0,0112372 Carbonato de Belemnite (grupo 13
δ CPDB
Pee Dee Belemnite de moluscos marinhos)
(PDB) encontrado na Formação Pee
Oxigênio 0,0020672 δ18OPDB
Dee na América do Norte
Nitrogênio atmosférico Nitrogênio 0,0036765 Atmosfera δ15NAIR
SMOW (Standard Mean Oxigênio 0,00200052 Água do mar δ18OSMOW
Ocean Water) Hidrogênio 0,00015576 Água do mar δDSMOW
Oxigênio 0,0020052 Água do mar δ18OVSMOW
SMOW Viena
Hidrogênio 0,00015560 Água do mar δDVSMOW
CDT (Canyon Diablo Troilita do meteorito Cañon 34
Enxofre 0,0451509 δ STROILITA
Troilite) Diablo
51
δ e α possuem relação que pode ser expressa pela equação:
1.000 𝑥 𝑙𝑛 𝛼𝐴−𝐵 = 𝛿𝐴 − 𝛿𝐵 (Eq. 3.05)
A diferença de velocidade entre os isótopos pesados e leves é denominada efeito
isotópico cinético e é um dos mecanismos de fracionamento. Segundo definição, para gases
ideais, moléculas e átomos iguais possuem mesma energia cinética que é representada pela
fórmula:
𝑚 .𝑣²
𝐸𝑐 = (Eq. 3.06)
2
Figura 3.9 - Representação esquemática da distribuição da energia potencial causada por forças repulsivas e
atrativas entre 2 partículas de cargas opostas no efeito isotópico cinético normal e inverso. Onde uma
partícula está localizada no 0 e a outra na linha de energia potencial resultante. As linhas horizontais
representam o nível de energia do sistema, sendo que a linha fina se refere ao isótopo leve e a grossa ao
isótopo pesado. EB e EB’ representam a energia de ligação do isótopo leve e pesado respectivamente
(Adaptado de MOOK, 2001).
52
O fracionamento isotópico possui relação direta com a temperatura, sendo que conforme
a temperatura aumenta α tende a 1 e δ tende a 0. Ou seja, é um processo restrito a baixas
temperaturas. Em contraposição a isso, as variações de volume são praticamente nulas.
Indicando que variações de pressão são insignificantes nesse processo. Portanto, o fracionamento
isotópico é um bom geotermômetro.
Os estudos ambientais se concentram em elementos químicos com baixo número atômico
como: carbono, nitrogênio, hidrogênio e oxigênio. A diferença de massa entre os isótopos
estáveis de elementos com baixo número atômico é mais significativa do que em elementos com
número atômico muito alto como estrôncio ou urânio (a presença ou ausência de 1 ou 2 nêutrons
não interfere tanto no total de suas massas). Além disso, os primeiros costumam fazer ligações
covalentes ao formar moléculas, enquanto que os elementos de alto Z costumam fazer ligações
iônicas. O fracionamento isotópico ocorre de maneira mais eficiente em isótopos com diferenças
de massa mais significativas e em moléculas formadas por ligações covalentes. Isso se deve ao
fato de que no compartilhamento dos elétrons na ligação covalente ocorrem vibrações que
permitem que a diferença de velocidade entre as moléculas com isótopos leves e pesados
interfiram de maneira mais significativa.
De acordo com a química clássica, as características químicas e físicas de um elemento
não variam. Isso é verdade em grandes escalas e em estudos genéricos. Porém, se a medição tiver
uma acurácia suficiente (como é o caso dos espectrômetros de massa modernos) as diferenças de
massa dos isótopos ocasionam uma discreta mudança nas características físicas e química do
elemento. O que gera uma alteração discreta das propriedades físicas e químicas das moléculas
nos quais eles estão presentes. Por exemplo, a molécula de água composta por H (H2O) possui
ponto de ebulição de 100°C, já a composta por D (D2O) sofre ebulição a 101,42°C. Mudanças
também são observadas no ponto de fusão, pressão de vapor, viscosidade e densidade (MOOK,
2001).
Na presente dissertação os estudos irão se concentrar nos isótopos de oxigênio e
hidrogênio.
O oxigênio possui 3 isótopos estáveis, são eles: 16O, 17O, 18O. Suas respectivas
abundâncias estão na Tabela 3.1. A abundância do 17O fornece menos informações a respeito do
ciclo hidrológico, em seu sensu strictu, comparativamente ao 18O mais abundante. Assim, os
estudos hidrológicos se concentram na razão 18O / 16O. A Figura 3.10 mostra as variações do
δ18O em compostos naturais e nos principais componentes do ciclo hidrológico (MOOK, 2001).
O hidrogênio possui 2 isótopos estáveis, são eles: 1H e 2H (Deutério). A variação do δD
em ambiente natural é por volta de 250‰, valor bem superior ao encontrado para δ18O e δ13C
(cerca de 100 ‰). Isso se deve a grande diferença de massa entre os 2 isótopos (D possui o
dobro da massa do H). A Figura 3.11 mostra as variações de δD nos compostos naturais e nos
principais componentes do ciclo hidrológico (MOOK, 2001).
O 18O e o D presentes na água sofrem fracionamento isotópico durante a evaporação e a
condensação e com isso a água adquire uma assinatura isotópica individual e característica.
Quando ocorre evaporação o 16O e o 1H tendem a se concentrar na fase gasosa enquanto que o
18
O e o D se concentram na fase líquida. Sendo assim, lagos com altas taxas de evaporação
costumam ser enriquecidos em 18O e D enquanto que o vapor de água das nuvens tende a ser
empobrecidos em 18O e D. Variações sistemáticas nos isótopos em diferentes etapas do ciclo das
águas são utilizados para traçar a origem e a dinâmica da água pelo ciclo hidrológico (MOOK,
2001).
53
Comparado ao oceano (δ18OVSMOW = 0‰ e δDVSMOW = 0‰) as águas meteóricas são
empobrecidas em isótopos pesados e possuem valores negativos de delta. A principal razão disso
é que a maior parte delas é derivada da evaporação do oceano. O valor médio de δ18O de todas as
águas da hidrosfera pode ser estimado em -0,64‰, das acumulações de gelo -30 ‰ e da água
subterrânea em -7‰. Nos períodos de glaciação os valores de δ18O podem chegar a +1‰ devido
ao desequilíbrio entre evaporação/condensação (GAT et al., 2001).
Figura 3.10 - Variações do δ18Ovsmow (‰) em compostos naturais (Adaptado de MOOK, 2001).
54
Figura 3.11 - Variações do δDvsmow em ambientes naturais (Adaptado de MOOK, 2001).
Existem 2 processos principais no ciclo das águas que são a base para o entendimento das
variações de δ18O e δD: A evaporação na superfície dos oceanos e a progressiva precipitação
conforme as massas de ar se movem para regiões de baixas temperaturas (altas latitudes e
altitudes) (GAT et al., 2001).
As nuvens durante sua trajetória sofrem variação isotópica. Esse fenômeno é conhecido
como fracionamento Rayleigh e consiste no empobrecimento em isótopos pesados de uma massa
de ar por fracionamento em estado de equilíbrio para uma fase continuamente removida. Quando
há a condensação do vapor de água na formação da chuva, os isótopos pesados tendem a se
concentrar nas gotas de chuva deixando a nuvem com δ cada vez mais negativo (Figura 3.12)
(MARTINELLI et al., 2009).
Efeito da continentalidade: as chuvas tendem a ser mais negativas quanto mais distantes
dos oceanos. Isso ocorre devido ao fracionamento Rayleigh já explicitado anteriormente.
Varia consideravelmente de área para área e de estação pra estação e é relacionada ao
gradiente de temperatura, a topografia e ao regime climático da área;
Efeito da altitude: quanto maior a altitude, mais negativa tende a ser a chuva. Isso ocorre
devido à diferença de temperatura. Em altas altitudes a temperatura tende a ser menor o
que torna mais eficiente o fracionamento isotópico. Em altas altitudes o nível de base das
nuvens tende a ser mais alto o que leva a um enriquecimento em isótopos pesados nas
gotas de chuva durante suas quedas devido às chuvas ocorrerem abaixo do nível de base
das nuvens;
Efeito da sazonalidade: valores mais negativos de δ18O e δD são encontrados no inverno
comparado com o verão. Isso ocorre também, devido à diferença de temperatura. Tende a
56
ser mais brando do que o efeito da latitude e é mais expressivo nas regiões temperadas
onde as diferenças de temperatura entre o inverno e o verão são mais significativas. Nas
regiões tropicais a fonte do vapor de água é próxima a região da precipitação o que faz a
dependência da temperatura quase desaparecer;
Efeito da quantidade: durante o processo de condensação, o vapor de água remanescente
fica progressivamente empobrecido em isótopos pesados. Dessa forma, no início as
chuvas tendem a ser mais pesadas do que no final. E no geral, chuvas menos intensas
(chuviscos e chuvas fracas) são mais pesadas apresentando valores mais elevados de δ18O
e δD em comparação com chuvas fortes (SANTIAGO et al., 2008). O comportamento do
fracionamento isotópico em relação a intensidade das chuvas não é generalista, sendo que
esse efeito deve ser analisado em cada caso individualmente.
57
δD = 8 . δ𝑂18 + 10 (Eq. 3.09)
A inclinação da curva (8) foi determinada em função das razões isotópicas no fracionamento de
equilíbrio do hidrogênio e do oxigênio entre a água e o vapor d’água em aproximadamente 20 °C
(Figura 3.14). A intercessão com o eixo y (10) se refere ao excesso de hidrogênio (excesso de
deutério) (GAT et al., 2001; ALLÈGRE, 2008).
Figura 3.14 - Fator de Enriquecimento Isotópico (ε) ou Discriminação Isotópica (Δ) em função da
temperatura para um sistema em equilíbrio entre a evaporação e a condensação. O valor a 20°C corresponde
à inclinação da curva da água meteórica (GAT et al., 2001).
Existem variações da curva da água meteórica que indicam processos de trocas isotópicas
e fracionamento isotópico (Figura 3.15). Por exemplo, evaporação em águas salobras de
aquíferos sedimentares costeiros, troca de isótopos de oxigênio entre moléculas de água e
silicatos em sistemas geotermais, mistura de água subterrânea recentes com águas fósseis em
rochas cristalinas. O excesso de hidrogênio próximo a costa tende a ser menor que 10, na
Antártica ele fica próximo a 0 e onde a umidade relativa logo acima dos oceanos é ou foi menor
que o valor médio atual o valor de d é maior que 10. Por exemplo, na leste do mediterrâneo esse
valor é +22 ‰ (GAT et al., 2001; GEYH, 2001).
O fenômeno denominado excesso de deutério, indicado na Figura 3.16, ocorre em regiões
áridas e semiáridas onde há evaporação durante a queda da chuva. Isso faz com que as águas
residuais fiquem enriquecidas em isótopos pesados (δ > 0) e se desloquem para a direita da
GMWL. A inclinação da curva fica com valor menor que 8. O excesso de deutério durante a
evaporação depende da umidade relativa e da velocidade do vento (ARAGUÁS, 2014;
SANTIAGO et al., 2008).
O fracionamento isotópico entre a água e os minerais geralmente são irreversíveis e o
fracionamento é cinético. Devido à diminuta velocidade de troca isotópica em baixa temperatura
entre água-rocha, a água subterrânea dificilmente atinge o equilíbrio isotópico com as rochas do
aquífero e tende a preservar sua composição isotópica por um período prolongado de tempo.
Porém, exceções existem e já foram retratados na literatura. A reação entre o CO2 e a calcita e a
oxidação de material orgânico, como turfa, e processos de metabolismo microbiológico podem
alterar a composição isotópica das águas e das rochas dos aquíferos (GEYH, 2001).
58
Figura 3.15 - Exemplos de processos que alteram a curva global da água meteórica
(Adaptado de GEYH, 2001).
Para a escala global a relação entre δ18O e δD pode ser satisfatoriamente descrita pela
GMWL, já localmente a curva da água meteórica local (LMWL - Local Meteoric Water Line)
representa melhor as condições de fontes de água meteórica de cada região (GAT et al., 2001).
Segundo Silveira & Silva Junior (2002), a reta da água meteórica local para a região nordeste,
obtida com várias estações meteorológicas da área é:
59
Água
Vapor Residual
Água Inicial
Figura 3.16 - Alteração na GMWL decorrente do fenômeno excesso de deutério que ocorre em regiões áridas
e semiáridas (Adaptado de ARAGUÁS, 2014).
60
Em caso de carbonatos, as águas subterrâneas tendem a refletir a razão 87Sr/86Sr da rocha
total, pois essas rochas são essencialmente homogêneas com respeito ao Sr. Já nos silicatos, a
razão 87Sr/86Sr resultante do intemperismo é dominante sob a composição isotópica de minerais
específicos o que resulta em águas subterrâneas com razões diferentes da razão da rocha total,
porém correspondente a razão dos minerais de alteração (MONTGOMERY et al., 2006).
Águas subterrâneas de diferentes origens podem conter diferentes razões de Sr o que o
torna um bom instrumento nos estudos de origem, fluxo e mistura de águas subterrâneas. Além
do estudo da interação água-rocha (GEYH, 2001).
Estudos já foram realizados nesse sentido no Escudo Pré-Cambriano do Canadá e em
Mont-Dore na região do Massif-central na França (GEYH, 2001).
A razão 87Sr/86Sr dos oceanos é constante e de 0,70917, a médias dos valores dos rios é
de 0,712, a média das rochas vulcânicas varia de 0,7030 a 0,7035 e a média dos silicatos da
crosta continental é de 0,724 (ALLÈGRE, 2008).
Montgomery et al. (2006), utilizou análises de 87Sr/86Sr para estudo forense em águas
subterrâneas da Grã Bretanha. As análises foram realizadas em amostras de águas minerais
engarrafadas e de rochas dos referidos aquíferos para determinar os reservatórios fontes de cada
água (Figura 3.17).
Figura 3.17 - Composição isotópica de 87Sr/86Sr de amostras de águas engarrafadas plotadas de acordo com a
estratigrafia e com a assinatura dos aquíferos fonte das águas (MONTGOMERY et al., 2006).
Os autores observaram que quanto mais antigas as rochas do aquífero maiores as razões
87 86
Sr/ Sr o que é condizente com o maior tempo de decaimento do Rb. Os autores concluíram
também, que a utilização da comparação das razões de 87Sr/86Sr em amostras de água mineral
com a das rochas dos aquíferos possui grande potencial para análise das fontes de água
subterrânea e no combate de fraudes (MONTGOMERY et al., 2006).
61
Conforme já explicitado anteriormente, análises de isótopos estáveis possuem respostas
satisfatórias em estudos de misturas de águas com características isotópicas distintas. Em
sistemas de recarga artificial essa ferramenta pode ser utilizada para verificar a chegada de água
de recarga na zona saturada dos aquíferos. A precisão e a rapidez da resposta do método na
chegada da recarga reforça a importância de sua utilização.
Os métodos isotópicos são valiosos instrumentos para monitorar sistemas de recarga
artificial ainda mais quando é feita a integração de vários traçadores. Existem vários exemplos
pelo mundo do sucesso da utilização de tais técnicas nesse sentido. Alguns serão citados a seguir
(IAEA, 2013).
No Vale de Santa Clara, Califórnia, EUA, foram utilizados os isótopos D, 18O, 3H, He e
concentrações de neônio para estudar a dinâmica de fluxo da água subterrânea e monitorar
sistema de recarga artificial do tipo ASR. Os resultados demarcaram a extensão, o tempo, e o
fluxo em subsuperfície das águas do sistema ARS. δ18O auxiliou na determinação da
proveniência da água de recarga dos aquíferos. As bacias de recarga superficiais injetam águas
mais enriquecidas em isótopos pesados (devido a evaporação) o que gerou resultados menos
negativos em poços nas áreas com influência direta da recarga artificial. A distribuição espacial
do trítio permitiu a identificação dos locais de recarga recentes e indicou a direção do fluxo da
água subterrânea. Os locais de menores valores de trítio foram os de maior δ18O representando a
influência dos sistemas de recarga artificial (IAEA, 2013).
Outro exemplo é em Damasco, capital da Síria, onde isótopos são utilizados como
traçadores para monitoramento de sistema de recarga artificial por injeção direta em poços. O
aquífero raso dos aluviões da região são utilizados para armazenagem de água diminuindo as
perdas por evaporação que é forte devido ao clima árido da região. Análises dos isótopos de 18O,
D, 3H, Cl, e de amostras de CFC foram realizadas para testar sua aplicabilidade para estudo da
mistura das águas da recarga artificial com as águas do aquífero na região. As coletas foram
realizadas periodicamente durante os períodos de recarga (primavera) e em períodos de não
injeção. As análises de trítio e CFC não foram efetivas no estudo da mistura das águas, pois as
águas de injeção e as águas do aquífero, na região de Damasco, possuíam quantidades similares
desses elementos. Os autores ressaltam que esses métodos podem ser úteis onde águas jovens
com presença de trítio e CFC são misturadas com águas subterrâneas antigas e sem esses
elementos. Ao contrário do trítio e do CFC, os outros isótopos obtiveram bons resultados nos
estudos do movimento das águas de injeção no aquífero. O principal motivo do sucesso da
aplicação dos mesmos é a assinatura isotópica distinta das águas de injeção e das águas do
aquífero. Os autores ressaltam também que uma das vantagens da utilização dos isótopos
estáveis para monitoramento de sistemas de recarga artificial é que esses parâmetros costumam
ser praticamente constante o que permite que a diferença entre eles e as águas de injeção
permitem um estudo do movimento das águas de injeção e da razão de mistura entre elas. Os
autores utilizaram o modelo de mistura de águas com isótopos citado acima no texto e estimaram
em um máximo de 74 a 84% de contribuição das águas de injeção na mistura. A Figura 3.18
representa o monitoramento do sistema (IAEA, 2013).
62
Figura 3.18 - Variação temporal do δ18O (‰) durante 3 períodos de injeção de água no sistema de recarga
artificial em injeção direta em poços em Damasco, capital da Síria. Os 3 retângulos indicados representam os
3 períodos de injeção, Os pontos vermelhos indicam a assinatura da água de injeção, os pontos brancos a
assinatura das águas dos poços que responderam positivamente a recarga (W13 e W14) e os pontos pretos a
assinatura dos poços que não responderam a recarga (W15 e WHz) (IAEA, 2013).
A lei do decaimento radioativo também pode ser expressa em termos da atividade dos
isótopos (SANTIAGO et al., 2008):
Onde ND(t) e NR(t) são os números de átomos filho e pai (radioativo) no tempo t,
respectivamente. E ND(0) é o número de átomos filho no tempo 0 (ALLÈGRE, 2008).
Devido às circunstâncias descritas acima, os isótopos radioativos são utilizados para
datação de materiais hidrogeológicos. Sendo que os mais utilizados para datação da água
subterrânea são o trítio (3H) e o carbono (14C). Em casos especiais, há relatos de utilização de
crípton (81Kr e 85Kr), argônio (39Ar), cloro (36Cl), entre outros para avaliar idades relativas e
absolutas de água subterrânea (GEYH, 2001).
Mook (2001) define a idade da água subterrânea como o tempo decorrido desde quando a
água se tornou subterrânea, ou seja, desde a infiltração no solo.
A utilização do decaimento radioativo para datação da água subterrânea depende da
quantidade de 14C dissolvido na água ou do quantitativo de trítio presente nas moléculas de água
na hora da infiltração. O trítio possui tempo de meia vida de 12,3 anos, já o carbono de 5.730
anos. Sendo assim, o método do carbono é indicado para amostras de água mais antigas (até
40.000 anos segundo Araguás (2001); entre 500 e 40.000 anos segundo Santiago et al. (2008);
até 50.000 anos segundo Geyh (2001)) e o método do trítio para águas mais jovens (até 60 anos
segundo Araguás (2001); até 50 anos segundo Santiago et al. (2008)). O crípton é utilizado para
águas mais antigas ainda (chamadas águas fósseis).
64
Mook (2001) alerta que as datações de água subterrânea são um processo complexo e
dificilmente um único método resulta em idades absolutas. Essa dificuldade se deve ao fato da
dificuldade de obter dados sobre o tempo zero, ou seja, o momento da infiltração. Entretanto, o
autor relata que os métodos oferecem a possibilidade de estabelecer intervalos de idades em
especial quando combinados com dados hidrogeológicos e hidroquímicos.
O decaimento radioativo é a base para determinação das idades das águas subterrâneas.
Apesar de esse processo depender exclusivamente do tempo de meia vida do isótopo pai, alguns
processos químicos e físicos que ocorrem nos aquíferos podem influenciar nos resultados
obtidos. Por exemplo: A dissolução de carbonatos sem 14C; troca de íons entre água e as rochas;
poluição de isótopos radioativos causados pela atividade humana como as explosões nucleares;
mistura de águas de diferentes idades nos aquíferos (GEYH, 2001).
A ocorrência natural do isótopo radioativo de carbono (14C) foi reconhecida em 1946 por
W. F. Libby. Ele é naturalmente formado na região da transição entre a estratosfera e a
troposfera a aproximadamente 12 Km de altitude através da reação:
A energia máxima emitida nesse processe é de 156 keV, o λ é 1,209 x 10-4 anos-1 e o
tempo de meia vida do 14C é de 5.730 ±40 anos por convenção para dados hidrológicos e
hidrogeológicos (MOOK, 2001; ALLÈGRE, 2008).
A produção e distribuição do 14C na natureza ocorrem por uma série de processos
químicos e biológicos que permaneceram paralisados durante um longo período do tempo
geológico. Como consequência, a concentração de 14C na atmosfera, nos oceanos e na biosfera
alcançou um valor estacionário que tem sido quase constante durante um longo período
comparado com o tempo de vida do 14C. A concentração natural 14C /C é da ordem de 10-12
(MOOK, 2001).
65
Figura 3.19 - Formação do 14C e suas principais ocorrências na natureza (Adaptado de MOOK, 2001).
Figura 3.20 - Representação esquemática da chegada do 14C nos aquíferos. As porcentagens representadas na
figura se referem à razão de atividade do 14C (14a) que representa a comparação da taxa de decaimento do 14C
da amostra com a de um padrão. DIC significa carbono inorgânico dissolvido (MOOK, 2001).
66
A radioatividade ou taxa de decaimento do 14C (A14) é expressa em Bq/gC ou dpm/gC. Já
a variável a14 é a razão de decaimento e representa a comparação entre a taxa de decaimento da
amostra e de um padrão sob as mesmas condições. O padrão para a razão de decaimento foi
escolhida para representar o mais próximo possível à quantidade de 14C no crescimento natural
de plantas. Ele se chama AD1950 e é baseado em 95% da atividade específica do ácido oxálico
NBS original (Ox1) no ano de 1950. Seu valor é 13,56 ± 0,07 dpm/gC ou 0,226 ± 0,001 Bq/gC.
O suprimento do padrão Ox1 foi exaurido, dessa forma uma nova bateria foi elaborada e
distribuída pelo NIST (US- National Bureau of Standards) chamada Ox2. O padrão (Ox2) =
(1,2736 ± 0,0004) x (Ox1) (MOOK, 2001).
A equação que rege a datação por 14C é (ALLÈGRE, 2008):
𝑇1 𝑇1
𝐴14
𝑡 𝑁0
𝑇 = ( 𝑙𝑛2
2
) . 𝑙𝑛 ou 𝑇 = ( 𝑙𝑛2
2
) . 𝑙𝑛 (Eq. 3.19)
𝐴14
0 𝑁
𝐴14
𝑡 𝑁0
𝑇 = 8033 . ln ou 𝑇 = 8033 . 𝑙𝑛 (Eq. 3.20)
𝐴14
0 𝑁
Figura 3.21 - Ilustração esquemática da forma de utilização do isótopo de Carbono 14 para datação de água
subterrânea.
O tempo de meia vida utilizado na equação acima é 5.567 anos (chamado convencional)
ao invés da correta de 5.730 anos. Os laboratórios optaram por continuar realizando o cálculo
com o valor menos preciso ao invés de trocá-lo pelo mais recente, pois esta mudança resultaria
em idades que diferem das convencionais menos que 3% o que é insignificante considerando as
incertezas metodológicas e estatísticas (SANTIAGO et al., 2008).
Os isótopos radioativos, assim como os isótopos estáveis, também sofrem fracionamento
durante os processos naturais. Dessa forma, esse fracionamento deve ser levado em consideração
67
na determinação de idades para evitar erros. O grau de fracionamento é indicado pelo valor de
δ13C do material. Martinelli et al. (2009) explana que por um acordo internacional todo resultado
de 14C deve ser corrigido pelo desvio de δ13C, sendo que se for utilizado o padrão Ox1 por δ13C
= -19 ‰, se o padrão utilizado for o Ox2 por δ13C = -25 ‰ (MOOK, 2001). Porém, Araguás
(2014) considera que a variação δ13C deve ser omitida dos cálculos, pois é insignificante para
aplicações de hidrologia isotópica (Figura 3.22).
Figura 3.22 - Representação gráfica da razão de decaimento do 14C e do δ13C para os principais
elementos do ciclo hidrológico (Adaptado de MOOK, 2001).
68
Figura 3.23 - Curva de calibração do 14C. Na
imagem superior, a relação entre a variação do
quantitativo de 14C no CO2 atmosférico com a
datação acurada de idade de anéis de árvores
por vários laboratórios e pelo crescimento
anual de corais. Na curva inferior, a curva de
calibração obtida com base na imagem
superior (Adaptado de MOOK, 2001).
interior de seu núcleo e como consequência, emite um elétron (partícula ß-). A energia máxima
liberada nesse processo é de 18 KeV e o tempo de meia vida do trítio é de 12, 32 anos (MOOK,
2001).
𝐻 3 → 𝐻𝑒 3 + 𝛽 − (Eq. 3.22)
70
Figura 3.24 - Origem e distribuição do trítio na natureza. Ao contrário do 14C, o trítio decai e desaparece
mais rapidamente, exceto quando está fixado em geleiras e na água subterrânea (Adaptado de MOOK, 2001).
Figura 3.25 - Variação do Trítio em 2 estações sendo uma representante do hemisfério norte e outra do
hemisfério sul (ARAGUÁS, 2014).
71
A datação por Trítio permite uma estimativa do tempo de residência de águas
subterrâneas rasas e de nascentes em terrenos fraturados de idades inferiores há 150 anos. O
método é baseado na concentração de trítio nas águas das chuvas. Suas aplicações foram
limitadas pela subida drástica de valores durante a década de 60. Na prática, o uso do trítio é
limitado à observação da marca que os testes nucleares imprimiram na atmosfera juntamente
com a aplicação do modelo exponencial, e através de interpretação qualitativa, para detecção de
recarga recente. O modelo exponencial é comumente utilizado para interpretação de águas
subterrâneas rasas e de nascentes. Séries de dados permitem uma melhor avaliação do melhor
tipo de modelo a ser aplicado. Análises únicas de trítio podem resultar em tempos de residência
ambíguos (GEYH, 2001; SANTIAGO et al., 2008).
Outras aplicações do trítio são: estudos de dinâmica de lagos; estimativas de taxas de
recarga de aquíferos em regiões úmidas, áridas e semiáridas; e informações de misturas de águas
de diferentes fontes e idades. Águas que possuem elevadas concentrações de nitrato são
indicadas para utilizar análises de trítio, devido ao tempo de vida do nitrato nas águas (GEYH,
2001).
Segundo Santiago et al. (2008), existem 3 modelos para interpretação das datações por
trítio amplamente utilizados para águas subterrâneas. O modelo de fluxo de pistão que se baseia
em recargas que se deslocam sem se misturar; o modelo exponencial que considera a mistura de
todas as recargas no aquífero; e o modelo de dispersão que é intermediário entre os 2 primeiros.
O trítio possui aplicações em sistema de recarga artificial, onde o mesmo se reequilibra
com a atmosfera nos tanques de infiltração o que zera o relógio do decaimento. Toda água
subterrânea que apresenta trítio mensurável teve uma recarga nos últimos 50 anos. Apesar de não
permitir uma distinção entre a água de recarga natural e artificial. Estudos no Vale de Santa
Clara, Califórnia, EUA utilizaram o trítio neste sentido e através da distribuição do trítio foi
possível determinar o fluxo da água subterrânea (IAEA 2013).
A probabilidade de contaminação de águas jovens por trítio dos testes nucleares impede a
água de ser datada somente pelo decaimento do trítio. Porém, esse método de datação é utilizado
para estudos de idades relativas e comparação de amostras. Águas com A3 < 5 UT possui tempo
de residência média de mais de 40 anos e água com A3 > 20 UT é datado de depois de
1961(MOOK, 2001). Outra dificuldade da aplicação da datação por Trítio é que o limite de
detecção rotineiramente utilizado nas análises é de 1 UT e os valores de UT encontrados no
hemisfério sul é de somente de algumas UT (SANTIAGO et al., 2008).
As variações sazonais do 3H são menos importantes para a datação da água subterrânea,
uma das razões são as chuvas do verão que contribuem expressivamente para a recarga da água
subterrânea (GEYH, 2001).
A Figura 3.26 mostra a relação entre a razão de decaimento do trítio e do carbono 14 para
água de diferentes idades.
72
Figura 3.26 - Diagrama esquemático que representa a relação entre o 14C e o 3H em águas subterrâneas de
diferentes idades. As águas recentes possuem dezenas de anos, águas jovens possuem centenas de anos, águas
velhas possuem milhares de anos, águas muito velhas e águas fósseis possuem dezenas de milhares de anos
(MOOK, 2001).
73
3.3 Salinização das Águas Subterrâneas no Semiárido do Nordeste Brasileiro
O problema da escassez hídrica no semiárido nordestino se estende por décadas e atinge
os recursos hídricos como um todo, tanto os superficiais, quanto os subterrâneos. A pouca
quantidade aliada à irregularidade das chuvas na região dificultam a recarga dos aquíferos e o
abastecimento dos rios.
Os recursos hídricos superficiais se resumem a rios (em sua grande maioria,
intermitentes) que permanecem secos durante anos. O Rio São Francisco é o único rio perene do
município de Petrolina.
Estudos de hidroquímica em águas subterrâneas e superficiais do nordeste brasileiro
mostram que salinidades elevadas são comuns nessa região. A análise estatística de mais de 400
amostras de água subterrânea e superficial mostra que somente 17% têm valor do parâmetro
resíduo seco menor que 1.000 mg/L, 50 % têm valores menores que 2.900 mg/L, 20% têm
resíduos superiores a 7.000 mg/L e 9% têm mais de 10.000 mg/L de resíduo seco. Os processos
de salinização são variados e dependem de características como clima, relevo e aspectos dos
aquíferos (SANTIAGO et al., 2000).
Gascoyne & Kamineni (1994) realizaram estudos sobre a composição das águas
subterrâneas de aquíferos fraturados do Escudo do Canadá. Os autores observaram que a
composição química das águas apresentava uma evolução similar com aumento da profundidade
e com o fluxo, independentemente das rochas que as hospedavam. Os autores relatam que
próximo a superfície as águas são diluídas, levemente alcalinas (pH 7-8) e Ca-(Na)-HCO3, já em
grandes profundidades (>200m) e no decorrer do fluxo no aquífero estas apresentam um
acréscimo no pH (pH 8-10,5) e sua composição evoluí para Na-(Ca)-HCO3. As salinidades
aumentam com a profundidade (>350-500m) como resultado da dissolução de sais das rochas e
mistura com salmouras de água do mar ou de águas de formações basais. As mudanças químicas
observadas no decorrer do fluxo no aquífero podem ser explicadas pela interação dessas águas
com plagioclásios e argilominerais das rochas, juntamente com precipitação de calcita.
Estudos feitos comparando a composição de tais águas subterrâneas com os minerais de
baixa temperatura que preenchem fraturas mostram que há uma relação entre eles. Os processos
químicos envolvidos na interação água-rocha nas porções rasas das fraturas são: a hidrólise dos
feldspatos que libera Na e Ca em solução, perda de Ca pela precipitação de calcita e a troca de
íons com os argilominerais. Em grandes profundidades o processo dominante é a dissolução de
sais da matriz das rochas. Pode haver influência de salmouras ou água de mar que imprime uma
característica Na/Ca para as águas (GASCOYNE & KAMINENI, 1994).
Dados termodinâmicos e o fato das águas salinas de grandes profundidades terem
predominância do Ca sugere que o tempo de residência é o principal fator que controla a
composição dos cátions independentemente da rocha (GASCOYNE & KAMINENI, 1994).
Estudos realizados em área do cristalino do Ceará revelam que inexiste, nessa região,
uma rede de fluxo regional das águas subterrâneas, sendo que os poços exploram fraturas
isoladas que possuem grandes diferenças de salinidade. Datações realizadas em amostras de água
subterrânea revelaram que existem águas jovens (com pouco tempo de permanência no aquífero)
que possuem altas condutividades elétricas. Sendo assim, a causa da alta salinidade dessas águas
pode não ter origem na interação com as rochas, pois tais processos geoquímicos, em ambiente
fechado, são relativamente lentos. O autor sugere que as fontes mais prováveis das altas
salinidades pode ser o intemperismo ou, em áreas próximas do mar, deposição de aerossóis
74
anualmente lixiviados e transportados por escoamento superficial para as fraturas (SANTIAGO
et al., 2000).
Costa et al. (2006) estudou aspectos da salinidade dos aquíferos fissurais do cristalino no
Rio Grande do Norte. Os autores relatam que a alta salinidade observada nos aquíferos da região
está ligada ao clima, que possui distribuição irregular espacial e temporal das chuvas além da
alta evapotranspiração, e a baixa permeabilidade dos terrenos com reduzidas taxas de infiltração.
Sendo o clima o fator dominante com influências locais de fatores de natureza geológica, modo
de ocorrência das águas e das condições de circulação de água no aquífero. Nessa região foi
observado que os solos influem diretamente na salinidade das águas, sendo que solos salinos são
observados sobre águas salinas e vice versa.
O relevo plano e pouco movimentado, típico das regiões semiáridas, limita a circulação
de água nos aquíferos fazendo com que o fluxo seja reduzido e o tempo de residência e de
contato entre água-rocha seja prolongado. Além disso, em terrenos pouco permeáveis como os
terrenos cristalinos, áreas planas propiciam acumulação de água na superfície que permanecem
por períodos prolongados no mesmo local sendo submetidas à evaporação. Tal processo favorece
o aumento da salinidade nas águas residuais (COSTA et al., 2006).
Fatores locais, também, possuem influências significativas nas salinidades das águas
subterrâneas. Características ligadas ao sistema de fraturas (como conexão de fraturas) e as
condições de recarga (presença de aluviões ou solo mais espesso) podem influenciar nas altas
condutividades observadas nessas áreas (COSTA et al., 2006).
Lima (2010) explica a origem das altas salinidades das águas da Bacia do Alto Rio
Curaçá no semiárido da Bahia. O autor relata que existe um aquífero livre superficial ligado aos
saprólitos, rochas alteradas e fraturadas e depósitos aluvionares que abrange poucos metros de
profundidade (atinge até cerca de 30 m), mas grande extensão lateral que armazena águas de
elevada salinidade. A forte evapotranspiração e transpiração das plantas, aliado as restritas
ocorrências de chuva são as causas das altas salinidades nas águas residuais. O sal retido no solo
é levado para o aquífero no próximo período de chuvas. As águas do aquífero fraturado que
ficam em maiores profundidades são de melhor qualidade segundo o autor.
Silva Junior et al. (1999) relata estudos que mostram que os processos climáticos
juntamente com os processos de interação água-rocha nas fraturas atuam de maneira simultânea
na salinização das águas de regiões semiáridas. Fraturas pouco profundas (<40m de
profundidade) se comunicam com aluviões e permitem maior circulação das águas no aquífero,
já nas fraturas mais profundas essa circulação é mais restrita havendo mais tempo de contato
água-rocha. No primeiro caso as condições climáticas predominam, já no segundo a interação
água-rocha é dominante. Além disso, os autores citam que em análises químicas realizadas em
águas em contato com diferentes litologias, não foram observadas variações químicas
significativas, sendo que águas provenientes de diversas litologias possuem características
químicas semelhantes.
Em estudos realizados na Bacia do Potiguar (principalmente na Formação Açu e no
embasamento) não foi possível observar uma correlação significativa entre o conteúdo de sais e a
composição isotópica da água subterrânea o que é um indicativo de que os mecanismos de
mineralização são independentes dos mecanismos de recarga d’água no nordeste brasileiro.
Também foi observado que não existe uma relação entre o tempo de residência das águas
subterrâneas (obtidas com isótopos de O18, H3, D e C14) e a salinidade destas. Estes resultados
apontaram que a origem das águas subterrâneas é independente da origem dos sais. Algumas das
75
hipóteses para explicar a origem dos sais seria uma transgressão marinha pretérita e formação
dos sais por evaporação intensa ou ainda pela influência dos ventos marinhos no carreamento
dos sais (SILVEIRA & SILVA JUNIOR, 2002).
Andrade & Leal (2010) realizaram estudos da causa das elevadas salinidades das águas
subterrâneas dos aquíferos fraturados na região de Uauá (Bahia). Os autores revelam que dos 115
poços pesquisados somente 7% apresenta STD (Sólidos Totais Dissolvidos) menores que 1.000
mg/L. Esses 7% estão relacionados a presença de diques máficos e anfibolitos altamente
metamorfizados com fraturamento denso e aberto. Já as águas com STD maior que 1.000 mg/L
estão relacionadas a metassedimentos (filitos e xistos). Os autores realizaram análises
hidroquímicas e de isótopos estáveis nas águas subterrâneas. As águas apresentaram baixa
correlação do STD com o íon bicarbonato, porém alta correlação entre o STD e o íon cloreto,
indicando fraca associação entre a salinidade das águas e o processo de interação água-rocha. Já
os dados de isótopos estáveis (δ18O e δD) mostraram que as águas mais salinas são enriquecidas
em isótopos pesados e sofreram forte influência de evaporação, já as águas menos salinas
apresentam assinaturas correspondentes a GMWL indicando recarga direta por água da chuva
sem interferência da evaporação. Os autores concluem que a participação de fatores climáticos
(evaporação) tem um importante papel na salinização das águas subterrâneas na região.
Diversos fatores podem gerar as altas salinidades observadas nas águas subterrâneas do
município de Petrolina. O mais provável é que um conjunto de fatores atue de maneira conjunta
culminando nas altas condutividades constatadas.
As baixas precipitações observadas no município fazem com que o processo de hidrólise
nos solos seja parcial com predominância do processo de bissialitização. Tal fato resulta em
solos pouco evoluídos, férteis e ricos em minerais expansivos do tipo 2:1 e 1:1, como
cambissolos e vertissolos.
Ferracini et al. (2001) em estudo realizado na região de Petrolina-PE relata que
predominam solos arenosos e quartzosos, porém também ocorrem solos podzólicos, latossolos
vermelho-escuros, latossolos vermelho-amarelos e vertissolos. As areias quartzosas possuem
textura arenosa a franco-arenosa, são praticamente isentas de minerais primários alteráveis e
ocorrem da superfície até uma profundidade mínima de 150 cm ou até o contato lítico. Os
vertissolos são solos expansivos que favorecem a ocorrência do processo de lixiviação pelas suas
características físicas. Os latossolos são solos destituídos de minerais primários e secundários,
muito evoluídos, muito profundos, fortemente ácidos, com média a alta saturação por bases.
Neto et al. (2013) descrevem a ocorrência de argissolos amarelos, planossolos háplicos e
neossolos quartzarênicos em área do município de Petrolina. Os pesquisadores citam que acima
do embasamento cristalino ocorrem: materiais detríticos e/ou lateríticos de dimensões variadas e
coloração amarelada, sedimentos eólicos formados por depósitos de areia bem selecionada e
depósitos colúvio-aluvionares formados por materiais de cor e granulometria variados ao longo
da margem de rios e riachos.
Os argissolos amarelos plínticos predominam na região estudada, possuem textura média
ou arenosa na superfície com incremento de argila em profundidade, são profundos, com
presença de zonas mosqueadas ou concreções ferruginosas e/ou cascalhos de quartzo ao longo do
perfil. São associados às coberturas sedimentares do Terciário (NETO et al., 2013).
Os planossolos háplicos arênicos possuem textura média ou arenosa em superfície com
forte incremento de argila em profundidade, tem cor esbranquiçada com mosqueamentos
avermelhados devido à encharcamento constantes durante as chuvas. Apresentam um horizonte
76
denso com presença de sais devido à influência da rocha sã e são comuns nas áreas de relevo
plano associados a granitos e gnaisses (NETO et al., 2013).
Os neossolos quartzarênicos típicos também possuem textura arenosa, são profundos,
bastante uniformes e constituídos por quartzo bem selecionado, possuem alta permeabilidade e
estão ligados aos sedimentos eólicos presentes na região (NETO et al., 2013).
Além dos solos descritos por Neto et al. (2013) foram observados durante os trabalhos de
campo Neossolo Litólico, Vertissolo Háplico, Cambissolo Háplico, e subordinadamente
Latossolo Vermelho Amarelo. Os solos de forma geral apresentam elevado grau de eutrofismo e
enriquecimento em íons devido ao clima semiárido.
Dessa maneira, os solos da região de Petrolina, em sua maioria, sofreram pouca
influência do processo de lixiviação e por isso são pouco evoluídos, atingem pequenas
profundidades e são ricos em elementos alcalinos e alcalinos terrosos. As águas das precipitações
percolam pelos solos sobre o substrato cristalino impermeável até encontrarem uma fratura onde
são infiltradas. Durante esse processo estas podem carrear elementos solúveis dos argilominerais
presentes nos solos, além de sofrer evaporação devido à alta radiação solar. Tais processos
podem enriquecer as águas em íons aumentando sua salinidade antes destas percolarem pelas
fraturas das rochas.
O clima da região também é um fator importante no enriquecimento das águas em sais.
As baixas taxas de precipitação observadas, juntamente com as altas temperaturas e irradiações
solares existentes e as altas taxas de evapotranspiração, limitam a recarga dos aquíferos
fraturados dos terrenos cristalinos.
O relevo plano do município aliado aos terrenos cristalinos impermeáveis e aos solos
pouco espessos faz com que as águas das precipitações permaneçam por períodos prolongados
na superfície do terreno onde a evaporação faz com que as águas residuais fiquem enriquecidas
em sais. Posteriormente, novas chuvas podem carrear os sais acumulados por essas águas
residuais para dentro dos aquíferos fraturados.
Outro fator relevante são as características das fraturas da região que possuem baixa
conectividade. Juntamente com o relevo plano, esses são fatores que restringem a circulação de
água no aquífero. O prolongado tempo de permanências das águas nas fraturas faz com que a
interação entre água-rocha seja significativa podendo contribuir com as altas salinidades.
Acredita-se que as altas quantidades de sais detectadas nas águas subterrâneas dos
aquíferos fraturados do município de Petrolina possam ser resultado da ação conjunta de fatores
e não ser causada por um aspecto isoladamente. Os principais fatores são:
78
CAPÍTULO 4
RESULTADOS
Figura 4.1 - Mapa de localização das amostragens realizadas em águas superficiais, subterrâneas e em rocha
no município de Petrolina-PE. A escala de tons de vermelho nos sítios de amostragem para caracterização
isotópica regional se referem à condutividade elétrica (C.E.) das águas. Quanto mais forte o vermelho,
maiores as C.E.
79
4.1 Hidroquímica
A análise hidroquímica completa de 526 poços foi cedida pelo projeto RECARFRAT
como dados preliminares para a presente dissertação. As análises foram realizadas entre os anos
de 2001 e 2002, por um casal de pesquisadores alemães, em poços do município o que resultou
em uma Carta Geohidroquímica do Município de Petrolina na escala 1:100.000 (Figura 4.2). Os
poços coletados estavam alocados tanto em rochas do Cráton São Francisco quanto da Faixa
Móvel Riacho do Pontal.
Figura 4.2 - Carta Geohidroquímica do Município de Petrolina na escala 1:100.000 elaborada com base na
análise hidroquímica de 526 amostras de água subterrânea realizada em 2001/2002.
80
Durante os trabalhos de campo desenvolvidos posteriormente, foram coletadas novas
amostras para análise hidroquímica a título de comparação com as já existentes. Porém,
dificuldades foram encontradas no armazenamento das amostras, decorrente do alto teor de íons
dissolvidos; e nas instalações do Laboratório de Geoquímica da UnB devido a uma enchente que
acometeu a universidade. Assim, foi decidido fazer uma análise mais detalhada dos dados
analisados em 2001/2002 disponibilizados pelo projeto RECARFRAT.
As análises incluíam os íons: HCO3-, F-, Cl-, Br-, NO3-, PO43-, SO42-, Na+, K+, Fe2+, Mn2+,
Ca2+ e Mg2+ e os parâmetros pH, condutividade elétrica (CE) e Sólidos Totais Dissolvidos
(TDS).
Realizou-se então o cálculo do balanço iônico pelo software gratuito QUALIGRAPH.
Através do erro prático (Ep) calculado pelas fórmulas de Logan (1965) e Custódio e Llamas
(1983), o balanço iônico foi classificado em “Bom” (Ep abaixo do erro máximo permitido) ou
“Ruim” (Ep acima do erro máximo permitido) separadamente de acordo com os dois autores. No
total, 232 amostras foram classificadas como “Bom” por ambos os autores. Estas foram
selecionadas. Elas foram plotadas no Diagrama de Piper (Figura 4.3) e a classificação das
mesmas no referido diagrama encontra-se representada na Figura 4.4. A maioria das amostras
(39,2 %) foi classificada como mistas cloretadas.
Figura 4.3 - Diagrama de Piper com as 232 amostras selecionadas pela avaliação do balanço iônico.
Figura 4.4 - Classificação das 232 amostras selecionadas de água subterrânea do município de Petrolina
segundo o Diagrama de Piper.
81
Após a classificação geral, as amostras foram divididas em grupos conforme as suas
condutividades elétricas (Tabela 4.1), objetivando analisar possíveis variações na composição
hidroquímica das águas de diferentes salinidades.
Na Figura 4.5, os grupos de amostras foram plotados no Diagrama de Piper. Uma amostra
representativa de cada grupo foi escolhida e a porcentagem correspondente a cada íon nessa
amostra foi calculada. Esses valores foram representados através de “gráficos de pizza”.
82
83
Figura 4.5 - Gráficos de pizza representando a porcentagem correspondente a cada íon em uma
amostra representativa de cada grupo e o Diagrama de Piper por grupo.
Na análise dos gráficos é possível observar que as águas com menores condutividades
elétricas, do grupo 1, são enriquecidas em bicarbonato e são classificadas principalmente como:
águas bicarbonatadas cálcicas ou magnesianas e águas bicarbonatadas sódicas. Os grupos 2 e 3
mostram caráter intermediário e apresentam teores equivalentes de cloro e bicarbonato. A partir
do grupo 4, as amostras apresentam um enriquecimento em cloro e o bicarbonato diminui
significativamente. São classificadas como: águas sulfatadas ou cloretadas cálcicas ou
magnesianas e águas sulfatadas ou cloretadas sódicas (Figura 4.6).
Figura 4.6 - Concentração dos íons das amostras representativas de cada grupo.
84
Foram elaborados também gráficos dos principais elementos químicos versus as
condutividades elétricas das 232 amostras selecionadas pelo balanço iônico do grupo total das
526 análises dos poços realizados pelos pesquisadores alemães em 2001/2002 (Figura 4.7). Os
íons que apresentam as maiores correlações com a condutividade são: flúor, fosfato, sódio, cálcio
e magnésio, mas principalmente cloro e bromo. Portanto, esses são os íons que contribuem de
maneira mais significativa para as altas condutividades elétricas observadas.
85
Figura 4.7 - Gráficos que relacionam a concentração dos principais íons com as condutividades elétricas para
poços de Petrolina-PE.
86
4.2 Isótopos Estáveis
O presente estudo realizou análises dos isótopos estáveis de oxigênio, hidrogênio e
estrôncio em amostras de água subterrânea, superficial e rocha coletadas em 2013, 2014 e 2015.
As análises foram realizadas no Laboratório de Geocronologia da Universidade de
Brasília, sendo que as de δD e δ18O em água foram aferidas no aparelho da marca PICARRO
modelo L2120-i δD e δ18O Analyzer (adquirido pelo Projeto RECARFRAT) que utiliza o
método de medição de espectrometria de massa com separação a laser; e as de 87Sr/86Sr em água
e em rocha foram realizadas no espectrômetro TIMS (espectrômetro de massa por ionização
térmica) do modelo Triton Plus.
Primeiramente, em outubro de 2013, foram realizadas análises de δD e δ18O em 24
amostras de poços distribuídos pelo município e com condutividades elétricas variadas a fim de
se estabelecer uma caracterização isotópica regional das águas subterrâneas. Os pontos de coleta
foram escolhidos com base no acervo de 526 poços elaborado no estudo hidroquímico realizado
anteriormente nos anos de 2001 e 2002. As localizações dos pontos de coleta estão dispostas na
Figura 4.1. Dos 24 poços 2 estão localizados nas rochas do Cráton São Francisco e 22 em rochas
da Faixa Móvel Riacho do Pontal.
Os dados coletados foram plotados no gráfico δD versus δ18O e comparados com a curva
da água meteórica global (GMWL) e com curvas de águas meteóricas locais (LMWL). Os dados
das curvas de águas meteóricas locais são correspondentes a estações da IAEA localizadas no
nordeste brasileiro; e a estudos elaborados por Silveira & Silva Junior (2002). Os dados do IAEA
foram retirados do programa denominado Global Network of Isotopes in Precipitation (GNIP) e
estão disponíveis no site: http://www-naweb.iaea.org/napc/ih/IHS_resources_gnip.html.
As estações do IAEA escolhidas foram: Betânia, Betânia - Fazenda CONCEICAP,
Floresta, Salvador e Serra Talhada. A outra LMWL foi à obtida por Silveira & Silva Junior
(2002) que elaboraram uma reta da água meteórica local para a região nordeste, obtida com
várias estações da área. A equação da reta segundo os autores é:
87
Figura 4.8 - Gráfico δD versus δ18O com a representação das amostras de água subterrânea e superficial
(canal de irrigação, Rio São Francisco e amostras de chuva) coletadas no município de Petrolina-PE em
relação a GMWL e LMWL. No quadro a direita é possível observar a indicação das amostras coletadas no
canal de irrigação e no Rio São Francisco.
88
Figura 4.9 - Fotos das coletas ao longo do canal de irrigação no município de Petrolina - PE.
89
Figura 4.10 - Resultado das análises isotópicas realizadas nas amostras do canal de irrigação, evidenciando a alta taxa de evaporação presente na região semiárida
do nordeste brasileiro.
90
Análises da razão 87Sr/86Sr foram realizadas em 5 conjuntos de amostras expressos na
Tabela 4.2. Cada conjunto de amostra é composto por uma amostra de água subterrânea coletada
em poço tubular e amostras de rocha coletadas próximo ao referido poço tubular. As amostras de
rocha são tanto de rochas alteradas (com indícios de alterações nos feldspatos e micas
principalmente) correspondentes na Tabela 4.2 a coluna de “87Sr/86Sr em pó de rocha”, quanto
de rochas frescas correspondente na Tabela 4.2 a coluna “87Sr/86Sr em rocha”. Os conjuntos de
amostras foram coletados em março de 2015. A localização das amostragens está exposta na
Figura 4.1. As amostras foram coletas em poços de diferentes condutividades elétricas a fim de
se estudar o fenômeno da interação água-rocha nos aquíferos fraturados da região semiárida do
nordeste brasileiro. As amostras 113, EM e RKF estão localizadas no Cráton São Francisco; já as
amostras PT-05 e 137, na Faixa Móvel Riacho do Pontal.
Os resultados das análises estão expressos na Tabela 4.2.
Tabela 4.2 - Resultado das análises de 87Sr/86Sr em amostras de água subterrânea e rocha coletadas no
município de Petrolina-PE.
87
87 Sr/86Sr Condutividade
Sr/86Sr 87
Sr/86Sr
Amostra em pó de Elétrica Observação
em água em rocha
rocha (mS/cm)
113 0,75155±1 6,28
Poço do Sistema Piloto da Escola
EM <LQ 0,74111±1 9,59
Municipal
0,76611±1 Poço do Sistema Piloto da RKF
RKF 0,74216±1 0,74153±1 21,44
Mudas
Afloramento de rocha de
PT-05 0,70751±1
mármore bandado
137 0,71989±1 0,71360±1 2,92
4.3 Datação
Foram realizadas datações pelo método do Carbono 14 e pelo método do Trítio em 4
amostras de água subterrânea de diferentes condutividades elétricas coletadas em setembro de
2015. A localização dos poços de amostragem está exposta na Figura 4.1. Somente a amostra
“CN 09/2015” está localizada na Faixa Móvel Riacho do Pontal, as demais se localizam no
Cráton São Francisco. As análises foram realizadas no laboratório HIDROISOTOP localizado na
Alemanha pelo método de Accelerator Mass-spectrometry (AMS); medido em % recente com
desvio padrão duplo, 100%-modern = 0,226 Bq/g Carbon.
Os resultados de Trítio foram muito pequenos (inferiores ao limite de quantificação do
aparelho) e não houve variação entre as amostras. Dessa forma, as idades foram estimadas
utilizando o método do Carbono 14. Os dados brutos de Carbono 14 obtidos nas análises foram
substituídos na equação fornecida por Allègre (2008).
𝐴14
𝑡
𝑇 = − 8033 . ln (Eq. 4.02)
𝐴14
0
Onde a razão A14t/A140 foi determinada pela análise das amostras pelo laboratório
HIDROISOTOP. A Tabela 4.3 mostra os resultados dos cálculos das estimativas de idades
obtidos com a equação 4.02.
91
Tabela 4.3 - Dados de datação por trítio e carbono 14 para as amostras de água subterrânea do município de
Petrolina.
Carbono 13 Carbono 14 Idades Condutividade
Amostra Trítio (δ13C-DIC) (14C-TIC) aproximadas Elétrica
‰ %-modern (anos) (µS/cm)
RKF (09/2015) < 0,6 -11,1 96,55 ± 0,56 282 ± 45 12.630
113 (09/2015) < 0,6 -11,7 93,63 ± 0,54 528 ± 43 3.490
CN (09/2015) 0,6 ± 1,0 -12,3 74,99 ± 0,44 2.312 ± 35 1.876
JA (09/2015) < 0,6 -13,5 50,13 ± 0,34 5.547 ± 27 2.720
92
Figura 4.11 - Água sendo injetada pelo caminhão pipa diretamente na trincheira no Sistema Piloto da Escola
Municipal. A camada de xisto presente próximo à superfície se comportou como uma barreira hidráulica não
permitindo que a água infiltrasse e chegasse à fratura monitorada pelo poço.
93
As 2 infiltrações foram rápidas devido ao grande volume de água que a trincheira comporta.
Tabela 4.4 - Características das águas de recarga utilizadas no teste do Sistema Piloto da RKF mudas.
Volume Tempo
Amostra de Condutividade T δDSMOW δO18SMOW
Águas pH Eh Injeção de água de
isótopo Elétrica (°C) (‰) (‰) injetado injeção
Água inicial do
RKF-III-01 12,64 mS/cm 7,35 -63,6 29,1 -29,09 -4,60
aquífero
Rio São 18
Artificial
Francisco min.
Rio São 25
RSF-III-01 68,6 µS/cm 9,01 -159,2 27,6 -16,28 -2,8 2º 9.000L
Francisco min.
O sistema foi monitorado da manhã do dia 25/03 até o final da tarde do dia 27/03,
totalizando 56horas e 15 minutos de monitoramento. A condutividade elétrica, o Eh e o pH
foram medidos inicialmente de hora em hora no primeiro dia. Após 24 horas do início do teste as
medições passaram a ser realizadas de 30 em 30 minutos nos 2 dias seguintes. Já as amostras de
isótopos foram coletadas de 2 em 2 horas no primeiro dia e nos dias seguintes de hora em hora.
Durante a noite as medições eram interrompidas e retomadas no começo da manhã do dia
seguinte (Figura 4.13).
Tabela 4.5 - Características das águas de recarga utilizadas no teste do Sistema Piloto da Fazenda do Jair.
Volume Tempo
Injeção
δDSMOW δO18SMOW
Pulso
Amostra de Condutividade T
Águas pH de água de
isótopo Elétrica (°C) (‰) (‰)
injetado injeção
Água inicial do
JA-01 4,44 mS/cm 7,76 30,7 -25,01 -4,26
aquífero
Rio São
RSF-01 156,7 µS/cm 9,51 28,3 -11,61 -1,51 1 1 7.000L 30min.
Francisco
Canal de
Recarga Artificial
95
Figura 4.14 - Monitoramento do Sistema Piloto da Fazenda do Jair.
Figura 4.15 - Seção esquemática simplificada dos poços presentes na fazenda do Senhor Jair.
Poços localizados a dezenas de metros uns dos outros possuem níveis estáticos e vazões
distintos indicando que estão captando água de sistemas de fraturas distintas. Isso ressalta a baixa
conectividade das fraturas na área.
A tentativa de teste realizada em março de 2015 teve que ser interrompida devido a
problemas de oscilação de energia que não permitiram o funcionamento da bomba. Sendo assim,
não foi possível a coleta das amostras e o teste teve que ser suspenso.
96
CAPÍTULO 5
DISCUSSÕES
97
comportamento do cloreto, sendo também um constituinte de substituição da hidroxila e pode
ocorrer na forma de fluorita que ocorre na forma de minerais acessórios e granitos.
As águas subterrâneas aumentam seu conteúdo de sólidos dissolvidos conforme se
movem no fluxo do aquífero na zona saturada. Freeze & Cherry (1979), através da análise de
diversos estudos observaram que as águas subterrâneas tendem a evoluir quimicamente no
decorrer do fluxo de forma a se assemelharem a composição da água do mar. Essa evolução
sugere que modificações regionais ocorram determinadas pelo tempo de residência das águas ao
longo do fluxo. As principais modificações ocorrem no que tange aos ânions.
FLUXO
HCO3- HCO3- + SO42- SO42- + HCO3-
SO42- + Cl- Cl- + SO42- Cl-
AUMENTO DA IDADE
Freeze & Cherry (1979) apresentam as seguintes denominações para essa evolução:
sequência evolutiva de íons maiores, Sequência de Ignatovich e Souline e Sequência de
Chebotarev.
Silva & Rebouças (1983) chamam essa sequência de “esquema clássico de evolução
química de águas subterrâneas”. Três zonas são sugeridas nesta evolução para aquíferos porosos
em grandes bacias sedimentares, e em geral as zonas são correlacionáveis com a profundidade do
aquífero. São elas:
Zona superior - é caracterizada por rápida circulação através de rochas relativamente
bem lixiviadas com predomínio do ânion bicarbonato e pequena quantidade de TDS;
Zona intermediária - apresenta circulação mais lenta, concentração mais elevada de
TDS e predominância do ânion sulfato;
Zona inferior - é onde o fluxo é muito lento determinando a presença de minerais
altamente solúveis, predominância do ânion cloreto e elevado TDS.
A ocorrência dessas zonas depende do tempo de permanência da água no aquífero e da
presença de minerais que sirvam de fonte para os ânions (SILVA & REBOUÇAS, 1983). Não é
possível especificar o tempo ou a distância percorrida em cada zona somente que ambos tendem
a aumentar da zona superior para a inferior (FREEZE & CHERRY, 1979).
A explicação geoquímica para a sequência dada por Freeze & Cherry (1979) se baseia na
disponibilidade e na solubilidade dos minerais. O íon bicarbonato na água subterrânea é derivado
do CO2 dos solos e da dissolução de carbonatos, e é abundante próximo à zona de recarga. O
sulfato é derivado principalmente da dissolução de gipsita e anidrita, que são mais solúveis que
os carbonatos e por isso quando presentes nos aquíferos se dissolvem e a água residual fica
enriquecida em sulfato. Isso ocorre a certa distância da área de recarga, pois esses minerais são
encontrados em concentrações traço e dificilmente estão presentes em zonas rasas dos aquíferos.
Quando as águas atingem grandes profundidades e encontram minerais portadores de Cl que são
extremamente solúveis elas se tornam enriquecidas em cloreto.
Os autores relatam que quando existem poucos minerais portadores de sulfatos e cloretos,
a difusão do Cl que é um processo extremamente lento pode tornar a evolução química um
processo gradual ao invés de se dá por estágios distintos como é esperado levando em
consideração somente a solubilidade dos minerais (FREEZE & CHERRY, 1979).
98
Silva & Rebouças (1983) relatam um aumento da temperatura e da salinidade das águas
do Aquífero Botucatu desde a zona de afloramento (área de recarga) até a região fortemente
confinada do aquífero. Nesse sentido, as águas evoluem de bicarbonatadas magnesianas e calco
magnesianas para bicarbonatadas cálcicas, bicarbonatadas sódicas e cloro-sulfatadas sódicas
quando chegam a atingir idades da ordem de 30.000 anos. O aumento gradativo e constante do
cloreto da área de recarga em direção ao fluxo do aquífero é explicado pelos autores pela alta
solubilidade dos minerais portadores de cloro e pelo longo tempo de permanência desse íon nas
águas do aquífero.
As águas subterrâneas do município de Petrolina se comportam como previsto pela
Sequência de Chebotarev descrita por Silva & Rebouças (1983) e Freeze & Cherry (1979), sob a
exceção de não apresentarem concentrações de sulfato esperadas na zona intermediária. Estudos
mais detalhados da geologia da área são necessários para explicar a ausência de tal íon. Como
descrito por Freeze & Cherry (1979), a evolução gradual observada pode ser em decorrência da
difusão do cloro. Outra possível explicação é o enriquecimento residual do cloro. O cloreto em
solução é estável e inerte e dificilmente forma precipitados ou é adsorvido pelos argilominerais,
assim se torna relativamente enriquecido no momento em que os outros íons vão sendo
adsorvidos e precipitados e ele se torna residual (Figura 5.1). A origem desse elemento nas águas
subterrâneas de Petrolina pode ter contribuição tanto meteórica, quanto por dissolução de
minerais sendo que estudos mais detalhados devem ser feitos para maiores esclarecimentos.
Figura 5.1 - Diagrama Eh x pH do elemento cloro considerando [Cl-]TOT = 18.00 mM a T=25°C. Mostrando
que sob as condições das águas subterrâneas, predominantemente redutoras, a forma estável do cloro é em
solução Cl-.
Andrade & Leal (2010), em seus estudos no semiárido da Bahia, associam a alta
correlação do STD (Sólidos Totais Dissolvidos) com o cloro e a baixa correlação do STD com o
bicarbonato a indicativos de que a origem das elevadas salinidades das águas subterrâneas não
está predominantemente associada ao processo de interação água-rocha. Os autores explicam que
o bicarbonato é fruto principalmente da interação água-rocha, já o cloreto não é hidromórfico,
sendo esperada baixa liberação desse íon a partir da decomposição das rochas da área estudada
(ANDRADE & LEAL, 2010).
O bromo geralmente é encontrado em águas subterrâneas associado ao cloro.
Diferentemente do cloro (que nas amostras de Petrolina varia entre 4,57 e 10.818,21 mg/L), que
99
é considerado elemento maior, o bromo é considerado elemento traço e ocorre em pequenas
concentrações na água subterrânea (em Petrolina varia entre 0,02 a 35,89 mg/L).
A presente análise permitiu caracterizar a evolução química das águas subterrâneas de
diferentes salinidades nos aquíferos fraturados do município de Petrolina. Supõe-se que o
principal fenômeno modificador da composição química das águas durante essa evolução seja o
enriquecimento do cloro residual ou decorrente da difusão. Entretanto, novos estudos devem ser
realizados para caracterização dos fenômenos modificadores e determinação da origem desse
elemento se meteórico ou por dissolução de minerais.
O nitrato é uma substância que ocorre em elevados teores em inúmeras amostras de águas
subterrâneas. Como não existe nenhum mineral com nitrato em sua estrutura na região, esta
substância apenas pode ser considerada como contaminação por atividades antrópicas. A
pecuária e agricultura são atividades que explicam a introdução de nitrato nas áreas subterrâneas
da região.
As análises de isótopos estáveis realizadas para caracterização isotópica regional estão
expressas na Figura 4.8. Para uma análise mais detalhada foram escolhidas somente 2 curvas de
água meteórica locais que mais se assemelham as características climáticas do município de
Petrolina, são elas: a da estação de Floresta da IAEA e a curva descrita por Silveira & Silva
Junior (2002) para a região nordeste. Estas foram plotadas juntamente com a GMWL e com as
amostras de água subterrânea do município no gráfico δD x δ18O (Figura 5.2).
Andrade & Leal (2010) citam análises isotópicas realizadas em amostras de água
subterrânea de aquíferos fraturados no vale do Curaçá (Bahia) e na região de Uauá (Bahia) que
apresentaram, para as amostras mais salinas, um enriquecimento em isótopos pesados resultado
da forte evaporação característica do semiárido. Entretanto, a maioria das amostras coletadas no
município de Petrolina surpreendentemente apresenta enriquecimento em isótopos leves e está
localizada acima das curvas da água meteórica global e locais. Elas encontram-se alinhadas
formando uma linha, que nessa dissertação é denominada de “linha da água subterrânea de
Petrolina”. A equação da reta está explicitada no gráfico.
Figura 5.2 - Amostras de água subterrânea de Petrolina plotadas juntamente com GMWL e com a LMWL.
As amostras estão localizadas acima das linhas (mostrando enriquecimento em isótopos leves) e encontram-se
alinhadas formando uma linha denominada “linha da água subterrânea de Petrolina”.
100
Frape et al. (1984) descrevem uma situação parecida em águas subterrâneas de 4 minas
localizadas em aquíferos fraturados do Canadá. Amostras de poços de diferentes profundidades
foram analisadas. Águas frescas foram encontradas a menos de 650 metros de profundidade com
TDS < 10.000 mg/L; e águas salinas e salmouras foram encontradas a mais de 650 m de
profundidade com TDS > 325.000 mg/L. Os autores relatam que o grupo de águas mais rasas
apresentam química dominante de Na-Ca-HCO3 e Ca-Na-HCO3, já o grupo das águas profundas
Ca-Na-Cl. As amostras foram plotadas no diagrama δD x δ18O juntamente com a GWMG e
muitas se posicionaram acima da referida curva (Figura 5.3).
As águas rasas e frescas se localizam sobrepostas ou abaixo da GWMG indicando a
participação de processos climáticos. Entretanto, as amostras salinas e salmouras apresentam um
enriquecimento no δD e um empobrecimento no δ18O se localizando acima da curva da água
meteórica global. Os autores concluíram que as águas salinas não representavam um estágio da
evolução química com aumento do TDS no decorrer do fluxo, mas sim uma mistura de águas
isotopicamente e quimicamente distintas das águas rasas (localizadas abaixo da GWML) e
profundas (sinalizadas com o círculo vermelho). Os dados de 87Sr/86Sr das amostras de salmoura
e rocha mostraram forte correlação. Com a combinação dos dados os autores concluíram que as
salmouras sofreram um intenso processo de interação água-rocha. Suas assinaturas isotópicas
podem refletir ou uma condição climática adversa da atual, paleochuvas em clima mais frio, ou
são frutos da interação água-rocha (FRAPE et al., 1984).
Figura 5.3 - Amostras de água subterrânea de aquífero fraturado do Canadá de diferentes salinidades
plotadas no diagrama δD x δ18O. As linhas de aumento de salinidade representam águas salinas resultado da
mistura de águas rasas e frescas (localizadas abaixo da GWML) e de salmouras profundas (sinalizadas com o
círculo vermelho) (FRAPE et al., 1984).
101
Figura 5.4 - Variações da curva da água meteórica global prevendo o comportamento de águas subterrâneas
decorrente do fracionamento isotópico no processo de interação água-rocha (Adaptado de GEYH, 2001).
102
laboratório, foram analisados somente 3 conjuntos de amostras completos. Os conjuntos são:
EM, do poço de monitoramento do Sistema Piloto da Escola Municipal; RKF, do poço de
monitoramento do Sistema Piloto da RKF mudas; e 137 que corresponde a um poço antigo
bombeado com cata-vento.
O par EM, apesar de ter elevada C.E., não apresentou correlação entre 87Sr/86Sr da água
subterrânea e das rochas, indicando que as águas podem não ter tido interação água-rocha por
um período de tempo suficiente para que fosse estabelecido o equilíbrio. Outra explicação é que
a água apresente recarga em área com diferente contexto geológico e o sistema de fluxo por
fraturas sub-horizontais a coloca em contexto de rochas distintas. O par 137 apresentou uma
maior aproximação dos valores tendo uma diferença de 0,00629 indicando uma maior
participação da interação água-rocha, apesar de ter o menor valor de condutividade elétrica entre
as amostras. Já o par RKF foi o que obteve resultados mais interessantes. O conjunto de amostras
do Sistema Piloto da RKF mudas é composto por 3 amostras, uma da água do poço, uma de
amostras alteradas coletadas próximo ao poço (87Sr/86Sr em pó de rocha) e uma de amostra
fresca coletada a aproximadamente 50 m do poço em uma cisterna com rocha fresca aflorante
(87Sr/86Sr em rocha). Os dados da água subterrânea se aproximam bastante do encontrado para a
amostra de rocha alterada, com uma diferença de 0,00063, e não se assemelha aos dados de
rocha fresca. Isso mostra que a interação água-rocha ocorreu por um período de tempo suficiente
para que houvesse uma troca isotópica entre a água e a rocha durante a hidratação dos silicatos e
formação dos minerais de alteração resultando em um equilíbrio isotópico com relação ao
Estrôncio (Figura 5.5). Segundo os dados de datação a amostra de água RKF possui
aproximadamente 282 anos. As outras 3 amostras datadas nesta dissertação (113, CN e JA) são
mais antigas, portanto espera-se que o equilíbrio com relação ao Sr já esteja estabelecido em
todas elas.
Figura 5.5 – Evolução do processo de interação água-rocha nas águas subterrâneas do município de Petrolina
com base na análise da razão 87Sr/86Sr.
103
O poço de coleta da amostra 137 está localizado sobre as rochas da Faixa Móvel Riacho
do Pontal e os de coleta das amostras EM e RKF sobre rochas do Cráton São Francisco. Assim,
as análises das razões de estrôncio mostram que o processo de interação água-rocha está presente
nas rochas dos 2 contextos geológicos.
Quanto à datação (Tabela 4.3), as amostras apresentaram valores aproximados de idade
com Carbono 14 entre 282 e 5.547 anos. Os baixos valores de Trítio reforçam a ausência de
recarga recente nas fraturas profundas captadas pelos poços. Não foi possível estabelecer uma
relação entre a condutividade elétrica e as idades, mas foi possível observar a relação entre as
idades e o δ13C com R² de 0,957. Quanto mais antigas as águas mais negativo o δ13C (Figura
5.6).
Figura 5.6 - Relação das idades aproximadas obtidas pelo método carbono 14 com a condutividade elétrica e
com o δ13C.
Os resultados das dosagens de Trítio indicam que não há recarga recente, pois os valores
são abaixo do limite de detecção do equipamento de medição. Entretanto, estudo realizado no
semiárido da Bahia aponta para a existência de variações dos níveis estáticos em poços de
monitoramento localizados em aquíferos fraturados (SILVA, 2015). Essas variações são
decorrentes de recargas recentes. Assim, os valores reduzidos de Trítio obtidos nas análises da
presente dissertação não indicam que não há recarga recente. Elas podem estar ligadas a
profundidade da água captada nos poços. As águas de recarga recente, que devem apresentar
valores de Trítio maiores, ficam localizadas nas partes mais superficiais dos aquíferos, já as
águas desprovidas de Trítio estão armazenadas em porções profundas dos aquíferos e são
derivadas de recargas que ocorreram a centenas de anos. Os poços utilizados para coleta de
amostras de água para datação provavelmente produzem águas mais antigas a partir de fraturas
profundas ou interconectadas a áreas de recarga distantes. Isso influencia na idade das águas
obtidas sendo que poços cacimbas escavados em aluviões devem captar águas mais jovens
(Figura 5.7).
104
Figura 5.7 – Seção transversal mostrando as prováveis variações nos conteúdos de Trítio das águas
subterrâneas de acordo com a profundidade.
A amostragem no canal de irrigação que leva água do Rio São Francisco até as
proximidades do povoado de Uruás permitiu confirmar a importância do processo de evaporação
no semiárido do nordeste brasileiro. A Figura 5.8 mostra a curva da água residual acentuada
observada nas amostras do canal de irrigação. Mostrando nitidamente o enriquecimento em
isótopos pesados nas águas residuais do canal com a atuação da evaporação.
As amostras do canal próximas ao Rio São Francisco encontram-se mais próximas da
curva da água meteórica global, mas já apresentam uma característica de evaporação em função
da barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho que se localiza a poucos quilômetros a
montante de Petrolina. No decorrer do canal a evaporação é intensificada e as amostras tendem a
ficar enriquecidas em isótopos pesados se distanciando da curva da água meteórica global e
local. A linha de tendência gerada pela curva de evaporação das amostras apresenta a equação
exposta no gráfico da Figura 5.8 com R² elevado. A extrapolação da linha de tendência permite
identificar a assinatura isotópica da água antes que o processo de evaporação começasse a atuar,
denominada “água inicial” na figura.
Figura 5.8 - Curva da evaporação para amostras coletadas ao longo do canal de irrigação que liga as águas
do Rio São Francisco ao interior do município (proximidades do povoado de Uruás).
105
O Sistema Piloto de Recarga Artificial desenvolvido pelo Projeto RECARFRAT foi
testado em três sítios descritos na seção 1.5 no capítulo 1.
A recarga artificial no Sistema Piloto da Escola Municipal não obteve êxito devido a
problemas na trincheira de recarga. Em sua escavação foi encontrado um nível de micaxisto com
baixa condutividade hidráulica que funcionou como uma barreira hidráulica retardando a
chegada da água de recarga na fratura monitorada. Dessa forma, os testes foram suspensos. O
acontecimento reforça os cuidados necessários na instalação de sistemas de recarga artificial
rasos. A presença de níveis impermeáveis próximos à superfície limita seu funcionamento.
No Sistema Piloto da RKF mudas também houve problemas na construção da trincheira.
Esta ficou localizada mais afastada do poço, comparativamente com os outros sistemas piloto, e
não foi preenchida adequadamente sendo que além de cascalho foram depositados sedimentos
mais finos. Devido a esses condicionantes era esperado que a chegada da recarga artificial fosse
mais demorada.
É possível observar na Figura 5.9 que nos períodos de medição os parâmetros isotópicos
e físico-químicos mostram variações sem um padrão definido. Sendo que somente nos períodos
de pausa das medições (interrompidas durante as madrugadas) o gráfico apresenta retas sem
variações. A aleatoriedade das medições não permite que a determinação da chegada da água de
recarga artificial seja feita somente com a análise do gráfico. Assim, os dados foram plotados no
diagrama δ18O x δD (Figura 5.10).
Os dados no diagrama δ18O x δD mostram que a amostra RKF-III-20 apresenta
nitidamente características de mistura entre as águas do aquífero e do Rio São Francisco. A
RKF-III-20 foi à terceira amostra coletada no dia 27/03/2015 as 9h30 da manhã e não apresenta
variações significativas quanto aos parâmetros físico-químicos com relação às amostras
próximas a ela. Tal fato confirma a maior sensibilidade dos isótopos na detecção de misturas de
águas. Nelson & Melady (2014) relatam o uso de isótopos de nitrogênio (δ15N) e análise
hidroquímica para monitoramento de sistemas de recarga artificial do tipo ASR em Oregon nos
EUA.
O pulso de mistura da água de recarga com a água do aquífero foi bem discreto, sendo
observado somente em uma amostra, devido aos problemas construtivos da trincheira de recarga
e a grande perda por fluxo lateral nos solos. O sistema Piloto da RKF mudas está localizado mais
próximo ao Rio São Francisco e por isso possui solo mais espesso.
Os cálculos descritos por Martinelli et al. (2009) e Araguás (2014) permitem o cálculo da
participação de águas com assinaturas isotópicas distintas em uma mistura de 2 componentes
através da equação:
𝑄𝑃 . 𝛿𝑃 = 𝑄𝐴 . 𝛿𝐴 + 𝑄𝐵 . 𝛿𝐵 (Eq. 5.01)
A água do aquífero contribui com 66,27% e a água da recarga artificial com 33,73%,
segundo dados de δD. E que a água do aquífero contribui com 43,33% e a água da recarga com
106
56,67% segundo o δ18O. Os valores são significativos e as variações são decorrentes de
imperfeições ligadas à metodologia. As Figuras 5.9 e 5.10 mostram o monitoramento realizado
durante os testes do Sistema Piloto da RKF mudas.
RKF-III-20
Figura 5.9 - Variação dos parâmetros físico-químicos e isotópicos durante o monitoramento do Sistema Piloto
da RKF Mudas. O quadrante vermelho corresponde à amostra RKF-III-20.
RKF-III-20
Figura 5.10 - Avaliação do funcionamento do Sistema Piloto da RKF Mudas. O gráfico mostra a assinatura
isotópica inicial do aquífero, da água utilizada na recarga e da mistura.
O teste realizado no Sistema Piloto da Fazenda do Jair foi o que apresentou os melhores
resultados. Foram injetados 2 pulsos de água tanto do Rio São Francisco quanto do canal de
irrigação. As Figuras 5.11 e 5.12 mostram o monitoramento realizado durante os testes do
Sistema Piloto da Fazenda do Jair.
107
JA-21
JA-15
JA-22
JA-16
Figura 5.11 - Indicação das alterações nos parâmetros físico-químicos e isotópicos no momento da chegada da
água da recarga artificial apontada pela Figura 5.12.
Figura 5.12 - Avaliação do funcionamento do Sistema Piloto da Fazenda do Jair. O gráfico mostra a
assinatura isotópica inicial do aquífero, das águas utilizadas na recarga e da mistura.
A análise dos gráficos permite concluir que houve dois momentos de chegada da água de
recarga artificial na fratura monitorada. Os parâmetros físico-químicos e os dados isotópicos
mostram de maneira bem mais nítida a chegada da recarga comparativamente aos dados do
Sistema Piloto da RKF mudas. As amostras JA-15 e JA-16 evidenciam o primeiro momento de
chegada da água de recarga; e as amostras JA-21 e JA-22 o segundo momento. As 4 amostras
apresentam assinaturas isotópicas de mistura das águas iniciais do aquífero com as águas da
recarga artificial (do canal de irrigação e do Rio São Francisco). Não é possível determinar se os
momentos são correspondentes ao primeiro ou ao segundo pulso de injeção. Como houve a
mistura de 3 fontes, não é possível usar o modelo de mistura de 2 fontes exposto anteriormente.
108
Um fato interessante diz respeito à diminuição da condutividade elétrica das águas
subterrâneas na chegada da água de recarga artificial. No segundo momento de chegada da água
de recarga a condutividade elétrica das águas subterrâneas diminuiu mais do que no primeiro
momento. Indicando que sucessivas injeções de água da recarga artificial possam diminuir
gradativamente cada vez mais as condutividades elétricas e a salinidades das águas subterrâneas.
Esse fato torna viável a aplicação do Sistema Piloto de Recarga Artificial projetado para o fim
proposto, diminuir a salinidade das águas subterrâneas.
Dos 3 sítios construídos para teste do sistema piloto de recarga artificial, 2 mostraram-se
adequados. Os resultados do Sistema da RKF mudas mostraram a chegada discreta da água de
recarga na fratura monitorada pelo poço. A resposta em somente uma amostra pode ter
explicação no escape lateral da água no solo, que é mais espesso na área em decorrência da
maior proximidade com o Rio São Francisco. Pode ser que essa água tenha infiltrado em outra
fratura diferente da monitorada e pode ser que um maior volume de água tenha chegado à fratura
após o fim do monitoramento. Os testes no Sistema da Escola Municipal não foram concluídos
devido à presença de nível de micaxisto na base na trincheira de recarga. O Sistema do Jair foi o
mais efetivo e obteve avaliação positiva.
Os resultados permitem concluir que o sistema piloto de recarga artificial possui
viabilidade hidráulica, ou seja, é possível que a água de recarga artificial chegue aos aquíferos
fraturados e diminua sua salinidade. Entretanto, alguns aspectos importantes devem ser
observados para a efetividade da recarga como: a presença de camadas impermeáveis próximas à
superfície e principalmente próximas a trincheira de recarga; a trincheira deve ser preenchida
somente com cascalho para garantir a elevada condutividade hidráulica do meio; a água de
injeção deve conter baixo conteúdo de sedimentos em suspensão para evitar a colmatação nas
paredes e no fundo da trincheira e a trincheira deve ser escavada até o contato solo-rocha.
Já a aplicabilidade no semiárido nordestino está atrelada ao volume de água que será
disponibilizado para infiltração. O objetivo principal da aplicação do sistema é diminuir a
salinidade das águas subterrâneas a fim de aumentar suas possibilidades de uso e, para tal, deve
ser infiltrada uma quantidade de água suficiente para que isso ocorra. Freeze & Cherry (1979)
classificam águas com TDS < 1.000 mg/L como doces. A portaria CONAMA 396/2008, que
dispõe sobre a classificação e as diretrizes ambientais para o enquadramento das águas
subterrâneas, define que o valor máximo permitido para consumo humano para TDS é de 1.000
mg/L. Dessa forma, se as águas subterrâneas atingissem valores de TDS menores que 1.000
mg/L elas seriam consideradas doces e isso ampliaria suas possibilidades de uso.
Tomando como base o Sistema Piloto da Fazenda do Jair, foi realizado um cálculo
estimativo do volume de água que seria injetado numa trincheira localizada no semiárido
nordestino de maneira natural com a água da chuva. Considerando uma cobertura de telhado de
tamanho 10 x 10 m (100 m²) e que a precipitação média anual no semiárido nordestino, segundo
a SUDENE, seja igual ou inferior a 800 mm. Em uma visão otimista (com precipitação média
anual de 800 mm), por ano precipitará sobre esta cobertura 8.000 L de água de chuva. No teste
do Sistema do Jair foram infiltrados 39.000 L de água na trincheira, o que simulou a chuva de
aproximadamente 4 anos e 10 meses, e foram observados 2 pulsos de chegada. No primeiro a
condutividade elétrica abaixou de 4,404 para 3,792 mS/cm (uma diminuição de 13,89%) e no
segundo ela rebaixou de 4,304 para 2,652 mS/cm (38,38%). Isso mostra que sucessivas
infiltrações podem diminuir gradativamente cada vez mais a salinidade das águas subterrâneas.
Tomando esses valores como base para uma estimativa muito simplificada, se a cada 5 anos de
109
chuva a condutividade elétrica reduzir 1,652 mS/cm, para um valor inicial de C.E. de 4,5 mS/cm
(valor inicial do poço do Sistema do Jair), em aproximadamente 10 anos os valores estarão
abaixo de 1,7 mS/cm que equivale, em TDS, a valores abaixo de 1.000 mg/L. Ou seja, a água
passa a ser considerada doce. Porém, além disso a água deve ter os outros parâmetros químicos
citados na referida portaria da CONAMA dentro dos intervalos permitidos (Tabela 5.1).
Nas regiões de secas mais críticas do nordeste, aonde a precipitação média anual chega a
ser da ordem de 400 mm, os valores devem ser dobrados para um telhado de mesmas dimensões
(100 m²) e para condutividade elétrica inicial de 4,5 mS/cm. Após 20 anos do início do
funcionamento do sistema o TDS atingirá valores abaixo de 1.000 mg/L (Tabela 5.1).
Tabela 5.1 – Estimativa do tempo necessário para que a água subterrânea de Petrolina seja considerada doce
com o Sistema Piloto funcionando de maneira natural com a água da chuva.
Tempo para
Volume de água
Precipitação C.E. Tempo Diminuição que a água se
Cenário da chuva no
média anual inicial (anos) da C.E. torne doce
telhado por ano
(anos)
Otimista 800 mm 8.000 L 4,5 mS/cm 5 1,652 mS/cm 10
Pessimista 400 mm 4.000 L 4,5 mS/cm 10 1,652 mS/cm 20
110
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
111
restringe o fluxo nos aquíferos. O fluxo restrito permite que as águas subterrâneas permaneçam
longos períodos de tempo em contato com as rochas nas fraturas. O que aconteceria é que no
processo de hidratação dos silicatos, principalmente dos feldspatos nos gnaisses e granitos, os
mesmo assimilariam preferencialmente os isótopos pesados e as águas ficariam enriquecidas em
isótopos leves.
A terceira e última hipótese é que ambos os fatores, interação água-rocha e recarga por
paleo chuvas, atuem de maneira conjunta para resultar nas assinaturas isotópicas atuais das águas
subterrâneas.
O processo de interação água-rocha foi evidenciado em três pontos expostos na presente
dissertação: os dados de estrôncio, de hidroquímica e a caracterização isotópica regional. Os
dados de 87Sr/86Sr mostram que o processo de interação água-rocha existe nos aquíferos
fraturados de Petrolina em graus variados tanto nas rochas do Cráton São Francisco quanto nas
rochas da Faixa Móvel Riacho do Pontal. A sequência de amostras EM -> 137 -> RKF
representa um aumento progressivo no tempo de residência das águas subterrâneas e da atuação
do processo de interação água-rocha (Figura 5.5). A hidroquímica também indica uma evolução
na composição química das águas subterrâneas de acordo com suas condutividades elétricas que
outros exemplos na literatura apontam que seja resultado de interações água-rocha (solubilidade
de minerais, hidratação de silicatos, neoformação de argilominerais, dentre outros). Os dados
apresentados permite considerar que a assinatura isotópica acima da curva da água meteórica
global pode ser além da participação de paleo chuvas, resultado de interação água-rocha pela
hidratação de silicatos. Portanto, com o conjunto de dados existentes é possível concluir que o
processo de interação água-rocha existe nos aquíferos fraturados de Petrolina e em graus
variados, tanto nos aquíferos fraturados localizados no Cráton São Francisco, quanto nos
localizados na Faixa Móvel Riacho do Pontal.
A seção elaborada com base em seis poços presentes na Fazenda do Sr. Jair (Figura 4.15)
juntamente com as análises de fraturas na pedreira abandonada mostra que as águas infiltram em
sistemas de fraturas isolados. Esses sistemas de fraturas são conectados por extensas fraturas
sub-horizontais profundas. Silva (2015) mostra a importância das fraturas sub-horizontais na
interconexão de sistemas de fraturas no semiárido do estado da Bahia.
Alguns dados apresentados nessa dissertação podem contribuir para a ampliação dos
conhecimentos sobre a causa das elevadas salinidades observadas nas águas subterrâneas dos
aquíferos fraturados do semiárido brasileiro. O que se observa é que um conjunto de fatores tem
influência nas altas salinidades encontradas, como já expostos no Capítulo 3. São eles: recarga
restrita; solos pouco lixiviado e ricos em elementos alcalinos e alcalinos terrosos; clima
(elevadas temperaturas, taxa de evaporação e irradiação solar aliado a chuvas escassas); relevo
plano; característica das fraturas (baixa conectividade); e processo de interação água-rocha.
Acredita-se que o enriquecimento em sais possa ocorrer tanto na superfície quanto em
profundidade nas fraturas. Em superfície o relevo plano faz com que as águas das chuvas fiquem
empossadas e sofram evaporação o que enriquece a água residual em sais. Além disso, as águas
percolam pelos solos, enriquecidos em sais, e carreiam parte desses sais. Sendo assim, quando
infiltram nas fraturas as águas já estão com certa salinidade. Complementarmente a isso, nas
fraturas o longo tempo de residência das águas subterrâneas permite que a interação água-rocha
contribua nessa elevada salinidade.
Os dados obtidos para as amostras de Petrolina permitem concluir que a causa da elevada
salinidade das águas está ligada predominantemente a processos superficiais com influência do
112
enriquecimento em sais nos solos e do clima (elevada taxa de evaporação). O processo de
interação água-rocha pode contribuir, mas em menor proporção comparado com os processos
superficiais.
A salinidade das águas (expressa pela condutividade elétrica) não possui uma relação
explícita com as idades, nem com os dados de 87Sr/86Sr que são dados que refletem indiretamente
o tempo de residência das águas subterrâneas e por isso estão ligados a interação água-rocha. Os
dados da hidroquímica que mostram que a condutividade elétrica possui forte correlação com o
cloro, mas baixa correlação com o bicarbonato também reforçam que o processo de interação
água-rocha possui participação limitada no enriquecimento em sais das águas subterrâneas,
conforme apresentado por Andrade & Leal (2010).
Os solos da área são pouco evoluídos e são enriquecidos em elementos alcalinos e
alcalinos terrosos. Foram observados nos trabalhos de campo vertissolos, planossolos,
cambissolos e subordinadamente latossolos. Como o relevo é plano, as precipitações se
acumulam na superfície onde os íons são dissolvidos. A evaporação deixa a água residual
concentrada em íons. Quando ocorre infiltração a água já apresenta certo enriquecimento em
sais. Posteriormente nos aquíferos o processo de interação água-rocha pode contribuir para o
maior enriquecimento em sais. Entretanto, estima-se que o enriquecimento a partir dos solos seja
predominante.
Testes foram realizados com os sistemas piloto de recarga artificial elaborados pelo
Projeto RECARFRAT. A aplicação dos sistemas piloto visa à diminuição da salinidade das
águas subterrâneas do município de Petrolina aumentando assim suas possibilidades de usos. Os
sistemas não pretendem ampliar a oferta de água subterrânea até porque não existe
sobrexplotação dos aquíferos na região.
Os sistemas são viáveis hidraulicamente, contudo é necessário um volume considerável
de água para que as salinidades diminuam a ponto de ampliar as possibilidades de uso das águas
subterrâneas. Portanto, os resultados são esperados em um longo período de tempo após a
implantação dos mesmos. Estimativa simplificada foi feita para dois cenários distintos com
padrões definidos com base nos dados do Sistema Piloto da Fazenda do Jair para uma área de
cobertura (telhado para coleta de água da chuva) de 100 m² e uma condutividade elétrica inicial
de 4,5 mS/cm. Levou-se em consideração que se as águas atingissem valores de TDS inferiores a
1.000 mg/L elas seriam consideradas doces e isso ampliaria suas possibilidades de uso. O
cenário otimista aponta uma precipitação média anual de 800 mm e que salinidades abaixo de
1.000 mg/L sejam atingidas entre 15 e 20 anos. O cenário pessimista aponta para 400 mm de
precipitação média anual e um tempo em torno de 25 a 30 anos.
O tempo apresentado foi calculado com base em uma estimativa muito simplificada
elaborada com parâmetros definidos. Variações nesses parâmetros poderão alterar o tempo
calculado. Por exemplo, foi observado nos testes do Sistema Piloto da Fazenda do Jair que
sucessivas injeções de água da recarga artificial diminuem gradativamente cada vez mais as
condutividades elétricas das águas subterrâneas. Isso não foi levado em conta na estimativa
simplificada e pode diminuir o tempo calculado quando o sistema for aplicado.
É importante que os poços de monitoramento dos Sistemas Piloto de Recarga Artificial
sejam constantemente bombeados a fim de ativar a circulação de água no aquífero, criando
espaço para entrada das águas e ampliando a efetividade da recarga artificial. Moradores da
região de Petrolina relatam que poços construídos na década de 1960 com bombeamento ao
longo dos anos, apresentaram uma diminuição da salinidade das águas. Estudos realizados no
113
semiárido de estado da Bahia não chegaram a conclusões definitivas sobre a relação da
diminuição da salinidade das águas com o bombeamento constante. Na ocasião do experimento,
metade das amostras aumentou e metade diminuiu o TDS (ANDRADE & LEAL, 2010). Apesar
dos dados inconclusivos é importante que haja a ativação da circulação de água nos aquíferos
para que ocorra renovação das águas subterrâneas.
O monitoramento da chegada das águas de recarga artificial nos aquíferos foi feito
utilizando parâmetros físico-químicos (medidos in situ) e isótopos estáveis de oxigênio e
hidrogênio (analisados em laboratório). O monitoramento por isótopos ambientais foi satisfatório
assim como com as medições de parâmetros físico-químicos (C.E., pH e Eh). O primeiro método
é mais sensível na detecção da chegada da água de recarga (mistura), apesar de possuir maior
custo e precisar ser feito em laboratório. Já o segundo é mais barato e pode ser aplicado em
campo. Os dados isotópicos oriundos do monitoramento do Sistema Piloto da RKF Mudas
mostraram resultados indicativos de mistura da água do aquífero com a água de recarga artificial,
porém as análises dos parâmetros físico-químicos não mostraram variações significativas.
Não se espera que com a aplicação dos Sistemas Piloto de Recarga Artificial as águas
subterrâneas atinjam os limites de potabilidade e possam ser utilizadas para fins muito restritivos
como o consumo humano. Entretanto, espera-se que suas possibilidades de uso sejam ampliadas
em longo prazo. Atualmente as águas subterrâneas são utilizadas em proporções muito pequenas,
comparativamente com as águas superficiais, e somente para dessedentação de bodes e cabras e
para irrigação de pequenas áreas. Espera-se que com a aplicação dos sistemas piloto em longo
prazo as águas subterrâneas possam ser utilizadas para dessedentação de outros animais como
bois, vacas e porcos; para higiene como uso em vasos sanitários, limpeza de casas e banho; e
para recreação.
As respostas obtidas com a aplicação dos sistemas piloto são locais, pois a conexão entre
as fraturas é limitada nos aquíferos fraturados de Petrolina. Sendo assim, não existe um fluxo
regional expressivo. Uma possibilidade de aplicação real dos sistemas é pelo poder público. A
implantação dos mesmos em pontos estratégicos do semiárido brasileiro poderia em longo prazo
oferecer água de melhor qualidade para a população e ampliar suas possibilidades de renda
como, por exemplo, permitindo a ampliação da pecuária, com a criação de outros animais; e a
própria ampliação da agricultura, com maior oferta de água para irrigação. Políticas públicas de
longo prazo estão mostrando sua importância no combate à seca no nordeste do Brasil.
É imprescindível que após a implantação dos sistemas piloto sejam realizadas análises
hidroquímicas completas periódicas nas águas subterrâneas a fim de se analisar a potabilidade
das mesmas. Além da salinidade das águas os outros íons devem ser analisados para se
determinar com precisão os usos possíveis das águas. Outro ponto importante após a implantação
dos sistemas é o bombeamento constante dos poços de monitoramento a fim de ativar a
circulação de água nos aquíferos e abrir espaço para a entrada da água de recarga.
Existem questões que ainda não estão totalmente esclarecidas e que para tal necessitam
de mais estudos. A seguir serão citadas algumas recomendações para estudos posteriores:
Monitoramento dos Sistemas Piloto de Recarga Artificial de maneira natural somente
com a infiltração de água da chuva;
Realização de mapeamento geológico detalhado da área para um maior
conhecimento dos tipos petrográficos e das estruturas rúpteis o que pode auxiliar na
compreensão do fluxo de água nos aquíferos e na locação de novos poços;
114
Realização de estudos petrográficos e geoquímicos em rocha para detectar minerais
que possivelmente sejam fonte de cloro e outros íons para as águas subterrâneas;
Realização de levantamentos geofísicos com métodos de análise em profundidade.
As observações de campo permitiram notar a presença de extensas fraturas sub
horizontais em profundidade que serviriam como grandes condutoras e
armazenadoras de água. A análise geofísica em profundidade ajudaria a esclarecer
essas questões assim como as características de confinamento dos aquíferos;
Análises detalhadas dos perfis de solos com análises geoquímicas. Para estudar o
possível enriquecimento em alcalinos e alcalinos terrosos dos solos, a disponibilidade
de íons e a real participação dos mesmos no enriquecimento em sais das águas
subterrâneas;
Datação de mais amostras de águas subterrâneas com diferentes salinidades para se
identificar a influência do tempo de residência com a salinização;
Datação de amostras de água subterrânea captadas em diferentes profundidades com
o método do trítio para identificar recarga recente em níveis rasos;
Aprofundar os estudos nas possíveis mudanças nas assinaturas isotópicas das águas
subterrâneas em função da alteração das rochas nas fraturas com a hidratação de
silicatos;
Ampliar os estudos isotópicos no canal de irrigação a fim de se tentar determinar
uma taxa de evaporação natural para a região;
Identificar a origem do cloro e do bromo presente em altas concentrações nas águas
subterrâneas com maiores condutividades elétricas;
Estudos de outras possíveis aplicações de métodos de recarga artificial na área como,
por exemplo, para armazenamento de água da chuva em porções menos salinas dos
aquíferos;
Aprofundar os estudos das razões de 87Sr/86Sr em rocha e nas águas subterrâneas e
verificar se há correlação entre os dados obtidos e as idades das rochas.
115
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