A Quaresma e o Número 40 Na Bíblia

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

A Quaresma e o número 40 na

Bíblia

Seja para enfrentar nossos próprios dilúvios, sobreviver ao deserto


ou matar nossos próprios Golias, a Quaresma é o tempo propício
para agir e padecer espiritualmente. Em última análise, é Jesus que
peregrina conosco, que age em nós, e que sofre por nós e conosco.
:
Quarenta dias, a duração da Quaresma, é um dos períodos de
tempo mais simbolicamente expressivos na Sagrada Escritura.

Não são só os quarenta dias de tentação que Jesus enfrentou no


deserto; nem os anos em que os israelitas erraram pelo deserto, ou
os dias em que as águas do dilúvio cobriram a terra, segundo o
Gênesis. O Antigo Testamento é marcado por várias outras
quarentenas:

Moisés ficou na montanha com Deus por quarenta dias e


quarenta noites (cf. Ex 34, 28);
os israelitas exploraram a Terra Prometida por quarenta dias (cf.
Nm 13, 25);
Golias desafiou os israelitas à luta por quarenta dias (cf. 1Sm 17,
16);
a refeição entregue por um anjo a Elias, sustenta-o por quarenta
dias no deserto (cf. 1Rs 19, 8);
Ezequiel carrega “a iniquidade da casa de Judá durante
quarenta dias” (Ez 4, 6);
Deus adia a destruição de Nínive por quarenta dias, dando à
cidade tempo para se arrepender (cf. Jn 3, 4).

O próprio número 40 também aparece em forma de anos.


Representa os “descansos” periódicos concedidos à terra de Israel
no livro dos Juízes (3, 11). É também a duração dos reinados de Saul
e Davi (cf. 2Sm 5, 4), e o número de anos em que Israel deveria ficar
no exílio, de acordo com o profeta Ezequiel. Quarenta é também o
número de chicotadas permitido em um castigo (cf. Dt 25, 3) e o
comprimento do salão principal do primeiro e do segundo templo no
Antigo Testamento.
:
“Davi com a cabeça de Golias”, por Caravaggio.

Quarenta é um número de punição e arrependimento, provação e


descanso, e, acima de tudo, dependência absoluta de Deus. Sempre
que Deus quer fazer algo significativo, Ele o faz em quarenta dias (ou
anos). Como observa uma enciclopédia bíblica, “o número 40 está
associado, praticamente, a cada novo desenvolvimento dos atos
poderosos de Deus na história, especialmente no que diz respeito à
salvação [do homem]”.

Cada um dos fatos mencionados acima certamente marca uma nova


era na história da salvação. O dilúvio do Gênesis obviamente marca a
destruição da terra então conhecida e um novo começo para a
humanidade. Os quarenta dias no deserto, na montanha e na Terra
Prometida, do relato do Êxodo, são claramente o novo começo na
história de Israel. Do mesmo modo, a instituição de uma monarquia,
:
com Saul e depois Davi, também marca uma nova era para o antigo
Israel.

Mas o simbolismo bíblico do número 40 tem também uma intrigante


analogia com o mundo natural: trata-se, afinal de contas, do
número total de semanas para a gestação de um ser humano.

E a gravidez é, de fato, um modelo conveniente para os períodos


bíblicos citados acima. Começa com a intensidade do momento da
concepção, segue-se um momento marcado tanto pela dor quanto
pela alegre expectativa, e então, somente após esse período de
espera, dá-se o nascimento de uma nova pessoa.

É muito apropriado, então, que a nova era de salvação para todo


o mundo tenha começado com uma gravidez: a de Maria.

Lembre-se que o relato do Êxodo é particularmente semelhante aos


altos e baixos de uma gravidez. Começa com a extraordinária
travessia do Mar Vermelho, é seguido por uma longa estadia no
deserto e conclui-se com o ingresso dramático na Terra Prometida
por uma outra travessia milagrosa, a do Rio Jordão.

A travessia do Mar Vermelho é um símbolo do Batismo com o qual já


estamos familiarizados. Mas o mesmo se dá com a travessia do Rio
Jordão [i]. E vale lembrar: é por meio do Batismo que “nascemos de
novo”. (É possível ver aqui, na verdade, uma analogia contínua com o
parto, já que este começa com o fluxo de água de uma “bolsa se
rompendo”.) O dilúvio de quarenta dias, aliás, também prefigura o
Batismo.
:
“O Dilúvio”, por Hans Baldung Grien.

A cada Quaresma, nós levamos para casa essas relações entre


perseverança, renovação interior e o batismo em particular; e no
final desse período somos chamados a renovar nossas
promessas batismais. Assim, nós participamos da experiência do
próprio Cristo no deserto, que começou com seu próprio batismo no
Rio Jordão.
:
No relato do Antigo Testamento, os quarenta dias de peregrinação
antecipavam a futura moradia dos israelitas na Terra Prometida. A
relação entre os dois é reforçada pelo fato de que a missão dos
exploradores da Terra Prometida dura quarenta dias.

Assim também no Novo Testamento: os discípulos são agraciados


com um “aperitivo” de quarenta dias de sua futura vida na glória:
trata-se do período de tempo em que Jesus permanece na terra
após a sua ressurreição.

As Escrituras nos convidam a embarcar em nosso próprio êxodo


de quarenta dias. E nos fornecem bastantes modelos para essas
jornadas espirituais. Seja para enfrentar nossos próprios dilúvios,
sobreviver ao deserto ou matar nossos próprios Golias, a Quaresma
é o tempo propício para agir e padecer espiritualmente [spiritual
action and passion]. Em última análise, nós sabemos: é Jesus que
peregrina conosco, que age em nós, e que sofre por nós e conosco.

Notas

1. Cf., v.g., Orígenes, Homilias sobre Josué, IV, 1: PG 12, 842: “A


Arca da Aliança conduziu o povo de Deus pelo Jordão. Os
sacerdotes e levitas pararam, e as águas, como que prestando
reverência aos ministros de Deus, refrearam o seu curso,
concedendo ao povo de Deus atravessar em segurança. Como
cristãos, não vos admireis de ver realizadas essas maravilhas
com o primeiro povo eleito, pois a vós, que passastes o
Jordão pelo sacramento do Batismo, a palavra divina
promete coisas muito maiores e mais elevadas: promete-vos
uma passagem pelo próprio céu”.
:

Você também pode gostar