41 - Qualidade e Licitação de Obras Públicas - Dissert UFF - Andre Kuhn

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO TECNOLÓGICO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL

ANDRÉ KUHN

QUALIDADE E LICITAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS:


UMA ANÁLISE CRÍTICA

NITERÓI
2002
ANDRÉ KUHN

QUALIDADE E LICITAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS:


UMA ANÁLISE CRÍTICA

Dissertação apresentada ao Curso de


Pós-Graduação em Engenharia Civil da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre. Área de Concentração:
Produção Civil.

Orientador: Prof. Dr. SÉRGIO ROBERTO LEUSIN DE AMORIM

NITERÓI
2002
ANDRÉ KUHN

QUALIDADE E LICITAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS:


UMA ANÁLISE CRÍTICA

Dissertação apresentada ao Curso de


Pós-Graduação em Engenharia Civil da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre. Área de Concentração:
Produção Civil.

Aprovado em dezembro de 2002

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Roberto Leusin de Amorim - Orientador
Universidade Federal Fluminense

________________________________________________
Prof. Dr. Miguel Luiz Ribeiro Ferreira
Universidade Federal Fluminense

________________________________________________
Prof. Dr. Nélio Domingues Pezzolato
Universidade Federal Fluminense

________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antônio Silveira Lopes
Instituto Militar de Engenharia

NITERÓI
2002
À minha mãe, que muito contribuiu para minha formação.
À minha esposa e filha, pela força e compreensão.
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Sérgio Roberto Leusin de Amorim - meu orientador, pelo


apoio e dedicação, uma luz de conhecimento nos momentos mais
difíceis.

Aos professores do Mestrado - pelos conhecimentos adquiridos.

A todos que contribuíram, direta e indiretamente, para a realização


deste trabalho.
SUMÁRIO

1 CONCEITOS, IMPORTÂNCIA E JUSTIFICATIVA, p. 10


1.1 INTRODUÇÃO, p. 10
1.1.1 Objetivos, p. 10
1.1.2 Estrutura de trabalho, p. 10
1.2 DEFINIÇÕES E IMPORTÂNCIA DA LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PÚBLICA, p. 12
1.2.1 Princípios da Licitação Pública, p. 13
1.2.2 Legislação Atual – Lei 8.666/93, p. 15
1.2.2.1 Conceitos Básicos, p. 15
1.2.3 Classificações: Regimes de Execução, Tipos e Modalidades de Licitação,
p. 17
1.3 DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE, p. 20
1.3.1 Definição de Qualidade, p. 20
1.3.2 Importância da Qualidade, p. 21
1.3.2.1 ISO 9000, p. 22
1.3.2.2 PBQP-H, p. 23

2. A QUALIDADE NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, p. 26


2.1 SISTEMAS DE QUALIDADE APLICADOS À INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, p. 27
2.2 A GARANTIA NA CONCLUSÃO DA OBRA, p. 31

3. MODELOS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS NO BRASIL E NO EXTERIOR,


p. 35
3.1 A LICITAÇÃO NO BRASIL, p. 35
3.1.1 Dificuldades Encontradas, p. 35
3.1.2 Falhas e Vícios Comuns em Licitações Públicas, p. 38
3.2 O CONTRATO ADMINISTRATIVO, p. 40
3.3 O CONTRATO PRIVADO, p. 41
3.3.1 Principais Formas de Contratação, p. 42
3.4 A LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO NO MUNDO, p. 44
3.4.1 Licitações e Contratos nos Estados Unidos, p. 44
3.4.2 Licitações e Contratos no Japão, p. 47
3.4.3 Licitações e Contratos na Europa, p. 49
5

4. ANÁLISE DOS PROBLEMAS INERENTES A CONTRATAÇÃO DE OBRAS


PÚBLICAS, p. 51
4.1 O MENOR PREÇO PARA OBRAS PÚBLICAS, p. 51
4.2 AVALIAÇÃO DA EMPRESA VERSUS AVALIAÇÃO DA PROPOSTA, p. 56
4.3 DIFICULDADE PARA SE EXIGIR QUALIDADE NO PROCESSO LICITATÓRIO DA OBRA
PÚBLICA, p. 57

5. SUGESTÕES PARA GARANTIR QUALIDADE NA OBRA PÚBLICA, p. 63


5.1 SISTEMA DE QUALIDADE NA OBRA PÚBLICA, p. 63
5.2 SUGESTÕES PARA OS REGULAMENTOS LICITATÓRIOS, p. 64
5.2.1 Sugestões sem Alteração da Legislação, p. 64
5.2.2 Sugestões com Alteração da Legislação, p. 68

6. CONCLUSÃO, p. 72

7. OBRAS CITADAS, p. 74

8. APÊNDICES, p. 78
8.1 ANÁLISE DE CUSTO DE CAPITAL EM RELAÇÃO AO ATRASO DE PAGAMENTO
DE ÓRGÃOS PÚBLICOS, p. 78
8.2 ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO CRONOGRAMA FINANCEIRO PARA A OBRA
PÚBLICA, p. 86
8.3 ANÁLISE DO PREÇO INEXEQÜÍVEL PARA OBRAS PÚBLICAS, p. 89
8.4 SUGESTÃO DE ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROPOSTAS EM LICITAÇÕES DE
OBRAS PÚBLICAS, p. 92
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

ABC Associação Brasileira de COHABs


ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABPC Associação Brasileira dos Produtores de Cal
ADEMI-RJ Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário do Rio de Janeiro
ANAMACO Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de
Construção
ANFACER Associação Nacional de Fabricantes de Cerâmica para
Revestimento
ANTAC Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído
Art. Artigo
BDI Bonificações e Despesas Indiretas
CAIXA Caixa Econômica Federal
CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção
COBRACON/ABNT Comitê Brasileiro de Construção Civil da Associação
Brasileira de Normas Técnicas
CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CRO/3 Comissão Regional de Obras da 3º Região Militar do
Exército Brasileiro
CTECH Comitê Nacional de Desenvolvimento Tecnológico da
Habitação
DOD U.S. Department of Defense
EIC European International Contractors
EMOP Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro
EPC Engineering, Procurement and Construction
EUA Estados Unidos da América
FAR Federal Acquisition Regulation
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
7

GSA General Services Administration


IBS Instituto Brasileiro de Siderurgia
inc. Inciso
INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial
ISO International Standard Organization
MLIT Ministry Of Land, Infrastructure And Transport Government
Of Japan
NSPE National Society of Professional Engineers
OCC Organismos Certificadores Credenciados
OECD Organisation For Economic Co-Operation And Development
PBQP-H Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat
QUALIHAB-SP Programa de Qualidade do Governo do Estado de São Paulo
QUALIOP-BA Programa de Qualidade das Obras Públicas do Governo do
Estado da Bahia
QUALIPAV-RJ Programa da Qualidade na Pavimentação, Obras de Arte
Especiais e Drenagem Urbana da Cidade do Rio de Janeiro
SEAP Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio
SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEDU/PR Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da
Presidência da República
SINAENCO Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e
Engenharia Consultiva
SINAOP Simpósio Nacional de Auditoria em Obras Públicas
SINDUSCON-RIO Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio
de Janeiro
SiQ-C Sistema de Qualificação de Empresas de Serviços e Obras –
Construção
TMA Taxa mínima de atratividade
VE Value Engineering
VPL Valor presente líquido
§ Parágrafo
RESUMO

Este trabalho apresenta a situação atual do processo licitatório e contratação


de obras públicas no Brasil e seus problemas; questiona as dificuldades de se obter
qualidade em obras públicas e sugere procedimentos para melhoria do processo.
Para atingir tais metas foi feito um estudo aprofundado sobre a legislação
vigente, consultando leis, decretos, atos normativos e publicações. Foi desenvolvida
também uma pesquisa dos sistemas de qualidade aplicados à indústria da
construção, além de uma pesquisa sobre o panorama mundial em relação à licitação
e contratação de obras.
Ao analisar problemas inerentes à licitação de obras públicas no Brasil, foram
apresentadas sugestões para melhoria do processo licitatório, buscando garantir a
qualidade da obra pública.
ABSTRACT

This work presents the current situation of the auction process and public
works contracts in Brazil and theirs problems; questions the difficulties of to obtain
quality in public works and suggests procedures for improvement of the process.
To reach such goals it was made a deepened study about the effective
legislation, consulting laws, ordinances, normative acts and publications. It was
developed a research of the quality management systems also applied to the
construction industry, besides a research on the world panorama in relation to the
auction and recruiting of works.
When analyzing inherent problems to the public works auction in Brazil,
suggestions were presented for improvement of the auction process, looking for to
guarantee the quality of the public work.
1. CONCEITOS, IMPORTÂNCIA E JUSTIFICATIVA

1.1. INTRODUÇÃO

1.1.1. Objetivos

O objetivo deste trabalho é apresentar a situação atual do processo


licitatório e contratação de obras públicas no Brasil e seus problemas; questionar
as dificuldades de se obter qualidade em obras públicas e sugerir procedimentos
para melhoria do processo.

1.1.2. Estrutura do Trabalho

Para atingir tais metas foi feito um estudo aprofundado sobre a legislação
vigente, consultando leis, decretos, atos normativos e publicações dos mais
conceituados juristas na área de Direito Administrativo. Foi desenvolvida também
uma pesquisa dos sistemas de qualidade aplicados à indústria da construção,
através de estudo das normas International Standard Organization (ISO-9000) e
seus comentários em publicações de diversos autores, além do Programa
Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H), através de artigos
de diversos órgãos públicos e privados disponíveis na Internet. Para obter uma
contribuição externa para o trabalho, por falta de publicações de licitações e
contratos de obras públicas voltadas diretamente para a engenharia civil, foi
realizada uma pesquisa na Internet sobre os Estados Unidos, Japão e Europa,
obtendo informações que retratam o panorama mundial em relação à licitação e
11

contratação de obras. Pelo mesmo motivo, no Brasil, foi utilizada a experiência


profissional do próprio autor em grande parte da dissertação.
O estudo englobou um período a partir de 1993, data de publicação da
atual lei de licitações no Brasil, até os dias atuais. Pela dificuldade encontrada em
caracterizar a prática aplicada nas licitações de obras públicas, tanto pelos
administradores como pelos licitantes, foi feita uma análise lógica do processo, e
não uma pesquisa de campo, que possa servir de base para trabalhos futuros.
Tendo em vista a falta de conhecimento de termos e conceitos sobre
licitações e contratos e sistemas de qualidade, o primeiro capítulo, além de
apresentar os objetivos e a estrutura do trabalho, objetiva também descrever
algumas definições necessárias para o perfeito entendimento do estudo
desenvolvido, além de procurar demonstrar a importância do tema.
O segundo capítulo trata da qualidade na indústria da construção, as
exigências contratuais quanto a certificados de qualidade e garantias de
conclusão de obra. Já no terceiro capítulo são apresentados modelos de
licitações e contratos de obras no Brasil e no exterior, não somente modelos
públicos, mas privados também, onde os países analisados são Estados Unidos e
Japão, mais a Europa de forma genérica.
No quarto capítulo são analisados problemas inerentes à licitação de obras
públicas no Brasil, abordando alguns temas polêmicos: menor preço para obras,
processos de avaliação de propostas, exigência de qualidade na fase licitatória e
artifícios possíveis de serem utilizados pelos licitantes.
O quinto capítulo é uma apresentação de sugestões para melhoria do
processo licitatório, buscando garantir a qualidade da obra pública. As sugestões
apresentadas se dividem em duas partes: sugestões com e sem alteração da
legislação vigente no Brasil. E, por fim, o sexto capítulo, onde são apresentadas
as conclusões do trabalho.
Para ilustrar alguns procedimentos de possível ocorrência no processo
licitatório, mas que sua apresentação no corpo principal do trabalho poderia
prejudicar o seu entendimento, foram inseridos quatro apêndices, que são textos
apresentados pelo autor em seminários e aulas.
12

O apêndice 8.1. é uma simulação de um atraso de pagamento de uma obra


fictícia, onde é analisado o custo do capital para cada situação de atraso
permitida em Lei.
O apêndice 8.2. é a apresentação, através de uma simulação, de uma
manobra possível de ser aplicada de acordo com a Lei atual, para se obter um
ganho maior em uma obra.
O apêndice 8.3 apresenta a explicação da fórmula, prevista em Lei, para
definição do preço inexeqüível em uma obra pública. Foram utilizador valores
aleatórios em uma simulação, somente para facilitar o entendimento da regra.
O apêndice 8.4. é uma sugestão do autor de um roteiro para elaboração de
propostas em licitações de obras públicas, baseado no processo licitatório atual.

1.2. DEFINIÇÕES E IMPORTÂNCIA DA LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PÚBLICA

Quando uma empresa privada deseja adquirir um produto ou serviço, ela


tem liberdade para escolher a forma de seleção e contratação que melhor se
adaptar às suas necessidades e às exigências do empreendimento. Um Órgão
Público não tem tal poder, pois seus procedimentos são pré-determinados por leis
e normas, que limitam a liberdade do administrador e definem a seleção e o
contrato de uma forma genérica, muitas vezes mantendo processos iguais para
necessidades muito distintas.
Justifica-se a diferença de procedimentos nas duas situações, pois o dono
da empresa não vai tomar atitudes que possam prejudicar aquilo que é seu, mas
o administrador público cuida daquilo que não lhe pertence, obrigando assim a
necessidade de regras para garantir o cumprimento dos princípios básicos que
devem reger a licitação pública, como a igualdade, publicidade, probidade
administrativa e outros. Mas o extremo também é prejudicial, a rigidez da norma
muitas vezes obriga o administrador a abrir mão da qualidade para atender à Lei.
Por isso, mesmo em contratos públicos, a seleção e o contrato deveriam se
adaptar ao empreendimento, e não o contrário.
Ao se estudar a licitação e contratação de obras públicas, observa-se que o
foco da preocupação da Administração Pública, da Sociedade, da mídia e de
13

outros setores está no desvio de recursos públicos, mas também deveria haver
uma atenção maior com produto final a ser recebido, o objeto do contrato. O
prejuízo decorrente de obras mal feitas ou inacabadas pode ser tão ou mais
nocivo aos cofres públicos quanto à corrupção e ao desvio de verbas. Já o estudo
de aplicação de sistemas de qualidade é uma forma de se tentar garantir que uma
empresa contratada atenda às necessidades da Administração Pública. Mas,
muitas vezes, essa tentativa esbarra nos obstáculos legais.
Ao se analisar esses obstáculos legais, deve-se atentar às definições e
procedimentos previstos na Lei, a começar pelo próprio termo Licitação1, que é
um procedimento administrativo que visa selecionar a proposta mais vantajosa
para a Administração Pública, atendendo conjuntamente o princípio constitucional
da isonomia entre os participantes.
Nos dias atuais, com a constante exposição de fatos pela mídia, o tema
Licitações sempre está em pauta, e geralmente sendo explorado negativamente.
Os aspectos mais criticados são o superfaturamento e a péssima qualidade das
obras públicas.
A legislação atual pode ser considerada falha por muitos, mas o fato é que
o desconhecimento das leis e regulamentos é, em grande parte, causa de
constantes erros de administradores públicos e licitantes.
Segundo Justen Filho (2000, p. 502), o Contrato Administrativo é um
acordo de vontades entre um Órgão da Administração Pública e o particular, onde
serão gerados direitos e deveres entre as partes. Ele difere do contrato privado
em relação ao interesse público, que sempre prevalecerá sobre o interesse
privado e tornando, na prática, o contato administrativo sujeito a alterações
unilaterais previstas em Lei, por parte da Administração Pública.

1.2.1. Princípios da Licitação Pública

A legislação pertinente a Licitações e Contratos deve atender a princípios


que, segundo Justen Filho (2000, p.57), são as origens das normas, pois todas

1
Destinação prevista no art.3º, da Lei 8.666/93.
14

elas são interpretadas à sua luz. Sendo assim, os princípios servirão de base para
solução de dúvidas.
A própria legislação vigente2 cita, em seu artigo 3o, os princípios básicos
que regem a Licitação Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade,
igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento
convocatório e julgamento objetivo.
A igualdade entre os participantes não significa proibição de diferenciação
entre eles, mas sim que este critério de diferenciação deverá ser bem claro no
processo licitatório. A própria Administração, ao procurar escolher alguém para
contratar, o fará baseado em uma diferença entre os participantes. De acordo
com Meirelles (2002, p. 30), a igualdade é o "princípio primordial da licitação",
inclusive previsto na Constituição Federal, em seu Art. 37, inc. XXI, mas não é
impedimento para o estabelecimento de requisitos mínimos para participação do
processo licitatório.
O princípio da legalidade refere-se à lei, que define as condições de
atuação dos agentes administrativos. A Lei permite a liberdade de escolha da
Administração Pública em relação ao objeto, especificações, condições de
pagamento e outros. Isto é, o Administrador pode escolher as condições do
contrato futuro, desde que o faça com antecedência. Tais escolhas farão parte do
instrumento convocatório, que também como a Lei, determinará as condições da
licitação. Desta forma o princípio da vinculação ao instrumento convocatório
garante o atendimento do que é determinado pelo Edital de Licitações e seus
anexos.
Os princípios da impessoalidade e do julgamento objetivo determinam um
critério objetivo de julgamento que não considera as preferências pessoais ou
vontades do julgador. A moralidade e probidade estão relacionadas à reprovação
de condutas incompatíveis com os valores jurídicos, determinando um ambiente
de honestidade e seriedade na licitação, tanto por parte da administração quanto
por parte dos licitantes.
A publicidade visa permitir que qualquer pessoa tenha acesso a todas as
informações do processo licitatório, garantindo assim uma transparência dos
certames e a regularidade dos atos praticados.

2
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993
15

1.2.2. Legislação Atual – Lei 8.666/93

As normas gerais sobre licitações e contratos públicos no Brasil são


estabelecidas pela Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Conforme artigo 1o,
parágrafo único, subordinam-se ao regime dessa Lei, além dos órgãos da
administração, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as
empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades
controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
Cada Instituição Pública pode ter suas normas próprias para Licitações e
Contratos, mas sempre atendendo ao estabelecido na Lei n.º 8.666 e aos seus
princípios básicos. Todavia, de acordo com a Emenda Constitucional 19, de 04 de
junho de 1998, foi dada nova redação ao art. 173, § 1º, inc. III, onde ficou claro,
segundo Meirelles (2002, p. 102), que empresas públicas que exercem atividade
econômica, quanto à licitação e contratação, ficarão somente sujeitas aos
princípios da Administração Pública, não se sujeitando às regras rígidas da Lei
8.666/93. Tal afirmação é compartilhada por outros juristas, como Lomar (2000, p.
13 et. seq.). Sendo assim, esse respaldo legal permite à Petrobrás, por exemplo,
aplicar procedimentos licitatórios mais flexíveis.
Algumas definições técnicas, apesar de serem conhecidas por todos os
profissionais de Engenharia, são importantes de serem abordadas, pois muitas
vezes a legislação vigente pode ter uma interpretação diferente do que é
ensinado nos bancos escolares. Outras definições são de uso comum na
Administração Pública, não fazem parte do Ensino Acadêmico, mas são
importantes para o estudo dos processos de licitação e contratação de obras
públicas.

1.2.2.1. Conceitos básicos

“Entende-se por Licitação aquele procedimento


administrativo (somatório de vários atos administrativos
vinculados no qual o antecedente informa e fundamenta o
conseqüente) destinado a selecionar a melhor proposta de
16

fornecimento, aquela que seja a mais vantajosa para a


administração, e onde todos os ofertantes devem ser tratados
com absoluto respeito e igualdade, incluindo-se aí o exame da
situação técnica e econômica dos interessados”. (Mukai, 1995,
p.1)

Diversos juristas brasileiros, que comentam a Lei de 8.666/93, deixam bem


claro o objetivo da Licitação, que é a classificação da melhor proposta, e não a
escolha da melhor empresa a ser contratada.
Obra e Serviço3: De acordo com a Lei n.º 8.666/93, obra é toda construção,
reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou
indireta. Já serviço é toda atividade destinada a obter determinada utilidade de
interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação,
montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção,
transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico -
profissionais. Observa-se que tais conceitos são falhos, pois não houve uma
definição para obra, e sim a citação de diversas atividades que são consideradas
obras. Quanto à definição de serviço, ela é insuficiente, pois uma obra também
pode se encaixar nesta definição: ser uma atividade destinada a obter
determinada utilidade de interesse para a Administração. A importância de se
discutir a diferença entre obra e serviço é devido à forma de se distribuir recursos
na Administração Pública. O administrador não pode utilizar um recurso financeiro
numa destinação diferente daquela a que foi prevista, podendo vir a responder
processo administrativo.
Obras de grande vulto4: são aquelas, segundo a legislação vigente, que
possuem um valor estimado superior a vinte e cinco vezes o limite estabelecido
para concorrência de obras, que equivale a R$ 37.500.000,00. A Lei não faz
diferenciação de tipo de obra, disponibilidade de recursos ou qualquer outro
parâmetro para definição desse valor.
Projeto Básico e Projeto Executivo5: De acordo com a Lei 8.666/93, o
projeto básico é o "conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de
precisão adequada, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou

3
Art. 6º, inc. I e II, da Lei 8.666/93.
4
Art. 6º, inc. V, da Lei 8.666/93.
5
Art. 6º, inc. IX e X, da Lei 8.666/93.
17

serviços objeto da licitação". Na prática ele deve conter os seguintes elementos:


plantas de arquitetura, especificações técnicas e orçamento. Já o projeto
executivo, segundo a Lei, é "o conjunto dos elementos necessários e suficientes à
execução completa da obra". Segundo o art 7º, § 2º da Lei 8666/93, as obras e
serviços só podem ser licitados, dentre outras exigências, quando houver projeto
básico aprovado por autoridade competente. A qualidade do projeto básico está
diretamente relacionada com o perfeito desenrolar do processo licitatório e
execução do contrato de obras públicas. As definições de projeto básico e
executivo estão melhor definidas e exemplificadas no Manual de Obras Públicas -
Edificações da Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio (Práticas
SEAP), citadas no Capítulo 3, que é um documento público federal de grande
utilidade, que apesar de ser de uso obrigatório, é pouco conhecido por parte dos
Administradores Públicos envolvidos em licitações de obras.
Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT- NBR 6492),
as definições de projeto são menos completas que a Lei 8.666/93 e as Práticas
SEAP. A norma denomina as duas etapas de Anteprojeto e Projeto Executivo:

"Anteprojeto: Definição do partido arquitetônico e dos


elementos construtivos, considerando os projetos
complementares (estrutura, instalações, etc.). Nesta etapa o
projeto deve receber aprovação final do cliente e dos órgãos
oficiais envolvidos e possibilitar a contratação da obra".
Projeto Executivo: Apresenta, de forma clara e
organizada, todas as informações necessárias à execução da
obra e todos os serviços inerentes" (ABNT - NBR 6492).

1.2.3 Classificações: Regimes de Execução, Tipos e Modalidades de Licitação

De acordo com a Lei de Licitação, as obras e serviços podem ser


executados de duas formas6: "execução direta", onde é feita pelos próprios meios
da Administração, e "execução indireta", quando a Administração Pública contrata
terceiros para a execução do objeto7.

6
Art. 10, da Lei 8.666/93
7
Art. 6º, inc. VII e VIII da Lei 8.666/93
18

A "execução indireta" se divide em quatro regimes8, que definem as formas


de contratação das obras e serviços de engenharia: "empreitada por preço
global"9, onde a obra ou serviço é contratado por um preço certo e total, muito
utilizada em construções de edificações, reformas em prédios e outros, onde a
quantidade de serviço é facilmente mensurável; "empreitada por preço unitário"10,
quando o serviço ou obra é contratado por preço certo de unidades determinadas.
Este regime é utilizado quando é inviável a quantificação total do serviço ou obra
a ser executado, como por exemplo, a sondagem e a fundação; "tarefa"11, para
pequenos trabalhos por preço certo; e "empreitada integral"12, quando se contrata
o empreendimento em sua integralidade.
A Lei classifica também os tipos de licitação13 para obras públicas, sendo
uma classificação baseada nos critérios para seleção das propostas mais
vantajosas, que são: "menor preço", é o mais usual em licitação de obras
públicas, onde o que determina o vencedor é a proposta que, após atender as
condições do edital, ofertar o menor preço; "melhor técnica", quando o julgamento
se baseia primeiramente nas propostas técnicas, onde o vencedor da melhor
técnica aceita ou não o menor preço dos selecionados; e "técnica e preço",
quando julgadas separadamente, às propostas técnicas e de preço se atribuem
pesos a diversos requisitos, inclusive o menor preço, sendo vencedora a proposta
que obtiver maior pontuação, conforme critérios pré-determinados no edital. O tipo
"maior lance ou oferta" é utilizado somente para leilões.
Outra classificação prevista em Lei é a modalidade de licitação, que define
os procedimentos com que a obra será licitada As modalidades de licitação14 que
ocorrem em obras públicas são: "convite", "tomada de preços" e "concorrência". O
"concurso" é a modalidade para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico
e o "leilão" é para venda de bens móveis inservíveis, venda de produtos
apreendidos ou penhorados e alienação de bens imóveis, não sendo utilizados
para licitação de obras. Outra modalidade só aplicada por Órgãos Públicos

8
Art. 10, inc. II da Lei 8.666/93
9
Art. 6º, inc. VIII, alínea a) da Lei 8.666/93
10
Art. 6º, inc. VIII, alínea b) da Lei 8.666/93
11
Art. 6º, inc. VIII, alínea d) da Lei 8.666/93
12
Art. 6º, inc. VIII, alínea e) da Lei 8.666/93
13
Art. 45, da Lei 8.666/93.
14
Art. 23, da Lei 8.666/93
19

Federais é o "pregão", mas só pode ser usado em licitações para aquisição de


bens e serviços comuns, previstos em decreto15.
Quanto à modalidade de licitação, o que define qual vai ser aplicada à obra
é o valor previamente orçado pela Administração Pública. Esses limites de valores
entre as modalidades são os seguintes, para obras e serviços de engenharia16:
Até o valor de R$ 15.000,00: Dispensa de licitação. A Unidade
Administrativa fica dispensada de realizar licitação, podendo empenhar
diretamente para a empresa escolhida.
Até o valor de R$ 150.000,00: "Convite", que é a modalidade mais simples,
onde as exigências são menores. O prazo mínimo para abertura das propostas é
de 05 dias úteis após a sua divulgação.
Até o valor de R$1.500.000,00: "Tomada de preços". As exigências são
maiores, a licitação é dividida em duas partes: análise da habilitação e abertura
das propostas. O prazo mínimo para entrega das propostas, a contar da última
publicação do edital, é de 30 dias, para o tipo "melhor técnica" ou "técnica e
preço", ou 15 dias, para "menor preço".
Acima de R$1.500.000,00: "Concorrência". Tem poucas diferenças em
relação à tomada de preços, sendo um valor maior e tendo mais prazo para
elaboração das propostas. O prazo mínimo para entrega das propostas, a contar
da última publicação do edital, é de 45 dias, para o tipo "melhor técnica" ou
"técnica e preço", ou 30 dias, para "melhor preço".
Deve-se ressaltar que a Administração Pública nunca deve parcelar uma
obra, visando realizar assim mais de uma Licitação numa modalidade abaixo17. O
objetivo dessa manobra errada é facilitar a parte formal e reduzir os prazos
fixados em Lei, mas certamente uma auditoria pode trazer sanções para os
responsáveis pelo Ato Administrativo em questão.
Quanto à dispensa de licitação, o limite até R$ 15.000,00 é somente uma
das situações que a Lei permite a sua dispensa, sendo os demais casos
relacionados no Artigo 24, da Lei 8.666/93. Mas cabe destacar os casos de

15
Decreto 3.555, de 08 de agosto de 2000, que aprova e regulamenta a modalidade de licitação
denominado Pregão.
16
Art. 26, inc. I, da Lei 8.666/93.
17
Art. 23, § 5º, da Lei 8.666/93.
20

inexigibilidade de licitação18, que se diferenciam da dispensa por haver


inviabilidade de competição, como o caso de contratação de serviços técnicos por
profissionais de notória especialização19.

1.3 DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA QUALIDADE

1.3.1 Definição de Qualidade

Segundo Limmer (1997, p. 186), três aspectos devem ser atingidos em um


empreendimento: prazo, custo e qualidade. O prazo e o custo são relativamente
fáceis de serem mensurados e definidos, pois derivam das atividades a serem
realizadas, suas seqüências e inter-relacionamentos. Porém "almejada por todos,
a qualidade varia de acordo com as aspirações de cada um, sendo por isso difícil
defini-la" (Limmer, 1997, p. 187). Pode-se citar definições de diversos autores
para qualidade, por exemplo: "qualidade se entende como o estado de um
conjunto de atributos do empreendimento, com relação a um determinado
referencial, imposto no processo de planejamento para o seu desenvolvimento"
(Rocha Lima Jr., 1995, p. 8). Mas de acordo com a NBR ISO 9000, qualidade é "a
totalidade das características de uma entidade, que lhe confere a capacidade de
satisfazer às necessidades explícitas e implícitas".
Porém, no âmbito da relação contratual, as necessidades explícitas são
claramente definidas nas cláusulas e anexos do contrato de uma obra. A
dificuldade está na busca de se atender às necessidades implícitas, isto é, aquilo
que o cliente espera ser satisfeito, mesmo não estando visível no acordo entre as
partes. Incluem-se nesta categoria aspectos normativos e regulamentares, nem
sempre incluídos no escopo contratual, mas também aspectos que a boa prática
recomende e que o contratante não tenha considerado.
Pode-se verificar que a inserção da questão da qualidade em licitações
passa por dois aspectos: a explicitação das necessidades nas clausulas

18
Art. 25, da Lei 8.666/93.
19
Segundo Art. 25, § 1º, da Lei 8.666/93, notória especialização é o profissional ou empresa cujo
conceito no campo de sua especialização "permita inferir que o seu trabalho é essencial e
indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto".
21

contratuais e a possibilidade de que as necessidades implícitas também estejam


corretamente consideradas. Ao longo deste trabalho veremos que nenhum destes
dois aspectos tem sido tratado de modo adequado, pois tanto as necessidades
não têm sido bem explicitadas, como não encontramos sistemas que levem a
consideração daquelas implícitas .

1.3.2 Importância da Qualidade

Apesar da baixa qualidade da obra pública ser um aspecto muito criticado


por todos, a legislação atual pode ser um obstáculo para exigências licitatórias e
contratuais no que diz respeito à qualidade, mas é importante a implementação
de um modelo que permita a busca da qualidade na elaboração de propostas e
cumprimento dos contratos.
O tema sobre Contratos e Licitações Públicas é de grande interesse para a
Sociedade, pois a União, Estados, Municípios e empresas públicas aplicam
anualmente quantias substanciais em obras. O Cidadão quer uma construção que
atenda suas necessidades; a Construtora almeja um contrato que permita a
execução de uma obra bem feita e por um preço justo e a Administração Pública
deseja pagar o menor preço pela máxima qualidade. Para se atender às três
partes interessadas, os processos licitatório e contratual devem ser estudados e
bem conhecidos, tanto pelos licitantes como pelos funcionários públicos
envolvidos no processo.
Por não constar na legislação vigente, os sistemas de qualidade não são
incorporados diretamente ao processo licitatório no Brasil, ao contrário de
diversos países, que utilizam modelos mais modernos para seleção e contratação
de obras. Buscando soluções para os problemas gerados pelas falhas no
processo licitatório de obras, pode-se sugerir a aplicação de sistemas de gestão
da qualidade. Dentre os sistemas, destaca-se a ISO 9000 (International Standard
Organization) e, na construção civil, o PBQP-H (Programa Brasileiro de Qualidade
e Produtividade do Habitat).
22

1.3.2.1 ISO 9000

A ISO é uma norma organizacional, pois ela não impõe uma uniformidade
na estrutura de sistemas de gestão de qualidade ou uniformidade de
documentação (Kanholm, 2001). As normas ISO 9000 são internacionais e
possuem suas versões no Brasil pela ABNT, através das NBR 9000. A norma
NBR ISO 9001:2000 (que substitui as antigas normas: ISO 9001:1994, ISO
9002:1994 e ISO 9003:1994) especifica requisitos para um sistema de gestão da
qualidade, focada na eficácia em atender aos clientes, tanto a jusante como a
montante do processo. A norma NBR ISO 9004:2000 (que substitui a antiga
norma: ISO 9004:1994) fornece orientação para um sistema de gestão da
qualidade, com objetivos mais amplos que a NBR ISO 9001:2000, especificando
no que tange à melhoria contínua do desempenho global de uma organização e
sua eficiência e eficácia. A NBR ISO 9004:2000 é uma norma guia, complementar
a NBR ISO 9001:2000, que é uma norma certificável. Em relação às mudanças
apresentadas pela nova norma, ao se analisar a comparação da ISO 9001:1994
com a ISO 9001:2000 feita por Ketola & Roberts (2001), observa-se que a
modificação apresenta em três pontos importantes de reconceituação:
Responsabilidade da Direção; Orientação para o Cliente e Satisfação dos
Fornecedores.
Como em qualquer país onde são implantados sistemas de gestão da
qualidade, o Brasil possui um órgão responsável pelo credenciamento dos OCC
(Organismos Certificadores Credenciados). Esse órgão é o INMETRO (Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial)20. As OCC são
empresas de auditoria e têm por objetivo auditar as organizações que, após
implantarem um sistema de gestão da qualidade, pleiteiam a obtenção do
certificado relativo ao sistema implantado.
A ISO 9000, como todo sistema de qualidade, garante que a organização
certificada estará estruturada para atender aos requisitos pré-determinados e ao
que foi inicialmente acordado entre as partes. Isso indica que o produto terá muito
provavelmente qualidade em relação ao especificado, e não no sentido de

20
Instituído pela Lei nº 5.966, de 11 de Dezembro de 1973.
23

excelência ou conformidade do produto, conceito este que causa muita confusão


aos leigos. Mas a grande resistência da aplicação desse sistema nas construtoras
não está somente no desconhecimento dos seus objetivos, mas no fato de que a
execução de uma obra representa uma fábrica de um único produto, que possuirá
características bem distintas em cada obra. Esta peculiaridade da Construção
Civil é um fator de dificuldade para implantação da ISO 9000, pois ela exige uma
padronização e documentação de processos, sempre mais fácil se a produção é
repetitiva.

1.3.2.2 PBQP-H

Com a globalização e o crescimento do número de construtoras


certificadas, a tendência é aumentar a quantidade de contratos com cláusulas
exigindo certificação de qualidade. Como exemplo dessa tendência pode-se citar
o PBQP-H, que é um sistema de qualidade desenvolvido pelo Governo Federal,
baseado na ISO 9000 e instituído pela Portaria no 134, de 18 de dezembro de
1998, do Ministério do Planejamento e Orçamento. Ele tem como objetivo:

"apoiar o esforço brasileiro de modernidade pela


promoção da qualidade e produtividade do setor da construção
habitacional, com vistas a aumentar a competitividade de bens
e serviços por ele produzidos, estimulando projetos que
melhorem a qualidade do setor". (Portaria no 134, 1998)

A condição básica para o sucesso do programa está na parceria do


Governo com o Setor Privado, sendo que a adesão é voluntária e dividida em
quatro categorias: agentes da cadeia produtiva do setor privado: por meio de
programas setoriais da qualidade; agentes do setor público e privado: por meio de
Termo de Adesão firmado entre o representante da entidade e o representante da
coordenação geral do programa; agentes financiadores e de fomento: pela
participação em projetos que busquem utilizar o poder de compra como indutor da
melhoria da qualidade e aumento da produtividade e agentes de fiscalização e de
direito econômico: através da promoção da isonomia competitiva do setor. O
24

PBQP-H se tornou um instrumento capaz de permitir a aplicabilidade de um


sistema de gestão da qualidade em Obras Públicas, pois através de acordos
setoriais viabiliza exigências contratuais de certificação sem ferir o princípio
constitucional da isonomia21. Seus objetivos específicos constam no próprio
documento que o criou e são eles:

"- Estimular o inter-relacionamento entre agentes do setor;


- Promover a articulação internacional com ênfase no Cone
Sul;
- Coletar e disponibilizar informações do setor e do PBQP-H;
- Fomentar a garantia de qualidade de materiais, componentes
e sistemas construtivos;
- Fomentar o desenvolvimento e a implantação de instrumentos
e mecanismos de garantia de qualidade de projetos e obras;
- Estruturar e animar a criação de programas específicos
visando a formação e a requalificação de mão-de-obra em
todos os níveis;
- Promover o aperfeiçoamento da estrutura de elaboração e
difusão de normas técnicas, códigos de práticas e códigos de
edificações;
- Combater a não conformidade intencional de materiais,
componentes e sistemas construtivos;
- Apoiar a introdução de inovações tecnológicas;
- Promover a melhoria da qualidade de gestão nas diversas
formas de projetos e obras habitacionais." 22

Um exemplo da eficácia do Programa é retratado no crescente número de


empresas certificadas, chegando a 1441 em outubro de 2002 (Empresas, 2002).
A importância do Programa se reflete nos acordos setoriais, como o acordo entre
a Caixa Econômica Federal, o SINDUSCON-RIO (Sindicato da Indústria da
Construção Civil do Estado do Rio de Janeiro) e a ADEMI-RJ (Associação de
Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro), onde o
objetivo é a melhoria da qualidade e o aumento da produtividade na execução de
obras financiadas pela Caixa Econômica, em particular na produção habitacional.
Conforme o acordo setorial, as empresas da construção civil deverão atingir
21
Segundo Meirelles (2002, p.30) "não pode haver procedimento seletivo com discriminação entre
participantes (...)". Mas o acordo setorial representa atitudes e procedimentos de uma maioria em
um determinado setor, descaracterizando assim uma restrição discriminatória à participação em
um determinado processo de seleção de propostas.
22
Portaria nº 134, de 18 de dezembro de 1998, ANEXO - Programa Brasileiro da Qualidade e
Produtividade do Habitat - PBQP-H.
25

níveis de qualificação para obter financiamentos pela Caixa Econômica Federal.


(PBQP-H. Acordo, 2002).
Não só no Rio de Janeiro, mas também em quase todos os outros Estados,
A Caixa Econômica Federal (CAIXA), a Secretaria Especial de Desenvolvimento
Urbano da Presidência da República (SEDU/PR) e a Câmara Brasileira da
Indústria da Construção (CBIC), firmaram acordo, no âmbito do PBQP-H, com o
objetivo de estabelecer critérios e prazos para implantação gradual do processo
de qualificação das empresas construtoras, de acordo com Sistema de
Qualificação de Empresas de Serviços e Obras – Construção (SiQ-C). Com esta
atuação da CAIXA nos diversos Estados, os prazos para vigência do SiQ-C vêm
sendo negociados caso a caso, junto às empresas e entidades representativas do
setor da construção civil de cada Estado, e formalizados por meio da assinatura
de Acordos Setoriais da Qualidade.
Atualmente, desde setembro de 2000, os seguintes Estados assinaram, em
ordem de adesão, os acordos setoriais: Santa Catarina, São Paulo, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Maranhão,
Bahia, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Pará, Alagoas,
Mato Grosso do Sul, Piauí, Rio Grande do Sul e Sergipe. (PBQP-H. Acordos com
a CAIXA, 2002)
2 A QUALIDADE NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO

Nos anos oitenta, a administração japonesa já surpreendia o mundo com


sua supereficiência. Em contrapartida as empresas americanas passavam por
grandes dificuldades e um dos fatores que as trouxe novamente à luz foi a
publicação do livro: “Em Busca da Excelência1". A partir daí surgiu um movimento
em busca da qualidade de produtos e serviços no mundo. Empresas, em diversas
partes do mundo, criavam normas e procedimentos, descrevendo processos e
registrando políticas. Os governos passaram a criar normas para contratação de
serviços, como as normas 10-CFR-50 para construção de usinas nucleares,
também utilizadas no Brasil, e a série de normas canadenses: Z-299, usadas
como exigências contratuais para fornecimento nos mercados nacionais e
internacionais (Floriano, 2002).
Com o crescimento da aplicação das normas de qualidade como
exigências contratuais e a falta de uma padronização, o mundo ficou repleto de
regulamentos para fornecimento de bens e serviços, dificultando as relações
comerciais e criando-se exigências absurdas, em alguns casos. Para resolver o
problema, o comércio internacional buscou a aplicação de normas comuns a
todos. Com a base nas normas inglesas (BS-5750)2 e da necessidade de normas
internacionais de qualidade, foram criadas as normas da série 9000 pela ISO
(International Standard Organization). A ISO foi fundada em 1947, com sede em
Genebra, na Suíça e, em 1979, foi criado o Comitê Técnico TC-176 da ISO para

1
WHIETELEY, Richard C. A Empresa Totalmente Voltada para o Cliente. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
2
Segundo FLORIANO, o país mais desenvolvido na época, em relação à normalização da
qualidade era a Inglaterra.
27

tratar da Qualidade. As normas ISO da série 9000 foram emitidas em 1987,


traduzidas e editadas no Brasil em 1990 e revisadas em 1994. (Floriano, 2002).
A última revisão e atualização das normas NBR ISO 9000 foi realizada em
2000, com a substituição das normas NBR ISO 9001:1994, NBR ISO 9002:1994
e NBR ISO 9003:1994 pela norma NBR ISO 9001:2000; e as normas NBR ISO
9004-1:1994, NBR ISO 9004-2:1993 e NBR ISO 9004-3:1999 pela norma NBR
ISO 9004:2000. Substituições válidas a partir de 29 de janeiro de 2001.

2.1 SISTEMAS DE QUALIDADE APLICADOS À INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO

A indústria da construção não poderia ficar excluída dessa tendência


mundial. Já em 1995, a primeira construtora brasileira conseguiu sua certificação.
Mas, apesar do setor da construção estar entre os mais importantes da economia
brasileira, é um dos que menos investem em programas de qualidade (Leon,
2002).
A indústria da construção, além de ser um dos setores mais importantes da
economia brasileira, é, segundo o Instituto Mckinsey (1999, p.100), uma grande
fonte de emprego. Só o segmento da construção residencial representa quase
três vezes e meia o peso da indústria automobilística no PIB e emprega treze
vezes mais, mas não recebe a mesma atenção da imprensa.
Apesar dessa representatividade, os índices de produtividade da
construção civil no Brasil estão muito afastados da produtividade americana, por
exemplo, chegando apenas a 32% da indústria nos Estados Unidos. Essa
defasagem se dá não pela qualidade de mão-de-obra, que não difere muito da
americana em algumas regiões dos Estados Unidos, mas sim ao sistema de
produção. Basicamente, o que diferencia as duas realidades são o projeto e a
organização de funções e tarefas (Instituto Mckinsey, 1999, p. 100).
Entretanto, existe qualidade na indústria da construção brasileira, como
retrata o artigo da revista Banas: "Muitas construtoras brasileiras já deram
mostras de que têm qualidade e padrão internacional. O exemplo mais conhecido
28

está no setor da construção pesada. Poucos países no mundo dominam tão bem
essa tecnologia."3
Como apresentado no capítulo anterior, a aplicação de um sistema de
qualidade na indústria da construção resulta na melhoria de seus produtos,
indicando assim melhora na eficácia e conseqüentemente um aumento de
produtividade4. Mas existe uma barreira que não permite uma adesão maciça das
construtoras aos sistemas de qualidade: além dos custos de implantação, que
para pequenas e médias empreiteiras torna-se representativo, a dificuldade de se
implantar um sistema ISO 9000, que é genérico para atender a todo tipo de
organização e difícil de ser adaptado para a indústria da construção, pois
possuem características muito diferentes das demais empresas. Parte dessa
dificuldade se deve a questões culturais, pois desde 1995, com a certificação da
primeira construtora, até 25 de outubro de 1999, somente 52 empresas foram
certificadas pela ISO 9001:1994, sendo que atualmente apenas 86 empresas
possuem o certificado ISO 9001:2000 (INMETRO.Distribuição, 2002). Os números
podem ser considerados pouco representativos, mas segundo Leon (2002), as
causas estão nos problemas levantados, que são: falta de comprometimento das
pessoas; operacionalização das rotinas impostas pelo Sistema; grande esforço de
manutenção da documentação atualizada; choque do sistema da qualidade com a
cultura organizacional; adequação dos requisitos da norma ISO à realidade da
construção civil; burocracia excessiva e engessamento das atividades.
Apesar das dificuldades na indústria da construção, a ISO 9000:2000 veio
favorecer este tipo de indústria, ao mesmo tempo em que a prática esclarece as
muitas dúvidas que surgem com sua implantação. Além disso, as vantagens de
se implantar um sistema de gestão de qualidade, como a ISO 9000, podem ser
observadas em diversos aspectos: do ponto de vista do cliente há um aumento da
confiança, além de servir como requisito de contrato e buscar a melhor
qualificação do contratado; o marketing, por possuir um certificado de qualidade
com reconhecimento internacional; o processo, que atende aos padrões
internacionais e é uma base para a melhoria contínua; e a gestão, sistematizando

3
EXISTE Qualidade na Construção, sim. Revista Banas Qualidade nº 71. Abril 1998. p 34
4
Segundo Limmer (1997, p.189): "Uma gestão da qualidade resulta obrigatoriamente em melhoria
de produtividade (...)"
29

e monitorizando processos, e servindo para a avaliação de performance. Segundo


a própria norma, os principais benefícios da ISO 9000 são os seguintes: Melhoria
nos Sistemas da Qualidade; Melhoria nas operações internas; Melhoria na
qualidade dos produtos e serviços; Redução do número de auditorias de clientes;
Tempo para desenvolvimento de parceria; Tempo para atividade de melhoria
contínua e vantagem competitiva no mercado.
Porém, o Sistema de Gestão de Qualidade ISO 9000 não é o único
existente. O PBQP-H, baseado nas normas ISO 9000, versão 1994, foi criado
pelo Governo Federal para atender às necessidades e características da indústria
da construção habitacional. A partir da experiência do QUALIHAB-SP5 e para
acompanhar a implementação do PBQP-H, foi criado o Comitê Nacional de
Desenvolvimento Tecnológico da Habitação - CTECH, constituído por
representantes indicados por diversos órgãos e entidades, no total de 14:
Secretaria de Política Urbana da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
da Presidência da República; Secretaria de Desenvolvimento da Produção do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria Comércio e Turismo; Secretaria do
Desenvolvimento Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia;
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP; Caixa Econômica Federal - CAIXA;
Associação Brasileira de COHABs - ABC; Associação Brasileira de Cimento
Portland - ABCP; Instituto Brasileiro de Siderurgia - IBS; Associação Nacional dos
Comerciantes de Materiais de Construção - ANAMACO; Associação Nacional de
Tecnologia do Ambiente Construído - ANTAC; Comitê Brasileiro de Construção
Civil da Associação Brasileira de Normas Técnicas - COBRACON/ABNT; Câmara
Brasileira da Indústria da Construção - CBIC; Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas - SEBRAE e Sindicato Nacional das Empresas de
Arquitetura e Engenharia Consultiva - SINAENCO.
De acordo com os assuntos tratados, outras entidades também são
convidadas para participarem das reuniões do CTECH, como: Instituto Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - INMETRO; Associação
Brasileira de Normas Técnicas - ABNT; Associação Nacional de Fabricantes de
Cerâmica para Revestimento - ANFACER; Conselho Federal de Engenharia,
5
O Estado de São Paulo é um estado com grande número de empresas relacionadas à
construção civil, e teve a iniciativa pioneira na área da qualidade, com o programa QUALIHAB.
(PBQP-H. O Estado de São Paulo, 2002).
30

Arquitetura e Agronomia - CONFEA; Associação Brasileira dos Produtores de Cal


- ABPC e outras.
As entidades envolvidas direta e indiretamente no CTECH demonstram a
importância que o Sistema PBQP-H vem tomando no contexto da Indústria da
Construção. Reflexo disso está no acordo setorial, citado no capítulo anterior,
entre a Caixa Econômica Federal, o SINDUSCON-RIO e a ADEMI-RJ,
objetivando a melhoria da qualidade e o aumento da produtividade na execução
de obras, em particular na produção habitacional.
O PBQP-H, na verdade, é um programa que qualifica a construtora num
nível de "A, B,C e D", através do SIQ (Sistema Integrado de Qualificação). Este
sistema faz referência na norma ISO 9000:1994, serviços específicos controlados
e também controles nos materiais da cesta básica da construção civil (A.
Naccarati Consultores, 2002).
Para obtenção de financiamento pela Caixa Econômica Federal, a
construtora deve, desde junho de 2002, obter qualificação de nível "B", e como há
uma previsão de revisão do PBQP-H em novembro de 2002, a tendência é a
exigência da qualificação "A", ou seja, a íntegra da norma ISO 9000 e os
controles adicionais já mencionados.
Esta nova realidade no setor de construção civil vem atender às
necessidades do crescente grau de exigência do cliente e é a oportunidade de,
através de um sistema de gestão de qualidade, diminuir desperdícios, capacitar a
mão de obra e incentivar os fornecedores a produzirem produtos normatizados,
diminuindo custos, e no final, obtendo uma obra de qualidade. O sucesso do
programa reflete-se em números, onde até novembro de 2002, 1441 empresas se
certificaram, representando um crescimento acentuado de adesões.
Um passo importante é a implantação dos requisitos de sistemas de
qualidade diretamente nas licitações de obras públicas, como foi apresentado na
Carta de Salvador, dentre as propostas do V SINAOP (Simpósio Nacional de
Auditoria em Obras Públicas), realizado em novembro de 2000, Salvador - BA
(PBQP-H. Carta de Salvador, 2000)
31

2.2 A GARANTIA NA CONCLUSÃO DA OBRA

Uma das preocupações da Administração Pública e de qualquer


contratante é a conclusão da obra dentro do que for acordado entre as partes.
Para atender a essa necessidade, o dispositivo contratual utilizado, tanto no setor
público como privado, é a garantia contratual.
A legislação atual permite à Administração a exigência de garantia
contratual. Mas cabe ao contratado, e não ao contratante, a escolha da
modalidade de garantia6, que pode ser uma das seguintes: caução, em dinheiro
ou por título de dívida pública; seguro garantia; ou fiança bancária. Segundo a Lei,
a garantia não excederá a cinco por cento do valor contratado7, sendo permitido
aumentar esse percentual para dez por cento em obras de grande vulto, isto é,
aquelas superiores a R$ 37.500.000,00.
Para a construção civil, a garantia mais utilizada em licitações públicas é a
fiança bancária8, pois é aquela que tem o menor custo para o contratado, onde
ele consegue uma carta de fiança no banco, que cobrará um valor a ele
proporcional ao risco da operação e do cliente. Para a Administração Pública, a
fiança bancária não garante a conclusão satisfatória do contrato, principalmente
quando a empresa age propositalmente de má fé. Como foi demonstrado no
exemplo do Apêndice 8.2 ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO CRONOGRAMA
FINANCEIRO PARA A OBRA PÚBLICA, onde a construtora altera a curva de
distribuição de seu orçamento, é possível que uma empresa receba muito mais do
que gastou para execução das etapas iniciais de uma obra e a abandone. O
prejuízo físico, nesses casos, é maior que o valor da garantia, e a obra
necessitará de novos prazos e recursos para ser concluída. Pode-se discutir que
esse fato representa uma exceção, mas a Lei foi criada para evitar a
desonestidade, e não para dar amparo a que isso ocorra.
A garantia em forma de caução poderia ser considerada a mais utilizada,
mas na prática as construtoras não abrem mão de seu capital de giro para cobrir

6
Art. 56, § 1º, da Lei 8.666/93.
7
Art. 56, § 2º, da Lei 8.666/93.
8
Fiança bancária é a modalidade de garantia na qual o banco fornece ao contratado uma carta de
fiança, onde se compromete a pagar o valor do seguro, caso a garantia contratual seja acionada
pelo contratante.
32

garantias, preferindo custear a fiança do que o custo de capital imobilizado,


mesmo que ele seja obrigatoriamente corrigido.
O seguro garantia consiste em contratar uma seguradora, que avaliza a
execução do contrato. Para a Administração Pública essa garantia iria resolver a
questão da conclusão da obra e evitaria desgastes na fiscalização, pois a própria
seguradora fiscalizaria também a sua execução. A utilização dessa forma de
garantia esbarra em uma questão: a opção da modalidade cabe ao contratado,
que não escolhe o seguro-garantia por questões de custos. No Brasil, segundo o
Instituto Mckinsey (1999, p. 111), esse seguro garantia varia de 0,5% a 2,0% do
valor de contrato. Nos países da Europa e nos Estados Unidos é comum a
exigência contratual do Performance Bond, como é conhecido essa modalidade
de garantia, onde os empreiteiros garantem ao contratante a conclusão da obra,
mesmo que a empresa vá à falência.
Apesar do Performance Bond ser muito aplicado em outros países, a
maioria das empresas brasileiras que atua na área privada ainda trabalha com o
sistema cost plus (Instituto Mckinsey, 1999, p.111), mais conhecido como contrato
por administração, onde o preço de venda é o custo da obra mais a taxa de
administração. Esse sistema cria obstáculos para a busca de métodos e sistemas
mais eficientes, pois o lucro do contratado sempre estará garantido, independente
do processo de execução empregado e do prazo da obra, dificultando assim as
inovações tecnológicas no setor da construção civil. Mas um dos fatores que
ainda inibe a substituição do cost plus pelo performance bond é o custo elevado
do seguro garantia no Brasil. Tal custo é calculado da seguinte forma: quando
uma empresa é contratada com exigência de Performance Bond, a seguradora
garantirá a execução do contrato cobrando um percentual sobre o valor fixo da
obra, esse percentual varia de acordo com o risco, como foi explicado no
parágrafo anterior, mas também varia com as leis de mercado. Isto é, com um
número crescente de empreiteiros optando por esse tipo de garantia, a tendência
é baixar o custo do seguro.
Mesmo com o custo do Performance Bond baixando no Brasil, essa
tendência poderá não se refletir nos contratos de obras públicas, pois as
empresas que forem agir desonestamente de forma premeditada, continuarão a
não aceitar o seguro garantia como modalidade de garantia.
33

Uma solução para o problema de garantia seria a opção de escolha da


modalidade uma atribuição da Administração Pública, e definida previamente no
edital de licitação, para que todos os licitantes computem o custo adicional em
suas planilhas. Inicialmente poderia parecer que as obras públicas passariam a
custar mais, mas o custo financeiro e social de contratos inacabados ou mal
executados justifica essa postura. Primeiramente, as empresas que entram em
licitações já com intenções ilícitas seriam inibidas pela necessidade do aval de
uma seguradora. O próprio mercado eliminaria as empreiteiras inidôneas ou
aventureiras, que se arriscam em obras acima de suas possibilidades, mas com
recursos públicos. Além disso, as empresas mais eficientes, além de
apresentarem menores preços, teriam seus percentuais de seguro reduzidos, por
oferecerem menores riscos às seguradoras, podendo compensar essa diferença
no preço da obra. Indo mais adiante, uma empresa que aplica em sua
organização um sistema de gestão da qualidade, além de obter uma maior
produtividade, permitirá uma melhor análise do risco do empreendimento,
reduzindo mais ainda os custos do seguro garantia, ou performance bond.
Um outro problema amenizado com a obrigatoriedade do seguro garantia é
uma prática comum em Órgãos Públicos, os aditivos contratuais. Como a
seguradora é uma das partes interessadas no contrato, a prática de acréscimos
de serviços e dilatação dos prazos de execução seria inibida. A Lei 8.666/93
permite acréscimos de serviço no valor de 25% para obras e 50% para reformas
de edifícios9. A presença da seguradora não permitiria acréscimos fictícios, pois
ela não se responsabilizaria por partes da obra que não seriam executadas.
Mais uma forma de garantir que o contrato será executado conforme
acordado é exigir que a empresa possua respaldo financeiro para execução da
obra. Porém, durante a fase de habilitação, a documentação relativa à
qualificação econômico-financeira é limitada pela Lei, onde a Administração só
pode exigir até 10% do valor orçado para o capital social ou valor de patrimônio
líquido das empresas licitantes. Por outro lado, o capital social não revela a
verdadeira situação econômica da empresa, pois retrata somente os bens
transferidos dos sócios para a sociedade, não comprovando se ela está saudável
ou não. A situação financeira da empresa deve ser analisada através de balanços

9
Art. 65, § 1º, da Lei 8.666/93.
34

patrimoniais, onde o patrimônio líquido é um melhor indicador de sua situação.


Segundo Justen Filho (2000, p. 358), para obras sem grandes previsões de
recursos, a exigência de patrimônio líquido mínimo é desnecessária, podendo
inclusive caracterizar um vício que deve ser reprimido. Mas a realidade atual
indica que mesmo em pequenas obras, é importante que a empresa tenha uma
boa situação financeira, pois a tendência de uma construtora com desequilíbrio
econômico é buscar participar de um maior número possível de licitações.
De acordo com a Lei, poderia ser exigida também uma relação de
compromissos assumidos pela licitante, mas conforme Justen Filho (2000, p.
359), todos os compromissos assumidos constariam no balanço da empresa. Na
prática, uma empresa que assume várias obras teria um fluxo de caixa positivo,
pois teoricamente a diferença entre receita e despesa dos diversos
empreendimentos permitiria um aumento gradual do seu patrimônio líquido.
Como é comum o atraso de pagamento das parcelas do cronograma
financeiro por parte da Administração Pública, a falta de capital de giro pode
obrigar a empreiteira a buscar recursos nos bancos e financiadoras, onde as
taxas de juros podem gerar prejuízo, conforme analisado no Apêndice 8.1 -
ANÁLISE DE CUSTO DE CAPITAL EM RELAÇÃO AO ATRASO DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS
PÚBLICOS. Desse modo, uma empresa responsável pela execução de várias obras

públicas simultaneamente pode se tornar um risco, e não uma vantagem para o


Contratante.
3. MODELOS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS NO BRASIL E NO EXTERIOR

3.1 A LICITAÇÃO NO BRASIL

3.1.1 Dificuldades Encontradas

Ao se licitar uma obra, imagina-se que a Administração Pública terá todo


apoio técnico e jurídico para iniciar e concluir um processo licitatório. Nos grandes
Órgãos Públicos isso é comum, mas deve-se lembrar das centenas de municípios
no interior do país, onde não existe à disposição da prefeitura sequer um
engenheiro. Mesmo assim a lei de licitações deverá ser cumprida de forma igual.
Outra dificuldade é o despreparo de alguns administradores, pois muitas
vezes seus cargos são ocupados por indicação política, e não por capacidade
técnica. Na questão da obra pública, a complexidade é retratada nas próprias
exigências técnicas legais, onde a falta de conhecimento técnico de engenharia
pode levar a prejuízos grandes para a Administração Pública.
Por outro lado, em relação aos licitantes existe uma grande dificuldade de
se elaborar uma proposta adequada, tanto aos seus interesses quanto aos da
Administração Pública. Algumas das justificativas utilizadas pelos empreiteiros
são: o pouco tempo para estudo dos projetos e elaboração do orçamento; falta de
projetos complementares; deficiência de informações e especificações
incompletas e orçamento do edital incompleto1.

1
Experiência observada ao participar, durante 04 anos, de licitações e contratos de obras públicas
para o Exército Brasileiro.
36

Quanto ao pouco tempo para elaboração da proposta técnica, a legislação


define o prazo mínimo para abertura das propostas2, mas não o máximo, sendo
legalmente possível estender esse prazo de acordo com a complexidade da obra.
Porém, na maioria das vezes, isso não ocorre. Os Órgãos Públicos têm
dificuldade em aumentar esse tempo devido a vários aspectos. As pressões
políticas destacam-se na mídia como o principal motivo, mas deve-se observar
também a necessidade do atendimento ao cronograma de desembolso e à
disponibilidade de recursos. Os recursos disponíveis para uma obra, depois de
garantidos em uma previsão orçamentária, devem ser aplicados somente naquele
ano, obrigando ao administrador público a sua liquidação até o último dia do
exercício financeiro em que se recebe o recurso, apesar da obra ser um objeto de
contrato que requer tempo para ser adquirido.
Essa escassez de tempo não é um problema somente dos licitantes. Os
engenheiros que preparam os projetos, especificações e orçamento também não
dispõem de grandes prazos para realizar seus trabalhos.
Outro problema, que pode ser também decorrente da falta de tempo ou
despreparo de quem elabora o edital, é o conteúdo dos projetos, às vezes mal
elaborados e incompletos, e sem definir corretamente o objeto a ser licitado,
gerando orçamentos falhos e incompletos. As falhas e omissões no projeto
acarretam um prejuízo muitas vezes não constante na previsão orçamentário: a
necessidade de termos aditivos ao contrato para acréscimo de serviços não
previstos.
A solução estaria na aplicação de normas para elaboração de projetos, que
permitissem uma homogeneização de conceitos e procedimentos, evitando assim
as brechas nos contratos de obras públicas. O Governo Federal já possui uma
norma, o Manual de Obras Públicas - Edificações, chamado de Práticas da SEAP3
(Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio) e dividido em três
partes: Prática Geral de Projeto, Prática Geral de Construção e Prática Geral de
Manutenção. A falta de divulgação dessas normas nos diversos Órgãos Públicos
tem prejudicado a sua efetiva aplicação.

2
Art. 21, § 2º, da Lei 8.666/93.
3
As Práticas da SEAP têm o objetivo de estabelecer as diretrizes gerais para a elaboração de
projetos, execução de construção, complementação, reforma, ampliação e manutenção de uma
edificação ou conjunto de edificações.
37

Um exemplo da aplicação das Práticas da SEAP está nas definições de


projeto básico e projeto executivo, que são incompletas no texto da Lei 8.666/934.
Segundo a Prática Geral de Projeto da SEAP, as definições e objetivos são mais
abrangentes e elucidativas:

"3.4.2 Projeto Básico


O Projeto Básico deverá demonstrar a viabilidade
técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental,
possibilitar a avaliação do custo dos serviços e obras objeto da
licitação, bem como permitir a definição dos métodos
construtivos e prazos de execução do empreendimento . Serão
solucionadas as interferências entre os sistemas e
componentes da edificação.
Além dos desenhos que representem tecnicamente a
solução aprovada através do Estudo Preliminar, o Projeto
Básico será constituído por um relatório técnico, contendo o
memorial descritivo dos sistemas e componentes e o memorial
de cálculo onde serão apresentados os critérios, parâmetros,
gráficos, fórmulas, ábacos e “softwares” utilizados na análise e
dimensionamento dos sistemas e componentes.
O Projeto Básico conterá ainda os elementos descritos
na Lei de Licitações e Contratos, com especial atenção para o
fornecimento do orçamento detalhado da execução dos
serviços e obras, fundamentado em especificações técnicas e
quantitativos de materiais, equipamentos e serviços, bem como
em métodos construtivos e prazos de execução corretamente
definidos.

3.4.3 Projeto Executivo


O Projeto Executivo deverá apresentar todos os
elementos necessários à realização do empreendimento,
detalhando todas as interfaces dos sistemas e seus
componentes.
Além dos desenhos que representem todos os detalhes
construtivos elaborados com base no Projeto Básico aprovado,
o Projeto Executivo será constituído por um relatório técnico,
contendo a revisão e complementação do memorial descritivo e
do memorial de cálculo apresentados naquela etapa de
desenvolvimento do projeto.
O Projeto Executivo conterá ainda a revisão do
orçamento detalhado da execução dos serviços e obras,
elaborado na etapa anterior, fundamentada no detalhamento e
nos eventuais ajustes realizados no Projeto Básico." (Prática
Geral de Projeto - SEAP, 2002)

4
Art. 6º, inc. IX e X, da Lei 8.666/93.
38

Ainda assim as definições de projeto constantes nas Práticas SEAP podem


ser consideradas insuficientes para definir o objeto. Caberia à ABNT melhorar
suas normas, com desenvolvimento de definições mais precisas e completas,
como o caso da NBR 6492 - Representação de Projetos de Arquitetura, cuja
definição de projetos5 é ainda mais simples e incompleta que as Práticas SEAP e
a Lei 8.666/93.
Pode-se observar que existem ferramentas disponíveis para solucionar
parte dos problemas encontrados nas licitações de obras públicas no Brasil. Em
alguns casos, a falta de informações e despreparo técnico dos responsáveis pelo
edital são fatores geradores de dificuldades, que devem ser combatidos com
divulgação e preparação.

3.1.2 Falhas e Vícios Comuns em Licitações Públicas

Muitas Unidades Administrativas recebem recursos para obras sem ter


uma assessoria técnica, tanto para elaboração do edital quanto para fiscalização
da execução do contrato. Os documentos técnicos do Edital devem ser assinados
por um profissional com registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia), tais como projetos, especificações e orçamento.
Mesmo com uma Seção Técnica de Engenharia apoiando a licitação,
algumas falhas no edital são comuns, principalmente após a liberação dos
créditos para execução de obras no corrente ano, quando a autorização para
licitar as obras vem de uma única vez e o tempo disponível para preparação da
documentação torna-se reduzido. Nessa situação algumas falhas no edital se
tornam comuns6, como: erro nos quantitativos do orçamento; serviços previstos
nas especificações que não constam no orçamento; alterações no Edital sem
reinicio da contagem dos prazos; não apresentação de orçamento no edital e
prazos de execução muito longos ou curtos.
Em relação às falhas técnicas das propostas dos licitantes, elas costumam
ser poucas, pois o orçamento apresentado no Edital serve como base para

5
Definições citadas no Capítulo 1.2.2.1. Conceitos Básicos.
6
Experiência observada ao participar, durante 04 anos, de licitações e contratos de obras públicas
para o Exército Brasileiro.
39

elaboração das propostas e a diferença de quantitativos, maior motivo de


contestação na fase de julgamento, não pode ser considerada como erro. Sendo
assim, o licitante que compara sua proposta com a documentação que for
apresentada no edital dificilmente comete erros técnicos. As falhas mais comuns
são na parte formal, tais como: não assinatura de todas as folhas da proposta
pelo representante legal; não assinatura do orçamento pelo responsável técnico
da empresa; não cumprimento dos prazos legais de cadastramento e
apresentação das propostas e erros de digitação.
Segundo Mukai (1995, p. 29, et. seq.), os vícios nas licitações são divididos
em duas partes: vícios dos editais de licitação e vícios do procedimento licitatório.
Dentre os vícios citados por Mukai, serão destacados aqueles que se relacionam
diretamente com obras, para ilustrar a quantidade de situações passíveis de
dúvidas na elaboração do edital e desenvolvimento do processo licitatório:
"Exigências impertinentes e não autorizadas; Atestado de desempenho anterior
com numerus clausus7; Pontuações técnicas totalmente subjetivas; Transformar a
aferição técnica da fase de habilitação em julgamento técnico e Levar em
consideração vantagem "surpresa "."
Em relação às exigências impertinentes e não autorizadas, a Lei 8.666/93
enumera todos os documentos que podem ser exigidos na fase de habilitação8,
onde qualquer outra exigência documental não prevista na legislação ou prevista
em Lei especial caracteriza um vício na licitação.
Quanto à exigência de atestado de desempenho anterior com numerus
clausus, a documentação relativa à capacidade técnica deve exigir comprovação
de realização de serviços pertinentes e compatíveis com o objeto licitado, não
permitido a utilização de quantidade numérica como limitador de habilitação.
Apesar de ser um ponto de vista do Mukai (1995, p. 36), torna-se inviável um
julgamento objetivo, para a aceitação de um atestado de desempenho, sem uma
referência numérica de quantitativos executados.
Outro vício destacado é a pontuação técnica totalmente subjetiva no edital,
consistindo em uma dificuldade, por parte da Administração Pública, a definição
dos elementos a serem pontuados e a sua ponderação, de modo a não restringir

7
Numerus Clausus significa quantificação numérica
8
Artigos 28, 29, 30 e 31, da Lei 8.666/93.
40

a licitação. Além disso, Mukai (1995, p. 38) considera uma violação do princípio
do julgamento objetivo um distanciamento grande entre pontos, por exemplo: de 0
a 100.
A transformação da aferição técnica da fase de habilitação em julgamento
técnico é outro vício apresentado: No processo licitatório, as empresas que foram
habilitadas para a fase de análise de propostas não podem ser julgadas por
documentos apresentados na fase de habilitação, pois eles perderam eficácia
jurídica. Segundo Meirelles (2002, p. 144), a desclassificação da proposta ocorre
no seu julgamento, enquanto que a desqualificação ou inabilitação ocorre na fase
de habilitação, antes da abertura das propostas técnicas. Sendo assim, a
Comissão não pode transformar a habilitação em julgamento técnico.
Por fim, levar em consideração vantagem "surpresa" é outro vício
destacado por Mukai (1995, p. 44). Pois a Comissão de Licitações não deve
considerar em seu julgamento nenhuma vantagem apresentada pelo licitante que
não conste no edital9, nem mesmo como critério de desempate.
As falhas e vícios na licitação e contratação de obras são danosos para a
Administração Pública. O processo licitatório estará sujeito a anulação, que ocorre
quando alguma ilegalidade é constatada, e acarretará a paralisação da obra, caso
já tenha começado. A revogação do processo licitatório só ocorre por Interesse
Público, devidamente justificado, e não é conseqüência de irregularidades no
processo10.

3.2 O CONTRATO ADMINISTRATIVO

Segundo Justen Filho (2000, p. 502), o contrato administrativo possui


características próprias, que o torna diferente do contrato privado, sendo que o
regime de direito público impõe que o interesse público está acima de outros
interesses. Desta forma, "o que tipifica o contrato administrativo e o distingue do
contrato privado é a participação da Administração na relação jurídica bilateral
com supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste" (Meirelles,
2002, p. 181).
9
Art. 44, § 2º, da Lei 8.666/93.
10
Art. 49, da Lei 8.666/93.
41

Pode-se definir então contrato administrativo como:

"Contrato administrativo é o ajuste que a Administração


Pública, agindo nessa qualidade, firma como particular ou
como outra entidade administrativa, para a consecução de
objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela
própria Administração". (Meirelles, 2002, p. 180).

Porém, apesar da Administração possuir prerrogativas de Poder Público, o


contrato não fica desnaturado e nem perde a natureza contratual, apenas o
qualifica como um ajuste com normas próprias para atender às necessidades do
interesse público . Tanto que os princípios que regem os contratos comuns são os
mesmos submetidos aos contratos públicos, salvo algumas peculiaridades, como:
a Administração impõe condições iniciais do contrato; prévia licitação, quando não
houver dispensa ou inexigibilidade; via de regra formal, sendo excepcionalmente
oral ou informal; cláusulas necessárias, obrigatórias ou essenciais relativas ou
absolutas previstas em Lei; e cláusulas extravagantes ou exorbitantes, impondo
vantagens ou restrições, visando o interesse público (Szklarwsky, 2000, p. 170 et
seq.)

3.3 O CONTRATO PRIVADO

Os contratos privados levam uma vantagem fundamental em relação aos


contratos públicos: os critérios de seleção dos contratados não seguem uma
norma rígida, podendo se moldar com facilidade às necessidades de cada
empreendimento. Quem define a forma de contratação também é a necessidade,
podendo o empresário aplicar inclusive critérios subjetivos para sua escolha.
Como a Licitação Pública tem que atender aos procedimentos previamente
determinados em Lei, as regras não são flexíveis. Meirelles apresenta as
peculiaridades que distinguem o contrato privado do administrativo:

"No Direito Privado a liberdade de contratar é ampla e informal,


salvo as restrições da lei e as exigências especiais de forma
para certos ajustes, ao passo que no Direito Público a
42

Administração está sujeita a limitações de conteúdo e a


requisitos formais para a realização e execução de seus
contratos, mas, em contrapartida, dispõe sempre dos
privilégios administrativos para a fixação e alteração das
cláusulas de interesse público, e até mesmo pôr fim ao ajuste
em meio de sua execução".(Meirelles, 2002, p.180)

Com liberdade para definir cláusulas contratuais e processos de seleção,


as empresas privadas podem utilizar diversas formas de contratação.

3.3.1 Principais Formas de Contratação

A escolha da forma de contratação tem três objetivos fundamentais: custo,


prazo e qualidade. Dependendo do grau de participação que as partes terão
sobre a obra, pode-se optar por diversas formas de contrato.
Segundo a literatura, existem dois tipos principais de contratação: por
"preço fixo" e por "administração". As formas aplicadas mundialmente são
utilizando um desses tipos, variando o envolvimento das partes na execução do
contrato (Ferreira, 2001).
Na contratação por preço fixo, o valor da obra é determinado durante a
fase de negociação, exigindo que o contratante tenha um orçamento pré-
elaborado de sua obra, de forma que possa discutir valores com o futuro
contratado. O preço pode ser fixado de duas maneiras: preço global, quando é
possível quantificar todos os serviços de uma obra, ou preço unitário, quando
algum serviço não pode ser quantificado. Esse tipo de contrato atende bem ao
prazo e custo da obra, mas pode vir a afetar um objetivo muito importante: a
qualidade da obra. Se o preço é fixo, deve-se definir muito bem o escopo do
contrato, para evitar que a construtora reduza a qualidade da obra em busca de
um lucro maior. Em licitações públicas os quatro regimes de execução indireta
são por preço fixo: "empreitada por preço global", "empreitada por preço unitário",
"empreitada integral" e "tarefa"11.
Na contratação por administração, ou "cost plus", o valor a ser pago pela
execução da obra é uma taxa percentual ou fixa, sobre os custos da obra. É uma

11
Art. 10, da Lei 8.666/93.
43

modalidade em que o contratado fica numa situação cômoda, onde ele não se
preocupará muito com a otimização dos custos da obra, pois receberá o seu
lucro, independente dos custos (Ferreira, 2001). O contrato por administração foi
vetado na atual Lei de Licitações, só podendo ser aplicado no setor privado.
Mesmo assim, o contratante terá que ter uma participação muito ativa na
execução do contrato, com risco de ter a execução de sua obra com o prazo
prejudicado e o custo descontrolado. A participação, em geral, se dá pela
contratação de uma gerenciadora, que exercerá uma fiscalização rígida, com
poderes para ingerência técnica. Mas para o sucesso da obra, são necessários
uma especificação técnica bem detalhada e um projeto completo.
O contrato "Turnkey" (do inglês "girar a chave") é um tipo de contrato por
preço fixo, onde a contratada realiza todas as etapas do empreendimento,
entregando a obra pronta para o funcionamento (Ferreira, 2001, p.17). Nesse
caso a participação da contratante é a menor possível, sendo necessário um
cuidado especial na seleção da empresa contratada.
De acordo com Ferreira (2001, p.18), dentre as vantagens do contrato
"Turnkey", pode-se citar a responsabilidade do contrato depositada sob uma única
fonte e a rapidez de colocação em operação; e desvantagens a falta de controle
do contratante, o custo maior que a forma tradicional e a limitação para incorporar
modificações .
Segundo a Lei de Licitações, esse tipo de contrato não é permitido para
obras públicas, pois legalmente a execução do contrato deverá ser fiscalizada por
um representante da Administração, os projetos e execução deverão ser
previamente aprovados por ele e o contrato poderá ser modificado
unilateralmente, nos limites da legalidade, para atender às necessidades da
Administração Pública, descaracterizando assim o "Turnkey".
O contrato EPC (iniciais do inglês: Engineering, Procurement and
Construction), que corresponde a dizer projeto, aquisição, construção e
montagem, é muito utilizado na indústria do petróleo (Ferreira, 2001, p.20). Nesse
contrato, a contratante fornece o projeto básico, enquanto a contratada é
responsável pela elaboração de todos os outros projetos complementares, sub-
contratações e execução de toda a obra. Segundo Ferreira (2001, p.22), As
vantagens e desvantagens se aproximam do contrato "Turnkey". Muito se
44

aproxima do regime de execução indireta "Empreitada Integral"12, prevista na Lei


de Licitações, mas pouco utilizado em obras públicas.
Nos contratos privados o contratante deve analisar a sua disponibilidade
para atuar mais efetivamente na execução do contrato, pois quanto menor sua
participação, maior o risco para a qualidade da obra. Nos contratos públicos não
existe essa análise, pois a própria Lei define para cada caso, através do tipo de
licitação13, o que é mais vantajoso para a Administração. E, segundo Meirelles
(2002, p. 82), a regra é o tipo de licitação "menor preço", e os demais tipos
constituem exceção.

3.4 A LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO NO MUNDO

3.4.1 Licitações e Contratos nos Estados Unidos

O Design-Build é uma modalidade de contratação onde um único


contratado é responsável pelo projeto e execução da obra. E, de acordo com o
National Society of Professional Engineers (NSPE, 2002), o Design-Build não é
um modelo de contratação recente. As grandes obras da civilização antiga foram
construídas com um sistema semelhante. Inclusive no início do surgimento dos
EUA como nação, onde muito de sua infra-estrutura foi executada de acordo com
os princípios do Design-Build.
Posteriormente o Design-Bid-Build14 foi estabelecido nos EUA para
execução de construções que atendessem ao crescimento da população e, ao
mesmo tempo, permitissem um custo menor. Tal sistema funcionou baseado em
projetos e especificações elaborados por profissionais competentes, mas
executados por contratados não necessariamente bem capacitados, mas

12
De acordo com Art. 6º, inc. VIII, alínea e), da Lei 8.666/93: "empreitada integral - quando se
contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras,
serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega
ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais
para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características
adequadas às finalidades para que foi contratada". .
13
Art. 45, § 1º, da Lei 8.666/93.
14
No Design-Bid-Build o projeto e execução são dois contratos distintos e independentes,
separados pela fase de licitação, diferente do que ocorre no Design-Build.
45

eficazmente fiscalizados, produzindo assim um produto dentro de um nível


esperado, mas com um custo baixo. Sistema semelhante ao Design-Bid-Build
ocorre em muitas licitações de obras públicas brasileiras, onde o projeto e a
execução são eventos totalmente distintos e independentes.
Os Órgãos Públicos norte-americanos algumas vezes ficam restritos em
utilizar o Design-Build somente nos contratos de empreendimentos especializados
e em situações limitadas, devido às exigências regulamentares. Mesmo com
essas barreiras legais, o Design-Build tem sido usado pelo pelos Órgãos Públicos
dos Estados Unidos, que vêm buscando mudanças nas normas e regulamentos
para superar as barreiras e permitir uma melhor aplicação dessa modalidade de
contrato. Modalidade essa que tem sido muito bem aceita e usada
freqüentemente em outros países no mundo.
Segundo o NSPE (2002), o setor privado dos Estados Unidos vem
utilizando com sucesso o Design-Build desde a década de quarenta, e foi
estimado que em 1997 setenta e sete por cento dos projetos norte-americanos
privados foram executados com esse modelo de contrato. Apesar da próspera
aplicação no setor privado, não significa que o mesmo possa ocorrer na
Administração Pública, pois há diferenças significativas para seleção dos
contratados. Apesar do Setor Público norte-americano utilizar predominantemente
o Design-Bid-Build para contratação de suas obras, o uso do Design-Build vem
crescendo, principalmente para projeto e construção de prisões, edificações
públicas e militares, armazéns e outras construções, onde o escopo da obra pode
ser facilmente desenvolvido ou reproduzido. Em outras palavras, o Design-Build é
aplicado onde uma especificação de desempenho define perfeitamente o escopo
do contrato
Em algumas situações as restrições legais têm sido um desestímulo à
aplicação dessa modalidade de contrato. Como o caso do Governo Federal dos
EUA, onde o Federal Acquisition Regulation (FAR) não permite que a empresa
que projetou uma obra possa ser contratada para sua execução, exceto com
autorização de autoridade superior. Restrição semelhante ocorre na Lei de
licitações brasileira15.

15
Art. 9º, inc. I, da Lei 8.666/93.
46

Em contrapartida, muitas outras entidades públicas americanas têm tido


menos restrições para o uso do Design-Build. Como exemplo pode ser citado o
U.S. Department of Defense (DOD), Departamento de Defesa Norte-Americano,
que possui autorização do Congresso Nacional, através do Military Construction
Authorization Act of 1986, de utilizar até três contratos por ano para aplicação do
Turnkey em construções militares. Muitas outras agências federais também
utilizam o Design-Build em um grande número de contratos de obras, como o
General Services Administration (GSA), que é responsável pela construção dos
edifícios federais e dos Departamentos de Energia.
Em nível estadual, as leis e decisões legais de diversos Estados passaram
a autorizar a aplicação do Design-Build. É o caso da Florida, cujo Estatuto permite
a sua aplicação por Órgãos específicos, como o Departamento de Transportes e
a Rede de Ensino. Outros Estados também possuem leis que permitem o Design-
Build para certos empreendimentos.
Observa-se, ao analisar o texto acima, que há uma tendência em aumentar
a aplicação do Design-Build em contratos de obras públicas norte-americanos.
Mas sendo o Design-Bid-Build um modelo que apresenta um custo menor (NSPE,
2002), pode-se concluir que o motivo dessa tendência está na necessidade de
obras que realmente atendam aos reais interesses da Administração Pública, que
não é fundamentalmente o menor preço.
Traçando um paralelo com a forma de contratação de obras públicas
brasileiras, onde o menor preço ainda é utilizado pela Administração Pública
como critério de vantagem para escolha da melhor proposta, observa-se que o
preço baixo de uma obra também não garante totalmente a satisfação dos
contratantes, como ocorre nos Estados Unidos, pois há um risco de queda de
qualidade derivado da separação entre o projeto e a execução.

3.4.2 Licitações e Contratos no Japão

Segundo Ohmura (2002), o Japão é o maior mercado do mundo em


construção. Só no ano de 1998 foram investidos 578 bilhões de dólares, sendo
que desses valores foram aplicados 263 bilhões de dólares em obras públicas.
47

Visando esse mercado bilionário, o Departamento de Comércio Americano e o


Governo do Japão assinaram o Major Projects Arrangements, para que as
construtoras norte-americanas pudessem se familiarizar com os procedimentos
de licitações e contratos de obras públicas do Japão. Para aumentar o acesso de
empresas construtoras estrangeiras no País, o Governo do Japão promulgou em
1994 o Action Plan on Reform of the Bidding and Contracting Procedures for
Public Works, sendo um plano de ação que permite uma maior transparência dos
procedimentos licitatórios perante o mundo. O Action Plan resultou em
significativas oportunidades de negócios para as construtoras americanas, que só
no período de 1995 a 1997, as empresas americanas de projetos obtiveram uma
média de 12 bilhões de dólares em contratos por ano.
Devido ao vulto das obras públicas no Japão e seus grandes
investimentos, é interessante o estudo dos seus procedimentos licitatórios. De
acordo com o Ministry Of Land, Infrastructure And Transport Government Of
Japan (MLIT, 2002), foi especificado no Action Plan que serão empregados
amplamente o sistema de licitação aberto e competitivo por parte de diversas
entidades governamentais. Observa-se que, nesse processo de licitação, é
divulgado o convite às empresas interessadas, analisada a qualificação e
publicado o resultado das empresas. Serão consideradas as características das
empresas, suas filiais e matrizes dentro e fora do Japão, para avaliação dessa
qualificação. Só posteriormente é iniciado o processo de seleção. Para as
empresas estrangeiras participarem da licitação , terão que passar por essa fase
em cada comissão de licitação de cada obra pública.
Semelhante ao que ocorre no Brasil, são exigidas garantias contratuais
para execução das obras. Mas no Japão elas são divididas em dois grupos:
"garantia monetária" e "garantia de obra". Quando é definido pela Comissão de
Licitação que será utilizada "garantia monetária" em uma obra, o contratado terá
liberdade de escolher qual modalidade de garantia usar (fiança bancária, caução
ou performance bond), mas quando é definida "garantia de obra", a modalidade
obrigatória é o performance bond.
Outros sistemas de licitação continuam sendo aplicados no Japão. Pode
ser citado o Designated Competitive Bidding, ou Licitação Competitiva Designada,
que se divide em três tipos: "Convite Público", onde a Comissão definirá o
48

universo de empresas que participará da qualificação, baseado no tipo de


empreendimento a ser licitado; "Inscrição por Interesse de Projetos", quando as
construtoras informam que tipo de obra ou projeto pretendem participar na hora
da qualificação técnica; e "diferente dos outros tipos citados", quando uma
comissão seleciona as empresas baseando-se nos registros de contratos em
outras obras públicas. Os tipos variam de acordo com o valor e porte das obras.
(MLIT, 2002).
Um sistema usado com restrições é o "Sistema de Contrato Discricionário",
onde a construtora é contratada sem licitação. É aplicado em duas situações:
quando o projeto requer da construtora uma tecnologia incomum ou quando há
restrições de prazo para realização de uma licitação competitiva. (MLIT, 2002).
Diversos Órgãos do Governo do Japão têm introduzido parcialmente os
seguintes sistemas de contrato em suas licitações: Design-Build System: apesar
das empresas estarem aptas a aplicarem esse sistema, um número pequeno de
órgão públicos têm começado a exigir os contratos Design-Build em suas
licitações públicas; Value Engineering (VE) System: é introduzido como um meio
de melhorar qualidade e reduzir custo de um projeto, onde metade do valor
economizado nesse sistema é devolvido ao contratante; e Technical Proposal
Integrated Evaluation System: é um sistema onde a comissão avalia não somente
o preço, mas também as propostas técnicas para seleção da proposta mais
vantajosa (MLIT, 2002), semelhante ao tipo de licitação "técnica e preço" previsto
na Lei 8.666/93 do Brasil16.
Observa-se algumas semelhanças entre o processo licitatório de obras no
Japão e no Brasil, porém algumas idéias poderiam ser aproveitadas, como o caso
de escolha da modalidade de garantia contratual, que em alguns casos no Japão
fica a cargo da Administração.

3.4.3 Licitações e Contratos na Europa

De acordo com o Organisation For Economic Co-Operation And


Development (OECD, 2002), a aquisição de bens e serviços públicos no setor

16
Art. 46, § 2º, da Lei 8.666/93.
49

privado tem crescido muito em muitos países membros da União Européia. Para
acompanhar esse crescimento e permitir a grande participação de empresas
estrangeiras em determinado país, as leis de licitações acompanharam essa
tendência. Países da Europa Central e Oriental também buscam estabelecer
sistemas modernos de licitações públicas, permitindo transparência nas suas
aquisições e contratos. Para garantir a honestidade e combater a corrupção nos
processos licitatórios e contratos públicos, além das leis de procedimentos
administrativos, muitos países desenvolveram códigos de ética para atender tais
necessidades. É o caso da Polônia, que criou um código de ética exclusivo para
funcionários públicos que trabalham com licitações.
A União Européia e a Organização Mundial do Comércio exigem dos
países o estabelecimento de um procedimento profissional e imparcial para
atendimento a reclamações e supervisão do processo licitatório público. A
Hungria criou um Comitê de Arbitragem com grande autoridade para atender
denúncias contra processos licitatórios e com poder de anulação de contratos e
aplicação de multas por irregularidades. Na Eslováquia, o Ministério da
Construção e das Obras Públicas age como arbitro nas pendências dos
processos licitatórios. Na Polônia, em contrapartida, foi estabelecido um sistema
de arbitragem menos formal, onde o Escritório de Licitações Públicas atua nas
questões não solucionadas pelos demais Órgãos licitadores. (OECD, 2002)
A European International Contractors (EIC, 2002) é uma é uma associação
registrada e sediada na Alemanha, que representa o interesse das federações de
construtoras de 15 países europeus e tem por objetivo, dentre outros, representar
e promover os interesses internacionais da construção européia em todas as
questões relativas à atividade de construção em outros continentes. Como uma
representante internacionalmente ativa dos interesses das construtoras
européias, ela é fortemente contra a European Commission’s Proposal for a
Directive on the Co-ordination of Procedures for the Award of Public Supply
Contracts, Public Service Contracts and Public Works Contracts (chamado
somente de "Legislative Package") no que tange a não aplicação do Design-Build
nos contratos de obras públicas. Em outras palavras, o Legislative Package
propôs introduzir a separação obrigatória das duas fases do empreendimento: o
"projeto" e a "execução". De acordo com o EIC (2002), o contrato Design-Build é
50

muito usado na Europa para construção de complexos industriais e infraestrutura


para escolas, hospitais e outras obras públicas, e sua proibição traria sérias
conseqüências para a competitividade entre as empresas construtoras. Há uma
tendência mundial na aplicação de contratos Design-Build e Turnkey em
empreendimentos na área de construção (EIC, 2002). A grande vantagem
apresentada é o alívio nos mecanismos de fiscalização e controle das obras,
permitindo a execução mais rápida e eficiente, e a facilidade em detectar
possíveis falhas no projeto em tempo hábil, pois todo o processo estaria nas
mãos de um único contratante. (EIC, 2002)
Como contribuição para o processo licitatório no Brasil, a criação de
códigos de ética exclusivos para funcionários públicos que trabalhos com
licitações e a criação de comitês de arbitragem para análise de pendências em
processos licitatórios poderiam trazer mais lisura e rapidez na execução dos
contratos.
4. ANÁLISE DOS PROBLEMAS INERENTES A CONTRATAÇÃO DE OBRAS
PÚBLICAS

4.1 O MENOR PREÇO PARA OBRAS PÚBLICAS

Uma das principais causas de discussão entre os empreiteiros que


participam de licitações são os baixos preços apresentados pelas vencedoras,
opinião também defendida por Dias1 em cursos e palestras. Os valores das
propostas são influenciados pela própria legislação, que define em suas linhas o
que é mais vantajoso para a Administração Pública. No caso de obras, a Lei
determina que o menor preço é o critério que deve ser utilizado para análise das
propostas. Aliado a essa imposição, os Órgãos Públicos tem poder de definir o
teto dos orçamentos, como acontece com o Estado do Rio de Janeiro, que define
o catálogo de referências da EMOP2 como o valor máximo a ser pago pelos
serviços de uma obra, situação agravada pelo fato desses valores representarem
apenas os custos, pois essa tabela é isenta de BDI3 (Bonificações e Despesas
Indiretas).
O conceito de preço na engenharia civil, segundo Dias (2001, p.12), é a
soma dos custos diretos, dos custos indiretos e do lucro estimado. Mas, com a
competitividade nos dias atuais, o empresário deve minimizar os custos para

1
Dias, Paulo Roberto Vilela. Presidente do Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos (IBEC),
em comentário feito durante sua palestra no Seminário de Engenharia do Valor, realizado no
Instituto Militar de Engenharia no período de 30 de outubro a 01 de novembro de 2001.
2
EMOP: Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro, cujo catálogo de preços é a
referência para licitações públicas no Estado do Rio de Janeiro.
3
Segundo Dias (2001, p. 120): "BDI ou Bonificação é a parcela do custo do serviço independente,
do que se denomina custo direto, ou seja, o que efetivamente fica incorporado ao produto".
52

maximizar o lucro. Essa competitividade atinge a construção civil, pois é um setor


que tem muito que se fazer para reduzir custos. Segundo estudos realizados pelo
Instituto Mckinsey (1999, p.102) no setor privado, parte do motivo da baixa
produtividade da indústria da construção se dá por erros de projetos e
gerenciamento. Teoricamente, ao se analisar o estudo feito pelo Instituto
Mckinsey, um crescimento significativo de produtividade por parte dos
empreiteiros tornaria viável a execução de contratos públicos ao aplicar como
base os valores máximos apresentados nos orçamentos de licitações de obras
públicas, pois um aumento da eficiência na gerência das obras permitiria que eles
obtivessem o lucro almejado.
Com a experiência vivida como engenheiro da Comissão Regional de
Obras da 3º Região Militar do Exército Brasileiro4 (CRO/3), foi observado que
muitos empreiteiros não tem cuidado em estudar os editais e elaborar propostas
consistentes, que permitam concluir a obra de forma satisfatória e permitir o lucro
ao contratado. A maior preocupação está em vencer a licitação, independente do
preço apresentado. Como a Licitação Pública depende de previsão orçamentária,
muitas vezes a aprovação desse orçamento acarreta um fluxo muito grande de
licitações em um curto período e os empreiteiros têm uma grande oferta de obras.
As grandes empresas selecionam as obras mais rentáveis e têm estrutura para
participar de várias licitações simultaneamente, mas os médios e pequenos
empreiteiros muitas vezes só têm um orçamentista, que acaba preparando suas
propostas de forma descuidada, para poder participar de um maior número
possível de licitações.
Para proteger a Administração de preços muito baixos, apresentados em
licitações de obras e que possam comprometer a execução do contrato, a
legislação atual criou um mecanismo para desclassificação das propostas com
preços inexeqüíveis. A regra legal não é eficiente, como é observado no Apêndice
8.3 - ANÁLISE DO PREÇO INEXEQÜÍVEL PARA OBRAS PÚBLICAS, pois define como
preço inexeqüível um valor muito reduzido, onde o cálculo é baseado em um
percentual da média dos valores das propostas ou do orçamento do edital. Sendo
assim ela permite que propostas com valores muito pequenos sejam aceitas.
4
CRO/3: Comissão responsável pelo apoio técnico de engenharia para unidades militares
sediadas no Estado do Rio Grande do Sul, inclusive licitando e contratando grande parte das
obras.
53

Pode-se perguntar qual o motivo de uma empresa querer ganhar a


execução de uma obra pública, mesmo com o preço muito baixo. Ainda que o
contratado de um Órgão Público saiba que não deixará de receber pelo serviço
executado, o que justificaria um preço menor pela isenção deste risco, a resposta
aparentemente está nas manobras que podem ser utilizadas para aumentar o
valor a ser recebido.
Diversas causas podem se apontadas como motivos para existência de
erros e omissões no edital e seus anexos, permitindo assim que os contratados,
contando com essas possíveis falhas e a possibilidade de se acrescer serviços
(até 25% para obras, podendo chegar a 50% do valor no caso de reformas)
possam convencer a fiscalização da necessidade de acréscimos ao contrato. Tais
falhas podem estar relacionadas à baixa capacitação técnica dos membros da
comissão de licitações; ausência de normas e procedimentos para elaboração
dos projetos e seus anexos; e falta de referências sólidas para aplicação de
composições de custos no orçamento do edital.
Ainda em relação ao interesse de se ganhar a licitação com um preço
muito baixo, há outra possibilidade que também lesa os cofres públicos: a
manipulação do orçamento para obter vantagens financeiras. Ao se analisar o
exemplo apresentado no Apêndice 8.2 - ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO
CRONOGRAMA FINANCEIRO PARA A OBRA PÚBLICA, verifica-se essa possibilidade.

Mas enquanto o objetivo do contratado está apenas em receber os pagamentos


antecipadamente, o prejuízo não é tão grande. A situação se agrava quando há
má fé do empreiteiro, que executa apenas parte da obra, abandonando o
restante.
Porém, ao agir dessa forma com o Órgão Público, nada o impede de atuar
assim também com seus empregados e fornecedores, não cumprindo seus
compromissos financeiros. Nesse caso, a imagem da Administração Pública
também fica abalada, mesmo que a Lei a isente de qualquer responsabilidade por
encargos assumidos pela contratada5.
Entretanto, a perda financeira e o abalo da imagem da Administração não
são os únicos prejuízos, o dano social causado por uma obra atrasada ou

5
De acordo com o Art. 71, da Lei 8.666/93, "o contratado é responsável pelos encargos
trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato".
54

inacabada muitas vezes supera o prejuízo material. Nos jornais e revistas, a


repercussão de obras não concluídas abalam a confiança dos contribuintes, que
vêem seus impostos serem gastos de forma inadequada.
Ao se analisar o que foi exposto, pode-se afirmar que nem sempre o menor
preço pode ser considerado o mais vantajoso. Porém, em teoria, pagar por um
objeto o menor valor possível é indiscutivelmente o critério mais vantajoso, mas
em se tratando de obras, não se está comparando objetos iguais. O mesmo
projeto, executado por empresas diferentes, resulta em prédios diferentes.
Entretanto, deve-se ressaltar também que a Legislação permite à comissão de
licitação julgar apenas a proposta, e não a empresa, que deverá atender apenas
as condições mínimas de capacitação. Logo, ao se aceitar uma proposta de um
empreiteiro que atende apenas a exigências mínimas de habilitação, há um risco
possível de se contratar uma empresa que propositalmente não pretenda cumprir
o contrato de forma satisfatória, bastando ela apresentar o menor preço.
Devido às estas e demais falhas da Legislação, é possível que licitantes
burlem o edital e o contrato de uma obra em seu favor próprio. O apêndice 8.2 -
ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO CRONOGRAMA FINANCEIRO PARA A OBRA PÚBLICA
ilustra uma situação bem possível de ocorrer. A empresa altera os custos dos
serviços, superfaturando os iniciais, como fundações e estrutura, e subfaturando
os finais, como pintura e acabamentos. Ao manter o preço global inalterado, ele
poderá vencer a licitação e receber inicialmente valores superiores aos seus
custos. Caso a obra seja concluída, o prejuízo da Administração Pública será
mínimo, pois se restringirá ao custo do capital antecipado. O prejuízo será maior
se a empresa contratada abandonar a obra no meio, não permitindo sequer que
os outros licitantes a concluam, pois não aceitarão contratar por um preço abaixo
dos custos6. Outra situação de prejuízo para a Administração é quando os
recursos não forem suficientes para concluir a obra, pois a empresa receberá
muito além do preço de mercado pela parte executada.
Uma questão a ser analisada, como foi citado no capítulo 3.1.1 -
Dificuldades Encontradas, é o caso dos engenheiros dos Órgãos Públicos, que
também estão sujeitos ao problema da falta de tempo para elaboração dos

6
A Administração Pública pode convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação,
para concluir a obra inacabada, desde que aceitem as condições propostas pelo primeiro
colocado.(Art. 64, § 2º, da Lei 8.666/93).
55

projetos, especificações e orçamentos das obras a serem licitadas. Aliado a


outros fatores, este fator leva a descuidos e erros na elaboração dos documentos
técnicos, que servirão de base para que os licitantes preparem suas propostas.
Independente da causa, o erro técnico do edital dificilmente será observado por
alguma auditoria interna ou pela assessoria jurídica, por normalmente não
possuírem nos seus quadros pessoal com conhecimentos de engenharia. Caso
um erro no projeto básico passe desapercebido pela Comissão de Licitações e os
licitantes não se manifestarem, ele poderá ser uma ferramenta para que o
vencedor da licitação ganhe mais do que o valor apresentado na sua proposta
comercial.
Pode-se citar como exemplo o caso de uma obra pública, que prevê em
seu orçamento um serviço apresentando quantidades menores do que a
necessária para a execução da obra. Como o orçamento constante no projeto
básico deve representar quantitativamente a realidade a ser executada, o
empreiteiro terá direito a um aditivo contratual, onde serão acrescentados os
valores relativos à diferença de quantitativos, mesmo que a obra seja pelo regime
de execução de "empreitada por preço global". O construtor que age de forma
premeditada, superfatura o custo unitário do serviço que está com as quantidades
minoradas e subfatura outros serviços para manter o preço global. Ao ser feito o
pleito solicitando o pagamento da diferença, ele receberá um valor maior do que o
justo. A situação inversa também pode ser útil para o empreiteiro, pois se as
quantidades de um serviço estão majoradas, o licitante subfatura esse serviço
para ganhar a licitação, pois saberá que não será necessário executar toda a
quantidade prevista no orçamento do edital.
O exemplo acima reflete a importância de um projeto básico bem
elaborado. Qualquer erro de projeto poderá ser usado pelo vencedor da licitação
para obtenção de vantagem financeira. O objetivo do empresário é maximizar os
seus lucros, e não estará cometendo nenhuma ilegalidade em se aproveitar das
falhas da Administração Pública, pois cabe a ela evitar possíveis erros e tomar
providências para que não se repitam.
56

4.2 AVALIAÇÃO DA EMPRESA VERSUS AVALIAÇÃO DA PROPOSTA

De acordo com o que foi apresentado no Capítulo 3.1.2 - Falhas Comuns


em Licitações Públicas, pode-se observar que a avaliação no processo licitatório é
baseada principalmente na proposta técnica, onde a avaliação da empresa se
restringe a uma qualificação mínima. Muitas vezes, para não ferir os princípios da
igualdade, da legalidade e do julgamento objetivo, o Administrador Público se
limita a exigências pouco eficazes, dando margem à participação da licitação de
construtoras sem condições reais para execução do contrato.
Nas licitações privadas, por não haver necessidade de se obedecer a
normas rígidas, como na Licitação Pública, o empresário pode exigir uma
avaliação da empresa a ser contratada, independente da proposta técnica. Em
alguns casos as situações econômico-financeira, jurídica e experiência técnica
serão critérios predominantes no julgamento da vencedora.
Na prática, em execução de contratos públicos de obras, a falta de uma
avaliação prévia da empresa muitas vezes implica numa obra mal executada, ou
em alguns casos, no abandono da obra antes de sua conclusão. Essa ineficácia
na inabilitação das licitantes é percebida no grande número de obras inacabadas,
ou com sua qualidade afetada7.
Quando se obriga, em cláusulas contratuais de execução de obras, a
certificação da empresa em um sistema de gestão de qualidade, a avaliação
extrapola a proposta e passa a estar relacionada com a empresa. Segundo
Justen Filho (2000, p. 348), essa exigência para obras públicas esbarra na
legislação vigente, por representar uma restrição ao direito de se participar na
licitação e ferir o princípio da isonomia, apesar de potencialmente trazer
benefícios para a Administração Pública. Entretanto, através de um acordo
setorial, há uma solução legal para atender o princípio da isonomia ao se exigir
uma certificação de qualidade.

7
Experiência observada ao participar durante 04 anos de licitações e contratos de obras públicas
para o Exército Brasileiro.
57

4.3 DIFICULDADE PARA SE EXIGIR QUALIDADE NO PROCESSO LICITATÓRIO DA OBRA


PÚBLICA

A licitação de uma obra pública é muito mais complexa do que se pode


deduzir ao estudar a Lei de Licitações. Deve haver uma diferenciação entre os
diversos tipos de obras, levando em consideração não somente o seu valor total
para uma possível contratação. Uma série de fatores deve ser observada para a
escolha da melhor linha de ação a seguir na contratação de uma empresa, tais
como vulto da obra; complexidade de execução; dificuldade de obtenção de
matéria prima de qualidade e mão-de-obra qualificada no local; dificuldades de
mobilização e instalação; preparo dos funcionários públicos responsáveis pela
licitação; interesse dos participantes e outros.
Como foi observado no capítulo 1.2.3 Classificações: regimes de execução,
modalidades e tipos de licitação, para valores diferentes a Lei define modalidades
de licitação diferentes, isto é, a forma de licitar torna-se menos simples, mas o
critério de escolha da proposta mais vantajosa, o tipo "menor preço", não se
modifica. Entretanto, obras distintas, mas de valores muito diferentes, podem
necessitar do mesmo tempo para elaboração de suas propostas. Sendo assim, o
critério preço não deve ser o principal e único indicador de necessidade de tempo
de elaboração de propostas, pois se pode ter uma obra de construção de um
prédio de trezentos mil reais que exija muito mais tempo de orçamentação do que
a execução de uma terraplanagem no mesmo valor.
Deste modo, a "complexidade" da obra poderia ser um dos indicadores de
necessidade de tempo para elaboração dos editais e das propostas, apesar da
dificuldade de se mensurar a complexidade de uma obra utilizando critérios
objetivos.
Outro indicador de necessidade de tempo, além da complexidade, seria a
"urgência" da execução de uma obra. Porém, a urgência para sua execução pode
ter diferentes motivações: "social", quando a demora de sua execução afeta o
bem estar da sociedade; "política", por pressões de esferas administrativas
superiores; ou "administrativa", para atender aos prazos legais de efetuação de
pagamentos e conclusão do contrato.
58

De forma inquestionável há necessidade de prazos compatíveis, tanto para


que os membros dos órgãos públicos possam elaborar de forma mais precisa e
correta os anexos do edital, quanto para que as empresas possam estudar e
analisar os projetos e especificações. Tal necessidade deve ser definida por
critérios técnicos, que levam em conta, além da "complexidade" e "urgência",
também o "vulto" e "preço" da obra.
Ao se analisar a dificuldade de obtenção de uma fórmula para licitação e
contratação de obras públicas, o fator tempo não é o único a ser considerado.
Para a elaboração de projetos, especificações e orçamentos que atendam às
necessidades do objeto a ser licitado, o Órgão Público deve ter em seus quadros
engenheiros e arquitetos competentes e bem preparados, ou a possibilidade,
meios e tempo para contratá-los. No Brasil há mais de cinco mil municípios, e
todos tem autonomia administrativa para licitar e contratar suas obras. A maioria
dos pequenos municípios não tem estrutura para preparar projetos básicos e
fiscalizar a execução de obras relativamente complexas, sofrendo assim
dificuldades para análise de propostas e deficiências na sua qualidade de
execução. De acordo com o disposto, o processo licitatório deve considerar não
somente o objeto e os licitantes, mas também quem vai licitar, se o órgão possui
competência para montar um edital de acordo com as normas atuais e gerir todo
o processo licitatório, além de ter capacidade de fiscalização durante a execução
do contrato.
Outro aspecto é a dificuldade de mobilização e instalação em determinadas
regiões inóspitas, que deveriam ser consideradas ao se analisar as propostas. Em
licitações com o tipo "menor preço", as empresas que atenderem os critérios
mínimos na fase de habilitação estarão aptas a vencer a licitação baseada
apenas na proposta comercial, independente de sua melhor ou pior capacidade
de trabalhar em locais inóspitos ou afastados de grandes centros. O Brasil possui
regiões com características muito diferentes, que podem influenciar
consideravelmente na qualidade de execução de obras por construtoras que não
tenham capacidade técnica para atuar com as dificuldades relacionadas. Quando
uma empresa se aventura em construir com o dinheiro público em uma região que
possui dificuldades de mobilização e instalação, o risco de insucesso é
considerável, e o custo recairá também sobre a Administração Pública.
59

Certamente a participação de empresas sem experiência local não deve ser um


impedimento para sua participação na licitação, pois deve ser mantido o princípio
constitucional da isonomia, mas a sua capacidade técnica para realizar obras em
localidades de difícil acesso é um fator que deveria ser levado em consideração,
em conjunto com outros fatores, na escolha da vencedora. Pois, como foi
analisado nos capítulos 3.2.1 - Falhas Comuns em Licitações Públicas e 4.2 -
AVALIAÇÃO DA EMPRESA VERSUS AVALIAÇÃO DA PROPOSTA, o processo licitatório

não classifica a empresa pela capacitação técnica, apenas a habilita ou não.


Em relação à habilitação de uma empresa, ela é analisada pela Comissão
de Licitação por quatro aspectos principais8: Habilitação Jurídica, Qualificação
Técnica, Qualificação Econômico-financeira e Regularidade Fiscal. Nesta fase, as
exigências documentais não podem ser excessivas, de modo a restringir o
número de participantes. Inclusive a Lei 8.666/93 limita essas exigências,
relacionando os documentos que devem ser apresentados.
Dos quatro aspectos apresentados acima, o que se relaciona mais com o
estudo em questão é a Qualificação Técnica. Os documentos apresentados dessa
qualificação devem ser suficientes para comprovarem a capacidade da
construtora em atender a execução do contrato de acordo com as exigências do
edital e seus anexos. Dentre as exigências, está o fornecimento de atestados,
fornecidos por pessoas jurídicas, que comprovam sua capacidade. Conforme foi
citado anteriormente, não pode ser exigido comprovação de atividades ou aptidão
com limitação de tempo, época ou local específico. Além disso, segundo Mukai
(1995, p.36), a exigência de atestados com limitação de quantidades, em
números certos e determinados, também não é permitida. Mas tecnicamente
torna-se difícil para a Comissão julgar uma habilitação técnica sem um parâmetro
objetivo, que é a referência numérica. A falta de uma referência pode dar margem
a recursos administrativos por parte dos desclassificados e atraso no processo,
gerando assim uma tendência da Comissão em julgar favoravelmente às
empresas que apresentarem atestados com quantidades inferiores às
quantidades de serviço previstas para execução do objeto licitado.

8
Art. 27, da Lei 8.666/93.
60

Deve-se ressaltar também que, de acordo com Motta (2000, p.126), o


acervo técnico já foi considerado no passado como bem pessoal intransferível9 do
profissional, mas que hoje perdeu sua validade. Com a Resolução n. 317, de 31
de outubro de 1986 do CONFEA, ficou revogada a retirada do acervo técnico da
construtora, caso o profissional seja desligado (Motta, 2000, p.127), conforme
citação do artigo 4º da referida resolução:

"Art. 4º. O Acervo Técnico de uma pessoa jurídica é


representado pelo Acervo Técnico dos Profissionais de seu
quadro técnico e de seus consultores técnicos devidamente
contratados".
Parágrafo único. O Acervo Técnico de uma pessoa
jurídica variará em função da alteração do Acervo Técnico de
seu quadro de profissionais e consultores."10

Outra questão é a empresa, que ao passar pela fase de habilitação, não


poderá mais ser desclassificada na abertura das propostas por aspectos na fase
anterior. Como o critério de análise é o menor preço, muitas vezes é possível que
a diferença de valores entre a primeira e segunda colocada seja pequena em
relação à diferença de capacidade entre elas. Por exemplo: uma empresa "A"
com dois anos de existência, que realizou apenas uma obra do vulto da licitada e
teve como proposta o valor de R$ 999.000,00: e a empresa "B", com vinte anos
de experiência e dez obras do vulto da licitada, mas com uma proposta de R$
1.000.000,00. Provavelmente, em uma licitação privada, a empresa "B" seria a
contratada, pois a diferença de valores é irrelevante em relação à diferença de
experiência, mas em se tratando de Licitação Pública, o critério menor preço
indiscutivelmente obrigaria a Administração a contratar a empresa "A". Esse
exemplo, apesar de se restringir hipoteticamente a um único parâmetro, ilustra o
problema de se contratar pelo menor preço, pois quando a diferença entre os
valores se torna insignificante, o critério avaliação da capacidade técnica pode
passar a ser o mais vantajoso.
Daí as dificuldades para se chegar a uma equação que determine o que é
mais vantajosa, a proposta de menor preço ou a de melhor capacidade técnica.

9
Segundo a revogada Resolução n. 230/75 do CONFEA.
10
Resolução n. 317, de 31 de outubro de 1986 do CONFEA
61

Obras simples, de pouco valor, não justificam que uma empresa tenha
obrigatoriamente uma grande experiência profissional ou que aplique processos
modernos e mais eficientes para executá-las, sendo o critério preço, em conjunto
com outros, aceitável. Mas obras mais sofisticadas, com instalações mais
modernas, necessitam de empresas que tenham uma maior capacidade técnica
para sua execução. A dificuldade está, utilizando parâmetros objetivos, em definir
qual critério usar em cada caso.
A Lei define mais dois critérios para julgamento de propostas: o tipo
"melhor técnica" e o tipo "técnica e preço". Esses dois tipos não podem ser
usados em licitação de execução de obras, podendo ser utilizados
exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual11, como
projetos, fiscalização, gerenciamento e outros. Excepcionalmente pode-se utilizar
esses dois tipos de licitação para execução de obras, desde que sejam de grande
vulto e majoritariamente de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio
restrito12. Segundo a Lei, mais uma vez são utilizados valores para definir a
característica de uma obra. É o caso de obra de grande vulto, que nos dias atuais
equivale a R$ 37.500.000,00. Para Órgãos Públicos que lidam com grandes
quantias de dinheiro, esse valor poderia ser razoável, mas para outros, como
secretarias de pequenos municípios, com recursos orçamentários muito
reduzidos, o próprio limite da modalidade convite (R$ 150.000,00) poderia ser
considerado um valor de obra de grande vulto, apesar de não necessariamente
ser uma obra complexa, pois a perda dessa quantia poderia comprometer muito
as finanças públicas desse Órgão.
O tipo de licitação "melhor técnica"13 consiste em avaliar e classificar as
propostas dos licitantes de acordo com critérios técnicos, previamente definidos
no edital. Tais critérios devem considerar a capacitação e a experiência do
proponente; a qualidade técnica da proposta, compreendendo metodologia,
organização, tecnologias e recursos a serem utilizados no objeto; e a qualificação
das equipes técnicas envolvidas no trabalho. Após a classificação, os envelopes
contendo os valores são abertos e, como todos os classificados possuem
capacidade mínima para execução do contrato, é oferecido ao primeiro colocado
11
Art. 46, da Lei 8.666/93.
12
Art. 46, § 3º, da Lei 8.666/93
13
Art. 46, § 1º, da Lei 8.666/93
62

da avaliação técnica a aceitar a execução pelo menor valor apresentado. Caso


nenhum dos participantes com pontuação superior não aceite o menor valor, a
empresa responsável pelo menor preço deve obrigatoriamente ser contratada. À
primeira vista, o tipo "melhor técnica" garantiria uma obra de qualidade, mas caso
os outros participantes não aceitem o menor valor apresentado, isso poderia ser
um indicativo de que o preço da vencedora estaria muito baixo, mesmo que essa
empresa atendesse à pontuação mínima, a não ser que a construtora possuísse
um equipamento ou tecnologia única, que permitisse uma redução de custos
muito representativa em relação aos outros. Outra dificuldade está em criar
critérios técnicos de pontuação que garantissem o princípio da isonomia e não
direcionassem a licitação para poucos participantes, lembrando que a licitação
pública não busca contratar com a melhor empresa, mas sim com a que
apresentar a melhor proposta.
Quanto ao tipo de licitação "técnica e preço"14, a diferença está em criar
pontuação para requisitos técnicos e para o preço, sendo que nesse caso o
Órgão Público contrata com a empresa que oferecer a maior pontuação, e não o
menor preço. Teoricamente a média ponderada de preço e técnica ofereceria a
melhor proposta para Administração, mas esse critério necessita de um Edital
muito bem elaborado, que tenha condições de ponderar de forma precisa, de
acordo com as necessidades de cada obra, os pesos de cada requisito. Como foi
visto anteriormente, muitos Órgãos Públicos não possuem uma equipe técnica
disponível para elaboração desses critérios, inviabilizando a utilização desse tipo
de licitação para um grande número de obras. Além disso, deveria ser criada uma
forma de classificação das obras, avaliando vultuosidade e complexidade, que
não levasse em conta apenas o valor do contrato, e essa classificação poderia
definir o critério para contratação de obra.

14
Art. 46, § 2º, da Lei 8.666/93
5 SUGESTÕES PARA GARANTIR QUALIDADE NA OBRA PÚBLICA

5.1 SISTEMA DE QUALIDADE NA OBRA PÚBLICA

O Direito Administrativo difere dos outros direitos, pois na Administração


Pública só pode ser feito aquilo que está explícito na Lei, o Administrador não
pode tomar iniciativas fora do que está previsto nela. Em relação à Lei de
Licitações, não constam exigências de certificação de qualidade na fase de
habilitação. Segundo Justen Filho (2000, p. 348), a exigência de certificado ISO
9000 pode representar um grande risco de vício, pois gera uma indevida restrição
ao direito de participar da licitação. Porém ele não condena a previsão de
certificado ISO 9000 como evidência de habilitação, desde que não se restrinja a
participação dos não certificados que comprovem o atendimento aos requisitos
necessários à satisfação dos interesses públicos.
Justen Filho (ibid.) relaciona certificação de qualidade com idoneidade para
execução do objeto licitado. Tal afirmação não representa o objetivo da
implantação de um sistema de qualidade. Como foi visto no capítulo 1.2.1 - ISO
9000, o certificado de qualidade não é considerado um atestado de idoneidade,

mas sim uma certificação de que a empresa garante que sua organização estará
estruturada para atender aos requisitos pré-determinados e ao que foi
inicialmente acordado entre as partes.
Com a globalização e o crescimento do número de construtoras
certificadas, a tendência é aumentar a quantidade de contratos privados com
cláusulas exigindo certificação de qualidade. O próprio PBQP-H influenciará as
construtoras, através de limitação de financiamento da Caixa Econômica Federal,
64

a aderirem ao Programa. Nos Estados Unidos e países da Europa, essas


exigências são comuns e não representam uma restrição discriminatória, e sim
mais uma garantia de que o produto final, a obra, atenderá aos requisitos
contratuais. Observando a tendência mundial, é questão de tempo a exigência de
certificação de qualidade nos contratos públicos, como se pode notar na evolução
crescente dos programas de qualidade, como o QUALIPAV-RJ - Programa da
Qualidade na Pavimentação, Obras de Arte Especiais e Drenagem Urbana da
Cidade do Rio de Janeiro; QUALIOP-BA - Programa de Qualidade das Obras
Públicas do Governo do Estado da Bahia, considerado o mais abrangente da área
em todo o Brasil; e o QUALIHAB-SP - iniciativa pioneira na área da qualidade.

5.2 SUGESTÕES PARA OS REGULAMENTOS LICITATÓRIOS

5.2.1 Sugestões sem Alteração da Legislação

Na busca de sugestões que visam melhorar o processo de seleção e


contratação de obras públicas, pode-se tomar providências administrativas sem
necessariamente precisar modificar a legislação vigente. A própria Lei 8.666/93
permite a elaboração de normas internas de cada Órgão Público, que têm por
objetivo definir procedimentos para cada etapa do processo licitatório, desde que
os seus artigos e princípios não sejam burlados.
Um procedimento que independe da Lei de Licitações e surte um efeito
imediato na melhoria da licitação e contratação da Obra Pública é a definição de
um plano de obras1 antecipado para cada Órgão. O objetivo do plano de obras é
permitir que a Unidade Administrativa organize o seu calendário de licitações e
que tanto a Comissão de Licitações prepare de forma ordenada e cuidadosa o
edital e seus anexos, como o licitante tenha um tempo maior para elaborar sua
proposta. Como foi citado no capítulo 4.3 - DIFICULDADE PARA SE EXIGIR
QUALIDADE NO PROCESSO LICITATÓRIO DA OBRA PÚBLICA, só é justificável a falta de

um planejamento antecipado apenas para obras emergenciais ou que sejam fruto

1
Plano de Obras é um calendário com a previsão de todas as obras, e seus respectivos créditos,
para um determinada Unidade Administrativa durante o ano.
65

de acontecimentos recentes, como o caso de manutenção predial, onde o


vazamento de um esgoto ou a queima de um transformador não poderiam
esperar entrar no plano de obras do ano seguinte, caracterizando-se assim uma
situação de urgência. As demais obras, principalmente de construções novas, não
podem surpreender uma Unidade Administrativa, devendo ser previstas com
antecedência.
A elaboração antecipada de um plano de obras também está ligada à outra
necessidade: a distribuição de recursos. Com uma previsão de recursos realista,
que apresente um cronograma de desembolso confiável e esteja ajustado com o
cronograma físico-financeiro das diversas obras, o empreiteiro reduzirá o
percentual de riscos e eventuais nas despesas indiretas de suas propostas. Essa
redução implicará na diminuição do preço final da obra e, principalmente, na
garantia de sua conclusão, pois o atraso do pagamento reduz o lucro do
contratado, podendo inclusive causar prejuízo e paralisação da obra, como foi
demonstrado no Apêndice 8.1 - ANÁLISE DE CUSTO DE CAPITAL EM RELAÇÃO AO
ATRASO DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS.

Com um planejamento antecipado de obras previstas para um determinado


período, uma providência pode ser tomada facilmente: o aumento do tempo para
entrega das propostas. A Lei define prazos mínimos, mas devido a imposições
administrativas já citadas anteriormente, esses prazos dificilmente são
estendidos. Cabe ao Órgão Público, de acordo com a complexidade de cada
contrato, definir prazos compatíveis com as dificuldades encontradas para
elaboração dos respectivos orçamentos, não baseando essa definição apenas no
valor orçado para cada obra.
Deve-se também dar uma atenção especial ao Projeto Básico, pois como o
próprio nome diz, servirá de base para elaboração das propostas técnicas. É
importante que ele seja bem confeccionado e isento de falhas, mas para isso são
necessários tempo, meios e pessoal habilitado. O Órgão que trabalha com
licitações de obras deve ter essa estrutura disponível para elaboração dos editais
e anexos, pois será um fator decisivo para execução de uma obra sem surpresas
e percalços, pois é o Projeto Básico que fornece todas as informações
necessárias para que o orçamentista da construtora prepare o seu orçamento de
acordo com a realidade da execução. Outra medida que facilita a preparação do
66

orçamento, tanto do edital como dos licitantes, é a existência não do Projeto


Executivo completo, mas pelo menos dos projetos complementares (fundações,
estrutural, instalações e outros), pois permite o levantamento de quantitativos
mais próximos da realidade.
Outra questão importante é que, devido às limitações de exigências
previstas em Lei na fase de habilitação, um número ilimitado de empresas pode
se habilitar para participar de licitações de obras públicas. Em muitas empreiteiras
mal estruturadas, é comum ter um engenheiro responsável por diversas
atividades concomitantemente, como orçamentação, planejamento, projeto
executivo, responsável técnico pela execução da obra, administração da empresa
e outros, pois há poucas exigências técnicas para o funcionamento de uma
empresa. Além disso, o Órgão Público não pode determinar que uma empresa
tenha conhecimentos profundos sobre a Legislação vigente e outros assuntos
relativos a licitações e contratos, apesar de que, legalmente, o desconhecimento
da Lei não pode ser aceito como justificativa por seu não cumprimento. Sendo
assim, a Administração Pública poderia criar uma instituição específica para
prestar um serviço de divulgação de informativos e preparação de palestras e
cursos sobre os temas: Licitações e Contratos Públicos; Planejamento e Controle
de Obras; Engenharia de Custos; Sistemas de Qualidade e outros assuntos que
podem trazer uma melhoria na qualidade da elaboração das propostas, como
também na execução dos contratos. A desinformação é um mal que pode ser
combatido com medidas de custos relativamente baixos e boa vontade das
pessoas envolvidas.
Por fim, a questão da exigência contratual de certificados de qualidade em
licitações públicas, que não é permitida, pois fere os princípios da igualdade e
legalidade. Apesar da proibição, o incentivo à aplicação dos sistemas de
qualidade em obras é uma iniciativa saudável para as empreiteiras, pois os
requisitos exigidos propiciam melhorias nos diversos setores da empresa e,
conseqüentemente, bom para a Administração Pública, que se tornará um cliente
com produtos e serviços com uma garantia maior de que os requisitos pré-
estabelecidos serão pretendidos pelo contratado. Porém, deve-se ressaltar mais
uma vez o respaldo legal dos acordos setoriais, pois são mecanismos que
permitem uma exigência de certificação sem ferir o princípio da isonomia.
67

Através dos acordos setoriais, criou-se uma possibilidade legal de


aplicação do PBQP-H pelos órgãos públicos que licitam obras. Para servir de
roteiro para padronização de procedimentos a serem adotados, a Secretaria
Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República criou o Manual
para Sensibilização Estadual do PBQP-H, com o objetivo de:

"...oferecer aos Representantes Estaduais do PBQP-H e


aqueles interessados em promover a Adesão de seu Estado ao
Programa um conjunto padronizado de documentos que
permitam registrar as etapas básicas da sensibilização
estadual, bem como oferecer aos agentes dos setores público
e privado a documentação básica para a formalização da
adesão." (PBQP-H. Manual, 2003)

Os passos apresentados no manual descrevem a seqüência de


procedimentos que se deve seguir para implantação do Programa, que começa
com primeira reunião de sensibilização, realizada por técnico enviado pela
Coordenação Geral do PBQP-H. A Coordenação já tem pronta uma apresentação
padrão atualizada, que é utilizada em todas as reuniões de sensibilização. Os
passos seguintes são: a escolha de um coordenador estadual ; a adesão, através
de um termo de adesão, que implica em uma expectativa de que seja formalizado
o compromisso entre o setor público e o privado, e de que os requisitos
consensados no âmbito do PBQP-H passarão a ser gradualmente exigidos
quando das contratações e licitações; e a implantação do PBQP-H, através de um
Programa Setorial , elaborado de acordo com o roteiro abaixo:

"1. Listar as entidades representativas do setor.


2. Listar as empresas associadas e sem campo de atuação.
3. Diagnóstico da qualidade do setor: resumir o diagnóstico da
atual situação do setor, indicando os programas de gestão da
qualidade existentes ou em desenvolvimento;
4. Estimativa do número total de empresas, produção anual
total do setor, geração de empregos do setor, indicador global
de HH/m2 de construção etc.
5. Normalização técnica: listar as normas técnicas existentes
com resumo do assunto (título), listar as normas que devem ser
atualizadas e elaboradas, listar as normas técnicas de
empresas e/ou associações que poderão constituir-se em
68

textos-base, listar os manuais técnicos específicos com o


mesmo objetivo do acima referido;
6. Definir metas e prazos para implantação das diferentes
atividades do PBQP-H. " (PBQP-H. Manual, 2003)

Contudo, para melhorar o desempenho de suas atividades e servir de


exemplo para as construtoras, é interessante que o Órgão Público também
aplique um sistema de qualidade em sua administração, contribuindo assim para
sua melhoria contínua e atendendo às necessidades das partes interessadas de
forma satisfatória. Pois não tem sentido o contratante exigir aplicação de sistemas
de gestão de qualidade em suas obras por parte dos contratados, sem que as
aplique em sua própria organização.

5.2.2 Sugestões com Alteração da Legislação

A Lei de Licitações tem por finalidade preservar a Administração Pública de


possíveis prejuízos decorrentes de má administração, fraudes, desvios de
dinheiro, suborno e outros atos ilícitos possíveis de ocorrer ao se contratar com
pessoas físicas ou jurídicas. Quando o legislador, que não necessita ter profundo
conhecimento sobre obras, elabora uma Lei muito rígida, o processo de licitação e
contratação fica limitado a procedimentos genéricos, que muitas vezes
desconsidera as peculiaridades de cada obra. Como foi citado anteriormente, o
contrato deve se adaptar ao empreendimento, mas na contratação de obras
públicas ocorre o contrário, o objeto do contrato deve se adaptar aos
procedimentos pré-determinados pela Lei. O objetivo a seguir não é criticar a Lei
8.666/93, mas sugerir alguns procedimentos que contribuiriam para a qualidade
na contratação de obras públicas, mas não podem ser aplicados por ferir a
legislação vigente.
Como foi visto no capítulo 4.3 - DIFICULDADE PARA SE EXIGIR QUALIDADE NO
PROCESSO LICITATÓRIO DA OBRA PÚBLICA, o critério usado para classificar uma

obra é o preço orçado pela Administração. Outros fatores poderiam ser


considerados para classificação das obras, devendo ser criado um critério
baseado na complexidade vinculado ao preço. O objetivo dessa classificação é
69

proporcionar a escolha da melhor modalidade e do melhor modelo de contrato.


Dessa forma uma obra complexa, mesmo com um preço relativamente baixo,
teria um tratamento diferenciado por parte da Administração e dos licitantes. Um
desses tratamentos seria a ampliação dos prazos para entrega das propostas,
que pela legislação atual dependeria da modalidade de licitação e
conseqüentemente do valor orçado pela Administração.
Uma sugestão para este problema seria dividir as obras por categorias, de
acordo com suas complexidades, como por exemplo: construção pesada;
construções residenciais unifamiliares (casas isoladas); construções residenciais
multifamiliares (condomínios e prédios); construções de prédios públicos de uso
coletivo (escolas, ginásios, creches, pavilhões); construções de prédios públicos
de utilização especializada (hospitais, laboratórios, quartéis); e outras mais. As
reformas e restaurações também seguiriam uma classificação semelhante, sendo
que a definição da modalidade e regime de execução atenderia, dentro de cada
categoria, a uma faixa de preço orçado pela Administração. Contrário ao que
ocorre atualmente, onde a análise considera apenas o preço global e não a
complexidade. Desta forma um condomínio popular e um laboratório de análises
clínicas podem ter processos licitatórios diferenciados, mesmo que o orçamento
global das duas obras seja o mesmo. Acima foi citado um exemplo simplificado
para retratar a idéia, mas para se definir as categorias e suas faixas de preço
seria necessário um estudo muito mais aprofundado e específico.
Segundo a Lei vigente, a empresa não é classificada em uma licitação de
obras, e sim a sua proposta. O que ocorre é uma fase inicial de habilitação, onde
a construtora está em duas situações: habilitada ou inabilitada. Na fase de análise
das propostas a capacidade técnica não é considerada para fins de classificação.
Isso ocorre na maioria das licitações de obras, onde o tipo "menor preço" é
obrigatoriamente utilizado, salvo exceções previstas em Lei.
A sugestão nesse caso é a possibilidade de utilizar outros tipos de licitação
para obras além do "menor preço", considerando, por exemplo, as categorias de
obras que foram citadas anteriormente, e não só o preço. Além disso, a empresa
deveria também ser avaliada e classificada de acordo com a sua capacidade para
execução do contrato, sendo indicado neste caso a exigência de um sistema de
gestão de qualidade para poder participar da licitação de uma obra. Na seleção
70

de propostas para um contrato privado, a contratante considera os aspectos


técnicos, financeiros e jurídicos da futura contratada para decidir, e não somente
as condições apresentadas na proposta. A Administração Pública também deveria
considerar esses aspectos para escolher a proposta mais vantajosa. Legalmente
sendo permitido a aplicação de outro tipo de licitação, a Administração deve criar
critérios objetivos para análise e classificação, não só das propostas técnicas,
mas também das empresas participantes, ponderando esses aspectos com o
preço apresentado. Outra questão que necessita de um estudo aprofundado para
ser solucionado, pois para cada caso as ponderações variam.
Apesar de algumas atitudes por parte da Administração poderem ser
tomadas sem necessidade de alteração da Lei, a sua obrigatoriedade garantiria
sua aplicação. É o caso da apresentação dos projetos complementares junto com
o Projeto Básico. Tecnicamente não é muito vantajosa a apresentação do Projeto
Executivo completo na licitação, pois poderia impedir a aplicação de soluções
mais viáveis e baratas para execução da obra, mas os projetos complementares
(estrutural, fundações, instalações,...) facilitam a elaboração do orçamento,
evitando estimativas fora da realidade para serviços, que não são quantificados
de forma mais precisa por falta de dados de projeto.
Outro aspecto que pode ser evitado com alterações na legislação é o caso
da empresa que utiliza todas as ferramentas legais para maximizar seus ganhos,
inclusive aplicando artifícios apresentados no Apêndice 8.2- ANÁLISE DA
IMPORTÂNCIA DO CRONOGRAMA FINANCEIRO PARA A OBRA PÚBLICA. Para resolver

esse problema, a Lei deveria permitir a criação de dispositivos para impedir que o
empreiteiro manipule o orçamento de sua proposta. Uma sugestão é analisar o
preço inexeqüível não pelo preço global apresentado na proposta, mas item a
item do orçamento, obrigando o orçamentista da empresa a não redistribuir
valores de sua proposta.
Uma atitude que também é tomada pelo empreiteiro que deseja vencer a
licitação é a não escolha do seguro garantia como garantia contratual, pois é a
modalidade que representa o maior custo, apesar de ser a melhor para a
Administração. A solução para este problema estaria em passar para a
Administração Pública a opção de escolha da modalidade de garantia. Como
todos teriam que embutir em seus custos indiretos o valor do seguro-garantia, ou
71

a modalidade previamente definida em edital, essa decisão não influenciaria na


vencedora, a não ser que o custo do seguro mudasse de empresa para empresa,
devido à variação de risco de cada uma. Seria uma vantagem para o Órgão
Público, pois a própria classificação de risco das seguradoras contribuiria para a
seleção da melhor construtora. Quanto aos custos do seguro aumentarem o preço
da obra, as vantagens superam a diferença, além dessa mudança contribuir
também para a queda dos valores do seguro, pois a demanda aumentaria com o
passar do tempo.
Por fim, existe a questão da dificuldade que muitas unidades
administrativas sofrem para elaborar o edital e fiscalizar o contrato de uma obra
pública. Como não são todas as unidades que possuem pessoal habilitado, os
riscos de falhas e vícios nas licitações são acentuados. Para solucionar tal
problema, seria viável a criação de instituições, compostas por engenheiros,
técnicos e advogados, com destinação exclusiva de licitar e fiscalizar a execução
de obras públicas, facilitando inclusive auditorias e aliviando as responsabilidades
de órgãos despreparados para este tipo de atividade.
Sistema semelhante já existe no Exército Brasileiro, onde as Comissões
Regionais de Obras são responsáveis pelo processo licitatório de obras em
diversas unidades militares, entregando a construção pronta para o uso. Estas
instituições a serem criadas, especializadas em licitações e contratos, poderiam
ter outras atribuições, como a de divulgação de informativos e apresentação de
palestras e seminários sobre assuntos relacionados ao tema, como: Licitações e
Contratos Públicos, Planejamento e Controle de Obras, Engenharia de Custos e
Sistemas de Qualidade. Tais atividades poderiam atender tanto ao público
interno, como às empresas e profissionais que participam de licitações.
6 CONCLUSÃO

Ao concluir o presente trabalho, os objetivos iniciais foram atingidos. O


processo licitatório e contratação de obras públicas no Brasil foram apresentados.
Demonstrando suas anuências, falhas e omissões, ficou clara a necessidade de
seu estudo por parte dos licitantes, e também dos funcionários públicos
envolvidos no processo, além de imperativo a divulgação da importância da
qualidade na licitação e contratação de obras públicas.
Observando-se o crescimento da qualidade na indústria da construção,
notou-se que as empresas construtoras têm passado por uma evolução
significativa ao aplicarem sistemas de gestão de qualidade, como a ISO 9000 e,
mais especificamente, o PBQP-H. Tal evolução se reflete no crescente número de
construtoras certificadas.
Ficou evidente também a busca de um objetivo comum na licitação e
contratação, seja no Brasil ou no exterior, seja no setor público ou privado: a
procura de uma proposta vantajosa, onde a contratante tenha sua obra de acordo
com o especificado, e o contratado receba um preço justo pelo seu trabalho. Para
o Poder Público brasileiro atingir tal objetivo, deve reformular o seu processo
licitatório, a começar pelo critério de seleção pelo "menor preço", que
indiscutivelmente é falho e ineficaz, pois sua aplicação parte do pressuposto que
o objeto está bem descrito e definido no contrato, o que não ocorre na
contratação de obras. Além disso, buscar a utilização de modalidades de garantia
contratual eficientes, que cumpram o seu objetivo final, que é a garantia da
conclusão da obra. Observa-se que a garantia mais apropriada é realmente o
seguro-garantia, ou mais conhecido mundialmente como performance bond.
73

Outros aspectos foram apontados como importantes para a melhoria do


processo licitatório, principalmente o desenvolvimento de sistemas de definição
de obras e análise de qualificação de empresas.
As sugestões apresentadas na dissertação não se restringem apenas à
alteração da legislação. Mudanças de procedimentos permitiriam a obtenção de
obras de qualidade e de acordo com as necessidades das diversas instituições
públicas, como melhoria dos projetos e especificações; divulgação e preparação
de palestras sobre temas inerentes ao assunto (Legislação, Engenharia de
Custos, Sistemas de Qualidade e outros) e estímulo à aplicação de sistemas de
gestão de qualidade, tanto nas empresas contratadas, como também nos próprios
órgãos públicos. Como exemplo pode-se citar a adesão maciça dos estados ao
PBQP-H, como Bahia, Pará, São Paulo, Rio de Janeiro e outros, demonstrando a
viabilidade do caminho apresentado. Porém, devido ao pouco tempo de
divulgação e implantação do Programa, ainda não há condições para uma melhor
avaliação adequada do desempenho geral dessas obras, se houve realmente
melhoria da qualidade, menos problemas e como se comportaram os preços
relativos.
Dentre todas as sugestões, a exigência contratual de certificação de
qualidade é uma realidade no setor privado, sendo também uma tendência para
contratos públicos. Com o crescente número de construtoras certificadas, aliado
aos acordos setoriais, a cobrança de certificação passará a ser juridicamente
viável, pois não irá ferir um dos princípios fundamentais da licitação pública, que é
a isonomia entre os participantes.
Apesar de todas as dificuldades apresentadas, dos obstáculos legais e da
falta de informação, é possível conseguir qualidade em obras públicas.
7. OBRAS CITADAS

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Paulo: ed. Juarez de Oliveira, 2000. p. 163 a 198.
8 APÊNDICES

8.1 ANÁLISE DE CUSTO DE CAPITAL EM RELAÇÃO AO ATRASO DE PAGAMENTO DE


ÓRGÃOS PÚBLICOS

A Lei 8666/93 prevê, em seu art. 40, inc. XI, a necessidade de critério de
reajuste para os contratos públicos, que retratam a variação efetiva do custo da
produção. Isso quer dizer que o contratado terá direito a reajuste baseado na
variação de um índice, previamente acordado, entre o custo da etapa da obra na
data da apresentação da proposta e o pagamento de cada parcela relativa a essa
etapa. Porém, só terá direito a reajuste os contratos superiores a um ano, período
que engloba grande parte das obras públicas.
A mesma Lei, porém, em seu art. 78, inc. XV, só permite a rescisão
contratual após noventa dias de atraso de pagamento. Como o contrato não pode
ser rescindido antes da conclusão desse prazo, o contratado tem a obrigação de
cumprir todas as suas cláusulas. Na prática, uma obra terá o seu cronograma
físico mantido num período de três meses, não tendo o contratado nenhum
ressarcimento, através de procedimentos administrativos, pelo custo de capital
investido nesse período. Para conseguir tal ressarcimento, somente por vias
judiciais.
Pode-se considerar que, como essa situação está prevista na legislação,
os participantes de uma licitação podem incluir esse risco em seus custos
indiretos. Muitos não o fazem, pois o tipo de licitação aplicada a obras públicas é
o de "menor preço" e esse procedimento acarretaria a vitória da empresa que
79

aplicasse um maior percentual de risco na composição de seu preço. Uma


informação privilegiada por parte do órgão pagador, como a certeza de que o
pagamento não atrasaria, poderia determinar o vencedor.
Essa análise do custo de capital nas propostas de licitações de obras
públicas necessita de um conhecimento de matemática financeira básica, mas em
nenhum momento é abordada na legislação vigente. Não se pode confundir
reajuste com custo de capital, pois a data do pagamento é considerada no dia em
que o fiscal da obra, representante da Administração Pública na execução do
contrato, ateste que o serviço foi executado e a nota fiscal é liquidada1. O tempo
entre a liquidação da nota fiscal e o recebimento do numerário correspondente
pode, segunda a Lei, ser de até noventa dias, mas um possível reajuste só
ocorrerá em relação ao período entre a apresentação da proposta e a liquidação
da nota fiscal.
Ao se analisar uma simulação do caso hipotético abaixo, o problema fica
mais claro:
Considera-se que uma empresa "A" tenha vencido uma licitação de uma
obra pública, que deverá ser realizada num prazo de noventa dias de acordo com
as condições abaixo. Sendo assim, não terá direito a reajuste de parcelas.

Tabela 01 - Cronograma Físico-Financeiro

EMPRESA "A" MÊS 01 MÊS 02 MÊS 03

PERCENTUAL 30,00% 35,00% 35,00%

VALORES R$ 43.500,00 R$ 50.750,00 R$ 50.750,00

PERCENTUAIS ACUMULADOS 30,00% 65,00% 100%

VALORES ACUMULADOS R$ 43.500,00 R$ 94.250,00 R$ 145.000,00

Valor da obra: R$ 145.000,00


Mão-de-obra (50%): R$ 72.500,00
Material (50%): R$ 72.500,00

1
Na Administração Pública, as fases do pagamento são: crédito, empenho e liquidação, sendo a liquidação a
fase onde a nota fiscal é processada e solicitado o numerário para seu pagamento.
80

Encargos Sociais: 155 %


Impostos Diretos: 8,95 %
Lucro: 8,00 %
Considerou-se um regime tributário sobre o lucro presumido, que para a
Cidade do Rio de Janeiro é representado na tabela abaixo:

Tabela 02 - Imposto Sobre Lucro Presumido - Cidade do Rio De Janeiro

Imposto Sobre Serviço ISS 3,00%


COntrib.p/
FINanc.Seg.Social COFINS 3,00%

Programa de Integr. Social PIS 0,65%

Contr.Prov. S/ Mov. Financ. CPMF 0,38%


I.R.=15% x L.P.(E) = 15% x
Imposto de Renda I.R. 1,20% 8%
C.S.= 9% x L.P.(E) = 9% x
Contribuição Social C.S. 0,72% 8%

IMPOSTO: 8,95%

Observa-se que o lucro apresentado pela empresa "A" é absoluto, pois


quando ele é obtido, despreza-se a análise do fluxo de caixa, onde aparecem as
diferenças entre receitas e despesas que o gerou. Observando três situações de
fluxo de caixa, com pagamentos a trinta, sessenta e noventa dias após a
execução da etapa, o lucro absoluto sempre será o mesmo, mas ao se calcular o
valor presente líquido dos fluxos, verifica-se um lucro relativo abaixo do esperado.
81

Tabela 03 - Fluxo De Caixa - Recebimento Após 30 dias da Execução da Etapa

SERVIÇOS % totais MÊS 01 MÊS 02 MÊS 03 MÊS 04 MÊS 05


DESEMBOLSO 30% 35% 35%

PESSOAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
Salários R$ 23.612,25 R$ 7.083,68 R$ 8.264,29 R$ 8.264,29
Encargos (155%) 155,00% R$ 36.599,00 R$ 10.979,70 R$ 12.809,65 R$ 12.809,65

MATERIAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
À vista (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97
30 dias (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97

IMPOSTOS
Imediatos (8,95%) 8,95% R$ 3.893,25 R$ 4.542,13 R$ 4.542,13
30 dias

Desembolso Mensal -R$ 16.115,36 -R$ 42.705,89 -R$ 46.690,00 -R$ 27.888,74
Recebimento R$ 145.000,00 R$ 43.500,00 R$ 50.750,00 R$ 50.750,00
Saldo/ Deficit Mensal -R$ 16.115,36 R$ 794,11 R$ 4.060,00 R$ 22.861,26
Saldo/ Deficit Acum. -R$ 16.115,36 -R$ 15.321,26 -R$ 11.261,26 R$ 11.600,00
82

Tabela 04 - Fluxo De Caixa - Recebimento Após 60 dias da Execução da Etapa

SERVIÇOS % totais MÊS 01 MÊS 02 MÊS 03 MÊS 04 MÊS 05


DESEMBOLSO 30% 35% 35%

PESSOAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
Salários R$ 23.612,25 R$ 7.083,68 R$ 8.264,29 R$ 8.264,29
Encargos (155%) 155,00% R$ 36.599,00 R$ 10.979,70 R$ 12.809,65 R$ 12.809,65

MATERIAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
À vista (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97
30 dias (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97

IMPOSTOS
Imediatos (8,95%) 8,95% R$ 3.893,25 R$ 4.542,13 R$ 4.542,13
30 dias

Desembolso Mensal -R$ 16.115,36 -R$ 38.812,64 -R$ 46.041,13 -R$ 27.888,74 -R$ 4.542,13
Recebimento R$ 145.000,00 R$ 43.500,00 R$ 50.750,00 R$ 50.750,00
Saldo/ Deficit Mensal -R$ 16.115,36 -R$ 38.812,64 -R$ 2.541,13 R$ 22.861,26 R$ 46.207,88
Saldo/ Deficit Acum. -R$ 16.115,36 -R$ 54.928,01 -R$ 57.469,13 -R$ 34.607,88 R$ 11.600,00
83

Tabela 05 - Fluxo De Caixa - Recebimento Após 90 dias da Execução da Etapa

SERVIÇOS % totais MÊS 01 MÊS 02 MÊS 03 MÊS 04 MÊS 05 MÊS 06


DESEMBOLSO 30% 35% 35%

PESSOAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
Salários R$ 23.612,25 R$ 7.083,68 R$ 8.264,29 R$ 8.264,29
Encargos (155%) 155 % R$ 36.599,00 R$ 10.979,70 R$ 12.809,65 R$ 12.809,65

MATERIAL (50%) R$ 72.500,00


Total - (lucro+imposto) -16,95% R$ 60.211,25 R$ 18.063,38 R$ 21.073,94 R$ 21.073,94
À vista (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97
30 dias (50%) 50,00% R$ 30.105,63 R$ 9.031,69 R$ 10.536,97 R$ 10.536,97

IMPOSTOS
Imediatos (8,95%) 8,95% R$ 3.893,25 R$ 4.542,13 R$ 4.542,13
30 dias

Desembolso Mensal -R$ 16.115,36 -R$ 38.812,64 -R$ 42.147,88 -R$ 27.239,87 -R$ 4.542,13 -R$ 4.542,13
Recebimento R$ 145.000,00 R$ 43.500,00 R$ 50.750,00 R$ 50.750,00
Saldo/ Deficit Mensal -R$ 16.115,36 -R$ 38.812,64 -R$ 42.147,88 R$ 16.260,13 R$ 46.207,88 R$ 46.207,88
Saldo/ Deficit Acum. -R$ 16.115,36 -R$ 54.928,01 -R$ 97.075,88 -R$ 80.815,75 -R$ 34.607,88 R$ 11.600,00
84

Nas tabelas que contêm os fluxos de caixa das três condições de


pagamento, foram feitas as seguintes considerações: os salários entraram como
despesa no mês referente à execução da etapa, mas os encargos sociais no mês
seguinte; os materiais foram comprados com pagamento de 50 % à vista e 50 %
para trinta dias.
Observa-se que o lucro, que é o resultado final da diferença entre receitas
e despesas acumulada, será o mesmo nas três situações: R$ 11.600,00, que
representa exatamente 8 % do valor da obra: R$ 145.000,00.
Se o custo de capital não for levado em conta, qualquer que seja o fluxo de
caixa, o lucro sempre será o mesmo. O que acontece em licitações de obras é
exatamente isso, não se considera que o atraso de pagamento é um fator que
influencia no preço final da obra. Se todas as empresas, baseado no histórico do
Órgão Público que licita, consideram nos seus custos indiretos o atraso de
pagamento, a Administração pagará mais caro pela obra, mesmo que o
pagamento seja feito em dia, pois o custo já foi computado pela vencedora em
seu BDI (Bônus e Despesas Indiretas). Caso alguma empresa se arrisque mais, o
atraso no pagamento poderá causar prejuízo à Contratada, podendo causar
atrasos, paralisação e queda de qualidade no produto final, trazendo, da mesma
forma, um prejuízo aos cofres públicos.
Para ilustrar o problema considera-se uma TMA (Taxa Mínima de
Atratividade) de 5 % ao mês. Percentual médio razoável, pois obras desse porte
permitem que pequenas empresas participem da licitação e que, muitas vezes,
não têm acesso a boas taxas de juros. Para um contrato de R$ 145.000,00, uma
empresa deverá ter um Capital Social ou Patrimônio Líquido de pelo menos R$
7.250,00 (5% do valor estimado para contratação) para atender a qualificação
econômico-financeira prevista no edital, de acordo com o Art. 31, Parágrafo 2º da
Lei 8.666/93.
Ao se aplicar uma TMA de 5 % nos três fluxos de caixa, será obtido os VPL
(Valor Presente Líquido) para cada situação, conforme planilhas a seguir:
85

Tabela 07 - Cálculo dos VPL para cada caso

MÊS FLUXO P/30 DIAS MÊS FLUXO P/60 DIAS MÊS FLUXO P/90 DIAS

1 R$ (16.115,36) 1 R$ (16.115,36) 1 R$ (16.115,36)

2 R$ 794,11 2 R$ (38.812,64) 2 R$ (38.812,64)

3 R$ 4.060,00 3 R$ (2.541,13) 3 R$ (42.147,88)

4 R$ 22.861,26 4 R$ 22.861,26 4 R$ 16.260,13

5 R$ - 5 R$ 46.207,88 5 R$ 46.207,88

6 R$ - 6 R$ - 6 R$ 46.207,88

TMA = 5,00% TMA = 5,00% TMA = 5,00%

VPL = R$ 8.071,88 VPL = R$ 2.379,09 VPL = R$ (3.042,63)

LUCRO = 5,57% LUCRO = 1,64% LUCRO = -2,10%

No fluxo de caixa para trinta dias, situação comum em Órgãos Públicos, o


resultado real do investimento da empresa "A" é de apenas R$ 8.071,88, que
representa 5,57 % do valor contratado. Para pagamentos a sessenta dias, o lucro
real cai ainda mais: R$ 2379,09, apenas 1,64 % do valor de contrato. Quando a
situação chega a atrasos de noventa dias, a o prejuízo será de R$ 3.042,63,
apesar do resultado absoluto final do fluxo de caixa continuar em R$ 11.600,00.
Baseado no estudo desta simulação, pode-se obter a seguinte conclusão: o
planejamento dos gastos Públicos, aliado a confiança dos licitantes nos
cronogramas de desembolso apresentados na fase de divulgação do edital,
poderiam reduzir os custos das obras públicas. O prejuízo aos cofres públicos não
se dá apenas financeiramente, o custo social de uma obra inacabada é difícil de
ser mensurado, podendo se refletir em diversos campos da sociedade: crianças
sem escola, doentes sem hospital e operários sem emprego.
86

8.2 ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DO CRONOGRAMA FINANCEIRO PARA A OBRA PÚBLICA

De acordo com a lei 8.666/93, o critério para análise de propostas varia


conforme o tipo de licitação. Para obras e serviços de engenharia que não sejam
de grande vulto e dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada, o tipo
obrigatório de licitação é o de "menor preço" (Art. 46, parágrafo 3º).
Talvez por faltar uma estrutura de fiscalização mais eficiente, o regime de
execução mais utilizado é a "empreitada por preço global", pois a "empreitada por
preço unitário" exige uma presença maior do fiscal na obra, com uma melhor
qualificação, para o fiel apontamento dos serviços realizados.
Quando o Órgão Público define no edital que a licitação será do tipo
"menor preço" com o regime de execução "empreitada por preço global", parece o
mais viável para atender às necessidades da Administração Pública. Mas esta
forma de licitação, muito empregada nas obras públicas, permite manobras por
parte da contratada para obtenção de vantagens.
Considerando uma situação hipotética: o licitante da empresa "B" observa,
ao analisar o Orçamento Público, que os recursos disponíveis para uma
determinada obra não serão totalmente atendidos. Isto é, há o crédito disponível
integralmente para atender toda a obra, mas os recursos serão cortados em parte
durante a sua execução.
O cronograma da obra não é previsto legalmente como exigência de
propostas, mas deverá fazer parte do contrato a ser firmado entre as partes. A
desenvolvimento de um cronograma físico-financeiro tem um comportamento de
uma curva normal, ou uma curva beta. O custo da obra cresce no início, atinge o
seu máximo próximo do meio e decresce no final do prazo de execução. Nas
obras as atividades têm suas relações de dependência bem definidas, as
fundações e estrutura são executadas no início e o acabamento e limpeza no
final, não podendo se inverter essa seqüência.
Segundo Limmer (1997, p. 56), os recursos de uma obra podem ser
distribuídos segundo uma curva de distribuição beta, sendo apresentado a seguir
um exemplo simulado com uma configuração semelhante à tabela a seguir:
87

Tabela 01 - Cronograma Esperado

MÊS PARCELAS (%)


1 3,00%
2 4,00%
3 7,00%
4 14,00%
5 22,00%
6 20,00%
7 11,00%
8 9,00%
9 7,00%
10 3,00%
TOTAL 100,00%

O Licitante que da empresa "B", com sua informação de possibilidade de


cortes no crédito da obra, resolve, para o mesmo preço global, alterar a
distribuição dos valores das parcelas de seu orçamento, aumentando o preço das
parcelas iniciais (fundações e estruturas) e reduzindo o preço das parcelas finais
(acabamento e limpeza). De acordo com a planilha abaixo:

Tabela 02 - Cronograma Alterado

MÊS PARCELAS (%)


1 22,00%
2 20,00%
3 14,00%
4 11,00%
5 9,00%
6 8,00%
7 6,00%
8 4,00%
9 3,00%
10 3,00%
TOTAL 100,00%
88

O preço global, que servirá de base para escolha da proposta com o menor
preço, não será alterado, mas a empresa "B" receberá no início da obra valores
superiores aos seus custos reais. Caso o crédito venha a ser suspenso, o
contratado terá um lucro muito maior e o Órgão Público pagará um preço mais
caro pelas etapas realizadas. Mesmo que o crédito não seja anulado, a empresa
receberá antecipadamente por serviços executados, e no pior das hipóteses, caso
desista da obra, nenhum dos outros participantes aceitaria concluir a obra pelos
valores remanescentes do orçamento da vencedora, por motivos visíveis no
gráfico abaixo, onde o orçamento normal é representado pela curva beta e o
alterado por uma curva "S":

Gráfico 01 - Comparação entre os dois cronogramas

CRONOGRAMA

25,00%

20,00%
% PAGO

15,00%

10,00%

5,00%

0,00%
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
MESES

Esperado Alterado

O exemplo acima retrata a importância que o Administrador deve dar ao


Cronograma da Obra, criando dispositivos que evitem esse tipo de procedimento.
Tal artifício não deve ser considerado imoral, mas pode prejudicar a perfeita
execução do contrato.
89

8.3 ANÁLISE DO PREÇO INEXEQÜÍVEL PARA OBRAS PÚBLICAS

A Lei Nº 8666/93 não permite a contratação de obras por preços


inexeqüíveis, isto é, considera-se que um valor de proposta menor que o custo da
própria obra não é vantajoso para a Administração.
Contratar uma obra por um valor muito baixo poderá resultar num prejuízo
difícil de ser mensurado. Quanto custa para os pais dos alunos que não tiveram
sua escola pública concluída dentro do prazo? Qual a conseqüência para a
Sociedade de um hospital inacabado por falência da construtora? Tais
questionamentos podem não ser respondidos com números absolutos, mas o
prejuízo existe de fato.
Apesar do tipo de licitação para obras públicas ser o de menor preço, salvo
exceções previstas na legislação, a Lei determina que propostas com preços
inexeqüíveis devem ser desclassificadas. Tal procedimento evitaria o prejuízo pro
falta de conclusão.
Antes da alteração da Lei de Licitações através da Lei 9.648/98, a grande
dificuldade da Comissão de Licitações era desclassificar uma empresa por preço
inexeqüível, pois a falta de parâmetros para julgamento inibia os membros da
Comissão decidir contra a empresa vencedora. Uma ação judicial da empresa
desclassificada poderia atrasar o início da obra. A modificação da Lei passa a
definir um critério matemático para definir o que é preço inexeqüível, como pode
ser observado no Artigo 48, da lei 8.666/93:

"Art. 48. Serão desclassificadas":


I - as propostas que não atendam às exigências do ato
convocatório da licitação;
II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido
ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim
considerados aqueles que não venham a ter demonstrado sua
viabilidade através de documentação que comprove que os
custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que
os coeficientes de produtividade são compatíveis com a
execução do objeto do contrato, condições estas
necessariamente especificadas no ato convocatório da
licitação. .
§ 1° Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo,
90

consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de


licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia,
as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por
cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a
50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela Administração,
ou
b) valor orçado pela Administração.
§ 2° Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior
cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por
cento) do menor valor a que se referem às alíneas "a" e "b",
será exigida, para assinatura do contrato, prestação de
garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1° do
art. 56, igual à diferença entre o valor resultante do parágrafo
anterior e o valor da correspondente proposta."
.

Para explicar o funcionamento da regra, será usado um exemplo numérico


hipotético:
Em uma licitação, após análise dos envelopes de habilitação, foram
abertos os envelopes das propostas técnicas e observados os seguintes valores:

Tabela 01 - Relação de Empresas e Valores das Propostas

Ordem Empresa Propostas


1º A R$ 140.000,00
2º B R$ 170.000,00
3º C R$ 195.000,00
4º D R$ 250.000,00
5º E R$ 255.000,00
6º F R$ 290.000,00
7º G R$ 310.000,00

Considerando que o orçamento do edital tem um valor global de R$


300.000,00, pode-se determinar quais as empresas que serão desclassificadas
por preço inexeqüível:
- 70% do valor orçado pela Administração: 0,70 x 300.000,00 = 210.000,00.
- Média das propostas superiores a 50% do valor orçado pela
Administração: 50% = 0,5 x 300.000,00 = 150.000,00 => Média = (170.000,00 +
91

195.000,00 + 250.000,00 + 255.000,00 + 290.000,00 + 310.000,00) /6 =


245.000,00.
- 70 % da média = 0,70 x 245.000,00 = 171.500,00
Como o menor valor entre os dois é de R$ 171.500,00, ele passa a ser o
limite mínimo para essa licitação. Logo as propostas das empresas "A" e "B"
devem ser desclassificadas e a vencedora é a empresa "C", com uma proposta
de R$ 195.000,00.
A Lei determina também que deve ser fornecida, pelo vencedor, uma
garantia adicional quando o valor da proposta, apesar de exeqüível, ainda
apresente algum risco para a Administração Pública. Essa faixa de risco está
entre os 70% e 80% do menor dos valores do Artigo 48, inciso II, § 1°, alíneas a)
e b).
Dentro do exemplo numérico, essa faixa seria entre R$ 171.500,00 (70%) e
R$ 196.000,00 (80%). Como a vencedora se inclui nessa faixa, ela deve pagar a
garantia adicional, no valor da diferença entre 196.000,00 e 195.000,00, isto é R$
1.000,00.
Apesar da Lei resolver um problema da Comissão de Licitações, por aliviá-
la da responsabilidade de decidir sobre a desclassificação de empresas com
valores muito baixos, ela não garantiu um valor justo pelo pagamento de uma
obra. Caso, hipoteticamente, um grupo de empreiteiros decida acertar preços bem
baixos em uma licitação, acerto esse ilegal, a média das propostas das empresas
baixaria o limite do valor inexeqüível e a regra não teria eficácia.
92

8.4 SUGESTÃO DE ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROPOSTAS EM LICITAÇÕES DE


OBRAS PÚBLICAS

Existe uma grande dificuldade, principalmente por parte das pequenas


construtoras, de se elaborar uma proposta adequada tanto aos seus interesses
quanto ao da Administração Pública. Pode-se citar algumas justificativas, tais
como: pouco tempo para estudo dos projetos e elaboração do orçamento; falta de
projetos complementares; deficiência de informações e especificações
incompletas e orçamento do edital incompleto
Quanto ao pouco tempo, a Lei 8666 define o prazo mínimo para abertura
das propostas, e não o máximo, sendo legalmente possível aumentar o tempo
para elaboração das propostas. A dificuldade dos Órgãos Públicos em estender
esse prazo está na necessidade de início e conclusão da obra dentro do mesmo
ano; no cronograma de desembolso e na disponibilidade de recursos, pois uma
obra não é uma mercadoria que se compra em uma prateleira, ela requer tempo
para se obter.
A falta de projetos complementares realmente dificulta a preparação de um
orçamento bem detalhado, que evitaria surpresas no decorrer da obra, como a
solicitação de aditivos. Mas não é uma exigência legal, considerando-se que o
projeto básico contém dados suficientes para se orçar.
A escassez de tempo não é um problema somente dos licitantes. Os
engenheiros da Administração Pública que preparam os projetos, especificações
e orçamento também não dispõem de grandes prazos para realizarem seus
trabalhos. Cabe aos participantes de licitações públicas comunicarem oficialmente
à Comissão de Licitação qualquer erro do Edital, para que as devidas
providências sejam tomadas. Muitos empreiteiros ficam melindrados em levantar
problemas na fase de licitação, com medo de sofrerem algum tipo de retaliação,
mas esta atitude prejudica a Comissão de Licitação, que não é comunicada dos
fatos e não faz as devidas correções.
A preparação correta de uma proposta é vantajosa para ambas as partes,
pois o Órgão Público terá a sua obra concluída a contento e o empreiteiro
receberá um pagamento justo pelo seu trabalho. Abaixo será apresentada a
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sugestão de um procedimento para elaboração da proposta de uma obra, que


muitas vezes não é seguido pelo Licitante:

8.4.1 Procedimentos Iniciais

A empresa que deseja participar de uma licitação pública deve adquirir, o


mais breve possível, o edital de licitação, que estará disponível na unidade
administrativa a partir do primeiro dia de divulgação.
Ao adquirir o edital, deve se informar sobre a origem do recurso e se o
numerário será rapidamente liberado após a liquidação. Procurar descobrir se as
medições serão mensais ou poderão ser em períodos menores; se sua empresa
terá liberdade para preparar o cronograma da obra. Conseguir o telefone de
contato do engenheiro responsável pelo projeto básico, pelas especificações e
orçamento, na hora de tirar dúvidas, não perderá tempo fazendo contato com a
seção de licitações, pedindo informações técnicas que provavelmente não
saberão sanar.
Chegando em seu escritório, ler atentamente todo o edital. Verificar os
projetos e as especificações e perguntar a si mesmo se sua empresa tem
condições técnicas e financeiras para executar bem a obra.
Um fato que deve ser levado em consideração: a proximidade da
conclusão da obra com o fim do exercício fiscal. Se houver qualquer imprevisto e
a obra atrasar, o pagamento das últimas parcelas será colocado em restos a
pagar. Em outras palavras, o pagamento será feito com recursos do ano seguinte,
ocasionando um período de dois a quatro meses sem recebimento. A empresa
deverá ter condições financeiras que superar esse período sem interferir na
qualidade da obra.

8.4.2 Elaboração da Proposta:

Tomada a decisão de participar da Licitação, o licitante deve reunir sua


equipe técnica e orientá-la da seguinte forma:
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Primeiro: Todos as especificações e projetos anexos deverão ser


estudados. Todas as dúvidas técnicas deverão ser retiradas diretamente com o
autor ou engenheiro responsável pelo projeto básico. Caso seja observado algum
erro no projeto ou especificação, a Comissão de Licitações deverá ser
comunicada oficialmente por escrito, para que corrija o edital e comunique a todos
os participantes.
O licitante deve marcar uma visita ao local da obra, de preferência
acompanhado de um engenheiro da Administração que tenha participado da
elaboração do Projeto Básico. Muitos empreiteiros irresponsáveis só vão ao local
da obra após a assinatura do contrato, ficando sujeitos a surpresas desagradáveis
no decorrer da obra.
Segundo: Paralelamente, caso a empresa tenha uma assessoria jurídica,
o empreiteiro solicitará a confecção da parte formal da proposta: declarações em
papel timbrado, número de cópias autenticadas, certidões negativas, atualização
cadastral e outros. Esta fase é a maior causa de desclassificação das empresas
participantes.
Será verificado se o Órgão Público exige um cadastramento antecipado
para participação de obras públicas. Os Órgãos Federais processam seus
cadastros através do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores
(SICAF), observando-se as Normas estabelecidas pelo Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado (MARE).Para se cadastrar, a
empresa deverá procurar uma Unidade Cadastradora e manter seus dados
atualizados.
Terceiro: Após a equipe técnica estudar todos os anexos, o orçamentista
levantará todos os quantitativos e fará o seu próprio orçamento, sem se basear no
orçamento do edital. Este procedimento evitará a indução ao erro. Muitas
propostas são verdadeiras cópias de orçamento, com uma redução proporcional
de preços em todos os itens. As empresas que ganham licitação desta forma
freqüentemente têm prejuízo no final da obra, isto quando conseguem chegar ao
final.
Quarto: Com o seu orçamento finalizado, ajustá-lo com o orçamento do
Edital, não se preocupando com pequenas distorções. Caso as diferenças sejam
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grandes, informar por escrito à Comissão de Licitação. O orçamento do edital é


informativo, sendo aceitável pequenas diferenças de quantitativos. Além do mais,
o que define o serviço a ser contratado não é o orçamento, mas sim as
especificações e projetos. (A Comissão pode alegar que um serviço não previsto
no orçamento, mas que conste nas especificações e projetos, está embutido em
alguma composição de custos).
Algumas Unidades Administrativas não apresentam o Orçamento da Obra
em seu Edital de Licitação, contrariando o que determina a Lei n.º 8.666 em seu
Artigo 7º, parágrafo Segundo, inciso II, e parágrafo Quarto.
Quinto: Com o seu preço já definido, finalizar a parte formal e entregar a
documentação dentro do prazo previsto, muitas unidades administrativas não
aceitam propostas fora do horário. Uma revisão em toda a documentação é
importante, para evitar a desclassificação por possíveis erros.
Tecnicamente as falhas são poucas, pois o orçamento apresentado no
Edital serve como base para elaboração das propostas e a diferença de
quantitativos não pode ser considerada como erro. As falhas mais comuns são
na parte formal da proposta, tais como: Não assinatura de todas as folhas da
proposta pelo representante legal; não assinatura do orçamento pelo responsável
técnico da empresa; não cumprimento dos prazos legais de cadastramento e
apresentação das propostas; erros de digitação e falta de documentos na
proposta, como Ficha Técnica, Declarações e outros.

8.4.3 Conseqüências De Uma Proposta Mal Elaborada

Uma proposta mal elaborada prejudica não só o interesse público, como


também o licitante. Se o vencedor apresentou um preço muito baixo e se recusar
a assinar o contrato ou não honrá-lo, ele fica impedido de participar de licitação
pública por dois anos, além de prejudicar a imagem da empresa.
Podemos resumir as conseqüências em três situações distintas: orçamento
muito alto e perda da licitação; desclassificação por falhas na proposta ou preço
muito baixo e prejuízo para a empresa.

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