Lógica Do Razoável

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LÓGICA DO RAZOÁVEL. UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DE SUA


RACIONALIDADE

SUMÁRIO

1. Introdução

2. O pensamento de Luis Recaséns Siches.


2.1 O surgimento do conceito “Lógica do Razoável”: contexto
histórico.
2.2 Uma breve descrição da Lógica do Razoável.
2.3 Existe racionalidade na razoabilidade de Recaséns Siches?

3. O conceito Racionalidade na Teoria da Argumentação Jurídica


Contemporânea.

4. Conclusão
2

INTRODUÇÃO

Os estudos pioneiros dos jusfilósofos Theodor Viehweg, na Alemanha


(Tópica e Jurisprudência, 1953) Luís Recaséns Siches (Por uma Nueva
Filosofía de la Interpretatión del Derecho, 1956), no México e Chaïm Perelman,
na Bélgica (Nova Retórica. Tratado da Argumentação, 1958) instituíram uma
nova maneira de pensar, interpretar e viver o Direito, na qual ganhou particular
relevo a Teoria da Argumentação.
De maneira fundamentada, esses autores – entre muitos outros, aliás,
que foram se manifestando de modo semelhante – verbalizaram, com
preocupação e cuidados teoréticos, os limites da Lógica Formal, em especial a
dedutiva, para explicar o fenômeno jurídico, assim como para criar parâmetros
à correta aplicação das normas e, sobretudo, para adequadamente
fundamentar as decisões e posições assumidas sobretudo por julgadores,
quando da solução dos problemas jurídicos reais a que a complexidade da vida
dá ensejo.
Para isso, eles voltaram sua atenção aos clássicos da Antiguidade, no
sentido de uma revalorização, um renascimento, mesmo, da Retórica, em
termos contemporâneos, debruçando-se particularmente sobre a Dialética e a
Arte Retórica de Aristóteles (Perelman), assim como sobre a sua Tópica
(Viehweg), como valioso instrumental para a prática argumentativa.
O objetivo deste estudo é proceder a uma apreciação crítica, sob o
ângulo de sua racionalidade, de trabalho de um desses autores – Recaséns
Siches – inclusive considerando o decorrer de cinco décadas desde aquelas
primeiras publicações.
Para tanto, pretendo efetuar um breve relato, com base especialmente
no livro acima mencionado, que trata em minúcia do tema Lógica do Razoável -
a meu ver, a mais original e importante contribuição de seu autor, Recaséns
Siches, ao estudo da Lógica e Metodologia jurídicas contemporâneas - ao
mesmo tempo, buscando assinalar os pontos que se me afiguraram relevantes
para responder as indagações que deram origem a esta pesquisa (1).

_________________________________________
(1)
RECASÉNS SICHES,Luis. Nueva Filosofía de la Interpretatión del Derecho. 2ª edição.México: Porrúa,
1973.
3

Necessário também se faz proceder à caracterização do termo


“racionalidade” no contexto da argumentação jurídica.
Sendo tal tarefa de imenso porte, buscarei estipular esse significado de
racionalidade socorrendo-me de fontes contemporâneas, em especial, de um
trabalho do livro Argumentação e Estado Constitucional, valiosa coletânea de
ensaios e artigos, publicada em 2012, que cuida da matéria em apreço.

2. O PENSAMENTO DE LUIS RECASÉNS SICHES

2.1 o surgimento do conceito “lógica do razoável”: contexto histórico

Após a Segunda Guerra Mundial, evidencia-se a consciência no


mundo jurídico da insuficiência da ideia de Direito, como um sistema fechado
de normas, e do mero emprego do silogismo quando da aplicação da lei aos
fatos, ou seja, para a solução dos conflitos pelo Direito, em especial quando
submetidos à apreciação do Poder Judiciário.
Ao mesmo tempo, sobrevive a convicção da importância da existência
e observância das leis, a reger e disciplinar as relações sociais, a garantir
objetividade dos julgadores, assim como ganham relevo as ideias de
supremacia da Constituição e efetividade à proteção da dignidade humana. A
supremacia da Constituição consolida-se como parâmetro interpretativo.
Surge daí o desafio de conciliar essas realidades aparentemente
contraditórias na Ciência, na vida do Direito: a obediência às leis versus a
busca da realização do valor justiça.
Vários pensadores – jusfilósofos - em diferentes países do mundo
ocidental dedicam-se a estudar tal fenômeno e a enfrentar o desafio de superar
as aludidas limitações de modo compatível com a observância das leis e dos
princípios constitucionais.
Como nos recorda Chaïm Perelman, in Lógica Jurídica(2), modernas
concepções do Direito repudiaram a idéia de que ele fosse mero sistema
fechado de normas. Perelman procede à crítica ao positivismo e à escola
sociológica, da maneira a seguir esboçada:

__________________________________________
(2)
PERELMAN, Chaïm. LÓGICA Jurídica. Trad. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp 91 e ss.
4

Positivismo: entendido como concepção meramente dedutiva da


aplicação da lei ao fato, predominante no pensamento jurídico até a Segunda
Guerra Mundial (1939 – 1945), pois elimina do Direito qualquer referência à
ideia de justiça e, da Filosofia, à ideia de valores.
Entretanto, mesmo nesse positivismo, são reconhecidas vantagens:
objetividade, impessoalidade e eliminação de arbitrariedade.
Escola Funcional ou Sociológica: preconiza, em resumo, que o Direito
não se assimila a um sistema (dedutivo), mas é a expressão de realidades
sociais, econômicas e políticas.

Em situações de normalidade, tal concepção funciona a contento,


porque a prática jurídica caminha paralelamente aos costumes e instituições
sociais e culturais, o que já não ocorre em situações de exceção.
Inconveniente dessa concepção teórica do Direito: dissociação de parâmetros
legais e da segurança jurídica, a propiciar o subjetivismo nas decisões judiciais,
o que pode desaguar no arbítrio.
Ora, com o advento do nazismo, torna-se inviável a tese de que “lei é lei”
e o juiz deve sempre a ela conformar-se (citando Radbruch).
Verifica-se, no pensamento jurídico, reação antipositivista expressiva,
especialmente na Alemanha.
Eis, em síntese, algumas características gerais dessa reação, na
perspectiva de Perelman:
- impossível identificar direito simplesmente com a lei – há princípios que se
impõem a todos, mesmo que não positivados; o direito é expressão da lei, mas
também dos valores que ele deve promover;
- sendo o Poder Judiciário ligado ao Estado, permanece a ideia de segurança
jurídica: o que é justo difere do que parece justo a um único indivíduo (o juiz):
- nos litígios, confrontam-se teses diametralmente opostas: a escolha de uma
delas (porque mais conforme ao direito) pressupõe a existência de uma ordem
jurídica.
5

Nesse contexto, desenvolvem-se as então chamadas “LÓGICAS DO


CONCRETO”, cujos defensores esmeraram-se em salientar a especificidade
da Lógica Jurídica, como instrumento de interpretação e aplicação do Direito (3).
Entre elas, situa-se a nossa LÓGICA DO RAZOÁVEL, desenvolvida no
México por Luís Recaséns Siches.

2.2 Uma breve descrição da Lógica do Razoável

Para ilustrar o conceito de razoabilidade, na aplicação e interpretação do


direito, em contraponto à simples racionalidade, Siches relata pitoresco
exemplo, colhido em Radbruch:

Certa vez, em uma estação ferroviária na Polônia, havia uma placa


transcrevendo uma regra da lei que lá regia os transportes ferroviários, a dizer
o seguinte: “Proibido adentrar as plataformas de embarque com cães” (em livre
tradução). Ora, um passageiro pretendeu transitar acompanhado de um urso
naquelas plataformas, no que foi barrado pelo funcionário da fiscalização.
Aquele passageiro protestou, alegando que a proibição se referia apenas a
cães, nada dizendo a respeito de ursos. Nem por isso foi atendido, pois é óbvio
– atinente ao senso comum e à razoabilidade – que a interpretação procedida
meramente no padrão da lógica racional leva a resultado absurdo. Embora a
placa nada dissesse, era evidente que, se a presença de cães era proibida nas
plataformas de embarque, a fortiori o seria a presença de ursos.
Em suma, o funcionário da estação, no seu proceder, pautou-se pelo
razoável, e não pela mera razão. Observa-se, no exemplo dado, a proteção da
lei à incolumidade, a saúde ou até a sensibilidade das pessoas, em relação aos
cães - porque alguns podem ser agressivos, podem não estar vacinados e,
ainda, certas pessoas deles têm medo ou fobia. Ora, com maior razão, essa
proteção deve ser interpretada como extensiva a animais potencialmente mais
perigosos e de maior porte, mediante o uso de analogia da espécie a fortiori.
(por razão mais forte), interpretação esta condizente com o senso comum, ou
simplesmente o bom senso, a razoabilidade, a solução aceitável, porque a
mera razão aí não resolveria satisfatoriamente o problema.
___________________________________________
(3)
MONTORO, André Franco. Estudos de Filosofia do Direito. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 151.
6

Esse exemplo bem ilustra o significado da razoabilidade de Siches, em


confronto com a simples racionalidade (abstrata, formal) a qual, na aplicação
das normas positivas, pode levar não só à injustiça, como também a situações
absurdas. Em suma: mesmo nas situações mais simples - e o exemplo dado
trata de uma situação bem simples - existem uma norma e um fato, mas a
aplicação da lei ao mesmo tempo requer uma cuidadosa avaliação dos
resultados, que não devem agredir a razoabilidade ou o bom senso(4).

Focalizando a atuação do Magistrado, ao decidir os casos concretos


colocados à sua apreciação, Siches labora uma série de considerações, com o
intuito de demonstrar que a função judicial é sempre e necessariamente
criativa, especialmente no Capítulo Quinto, item VII do seu mencionado livro
(Nueva Filosofia de la Interpretación de Derecho) .
Passo ao relato de um apanhado dessas considerações, no intuito de
demonstrar que as mesmas evidenciam a preocupação de Siches com a
racionalidade da decisão judicial, com ênfase na respectiva fundamentação ou
justificação.
Recordando que a concepção mecânica da função judicial, entendida
como simples silogismo, caíra em descrédito perante a quase totalidade do
pensamento jurídico de então, Siches sustenta que as críticas pelas várias
escolas ou correntes de pensamento evidenciaram que a obra do órgão judicial
traz sempre algo novo, que não estava contido na regra geral da lei a se
aplicar.
Em outras palavras, a função judicial é sempre e necessariamente
criativa.

Siches demonstra, em resumo, as várias dimensões da criação judicial,


à luz da experiência e das exigências axiológicas como se segue.
Analisando o que faz o juiz ao elaborar a sentença, observa-se que,
necessariamente, a função jurisdicional implica em valorações. Portanto a
sentença contém valorações e ela mesma é um juízo axiológico.

____________________________________________________________________________________________
(4)
STEVENSON, Ritinha. Peculiaridades da Lógica Jurídica Contemporânea. (RE)PENSANDO O DIREITO.
Estudos em homenagem ao Prof. Claudio de Cicco. São Paulo: RT, 2011, p. 274.
7

No exercício de sua jurisdição, pode o juiz, ao sentenciar, encontrar as


seguintes situações:

A. Parece haver uma norma vigente e clara que se aplica ao caso em questão,
levando a solução satisfatória.
Em tal situação, o magistrado procede a vários juízos axiológicos, a
saber:
- ele elege a premissa maior, ou seja, a norma aplicável à solução do litígio;
- aprecia as provas e qualifica os fatos;
- conjuga o sentido abstrato da norma com o significado concreto do caso.
O verdadeiro cerne da função judicial, ensina Siches, está na eleição das
premissas, o que supõe juízos valorativos.
Deve o juiz buscar a norma que conduza aos efeitos pelo legislador
queridos, almejados; este também enfrentou tarefa valorativa e seu ato de
vontade baseia-se nas valorações que adotou.
A decisão final – sentença – contém múltiplas valorações entrelaçadas
mutuamente. Tudo se dá num processo unitário.

B. Há mais de uma norma da mesma hierarquia (com diferentes conteúdos) e


dúvida sobre qual é a aplicável.
O magistrado, segundo o autor, ensaia mentalmente o resultado e elege
a norma que leve à situação mais satisfatória, mais justa.

C. Parece haver uma norma aplicável.


Entretanto, o ensaio mental de sua aplicação leva a situação contrária ao
resultado querido pelo legislador (à mens legislatoris), ou seja, a situação
contrária à equidade.

D. Não há no direito positivo qualquer norma aplicável ao caso concreto.


Nesse caso, segundo Siches, trata-se de autêntica lacuna. O juiz deve
procurar nova pauta axiológica até então inexistente no Direito (no
ordenamento posto).
8

Para solucionar as situações designadas como “B”, “C” e “D”, o


Magistrado vai socorrer-se de pautas axiológicas.
Tais valorações, na visão do autor, não constituem a projeção de critério
axiológico pessoal do juiz; ao contrário – “ocorre e, assim deve ser” – o juiz
utiliza os critérios valorativos (a que o autor designa pautas axiológicas)
justamente consagrados na ordem jurídica positiva.
Em casos muito complexos, ele procura uma hierarquia de valores sobre
os quais se funda a ordem jurídica. O magistrado serve-se desses critérios
hierárquicos para resolver o caso concreto.
Assim age também para eleger uma entre várias normas aplicáveis.
Observo, en passant, que a aludida hierarquização de valores
corresponde, em princípio, à própria hierarquia que se observa entre as normas
de determinado ordenamento. A hierarquia, entretanto, pode-se verificar no
âmbito de uma mesma norma e até da Constituição, no meu entender. À
primeira vista, a Constituição não comportaria tal hierarquização, dada a
peculiar suprema eficácia de todos os seus preceitos. Mas pode-se
perfeitamente sustentar que Constituições parcialmente flexíveis atribuem mais
robusta eficácia às normas que contêm as chamadas cláusulas pétreas,
imutáveis. Relevante notar que a vigente Constituição brasileira, desde sua
primeira edição, erigiu “Os direitos e garantias fundamentais” entre suas
cláusulas imutáveis (art. 60, § 4º, IV) .
Retornando ao texto em exame, Siches indica que o juiz age daquela
mesma forma, quando da resolução de antinomias ou contradições na lei e
suas ambiguidades.
Siches nomeia, então, as pautas axiológicas em que vai se basear o
magistrado, para a solução de tais casos complexos:
- valores do ordenamento positivo;
- equidade;
- crenças e convicções sociais, usos e costumes;
. - estimativas pessoais do juiz;
- Direito Natural.
9

Ora, no caso de constatação de uma autêntica lacuna, para preenchê-la,


o juiz deve buscar nova pauta axiológica que até então não se incorporara ao
ordenamento positivo.

Esquema do procedimento do raciocínio judicial


Citando o juiz norte-americano Hutcheson, Siches chega à conclusão de
que, depois de muito estudar os elementos do processo, o pensamento do juiz
segue, em regra, o seguinte modelo (pelo menos, em casos de grande
complexidade e de difícil solução):
- primeiro ele encontra a solução pertinente e justa (mediante a atuação de sua
intuição criativa do justo) – essa descoberta ele denomina com o saboroso
neologismo “corazonada”;
- depois é que ele vai buscar a norma busca a norma que pode basear essa
solução e qualificar adequadamente os fatos pertinentes.
Recorda o autor que, etimologicamente, “sentença” deriva de “sentir”.
É caso da atuação da intuição emocional do justo. Assim, o “novo”
encontra-se,sobretudo, na intuição heurística, enquanto instrumento para
encontrar as premissas.

Conclui Recaséns Siches que o referido tipo de solução judicial será


pertinente, adequada, justa e objetivamente correta – o que significa que ela se
baseia na Lógica do Razoável.
Em outras, palavras, objetivamente, tal solução está inserida no sistema,
e está fundamentada no saber, i.e., na lógica, do que é humano e razoável.

2.3 Existe racionalidade na razoabilidade de Recaséns Siches?

Ao delinear sua idéia de “Razoabilidade” no Direito, Siches sustenta que


esta representa uma forma especial, humana, de racionalidade.
Na obra ora em comento, Nueva Filosofia de la Interpretación del
Derecho, seu autor analisa e busca esclarecer o significado da expressão,
enfatizando justamente o caráter racional da referida razoabilidade.
10

A seguir, passo a abordar algumas das manifestações do autor nessa


obra – lançada, por primeiro, em 1956 e, em segunda edição, em 1973 – por
pertinentes ao tema do presente estudo.

No Capítulo Segundo, Siches sustenta que a Lógica Material do Direito


– i.e. a lógica dos conteúdos das disposições jurídicas – é diferente da lógica
tradicional (vale dizer, formal) (5).
Trata-se do saber do que é humano – a Lógica do Razoável – que,
diferentemente da Lógica do Racional (que serve para a Matemática e Ciências
stricto sensu), é uma Lógica adequada para resolver os problemas humanos
práticos.
Ora – observo – é cediço que a Lógica Material não deixa de integrar
Lógica, nos termos da divisão primeira do conceito, apresentada por
Aristóteles, seu criador.
No capítulo Terceiro, o autor enfatiza que a lógica formal nem
remotamente esgota a totalidade do logos, da razão.
Além da LÓGICA do RACIONAL, (leia-se stricto sensu, da inferência
formal), há outras regiões que pertencem igualmente à Lógica, mas são de
natureza muito diversa daquela da Lógica do Racional.
Entre essas regiões do logos ou da razão, existe o âmbito do logos dos
problemas humanos práticos de conduta, i.e., do logos do razoável.
O logos do razoável, concernente aos problemas humanos – e, pois,
aos problemas políticos e jurídicos – busca entender sentidos e nexos entre os
significados, realizando valorações e estabelecendo finalidades. (6)
O Direito “perfeito” – ou seja, concluído, acabado – é somente o das
normas individualizadas, nas sentenças judiciais ou nas decisões
administrativas.

Sustenta Siches que a existência humana não pode ser compreendida


mediante o instrumental teórico (categorias e métodos) usados na explicação
dos fenômenos da natureza ou das ideias puras (v.g. a matemática).

_______________________________________________
(5)
Ob. Cit., p. 53.
(6)
Idem, pp 278/279.
11

Ora, as realidades históricas estão impregnadas de sentidos ou


significados.

As Normas do Direito são instrumentos práticos, elaborados e


construídos pelos homens, para produzirem certos efeitos na realidade social.
A lógica formal, como visto, não esgota a totalidade do logos, ou razão,
mas é apenas um setor do logos ou razão. Há outras regiões que pertencem
igualmente à lógica, entre elas o âmbito do LOGOS DO RAZOÁVEL onde se
situam os problemas humanos de ordem prática.
Em resumo, a lógica formal não é instrumento adequado para a solução
dos problemas humanos práticos, entre eles os políticos e os jurídicos.
Ademais, os valores básicos – dentre os quais releva a Justiça - não
pertencem ao campo do racional. Ainda que sejam objetivamente válidos, são
conhecidos mediante uma intuição intelectiva.

Encerrando, o autor sintetiza as principais características de LÓGICA


DO RAZOÁVEL ou “Lógica da Ação Humana” (7):
- Está circunscrita e condicionada pela realidade concreta do mundo em
que opera, vale dizer, está condicionada pela realidade histórico-social e
particular, em que vigoram as normas jurídicas.
- Está impregnada de valorações e critérios axiológicos (dimensão por
completo alheia à Lógica Formal).
- Tais valorações são concretas, i.e., referem-se a uma determinada
situação humana e a uma certa constelação social, razão pela qual devem
levar em conta todas as possibilidades e limitações reais.
- As valorações constituem a base para a formulação de propósitos e finalidades.
- Estes, por sua vez, condicionam-se às possibilidades oferecidas pela
realidade social concreta.
- A Lógica do Razoável rege-se por razões de congruência ou
adequação, entre a realidade social e os valores, bem como entre os valores e
os propósitos e fins (valiosos e adequados) e entre os fins e os meios, no
tocante à eficiência destes para alcançar aqueles e, ainda, no que diz respeito
à correção ética dos meios.
- Por conseguinte, a Lógica do Razoável orienta-se pelos ensinamentos
extraídos da experiência histórica e da vida humana.
________________________________________________
(7)
Ibidem, pp 287/288.
12

A produção dos conteúdos jurídicos, tanto das regras gerais, como das
individualizadas, deve reger-se pela lógica do humano e do razoável.
Os julgadores – nos âmbitos judicial e administrativo – devem ater-se
aos critérios adotados pelo Direito formalmente válido e vigente. Eles
prosseguem no processo de produção do Direito empreendido pelo legislador.
Concluindo, todo o exposto, a meu ver, evidencia o caráter racional da
Lógica do Razoável e, por extensão, da racionalidade presente na
razoabilidade da doutrina de Recaséns Siches – respondendo afirmativamente
à indagação acima.
Mas certamente, neste passo, faz-se necessário algum esclarecimento
sobre o atual significado de racionalidade na Teoria da Argumentação Jurídica.

3. O CONCEITO RACIONALIDADE NA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO


JURÍDICA CONTEMPORÂNEA

Na busca de esboçar um conceito atual de racionalidade,


especificamente na argumentação jurídica, de modo a apoiar o entendimento
acima delineado, baseei-me, principalmente, no estudo elaborado por Alfonso
García Figueroa, UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO DA TEORIA DA
ARGUMENTAÇAO JURÍDICA, publicado na coletânea de artigos e ensaios
intitulada ARGUMENTAÇÃO E ESTADO CONSTITUCIONAL .
O tema é deveras amplo e apresenta variados aspectos, a ensejar
diferentes abordagens. Dessa circunstância, decorre a necessidade da sua
delimitação, estabelecendo-se alguns pressupostos, de modo a viabilizar a
reflexão sobre a presença, ou não, de racionalidade na teoria jurídica
elaborada por Recaséns Siches.
Não é pretensão deste trabalho esgotar tema de tamanha extensão e
complexidade, mas apenas, mediante a estipulação do sentido com que uso,
aqui, o termo racionalidade, torná-lo suficientemente claro, para atingir o
objetivo desta pesquisa.
Emprestando a perspectiva semiológica adotada por Tércio Sampaio
Ferraz, ao conceituar Direito, no Capítulo inicial de sua Introdução ao Estudo
do Direito, assinalo que racionalidade, sob o ponto de vista semântico, é termo
13

conotativamente ambíguo (ou plurívoco) e denotativamente vago –


considerado, por mim, tal atributo, na acepção de Genaro Carrió, que considera
decorrer a vagueza da textura aberta das palavras.
Sendo assim, considerei que o tratamento ao tema da racionalidade na
argumentação jurídica, aqui conferido por Figueroa, bastante funcional para
proceder à estipulação de sentido por mim pretendida.
Para Figueroa, a racionalidade no âmbito jurídico constitui premissa
fundamental para a formulação de uma Teoria da Argumentação Jurídica. A
racionalidade no discurso jurídico é objetivo e pressuposto de uma tal teoria.
Ora, se não fosse possível discutir racionalmente questões jurídicas, nos
encontraríamos no mundo das preferências pessoais e caprichos, e sobre
gostos, não se discute nem se argumenta (8).

Mas o autor assinala existir muito ceticismo ante um enfoque racional do


Direito, problema, aliás, mais amplo que, de longa data, o afeta: o problema do
status científico do conhecimento das ciências sociais, no dizer de Figueroa,
também chamadas culturais, hermenêuticas, humanas, do espírito ou
simplesmente humanidades.

A história do pensamento jurídico, por sua vez, constitui, em parte, a


história da luta entre as concepções do Direito como expressão de vontade
(neste contexto, com o sentido de força) e como expressão de razão.

Por exemplo, no pensamento jurídico medieval, temos, de um lado,


Duns Scot ou Guilherme de Ockham, a sustentar que Direito é expressão da
vontade de Deus. Em contrapartida, para Santo Tomás de Aquino, o Direito é
uma expressão de racionalidade: “(Direito é) ordenação da razão dirigida ao
bem comum por aquele que tem seu encargo o governo da comunidade.”
(grifei)
Posteriormente, com o florescimento do racionalismo (séculos XVII e
XVIII) e a secularização de valores, veremos o advento do jusnaturalismo
racionalista de Grocio, que se estendeu a Pufendorf e a Leibniz.

____________________________________________
(8)
Uma primeira aproximação da Teoria da Argumentação Jurídica, in Argumentação e Estado
Constitucional, Ícone, S. Paulo, 2011. pp 27/28
14

Tal posicionamento projeta-se rumo ao Iluminismo e encontra uma de


suas manifestações mais completas na Teoria do Direito de Kant.

Em suma, nesse período, o Direito é concebido como um sistema


normativo de caráter racional, o qual se opõe ao empírico, ao histórico, ao
divino.

Mais tarde, aquela “hegemonia” da razão vê-se afastada, seja por uma
vontade soberana, seja por condições ambientais nas quais o Direito nasce,
seja pela vontade geral. (9)
Quanto ao papel da racionalidade no pensamento jurídico, prossegue o
autor: “Conferir racionalidade (...) à aplicação do Direito e preservá-la da
arbitrariedade constitui o objetivo do método jurídico” . Nesse tópico, o autor
ainda cita A. Garcia Amado: “Quanto à finalidade do método jurídico, parece
existir um acordo generalizado nas doutrinas modernas, que consiste em
eliminar a arbitrariedade da prática jurídica e conseguir o maior grau de
racionalidade da mesma .”(sublinhei) (10)

Razão Jurídica, em síntese, é o “raciocínio específico do Direito que se


desenvolve basicamente (...) no momento da aplicação do Direito, da
justificação ou argumentação das decisões jurídicas” (negritei).
Considero, por estipulação, tal acepção de Razão Jurídica como um
esboço adequado do conceito Racionalidade na argumentação Jurídica.

______________________________________________
(9)
N. Bobbio, Reason in Law, pp 24/29, apud. A. G. Figueroa, ob. cit., pp 30/31.
(10)
A. G. Figueroa, ob. cit., p. 39.
15

CONCLUSÃO

A análise das anotações acima indica que a racionalidade jurídica, numa


acepção contemporânea, significa, em resumo, aplicar o Direito de modo
justificado, preservando-o da arbitrariedade.
De outro ângulo, a prática jurídica será racional se dela for eliminada a
arbitrariedade.

Constatou-se que a eliminação da arbitrariedade (do julgador,


subentende-se) se obtém mediante a objetividade na aplicação da legislação e,
sobretudo, na fundamentação da sentença.

Ora, é precisamente o que se destaca na exposição da Lógica do


Razoável, por Luis Recaséns Siches, conforme se depreende da síntese,
acima apresentada.

Ou seja, o respeito ao direito posto, paralelamente à eficiência das


decisões sobretudo judiciais, para dirimir adequadamente os conflitos, com
ênfase na relevância da dignidade humana como vetor interpretativo maior, são
características predominantes no pensamento de Recaséns Siches.

A esse propósito, em consequência, não concordo com as críticas ao


pensamento de Siches, justamente no que se refere a um suposto desdém, de
sua parte, do papel da Lógica, na aplicação do Direito.
Pois observa-se que procedimentos identificáveis com a INDUÇÃO – tema
este, em princípio, classificado como lógico - estão presentes na busca das
premissas. Após a identificação da norma, ou complexo de normas, que
constituem a premissa maior, bem como a qualificação jurídica dos fatos, que
vão compor a premissa menor, o julgador vai, pura e simplesmente, fazer uso
do chamado SILOGISMO JUDICIÁRIO, mediante a subsunção dos aludidos
fatos à norma – esta resultante das referidas operações intelectuais - que sobre
aqueles passa a incidir. Siches, como se sabe, repeliu com veemência o
“endeusamento”, assim como o uso exclusivo, da dedução no pensamento
jurídico, mas nunca negou a necessidade de sua presença na conclusão do
raciocínio judicial.

Em suma, ante os parâmetros aqui apresentados e adotados na


caracterização da racionalidade na argumentação jurídica, forçoso é concluir-
se pela racionalidade inerente à Lógica do Razoável.
16

BIBLIOGRAFIA:

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª edição. São


Paulo: Atlas, 2003.

FIGUEROA, Alfonso García. Uma Primeira Aproximação da Teoria da Argumentação


Jurídica, in Argumentação e Estado Constitucional, org. MOREIRA, Eduardo Ribeiro.
1ª edição. São Paulo: 2012.

MONTORO, André Franco. Estudos de Filosofia do Direito. 2ª edição. São Paulo:


Saraiva, 1995.

PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. Trad. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

RECASÉNS SICHES, Luis. Nueva Filosofia de La Interpretatión del Derecho. México:


Porrúa, 1973.

VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Trad. Brasília: Imp. Nacional, 1979.

Lógica do razoável. Uma apreciação crítica.

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