Toxicologia 1
Toxicologia 1
Toxicologia 1
Introdução
O uso de substâncias tóxicas pode não ser feito de maneira intencional pela
população, porém essa é uma realidade de praticamente todos nós, que esta-
mos inseridos em uma comunidade moderna. Você já se deu conta de quantos
produtos químicos, de origem animal ou vegetal, você entra em contato dia-
riamente? São muitos, com toda certeza. Da hora que acordamos até a hora
que dormimos, seja por via respiratória, seja por via dérmica ou por ingestão,
somos bombardeados por estimulações que podem ser a sensibilização para
uma reação adversa severa em uma próxima exposição.
Por outro lado, o uso consciente de produtos químicos com as mais va-
riadas finalidades é antigo. Na história humana temos vários relatos de uso
de substâncias, especialmente de origem vegetal e mineral, com proprieda-
des medicinais, cuja dose poderia levar o indivíduo a óbito se fosse errada.
Há também relatos do uso de venenos com fins de causar, propositalmente,
a morte de alguém.
Neste capítulo, você vai estudar a história da toxicologia, bem como seus
conceitos iniciais. Também vai ver quais são as áreas de estudo da toxicologia
e identificar os métodos laboratoriais utilizados nas análises toxicológicas.
2 Conceitos de toxicologia e suas aplicações
Por último temos a toxicologia química ou analítica, que tem como obje-
tivo estabelecer quais são as metodologias para identificação e separação
de compostos químicos presentes em amostras biológicas ou ambientais.
Pela sua própria definição, podemos corretamente concluir que ela se inter-
-relaciona com todas as demais áreas da toxicologia, sendo importante na
identificação de indivíduos que necessitam de intervenções clínicas devido
a intoxicações ou até mesmo na intervenção na atuação de indústrias e
empresas que estejam causando danos ambientais.
Fica claro que os estudos toxicológicos têm um grande impacto na so-
ciedade, determinando quais produtos são seguros ou não, do ponto de
vista toxicológico, para consumo/uso do ser humano ou de outros animais,
estabelecendo regras e legislações para o exercício laboral mais seguro e es-
tabelecendo metodologias que visem à identificação dos compostos químicos.
De forma geral, todo produto químico, mesmo que seja medicamento, tem
efeitos desejáveis e efeitos indesejáveis associados ao seu uso. A indicação
de uso seguro pelo ser humano se baseia na avaliação de uso e na avaliação
de se os benefícios dos efeitos desejáveis superam os efeitos indesejáveis.
A pasta de dentes, por exemplo, causa desgaste do esmalte dentário, mas
o desgaste do esmalte dentário é superado pelo efeito protetor de retirar
bactérias indesejáveis da boca que poderiam causar cárie.
Esses efeitos indesejáveis, especialmente quando falamos de medica-
mentos, podem ser chamados de efeitos adversos. Muitas vezes, os efeitos
adversos, secundários aos efeitos desejáveis a que determinado medica-
mento foi pensado e estudado, podem levar a um redirecionamento do uso
terapêutico. Um famoso caso é relacionado ao citrato de sildenafila. Esse
princípio ativo foi estudado com indicação clínica para a redução da pressão
sanguínea; contudo um efeito adverso curioso foi observado nos sujeitos
da pesquisa do sexo masculino (ENGLERT; MAYNARD, 2020), que reportavam
que havia uma sustentação da ereção quando faziam o uso da medicação.
A empresa responsável pela pesquisa e desenvolvimento do medicamento
rapidamente solicitou uma mudança na indicação clínica do medicamento,
realizando mais testes clínicos e comprovando sua eficácia para tratamento
de disfunção erétil em homens. A droga foi lançada no mercado sob o nome
de Viagra (BOOLELL et al., 1996).
Entretanto, infelizmente, a maioria dos efeitos adversos de drogas e me-
dicamentos não pode ser considerada “benéfica”, ou ao menos aproveitável,
como no caso relatado, sendo eles deletérios, adversos ou efeitos tóxicos.
Tais efeitos podem ser os seguintes (GREIM; SNYDER, 2019):
Testes de toxicidade
Os testes de toxicidade, em laboratório, são feitos com uso de modelos ani-
mais. Obviamente, todas as normativas éticas de uso de animais devem ser
obedecidas. Dois principais conceitos são a base do uso de animais nesses
testes. Primeiro, a extrapolação dos resultados obtidos com os testes em
modelos animais pode ser feita para humanos quando são executados de
maneira propriamente qualificada. Os carcinógenos para humanos são car-
cinógenos para algumas espécies, mas o inverso nem sempre é verdadeiro.
Apesar disso, quando determinada substância é testada como positivamente
carcinogênica em modelos animais, ela é tida como potencialmente carcino-
gênica para humanos. Segundo, os animais utilizados para testes recebem
altas doses do produto, a fim de validar o estudo, pois sabemos que, em uma
população, os riscos de efeitos tóxicos aumentam quando aumentamos a dose
da exposição. Dessa forma, o uso de elevadas doses nos testes de toxicidade
em animais é necessário e válido (GREIM; SNYDER, 2019).
Como são vários os fatores que podem influenciar esse teste — idade do
animal, peso, tipo de alimentação, entre outros —, é considerada somente
a testagem para descobrir a letalidade aguda, que acabe por levar a óbito
50% da população aplicada, em uma escala entre 5 a 50mg/kg, 50 a 500mg/kg
e assim por diante.
O teste de Draize ou teste de irritação dérmica e ocular tem sido satisfa-
toriamente substituído, em muitos casos, por modelos de culturas de células,
que oferecem dados acerca da toxicidade do produto químico para a pele
e olhos. No teste com animais, em geral é utilizado o coelho como modelo
experimental: a aplicação ocorre em um olho, e o outro é utilizado como con-
trole negativo. Na pele, o produto é aplicado em uma área intacta e em duas
Conceitos de toxicologia e suas aplicações 13
Os ensaios crônicos têm uma duração mais elevada, com período de ex-
posição entre 6 meses a 2 anos. O objetivo deste tipo de ensaio é avaliar o
potencial carcinogênico do produto químico testado e a toxicidade cumulativa.
As regulamentações de vários países indicam que a dose do produto seja a
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chamada dose máxima tolerável. São ainda aplicadas, comumente, duas outras
doses, com 50% da dose inicial e outra com 25%. As avaliações baseiam-se
na busca de formações tumorais (tanto malignas quanto benignas) e são
reportadas para análise (KLAASSEN; WATKINS III, 2012).
Mais recentemente surgiram testes de toxicologia molecular, que avaliam a
interação do tóxico com genes e outras moléculas intracelulares. Esse tipo de
análise tem uma ampla gama de possibilidades de ensaios, que permitem uma
grande variedade de avaliações. A bioinformática tem sido uma importante
aliada para essas análises (GREIM; SNYDER, 2019).
Referências
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