A Crise Ambiental Na Sociedade de Risco - Sidney Guerra

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Lex Humana, nº 2, 2009, p.

177 ISSN 2175-0947

A Crise Ambiental na Sociedade de Risco

Sidney Guerra1

Resumo: Uma das questões mais alarmantes atualmente é a crise ambiental que
ocorre em nosso planeta. A sociedade global, apesar dos sinais de crise evidenciados,
continua a explorar de forma predatória os recursos naturais visando o crescimento
econômico. A suportabilidade natural da Terra está sendo ultrapassada gerando
riscos que afetam a vida e a qualidade de vida dos seres humanos. Infelizmente falar
em crise num mundo que há muito tempo perdeu a capacidade de causar alarme
parecem não despertar maiores interesses para que medidas efetivas sejam realmente
tomadas. Urge a mobilização da sociedade para reverter o quadro de destruição em
massa do planeta.
Palavras Chave: Meio Ambiente. Crise Ambiental. Sociedade de Risco

Resumo: Uno de los problemas más alarmantes na actualidad es la crisis ambiental


que se produce en nuestro planeta. La sociedad global, a pesar de los signos de crisis
sigue funcionando en un ritmo depredador de los recursos naturales en razon del
crecimiento económico. La suportabilidad natural de la Tierra supera la tolerancia
de los recursos naturales y generan riesgos que afectan la vida y la calidad de vida
de los seres humanos.
Lamentablemente hablar de crisis en un mundo que hace tiempo perdió la capacidad
de causar alarma no parece despertar más interés que la eficacia de las medidas
tomadas son en realidad. Instan a la movilización de la sociedad para revertir el
marco de destrucción en masa en el planeta.

Palabras clave: Medio Ambiente. Crisis ambiental. Sociedad de riesgo

1 Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Pós-Doutor pelo


Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Doutor e  Mestre em Direito. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade
Católica de Petrópolis. Contato: [email protected]

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I. Introdução

Até poucos anos atrás o estudo do ambiente não recebia muita atenção.
Todavia, esse cenário se alterou e essa mudança decorre, especialmente, dos
graves sinais da crise ecológica que se apresentam para a humanidade.
Para compreender a mudança de paradigma, necessário que sejam
levados em consideração dois processos concomitantes e interligados: o
desenvolvimento de uma consciência ambiental globalmente difundida e a
necessidade premente de formulação de políticas públicas de proteção ao
ambiente.
No mesmo ritmo em que a preocupação com questões ambientais se
tornou prioridade para setores sociais cada dia mais amplos, o ativismo verde
deixou o campo exclusivo das organizações não governamentais e ingressou
no debate político e econômico.
Nesse sentido é que são apresentados os novos paradigmas da
ecologia política que procura aproximar cada vez mais a problemática para
todos os segmentos da sociedade. São eles:
a) a ecologia, cultura global, diz respeito ao conjunto das atividades
humanas, à questão da relação entre o homem e a natureza, bem
como aos assuntos da cidadania. Uma vez que o projeto de domínio
e de posse da natureza é, ao mesmo tempo, um projeto de controle
do homem e da sociedade, a ecologia não poderá ser identificada,
sob a forma de “problema do ambiente”, com uma nova dimensão
da política, da ciência, da técnica, da economia e da cultura. Ela
deve, pelo contrário, permitir repensar estes diferentes domínios da
imaginação e da ação humanas, tanto nos seus fundamentos teóricos
como nas suas aplicações concretas;
b) os impasses da civilização atual baseiam-se, em última instância,
no dogma ocidental da expansão ilimitada dos desejos e das
necessidades. Sem procurar regressar a um estado “primitivo”

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ou “selvagem”, tornou-se necessário redefinir estes desejos e


necessidades e ter em conta, conscientemente e voluntariamente, as
suas limitações. Em vez de se fazer mais com mais, ou mais com
menos, é preciso tentar fazer-se diferente e melhor com menos;
c) este novo paradigma supõe uma alteração radical dos valores, tanto
no nível individual como no coletivo. Noções como as de economia,
serviço, oferta, gratuidade e equidade devem tornar-se os principais
impulsionadores da ação individual. O crescimento pelo crescimento,
as técnicas de manipulação de massa, o avanço da ciência e da
técnica, a situação laboral generalizada geram necessidades artificiais
e devem ser postos em causa ou abandonados. No domínio crucial
do trabalho, é necessário promover não uma libertação do trabalho,
quer liberte, ao mesmo tempo, da necessidade frenética de consumir;
d) esta revolução nos valores assenta, ela própria, numa renovação
das formas de vida microssociais e comunitárias. Rompendo com o
desenraizamento que conduz à centralização e a uniformização, a
sociedade ecológica edifica-se sobre um conjunto de grupos restritos,
de dimensões variáveis segundo os lugares e os casos, mas sempre à
medida do homem, e que possibilitam o respeito e o desenvolvimento
de culturas e identidades diversas;
e) esta renovação das microsociedades deve encontrar o seu
correspondente no plano político. Uma maior autonomia das
coletividades territoriais, reais poderes de decisão ao nível da
sociedade, formas mais diretas de democracia, devem permitir
substancializar a democracia representativa.2

De fato, a preocupação ambiental se espraia no mundo exigindo


maior participação e engajamento de todos na busca de instrumentos para

2 ALFHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O equívoco


ecológico. Lisboa: Instituto Piaget, 1991, p. 90
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impedir ou diminuir a degradação ambiental e os conseqüentes problemas


que emergem no âmago da sociedade de risco.
Infelizmente, apesar da mobilização dos vários atores sociais, os resultados
ainda não podem ser comemorados, na medida em que ficam evidentes sérios
prejuízos relacionados à destruição da natureza, do patrimônio ambiental,
dos bens paisagísticos etc.
Leite e Ayala advertem que a crise ecológica permite evidenciar
que nas sociedades contemporâneas observa-se a emergência de novas
feições de racionalidade social reveladas pela forma distinta pela qual o
risco é assimilado e interpretado nessas sociedades. Esse dado diferencia
essencialmente tais riscos e os relaciona intimamente aos novos problemas
ambientais:
As sociedades contemporâneas protagonizam o cenário de uma
segunda revolução na dinâmica social e política, que se desenvolve
no interior de um complexo processo de globalização de conteúdo
plural, que marca o desenvolvimento de uma sociedade global do
risco.
O atributo que diferencia a sociedade mundial do risco é a
necessidade de concretização de uma variada relação de objetivos
ecológicos, econômicos, financeiros, sociais, políticos e culturais,
que são contextualizados de forma transnacional e sob a abordagem
de um modelo político de governança global, de gestão de novas
ameaças comunitárias. 3
Com efeito, a crise ecológica passou a ser reconhecida a partir do
momento em que a degradação ambiental atingiu índices alarmantes e tomou-
se consciência de que a preservação de um ambiente sadio está intimamente
ligada a preservação da própria espécie humana.
Matérias relativas ao efeito estufa, destruição da camada de ozônio,
redução da biodiversidade, poluição do solo, da água e do ar, tratamento

3 LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na


sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 26-27
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inadequado do lixo já não estampam apenas as páginas catastróficas de


autores de ficção científica, mas as páginas dos jornais e as agendas de
qualquer governo.
A crise ecológica não é uma mera disputa política ou ideológica.
O debate ambiental também está perpassado por disputas científicas.
Diferentemente dos anos 60, em que uma parte expressiva dos cientistas
desconfiava da existência da crise ecológica, hoje a ciência não apenas a
admite como também vem empenhando-se em atendê-la, apontando suas
causas, características, profundidades e conseqüências. O envolvimento dos
cientistas nesse debate e o gradativo surgimento das ciências ambientais vêm
contribuindo para revelar a crise ecológica nos seus diferentes ângulos. Em
virtude disso, ignorar a crise ficou difícil, podendo o preço de subestimá-
la ser elevado demais.4 Assim sendo, o presente estudo apresentará alguns
pontos relativos a crise ambiental na sociedade de risco.

II. A crise ecológica

O marco teórico para a utilização predatória dos recursos ambientais remonta


à revolução industrial, tendo como palco a Inglaterra do século XVIII. A
Revolução Industrial encerrou a transição entre feudalismo e capitalismo, e,
portanto, a fase de acumulação primitiva de capitais e de preponderância do
capital mercantil sobre a produção.
Houve a substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia
humana pela energia motriz e do modo de produção doméstico pelo sistema
fabril. A revolução industrial produziu um enorme impacto sobre a estrutura
da sociedade, num processo de transformação acompanhado por notável
evolução tecnológica.
Inicia-se um período da história onde prevalece o consumo

4 TREVISAL, Joviles Vitório. A educação ambiental em uma sociedade de


risco. Joaçaba: Ed. Unoesc, 2003, p. 22
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desenfreado, especialmente nos países desenvolvidos que para atender a


demanda do mercado precisa de matérias-primas produzindo exploração
descontrolada dos recursos naturais existentes no planeta. Entretanto, a
busca dessas matérias-primas não ficou limitada aos países desenvolvidos,
ao contrário, ela passou a ocorrer no plano global e de maneira predatória
para atender aos anseios da sociedade ávida pelo consumo.
Carneiro5 ao apresentar as origens da crise ambiental demonstra o
problema partindo de duas esferas concêntricas, onde a maior representa o
sistema ecológico e a menor o sistema econômico. Assevera que a situação
permaneceu até fins do século XIX, ocasião em que a demanda das matérias
primas, energia e o nível de geração de resíduos por parte das atividades
econômicas produtivas, não comprometia a dinâmica dos ambientes naturais.
Todavia, no século XX6 o sistema econômico cresceu de maneira significativa
propiciando uma grande mudança no sistema ecológico, acarretando assim
exaurimento dos recursos naturais e incapacidade dos ecossistemas de
absorverem as agressões impostas pela expansão econômica.
A partir daí evidencia-se o surgimento da crise ambiental que na
atualidade demonstra claramente sinais de que estamos ultrapassando os
limites de suportabilidade natural do planeta trazendo sérios prejuízos no

5 CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio


de Janeiro: Forense, 2003, p. 36-37
6 LEITE e AYALA, op. cit., p. 11, advertem que a veiculação de novos
processos e técnicas de produção, associados à modificação das relações de
apropriação econômica dos bens de produção e a terceirização dos processos de
gestão e legitimação do conhecimento que caracterizaram um novo perfil do
capitalismo e o desenvolvimento das sociedades industriais do século XX são
referenciais que provocaram profundas transformações não apenas sobre a forma de
organização das relações econômicas e sociais, mas sobretudo sobre o modo como
seriam, a partir desse momento, definidas e legitimadas as relações de poder, bem
como as condições de seu exercício, de acordo com novas qualidades de conflitos
até então desconhecidas das instituições,exigindo, por sua vez, formas diferenciadas
de atuação institucional,conjugadas com a especificação de novos objetivos políticos
por parte dos Estados.
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campo econômico, político, social e, por óbvio, para a existência da vida,


produzindo um grande temor para a sociedade em termos planetários.
Observa-se também que além dos recursos ambientais terem sido
utilizados de maneira indevida, a maior parte dos benefícios decorrentes
desta exploração predatória foi drenada para garantir a afluência econômica
e os elevados padrões de consumo dos chamados países centrais, restando
grandes contingentes da população mundial em situação de avassaladora
miséria e penúria social. 7
A partir do quadro negativo que se desenhou desde então, a expressão
que se apresenta com larga incidência quando se discute o ambiente, no
século XXI, é medo. Como acentuam Alfhandéry, Bitoun e Dupont não
um medo surdo, mudo, e que teria vergonha de si próprio, mas um medo
ostensivo, que se diz e escreve, que se publica e filma, que se oferece num
espetáculo à medida da mundialização da comunicação. O medo ecológico é
um grande medo que envolve o planeta. 8
É indubitável que esse grande medo ecológico esteja intimamente
ligado aos sinais de crise ambiental que além de serem amplamente noticiadas
pelos diversos meios de comunicação social, podem ser hoje enxergados e
sentidos.
Para que possa ser medido até que ponto o medo ecológico está ligado
ao caráter inédito e singular da condição do homem moderno, basta verificar
os três grandes temas que dominam o movimento ecológico internacional: o
esgotamento dos recursos naturais, a multiplicação dos detritos industriais e
a destruição das culturas tradicionais, como se vê:
A idéia de um possível esgotamento dos recursos naturais
constituiu nos inícios dos anos setenta, com o relatório Meadows,
uma das primeiras manifestações de uma consciência ecológica
mundial. Pela primeira vez, uma civilização poderia, à escala

7 CARNEIRO, Ricardo, op. cit., p. 2


8 ALFHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves, op., cit., p. 15
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planetária, dilapidar os recursos do solo e do subsolo, isto é, a


herança geológica humana e na hipótese mais pessimista, caminhar
rapidamente para um desastre, ou, na mais otimista, legar às
gerações futuras problemas energéticos e alimentares insolúveis. A
questão dos resíduos industriais, e, em particular, sobre os resíduos
nucleares, nos coloca desde já face aos problemas sem precedente
de recuperação, de armazenamento e de tratamento que ameaçam
quotidianamente a nossa segurança, mas determinam também a
nossa relação com o futuro, com o espaço e com o tempo que
hão de vir. (...) Assim, a idéia de que nós possamos deixar às
gerações futuras um mundo onde será impossível viver, pejado de
zonas interditas de riscos perfeitamente incomensuráveis, já não
é uma visão do espírito mas uma das conseqüências prováveis do
desenvolvimento da ciência contemporânea e, por conseguinte,
uma dimensão maior da condição do homem moderno.9
Finalizando a idéia acima apresentada, no que tange aos três grandes
temas que dominam o movimento ecológico no plano internacional, os autores
chamam atenção para uma dimensão diferente mas não menos essencial que
é a destruição das culturas tradicionais e mencionam a “angústia de ter, ao
destruir o outro, posto em perigo o futuro de todos. A de se estar condenando,
ao anular a diversidade da espécie humana, a uma solidão eterna e inquieta.”
10

Diante das incertezas e do medo, o que podemos fazer? Apenas nos conformar
com ele (medo) e com os sérios problemas que emergem no plano global em
matéria ambiental? Claro que não.
Caminhos alternativos têm sido propostos. Se fossem levados em
consideração os posicionamentos dos ecologistas, para compatibilizar as
aspirações materiais da humanidade com a preservação dos ecossistemas
naturais e a manutenção dos padrões mínimos de qualidade de vida, estes iriam

9 Idem, p. 73
10 Ib idem, p. 74
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propugnar pela diminuição dos atuais níveis de crescimento econômico; para


refrear o aumento populacional; para demover as pessoas de seus hábitos de
consumo; alterar radicalmente as matrizes energéticas fósseis, substituindo-
as pelo fluxo permanente da energia solar; investir maciçamente os recursos
hoje disponíveis na recuperação de ambientes degradados e no combate à
pobreza e, sobretudo, mudar radicalmente os valores socialmente aceitos,
eliminando o individualismo em favor da simplicidade e da austeridade.
Destarte, a perspectiva que parece viável (no plano econômico,
ecológico e social) concentra-se na busca do direcionamento da racionalidade
econômica para a obtenção de soluções baseadas em incentivos que
encorajem os comportamentos ambientalmente sensatos.11
Também numa tentativa de minimizar esses efeitos nefastos ao
meio ambiente, sob pena de comprometer a vida em nosso planeta, têm-se
desenvolvido uma consciência ecológica para frear esses abusos, envolvendo
os diversos atores (Estados, Organizações Internacionais, Organizações Não
Governamentais, indivíduo). Ainda assim, tem sido evidenciados grandes
sinais de crise12 em relação ao ambiente.

1. Desertificação e perda da biodiversidade


A perda de solos férteis e seu processo mais avançado denominado
desertificação, têm produzido uma série de problemas em todo o planeta que
vão desde a extinção de espécies da fauna e da flora até a inviabilidade de
qualquer tipo de atividade econômica e, a conseqüente migração de pessoas
(seja no plano interno, seja no plano internacional).
Isso porque com a desertificação ocorre a transformação de uma
determinada área em um grande deserto, que é uma região que recebe pouca
ou nenhuma chuva, e a grande dificuldade do desenvolvimento de qualquer

11 CARNEIRO, Ricardo, op. cit., p. 3


12 Vide GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 2006.
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tipo de vida.
A perda de solos férteis apresenta índices alarmantes. A cada ano, seis
milhões de hectares de terras produtivas se transformam em desertos e são
destruídos mais de onze milhões de hectares de florestas. Aproximadamente
10% das terras potencialmente férteis do planeta viraram desertos ou foram
aniquilados pela intervenção humana enquanto 25% estão em perigo.
A cada ano, perdem-se 8,5 mihões de hectares de florestas tropicais pelo
desmatamento. Essa redução de floresta contribui para o aumento de 20% de
CO2 atmosférico, enquanto o uso de combustíveis fósseis é responsável pelos
80% restantes. Ao todo, são quase 25 milhões de toneladas de gás carbônico
lançados a cada ano na atmosfera decorrentes de atividades humanas. 13
De acordo com o que estabelece a Convenção das Nações Unidas
de Combate à Desertificação, a desertificação é definida como sendo a
degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-húmidas secas
resultantes de factores diversos tais como as variações climáticas e as
atividades humanas.
Com o avançar dos problemas relativos a desertificação, várias
outras expressões foram conceituadas para melhor entendimento da matéria,
a saber:
“Deserto: região de clima árido; a evaporação potencial é maior que a
precipitação média anual. Caracteriza-se por apresentar solos ressequidos;
cobertura vegetal esparsa, presença de xerófilas e plantas temporárias;
Desertificação: origina-se pela intensa pressão exercida por atividades
humanas sobre ecossistemas frágeis, cuja capacidade de regeneração é baixa;
Processo de desertificação: diz respeito a atividade predatória que irá
conduzir a formação de desertos;
Área de desertificação: é a área onde o fenômeno já se manifesta;
Área propensa à desertificação: área onde a fragilidade do ecossistema
favorece o processo de instalação da desertificação;

13 TREVISAL, Joviles Vitório, op. cit., p. 31


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Deserto específico: a desertificação já se manifesta em grau máximo.”


A desertificação decorre do mau uso do solo e da água (ações
antrópicas) como também em razão de acontecimentos naturais, tendo como
causas mais freqüentes o desenvolvimento de atividades agropecuárias,
mineração, irrigação mal planejada e no desmatamento indiscriminado.
O termo desertificação pode produzir a falsa impressão do problema
que existe hoje no plano global. Não se trata de questões isoladas; ao
contrário, existem áreas desertificadas em todos os pontos do globo (América,
Ásia, Europa, África e Austrália) pelo uso predatório e irregular do solo. A
desertificação ocorre em mais de 100 países do mundo sendo, portanto um
problema de natureza internacional.
No Brasil, por exemplo, existem quatro áreas que são chamadas
núcleos de desertificação, onde é intensa a degradação. Elas somam 18,7
mil km² e se localizam nos municípios de Gilbués, no Piauí; Seridó, no Rio
Grande do Norte; Irauçuba, no Ceará e Cabrobó, em Pernambuco. As regiões
áridas, semi-áridas e subúmidas secas, também chamadas de terras secas,
ocupam mais de 37% de toda a superfície do planeta, abrigando mais de 1
bilhão de pessoas, ou seja, 1/6 da população mundial, cujos indicadores são de
baixo nível de renda, baixo padrão tecnológico, baixo nível de escolaridade
e ingestão de proteínas abaixo dos níveis aceitáveis pela Organização
Mundial de Saúde - OMS. Mas a sua evolução ocorre em cada lugar de modo
específico e apresenta dinâmicas influenciadas por esses lugares. 14 Assim,
são observados vários problemas decorrentes da desertificação no Brasil, tais
como:
1. Eliminação da cobertura vegetal original e presença de uma cobertura
invasora, com conseqüente redução na biodiversidade e do patrimônio
genético regional.
2. Perda parcial ou total do solo seja por fenômenos físicos (erosão) ou
fenômenos químicos (salinização e alcalinização), acompanhada do aumento

14 Disponível em www.ambientebrasil.com.br
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 188 ISSN 2175-0947

da freqüência de rodamoinhos e tempestades de areia.


3. Diminuição na quantidade e qualidade dos recursos hídricos, afetando
principalmente o escoamento superficial, tanto na quantidade como no
período.
4. Diminuição na fertilidade e produtividade do solo, afetando a produtividade
e produção, animal e agrícola, gerando com isto, o abandono de áreas,
principalmente em casos de mineração e com conseqüente aumento nas
atividades extrativistas.
5. Na população humana: diminuição da densidade, aumento relativo no
número de jovens e anciões, predomínio do sexo feminino em função da alta
migração do sexo masculino, o que vai incrementar os cinturões de pobreza
dos centros urbanos.
6. No comportamento sócio-econômico: diminuição nas fontes de ingresso
e da relação produção/consumo, isto é, a ocupação humana que era
basicamente primária ou produtiva, passa a ser secundária ou consumista.
Aumento do desemprego, diminuição do investimento, crescente importação
de produtos de consumo e, finalmente, a geração de uma consciência de
abandono, provocada por atitudes de resignação frente aos graves problemas
de sobrevivência e do abandono e desprezo por parte das instituições
governamentais. 15
Sem embargo, com a perda de solos férteis e a desertificação (sua
fase mais acelerada), observa-se a produção de efeitos diversos e várias
conseqüências de natureza ambiental, econômica e social. Então vejamos:
No que tange a atividade econômica, esta acaba sendo inviabilizada
pela queda na produtividade e produção agrícolas, na impossibilidade de
desenvolver atividades de natureza primária (agricultura e pecuária), na
diminuição da renda do consumo das populações culminando, por vezes, no
deslocamento de milhares de pessoas de seus respectivos lugares de origem.
Esse fenômeno de migração (nacional ou internacional) produz o

15 Idem
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chamado “refugiado ambiental” com os múltiplos problemas em decorrência


do descolamento em massa, tais como: aumento da mortalidade infantil, a
diminuição da expectativa de vida da população e a desestruturação das
famílias como unidades produtivas, perda de qualidade de vida etc.
Outro ponto que não pode ser desprezado corresponde ao
desaparecimento de espécies da fauna e da flora. A biodiversidade reflete
o grau de espécies existentes na natureza e contemplam plantas, animais,
microorganismos e seus respectivos genes, bem como os ecossistemas e
processos ecológicos que eles integram.
O desaparecimento da biodiversidade chegou a um nível estarrecedor,
como nas palavras de Ricardo Carneiro:
Apesar de ainda desconhecer a maior parte das formas de vida
do planeta, a pessoa humana tem provocado a extinção de
várias espécies em um ritmo assustador, sobretudo em função
do desmatamento para a expansão da fronteira agrícola, para a
produção de carvão e para exploração de madeira, aliado à prática
das queimadas, ao comércio ilegal de animais e de produtos de
origem faunística, como peles, marfins etc., além da contaminação
de rios, lagos e oceanos. As estimativas são espantosas: entre 1500
e 1850 uma espécie era eliminada a cada dez anos; entre 1850 e
1950 uma espécie por ano foi extinta; em 1990, possivelmente
desapareceram dez espécies por dia e por volta do ano 2000 uma
espécie deverá desaparecer a cada hora; de 1975 a 2000 foram
eliminadas da face da Terra cerca de 20% de todas as espécies
vivas; desde 1950 foi perdido 1/5 das florestas tropicais do mundo;
a cada ano são desertificados cerca de 20 milhões de hectares de
áreas florestadas. Atualmente, mais de 14% das espécies vegetais
conhecidas estão em processo de extinção; 2/3 das 9600 espécies
de aves que habitam o planeta estão em declínio e 11% estão
ameaçadas de extinção ; 11% das 4400 espécies de mamíferos
encontram-se em perigo iminente de desaparecimento e 1/3 de
todas as espécies de peixes que ocupam os oceanos, lagos e rios

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está sob ameaça direta.16

2. Quantidade e qualidade da água

Havia no passado uma percepção de que a água era um recurso


ilimitado e talvez por essa razão a utilização do referido recurso tenha
ocorrido de forma indiscriminada.
A água é um bem vital para a existência da vida de todas as espécies e,
em especial, para o ser humano, sendo certo afirmar que sua utilização vai
para além do consumo orgânico haja vista que é utilizada em diversas outras
atividades realizadas pelo ser humano, tais como: uso doméstico, indústria,
agricultura etc.
No uso doméstico podem ser apontados, além do consumo para beber
e higiene pessoal, a lavagem de roupas, pisos, cozimento de alimentos,
irrigação de jardins e outros. Também na indústria a água é utilizada para
lavar e arrefecer o maquinário manufaturador, mas é na agricultura que
ocorre um grande volume de água desperdiçada.
Ao desperdiçar a água, as pessoas negam seu valor e demonstram
claramente a visão míope diante dos acontecimentos presentes e futuros da
humanidade, ensejando uma verdadeira mudança de comportamento sobre a
utilização racional desse bem precioso. Atentem para a informação abaixo:
A falta de água e a sede são experiências desesperadoras. Um ser
vivo privado de água se fragiliza e morre muito mais rapidamente
que um privado de alimentos. A sede é mais fatal que a fome.
Apenas três dias é o tempo de vida que resta a uma pessoa que deixa
de ingerir água enquanto que sem alimento uma pessoa sobrevive
até quarenta dias. Ao perdermos um litro de água sentimos sede;
no segundo, sentimos fadiga e, com o sexto, começamos a correr

16 CARNEIRO, Ricardo, op. cit., p. 24 -25


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risco de morte. 17
Sem embargo, de toda água existente no planeta 97,5% é salgada
e apenas 2,5% é doce sendo que esse percentual não está acessível para
o consumo humano. Então vejamos: dos 2,5% existentes de água doce,
2,493% encontram-se nas grandes geleiras e em regiões subterrâneas de
difícil acesso; 0,007% é que estão à disposição do consumo humano nos
continentes, tanto em rios quanto em lagos.
Além dos problemas acima apresentados em relação à quantidade
da água e má utilização do referido recurso, não se pode olvidar que a água
disponível tem-se apresentado com qualidade extremamente duvidosa.
Com efeito, apesar de sua grande importância, hodiernamente a água tem
sido utilizada de forma predatória ensejando uma verdadeira “crise da água”,
onde se observa em várias regiões do planeta pessoas que morrem por falta
do referido recurso.
Especialistas afirmam que a escassez da água de qualidade para o consumo
humano será o maior problema do século XXI e que irão afetar mais de dois
terços da humanidade nos próximos anos:
Estudo da ONU estima que problemas de abastecimento irão
afetar dois terços da humanidade por volta de 2025. O numero de
pessoas vivendo nas regiões com problemas graves ou crônicos
de falta de água quadruplicará nos próximos vinte e cinco anos,
ou seja, um terço da população mundial estará, de alguma forma,
passando sede. Nos países em desenvolvimento, apenas metade da
população tem acesso a água potável de boa qualidade. Na China,
125 milhões de pessoas não tem acesso à água potável; na Índia,
são cerca de 19% e na África do Sul, 30% da população total.18
A “distribuição de água” em termos planetários não ocorre de forma
equânime e isso também é fator de grande estresse e preocupação no plano

17 TREVISAL, Joviles Vitório, op. cit., p. 42


18 Idem, p.47
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 192 ISSN 2175-0947

global. Para se ter a noção da gravidade dos fatos, da água doce existente
e disponível no mundo, o Brasil é detentor do correspondente a quase um
quinto (20%). Essa condição propicia a cada brasileiro a disponibilidade do
equivalente a 34 milhões de litros de água (em tese).
Nesse sentido, a escassez da água tornou um grave problema para
a humanidade ensejando a realização de vários congressos e reuniões no
plano internacional no intuito de buscar resultados favoráveis para esse sério
problema.

3. Aquecimento global, efeito estufa e chuva ácida

O principal fenômeno relacionado ao aquecimento global é o efeito


estufa, que consiste na retenção de calor pela atmosfera em razão da presença
excessiva de compostos gasosos em sua estrutura.
O efeito estufa é um fenômeno natural extremamente útil e
importante para que haja vida na Terra. Se não houvesse esse fenômeno a
vida em nosso planeta seria praticamente impossível porque a temperatura
seria de aproximadamente 30º C mais fria.
Ao chegar à Terra, parte da energia do sol é aprisionada na atmosfera
e isso a mantém aquecida, a uma temperatura média de 30º Celsius. É
esse efeito benéfico que os cientistas chamam de efeito estufa e sem ele
não haveria vida na Terra nem nos oceanos, pelos menos com a riqueza e
diversidade que temos hodiernamente. O grande problema é que, nas últimas
décadas, os climatologistas constataram que a temperatura média do planeta
estava aumentando, ou seja, está acontecendo uma intensificação do efeito
estufa. Esta intensificação é que é o problema de fato.
O aquecimento global pode trazer sérias conseqüências para a
humanidade nos anos vindouros e de várias formas, como por exemplo, o
degelo das grandes calotas polares que ao serem transformadas ao estado
líquido, produzirão o aumento do volume das águas e, como conseqüência, a

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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 193 ISSN 2175-0947

possibilidade de inundar muitas áreas do planeta.


Tal fato é aumentado especialmente a partir da revolução industrial
haja vista que a emissão de gases começa a ocorrer de forma desbalanceada,
o que inicia o aparecimento desse sério problema para a humanidade.
Além da industrialização, que estimula muito o aumento de gases
de efeito estufa na atmosfera, como o gás carbônico em virtude da queima
de combustível fóssil, apresenta-se, igualmente como grandes problemas,
as queimadas das florestas e a poluição provocada pelo excesso de veículos
nas cidades muito populosas que faz com que o CO2 se acumule no ar,
absorvendo mais calor. Nesse sentido, o magistério de Carneiro:
A atividade econômica humana tem mudado substancialmente a
forma pela qual a energia solar interage com a atmosfera e escapa
de suas estruturas de retenção de calor. Quando os processos
industriais queimam carvão, petróleo e gás natural são liberados
enormes contingentes de dióxido de carbono no ar. Quando as
florestas são queimadas, o carbono armazenado e aprisionado
nas árvores escapa para a atmosfera. Algumas outras atividades
básicas, como a criação de gado e o cultivo de arroz, emitem
metano, óxido nitroso e outros gases do efeito estufa. Aumentando
a capacidade da atmosfera de reter o calor refletido na superfície,
as emissões de gases de efeito estufa estão perturbando a forma
pela qual o clima mantém o equilíbrio entre a energia que entra e
a energia que sai do planeta. Nosso modelo industrial, baseado na
utilização intensiva de combustíveis fósseis, e nossas necessidades
alimentares crescentes estão, na verdade, engrossando o cobertor
que recobre a Terra. Se antes o clima mudava o comportamento dos
seres humanos, gerando fenômenos adaptativos ou migratórios,
agora são os seres humanos que estão alterando as condições
climáticas.19
A concentração excessiva dos gases causadores do efeito estufa

19 CARNEIRO, Ricardo, op. cit., p. 12


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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 194 ISSN 2175-0947

gera o aumento da temperatura terrestre fazendo com que o problema acima


indicado ganhe contornos universalistas “globalizando” o problema, no
sentido de que todos serão afetados pelos efeitos nocivos que são produzidos
pelo mesmo.
Outro grave problema decorrente da queima de carvão, de
combustíveis fósseis e dos poluentes industriais, é o lançamento do dióxido
de enxofre e de nitrogênio na atmosfera. A combinação desses com o
hidrogênio presente na atmosfera sob a forma de vapor de água apresentam
como resultado as chuvas ácidas.
Chuva ácida é o termo utilizado para indicar que as águas da chuva,
neve e neblina, ficam carregadas de ácido sulfúrico ou ácido nítrico e ao
caírem na superfície, alteram a composição química do solo e das águas
atingindo cadeias alimentares, destruindo florestas e plantações etc.
A ocorrência em larga escala da denominada chuva ácida tem-se manifestado
especialmente na China, na Europa Ocidental e na Rússia, mas não se pode
olvidar das áreas sob a influência de correntes de ar provenientes desses
países.
Sem embargo, as idéias acima apresentadas demonstram claramente que
hodiernamente vivemos, infelizmente, numa sociedade de risco que assume
contornos globais.

III. Sociedade de risco

Ulrick Beck, em interessante ensaio sobre a reinvenção da política,


afirma que a modernização reflexiva significa a possibilidade de uma (auto)
destruição criativa para toda uma era, que correspondeu à da sociedade
industrial e enfatiza que o “sujeito” dessa destruição criativa não é a revolução
em si, tampouco a crise, mas sim, a vitória da modernização ocidental:
A burguesia não pode existir sem continuamente revolucionar
os instrumentos de produção, ou seja, as relações de produção,

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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 195 ISSN 2175-0947

e, portanto, todos os relacionamentos sociais. A manutenção


inalterada do antigo modo de produção, ao contrário, era a
condição primária para a existência de todas as classes industriais
anteriores. A revolução constante da produção a perturbação
ininterrupta de todas as relações sociais, a incerteza e agitação
permanentes distinguem a era burguesa de todas as anteriores.
Todos os relacionamentos estabelecidos e fixados, com sua série de
idéias e pontos de vista veneráveis, estão sendo destruídos; todos
os novos tornam-se obsoletos antes de poderem se fixar. Tudo que
é sólido dissolve-se no ar, tudo que é sagrado é profanado e as
pessoas são finalmente obrigadas a enfrentar com racionalidade
as condições reais de suas vidas e de suas relações com seus
semelhantes. 20 (grifei)
Enfatiza que a sociedade moderna, em virtude de seu dinamismo,
está acabando com suas formações de classe, camadas sociais, ocupação,
papéis dos sexos, família nucelar, agricultura, setores empresariais e com os
pré-requisitos e formas contínuas do progresso técnico-econômico, fazendo
com que esse estágio de transformação e progresso se apresente como um
tipo de modernização que destrói e que modifica as diversas formas sociais,
denominada modernização reflexiva. 21
A modernização reflexiva continua o autor22, implica numa grande
transformação da sociedade industrial, ocorrida de maneira sub-reptícia
e sem planejamento no início de uma modernização normal, autônoma e
com uma ordem política e econômica inalterada, fazendo com que sejam
abertos novos caminhos para a modernidade. Afirma ainda que o indivíduo
que conceba a modernização como um processo de inovação autônoma deve
contar, de um lado, com a obsolescência da sociedade industrial e de outro,

20 Idem, p. 12
21 Ib Idem
22 Ib idem, p. 13
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 196 ISSN 2175-0947

com a emergência da sociedade de risco.


Nas sociedades modernas de risco o investimento nas diversas
alternativas de produção passa a ser por si mesmo estimulado, o consumo gera
um interesse por si próprio, as sociedades capitalistas não se impõem mais
limites externos, gerando decisões políticas e éticas a partir de simulações,
que calculam riscos toleráveis de consumo. O indivíduo, ao mesmo tempo
em que é incessantemente provocado a consumir é, também, alertado para os
perigos provenientes dos excessos que a sua busca por prazer pode lhe trazer
no futuro. As decisões, por estarem sob o constante alerta dos riscos, não
podem, quando tomadas no presente, eliminar possíveis escolhas no futuro.
Oliveira23, afirma que é sob essa consentida esfera de imprevisibilidade das
inovações e da sua continuada autodestruição, que as subjetividades são
formadas sob a marca da vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que são
exigidas a se comprometerem a ser o que são pelas suas próprias escolhas
diante das incertezas. Talvez, seja essa nova combinação, entre inovação e
preservação, que estremece os tradicionais controles institucionais, o estado e
a família, e os seus correspondentes controles morais, a educação e o direito,
deixando se manifestar nessas brechas uma pluralidade de possibilidades.
A vulnerabilidade é a chave para compreensão dos riscos de forma
integrada, contextualizada e que irá permitir a discussão de seus vários
aspectos e que são pertinentes à ética, política e técnicas que irão conformar
a distribuição dos riscos na sociedade.
Assim, por sociedade de risco entende-se uma fase do
desenvolvimento da sociedade moderna onde os riscos sociais, políticos,
ecológicos e individuais criados por ocasião do momento de inovação
tecnológica escapam das instituições de controle e proteção da sociedade

23 OLIVEIRA, Joaquim Humberto de (GUERRA, Sidney, coord.). Direitos


humanos: uma abordagem interdisciplinar. Vol. III. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
2007, p. 159
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 197 ISSN 2175-0947

industrial24.
A sociedade de risco apresenta como característica a geração
inevitável de riscos que não podem ser controlados e/ou conhecidos de
maneira satisfatória a partir de processos decisórios. Beck assinala cinco
grandes aspectos para se discutir a sociedade de risco, a saber:
a) Os riscos produzidos escapam à percepção sensorial
direta. Permanecem invisíveis até seu conhecimento pela
sociedade ou que fujam ao controle. Os riscos passam a
ser socialmente construídos, modificados, dramatizados ou
minimizados de acordo com o conhecimento, elevando-se
a importância da mídia de massa e das profissões legais e
científicas responsáveis pela definição dos riscos;
b) os riscos não respeitam necessariamente as desigualdades
sociais da modernidade simples, isto é, classes, gênero,
etnias, e em determinado momento atingem aqueles que os
fabricaram ou os que lucram com sua ocorrência;
c) os riscos não quebram a lógica do mercado, ao contrário,
surgem mercados especializados no gerenciamento e na
mitigação dos riscos;
d) os conhecimentos sobre os riscos e as catástrofes
ambientais ganham contornos políticos;
e) as catástrofes e os riscos socialmente reconhecidos
ganham força política.25
Vale acentuar ainda duas fases no estudo da sociedade de risco:
a que corresponde a um estágio em que os efeitos e as auto-ameaças são
sistematicamente produzidas, mas que não se tornam questões públicas ou o
centro de conflitos políticos (sociedade de risco residual); a que surge quando

24 BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo. Madri: Paidós, 1998, p. 84,


25 BECK, Ulrich, op. cit., p. 22-24
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 198 ISSN 2175-0947

os perigos da sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos


públicos, sejam eles públicos, sejam privados. Nesse caso, as instituições irão
se tornar os grandes causadores das ameaças que não conseguem controlar.26
É indubitável que o risco se apresenta como construção da própria
sociedade, acelerado pelo ritmo da globalização, que produz sérios
desdobramentos em matéria ambiental. Nesse sentido, o magistério de
Trevisal:
A problemática ambiental revela a crise da própria sociedade
industrial e coloca o projeto da modernidade numa grande
encruzilhada. A crise ambiental anuncia a nossa entrada numa
era em que os riscos perderam sua antiga delimitação espacial,
temporal e social. Os riscos agora estão em toda parte; eles se
globalizaram, globalizam-nos e fazem-nos pertencer a uma
‘sociedade de risco global’.27

A Revolução Industrial e a conseqüente expansão do capitalismo,
ampliou de forma significativa os riscos fazendo com que deixassem de ser
acidentais para se tornarem parte da modernidade. Beck28 afirma que os riscos
formam um conjunto de inseguranças e ameaças introduzidas pela própria
modernização e que se relacionam diretamente às forças ameaçadoras da
modernização.
Embora a Revolução Industrial tenha inaugurado esse novo momento
do risco, não se pode olvidar que mudanças espetaculares aconteceram no
século XX onde o mundo teve a oportunidade de assistir vários episódios que
sequer poderiam ser imaginados em um passado recente.
Acontecimentos que serviram para marcar uma época de grandes
transformações em todas as áreas (política, tecnologia, economia, social,

26 BECK, Ulrich, op. cit., p.16


27 TREVISAL, Joviles Vitório, op. cit., p. 65
28 BECK, Ulrich, op. cit., p. 21
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
Lex Humana, nº 2, 2009, p. 199 ISSN 2175-0947

ambiental etc.). Nesse cenário de grandes transformações, decorrente em


larga escala pelo processo de globalização, é que se evidencia também a
manifestação em larga escala do risco e da própria incerteza.
A incerteza, ao lado do risco, também passou a fazer parte da época
atual, tendo Giddens apresentado a seguinte contribuição:
A incerteza artificial refere-se a riscos criados pelos próprios
desenvolvimentos inspirados pelo Iluminismo – nossa intromissão
consciente em nossa própria história e nossas intervenções na
natureza. Os riscos de grandes conseqüências com os quais nos
defrontamos atualmente, e muitos outros ambientes de risco de
tipo menos extensivo, são de origem social. Estamos condenados
a lutar por um futuro indefinido. Em nível individual, coletivo, ou
global, a acumulação de conhecimentos reflexivamente ordenado
cria futuros abertos e problemáticos sobre os quais temos, por
assim dizer, que trabalhar à medida que seguimos no presente.
Ao fazermos isso, influenciamos os processos de mudança, mas o
controle total deles foge cronicamente do nosso alcance.29
O risco está em toda parte fazendo com que prevaleça um grande
sentimento de insegurança que parece ser alimentado pelo desenvolvimento
das ciências e das técnicas que são cada vez melhores. O risco é a tradução
de uma ameaça, de um perigo para aquele que está sujeito a ele e o percebe
como tal.30

29 GIDDENS, Anthony, op. cit., p. 93-94


30 CALLON, Michel; LASCOUMES, Pierre; BARTHE, Yannick. Agir dans
um monde incertain. Paris: Senil, 2001, p. 37: “Le risque designe un danger bien
identifiqué, associé à l’occurrence d’un événement ou d’une série d’événements,
parfaitement descriptibles, dont on ne sait pas s’ils se produiront mais don’t on sait
qu’ils sont susceptibles de se produire. Dans certains cãs, des outils statistiques
appliqués à des séries d’observations systématiques appliqués à des séries
d’observations systématiques faites dans lê passé permettent d’em calculer la
probabilité d’occurrence, qui sera alors qualifiée d’objective. Em l’absence de telles
observations, les probalités assignées dépendent des points de vue, sentiments ou
convictions des acteurs: elles sont dites subjectives. Qu’elles soient subjectives ou
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 200 ISSN 2175-0947

Veyret o define como a percepção do perigo, da catástrofe possível


e que existe apenas em relação a um indivíduo, a um grupo social ou
profissional, uma comunidade, uma sociedade que o apreende por meio de
representações mentais e com ele convive por meio de práticas específicas.
Não há risco sem que haja um grupo que possa sofrer seus efeitos.31
O risco nasce da percepção de um perigo ou de uma ameaça potencial
que pode ter origens diversas e que denomina-se álea. Esta é sentida pelos
indivíduos e pode provocar prejuízos às pessoas, aos bens e à organização
do território. À luz dos acontecimentos que podem desencadear uma crise, a
análise dos prejuízos remete ao que se denomina de vulnerabilidade. O risco,
portanto, é a representação de um perigo ou álea que afetam os alvos que

objectives, ces probabilités ont em commun de sápliquer à des évenéments connus,


identifiés, dont une caractérisation précise peut être donnée, et dont ou peut expliciter
les conditions de production.”
31 VEYRET, Yvette. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio
ambiente. São Paulo: Contexto, 2007, p. 11/24: Ao iniciar o estudo sobre risco a
autora apresentada alguns conceitos importantes para melhor compreensão da
matéria, a saber:
a) risco - é a percepção de um perigo possível, mais ou menos previsível por um
grupo social ou por um indivíduo que tenha sido exposto a ele;
b) incerteza - definida como possibilidade de ocorrer um acontecimento perigoso
sem que se conheça suas probabilidades;
c) indeterminação - trata-se da situação em que um acontecimento desconhecido
poderia acontecer;
d) álea - acontecimento possível decorrente de um processo natural, tecnológico,
social, econômico, e sua probabilidade de realização;
e) perigo – termo empregado para definir conseqüências objetivas a uma álea sobre
um indivíduo, um grupo ou sobre o meio ambiente;
f) alvo – elementos ou sistemas que estão sob a ameaça de áleas de natureza variada;
g) vulnerabilidade – mede os impactos danosos sobre o acontecimento sobre os
alvos afetados;
h) crise – realização concreta, material de uma álea cuja amplitude excde a capacidade
de gestão espontânea da sociedade que sofre esse evento;
i) catástrofe – definida em função da amplitude das perdas causadas às pessoas e
aos bens
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 201 ISSN 2175-0947

constituem indicadores de vulnerabilidade. 32


Giddens33 afirma que o risco se refere a infortúnios ativamente
avaliados em relação a possibilidades futuras. A palavra só passa a ser
amplamente utilizada em sociedades orientadas para o futuro – que vêem o
futuro precisamente como um território a ser conquistado ou colonizado. O
conceito do risco pressupõe uma sociedade que tenta ativamente romper com
seu passado – de fato, a característica primordial da civilização industrial.
Na sociedade hodierna existem vários tipos de riscos: os riscos
econômicos, geopolíticos, sociais, industriais, tecnológicos, riscos
ambientais etc. Na mesma direção, Trevisal34 apresenta os vários riscos que
tocam nossas vidas:
a) riscos que decorrem das crises que atingem o mercado
financeiro internacional;
b) riscos ligados à saúde pública, que decorrem de epidemias
de grande impacto;
c) riscos ligados à prática sexual, especialmente as doenças
sexualmente transmissíveis;
d) riscos ligados a guerras e acidentes nucleares, químicos,
bacteriológicos e genéticos;
e) riscos que decorrem do consumo de alimentos
contaminados por bactérias e toxinas;
f) riscos decorrentes do aquecimento global e da destruição
da camada de ozônio, especialmente o câncer de pele;
g) riscos provocados pela revolução genética e biotecnológica
em curso;
h) riscos tecnológicos, especialmente acidentes, explosões,

32 Idem, p. 30
33 GIDDENS, Anthony, op. cit., p. 33
34 TREVISAL, Joviles Vitório, op. cit., p. 81 - 82
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 202 ISSN 2175-0947

vazamentos, incêndios;
i) riscos que decorrem da miséria, do desemprego, da
subnutrição, da ausência de água potável, de esgoto, da falta
de tratamento do lixo;
j) riscos sociais e afetivos, decorrentes das crises de
relacionamento, interpessoais, matrimoniais, de educação
dos filhos;
l) riscos ambientais.

Nesse estudo que tem por objetivo analisar a crise ecológica na sociedade de
risco, deve ter destaque o ponto relativo ao risco ambiental.

IV. O risco ambiental



Na sociedade global a noção de risco35 faz com que novos
questionamentos sejam produzidos nas mais diversas relações envolvendo
as pessoas e o ambiente.
A crise ambiental não só é parte dessa sociedade de risco como é sua
evidência e que a problemática ambiental começou a se discutida justamente
a partir do momento em que a humanidade se deu conta de que a natureza
havia sido dissolvida e completamente socializada. 36
Como já tivemos a oportunidade de assinalar, com a “modernização
reflexiva” e a globalização, que ganha impulso especialmente no século XX,
traz consigo grandes mudanças para a sociedade, e por certo, para o meio
ambiente.

35 Na atual fase da modernidade, os riscos, que em outras épocas existiram


como indicadores de ousadias e aventuras individuais, assumem uma dimensão
globalizada. E ao atingirem tal dimensão, atingem-na não pela falta de recursos
tecnológicos, mas, pelo contrário, como resultado da sua própria aplicação.
36 TREVISAN, Joviles Vitório, op. cit., p. 76
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 203 ISSN 2175-0947

Os riscos ambientais são resultados da associação dos riscos naturais


decorrentes de processos naturais agravados pelas atividades humanas e
pela ocupação do território, como por exemplo, a desertificação. Os riscos
naturais são aqueles que são pressentidos, percebidos e suportados por um
grupo social ou um indivíduo sujeito à ação possível de um processo físico
de uma álea.37
Com efeito, a crise ambiental possibilita evidenciar que na sociedade
global há formas de emergência de feições de racionalidade social reveladas
pela forma distinta pela qual o risco é assimilado e interpretado fazendo com
que os riscos se relacionem com os problemas ambientais, como nas palavras
de Leite e Ayala:
Chernobil e a catástrofe nuclear representam ainda hoje a imagem
de uma espécie de pecado original burocrático, que reconduz a
onipotência das instituições de controle e o dogma da infalibilidade
tecnológica (tendo a ciência como guardiã desse tabu) ao mundo
terreno das falhas de segurança, da incapacidade de previsão
antecipada de suas conseqüências e das limitações técnicas das
instituições de controle e das instancias de decisão. O Estado deve
lidar com a crise ambiental, ciente das circunstâncias diferenciadas
que a caracterizam, a partir de um modelo de riscos. 38

Isso porque existe uma possibilidade real da eclosão de uma guerra


nuclear, de ocorrer uma calamidade ecológica, de termos uma explosão
incontrolável da população, além da possibilidade de ocorrerem vários
outros problemas. Em relação ao crescimento incontrolável da população,
atentem para os dados em termos planetários: 1830 – 1 bilhão de pessoas;
1927 – 2 bilhões de pessoas; 1960 – 3 bilhões de pessoas; 1974 – 4 bilhões
de pessoas; 1987 – 5 bilhões de pessoas; 1999 – 6 bilhões de pessoas; 2007

37 VEYRET, Yvette, op. cit., p. 64


38 LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo, op. cit., p.27.
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– 6,5 bilhões de pessoas.


O crescimento desordenado da população mundial é fator de
preocupação, principalmente pela utilização irracional dos recursos
ambientais que são finitos e já se apresentam de maneira escassa. A situação
se agrava ainda mais pelo próprio comportamento adotado pelas pessoas
nessa sociedade competitiva, egoísta e desigual onde a grande maioria não
se preocupa com o amanhã, não se preocupa com as futuras gerações e que
vivem intensamente apenas o dia de hoje.
Para Beck, o risco é uma expressão que tem sua origem na
modernidade e que apresenta como grande característica a organização da
sociedade baseada na mudança e na ousadia, tentando tornar previsível o que
é imprevisível, controlável o que é incontrolável e principalmente a criação
de mecanismos que permitam a diminuição da incerteza que qualifica os
efeitos da decisão, submetendo o controle do próprio futuro. Afirma ainda
que o que causa a catástrofe não é um erro, mas os sistemas que transformam
a humanidade do erro em forças destrutivas incompreensíveis. 39
O fato é que em razão desse traço marcante da mudança e da ousadia,
o mundo tem experimentado transformações significativas no ambiente.
Além de tufões, tornados, furacões, avanço do volume das águas dos oceanos,
podem ser sentidos outros efeitos extremamente negativos, tanto como os já
indicados: o contínuo desaparecimento de espécies da fauna e da flora; a
perda de solos férteis pela erosão e pela desertificação; o aquecimento da
atmosfera e as mudanças climáticas; a diminuição da camada de ozônio; a
chuva ácida; o acúmulo crescente de lixo e resíduos industriais; o colapso na
quantidade e na qualidade da água etc.
O relatório do clima produzido recentemente demonstra bem esses
efeitos desastrosos pela ação produzida pelo homem (ação antrópica) e
apresenta dados preocupantes sobre as mudanças climáticas no planeta.
Segundo o relatório, o cenário mundial vem sendo alterado pelas mudanças

39 BECK, Ulrich, op. cit., p.216


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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 205 ISSN 2175-0947

climáticas e a população mundial terá dificuldades para se adaptar a ele.


As mudanças incluem não só o aumento do clima em si, mas também
fenômenos como precipitação e sazonalidade, importantes no que tange a
capacidade de adaptação das diferentes espécies, inclusive o ser humano.
Água, ecossistemas/agricultura, sociedade/economia e saúde estão entre os
setores analisados pelo IPCC, indicando quais impactos os mesmos vem
sofrendo e a que resultados poderemos assistir muito em breve.
Entre as previsões, o IPCC afirma que cerca de 30% de costa litorânea
serão perdidos em função do aumento do nível da água, o que afetará não só
a oferta de produtos (por exemplo peixes) como a própria sobrevivência das
populações humanas que habitam tais áreas.
Outro dado preocupante é a mudança da distribuição geográfica
de vetores. Ou seja, insetos transmissores de doenças endêmicas (malária,
dengue, febre-amarela) poderão se alastrar em regiões onde não são
encontrados atualmente, como na Europa e na América do Norte, já que tais
regiões tendem a ficar mais quentes ao longo dos anos.
Essas alterações climáticas impactam também a produção agrícola.
O IPCC prevê uma queda na produtividade de cereais em baixas altitudes e
um crescimento em médias e altas altitudes.
A curto e médio prazo, os africanos é quem mais sofrerão com as
conseqüências desastrosas relacionadas ao acesso à água. Entre 75 e 250
milhões de pessoas, até 2020, terão dificuldades para acessar água potável e
água destinada à irrigação para agricultura.
Na Ásia, o derretimento do Himália provocará um aumento de
enchentes, deslizamento de encostas e dificuldade de acesso aos recursos
hídricos nas próximas duas ou três décadas.
Na Austrália (Oceania), a Grande Barreira de Corais sofrerá uma
grande perda de diversidade. E, apesar do avanço da tecnologia da Austrália
e Nova Zelândia, segundo o IPCC, os sistemas naturais têm limites quanto
à sua adaptabilidade e o conhecimento tecnológico não será suficiente para

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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 206 ISSN 2175-0947

reverter os danos.
Na América Latina, vários ecossistemas tendem a desaparecer, ou
serem drasticamente reduzidos. No Brasil especialmente, a própria Amazônia,
segundo os cientistas, poderá ser substituída por uma vegetação característica
de cerrados (savana brasileira). Recifes de coral (estes importantíssimos para
a reprodução de várias espécies marinhas) também tendem a desaparecer, já
que consistem em colônias que suportam baixíssima variação climática.
Caso a demanda por recursos naturais e os índices de degradação ambiental
permaneçam nas taxas atuais, é possível que, em poucos anos, os dados do
relatório sejam considerados extremamente “amenos”... Aliás, isso aconteceu
já na sua apresentação, quando cientistas foram acusados de suavizar os reais
impactos das mudanças climáticas previstos para os próximos 50 anos. 40
Não se pode olvidar que os riscos, especialmente em matéria ambiental,
possuem algumas especificidades que anunciam a modernização reflexiva.
A começar pela idéia de que os riscos ambientais não estão limitados
a um determinado tempo e espaço, isto é, seus efeitos podem ser sentidos
com maior incidência ao longo dos anos e alcançar vários Estados-nação,
fazendo com que tenhamos, de fato, um problema no plano global.
Assim, em relação a espacialidade, impende assinalar que o risco
ambiental não está adstrito a um determinado espaço. Ao contrário, os efeitos
que são produzidos são de natureza transnacional. Existem vários casos que
podem demonstrar bem essa realidade, qual seja a da não observância das
fronteiras quando da ocorrência de uma lesão ao ambiente. Evidencia-se, por
exemplo, o problema da emissão dos gases poluentes, responsáveis também
pelo aquecimento global. Como visto, a emissão dos gases poluentes
contribuem para o denominado “efeito estufa” que produzirá efeitos em
termos planetários.
Outro problema que tem sido discutido em vários foros internacionais
é pertinente a poluição transfronteiriça e a produção do lixo tóxico, ou seja,

40 Disponível em www.ciranda.net
http://www.ucp.br/html/joomlaBR/lexhumana/lexhumana.htm
Lex Humana, nº 2, 2009, p. 207 ISSN 2175-0947

quando ocorre o lançamento do efluente no mar ou no ar, seus efeitos não


ficarão adstritos a um único Estado-nação. Muito pelo contrário, seus efeitos
e desdobramentos são sentidos em Estados vizinhos e dependendo da lesão
produzida, também no plano global. Do mesmo modo, o risco da eclosão de
uma guerra nuclear que pode destruir a Terra em fração de poucos segundos.
No que tange a temporalidade, tal assertiva pode ser evidenciada
partindo-se do caso emblemático de Chernobil, considerado o pior acidente
nuclear da história. O acidente nuclear de Chernobil ocorrido no dia 26 de
abril de 1986, na Usina Nuclear de Chernobil na Ucrânia – extinta União
Soviética, produziu uma nuvem de radioatividade que atingiu a União
Soviética, Europa Oriental, Escandinávia e Reino Unido. Grandes áreas da
Ucrânia, Bielorrússia (Belarus) e Rússia foram contaminadas, resultando na
evacuação e reassentamento de aproximadamente 200 mil pessoas.
Ainda hoje existem desdobramentos pelo grande acidente ocorrido
na Ucrânia. Os principais países afetados (Rússia, Ucrânia e Bielorrússia)
têm suportado um contínuo e substancial custo de descontaminação e
cuidados de saúde devidos ao acidente de Chernobil, sendo difícil apresentar
com certeza o número de mortos causados pelo acidente nuclear.
A ONU apresentou relatório no ano de 2005, atribuindo 56 mortes
até aquele momento (47 trabalhadores acidentados e 9 crianças com câncer
da tireóide), e estimou o número de 4000 pessoas que morrerão de doenças
relacionadas com o acidente. Somado a isso, existem os casos de aborto,
deformidades, doenças crônicas em razão da contaminação ambiental etc.
Leite e Ayala41 sustentam ainda que:
se Chernobil pode ser considerado o marco representativo da
qualidade dos riscos da segunda modernidade, invisíveis, globais
e transnacionais, as sociedades contemporâneas enfrentam hoje
novos desafios localizados no interior de uma segunda revolução
na dinâmica social e política, que tem como marco a data de 11 de

41 LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo, op. cit., p. 26-27.
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setembro de 2001. As sociedades contemporâneas protagonizam o


cenário de uma segunda revolução na dinâmica social e política,
que se desenvolve no interior de um complexo processo de
globalização de conteúdo plural, que marca o desenvolvimento de
uma sociedade mundial do risco.
A matéria não pode fazer parte de uma agenda despretensiosa e que esteja
presente apenas em discursos políticos vazios de muitos. Ao contrário, a
questão que se põe hodiernamente corresponde algo muito maior, da própria
existência humana.
Na mesma direção, o magistério de Giddens42 que acentua que as
questões ecológicas dizem respeito ao “ambiente” e que poderiam parecer
que estariam compreendidas em termos da necessidade de “proteger” a terra,
mas na verdade, tornou-se visível que as questões ecológicas marcam muitos
outros problemas com que nos defrontamos:
Em um primeiro momento, é claro, há a questão básica da
sobrevivência ou segurança global. Os “males” que nos afligem,
como riscos de grandes conseqüências, têm de ser limitados ao
máximo. A industrialização e o desenvolvimento tecnológico
desenvolveram-se sob a égide das sociedades ocidentais. Por que
as sociedades menos desenvolvidas deveriam agora embarcar em
processos de industrialização em grande escala que limitam seu
crescimento econômico, para ajudar a resolver problemas criados
pelos ricos? A expansão da pobreza global e a demanda urgente
por justiça global estão vinculadas a dilemas ecológicos. As
questões ecológicas têm de ser compreendidas em termos de “fim
da natureza” e da destradicionalização.43

42 GIDDENS, Anthony, op. cit., p. 224


43 Sobre o uso da expressão “destradicionalização” GIDDENS, Anthony,
op. cit., p. 225, demonstra o rompimento de tradições preexistentes, e afirma que
“sempre que algo usualmente determinado pela natureza, seja ela o ambiente ou
a tradição, torna-se uma questão de tomada de decisão, novos espaços éticos ao
abertos e novas perplexidades políticas são criadas.”
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Há de se observar também que em muitos casos o risco é imprevisível


e imperceptível. Imprevisível porque não há um controle do futuro, o amanhã
é incerto. Por isso que Beck44 adverte que na sociedade de risco o passado
perdeu seu poder de determinação do presente e as atitudes e decisões
cotidianas tendem a ser motivadas por um futuro fictício, construído e incerto.
Além da imprevisibilidade, o risco, por certo, pode ser imperceptível.
Novamente colhendo os ensinamentos de Beck45, na sociedade de risco a
ciência tem um papel político ímpar e compete a ela (ciência) identificar os
riscos, mapear as implicações e apontar as soluções. Não é possível detectar
e debater as ameaças presentes na energia nuclear sem um certo grau de
conhecimento científico dos processos que ela compreende.
No que tange a reflexividade, os riscos que emergem na sociedade global
são, em larga escala, fabricados e refletem os comportamentos da própria
sociedade.
Assim sendo, urge que haja participação mais efetiva de todos para
que os problemas ambientais que se manifestam na sociedade de risco global46
não se apresentem em níveis irreversíveis. O fato é que os riscos apresentados
são reais e que ensejam uma tomada de consciência e de participação efetiva
sob pena de comprometer a própria existência da humanidade.
Com efeito, nos estudos formulados por Beck e Giddens, há um claro
entendimento que nessa “modernidade reflexiva”, vários aspectos de nossas
vidas serão afetados e que trarão sérias conseqüências, não só para pessoa na
sua individualidade, mas também, para a sociedade como um todo.

44 BECK, Ulrich, op. cit., p.178


45 Idem.
46 BECK, Ulrich, op. cit., p. 19: “Na sociedade de risco, as pessoas são
confrontadas com os limites e com as consequencias e suas ações, isto é, a sociedade
torna-se reflexiva, o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para
ela própria.”
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A crise ambiental é um problema que hodiernamente aflige toda humanidade,


entretanto apesar dos vários sinais enviados pela natureza, a sociedade
continua a adotar comportamento inadequado e perigoso, que poderá trazer
conseqüências nefastas para todo o planeta. Diante desse quadro negativo
é que se conclama maior engajamento da sociedade civil em relação aos
problemas ambientais.

V. Considerações finais

É indubitável que os problemas ambientais crescem e colocam em


risco a existência das espécies (inclusive a humana). Muitos dos problemas
que se manifestam na sociedade hodierna decorrem de comportamentos
inadequados que foram desenvolvidos pelo ser humano (ação antrópica) ao
longo dos anos em nome de um crescimento desenfreado.
O “progresso” não levava em consideração as limitações do ambiente
e para atender aos interesses e anseios de pessoas cada vez mais ávidas pelo
consumo é que se desenvolveu uma sociedade global de risco em termos
ambientais.
O fato é que hoje vive-se num mundo competitivo, frenético,
desigual, egoísta em que as pessoas, em geral, estão preocupadas em resolver
apenas seus problemas. Afinal de contas, os compromissos assumidos são
muitos. Os problemas devem ser resolvidos de maneira rápida e há uma
forte pressão para que os resultados sejam velozes e positivos em todas as
atividades desenvolvidas: trabalho, escola, afazeres domésticos etc.
Situações que no passado poderiam ser consideradas verdadeiras
aberrações e que provocavam grande desconforto, mal-estar, tristeza e dor
começam a figurar como “fatalidades” e “coisas da vida”, fazendo com
os comportamentos sejam considerados no mínimo como “estranhos”.
São deixados de lado, muitas vezes, os mais preciosos valores e a não
observância de procedimentos éticos e legais em razão do momento que

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passa a humanidade.
Assim é que a morte de pessoas inocentes; as balas perdidas; a
violência pela violência; o abandono de crianças em orfanatos e de idosos
em asilos; a falta de sentimento e compaixão com o próximo; a indiferença
com as enfermidades, guerras e catástrofes e com todos os demais problemas
que afetam o planeta parecem não sensibilizar mais o comportamento do ser
humano.
Vive-se um grande paradoxo: a solidão numa aldeia global. De fato,
tudo que não esteja diretamente voltado ao problema ou interesse particular
acaba sendo descartado ensejando a criação de uma verdadeira sociedade de
risco... . Risco que se manifesta nos problemas ambientais.
Nesse diapasão, Oliveira assevera que em razão da individualização47
pela qual se atinge a política globalizada, também está presente nos
problemas ecológicos. Suas conseqüências não são assuntos apenas do
interesse daqueles que detém um saber especializado ou das altas cúpulas
governamentais, mas reclamam a participação da parte de todo indivíduo,
exigindo posturas que interfiram até mesmo no seu próprio estilo de vida48.
O que provocará resistências não só dos setores menos modernizados, talvez
habituados a seculares práticas degradantes do meio-ambiente, mas, com
certeza, com muito mais intensidade, o que nos deixa bastante céticos, dos
setores mais beneficiados pelos avanços da modernidade, que terão que abrir

47 BECK, Ulrick, op. cit., p. 60. “Todas as coisas consideradas perda, perigo,
desperdício e decadência na estrutura esquerda-direita da política burguesa, coisas
como preocupação com o eu e as perguntas: quem sou eu? o que eu quero? para onde
estou indo?, em suma, todos os pecados originais do individualismo conduzem a um
tipo diferente de identidade do político: a política de vida-e-morte”.
48 No mesmo diapasão, BECK, Ulrich, op. cit., p. 61: “ As questões de um
longínquo mundo de fórmulas químicas explodem com uma seriedade mortal nos
recônditos mais internos da conduta da vida pessoal como as questões do eu, da
identidade e da existência, e não podem ser ignoradas”. E mais adiante, “Agora, o
microcosmo da conduta da vida pessoal está inter-relacionado com o macrocosmo
dos problemas globais, terrivelmente insolúveis”
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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 212 ISSN 2175-0947

mão do exagerado consumo, conforto e lucro que são o sentido das suas
vidas.49
Isso pode ser demonstrado pelo atual uso dos recursos naturais do planeta
que já excedem em quase 50% a capacidade da biosfera, considerando-se
o consumo de alimentos, materiais e energia. No ano de 2000, no Living
Planet Report, verificou-se que se cada ser humano no planeta consumisse
os recursos naturais e emitisse dióxido de carbono nos níveis dos cidadãos
norte-americanos, franceses ou alemães, seriam necessários mais dois
planetas terra com os recursos equivalentes ao estágio da época, de nosso
planeta.50 No mesmo sentido, a contribuição de Anthony Giddens:
Enfrentar as ameaças advindas do dano aos ecossistemas
da Terra provavelmente demandará respostas globais
coordenadas em níveis muito distantes da ação individual.
Por outro lado, essas ameaças não serão eficazmente
combatidas a menos que haja uma reação e uma adaptação
da parte de todo indivíduo. Mudanças generalizadas de
estilo de vida, junto com uma diminuição da importância
atribuída à contínua acumulação econômica, serão quase
certamente necessárias se quisermos minimizar os riscos
ecológicos hoje à nossa frente.51

Infelizmente falar em crise num mundo que há muito tempo perdeu a
capacidade de causar alarme, os problemas relacionados ao ambiente listados
acima, devidamente comprovados por cientistas, parecem não despertar
maiores interesses para que medidas efetivas sejam realmente tomadas para
reverter quadro tão adverso. Urge a mobilização da sociedade para reverter o

49 OLIVEIRA, Joaquim Humberto, op. cit., p. 160


50 Fonte WWF e PNUMA
51 GIDDENS, Anthony, op. cit., p.204.
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quadro de destruição em massa do planeta.

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Lex Humana, nº 2, 2009, p. 214 ISSN 2175-0947

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