Doenças Crônicas e Longevidade Desafios para o Futuro

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DOENÇAS CRÔNICAS

DOENÇAS
E LONGEVIDADE:
CRÔNICAS
DESAFIOS PARA
EOLONGEVIDADE:
FUTURO
DESAFIOS PARA O FUTURO
Nome 01
Nome
José 02 de Noronha
Carvalho
Nome 03
Leonardo Castro
Paulo
NomeGadelha
04
ORGANIZADORES
ORGANIZADORES
Fundação Oswaldo Cruz

Ministra da Saúde
Nísia Trindade Lima

Presidente
Mario Santos Moreira

Vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde


Patricia Canto Ribeiro

Vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação


Cristiani Vieira Machado

Vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas


Rodrigo Correa de Oliveira

Vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde


Marco Aurelio Krieger

Diretora Executiva Adjunta de Gestão e Desenvolvimento Institucional


Priscila Ferraz Soares

Instituto de Comunicação e Informação Científica


e Tecnológica em Saúde

Diretor
Rodrigo Murtinho

Vice-diretora de Pesquisa
Mônica Magalhães

Vice-diretora de Ensino
Mel Bonfim

Vice-diretora de Informação e Comunicação


Tânia Cristina Pereira dos Santos

Vice-diretor de Desenvolvimento Institucional


Leonardo El-Warrak

Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030

Coordenador
Paulo Gadelha

Iniciativa Brasil Saúde Amanhã

Coordenador adjunto
José Carvalho de Noronha

Coordenador executivo
Leonardo Castro

Coordenadora editorial
Suelen Carlos de Oliveira
1a Edição: Edições Livres, 2023

Coordenação geral
Rodrigo Murtinho

Coordenação editorial
Mauro Campello

Capa e projeto gráfico


Mauro Campello

Revisão
Ingrid Basto Szklo
Jorge Moutinho

Diagramação
Ronieri Gomes

Fotos da capa
Amir Mohammad | Unsplash
Fred Kearney | UnsPlash
Mika Tapani | UnsPlash
Roberto Delgado | Unsplash
Salvador Scofano | Acervo Comer pra quê? | Fiocruz Imagens

Este livro foi publicado de acordo com a Política de Acesso Aberto ao


Conhecimento da Fiocruz. Os textos constantes nessa publicação podem ser
copiados e compartilhados desde que: não sejam utilizados para fins comerciais;
e, que seja citada a fonte e atribuídos os devidos créditos. Distribuição gratuita.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D651d Doenças crônicas e longevidade: desafios para o futuro / organizado


por José Carvalho de Noronha, Leonardo Castro, Paulo Gadelha. – Rio de
Janeiro : Edições Livres; Fundação Oswaldo Cruz, 2023.

337 p. : il. color. ; graf. ; tab.


ISBN: 978-65-87663-10-4
Inclui bibliografia.

1. Envelhecimento Populacional. 2. Longevidade. 3. Doença Crônica. 4.


Dinâmica Populacional. I. Noronha, José Carvalho de. II. Castro, Leonardo.
III. Gadelha, Paulo. IV. Fundação Oswaldo Cruz. V. Título.

CDD 362.6
Prospecção Estratégica do
Sistema de Saúde Brasileiro

Este livro, “Doenças Crônicas e Longevidade: Desafios para o Futuro”, organizado


pela Iniciativa Saúde Amanhã no contexto da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030,
representa mais uma contribuição, a partir da Fundação Oswaldo Cruz, ao esforço
de planejamento, definição de prioridades e estratégias políticas para o sistema de
saúde brasileiro, tendo como eixo orientador a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável das Nações Unidas (2015).

A Iniciativa “Brasil Saúde Amanhã”, rede multidisciplinar de pesquisa que investiga e


propõe caminhos para o setor Saúde desde 2010, tem por objetivo contribuir para
a atuação nacional e institucional em direção aos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável por meio da prospecção de cenários futuros para a saúde pública, em
articulação com a Estratégia Fiocruz para Agenda 2030, visando garantir melhores
condições de vida e saúde para a população brasileira e a consolidação e qualificação
do Sistema Único de Saúde (SUS).

O tema do envelhecimento populacional tem frequentado há tempos a agenda


da saúde pública no Brasil e no mundo, tendo recebido grande atenção de
epidemiologistas e demógrafos nas últimas décadas. A presente coletânea reúne
especialistas renomados e com ampla expertise sobre a temática do envelhecimento,
aqui tratada de forma abrangente e inovadora, considerando seus diversos aspectos.
Sem descurar os aportes mais recentes da epidemiologia e da demografia, o livro
incorpora importantes reflexões sobre o futuro do modelo assistencial para a
atenção aos idosos e sobre a “economia da longevidade” como possível resposta ao
envelhecimento populacional no Brasil, trazendo igualmente estudos acurados de
projeção da demanda e custos de instituições de longa permanência e do gasto em
saúde no Brasil ao longo do ciclo de vida considerando o horizonte temporal de 2040.

A presente obra é fruto do seminário homônimo organizado pelo Saúde Amanhã,


realizado remotamente nos dias 25 e 26 de abril de 2022, no qual os autores dos
diferentes capítulos apresentaram versões preliminares dos trabalhos aqui coligidos.

É com grande satisfação, portanto, que entregamos ao público este livro, que –
assim esperamos – faz jus à relevância e urgência do tema, e desejamos a todos uma
leitura tão profícua quanto prazerosa.

Paulo Gadelha
Coordenação da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030

José Carvalho de Noronha


Coordenação Adjunta da Iniciativa Saúde Amanhã

Leonardo Castro
Coordenação Executiva da Iniciativa Saúde Amanhã
AUTORES
Ana Amélia Camarano
Graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1973), Mestra em Demografia
pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975) e Doutora em Estudos Populacionais pela London
School of Economics (1995). Atualmente é Pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais
(DISOC) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Arthur Welle
Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (2016), Doutor em
Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (2022).

Dalia Elena Romero


Graduação em Sociologia pela Universidade Católica Andrés Bello (UCAB Venezuela), Mestre em
Demografia pelo Colégio de México e Doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). Atualmente é pesquisadora e chefe do Laboratório de Informação e Saúde do Instituto
de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (LIS/Icict) e coordena o Grupo
de Informação em Saúde e Envelhecimento da Fiocruz (GISE-FIOCRUZ). Atua principalmente nos
temas de indicadores e fontes de informação em saúde, envelhecimento, mortalidade e métodos
de monitoramento de políticas públicas na área da saúde.

Fernando Gaiger Silveira


Graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1986), Doutor em
Economia pela Universidade Estadual de Campinas (2008). Atualmente é Pesquisador do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada/RJ (IPEA) e Professor da Centro Universitário Unieuro/DF.

Jorge Félix
Graduação em Comunicação Social pela Universidade Gama Filho (1989), Mestre em Economia
Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009) e Doutor em Ciência Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2018). Atualmente é Professor da Universidade de
São Paulo na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP-EACH) e pesquisador associado da
Fapesp.

Karla Cristina Giacomin


Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1990), Residência e
especialização em Medicina Geriátrica pela Universidade Louis Pasteur (Strasburgo – França)
(1995), Mestra em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004) e Doutora
em Ciências da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (2008). Atualmente é Coordenadora geral
da Frente Nacional de Fortalecimento às Instituições de Longa Permanência para Idosos; Vice-
presidente do International Longevity Centre-Brazil e Membro pesquisador do Núcleo de Estudos
em Saúde Pública e Envelhecimento (NESPE-Fiocruz).
Laura de Almeida Botega
Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002), Doutora
em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2020).

Leo Maia
Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em
Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF)e Doutorando em Saúde Pública
pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ). Atualmente é pesquisador colaborador
do Grupo de Informação em Saúde e Envelhecimento (GISE) do Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (ICICT/Fiocruz). Atua principalmente nos
temas de indicadores de saúde, envelhecimento e monitoramento de políticas públicas na área
da saúde.

Luciana Mendes Santos Servo


Graduação em Economia pela Universidade de Brasília (1993), Doutora em Economia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (2020). Atualmente é Presidente do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA).

Mirian Martins Ribeiro


Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002), Doutora em
Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016). Atualmente é Professora Adjunta
da Universidade Federal de Ouro Preto.

Renato Peixoto Veras


Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1976), Mestre (1985) e Doutor
no Guy’s Hospital pela London University (1992). Atualmente é Professor titular da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade da Universidade
(UnATI/UERJ) e editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Theo Ribas Palomo


Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Pesquisador
do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades FEA/USP (MADE).
ÍNDICE DE TABEL AS, FIGUR AS E QUADROS
Capítulo 1

Gráfico 1 – Número médio de doenças crônicas da população idosa por sexo e grupos de 35
idade – Brasil.

Tabela 1 – Proporção de idosos que têm doenças crônicas por tipo de doença e sexo – Brasil. 36

Gráfico 2 – Proporção de idosos com dificuldade para as ABVDs por sexo e grupos de 37
idade – Brasil.

Tabela 2 - Proporção da população idosa com dificuldade para as ABVDs que precisa de 37
ajuda e recebe, por sexo e grupo de idade - Brasil, 2019.

Tabela 3 – Esperança de Vida ao nascer (e0) e aos 60 anos (e60). 38

Gráfico 3 – Variação absoluta no número de óbitos de idosos pelas principais causas – 39


Brasil, 2019 – 2021 (em 1000 habs).

Gráfico 4 – População de 60 anos ou mais de idade por sexo (observada e projetada), Brasil. 40

Tabela 4 – Projeção da população idosa até 2040 desagregada por sexo e grupos de 41
idade, Brasil.

Gráfico 5 – Índice de dependência do cuidado, Brasil. 42

Tabela 5 - Pessoas de 60 anos ou mais que declararam receber ajuda nas ABVDs segundo 43
o tipo de ajuda por sexo e o custo da ajuda Brasil, 2019.

Capítulo 2

Tabela 1 – Tipo e oferta de serviços de acolhimento credenciados junto ao Sistema Único 62


de Assistência Social. Brasil - 2019.

Gráfico 1 – Distribuição proporcional das 1.784 unidades de acolhimento institucional 62


para idosos, segundo a Região – Censo SUAS, 2019.

Tabela 2 – Distribuição da população idosa acolhida segundo o sexo e a faixa etária – 63


Censo SUAS 2019.
Tabela 3 – Número e proporção de unidades que aceitam acolher pessoas de acordo com 64
certas características selecionadas.

Gráfico 2 – Distribuição percentual dos profissionais que atuam em Instituições de Longa 64


Permanência para Idosos – Censo, 2019.

Figura 1 – Apresentação das etapas de planejamento e desenvolvimento do Censo FN-ILPI 2021. 68

Tabela 4 - Distribuição das Instituições de Longa Permanência para Idosos por Região, 69
população maior de 60 anos e maior de 75 anos e razão entre elas e o número de ILPI.

Tabela 5 - Distribuição do número de municípios por estado e Região e percentual de 70


municípios que contêm pelo menos uma Instituição de Longa Permanência para Idosos.

Figura 2 - Mapeamento da distribuição geoespacial das Instituições de Longa Permanência 72


para Idosos no Brasil, por município, Brasil.

Tabela 6 - Evolução no número de Instituições de Longa Permanência para Idosos conforme 73


o Censo IPEA 2008-2010 e o Censo FN-ILPI 2021.

Tabela 7 – Distribuição das Instituições de Longa Permanência para Idosos, segundo a Região. 74
Brasil 2016-2019.

Tabela 8 - Síntese dos Termos de Fomentos firmados para equipagem e manutenção das 77
Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI de 2019 a 2021.

Tabela 9 – Estimativas de custos mensais para o acolhimento em instituição de longa 79


permanência para idosos de caráter privado, com 15 residentes.

Gráfico 3 – Projeção do número de vagas e de Instituições de Longa Permanência para Idosos 91


credenciadas ao Sistema Único de Assistência Social – Brasil 2016-2036 e do número de
Instituições privadas com fins lucrativos, segundo o Censo FN-ILPI 2021 para o período 2021-2036.

Capítulo 3

Tabela 1 – População absoluta e relativa de idosos de 60 anos e mais, 65 anos e mais e 80 anos 114
e mais – Brasil: anos selecionados entre 1950 e 2100 (em mil).

Gráfico 1 – População absoluta e relativa de idosos de 60 anos e mais, 65 anos e mais e 80 115
anos e mais – Brasil: 1950 – 2100.
Capítulo 4
175
Gráfico 1 – Distribuição percentual da mortalidade geral. Brasil, 1930 a 2019.

Gráfico 2 – Percentual de óbitos de idosos e não idosos. Brasil, 1979 a 2019. 176

Gráfico 3 – Percentual dos 10 grupos de causas mais frequentes de mortalidade, segundo 177
gênero. Brasil, 2019.

Tabela 1 – Expectativa de vida e expectativa de vida aos 60 anos, segundo sexo e total, Brasil. 178

Tabela 2 – Idade média à morte e desvio padrão segundo raça/cor – Brasil, 2019. 179

Gráfico 4 – Número de óbitos de pessoas idosas segundo grupos de causas – Município do 180
Rio de Janeiro, 2010 a 2021.

Gráfico 5 – Percentual mais frequente de internações entre pessoas idosas, segundo gênero. 181
Brasil, 2019 a 2020.

Tabela 3 – Prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis em pessoas idosas segundo 183


gênero e total. Brasil, 2019.

Tabela 4 – Percentual de idosas que nunca realizaram exame de mamografia, de internações e 184
de óbitos de idosas por câncer de mama, segundo regiões. Brasil, 2013 e 2019.

Figura 1 – Interações entre os componentes da CIF. 187

Tabela 5 – Prevalência de idosos com incapacidade funcional para as atividades básicas e 189
instrumentais da vida diária segundo região e gênero. Brasil, 2019.

Gráfico 6 – Prevalência de problema crônico de coluna, segundo faixa etária. Brasil, 2013. 190

Figura 2 – Domínios-chave da capacidade intrínseca. 193

Tabela 6 – Prevalência de sintomas depressivos e perda de vitalidade entre pessoas idosas. 195
Brasil, 2019.

Figura 3 – Três trajetórias hipotéticas de capacidade física. 197

Tabela 7 – Prevalência de alguma deficiência visual, auditiva, locomotora ou mental entre 200
pessoas idosas, segundo região e gênero. Brasil, 2019.
Gráfico 6 – Prevalência de estado de ânimo muito ruim, alguma deficiência (auditiva, 201
visual, mental ou locomotora) e 3 ou mais doenças crônicas não-transmissíveis na
população idosa, segundo grupos etários. Brasil, 2019.

Figura 4 – Quadro de implementação ICOPE. 207

Figura 5 – Quadro da saúde pública para o envelhecimento saudável e oportunidades 208


para a saúde pública.

Gráfico 7 – Cobertura de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e taxa de Internações por 213
Condições Sensíveis à Atenção Primária (ICSAP) da população idosa no estado do Rio de
Janeiro, 2008 – 2019.

Capítulo 5

Quadro 1 – Comparativo básico Ceis e do Ceisac. 252

Capítulo 6

Figura 1 – População por idade, segundo sexo, em 2020 e projeções para 2040, Brasil. 291

Tabela 1 – Gastos com saúde segundo função de cuidado e tipo de financiamento 296
– Brasil, 2019.

Quadro 1 – Fontes de dados utilizados por etapa e grupos funcionais. 298

Figura 2 – Distribuição (%) dos gastos por idade e sexo, segundo grupos funcionais e 302
tipo de financiamento – Brasil, 2019.

Figura 3 – Gasto per capita (mil), segundo idade, sexo, grupo funcional e tipo de 304
financiamento – Brasil, 2019.

Figura 4 – Distribuição (%) da população por idade e sexo, segundo cobertura de planos 305
ou seguros de saúde – Brasil, 2019 e 2040.

Figura 5 – Gastos totais com cuidado em saúde (R$ milhões) e razões entre os gastos de 307
2040 e 2019 por idade, segundo sexo, grupo funcional e tipo de financiamento, Brasil,
2019 e 2040.

Tabela 2 – Razão entre os gastos de 2040 e 2019, Brasil. 309


Figura 6 – Gasto esperado a partir da idade x, Brasil 2019. 311

Figura 7 – Distribuição dos gastos com internações por idade e sexo, ao longo da vida 313
(RLEb,a) e condicionados à sobrevivência (RELs,a), Brasil 2019.

Apêndices

Figura A.1 – Indicadores de mudança demográfica – Brasil, 2010 a 2060. 325

Tabela B.1 – Despesas correntes (em R$ milhões) do SUS (HF 1.1), dos planos e seguros 327
de saúde (HF 2.1) e das famílias (HF 3.1), segundo funções de cuidados de saúde (ICHA-
HC) – Brasil, 2019.

Tabela B.2 - Composição dos grupos de cuidado selecionados para a projeção 328
segundo funções de saúde

Tabela B.3 – Distribuição (%) dos gastos SIA-SUS por idade, segundo o tipo de 330
documento de registro – Brasil, 2019.
332
Figura C.1 – Esperança de vida da idade a, Brasil 2019.
SUMÁRIO
Prefácio 15
Alexandre Kalache
31
Capítulo 1
Os idosos brasileiros: muitos além dos 60?
Ana Amélia Camarano
56
Capítulo 2
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e dos custos
de instituições de longa permanência para idosos
Karla Cristina Giacomin
110
Capítulo 3
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade atual e emergência
para as próximas décadas
Renato Peixoto Veras
170
Capítulo 4
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?
Dalia Elena Romero
Leo Maia
224
Capítulo 5
Economia da Longevidade: uma “resposta construtiva” para o envelhecimento
populacional no Brasil
Jorge Félix
286
Capítulo 6
Perspectivas para o gasto com saúde diante do envelhecimento populacional
Mirian Martins Ribeiro
Laura de Almeida Botega
Fernando Gaiger Silveira
Luciana Mendes Santos Servo
Theo Ribas Palomo
Arthur Welle
PREFÁCIO
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de julho de 2022,
revelaram que o número de pessoas acima de 30 anos no Brasil alcançou 56% da
população. Há uma década, não chegava a 50%. Estamos envelhecendo de forma
extraordinariamente rápida. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
foram necessários 145 anos para a França dobrar a proporção de pessoas idosas
(consideradas aquelas com mais de 60 anos) de 10 para 20%. O Brasil o terá feito
em 19 anos, entre 2011 e 2030. Comparando nosso país com o Canadá, em 2015, a
proporção de idosos era cerca de metade da do país do Norte, respectivamente, de
12,7 e 25,2 %. As projeções indicam que em 2050 seremos tão ou mesmo um pouco
mais envelhecidos que tal país, ambos acima de 30%. A diferença é que o Canadá
tem, grosso modo, a casa em ordem: meio ambiente, sistema de saúde, educação,
empregos dignos, políticas públicas centradas em direitos humanos. E é um país
preocupado com o envelhecimento populacional! Não há universidade canadense
que não conte com departamentos dedicados a seus múltiplos aspectos, desde
pesquisa básica e gerontológica ao treinamento de profissionais preparados para
lidar com o envelhecimento, não só, mas, em particular, no que toca a saúde. Para
efeito de comparação, apenas 10% das faculdades de medicina no Brasil têm um
departamento de Geriatria.

Vivemos a Revolução da Longevidade em um contexto desafiador, na contramão


do ocorrido nos países desenvolvidos, que primeiro enriqueceram para depois
envelhecerem. Cerca de 33 milhões de brasileiros já chegaram à velhice. Em 2050
teremos duplicado esse número. Em termos proporcionais, chegaremos a mais de
um em cada três habitantes com mais de 60 anos em 2065, quando os estudantes
universitários de hoje ainda estarão em plena atividade profissional. Contudo,
estamos treinando profissionais para o século XX, não para o futuro. Profissionais da
saúde, que aprendem tudo sobre criancinhas, desenvolvimento infantil e mulheres
grávidas. E que, no entanto, estarão cada vez mais cuidando e tratando de pessoas
idosas. Segundo dados do Cadastro Nacional de Residência Médica, em 2020, apenas
0,7% dos residentes concluíram residência em Geriatria – comparados com 9,5%
em Pediatria, 6,6% em Obstetrícia e Ginecologia, 1,4% em Dermatologia e 1% em
Cirurgia Plástica. De acordo com a Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria,
temos uma carência de 28 mil geriatras. E a falta de especialistas só irá crescer, se
os jovens médicos continuarem não demonstrando interesse em Geriatria, como o
indicado pela falta de procura em residência nessa especialidade. É inquietante que
tenhamos 1 residente em Geriatria para cada 13 em Pediatria. Duas vezes mais em
Dermatologia. Que estejamos atraindo mais jovens médicos para a cirurgia plástica
que para o exercício da prática geriátrica (não de todo surpreendente em um país
tão hedonista). Não que eu seja contra termos mais pediatras ou obstetras, se forem
necessários, mas os números não refletem a diminuição observada, há décadas, nas
taxas totais de fecundidade no Brasil: o número médio de filhos que uma mulher
espera ter ao final de sua vida reprodutiva (já em declínio desde os anos 70) está
abaixo do nível de reposição (2,1) desde o final do século passado. Se a Taxa de
Fecundidade Total (TTF) nacional está em torno de 1,7 filhos há anos, existem
estados e regiões (sobretudo nas áreas metropolitanas, mas não só) onde ela já está
tão baixa quanto em países europeus, bastante envelhecidos – e preocupados com
tais tendências demográficas, diferentemente de nós.

No entanto, não é somente de mais geriatras que precisamos. A carência maior


é de profissionais de saúde que estejam familiarizados com os vários aspectos da
prática médica ou dos profissionais aliados. Tudo muda com o envelhecimento, da
Anatomia, Fisiologia, Fisiopatologia à dosagem de medicamentos, interação entre
eles, apresentação de doenças. Em face da ignorância, erros crassos são cometidos,
sendo iatrogenia uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade
entre pessoas mais velhas, por mais escamoteadas que sejam as estatísticas. Sim,
necessitamos de mais geriatras, porém, mais importante é trazer o saber geriátrico
aos cardiologistas, gastroenterologistas, neurocirurgiões, ortopedistas... Seja qual
for a especialidade a ser abraçada pelos estudantes de hoje, urge que aprendam
mais sobre como exercerão a prática médica ao longo das décadas que terão pela
frente, em um país muito mais envelhecido. O mesmo é válido para nutricionistas,
enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, bem como para arquitetos
urbanistas, advogados, designers, especialistas em comunicação. A Revolução da
Longevidade impacta a sociedade como um todo e não está sendo acompanhada
por uma Revolução da Educação.

Pelo exposto acima, torna-se clara a importância desta publicação reunindo


alguns dos mais reconhecidos nomes da comunidade Gerontológica. Somente a
disseminação de saberes específicos de qualidade poderá fazer com que o país
esteja mais bem preparado para seu rápido envelhecimento. É essencial publicar
e disseminar artigos fundamentados por investigações criteriosas, que contribuam
para a elaboração de políticas públicas baseadas em evidência.

Os capítulos que compõem essa valiosa publicação chamam atenção para vários
aspectos do envelhecimento populacional no Brasil.

Ana Amélia Camarano, sempre tanto nos ensinando, de forma criteriosa e criativa,
nos mostra em particular o impacto demográfico da pandemia, que será sentido por
muitos anos mais. Destaco um dos pontos centrais de seu texto: “Além de resultar em
mortes precoces, com impacto na expectativa de vida e no crescimento da população
em geral, em especial na idosa, a pandemia da Covid-19 está acentuando as incertezas
antes existentes quanto às condições de saúde, renda e autonomia que experimentarão
os idosos no futuro. Pelo menos até o momento, os idosos brasileiros estão perdendo 4,3
anos do tempo que poderiam ainda viver. Como recuperar isso é uma questão ainda
não equacionada – e certamente levará muito mais tempo do que foi gasto na redução.”

Ana Amélia ressalta o fato de o isolamento social ter tido, como uma de suas
consequências, um aumento de transtornos mentais (como depressão, ansiedade) e
de perturbações na saúde em geral, por ter levado muitos brasileiros, idosos ou não,
a postergar a procura de serviços de saúde para tratamento de condições agudas
ou crônicas. Além disso, muitos apresentaram perda de massa muscular e perdas
cognitivas, independentemente da idade ou de ter sido o indivíduo diagnosticado
ou não com Covid. E sequer podemos avaliar ainda os impactos da chamada Covid
longa. A consequência é clara: uma pressão ainda maior sobre a demanda de
cuidados e de serviços de saúde, em um contexto de redução da capacidade da
família de cuidar.

Outro aspecto que Ana Amélia salienta em seu capítulo é o efeito adicional da
pandemia à feminização do envelhecimento, considerando a menor mortalidade
sofrida por mulheres em relação aos homens. O componente de gênero é
fundamental em qualquer análise sobre o envelhecimento – como o fato de que
mulheres idosas têm maior probabilidade de ficarem viúvas e de viverem sozinhas,
frequentemente em situação socioeconômica desvantajosa. Além disso, embora
vivam mais do que os homens, como salienta Ana Amélia, elas passam por um período
maior de debilitação física antes da morte do que eles, tornando-se, portanto, mais
dependentes de cuidado. Por serem, tradicionalmente, as principais provedoras de
cuidado, o descompasso irá gerar um número ainda maior de mulheres carentes de
cuidados no contexto de famílias cada vez menores e menos disponíveis para prover
esse cuidado. Como ela afirma, “No Brasil e na maioria dos países, especialmente
naqueles de baixa e média renda, onde os níveis agregados de riqueza são menores e
os sistemas de bem-estar são subdesenvolvidos, o ônus financeiro do envelhecimento
é predominantemente suportado por famílias ou indivíduos mais velhos, levando à
precariedade de financiamento e falta de investimento para permitir o desenvolvimento
do setor”.

De Karla Giacomin não poderíamos esperar senão outra contribuição de peso.


Aproveito a oportunidade para homenagear a profissional brilhante que logo no
início da pandemia lançou a Frente Nacional de Fortalecimento das Instituições de
Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Visionária, com sua capacidade de liderança,
sua experiência e seu profundo conhecimento de políticas públicas, a ex-presidente
do Conselho Nacional de Direitos das Pessoas Idosas – quando ele realmente nos
representava, não o engodo atual (escrevo este texto em novembro 2022) – em
pouquíssimo tempo convocou mais de mil profissionais. As orientações da Frente
chegaram aos mais remotos cantos do país, orientando ILPIs no preparo e na
resposta que deveriam ter perante a pandemia. Não hesito em dizer que a Frente
salvou milhares de vidas, evitando o desastre que outros países – muito mais ricos
e supostamente preparados – experimentaram. Sobretudo por conta deles, Karla
recebeu em 2021 o Prêmio Zilda Arns pela Defesa e Promoção dos Direitos das
Pessoas Idosas, conferido pelo Congresso Nacional. É um orgulho tê-la como vice-
presidente do Centro Internacional da Longevidade Brasil.

O capítulo de Karla conversa com o de Ana Amélia enfatizando a importância


de desenvolver uma Cultura do Cuidado em um país tão pouco preparado para a
Revolução da Longevidade.

Karla descreve experiências inovadoras de cuidado integral na comunidade,


como o Programa de Assistência ao Idoso (PAI), em São Paulo, e o Programa Maior
Cuidado, de Belo Horizonte, que podem ser entendidos como inovações sociais que
promovem o Ageing in Place, evitando a institucionalização com custo-eficácia, ainda
que sem subsídios dos governos estaduais ou federal. No entanto, ela ressalta que,
ao contrário da tendência internacional de não institucionalizar o cuidado ao idoso,
no Brasil a oferta de Centros-dia e centros de convivência é bastante insuficiente e
a de apoio às famílias com cuidadores domiciliares é absolutamente excepcional,
levando a uma alta demanda do cuidado institucional.

Karla ressalta o quão longe estamos de ter um Estado acolhedor, que cumpra
sua obrigação constitucional; que repassa o cuidado para famílias despreparadas,
desamparadas, empobrecidas, onde esse cuidado tem uma forte conotação
da disparidade de gênero, já que o fardo é muito maior para as mulheres. “É
desalentador perceber que o governo federal, por intermédio da SNDPI [Secretaria
Nacional de Promoção e Defesa da Pessoa Idosa], em três anos, em caráter excepcional
e com recursos de emendas parlamentares, conseguiu apoiar apenas um milésimo das
ILPI do Brasil.”

Karla conclui, todavia, com uma nota de esperança. A Década de Envelhecimento


Saudável da OMS/ONU se sustenta em quatro eixos: combate ao idadismo; estímulo
à implementação de comunidades amigas das pessoas idosas (que tive o privilégio
de lançar, em 2007, enquanto diretor do departamento de Envelhecimento e Curso
de Vida da OMS); cuidados de saúde centrados na pessoa; e promoção de cuidados
integrados de longa duração.

Na mesma linha, focada na perspectiva da importância de desenvolvermos


uma cultura do cuidado integral e centrado na pessoa, somos contemplados com
o excelente texto de reflexão de Renato Veras. Um dos pioneiros no estudo do
envelhecimento no Brasil, com quem desfruto o privilégio de uma amizade de mais
de 50 anos, Renato em muito contribuiu para trazer a questão da longevidade para o
panorama nacional, em particular através da criação, em 1993, da Universidade Aberta
da Terceira Idade (UnATI), que agora se transforma no Instituto do Envelhecimento
Humano da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Uerj. Trabalho esmerado, que
demandou – e demanda – persistência, dedicação e muita competência, há muitos
anos demonstrada por seu influente trabalho na comunidade acadêmica como
editor da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Renato destaca a premente necessidade de consolidar a estruturação dos


modelos assistenciais para as pessoas idosas assinalando, com otimismo, o crescente
volume de estudos e publicações nessa direção, ainda que mal contemplados com
subsídios das agencias financiadoras, em particular do governo federal. Para elas,
o envelhecimento populacional parece ser uma agenda para o “futuro”. Renato
ressalta a urgência de reflexões da comunidade acadêmica e formadora de opinião
do setor de saúde, “pois ainda precisamos de mais uma dose do remédio que, espero,
levará à cura do nosso modelo assistencial”. E conclui dizendo que as novas e árduas
demandas desafiam os modelos tradicionais de cuidado, sobretudo quando são
levados em consideração os avanços da tecnologia, da ciência e da medicina fora
do alcance da grande maioria dos brasileiros já envelhecidos ou prestes a chegar ao
marco dos 60+.

Ainda que nas dimensões do Cuidado haja uma ordem hierárquica – o autocuidado
em primeiro lugar, seguido pelo cuidado informal (leia-se, voluntário, da família,
do círculo social), o comunitário (de profissionais da saúde e assistência social,
remunerados – via de regra, mal – para exercê-lo) e, finalmente, o institucional
(majoritariamente, hospitalar), os recursos vão na via inversa – priorizando o
institucional, pouco para o comunitário, menos ainda para o informal até chegar
a quase nada para possibilitar às pessoas o autocuidado de modo sustentável. A
lógica que prevalece é a “hospitalocêntrica”, a prioridade é de “tratar da doença” (com
frequência, tardiamente), não de evitar seu surgimento. Dessa forma, sacrificam-se
as chances de prevenção, reabilitação e redução do impacto na funcionalidade.
Disso resulta uma população que envelhece precocemente e mal, refletindo as
desigualdades e a falta de políticas que deem suporte à promoção e ao letramento
para a saúde, a prevenção e um esforço interdisciplinar, visando o retardamento de
doenças e fragilidades, ou seja, pela manutenção da independência e da autonomia
pelo mais longo período de vida possível.

Renato conclui ser primordial que os anos a mais de vida que ganhamos nas
últimas décadas sejam vividos com qualidade, dignidade e bem-estar. Isso requer
uma forma diferente e inovadora de cuidar da saúde e proporcionar qualidade de
vida aos usuários – seja no Sistema Único de Saúde (SUS), ou no setor privado. E
chama atenção de que, para tanto, é essencial bem treinar os profissionais da saúde
e da assistência social, conforme as orientações das agências internacionais voltadas
para a temática do envelhecimento. É, em última análise, o que vem fazendo a UnATI
há tantos anos e a que se propõe o bem-vindo Instituto do Envelhecimento Humano
da Uerj, sob sua direção.

Algo aprendi para o resto da vida quando fiz o mestrado em Saúde Pública na
London School of Hygiene and Tropical Medicine, em 1975, através de uma asserção
do eminente Professor de Epidemiologia Geoffrey Rose. A mensagem era simples: o
que não se mede, permanece invisível. E o que é invisível, é ignorado. Aqui, o grande
mérito do capítulo escrito por Dalia Romero e Leo Maia. Terá sido, sem dúvida, um
esforço hercúleo, demonstrando competência e discernimento, garimpar tantos
dados para traçar um perfil do envelhecimento da população brasileira. Outro mérito
que assinalo, a coautoria: uma pesquisadora tarimbada, com uma visão e formação
internacionais, de contribuições sólidas, Dalia, com o Leo, que, imagino, seja um
jovem. Essas parcerias são fundamentais, contribuindo para criar um manancial
de novos talentos através da interação dos mais experientes com os talentos que
continuarão a segurar o bastão.

O panorama epidemiológico que traçam aponta para alguns dos principais


desafios que nosso envelhecimento populacional gera e continuará gerando à
saúde publicado no país. Por um lado, avançamos nas últimas décadas – basta citar
o fato de que em 1980, do total de óbitos no Brasil, menos de 40% eram de pessoas
acima de 60 anos, ao passo que em 2018 passou a ser 70%. Como costumo dizer,
“envelhecer é bom, morrer cedo, indesejável.”

Entre os desafios, as disparidades que refletem nossa profunda inequidade, por


exemplo, Dalia e Leo mostram que, em 2019, a idade média para a morte da população
era de 69,1% entre brancos, 61,4% entre negros (pretos e pardos) e 46,5% entre
povos indígenas. Ademais, negros e indígenas também possuem um maior desvio
padrão em relação à idade média para a morte do que brancos. Isso significa uma
maior concentração de óbitos em idades mais avançadas entre brancos, enquanto
a mortalidade de indígenas e negros ocorre em idades mais variadas. As conquistas
de anos adicionais de vida não se dão de forma equitativa entre diferentes grupos
raciais ou étnicos. O direito a envelhecer continua sendo negado às populações
mais pobres e racialmente discriminadas do país.

Em 2018, a esperança de vida ao nascer era de 80,3 anos para mulheres e 76,8 anos
para homens; já aos 60 anos, os números eram de 24,6 e 20,8 anos, respectivamente,
para mulheres e homens. Nem por isso as mulheres viviam melhor que os homens.
A prevalência da maioria de doenças crônicas era acentuadamente maior entre
mulheres que entre homens. Por exemplo, hipertensão arterial (61,6 contra 49,7%),
problemas da coluna (35,3 e 25,5%), artrites e reumatismo (25,7 e 8,3%), depressão
(15,8 e 6,6%); só em relação a doenças cujo desfecho é comumente mais letal há
uma prevalência maior entre homens que mulheres – como câncer (6,3% entre
mulheres, 7,4% entre homens) e acidente vascular cerebral (5,0% entre mulheres e
6,4% entre homens).

Dalia e Leo mostram que 33,4% dos homens idosos não apresentavam nenhuma
doença crônica, enquanto para as mulheres idosas a percentagem cai para 25,9%.
Já 34,4% das idosas acumulavam mais de três doenças crônicas, enquanto entre os
homens idosos a percentagem cai para 20%.

A conclusão é clara. As mulheres vivem mais que os homens, mas sofrem muito
mais de doenças crônicas, que levam à dependência e à perda de qualidade de vida –
como já indicado por Ana Amélia. Cuidam de seus parceiros, geralmente mais velhos
que elas, e terminam a vida sós, necessitando de cuidados, sem saber se vão poder
arcar com eles – sobretudo as que tiveram menos filhos ou nenhum. Novamente, a
questão de gênero e cuidado, já apontada em outros capítulos, se evidencia.

Dalia e Leo concluem que o perfil epidemiológico do Brasil indica a precariedade


da vida de milhões de brasileiros e brasileiras, que já chegam à “velhice” com um
acúmulo de doenças crônicas, convivendo com progressivo grau de fragilidade.
Muito embora o país disponha de instituições fundamentais para o enfrentamento
dos desafios decorrentes, como um SUS público e universal, “o sucesso de nossas
pretensões, firmadas em acordos internacionais, leis e na própria Constituição,
dependerá de uma mudança no caminho que temos seguido em anos recentes....a
garantia de um envelhecimento saudável da população brasileira dependerá de um
resgate e um aprofundamento de nossa seguridade social, com ações que extrapolem
o âmbito da saúde e consigam garantir condições de vida digna de acordo com a
complexidade de cada cidadão...a tragédia social, derivada não da Covid-19, mas do
desmonte do aparato e da capacidade estatal, mostra-nos que envelhecer no Brasil tem
sido perigoso.”

Em outro capítulo deste compêndio encontramos o ensaio de Jorge Félix, cuja


contribuição acadêmica tem sido notável nos últimos anos. Jorge tem tido também
um papel de destaque nas mídias, disseminando conceitos bem fundamentados
para o grande público, tarefa imprescindível levando em conta a desinformação
– alimentada pelos interesses dúbios da indústria anti-ageing. Não só: em face
da Revolução da Longevidade, é imperativo que os profissionais dos veículos
de comunicação se eduquem e busquem fontes idôneas. Eles necessitam se
familiarizar com a temática do envelhecimento tanto quanto profissionais da saúde,
da assistência social ou da economia.

Um dos méritos deste ensaio é traçar um histórico de como fatores culturais


e econômicos, ao longo do tempo, influenciam a forma como se percebe o
envelhecimento. O texto propõe uma reflexão sobre conceitos emergentes e suas
possibilidades econômicas, estabelecendo um diálogo com a literatura à luz de
experiências internacionais em Economia da Longevidade que tenham o potencial
de ser adaptadas para a realidade brasileira. Seu objetivo é o de oferecer respostas
construtivas para o bem-estar da população idosa.

Como apontam outros capítulos, a alteração do perfil das famílias – descrita, há


anos, por Ana Amélia, como crescendo verticalmente e não horizontalmente como
no passado – leva a uma maior demanda pelo cuidado de longa duração. No entanto,
ainda guardamos na memória coletiva a imagem de uma família estendida, em
que os poucos “idosos” (avôs, avós, muitas vezes que sequer haviam chegado aos
60 anos) contavam com um arsenal de potenciais cuidadores caso evoluíssem para
uma situação de dependência. Sobretudo, uma memória de família com muitas
mulheres, filhas, noras, netas, que ainda não haviam ingressado na força de trabalho
remunerada e, assim, estavam disponíveis para arcar com as funções de cuidadoras,
no cuidado que se dava, essencialmente, dentro de casa. O papel das mulheres era,
então, cuidar. Por outro lado, tal cuidado ocorria por um tempo reduzido, pois as
respostas terapêuticas eram limitadas, já que a morte se dava em pouco tempo.

Jorge argumenta que a lógica do consumo é profundamente alterada pelas


transições demográfica e epidemiológica, levando à necessidade de novas
estratégias refletidas na perspectiva dos países que adotaram a denominada
Economia da Longevidade (Silver Economy ou Longevity Economy), cuja finalidade
é a construção de complexos econômicos industriais da saúde e do cuidado que
definirão o papel de cada país na “geopolítica do envelhecimento”. Tudo isso em
um ambiente de transformações dinâmicas e muitas incertezas sanitárias diante do
risco de novas pandemias.

Destaco o trecho do ensaio em que Jorge afirma: “A lógica produtivista assume a


população idosa apenas como um custo, uma carga, um segmento dependente. Essa
dependência é matematizada em uma taxa (ou razão) hoje amplamente questionada por
certa literatura econômica, seja por desprezar o potencial da tecnologia na manutenção
da independência e autonomia (Ervik, 2009) ou por ignorar a heterogeneidade da velhice
quanto à renda (Neri, 2007) e à inserção social (Debert, 1999), seja, na outra ponta, por
desconsiderar o trabalho infantil na contemporaneidade, sobretudo nos países mais
pobres (Sen, 2000).”

E nós? Continuaremos na dependência de tecnologias importadas?


Conseguiremos despertar o interesse e fazer fluir a energia positiva que a longevidade
pode gerar? Ou ficaremos estagnados, lamentando o envelhecimento, negando-o,
condenando-o? Pior, mal empregando recursos preciosos, por serem escassos.
Essas são algumas das questões centrais expostas com maestria por um grupo
de autores desse compêndio no capítulo que, aleatoriamente, abordo por último.
Gosto muito de artigos com vários autores de diferentes instituições por trazerem
percepções complementares para tratar de temas que exigem interdisciplinaridade.
São imperativos, no caso, para decifrar os desafios dos gastos com saúde, por idade e
sexo, e as perspectivas diante do envelhecimento populacional. Tanto mais quando
se observa a sinergia de excelências, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da
Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP) e da Unicamp, sob a
batuta de Mirian Martins Ribeiro, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Avançamos muito nos últimos anos. Apesar de todas as tentativas sofridas de


inviabilizar o SUS, criamos o maior sistema universal de Saúde do mundo, mas
bem sabemos que ele enfrenta imensos desafios, como se não bastasse o nível
insuficiente de financiamento público para permitir o acesso universal, igualitário
e integral, já evidente há muitos anos. Como apontado em outros capítulos,
retrocedemos. E a Emenda Constitucional 95 veio agravar ainda mais esse quadro de
participação insatisfatória do setor público no total do financiamento da saúde no
Brasil, reduzido atualmente a pouco mais que 40%, o mais baixo nível já alcançado.
Entre os mais pobres, o gasto proporcional de seus reduzidos orçamentos familiares
para custeio da saúde aumenta. O desmantelamento da Farmácia Popular foi
sem dúvida um dos retrocessos – entre tantos na área social – do atual governo.
Ao mesmo tempo, vemos os gastos no setor privado aumentarem, sabendo que
estão concentrados em um segmento decrescente da população. Não culpemos,
portanto, o envelhecimento populacional e sim o retrocesso no financiamento de
um sistema de saúde em um país tão desigual, que envelhece pouco amparado por
políticas públicas. Inevitavelmente, acabamos por priorizar os grupos privilegiados,
excluindo os mais pobres e adoecidos, envelhecidos precocemente, à margem
dos avanços tecnológicos que, quando disponíveis, podem trazer muitos anos de
qualidade de vida aos mais anos vividos.

Um dos méritos do capítulo é o de separar entre os gastos privados aqueles


intermediados por planos daqueles diretos do bolso, que permaneceram, no
cômputo geral, em torno de 24% ao longo dos últimos seis anos. Além disso, os
autores usam dados bem recentes, inclusive projeções populacionais realizadas
por Camarano ainda, em 2022, já incorporando os efeitos da pandemia como
anteriormente mencionado.

Um ponto salientado no capítulo é pouco considerado na literatura: embora o


envelhecimento populacional cause pressão para os gastos com saúde, o declínio
da população muito jovem, sobretudo crianças de 0 a 4 anos, exerce um efeito
oposto, levando a um declínio nos gastos dessa idade. Como indicam os autores
do capítulo, mais estudos e escrutínio são necessários para compreender melhor
a dinâmica entre financiamento/função de saúde/fatores demográficos para as
próximas décadas.

O tema da utilização de novas tecnologias relacionada ao envelhecimento


é recorrente, nos mais variados aspectos. Por um lado, elas podem aumentar
substancialmente os custos imediatos – por exemplo, no tratamento de episódios
agudos de doenças crônicas. Por outro, trazem também o potencial de recuperar
capacidades funcionais, levando a reduções de gastos com cuidado de longa
duração. O aumento no uso de novas tecnologias no campo do cuidado em países
já envelhecidos continuará. Como ressaltou Jorge Félix, a tendência para o futuro
próximo é a adoção, por inúmeros países, da Economia da Longevidade, com
incentivos fiscais e investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), de forma
ainda mais ousada e orientada para a exportação.

Tendo a concordar com ele salientando que é preciso virar esse jogo. A ainda
incipiente atenção de startups no setor, em nosso país, precisa de incentivos em
face das demandas que a rapidez do nosso envelhecimento exigirá. Os países em
desenvolvimento que primeiro desenvolverem tecnologias eficientes e de baixo
custo poderão não só beneficiar sua própria população, como também terão o
potencial de exportá-las para muitos outros.

Demografia é destino e impacta a sociedade como um todo – e o setor econômico


(sobretudo ligado a novas tecnologias) já está percebendo o potencial que o
mercado trará. Sem jamais menosprezar o aspecto humano, do olho no olho, do
contato, do afeto. A velhice não se resume a um acúmulo de anos; envelhecer é
mais complexo que isso. Parafraseando o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva,
“o que envelhece uma pessoa não é a quantidade de anos que tem, mas a falta de um
propósito”. E quantos brasileiros apenas sobrevivem, longe de poderem gozar de
propósitos. A desigualdade, nossa marca perversa, continuará a excluir milhões de
pessoas já envelhecidas ou que estejam prestes a ultrapassar o marco cronológico
de 60+. A pandemia bem revelou: pessoas já apresentavam comorbidades muito
antes dos 60 anos. Não foi a idade que fez parte delas se tornarem “grupo de risco”,
mas sim uma vida de exclusão social e dificuldades em acessar serviços ou adotar
estilos de vida saudáveis.

O Brasil de hoje, em que 56% da população vive com insegurança alimentar e 33


milhões estão famintos. Voltamos ao Mapa da Fome da Organização das Nações
Unidas (ONU). Isso impossibilita um envelhecimento digno para milhões que
certamente não tem assegurados “anos dourados” pela frente. Não lhes resgatará
qualidade de vida pois nunca a tiveram tido.

As promessas da tecnologia em um país tão desigual têm graves limitações. Um


país em que o número de smartphones equivale ao número de habitantes pouco
significa – pois tantos podem ter um smartphone nas mãos e os pés no esgoto,
realidade de 50% da população. De que vale estarmos em plena IV Revolução
Industrial se muitos brasileiros ainda não usufruem dos benefícios das três primeiras?
Um alerta final. Conforme o artigo que o Grupo Temático Envelhecimento e Saúde
Coletiva da Abrasco, que tenho o privilégio de coordenar, publicou em 7 de abril de
2020, poucas semanas após a entrada do coronavírus em nosso país era fácil prever
que a pandemia no Brasil teria uma face distinta: mais jovem (pelas comorbidades
precoces); mais desigual (com muitas mais mortes entre os pobres, os que vivem
na periferia, nas quilombolas, entre os povos indígenas); mais escura (com muitas
mais mortes entre negros - pretos e pardos); e mais feminina, não pelo número
de mortes, que prevíamos, seria maior entre homens, mas pelas consequências
socioeconômicas – mulheres que primeiro perderam seus empregos, já precários,
e que arcariam com a maior carga de cuidado, dos filhos ou netos em casa, dos pais
ou avós, enfermos ou dependentes, do cônjuge não preparado para o isolamento
social, com a violência doméstica e com as dificuldades em se reinserir no mercado de
trabalho quando as medidas de confinamento pudessem ser relaxadas. Apontamos
também que a pandemia deflagraria um verdadeiro tsunami de idadismo, de
negacionismo, de culpabilização das pessoas idosas pelo custo sanitário e social.
Frases como “E daí?” “Todos nós iremos morrer um dia.” “Eu não sou coveiro, tá?” “Chega
de frescura, de mimimi.” marcaram declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a
pandemia de Covid-19.

A pandemia foi um sinal de alerta. Ela não inventou as mazelas nacionais, apenas
as desnudou. Entre tais mazelas, o idadismo estrutural. Somos um país que não
aprende facilmente com as lições das crises, que não passa a limpo sua história.
Sequer respeitamos o luto daqueles que perderam avós, pais, filhos, amigos queridos.
Foram, no mínimo, 700 mil mortes prematuras; a maioria poderia ter sido prevenida.
Ao invés de empatia, solidariedade, compaixão, o luto teve como resposta a dor
silenciada, o escárnio.

Precisamos dar um salto qualitativo. Preconceitos e discriminações não são


eliminados por passes de mágicas e sim através de autoeducação, de reflexão,
de discernimento e de empatia. Ou seguiremos sendo um país sexista, racista,
LGBTista, capacitista – e idadista. Como afirmou Angela Davis, a líder ativista contra
o racismo nos Estados Unidos, “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.
Parafraseando-a, não basta não ser idadista, é preciso ser anti-idadista.

É com esse espírito que, inspirados pelo singular Pequeno Manual Antirracista,
livro de Djamila Ribeiro, o coletivo Velhices Cidadãs, do qual sou cocoordenador, está
escrevendo o Pequeno Manual Anti-idadista, a 84 mãos. Somos 42 coautores, um
grupo interdisciplinar e intergeracional. Precisamos romper barreiras e ser ativistas.
Em comum com todos os outros “ismos”, o idadismo é nutrido por quatro “Is”: a
Ideologia de um grupo que acha que vale mais que outro; a Institucionalização de tal
ideologia (implementando mecanismos e criando barreiras); o Interpessoal (quando
tudo é feito para colocar o “outro” inferior, para baixo, minando sua autoestima, sua
autoconfiança) até terminar no quarto “i”, o da Internalização – o objetivo final da
ideologia supremacista, quando a vítima, o discriminado, acaba aceitando que não
vale mesmo tanto quanto os outros. Em um país como o nosso, graças a um quinto “i”,
o da Inequidade, caldo de cultura que facilita e incentiva todo tipo de discriminação,
temos em mãos uma tarefa complexa. Somente com determinação daremos conta.
E para isso precisamos da contribuição acadêmica que esse conjunto de textos tão
bem ilustra.

Alexandre Kalache

Presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (International Longevity


Centre Brazil – ILC-BR) e co-diretor da Age Friendly Foundation.
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?
1
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?
Ana Amélia Camarano

Introdução
De acordo com a legislação brasileira (BRASIL, 2003), a população idosa é formada
por um grupo etário muito longo, 60 anos ou mais – ou seja, inclui pessoas com 60,
70, 80, 90 e 100 anos ou mais. Só isso já acarreta uma grande heterogeneidade; ter 60
anos é diferente de ter 80, por exemplo. Por isso, é comum que ela seja dividida em
dois subgrupos pelos estudos acadêmicos e demográficos para efeitos de políticas
públicas: idosos novos (60-79 anos) e muito idosos (80 anos ou mais). Este último
grupo recebeu prioridade especial por parte do Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003).
Além disso, citam-se outras heterogeneidades advindas do gênero, da cor, do estrato
social, o que faz com que pessoas da mesma idade envelheçam diferentemente.

O interesse na população idosa deve-se ao fato de ser o grupo populacional que


mais cresce e é o mais exposto a doenças e agravos crônicos não transmissíveis,
muitos deles culminando em sequelas limitantes de um bom desempenho funcional,
gerando situações de dependência e consequente necessidade de cuidados.

A pandemia da Covid-19 afetou essa população pelo aumento da sua mortalidade,


consequentemente reduzindo o seu ritmo de crescimento. A letalidade por Covid
do grupo de 60 a 79 anos é maior do que a da população com 80 anos ou mais
(Camarano, 2021). No entanto, pouco se sabe sobre as sequelas deixadas pela Covid,
mas acredita-se que seus sobreviventes estão colocando pressão ainda maior sobre
a demanda de cuidados e de serviços de saúde, em um contexto de redução da
capacidade da família para cuidar.

Neste artigo, analisa-se a trajetória demográfica e de morbidade dos idosos


brasileiros e traça-se um cenário sobre o seu crescimento futuro levando em conta

31
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

o impacto da pandemia da Covid-19. Em razão da maior fragilidade desse grupo


e da sua maior demanda, mediu-se o “descompasso” entre a demanda e a oferta
de cuidados. Além disso, projetaram-se o número de idosos que devem demandar
cuidados e o custo monetário que o seu atendimento acarretaria.

Método
O trabalho consiste na elaboração de um cenário de crescimento da população
brasileira entre 2020 e 2040 e da demanda de cuidados por parte da população
idosa, buscando captar o efeito da mortalidade pela Covid-19. A elaboração desse
cenário contou com uma grande dificuldade, que foi a escassez de dados: a não
realização do Censo Demográfico de 2020, o atraso na divulgação de informações
sobre nascimentos e mortes e a forma como os dados de óbitos foram agregados
para fins de divulgação.

Dada a não realização do Censo Demográfico de 2020, a população deste ano


aqui utilizada é resultado de uma projeção populacional baseada na população de
2010 (Camarano, 2014a), ajustada pela mortalidade por Covid. O método usado
para as projeções é o das componentes principais, que considera o comportamento
da mortalidade e da natalidade desagregadamente. Assumiu-se que as migrações
internacionais não teriam impacto na dinâmica demográfica da população brasileira.
O horizonte temporal é 2040, e os resultados estão desagregados por sexo e grupos
de idade.

Para se conhecer o perfil demográfico da população idosa e suas condições


de morbidade, com ênfase nas suas condições de fragilidade, utilizou-se uma
análise descritiva. Foi traçada a evolução da mortalidade, buscando-se medir
o impacto dos óbitos pela Covid-19 na expectativa de vida ao nascer (e0) e
aos 60 anos (e60) e no crescimento futuro dessa população. As estimativas da
expectativa de vida ao nascer e aos 60 anos foram feitas para o ano de 2021,
com base nos dados de óbitos deste ano, disponibilizados pelo Datasus, e da

32
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

população de 2021 calculados por Camarano (2014a). A metodologia utilizada


foi a da tabela de sobrevivência (Hinde, 1998).

Para projetar a mortalidade, considerou-se que a sobre mortalidade pela Covid


só ocorre entre 2020 e 2023. Trabalhou-se com a hipótese de redução dessa sobre
mortalidade de forma progressiva; 50% em 2022, 75% em 2023 e eliminada em
2024. A partir daí, assume-se que a mortalidade continuará caindo, como previsto na
projeção de Camarano (2014a). Para a fecundidade, assumiu-se a mesma hipótese
utilizada por Camarano (2014a), declínio monotônico ao longo do período.

Com base nos resultados e para inferir o descompasso entre a demanda e a


oferta de cuidados, calculou-se o índice de dependência de cuidados adaptado de
Budlender (2008), que mostra relação entre as necessidades de cuidados de uma
sociedade e a sua capacidade de provê-las. A capacidade de prover cuidados é
definida como a relação existente entre as pessoas com idade inferior a 12 anos e
superior a 75 e a população de 15 a 74 anos. Neste texto, foi considerada a população
com idade inferior a 15 e igual ou superior a 75 anos.

Sugere-se no presente trabalho um ajuste, ou seja, a utilização de um peso


nesse indicador, para contemplar as heterogeneidades dos dois grupos no tocante
à demanda e à oferta de cuidados. Assume-se que os maiores demandantes de
cuidados são as crianças menores de 6 anos e as pessoas com 85 anos ou mais, cujo
peso é um. Por restrições dos dados, consideram-se aqui as crianças menores de 5
anos e os octogenários como um todo. Já para as demais crianças (5-14 anos) foi
considerado um peso de 0,5. Também foi alocado um peso de 0,5 para as pessoas
de 70 a 79 anos, que foram incluídas como provedoras de cuidados.

Foi feita também uma projeção da população idosa que demandará cuidado e dos
custos monetários do atendimento dessa demanda, inclusive para aqueles que são
cuidados por pessoas não remuneradas. Assumiu-se que cada idoso teria apenas um
cuidador e que este seria pago pelo valor médio percebido por aquele remunerado.

33
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Os dados utilizados são provenientes dos Censos Demográficos de 1980 e 2010,


da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua anual de 2020,
da trimestral de 2021e das Pesquisas Nacionais de Saúde (PNS) de 2013 e 2019,
todos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram
consideradas também as informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM) do Datasus do Ministério da Saúde, e do Registro Civil. Nesse caso, os dados de
mortalidade desagregados por sexo, idade e causas de morte disponibilizados para
2021 são preliminares.

Resultados
Em 1980, a população idosa era constituída por cerca de 7,2 milhões de pessoas, o
que representava 6,1% do total da população brasileira. Em 2010, esse contingente
atingiu cerca de 20,5 milhões, representando 10,8% da população total. Em 2018,
projetou-se que esse contingente estaria em torno de 28milhões de habitantes
em 2020 (IBGE,2018). Mas ao longo de 2020, foram registrados 151.757 óbitos1 de
idosos pela Covid-19 não computados nessa projeção.

Outra característica desse grupo é a sua feminização. Segundo a PNAD de 2020,


57,7% dos idosos eram do sexo feminino, e a proporção de mulheres idosas morando
sozinhas será mais elevada do que a de homens, aproximadamente 17,4% e12,2%,
respectivamente.

Os idosos brasileiros declararam ter em média 1,8 doença crônica em 2019, sendo
essa média mais elevada entre as mulheres, 2,4; estima-se, portanto, que cerca de
25,8 milhões de idosos reportaram ter pelo menos uma doença crônica nesse ano.
Apresenta-se no Gráfico 1 o número médio de doenças crônicas investigadas pelas
Pesquisas Nacionais de Saúde (PNS) de 2013 e 2019 para a população idosa, por
sexo e por grupos de idade.
1 Portal da Transparência. Central de Informações do Registro Civil [internet]. Disponível em: https://transparencia.registrocivil.org.br/especial-co-
vid. Acesso em: out. 2021.

34
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

O número médio de doenças cresce com a idade e é significativamente maior


entre as mulheres. Observou-se um aumento nesse indicador entre 2013 e 2019
para as mulheres de todas as idades e uma redução para os homens também de
todas as idades. Em 2019, as mulheres idosas reportaram duas vezes mais doenças
do que os homens. Na Tabela 1, apresentam-se as principais doenças crônicas
que afetavam os idosos brasileiros em 2013 e 2019, desagregadas por sexo:
hipertensão, doença de coluna ou costas, colesterol alto, diabetes e artrites ou
reumatismo. No caso da hipertensão, cerca de 50% dos homens e 60% das mulheres
declararam experimentá-la em 2019. As mulheres apresentavam proporções mais
elevadas para todas as doenças pesquisadas, à exceção de doenças do coração.
As proporções de idosos que declararam experimentar as doenças pesquisadas
aumentaram entre 2013 e 2019 para ambos os sexos, à exceção dos homens, cuja

35
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

proporção que reportou ter artrite/reumatismo diminuiu. O aumento principal foi


observado para doenças do coração.

TABELA 1
PROPORÇÃO DE IDOSOS QUE TÊM DOENÇAS CRÔNICAS POR TIPO DE DOENÇA E SEXO
BRASIL
2013 2019
HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER TOTAL
Doença de coluna ou costas 24,1 31,2 28,1 25,5 35,3 31,1
Artrite ou reumatismo 9,7 21,6 16,4 8,3 25,7 18,2
Diabetes 16,1 19,7 18,1 18,9 21,2 20,2
Hipertensão 45,3 54,8 50,6 49,3 59,4 55,0
Doença do coração 12,3 10,7 11,4 13,2 13,1 13,1
Depressão 4,8 13,2 9,5 6,6 15,8 11,8
Colesterol alto 17,0 30,0 24,3 19,9 32,8 27,2
Pelo menos uma doença crônica 73,1 81,2 77,7 60,1 86,2 74,9
Fonte: IBGE/PNS.

No Gráfico 2, apresenta-se a proporção de idosos com dificuldades para realizar as


atividades básicas da vida diária (ABVDs) em 2013 e 2019 por grupos de idade e sexo.
Chama-se a atenção para o crescimento dessa proporção, cerca de 54% e 86%para
homens e mulheres, respectivamente. Entre os homens, o maior crescimento foi
observado para o grupo de 60 a 69 anos; entre as mulheres, para as de 70-79. As
mulheres já apresentavam uma proporção bem mais elevada do que os homens, e
a diferença relativa entre os dois grupos cresceu no período, especialmente entre os
idosos mais jovens.

36
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

Na Tabela 2, apresenta-se a proporção de idosos que declarou ter dificuldades


para as atividades da vida diária e precisar de ajuda para realizá-las, bem como
a proporção destes que recebe ajuda por sexo e grandes grupos de idade. Os
dados se referem a 2019. Como esperado, a proporção de quem precisa de ajuda
aumenta com a idade; é ligeiramente mais elevada entre os homens de 60 a 79 anos
comparativamente às mulheres. Já entre os octogenários, as mulheres são mais
demandantes. Com relação ao recebimento de ajuda, as diferenças entre os sexos
não são expressivas. A idade afeta positivamente o recebimento de ajuda.

TABELA 2
PROPORÇÃO DA POPULAÇÃO IDOSA COM DIF ICULDADE PARA AS ABVDs
QUE PRECISA DE AJUDA E RECEBE, POR SEXO E GRUPO DE IDADE
BRASIL, 2019

PRECISA RECEBE
HOMEM MULHER TOTAL HOMEM MULHER TOTAL
60 - 69 27,5 20,8 23,4 90,9 88,5 89,6
70 - 79 32,6 30,8 31,4 93,8 92,9 93,2
80 ou mais 46,6 55,3 52,4 97,3 98,2 97,9
Total 34,0 33,9 34,0 94,0 94,3 94,2
Fonte: IBGE/PNS.

37
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Em 2013, entre os idosos brasileiros com dificuldades para as ABVDs, 88,7%


dos homens e 93,1% das mulheres relataram ter pelo menos uma das 12 doenças
crônicas investigadas pela PNS. Essa proporção diminuiu para 80,4% entre os
homens e se manteve em 93,0% entre as mulheres em 2019.

Entre 1980 e 2019, a e0 da população brasileira masculina aumentou 13,4 anos,


e a feminina,14,4 anos, o que significou incrementos médios anuais de 0,35 ano
ou cerca de quatro meses/ano. Em 2019, esta última apresentou uma expectativa
superior em 5,2 anos em relação à masculina (Tabela 3). Nesse ano, a e60 atingiu
cerca de 21,8 anos para os homens idosos e 25,3 anos para as mulheres. No período
considerado, observaram-se incrementos de 6,5 e 7,5 anos para os homens idosos e
as mulheres, respectivamente.

ESPERANÇA DE VIDA AO NASCER (e ) E AOS 60 ANOS (e )


0 60
BRASIL
Diferença

1980 2019 2021 2019-1980 2021-2019


HOMEM
e 59,3 72,8 69,3 13,4 -3,5
0
e 60 15,4 21,8 18,4 6,5 -3,5
MULHER
e 65,7 80,1 74,5 14,4 -5,7
0
e 60 17,8 25,3 20,2 7,5 -5,1
Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 1980; PNAD contínua de 2019; Ministério da Sáude (SIM).
Elaboração da autora.

Entre 2019 e 2021, o total de óbitos brasileiros passou de 1.279.723 para


1.733.598, ou seja, foram 453.875 óbitos a mais. Em relação aos sexagenários, o
acréscimo foi de cerca de 44 mil óbitos, dos quais 75,0% foram masculinos. Esse
acréscimo ocorreu pelo grande aumento das doenças infectocontagiosas, 253.403
novos óbitos; um acréscimo de 9,4 vezes para os homens e de 7,7 para as mulheres.
Por outro lado, assistiu-se a uma redução do número de óbitos por doenças dos

38
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

aparelhos respiratório, circulatório e neoplasias, o que beneficiou ambos os sexos.


Esse comportamento foi muito semelhante entre os sexos (Gráfico 3).

Chama-se a atenção para outro aumento ocorrido no período, que foi o de


óbitos classificados como “Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos
e de laboratório, não classificados em outra parte”. Foram cerca de nove mil óbitos
a mais, entre os dois anos considerados, mais expressivo entre os homens. É
possível que esses óbitos sejam decorrentes da Covid-19, cuja classificação como
tal é subestimada dadas as dificuldades para diagnósticos mais assertivos sobre
contaminações. Entre 1/01 e14/02 de 2022, mais 18.776 óbitos de sexagenários
ocorreram pela Covid. Esses óbitos já estão afetando o tempo vivido pelos
brasileiros e o crescimento da população de idosos a curto e médio prazos (Tabela
3). Estima-se uma redução na e0 da população masculina de 3,5 anos e de 5,7 para

39
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

a feminina entre 2019 e 2021. A perda estimada para os idosos é de cerca de 3,5 e
5,1 anos para homens e mulheres, respectivamente.

Apresentam-se no Gráfico 4 os resultados de um exercício inicial de projeção da


população idosa até 2040.Partiu-se dos dados projetados para 2020, ajustados pelos
óbitos por Covid-19, o que resultou em uma redução de cerca de 200 mil pessoas
ainda em 2020, das quais 78,0% eram idosas. Esses resultados estão comparados
à projeção do IBGE, realizada em 2018, que não incorporou a mortalidade por
Covid, o que permite inferir o efeito desses óbitos no crescimento da população.
A tabela 4 apesenta os valores obtidos nessa projeção, desagregados por sexo e
grupos de idade.

40
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

TABELA 4
HOMENS
GRUPO ETÁRIO
2020 2025 2030 2035 2040
0 6.498.612 7.348.306 5.772.788 4.917.988 4.487.328
5 6.485.457 6.486.764 7.331.922 5.760.383 4.907.817
10 7.557.766 6.448.603 6.448.705 7.292.748 5.732.626
15 8.033.537 7.404.061 6.321.965 6.336.844 7.182.960
20 17.265.045 15.187.422 13.500.944 12.482.097 13.359.720
30 16.804.719 16.742.000 14.716.504 13.122.216 12.168.837
40 14.104.714 15.913.393 15.684.196 13.845.699 12.398.376
50 11.327.592 12.666.376 13.966.325 13.879.396 12.353.292
60 7.677.918 9.215.867 10.040.262 11.275.653 11.409.156
70 4.006.579 5.238.015 6.225.987 7.048.416 8.213.835
80 1.603.675 1.372.608 1.763.433 2.179.655 2.562.233
TOTAL 101.365.614 104.023.415 101.773.031 98.141.094 94.776.180

MULHERES
GRUPO ETÁRIO
2020 2025 2030 2035 2040
0 6.202.134 7.015.705 6.320.433 5.515.165 4.697.758
5 6.195.178 6.193.471 7.003.244 6.309.473 5.505.833
10 7.564.591 6.181.771 6.177.982 6.986.625 6.295.306
15 8.068.332 7.518.314 6.142.338 6.142.183 6.950.221
20 17.415.442 15.503.661 13.578.653 12.219.861 13.031.074
30 17.157.101 17.179.106 15.246.139 13.365.863 12.039.845
40 14.421.377 16.634.070 16.507.791 14.680.898 12.897.104
50 11.728.206 13.480.418 15.254.521 15.209.393 13.589.046
60 8.177.878 10.185.893 11.379.442 13.026.583 13.137.142
70 4.435.893 6.144.040 7.498.492 8.617.625 10.140.294
80 1.957.877 2.189.580 2.900.050 4.073.980 5.528.126
TOTAL 103.324.008 108.226.028 108.009.087 106.147.648 103.811.750

TOTAL
GRUPO ETÁRIO
2020 2025 2030 2035 2040
0 12.700.746 14.364.011 12.093.221 10.433.152 9.185.086
5 12.680.635 12.680.235 14.335.166 12.069.856 10.413.650
10 15.122.357 12.630.374 12.626.687 14.279.373 12.027.932
15 16.101.869 14.922.375 12.464.303 12.479.027 14.133.181
20 34.680.487 30.691.084 27.079.597 24.701.958 26.390.793
30 33.961.820 33.921.106 29.962.643 26.488.079 24.208.682
40 28.526.091 32.547.463 32.191.988 28.526.596 25.295.479
50 23.055.798 26.146.794 29.220.845 29.088.789 25.942.338
60 15.855.796 19.401.760 21.419.704 24.302.236 24.546.298
70 8.442.472 11.382.055 13.724.479 15.666.040 18.354.130
80 3.561.552 3.562.188 4.663.483 6.253.634 8.090.359
TOTAL 204.689.622 212.249.443 209.782.117 204.288.742 198.587.929

Fonte: Estimativas da autora.

41
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Como esperado, os resultados da projeção incorporando a mortalidade por


Covid-19 indicam um crescimento menor para a população idosa do que a projetada
pelo IBGE. Para 2030, por exemplo, pode-se esperar cerca de 2,3 milhões de idosos
a menos do que nessa projeção. Já para 2040, a diferença poderá ficar em torno de
3,4 milhões. No entanto, nesse ano, o contingente de sexagenários ainda deverá
alcançar um total de 50,9 milhões, o que significará 25,7% da população total. Como
a mortalidade por Covid-19 atinge mais os homens, a consequência pode ser um
incremento ainda maior na proporção de mulheres entre os idosos (Gráfico 4).

No Gráfico 5, apresenta-se o índice de dependência de cuidados, o qual indica que


em 2020 existiam 24,5 pessoas dependentes para cada cem cuidadores potenciais.
Esse valor era composto por 19,0 crianças e por 5,5 idosos para cem cuidadores. Os
resultados apontam para uma queda da demanda de cuidados por crianças para
15,1para cada cem adultos em 2040. Por outro lado, pode-se esperar que a demanda
da parte dos idosos venha mais do que dobrar: de 5,5 para 12,7por cem cuidadores.

42
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

Pelos dados da PNS de 2019, observa-se que são os familiares não remunerados
os principais cuidadores dos idosos dependentes (Tabela 5). Incluíram-se na mesma
tabela os valores médios pagos anualmente aos cuidadores remunerados, com
base no valor declarado à PNAD Contínua do terceiro trimestre de 2021. Estimaram-
se também os gastos que as famílias poderiam ter se pagassem os cuidadores não
remunerados de acordo com o valor médio recebido pelo remunerado. A tabela 6
apresenta uma síntese dos resultados das projeções e dos valores monetários que
as famílias teriam que arcar se fossem pagar todos os cuidadores.

TABELA 5
PESSOAS DE 60 ANOS OU MAIS QUE DECLARARAM RECEBER AJUDA NAS ABVDs
SEGUNDO O TIPO DE AJUDA POR SEXO E O CUSTO DA AJUDA
BRASIL, 2019
TIPO DE AJUDA (Por 1000 Habs) CUSTOS (Em Milhões R$)
HOMEM MULHER HOMEM MUL HER
Não Remunerada* 1.115,7 1.872,6 14.961,5 25.111,5
Remunerada no domicilio 123,0 440,5 5.907,8 2.195,5
Não recebe 58 118
Fonte: IBGE/PNS.
* Se fossem pagos com base no salário do cuidador remunerado de 2021.

Discussão
O crescimento do contingente da população idosa brasileira foi resultado de
elevadas taxas de fecundidade no período 1950-1970 (baby boom) e da redução da
mortalidade em todas as idades, em curso no país desde os anos 1950. A queda da
mortalidade nas idades mais avançadas tem contribuído para que esse segmento
populacional, o qual passou a ser mais representativo no total da população,
sobreviva por períodos mais longos, resultando no envelhecimento pelo topo. Este
altera a composição etária dentro do próprio grupo, ou seja, a população idosa
também envelhece.

43
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A menor mortalidade da população feminina resulta na feminização da velhice,


levando à constatação de que “o mundo dos muito idosos é um mundo das mulheres”
(Goldani, 1999, p. 78). De acordo com Lloyd-Sherlock (2004), mesmo que a velhice
não seja universalmente feminina, ela possui um forte componente de gênero.
Mulheres idosas, por exemplo, têm maior probabilidade de ficarem viúvas e de
viverem sozinhas muitas vezes, em situação socioeconômica desvantajosa. Além
disso, embora vivam mais do que os homens, passam por um período maior de
debilitação física antes da morte do que eles (Camarano, 2017; Guimarães & Andrade,
2020), tornando-se mais dependentes de cuidado, apesar de tradicionalmente
serem as cuidadoras. O cuidado a membros dependentes da família é determinado
pelas trocas intergeracionais e apresenta fortes características de gênero.

A redução generalizada da mortalidade, que tem resultado na democratização da


sobrevivência, tem como consequência não só o ritmo de crescimento mais elevado
da população idosa e sua maior heterogeneidade. É resultado de melhorias nas
condições de saúde experimentadas por esse grupo ao longo de suas vidas, desde
a vacinação na primeira infância até o avanço da tecnologia médica, que embora
de forma desigual, beneficiou grande parte da população brasileira, especialmente
a mais velha. A título de exemplo, dadas as condições de mortalidade vigentes em
1980, de cada mil indivíduos nascidos vivos, 247 podiam esperar completar 80 anos;
em 2019, esse número passou para 532 (Camarano, 2017). Reconhece-se que essa é
uma grande conquista social, mas que tem trazido grandes desafios.

O aumento da expectativa de vida não veio acompanhado pela redução na


morbidade. Alguns estudos estimam um crescimento da carga de doenças para
condições crônicas em um cenário de rápido processo de envelhecimento (Schramm
et al., 2004). É comum que as doenças crônicas resultem em sequelas limitantes de
um bom desempenho funcional, gerando situações de dependência e necessidade
de cuidados. Nos Estados Unidos, foi observado que as principais doenças crônicas
relacionadas à perda de capacidade funcional são artrite/reumatismo, doenças

44
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

cardíacas e hipertensão (Lafortine & Balestat, 2007). Hipertensão atinge mais da


metade dos idosos brasileiros.

Guimarães e Andrade (2020) fizeram uma mensuração da carga global de doenças


para as unidades da federação brasileira, utilizando-se de dados da PNS de 2013.
Encontraram para a população total um aumento na proporção de anos a serem
vividos com múltiplas morbidades. Por exemplo, aos 60 anos, mais da metade
(53,6%) da expectativa de vida convive com elas. Independentemente da idade, as
mulheres convivem por mais tempo do que os homens. É o que diz a literatura:
apesar de viverem mais que os homens, as mulheres passam por um período mais
longo experimentando doenças e fragilidades do que eles.

Também utilizando-se de dados da PNS de 2013, Melo & Lima (2020) encontraram
uma prevalência de múltiplas morbidades entre os idosos brasileiros (53,1%). Os do
sexo feminino, mais envelhecidos, que não eram solteiros, especialmente os viúvos,
e que possuíam plano de saúde, exibiram maior carga de morbidades. O fato de se
ter plano de saúde pode ter propiciado maior diagnóstico e afetado as medidas de
carga de saúde.

Em 2019, os idosos brasileiros apresentavam em média 1,8 doença crônica, sendo


que essa média para as mulheres foi mais alta, 2,4, e crescente no período. As principais
doenças crônicas que os afetaram foram hipertensão, doença de coluna ou das
costas, colesterol alto, diabetes e artrites/reumatismo. No caso da hipertensão, cerca
de 50% dos homens e 60% das mulheres declararam experimentá-la. Ressalta-se,
no entanto, que as mulheres frequentam mais os serviços de saúde. O maior acesso
aos serviços de saúde pode proporcionar a elas maiores chances de manterem as
doenças sob controle e, no caso de contraírem a Covid, de ficarem menos expostas
aos riscos de morte e de hospitalização. Segundo o Boletim Epidemiológico do

45
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Ministério da Saúde,2 55,9% das internações por Covid-19 na rede SUS foram de
homens, proporção semelhante à observada para os óbitos por Covid-19.

A proporção de idosos com dificuldades para as ABVDs aumentou, tendo as


mulheres apresentado um crescimento bem mais elevado que os homens, o que
é coerente com o aumento da proporção de idosos que declararam ter doenças
crônicas. O crescimento foi mais elevado entre os mais jovens, tendência já observada
quando se compararam 2008 e 2013 (Camarano, 2017). A diferença relativa também
cresceu no período. No entanto, a proporção que residia em casa de parentes
diminuiu para ambos os sexos; passou de 10,8% para 7,4%, e esse decréscimo
foi devido à redução na proporção de mulheres – diminuiu de 14,6% para 8,9%.
Porém, continuou mais elevada para as mulheres. Assumindo que as pessoas que
moram com parentes o fazem por necessidade de cuidados, sejam instrumentais
ou financeiros, a elevada proporção de idosas morando sós pode sinalizar para um
déficit de cuidados. No caso das mulheres, este é mais acentuado ainda porque a
proporção de mulheres idosas que moram sozinhas é mais alta. Mas isso também
pode estar acontecendo entre os homens.

Utilizando-se de dados da pesquisa Elsi-Brasil, Nunes et al. (2020) encontraram uma


associação entre a ocorrência de múltiplas morbidades e o risco de desenvolvimento
de formas clinicamente graves da Covid-19 entre a população com 50 anos ou
mais. Estimaram que pelo menos 34 milhões de indivíduos nessa faixa etária,
cerca de 52%, experimentavam alguma das morbidades avaliadas, apontando
para um contingente elevado de pessoas vivendo sob o risco de adquirir Covid-19
grave. Doenças cardiovasculares e obesidade foram as condições mais frequentes
em ambos os sexos, o que se observou em todas as regiões do país, apesar de
diferenças relativas e absolutas na ocorrência dos problemas. Os grupos de menor
escolaridade apresentaram uma prevalência mais alta de doenças crônicas isoladas
2 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial n. 89. Doença pelo coronavírus – Covid-19, 2021.Dispo-
nível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2021/boletim_epide-
miologico_covid_89_23nov21_fig37nv.pdf/view. Acesso em: 02 fev 2022.

46
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

e de multimorbidade, realçando os efeitos das desigualdades sociais na saúde dos


idosos. Essas desigualdades aumentaram no processo de pandemia e afetaram
diferentemente as taxas de mortalidade.

Taxas de mortalidade são fortemente afetadas por idade e sexo, o que se acentua
no caso de síndromes respiratórias agudas graves (SRAG) e, consequentemente, da
Covid-19. Observou-se um acréscimo no total de óbitos da população total entre
2019 e 2021, principalmente entre os homens, a despeito da predominância da
população feminina. Embora os óbitos pela Covid tenham atingido populações
de qualquer idade, têm incidido de forma mais grave entre os idosos, dada a alta
prevalência de múltiplas morbidades. De acordo com o Boletim Epidemiológico do
Ministério da Saúde,3 cardiopatia e diabetes foram os principais fatores de risco para
mortalidade por Covid-19 entre os idosos brasileiros falecidos na última semana de
janeiro de 2022.

Embora as mortes por Covid sejam concentradas nas idades avançadas,


o aumento das taxas de mortalidade da população idosa já está provocando um
impacto tanto na expectativa de vida ao nascer como aos 60 anos. Chama-se a
atenção para o fato de que a expectativa de vida ao nascer cresceu, em média,0,35
ano por ano (quatro meses) para ambos os sexos entre 1980 e 2019. No entanto,
entre 2019 e 2021, estima-se uma redução de 3,5 anos para a população masculina
e de 5,7anos para a feminina. Já a perda estimada para os idosos é de cerca de 3,5
anos para os homens e de 5,1 para as mulheres.

Reconhece-se que os óbitos por Covid poderiam ter ocorrido por outra causa,
já que esse grupo populacional é acometido por múltiplas morbidades, mas isso
não foi possível controlar. Da mesma forma, acredita-se na existência de uma
mortalidade indireta pela Covid, ou seja, daquelas pessoas que morreram por outra
3 Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico Especial n. 98. Doença pelo coronavírus – Covid-19, 2021.Dispo-
nível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/covid-19/2022/boletim-epide-
miologico-no-98-boletim-coe-coronavirus.pdf/view. Acesso em: 02 fev 2022.

47
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

causa, por não terem conseguido ou não terem procurado tratamento médico dada
a pandemia.

Por exemplo, o Painel Oncológico Brasil/Datasus aponta uma queda de


diagnósticos de cânceres entre idosos brasileiros comparando 2019 e 2021. Estes
passaram de 284.500 casos para 127.330,4 ou seja, uma queda de 55,2%. É sabido
que um diagnóstico mais tardio de tumores está relacionado a um pior prognóstico,
a tratamento mais agressivos e a desfechos piores.

Além do aumento das taxas de mortalidade, a pandemia está trazendo uma


mudança no padrão de causas de morbidade e mortalidade. Depois de a população
brasileira ter passado por um processo de substituição progressiva das doenças
infecciosas e parasitárias pelas doenças crônicas e degenerativas como principais
causas de mortalidade e morbidade, parece que se pode falar de uma volta ao primeiro
perfil. Outra diferença importante do segundo perfil é que o pico da mortalidade,
inclusive pelas doenças infectocontagiosas como a Covid, ocorre nas idades mais
avançadas e não na primeira infância. Seria esse um movimento de contra transição,
representado pelo surgimento de novas doenças? Ocorre conjuntamente com uma
redução do número de óbitos por doenças dos aparelhos respiratório, circulatório e
neoplasias.

Segundo Omran (1971, apud Servo, 2014), a transição epidemiológica seria o


processo de substituição das doenças infecciosas e parasitárias como principais
causas de mortalidade e morbidade pelas doenças cardiovasculares, neoplasias e
demais doenças crônicas. O primeiro estágio também se caracteriza pelo fato de o
pico da mortalidade ocorrer na primeira infância e o outro nas idades mais avançadas.
Esse novo perfil epidemiológico está associado a envelhecimento populacional,
desenvolvimento econômico, industrialização e urbanização.
4 Painel Oncológico Brasil/Datasus. Disponívelem:http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dhdat.exe?PAINEL_ONCO/PAINEL_ONCOLOGIABR.def. Acesso
em: 14 fev 2022.

48
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

A mortalidade é uma variável importante na determinação do crescimento


populacional. Tornou-se ainda mais importante dado o seu aumento significativo
durante a pandemia. Esse aumento antecipa uma tendência já apontada para a
redução do crescimento populacional prevista para o final da década de 2030
(Camarano,2014a). Essa redução poderá ainda ocorrer nesta década (2020), não só
pelo aumento da mortalidade, mas também pela redução mais do que esperada
no número de nascimentos, devido à pandemia. Esta ocasionou um aumento da
mortalidade materna e levou a um adiamento das gestações planejadas. Chama-se
a atenção para a tendência apontada de redução da população total, o que aumenta
a proporção da população idosa nesse total e afeta as relações intergeracionais.

Apesar da pandemia, as projeções apontam que a população de idosos deverá


continuar a crescer nos próximos vinte anos, num ritmo mais acentuado do que
o restante da população. Como já se mencionou, os futuros idosos brasileiros já
nasceram, e fazem parte desse grupo os baby boomers, que estão se transformando
nos elderly boomers. Não será apenas uma coorte numerosa, mas uma coorte
muito diferente qualitativamente das anteriores, principalmente as mulheres. A
trajetória dos baby boomers foi influenciada pela cultura do consumo e pela maior
participação feminina no mercado de trabalho. Foi incutida neles a ideia da obrigação
de envelhecerem ativos para não se tornarem um peso para a sociedade e para a
família. Essa visão contrapõe-se ao contrato intergeracional, que estabelece que
os pais cuidem dos filhos quando crianças e que estas vão cuidar dos pais quando
estiverem velhos.

Dentre a população idosa, observa-se um crescimento mais acentuado da


população de 80 anos ou mais, o que leva a um envelhecimento da população idosa
e traz como consequência um aumento na proporção de pessoas que vão necessitar
de ajuda para o desempenho das atividades básicas do cotidiano. Esse aumento já
foi observado entre 2013 e 2019, independentemente das variações demográficas.

49
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Pode refletir maior heterogeneidade da nova coorte de idosos, mas será reforçado
pela dinâmica demográfica.

O aumento da população que demandará cuidados pode vir acompanhado de


um tempo maior vivido na condição de demandantes. De acordo com Jacobzone
(1999), com base nos dados disponíveis para os países-membros da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os indivíduos vivem em
média entre dois e quatro anos dependentes de cuidados mais intensivos no final
de suas vidas. Estimativas de Camarano (2017) apontam que o número de idosos
brasileiros que deverão necessitar de cuidados prolongados poderá crescer entre
61% e 77% entre 2010 e 2030, e que os homens e as mulheres deverão passar 4,2 e
4,7 anos, respectivamente, demandando cuidados de longo prazo.

Esse crescimento expressivo da população demandante de cuidados ocorre em


um contexto de transformações estruturais acentuadas nas famílias, decorrentes
de mudanças na nupcialidade, da queda da fecundidade e do ingresso maciço
das mulheres no mercado de trabalho. Essas mudanças afetam substancialmente
a capacidade de as famílias ofertarem cuidados à população idosa, bem como os
contratos tradicionais de gênero, em que a mulher é cuidadora e o homem, provedor.
Hoje, a mulher brasileira está assumindo cada vez mais o papel de provedora; de
acordo com a PNAD 2020, a sua renda foi responsável por cerca de 42% da renda das
famílias brasileiras. No entanto, elas ainda mantêm a responsabilidade pelo cuidado
dos seus membros dependentes.

Além disso, pouco se sabe sobre as sequelas deixadas pela Covid, e seu impacto na
demanda por cuidados só será devidamente conhecido após passada a pandemia.
Estudos mencionam problemas cardíacos e neurológicos, depressão e ansiedade
como resultado da doença (Estrela et al., 2021). Xie, Bowe & Al-Aly (2021), em análise
feita para os Estados Unidos, identificaram 33 sequelas que afetam os sistemas
nervoso, mental, neurocognitivo, cardiovascular ou gastrointestinal. A gravidade

50
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

das sequelas é mais severa nos indivíduos com precárias condições de saúde e varia
com a gravidade da infecção. No entanto, elas são importantes também para os
indivíduos que não foram hospitalizados pela Covid. Como esse grupo representa
a maioria das pessoas que foram infectadas, pode significar um grande número de
sequelados pressionando o sistema de saúde e de cuidados.

O isolamento social deve estar levando a um aumento de depressão, ansiedade,


perda de massa muscular e perdas cognitivas, independentemente de o indivíduo
ter adquirido ou não Covid – o que significa ainda mais pressão sobre a demanda
de cuidados e de serviços de saúde, em um contexto de redução da capacidade da
família de cuidar.

O índice de dependência de cuidados aponta para mais do que uma duplicação


da demanda de cuidados por parte da população idosa e uma redução da demanda
para crianças. Chama-se a atenção para o fato de que essa medida representa uma
demanda potencial bruta, pois nem todos os idosos considerados terão dependência
funcional, e certamente uma parte da população de 15 a 75 anos terá. Ou seja, ela
mede apenas o efeito idade nessa relação.

Foi visto que são os familiares não remunerados os principais cuidadores de


idosos dependentes. A responsabilização da família pelo cuidado com os membros
dependentes assume que os cuidadores, especialmente as mulheres, não incorrem
em custos financeiros ou emocionais na prestação de cuidados (Goldani, 2004). Mas
na verdade, cuidar custa. Custa tempo, dinheiro, acarreta perda de oportunidades,
principalmente no mercado de trabalho, riscos para a saúde, isolamento social,
desestimula a reprodução, entre outros fatores. Como o cuidado familiar é realizado
no ambiente doméstico, isso o faz socialmente invisível. Não é recompensado e não
gera direitos sociais como o trabalho formal, considerado produtivo (Camarano,
2014b). Mas gera grandes benefícios tanto no âmbito público quanto no privado.

51
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Dos 2,4 milhões de idosos que declararam precisar de ajuda, apenas 23,4%
declararam receber ajuda remunerada. A preços de 2021, isso significou um gasto
anual de R$ 7,6 bilhões. Para remunerar os demais, seriam precisos mais R$ 40,1
bilhões. Ou seja, poucas famílias terão acesso ao cuidado remunerado se não houver
uma ajuda do Estado, o que pode fazer diferença na qualidade da atenção recebida.
No caso brasileiro, a ajuda financeira da seguridade social para que o segurado possa
pagar por esse tipo de serviço só ocorre no caso da aposentadoria por invalidez.

A lei n. 8.213, de 19915, no seu artigo 45, estipula que:


“o valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa
será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).

Parágrafo único. O acréscimo de que trata este artigo:

a) será devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal;

b) será recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado;

c) cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da pensão”.

Sintetizando, o cuidado com o idoso dependente só ocorrerá de forma eficaz


e equitativa com o apoio público, pois os custos financeiros, físicos e emocionais
são muito altos. Embora a Constituição de 1988 e o Estatuto do Idoso incentivem
a aproximação dos filhos com os pais, a tradução disso em práticas eficazes para o
cuidado dos idosos só terá resultado efetivo quando políticas sociais para ajudar a
família a cuidar sejam implantadas.

Considerações finais
Não há dúvida de que o alongamento das vidas é uma das conquistas sociais mais
importantes da segunda metade do século XX. Expectativas de vida em torno de
cem anos foram projetadas para os países em desenvolvimento para meados deste
século. Mas mudanças nem sempre acontecem em uma única direção. Avanços e
retrocessos são parte da História. Além de resultar em mortes precoces, com impacto
5 Ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 03 fev 2022.

52
Os idosos brasileiros: muito além dos 60?

na expectativa de vida e no crescimento da população em geral, em especial na


idosa, a pandemia da Covid-19 está acentuando as incertezas antes existentes
quanto às condições de saúde, renda e autonomia que experimentarão os idosos
no futuro. Pelo menos até o momento, os idosos brasileiros estão perdendo 4,3 anos
do tempo que poderiam ainda viver. Como recuperar isso é uma questão ainda não
equacionada – e certamente levará muito mais tempo do que foi gasto na redução.

Visões negativas a respeito do aumento da expectativa de vida associam-na a um


aumento no tempo em que os idosos experimentarão perdas de capacidade física,
cognitiva e autonomia, onerando os serviços de saúde e impondo sobrecarga às
famílias. Pouco se sabe sobre as sequelas deixadas pela Covid, acrescidas dos efeitos
do isolamento social, mas acredita-se que os sobreviventes estão colocando ainda
mais pressão sobre a demanda de cuidados e de serviços de saúde, em um contexto
de redução da capacidade da família de cuidar. Como consequência, acredita-se que
uma visão negativa da velhice e dos idosos está se acentuando no transcorrer da
pandemia e, com ela, um aumento dos preconceitos com relação a essa população.

Para finalizar, destaca-se que a pandemia reforçou os desafios já acarretados


pelo envelhecimento, ou seja, as demandas por políticas públicas se intensificaram,
especialmente as relativas à renda, aos cuidados e à saúde. O atendimento dessas
demandas é de fundamental importância para que a população brasileira possa ir
muito além dos 60.

Agradecimentos

A autora agradece a Daniele Fernandes pelo processamento e pelas tabulações


dos dados aqui utilizados.

53
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

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55
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
2
Envelhecimento da população brasileira:
Projeções da demanda e dos custos de
instituições de longa permanência para idosos

Karla Cristina Giacomin

1. Introdução
Os “cuidados de longa duração” (CLD) se referem aos cuidados continuados ou
serviços que as pessoas mais velhas precisam para ajudá-las a realizar as atividades
relativas a cuidados pessoais e tarefas domésticas, bem como para manter relações
sociais (Muir, 2017). A denominação CLD se origina da tradução da expressão inglesa
long-term care e se refere ao “apoio material, instrumental e emocional, formal ou
informalmente oferecido por um longo período de tempo às pessoas que o necessitam,
independentemente da idade” (Camarano, 2010).

Em 2015, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) acerca da


cobertura de CLD para pessoas idosas em 46 países destacou que tais necessidades
permanecem ignoradas na maioria dos países investigados. O cuidado informal
para idosos dependentes ainda é a regra, mas tal modelo não é sustentável,
principalmente pelo fato de os potenciais cuidadores informais também estarem
envelhecendo (Scheil-Adlung, 2015) e o perfil das famílias e o papel das mulheres
terem-se alterado rapidamente (Camarano, 2014).

De acordo com Scheil-Adlung (2015), no Brasil, dentre os indicadores investigados


em relação à percentagem da população com 65 ou mais anos de idade coberta
com CLD, os resultados são preocupantes. A média de despesa pública em CLD
no período 2006-2010 e em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI)
para este público, em porcentagem do PIB per capita em 2013, foi a tal ponto

56
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

irrisória que a autora a considerou nula (zero). O número de trabalhadores formais


de CLD por 100 pessoas com 65 anos ou mais de idade também foi considerado 0
(zero). Quanto aos custos, a OIT (2015) definiu um limiar relativo de USD 1.461,80
de paridade do poder de compra destinados aos CLD para idosos (Scheil-Adlung,
2015). Além disso, na mesma avaliação, a lacuna de cobertura devido ao número
insuficiente de trabalhadores formais de CLD (limiar relativo: 4,2 trabalhadores por
100 pessoas com idade igual ou superior a 65 anos) seria de 100%. Para preencher
a lacuna de CLD no país, seriam necessários mais de 650.000 cuidadores formais.
Porém, somente ofertar os cuidadores formais não configura uma política de CLD
(Scheil-Adlung, 2015).

Uma política pública de cuidados de longa duração (CLD) poderia ser compreendida
como uma tentativa de equilibrar as responsabilidades concorrentes entre os
indivíduos, as famílias, o Estado e o mercado no desenvolvimento de programas
para atender às necessidades humanas. Pensar políticas públicas de CLD significa
analisar os dados empíricos disponíveis e vislumbrar possíveis cenários futuros, na
expectativa de colaborar para reduzir iniquidades e apontar lacunas no sistema de
informações ou falhas da gestão.

O desafio do cuidado aos idosos é particularmente sentido nos países de baixa


e média renda, onde o desenvolvimento de políticas de CLD não acompanha o
ritmo do envelhecimento da população (Feng, 2019). Na América Latina e no Brasil,
o acelerado e intenso processo de envelhecimento populacional acontece em
um contexto de marcada desigualdade social e de gênero, o que representa um
desafio ainda maior para a oferta de políticas de CLD (Camarano, 2010; Miranda,
Mendes & Silva, 2016). Ademais, observa-se o maior acometimento das pessoas
idosas por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), o que aumenta a chance
de incapacidade funcional e a complexidade nos cuidados. Em contrapartida, a
urbanização, a migração de jovens para cidades à procura de emprego, famílias
menores e mais mulheres inseridas no mercado de trabalho reduzem o contingente

57
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

de pessoas disponíveis para o cuidado das pessoas idosas dependentes de cuidados


(Camarano & Kanso, 2010).

No Brasil, frente à inexistência de uma política nacional de CLD, a expressão prática


mais clara desta lacuna se traduz na oferta reduzida e heterogênea de cuidados
institucionais. Porém, ainda há muito desconhecimento e preconceito acerca deste
modelo de cuidado, que existe à revelia de um olhar regulador e impulsionador
da sua qualidade pelo Estado brasileiro (Villas-Boas et al., 2021). Dessa forma, este
trabalho propõe uma análise prospectiva acerca das demandas por CLD, com ênfase
nos cuidados institucionais para idosos, a partir de fontes de dados disponíveis.

2. Percurso metodológico
De acordo com a norma mais recente que regulamenta o funcionamento de
unidades de acolhimento para idosos, a RDC – Anvisa nº 502/2021:

“Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI): instituições governamentais ou não governamentais, de
caráter residencial, destinada a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos,
com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade e dignidade e cidadania” (Brasil, 2021).

As ILPI cumprem um imprescindível papel social e de saúde (Villas-Boas et al.,


2021) e se prevê um aumento na necessidade de oferta de vagas (Camarano, 2014).
Porém, no Brasil, segundo Born & Boechat (2016), ainda que as ILPI constituam
parte da rede de assistência social, em geral, elas não são criadas em decorrência da
implementação de uma política de CLD, mas de demandas da comunidade (Born &
Boechat, 2016), ou seja, elas são a prova cabal da falta de uma política de CLD.

Talvez por essa razão, ao contrário das informações sobre vagas em unidades de
internação ou número de consultas na atenção primária, para os CLD não há fontes de
dados contínuas, oficiais e comparáveis que possam informar as políticas regionais
ou nacionais, inclusive aquelas referentes às ILPI (Lacerda et al., 2021). O país carece
de informações básicas sobre estas instituições, por exemplo: quantas são; onde
estão localizadas; qual a sua natureza jurídica; que serviços e atividades oferecem

58
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

aos residentes. Os sistemas de Saúde e de Assistência Social tampouco dispõem de


informações sistematizadas e compartilhadas sobre a população assistida.

Na perspectiva de avaliar a oferta e a demanda de CLD na população adulta e


idosa brasileira, este estudo quantitativo, ecológico e exploratório utiliza dados
secundários públicos extraídos de diferentes fontes de pesquisa consultadas,
incluindo o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e os dados institucionais
dos censos de abrangência nacional realizados no país. Serão considerados o
crescimento da demanda e a projeção de custos para o Estado, assumindo-se a
mesma estrutura de CLD para idosos (formais e informais) existentes em 2019. Este
período se justifica por ainda não ter sido afetado pela pandemia da Covid-19.

3. Resultados
Na literatura e na legislação se encontram referências a ILPI, casas de repouso,
lares, hotéis, asilos (Camarano, 2010) e, mais recentemente, clínicas geriátricas.
É importante reconhecer que a dificuldade de se caracterizar uma ILPI não existe
apenas no Brasil. Em pesquisa feita em 18 países por Stanford et al. (2015) sobre
nursing homes, concluiu-se que se tratava de uma residência coletiva, que oferece
cuidados 24 horas por dia para pessoas com necessidades de saúde e que requerem
ajuda para as atividades da vida diária (AVD). Em 37% dos países pesquisados,
embora não sejam uma enfermaria, médicos visitam as instituições, que podem
contar ou não com profissionais da área de saúde e oferecer ou não cuidados
paliativos e terminais. Também oferecem CLD e/ou reabilitação com o objetivo
de evitar internações hospitalares e facilitar altas, funcionando como cuidados de
transição (Stanford et al., 2015).

Quanto à codificação como atividade econômica, no Brasil, as ILPI são consideradas


atividades de atenção à saúde humana integradas com assistência social, prestadas
em residências coletivas e particulares, pertinentes à Seção Q, divisão 87 do Cadastro
Nacional de Atividades Econômicas (CNAE, 2022). Porém, nesta seção estão listadas

59
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

as clínicas e residências geriátricas, sendo possível identificar: casa de repouso para


idosos; casa geriátrica com internação; centro geriátrico com internação; centro
médico geriátrico; clínica geriátrica com internação; residência geriátrica. Contudo,
instituições que prestam serviços tanto de ILPI (CNAE 87115-02), quanto de Clínica
Geriátrica (CNAE 87115-01) precisam ter os dois CNAE registrados no seu Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e cumprir com as exigências para ambos os
tipos de entidades, descritas em diferentes normas (CNAE, 2022). E, ainda, apesar
da existência de mecanismos de fiscalização de ILPI (Giacomin & Couto, 2010), a
fiscalização varia conforme o (des)interesse da gestão pública sobre esses espaços.

Tudo isso concorre para uma dificuldade a mais na regulação, na fiscalização e no


conhecimento acerca dos serviços ofertados, como será visto a seguir.

3.1 Censo de unidades de acolhimento institucional 2019


Embora formalmente renomeadas como ILPI, este termo ainda não foi assimilado
pela comunidade institucional, nem pelas políticas sociais, nem pela população.
Para a Política Nacional de Assistência Social (Brasil, 2004), trata-se de unidades de
acolhimento institucional.

Desde 2010, o SUAS realiza anualmente um censo sobre os cuidados institucionais


ofertados no âmbito da PNAS (Brasil, 2004), divulgados pelo Portal Censo SUAS.
Respondem, virtualmente, a este censo apenas ILPI vinculadas à política de assistência
social, com ou sem convênio com o poder público. Esta plataforma contém o banco
Acolhimento Municipal Recursos Humanos (Banco RH) e o Acolhimento Municipal e
Estadual: dados gerais (Banco geral ILPI) (Brasil, 2020). Na primeira base, as unidades
amostrais foram as ILPI e na segunda base, os trabalhadores das ILPI. As duas bases
foram vinculadas pela variável comum de identificação das ILPI, conforme Cadastro
do Sistema Único de Assistência Social (CadSUAS). O banco de dados ainda possui

60
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

outras informações que não foram incluídas neste estudo. Do presente estudo
participaram todas as ILPI que alimentaram o Banco de Dados do Censo SUAS- 2019.

Quanto ao tipo de oferta de serviços de acolhimento, de acordo com a Tipificação


Nacional dos Serviços Socioassistenciais1, 94% se referem a cuidados institucionais
de longa permanência, estando divididos em (Brasil, 2009):

- Abrigo institucional: oferece acolhimento para pessoas com 60 anos ou mais,


de ambos os sexos, independentes e/ou com diversos graus de dependência.
Excepcionalmente, a natureza do acolhimento deverá ser de longa permanência.
Idosos(as) com vínculo de parentesco ou afinidade – casais, irmãos, amigos etc. –
devem ser atendidos na mesma unidade;

- Casa-lar: unidade residencial que deve possuir em seu quadro de funcionários,


um educador social como residente responsável pelo atendimento aos idosos
juntamente com uma equipe técnica especializada nos cuidados das AVD;

- Serviço de acolhimento em repúblicas: destinado a idosos que tenham


capacidade de gestão coletiva da moradia e condições de desenvolver, de forma
independente, as AVD, mesmo que requeiram o uso de equipamentos de auto-
ajuda;

- Outras formas: incluem casas de passagem, residências inclusivas para pessoas


com deficiência.

Além dessas ainda existem residências inclusivas para adultos e pessoas com
deficiência que não são objeto deste capítulo.
1 Aprovada pelo Conselho Nacional da Assistência Social, conforme resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009.

61
de equipamentos de auto-ajuda;
- Outras formas: incluem casas de passagem, residências inclusivas para pessoas com deficiência.
- Outras formas: incluem casasCRÔNICAS
DOENÇAS de passagem, residências
E LONGEVIDADE: inclusivas
DESAFIOS PARApara pessoas com deficiência.
O FUTURO
Além dessas ainda existem residências inclusivas para adultos e pessoas com deficiência que não são
Alémcapítulo.
objeto deste dessas ainda existem residências inclusivas para adultos e pessoas com deficiência que não são
O Censo SUAS 2019 identificou 1.784 serviços de acolhimento destinados a
objeto deste capítulo.
pessoas
O Censo idosas,
SUAS 2019 conforme
identificou 1.784 apresentado na Tabela
serviços de acolhimento 1.
destinados a pessoas idosas, conforme
O Censo
apresentado SUAS1.2019 identificou 1.784 serviços de acolhimento destinados a pessoas idosas, conforme
na Tabela
Tabela 1 – Tipo
apresentado e oferta
na Tabela 1. de serviços de acolhimento credenciados junto ao Sistema
Tabela 1 – Tipo e oferta de serviços de acolhimento credenciados junto ao Sistema Único de Assistência
Único de Assistência Social. Brasil, 2019
Social. Brasil,
Tabela2019
1 – Tipo e oferta de serviços de acolhimento credenciados junto ao Sistema Único de Assistência
Social. Brasil, 2019 Censo SUAS 2019
Tipo
N % SUAS 2019
Censo
Abrigo Tipo
institucional (Instituição de Longa N 93,55 %
1.669
Permanência para Idosas/os
Abrigo - ILPI) (Instituição de
institucional Longa
Casa-lar 75 1.669
4,20 93,55
Permanência para Idosas/os - ILPI)
República 19 1,07
Casa-lar 75 4,20
Outros 21 1,18
República 19 1,07
Total 1.784 100,0
Outros 21 1,18
Total 1.784 100,0
Fonte: Secretaria
Fonte: Nacional
Secretaria de Assistência
Nacional Social,Social,
de Assistência 2022. 2022.

O númeroFonte:
de ILPISecretaria Nacional
credenciadas dese
ao SUS Assistência Social, 2022. no país (Gráfico 1).
distribui desigualmente
O número de ILPI credenciadas ao SUS se distribui desigualmente no país (Gráfico 1).
Gráfico 1O –número de ILPIproporcional
Distribuição credenciadasdas
ao SUS se unidades
1.784 distribui desigualmente
de acolhimentonoinstitucional
país (Gráficopara
1). idosos,
segundoGráfico 1 – SUAS,
a Região – Censo Distribuição
2019. proporcional das 1.784 unidades de acolhimento
Gráfico 1 – Distribuição proporcional das 1.784 unidades de acolhimento institucional para idosos,
institucional para–idosos,
segundo a Norte
Região segundo
Censo SUAS, 2019. a Região – Censo SUAS, 2019.
Nordeste Sudeste
Sul Centro-oeste
Norte 2% Nordeste Sudeste
Sul Centro-oeste
11%
12%2%
11%
12%
16%

16%

59%

59%

Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022. 5

62
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

Quanto à natureza jurídica, apenas 195 (10,9%) ILPI eram governamentais, sendo
185 (10,4%) municipais, 10 (0,5%) estaduais e nenhuma federal. Quando analisado
o tempo de implantação da unidade de acolhimento, 42,8% do total de ILPI existem
Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
há mais de 40 anos (N=763). Contudo, no mesmo Censo, chama atenção o fato
de que das 297 unidades de acolhimento destinadas a adultos com deficiência,
Quanto à natureza jurídica, apenas 195 (10,9%) ILPI eram governamentais, sendo 185 (10,4%)
44,1% (N=131) foram criadas nos últimos cinco anos, o que sugere um aumento da
municipais, 10 (0,5%) estaduais e nenhuma federal. Quando analisado o tempo de implantação da
demanda deste tipo de serviço (dados não apresentados).
unidade de acolhimento, 42,8% do total de ILPI existem há mais de 40 anos (N=763). Contudo, no
A distribuição
mesmo Censo, dao população
chama atenção fato de que dasidosa acolhida
297 unidades quanto ao
de acolhimento sexo eaàadultos
destinadas faixa com
etária está
apresentada
deficiência, na Tabela
44,1% (N=131) 2. nos últimos cinco anos, o que sugere um aumento da demanda
foram criadas
deste tipo de serviço (dados não apresentados).
Tabela 2 – Distribuição da população idosa acolhida segundo o sexo e a faixa
A distribuição da população idosa acolhida quanto ao sexo e à faixa etária está apresentada na Tabela 2.
etária – Censo SUAS 2019
Tabela 2 – Distribuição da população idosa acolhida segundo o sexo e a faixa etária – Censo SUAS 2019

Sexo
Total
Faixa etária Homem Mulher
N % N % N %
Menor de 60 anos 1.755 5,65 1.537 4,76 3.292 5,19
60 a 79 anos 19.954 64,21 15.779 48,84 35.733 56,38
80 anos ou mais 9.365 30,14 14.990 46,40 24.355 38,43
Total 31.074 100,0 32.306 100,0 63.380 100,0

Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.Erro! A referência de hiperlink não é válida.
Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.

A maioria das ILPI (68,71%) afirma não ter restrições quanto ao acesso de públicos
A maioria das ILPI (68,71%) afirma não ter restrições quanto ao acesso de públicos específicos, conforme
específicos,
apresentado na Tabelaconforme
3. apresentado na Tabela 3.

63
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Tabela 3 – Número e proporção de unidades que aceitam acolher pessoas de


Tabela 3 – Número e proporção de unidades que aceitam acolher pessoas de acordo com certas
acordo com certas
características características selecionadas
selecionadas

Acolhidos
Sim
Características pessoais atualmente
N % N %
Pessoas com Doença Mental (Transtorno Mental) 1.222 68,50 12.145 19,16

Pessoas refugiadas/imigrantes 986 55,27 157 0,25

Pessoas com trajetória de rua 1.406 78,81 2.645 4,17


Pessoa idosa indígena ou de comunidades
tradicionais (exemplo: quilombola, ciganos, 1.238 69,39 79 0,12
ribeirinhos)
Pessoas com deficiência física, sensorial ou
1.670 93,61 23.207 36,62
intelectual
Pessoas idosas travestis, transexuais,
1.186 66,48 90 0,14
transgêneros
Pessoas com dependência de álcool ou outras
873 48,93 2.378 3,75
drogas
Público com estas características - - 40.701 64,22
Total de instituições/ média / população
1.784 68,71 63.380 100,0
assistida

Fonte:Fonte:
Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.

Quanto aos profissionais das equipes que atuam nas instituições, no Gráfico 2
Quanto aos profissionais das equipes que atuam nas instituições, no Gráfico 2 está apresentada sua
está apresentada sua distribuição percentual nas ILPI credenciadas ao SUAS.
distribuição percentual nas ILPI credenciadas ao SUAS.

Gráfico
Gráfico 22 – Distribuição
– Distribuição percentualpercentual
dos profissionaisdos profissionais
que atuam em Instituiçõesque atuam
de Longa em Instituições
Permanência
Gráfico
para 2 – Distribuição
Idosos percentual dos profissionais que atuam em Instituições de Longa
– Censo, 2019.
dePermanência
Longa Permanência para2019.
para Idosos – Censo, Idosos – Censo, 2019.
8,96860986547
Profissional de nível superior para atividades de lazer (educador/ terapeuta ocupacional)
085
Profissional de nível superior para atividades de
8,97
lazer (educador/ terapeuta ocupacional) Médico 13,9

Médico 13,9
Fisioterapeuta 35,87

Fisioterapeuta Nutricionista 35,87


37,84

Nutricionista Enfermeiro 37,84 58,86

Enfermeiroou em grupo na unidade)


Psicólogo para o atendimento psicossocial (individualizado 71,6458,86

Psicólogo para o atendimento psicossocial 73,262331838571,64


Assistente social
(individualizado ou em grupo na unidade) 65

Assistente social 73,26


Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
7
Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.

64
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

As ILPI credenciadas ao SUAS declararam ter 38.956 empregados em 2019. Os


cuidadores representam 23,8% deste quadro de profissionais. Ainda segundo a RDC
502/2021 (Brasil, 2021), as ILPI devem ter um responsável técnico (RT) com formação
em nível superior. Do total das instituições avaliadas, 1.770 (99,21%) afirmaram tê-
lo, mas somente 64,57% (N=1.152) relataram vínculo formal de trabalho de pelo
menos 20h semanais deste profissional, conforme exigido na norma.

3.2 Censos Nacionais de Instituições de Longa Permanência para Idosos


Embora haja unidades de abrigamento para idosos no país há mais de um século
(Camarano, 2010), apenas dois censos de abrangência nacional foram realizados até
o presente momento:

- O primeiro, aqui chamado Censo IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a; Camarano,


2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e), refere-se à primeira
pesquisa acerca das“Condições de funcionamento e de infraestrutura nas instituições
de longa permanência (ILPI) no Brasil”2;

- O segundo estudo, o Censo FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021), foi realizado por
um grupo de pesquisadores pela Frente Nacional de Fortalecimento às ILPI (FN-
ILPI)3 que buscou retratar um panorama das ILPI do Brasil (Maiores detalhes estão
disponíveis em Lacerda et al., 2021).

3.2.1 O Censo IPEA 2008-2010


Dentre as instituições identificadas pelo Censo IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a;
Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e), 6,3%
se denominavam “abrigos”, um terço se autodenominava “lares”, 10,7% “Casas de
repouso” e 65,2% das instituições eram de natureza filantrópica. Os motivos alegados
2 Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) em parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) e
o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI).
3 Um movimento voluntário organizado para oferecer informações com vistas à prevenção do contágio e de óbitos por Covid-19 entre as pessoas
idosas e ao aprimoramento das políticas públicas de CLD. Maiores detalhes estão disponíveis em: www.frente-ilpi.com.br

65
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

para a busca de uma instituição são a carência financeira e a falta de moradia, o que
talvez explique o fato de as ILPI integrarem a rede de serviços da assistência social.
Muitas delas são pequenas, têm menos de dez residentes e funcionam em casas,
representando 10% das instituições segundo a pesquisa do IPEA (Camarano, 2008a;
Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e).

Este censo identificou 3.548 instituições distribuídas por 29,9% dos municípios
brasileiros, sendo 65,2% filantrópicas; 28,2% privadas com fins lucrativos e 6,6%
públicas ou mistas, com maior concentração na Região Sudeste e nas cidades maiores.
Aproximadamente 84 mil pessoas com mais de 60 anos viviam em instituições, em
sua maioria pequenas (com média de 30,4 residentes/ILPI), que atuavam quase em
plena capacidade (90% dos leitos ocupados), graças a recursos provenientes dos
residentes e/ou familiares (57%) seguidos pelo financiamento público (federal,
estadual ou municipal), em torno de 20% (Camarano, 2008a; Camarano, 2008b;
Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e).

Quanto ao perfil dos residentes, o Censo IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a;


Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) identificou
uma predominância de mulheres, com exceção da Região Norte (Camarano,
2008c) e Centro-Oeste (Camarano, 2008a) do país, e de idosos mais longevos, mais
acentuadamente nas instituições privadas com fins lucrativos. Isso sugere, segundo
Camarano (2010), que a busca pela moradia numa ILPI privada se dá, principalmente,
por pessoas dependentes que não podem contar com um cuidador familiar. Nas
ILPI públicas e filantrópicas, questões de ordem financeira e a falta de rede familiar
e social de apoio parecem prevalecer. Os principais serviços oferecidos pelas
instituições filantrópicas se relacionam ao abrigamento dos idosos independentes
e semidependentes; ao apoio para o desenvolvimento das atividades de vida diária
(AVD) e aos cuidados com a saúde, ainda que essas instituições não sejam de saúde
(Camarano, 2010; Camarano, 2008a; Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano,
2008d; Camarano, 2008e).

66
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

Os resultados do Censo IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a; Camarano, 2008b;


Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) mostraram que a proporção
de idosos residentes em instituições era muito baixa, em torno de 1% (Camarano,
2010), e que o papel do Estado na área de CLD se centrava, quase exclusivamente,
no abrigamento de idosos pobres. Ainda assim, a principal fonte de renda advinha
do próprio residente idoso, por meio de sua aposentadoria, pensão ou benefício
assistencial, cuja manutenção não é uma questão equacionada. Esta lógica de o
residente contribuir com o seu custeio contraria a premissa constitucional de uma
política de Assistência Social não contributiva.

Além disso o número de instituições públicas era muito pequeno, 170 (5,2%)
entre 3.294 instituições, a maioria municipal. Das instituições que responderam
ao Censo IPEA (Camarano, 2008a; Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano,
2008d; Camarano, 2008e), 40,8% declararam receber financiamento público, mas,
ainda assim, o financiamento público constituía apenas 20,2% dos recursos das
instituições – e, nas filantrópicas, público-alvo do financiamento, constituía 21,9%.

3.2.2 O Censo FN-ILPI 2021


O Censo FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021; Domingues et al., 2021) teve como
referência o do IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a; Camarano, 2008b; Camarano,
2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) e foi realizado em 3 etapas, conforme
apresentado na Figura 1.

67
Fonte: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Figura 1 – Apresentação das etapas de planejamento e desenvolvimento do


Figura 1 – Apresentação das etapas de planejamento e desenvolvimento do Censo FN-ILPI 2021.
Censo FN-ILPI 2021.
Etapa 3 - Comparação
Etapa 2 - Distribuição
Etapa 1 - Cadastro entre o número de ILPI
geográfica das
preliminar e a população maior de
instituições
75 anos
•Fontes: Censo SUAS de 2019; • Verificação manual do Código •Análise entre a oferta e a
secretarias municipais e de Endereço Postal (CEP) do potencial demanda por
estaduais de assistência social município de cada ILPI e da cuidados institucionais nas
ou congêneres; conselhos de junção no shapefile de diferentes unidades da
direitos da pessoa idosa das municípios do Brasil do Federação.
três esferas governamentais; Instituto Brasileiro de Geografia
Ministérios Públicos Estaduais e e Estatística (IBGE) utilizando o
entidades da vigilância sanitária Sistema de Informação
municipais e estaduais de todo Geográfica (QGIS).
território nacional.

Fonte: Elaborado pela autora.


Fonte: Elaborado pela autora.

Maiores detalhes estão disponíveis em Domingues et al. (2021).

Na Tabela 4 é apresentado o número de ILPI identificadas em todo o país,


conforme o Censo da FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021; Domingues et al., 2021), e
dados do IBGE (2021) sobre a quantidade de residentes acima de 60 anos – universo
de idosos - e de 75 anos – parcela idosa potencialmente mais demandante de CLD
- nas regiões brasileiras.

68
Maiores detalhes estão disponíveis em Domingues et al. (2021).

Envelhecimento
Na Tabela 4 é apresentado o númerodade
população brasileira: projeções
ILPI identificadas em todo da o
demanda e
país, conforme o Censo da FN-ILPI
dos custos de instituições de longa permanência para idosos
2021 (Lacerda et al., 2021; Domingues et al., 2021), e dados do IBGE (2021) sobre a quantidade de
residentes acima de 60 anos – universo de idosos - e de 75 anos – parcela idosa potencialmente mais
Tabela 4 - Distribuição das Instituições de Longa Permanência para Idosos por
demandante de CLD - nas regiões brasileiras.
Região, população maior de 60 anos e maior de 75 anos e razão entre elas e o número
de Tabela
ILPI. 4 - Distribuição das Instituições de Longa Permanência para Idosos por Região, população maior
de 60 anos e maior de 75 anos e razão entre elas e o número de ILPI.
População de Razão entre População de
Mapeamento Razão entre a
Maiores de 60 a população Maiores de 75
Região de ILPI população 75
anos 60 anos e anos
anos e +/ILPI
n % n (x mil)* % +/ILPI n (x mil)** %

Sudeste 4.232 60,2 15.094 46,0 3.567 3.996 45,8 944

Sul 1.874 26,7 5.201 15,8 2.775 1.340 15,4 715

Nordeste 493 7,0 8.445 25,7 17.130 2.401 25,7 4.870

Centro- 351 5,0 2.155 6,6 6.140 518 5,9 1.476


Oeste
Norte 79 1,1 1.959 5,9 24.797 477 5,4 6.038

BRASIL 7.029 100,0 32.854 100,0 54.409 8.732 100,0 14.043

Fonte: Lacerda
Fonte: et al.,
Lacerda et 2021.
al., 2021.
ILPI: Instituição de Longa Permanência para Idosos
ILPI: Instituição de Longa Permanência para Idosos
* Dados do IBGE (2018), Porcentagem da população acima de 60 anos em relação ao total com mais de 60 anos do Brasil;

** Dados do IBGE (2018), Porcentagem da população acima de 75 anos em relação ao total com mais de 75 anos do Brasil

Quando considerada a oferta de ILPI e um proxy da demanda a partir da população 10


com 75 anos e mais, a razão média nacional encontrada foi de 14.073 potenciais
demandantes de CLD por ILPI. A disparidade regional relativa à demanda projetada
é ainda mais evidente: na Região Sul, a razão é de 715 idosos/ILPI; no Nordeste, são
4.870 idosos/ILPI, enquanto no Norte essa relação salta para 6.038 idosos/ILPI, com
destaque para Amapá e Pará, em que esse número chega a mais de 9.000 idosos
para cada ILPI existente (Lacerda et al., 2021).

A existência de ILPI no município de moradia da pessoa deveria ser parte de uma


política de CLD (Lacerda et al., 2021), uma vez que sua ausência implica na necessidade
de a pessoa mudar para outro município, com risco de comprometer ainda mais o

69
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

vínculo sociofamiliar, face à dificuldade na realização de visitas. Contudo, não há


este tipo de equipamento em todos os municípios, como demonstrado na Tabela 5.

TabelaTabela 5 - Distribuição
5 - Distribuição domunicípios
do número de númeropor deestado
municípios
e Região por estadode
e percentual e Região e que
municípios percentual de
municípios
contêm que
pelo menos umacontêm
Instituiçãopelo menos
de Longa uma Instituição
Permanência para Idosos.de Longa Permanência para Idosos.

Região/UF Total de Municípios* Municípios com ILPI**


(n) n %
Sudeste 1.668 984 58,9
ES 78 36 46,1
MG 853 479 56,1
RJ 92 66 71,7
SP 645 403 62,4
Sul 1.191 479 40,2
PR 399 224 56,1
RS 487 182 36,6
SC 295 73 24,7
Nordeste 1.793 250 13,9
AL 102 10 9,8
BA 417 89 21,3
CE 184 22 11,9
MA 217 15 9,9
PB 223 30 13,4
PE 184 47 25,5
PI 224 5 2,2
RN 167 21 12,5
SE 75 11 14,6
Centro-Oeste 499 252 50,5
DF*** 33 3 9,1
GO 246 161 65,4
MS 79 48 60,8
MT 141 40 28,4
Norte 450 53 11,8
AC 22 4 18,2
AM 62 3 4,8
AP 16 2 12,5
PA 144 18 12,5
RO 52 10 19,2
RR 15 1 6,7
TO 139 15 10,8
Total Geral/média 5.601 2.018 36,0

Fonte: Lacerda et al., 2021.


Fonte: Lacerda et al., 2021.
*Total Municípios (IBGE 2019);
*Total Municípios(IBGE
**ILPI: 2019);
Instituição de Longa Permanência para Idosos;

**ILPI:
***DFInstituição
- 33 regiões de Longa Permanência
administrativas, para
consideradas Idosos;
como município para efeitos de análise

***DF - 33 regiões administrativas, consideradas como município para efeitos de análise


70
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

É notável a diferença regional no que diz respeito à oferta de CLD. Os estados com
maior número de ILPI são: São Paulo (34,3%), Minas Gerais (15,9%) e Rio Grande do
Sul (15,6%), enquanto os estados da Região Norte concentram apenas 1,1% das ILPI
do país. Quando se analisa a razão entre o número de pessoas idosas e o número de
ILPI disponíveis na região, as Regiões Nordeste e Norte se mostram menos supridas
deste tipo de equipamento quando comparadas a Sul e Sudeste (Lacerda et al.,
2021).

Dos 5.570 municípios do país, apenas 36% (N=2.018) dispõem de ILPI. Observa-se
que os estados que apresentaram maior número de municípios com pelo menos uma
ILPI foram, em ordem decrescente: Rio de Janeiro (71,7%), São Paulo (62,4%), Goiás
(65,4%), Mato Grosso do Sul (60,8%) e Minas Gerais (56,1%) (Tabela 5). Destaque
deve ser dado ao estado do Piauí, em que apenas 2,2% dos municípios dispõem de,
ao menos, uma ILPI (Lacerda et al., 2021).

Os cinco municípios com maior número de ILPI são: São Paulo com 810 (11,3%),
Porto Alegre com 287 (4,1%), Belo Horizonte com 268 (3,8%), Rio de Janeiro com
223 (3,1%) e Curitiba com 130 (1,8%). Na Figura 2 está apresentado o mapa da
distribuição geoespacial das ILPI no Brasil, por município (Lacerda et al., 2021).

71
Os cinco municípios com maior número de ILPI são: São Paulo com 810 (11,3%), Porto Alegre com 287
(4,1%), Belo Horizonte com 268 (3,8%), Rio de Janeiro com 223 (3,1%) e Curitiba com 130 (1,8%). Na
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
Figura 2 está apresentado o mapa da distribuição geoespacial das ILPI no Brasil, por município (Lacerda
et al., 2021).
Figura 2 - Mapeamento da distribuição geoespacial das Instituições de Longa
Figura 2 - Mapeamento da distribuição geoespacial das Instituições de Longa Permanência para Idosos
Permanência para Idosos no Brasil, por município, Brasil.
no Brasil, por município, Brasil.

Fonte: Lacerda et al., 2021.


Fonte: Lacerda et al., 2021.
O Censo IPEA 2008-2010 identificou pelo menos uma ILPI em cerca de 20% dos municípios brasileiros
O Censo IPEA 2008-2010 identificou pelo menos uma ILPI em cerca de 20% dos
(Camarano & Kanso, 2010; Camarano, 2008a; Camarano, 2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d;
municípios brasileiros (Camarano & Kanso, 2010; Camarano, 2008a; Camarano,
13
2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e). Uma década depois,
o Censo FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021) revelou um aumento de 55,6% no número
de municípios com pelo menos uma ILPI. Na Tabela 6 é apresentada a evolução do
número de ILPI conforme os Censos - IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a; Camarano,
2008b; Camarano, 2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) e FN-ILPI 2021
(Lacerda et al., 2021) e a comparação com o número de ILPI credenciadas ao SUAS,
conforme o Censo SUAS-2019 (Brasil, 2020).

72
de 55,6% no número de municípios com pelo menos uma ILPI. Na Tabela 6 é apresentada a evolução do
Envelhecimento
número de ILPI conforme os Censosda- IPEA
população brasileira:(Camarano,
2008-2010 projeções da 2008a;
demandaCamarano,
e 2008b; Camarano,
dos custos de instituições de longa permanência para idosos
2008c; Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) e FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021) e a comparação com o

Tabela
número 6
de- ILPI
Evolução no número
credenciadas de Instituições
ao SUAS, conforme de Longa(Brasil,
o Censo SUAS-2019 Permanência
2020). para Idosos
conforme
Tabela 6o- Censo
EvoluçãoIPEA 2008-2010
no número e o Censo
de Instituições FN-ILPI
de Longa 2021. para Idosos conforme o Censo
Permanência
IPEA 2008-2010 e o Censo FN-ILPI 2021.

Número de ILPI*
Oferta de ILPI
Região Censo Censo SUAS-2019
Censo IPEA Censo FN- Variação
SUAS em relação ao
2008-2010** ILPI 2021*** em %
2019**** Censo FN-ILPI-
2021*** em %
Sudeste 2.255 4.232 +88 1.060 25,0
Sul 693 1.874 +170 280 14,9
Centro- 249 351 +41
200 57,0
Oeste
Nordeste 302 493 +63 206 41,8
Norte 49 79 +61 38 48,1
Total 3.548 7.029 +146% 1.784 25,4

Fonte: Dados da pesquisa “Características das instituições de longa permanência para idosos”
Fonte: Dados da pesquisa “Características das instituições de longa permanência para idosos” (Camarano
(Camarano 2008a; 2008b; 2008c; 2008d; 2008e); Frente Nacional de Fortalecimento às ILPI (Lacerda et
2008a; 2008b; 2008c; 2008d; 2008e); Frente Nacional de Fortalecimento às ILPI (Lacerda et al, 2021);
al, 2021); Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
Secretaria Nacional de Assistência Social, 2022.
*ILPI: Instituição de Longa Permanência para Idosos;
*ILPI: Instituição de Longa Permanência para Idosos;

Quando se comparam os Censos IPEA 2008-2010 (Camarano, 2008a; Camarano,


Quando
2008b; se compara os
Camarano, Censos Camarano,
2008c; IPEA 2008-20102008d;
(Camarano, 2008a; Camarano,
Camarano, 2008e)2008b; Camarano,2021
e FN-ILPI 2008c;
Camarano, 2008d; Camarano, 2008e) e FN-ILPI 2021 (Lacerda et al., 2021), a oferta mais que dobrou,
(Lacerda et al., 2021), a oferta mais que dobrou, mas isso se deu às custas da oferta
mas isso se deu às custas da oferta de ILPI privadas, como pode ser notado quando se apresenta a
de ILPI privadas, como pode ser notado quando se apresenta a oferta de ILPI
oferta de ILPI credenciadas ao SUAS no período de 2016 a 2019 (Tabela 7).
credenciadas ao SUAS no período de 2016 a 2019 (Tabela 7).

14

73
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Tabela 7 – Distribuição das Instituições de Longa Permanência para Idosos,


segundo
Tabela 7a –Região. Brasil
Distribuição das2016-2019.
Instituições de Longa Permanência para Idosos, segundo a Região. Brasil
2016-2019.
Região Variação
percentual
Censo SUAS
Centro- Total em relação
Ano Norte Nordeste Sudeste Sul
Oeste ao Censo
anterior
1.66 -
2016 36 209 166 991 265
7
1.72 +3,3
2017 37 208 174 1.030 273
2
1.76 +2,73
2018 34 201 194 1.058 282
9
1.78 +0,85
2019 38 206 200 1.060 280
4

Fonte: Secretaria
Fonte: Nacional de Nacional
Secretaria Assistência Social,
de 2022. Disponível Social,
Assistência em: https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/
2022. Disponível em:
vigilancia/index2.php. Acessado em: 18 de janeiro de 2022
https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/vigilancia/index2.php. Acessado em: 18 de janeiro de 2022

Estes dados refletem o descompasso entre a oferta de vagas nos sistemas público
e privado, enquanto
Estes dados refletem oadescompasso
populaçãoentre
idosa, especialmente
a oferta a maiorpúblico
de vagas nos sistemas de 75eanos continuou
privado, enquanto a
mantendo
populaçãouma
idosa,taxa de crescimento
especialmente anual
a maior de da ordem
75 anos continuoude 4% ao ano.
mantendo uma taxa de crescimento
anual da ordem de 4% ao ano.
No SUAS, a ILPI está tipificada na Proteção Social Especial de Alta Complexidade
(Brasil, 2009).
No SUAS, a ILPISegundo a tipificação,
está tipificada as ILPI
na Proteção Social sãodedefinidas
Especial para o(Brasil,
Alta Complexidade acolhimento de
2009). Segundo

pessoas idosas,asmas
a tipificação, ILPI a institucionalização
são deveriade
definidas para o acolhimento serpessoas
provisória
idosas,e,mas
excepcionalmente,
a institucionalização

de longa
deveria permanência,
ser provisória e,quando esgotadas
excepcionalmente, detodas
longa as possibilidades
permanência, quandodeesgotadas
autossustento
todas as
possibilidades de autossustento e convívio com os familiares. Isso praticamente a restringe a situações
e convívio com os familiares. Isso praticamente a restringe a situações excepcionais
excepcionais de negligência ou violação de direitos (Brasil, 2009).
de negligência ou violação de direitos (Brasil, 2009).
Uma possibilidade para o adiamento ou prevenção da institucionalização poderia acontecer pela oferta
Uma possibilidade para o adiamento ou prevenção da institucionalização
de Centros-dia para apoiar famílias com idosos frágeis, a depender das condições dos idosos.
poderia acontecer pela oferta de Centros-dia para apoiar famílias com idosos
Infelizmente ela é irrisória: dos 1.664 Centros-dia credenciados ao SUAS, prepondera a atuação da
sociedade civil em 93% das unidades, mas apenas 22% dos atendimentos são destinados a idosos com
deficiência e suas famílias (Brasil, 2020).
74
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

frágeis, a depender das condições dos idosos. Infelizmente ela é irrisória: dos 1.664
Centros-dia credenciados ao SUAS, prepondera a atuação da sociedade civil em
93% das unidades, mas apenas 22% dos atendimentos são destinados a idosos com
deficiência e suas famílias (Brasil, 2020).

A sustentabilidade do setor de ILPI depende de decisões políticas e econômicas.


Quanto ao financiamento federal, em 2007, o valor per capita repassado pelo
SUAS às ILPI era de R$44,00 por mês para cada pessoa idosa institucionalizada
considerada independente e R$66,00 para cada pessoa dependente de cuidados
segundo a RDC 502/2021. A partir de 2012, os repasses passaram a ser feitos de
modo descentralizado, fundo a fundo, a partir do Fundo Nacional de Assistência
Social4 (segundo o estabelecido no Decreto Nº 7.788, de 15 de Agosto de 2012)
(Brasil, 2012a). Este repasse fundo a fundo se destina a:

“I - cofinanciamento dos serviços de caráter continuado e de programas e projetos de assistência social,


destinado ao custeio de ações e ao investimento em equipamentos públicos da rede socioassistencial dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II - cofinanciamento da estruturação da rede socioassistencial dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
incluindo ampliação e construção de equipamentos públicos, para aprimorar a capacidade instalada e
fortalecer o Sistema Único da Assistência Social - SUAS” (Brasil, 2012a).

Nesta forma de repasse, os recursos referentes a cada Bloco de Financiamento,


Programa e Projeto devem ser aplicados exclusivamente nas ações e finalidades
originariamente definidas para estes, em blocos tipificados e agrupados, conforme
planos municipais. Para orientar este repasse foi desenvolvido o Índice de Gestão
Descentralizada do Sistema Único de Assistência Social – IGDSUAS (Brasil, 2012b),
estabelecendo incentivos financeiros a partir do Censo SUAS, instituído pelo Decreto
N.º 7.334/2010, e a consolidação legal da lógica de repasse e recursos, regular e
4 Esses recursos repassados na modalidade fundo a fundo podem ser gastos no cofinanciamento dos serviços de caráter continuado, de progra-
mas e projetos de assistência social para o custeio de ações e o investimento em equipamentos públicos da rede socioassistencial de estados, Dis-
trito Federal e municípios. O cofinanciamento federal deve ser utilizado para a compra de materiais de consumo para serem disponibilizados nos
Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Unidades de Acolhimento
e Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros POP) e demais equipamentos da Assistência Social.

75
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

automática, via fundos de assistência social na Lei Orgânica da Assistência Social


(LOAS) (Brasil, 1993). Este índice, o IGDSUAS (Brasil, 2012b), permitiria a gestores,
conselheiros, técnicos, usuários e entidades de assistência social acompanhar e
aferir a qualidade da gestão descentralizada dos serviços, programas, projetos e
benefícios socioassistenciais, bem como das ações de coordenação, monitoramento
e avaliação do respectivo Sistema. A proposta prevê o apoio financeiro com base
nos resultados obtidos pelas gestões Estaduais, Municipais e do Distrito Federal e
atua como um mecanismo indutor do alcance das metas pactuadas nacionalmente
para o aprimoramento da gestão do SUAS e da qualidade dos serviços ofertados à
população. Importante registrar que, dentre as múltiplas contradições que envolvem
o segmento, ainda existe o impedimento legal de contratação de profissionais da
saúde pelas ILPI credenciadas ao SUAS.

Questionado sobre qual foi o repasse destinado a instituições de acolhimento, o


Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, coordenador da Política
Nacional do Idoso, informou a relação das 70 ILPI atendidas, por meio de Termos de
Fomentos formalizados em 2019, 2020 e 2021 pela Secretaria Nacional de Promoção
e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa – SNDPI, na Plataforma +Brasil, e das 510
ILPI atendidas pelo Edital 01/20205, por meio de Termo de Colaboração com cinco
organizações da sociedade civil.

Na Tabela 8 está apresentada a síntese dos Termos de Fomentos firmados para a


Equipagem e manutenção das Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI
de 2019 a 20216.

5 Este Edital visou ao credenciamento de organizações da sociedade civil para realizar o mapeamento das ILPI para distribuição de material para
higienização do ambiente, Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para as pessoas idosas institucionalizadas, e aos profissionais de saúde des-
sas ILPI e cesta básica pessoas idosas residentes dessas instituições, firmados com dispensa do chamamento público, no contexto da pandemia da
Covid-19.
6 Para maiores informações, acesse os links: https://www.gov.br/participamaisbrasil/ilpi3 e
https://www.gov.br/participamaisbrasil/cndi.

76
sociedade civil.
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos adesíntese
Na Tabela 8 está apresentada instituições
dosde Termos
longa permanência para idosos
de Fomentos firmados para a Equipagem e
manutenção das Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI de 2019 a 2021 6.
Tabela 8 - Síntese dos Termos de Fomentos firmados para equipagem e manutenção
Tabela 8 - Síntese dos Termos de Fomentos firmados para equipagem e manutenção das Instituições de
das Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI de 2019 a 2021.
Longa Permanência para Idosos – ILPI de 2019 a 2021.

Equipagem e manutenção das Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI


(Fomentos)
Fonte de Recurso Número de ILPI Valor de Repasse em R$
beneficiadas
FNI* 2019 08 1.166.368,83
Emendas parlamentares
2019 02 70.000,00
2020 25 2.189.952,31
2021 23 2.959.992,00
FNI/SNDPI* 12 1.690.560.16
Total 70 8.076.873,30

Fonte: Brasil,
Fonte: 2022.
Brasil, 2022.
*FNI: Fundo Nacional do Idoso;
*FNI: Fundo Nacional do Idoso;
** SNDPI: Secretaria Nacional de Direitos da Pessoa Idosa.

A**análise
SNDPI: Secretaria
nominal Nacional de Direitos
das ILPI aponta da Pessoa Idosa.Erro!
que das 70 ILPIA referência de hiperlink
beneficiadas, novenãooé válida.
foram
emAmais
análisede um das
nominal termo de fomento,
ILPI aponta o que
que das 70 ILPI significa
beneficiadas, noveque apenas
o foram 61deILPI
em mais foram
um termo de
contempladas.
fomento, o que Os resultados
significa apresentados
que apenas sugerem que
61 ILPI foram contempladas. a Secretaria
Os resultados Nacional
apresentados de
sugerem
Direitos da Pessoa
que a Secretaria Idosadecontemplou
Nacional a menos
Direitos da Pessoa de um milésimo
Idosa contemplou a menos dedo
um universo
milésimo dode ILPI,
universo
se considerado o Censo
de ILPI, se considerado FN-ILPI.
o Censo FN-ILPI.

OO Ministério
Ministério da Cidadania,
da Cidadania, porreferiu
por sua vez, sua vez, referiu
dificuldades de dificuldades de acesso
acesso a essa informação, pois aa gestão
essa
informação, poisosavalores
federal transfere gestão federal
de modo transfere
automático os valores
aos municípios, denacional
fundo modoa fundo
automático
municipal,aos
sem
especificação
municípios, da destinação
fundo nacional dosa mesmos. Ou seja, o Ministério
fundo municipal, não tem informações
sem especificação de quanto dos
da destinação cada
município de fato repassou às unidades de acolhimento para idosos credenciadas ao SUAS.
mesmos. Ou seja, o Ministério não tem informações de quanto cada município de
fato repassou às unidades de acolhimento para idosos credenciadas ao SUAS.
5 Este Edital visou ao credenciamento de organizações da sociedade civil para realizar o mapeamento das ILPI para
De toda forma,
distribuição aspara
de material ILPIhigienização
filantrópicas se apoiam
do ambiente, na de
Equipamentos permissão de utilizar
Proteção Individual até
(EPI) para 70%
as pessoas
da idosas
rendainstitucionalizadas,
da pessoa idosa e aos profissionais de saúde dessas ILPI e cesta básica pessoas idosas residentes dessas
para o custeio, conforme o Estatuto do Idoso (art. 35)
instituições, firmados com dispensa do chamamento público, no contexto da pandemia da Covid-19.
(Brasil, 2003). Quanto à fonte de renda de custeio da institucionalização em ILPI
6 Para maiores informações, acesse os links: https://www.gov.br/participamaisbrasil/ilpi3 e
https://www.gov.br/participamaisbrasil/cndi.
17

77
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

credenciadas ao SUAS, 53% advêm da aposentadoria e os restantes 47% do Benefício


de Prestação Continuada (BPC) do residente (Censo SUAS-2019). Esse arranjo pode
viabilizar a institucionalização, mas contraria frontalmente a premissa de uma política
de Assistência Social não contributiva para todos que dela precisarem, prevista na
Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988).

Outra questão ainda não equacionada: quanto custa uma vaga em uma instituição
privada? A resposta é muito variável e depende da quantidade de pessoas acolhidas,
dos serviços oferecidos, da hotelaria, das demandas de cuidado, da localização
geográfica da instituição. Hipoteticamente, vamos propor os custos para uma ILPI
que acolha 15 (quinze) residentes e respeite as normas trabalhistas e a RDC 502/2021
(Brasil, 2021).

Considerando 4 (quatro) idosos independentes (Grau I), 6 (seis) semidependentes


(Grau II) e 5 (cinco) dependentes (Grau III), seriam necessários para o cuidado por
turno: 0,30 Cuidador - Grau I (Art. 16, II); 0,60 Cuidador - Grau II (Art. 16, II); 0,83
Cuidador - Grau III (Art. 16, II), o que significa 2 (dois) cuidadores exigidos por turno
(Art. 16, II) (Brasil, 2021).

O tamanho da casa seria estimado em 271,2 m² de área construída, pois seriam


necessários 99m² de quartos coletivos (Art. 29, I, 1.); 3,6m² para um banheiro (Art.
29,I, 5.); 18m² para uma sala de atividades (Art. 29, II, 1.); 23,4m² para uma sala
de convivência (Art. 29 II 2.); 9,0m² exigido para uma sala de apoio individual
(Art. 29, II 3.); 10,0m² para o almoxarifado (Art. 29, XII); 7,2m² para banheiros
para funcionários, sendo um feminino e um masculino (Art. 29, XIII a); 20,0m² da
lavanderia; 20,0m² da cozinha; 4,0m² para sala de medicação; 4,0m² de escritórios;
30,0m² em corredores; 23,0m² para vestiários, sendo um feminino e um masculino
(Art. 29, XIII b) (Brasil, 2021).

Em uma audiência pública no Congresso Nacional, em 2021, a Frente Nacional


de Fortalecimento às ILPI apresentou um cálculo de custo mensal por residente

78
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

(Tabela 9). A inclusão de enfermeiro e técnicos e auxiliares de enfermagem se


justifica porque, embora não previstos na RDC 502/2021 (Brasil, 2021), o Conselho
Federal de Enfermagem e algumas seccionais regionais definem a existência destes
profissionais em detrimento dos cuidadores.

Tabela 9 – Estimativas de custos mensais* para o acolhimento em instituição de


Tabela 9 – Estimativas de custos mensais* para o acolhimento em instituição de longa permanência
longa
parapermanência
idosos de caráterpara idosos
privado, com 15de caráter privado, com 15 residentes.
residentes.

Com
Com enfermeira e
Resumo Financeiro cuidadore
Técnico de Enfermagem
s

Recursos humanos** 45.948,24 73.529,33


Despesas gerais*** 21.224,62 21.224,62

Tributação pelo Simples (6,5%) 4.366,24 6.159,01

TOTAL 71.539,10 100.912,96

Valor estimado para cada um dos 15 residentes


4.769,27 R$ 6.727,53
(simulação sem prejuízo ou lucro)

Fonte:
Fonte: Frente
Frente Nacional
Nacional de Fortalecimento
de Fortalecimento à ILPI,
à ILPI, 2022.
2022.
* Estes
* Estes dados
dados não não nem
incluem incluem nem onem
o pro labore, provalores
labore, nem
para valores para recuperar
um empreendedor um empreendedor recuperar
o capital investido. o capital
investido.
** 23 Profissionais exigidos pela RDC 502/2021: 1 Responsável Técnico; 4 Cuidadores - 2 turnos diários (Art. 16, II); 4 Auxiliares de
Enfermagem; 4 Técnicos de exigidos
** 23 Profissionais Enfermagem; 4 Enfermeiras;
pela RDC 502/2021:1 Terapeuta ocupacional;Técnico;
1 Responsável 1 Auxiliar 4
deCuidadores
lavanderia (Art.
- 216turnos
VI); 2 Auxiliares
diários
de cozinha (Art. 16,
(Art. 16, II); V);4 3Auxiliares
Auxiliares limpeza (Art. 16, IV)
de Enfermagem; 4 Técnicos de Enfermagem; 4 Enfermeiras; 1 Terapeuta
ocupacional;
*** Despesas 1 Auxiliar
com o imóvel: de lavanderia
Aluguel; (Art. 16 VI);
impostos; manutenção; 2 Auxiliares
Água; de cozinha
Luz; Gás; Alimentos; (Art. TV
Telefone, 16,e V); 3 Auxiliares limpeza
internet.
(Art. 16, IV)
Os
***valores
Despesasobtidos representavam
com o imóvel: de manutenção;
Aluguel; impostos; quatro a seis salários-mínimos,
Água; Luz; Gás; Alimentos; em valores
Telefone, TV e
de internet.
2021.7 Atualizados para 2022, o custo per capita passa para R$5.341, 82, quando a
7
valores obtidos representavam de quatro a seis salários-mínimos, em valores de 2021. Atualizados
ILPIOsemprega somente cuidadores de idosos, ou para R$ 7.584,83, quando emprega
para 2022, o custo per capita passa para R$5.341, 82, quando a ILPI emprega somente cuidadores de
7 Em 2019, o Fórum de Instituições Filantrópicas de São Paulo estimou em R$4.800,00 o custo mensal de uma ILPI. No mesmo ano, o salário mínimo
era de R$ 998,00 e a média salarial dos brasileiros era de R$ 2.261,00, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e variou
idosos, ou para R$ 7.584,83, quando emprega técnicos de enfermagem e enfermeiros. Esses valores
entre as regiões brasileiras: Sudeste: R$ 2.585,00; Sul: R$ 2.499,00; Centro-Oeste: R$ 2.498,00; Norte: R$ 1.711,00; Nordeste: R$ 1.539,00. A média
salarial brasileira difere da renda média per capita, a qual é determinada por meio da divisão dos ganhos totais de uma família pelo número de
representam
moradores na casa. Emo2019,
dobro oumédia
a renda maisperque o triplo
capita daera
brasileira renda mensal
de R$ 1.430, da grande
variando maioria
de R$ 1.726,00 das Sudeste;
na Região famíliasSul:brasileiras.
R$1.705,00; Cen-
tro-Oeste: R$1.586,00; Nordeste: R$883,00 e R$876,00 na Região Norte. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101892.
pdf. Acessado em: 17 de fevereiro de 2022.
Apesar dos esforços, este trabalho apresenta lacunas de informações que necessitam ser consideradas:
não foi possível estabelecer a quantidade de vagas ofertadas no nível privado; a qualidade dos serviços,
seja pelo SUAS ou pela oferta do mercado, nem o montante de investimento público para as ILPI.
79
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

técnicos de enfermagem e enfermeiros. Esses valores representam o dobro ou mais


que o triplo da renda mensal da grande maioria das famílias brasileiras.

Apesar dos esforços, este trabalho apresenta lacunas de informações que


necessitam ser consideradas: não foi possível estabelecer a quantidade de vagas
ofertadas no nível privado; a qualidade dos serviços, seja pelo SUAS ou pela oferta
do mercado, nem o montante de investimento público para as ILPI.

4. DISCUSSÃO
A Constituição Federal (Brasil, 1988) estabelece uma responsabilidade
compartilhada entre as famílias, a sociedade e o Estado pelo bem-estar dos idosos.
Porém, desse tripé constitucional, somente as famílias têm assumido o seu papel,
com limites, e ainda sendo cobradas pela insuficiência de cuidados decorrentes da
falta de políticas de CLD (Giacomin et al., 2018).

4.1 O familismo por negligência


Nos Estados de Bem-Estar Social (EBS), a responsabilidade de prover cuidados
é distribuída de modo distinto entre membros da família, o mercado e o poder
público. Um sistema de bem-estar pode ser considerado familista quando a família
é a principal responsável pelo bem-estar dos seus membros. Em recente trabalho,
Passos e Machado (2021) discutem o regime de cuidados no Brasil à luz de três
tipologias propostas, respectivamente por Esping-Andersen (1999), Leitner (2003)
e Saraceno & Keck (2010).

O modelo original de Esping-Andersen (1999) considerava três tipologias de EBS


na oferta de cuidados aos dois públicos mais demandantes – as crianças e os idosos: o
liberal, o conservador/corporativo e o social democrata. Esta proposta sofreu críticas
feministas por considerarem que ela não concedia a devida atenção às dimensões
familiares e de gênero envolvidas na provisão de cuidados, que sobrecarregam
desproporcionalmente as mulheres. Esping-Andersen introduziu então o grau de

80
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

“desfamiliarização”, ou seja, a extensão em que o bem-estar dos indivíduos não


estaria vinculado à provisão familiar nem dependeria de reciprocidades familiares
e maritais. O autor distingue a desfamiliarização que se dá por meio de serviços
de cuidado públicos daquela decorrente de serviços de cuidado ofertados pelo
mercado (Esping-Andersen, 1999).

Por sua vez, Leitner (2003) analisou diferentes tipos de familismo. No âmbito
do cuidado de idosos, a autora define um familismo forte quando da existência
de transferências monetárias pagas à família para cuidar; um fraco familismo
caracterizado pela ausência desses aportes; e um desfamilismo, que seria medido
pelo maior percentual de idosos que precisam de cuidados e que os conseguem por
meio de cuidados formais.

O terceiro modelo, proposto por Saraceno & Keck (2010), distingue o familismo
por negligência, quando são baixos tanto a provisão pública de serviços, quanto o
apoio financeiro para cuidados; o familismo apoiado, quando existe auxílio público,
em geral por meio de transferências financeiras; e a desfamiliarização, quando
ocorre a individualização dos direitos sociais, com redução das dependências e
responsabilidades familiares.

Ao analisar a provisão de cuidados a idosos no Brasil, Passos & Machado (2021)


consideram as políticas de cuidados no Brasil identificadas com o regime familista
proposto por Esping-Andersen (1999), pois a família é o principal agente de provisão
de cuidados e bem-estar, ficando o cuidado como uma questão privada, e das
mulheres. Este achado concorda com os dados do estudo ELSI-Brasil que aponta que
24% das pessoas que cuidam de idosos precisam parar de trabalhar ou de estudar
para fazê-lo (Giacomin et al., 2018).

No Brasil, embora haja políticas públicas de transferência de renda não


contributivas, como o BPC para idosos com vulnerabilidade de renda, e contributivas,
como as aposentadorias, o auxílio monetário previsto para cuidados só existe no caso

81
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

da aposentadoria por invalidez. Este último beneficia todas as pessoas aposentadas


por invalidez, independentemente de necessitarem de cuidados ou não (Passos &
Machado, 2021).

Quando pensadas a partir da classificação de Leitner (2003), as políticas brasileiras


revelam um familismo implícito, uma vez que a oferta de cuidados institucionais
para idosos é muito baixa e, ao mesmo tempo, praticamente inexistem políticas que
subsidiem o cuidado na família. Já para a tipologia de Saraceno & Keck (2010), o
Brasil estaria mais próximo do familismo por negligência, pois o auxílio público para
a função de cuidar é baixo e a transferência de renda para idosos se dá pelo BPC e
visa ao alívio da pobreza extrema (Passos & Machado, 2021).

Além disso, embora a legislação brasileira (Brasil, 2003; Brasil, 1988) destaque
a família como a principal responsável pelos cuidados com os idosos, a
contemporaneidade trouxe mudanças culturais, sociais e econômicas, que
repercutem no cuidado do idoso.

4.2 A crise do cuidado – institucional e comunitário


Minayo et al. (2021), ao analisarem a oferta de políticas de apoio aos idosos em
situação de dependência em alguns países da Europa e no Brasil, apontam que, no
caso europeu, observam-se políticas de Estado de cuidado, com a definição das
práticas, das responsabilidades e a indicação das fontes de receitas para atendimento
às pessoas dependentes de cuidados, em sua maioria, idosas. No Brasil, por outro
lado, faltam propósito e foco na questão da dependência, uma vez que o vasto
arcabouço legal brasileiro convive com a ausência de materialização das políticas
necessárias para cumprir tais leis (Camarano, 2010; Camarano, 2014; Camarano &
Kanso, 2010; Brasil, 2004; Giacomin et al., 2018; Minayou et al., 2021).

82
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

O cuidado no nosso país se apoia na família e, mais especificamente, na mulher


que cuida (Giacomin et al., 2018; Passos & Machado, 2021). Segundo dados da PNAD,
de 1995 a 2015, a taxa de participação econômica das mulheres de 16 anos ou mais
não alcança 60%, sendo possível inferir uma estabilização na taxa de mulheres
inativas que seriam ofertantes potenciais de cuidado nos lares (Passos & Machado,
2021). Esta taxa diminuiu na pandemia.

A inserção feminina no mundo do trabalho não tem retorno e impõe questões


relativas aos cuidados, sobretudo por serem as mulheres as principais responsáveis
por estas atividades (Barbosa, 2014). Contudo, as mulheres economicamente ativas
também ofertam cuidados. Para se ter uma ideia, segundo a PNAD 2015, além das 35
horas médias gastas no mercado de trabalho, as mulheres ainda dedicaram 21 horas
semanais ao trabalho doméstico, inclusive os cuidados, perfazendo uma jornada
total de trabalho de 56 horas semanais, enquanto os homens, embora tivessem uma
jornada de trabalho remunerado maior, trabalhavam menos do que as mulheres,
dada sua menor dedicação aos afazeres domésticos (Passos & Machado, 2021).

A rápida mudança do padrão demográfico também altera as relações


intergeracionais (Camarano, 2014). O envelhecimento populacional impacta as
esferas pública e privada, impondo desafios e uma maior pressão a uma menor
parcela de jovens que será ativa economicamente no futuro, em face do maior
contingente de pessoas fora da força de trabalho. A ausência de atenção pública
para essas dinâmicas demográficas que implicam rearranjo de forças entre as
gerações é preocupante, pois novas ações em termos de políticas sociais, de saúde
e de trabalho serão demandadas (Camarano, 2014; Passos & Machado, 2021).

Seria importante considerar que, de acordo com projeções do envelhecimento


populacional realizadas pelo IBGE para o Brasil8, em 2016, para cada 100 pessoas
8 Fonte: IBGE. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Disponível em: https://
www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9109-projecao-dapopulacao.html?=&t=resultados Acessado em 18 de fevereiro de
2022

83
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

em idade ativa, havia 12 idosos; em 2026, haverá 17 idosos, chegando, em 2036,


a 24 idosos. E em sentido inverso, haverá cada vez menos crianças - saindo de 31
crianças de 0 a 4 anos para cada 100 pessoas em idade ativa, para 24 em 2036. Essas
alterações na composição da população dependente, com redução da participação
das crianças e crescimento da parcela idosa, têm repercussão direta na demanda
por políticas públicas com a tendência de menor necessidade de creches e escolas
e maior demanda por serviços de cuidados para idosos (Passos & Machado, 2021).

Além disso, ao se pensar o trabalho do cuidado, cumpre problematizar a divisão


sexual do trabalho, como propõem Hirata & Zarifian (2009), a partir da reconstrução
do conceito, incluindo o trabalho profissional e doméstico, formal e informal,
remunerado e não remunerado, suas repercussões sobre os modos de vida e a
saúde das pessoas e compreendendo que produção e reprodução, classe social e
sexo social (gênero) são categorias indissociáveis (Hirata & Zarifian, 2009). E alertam:

Para as mulheres, os limites temporais se dobram e multiplicam entre trabalho doméstico e profissional,
opressão e exploração, se acumulam e articulam, e por isso elas estão em situação de questionar a separação
entre as esferas da vida – privada, assalariada, política – que regem oficialmente a sociedade moderna (p. 254).

O trabalho de cuidado vem sendo historicamente exercido por mulheres no


âmbito familiar e doméstico, de forma gratuita e invisível (Camarano, 2014; Hirata,
2012). O envelhecimento populacional e a massiva inserção das mulheres no
mercado de trabalho levaram ao surgimento de profissões dedicadas ao cuidado
e à sua mercantilização, o que contribuiu para o reconhecimento do cuidado como
trabalho formal, embora ainda pouco valorizado do ponto de vista salarial e social.

Ao comparar o cuidado no Brasil, na França e no Japão, Hirata (2012) identificou


que os(as) cuidadores(as) nos domicílios e em ILPI eram majoritariamente mulheres
pobres9. Nos três países, os salários eram relativamente baixos e os(as) profissionais,
9 Na França, somente 10% dos profissionais de cuidados nos estabelecimentos pesquisados são homens; no Brasil, menos de 10% e no Japão, eles
eram 35%. No Japão, quase 40% de cuidadores das ILPI eram do sexo masculino, em decorrência de uma política governamental que estimulou a
formação e a garantia de emprego para homens diante da crise econômica mundial de 2008.

84
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

pouco reconhecidos(as) socialmente. Também chama a atenção que, tanto no Brasil


quanto na França, a grande maioria de cuidadoras é de mulheres negras, oriundas de
migração interna ou externa. Esta globalização do cuidado e do trabalho reprodutivo
constroem uma nova divisão internacional do trabalho a partir da dimensão étnico-
racial: na França (em Paris e Île-de-France), mais de 90% das cuidadoras são migrantes
externas; no Brasil, a migração é interna: muitas mulheres do meio rural ou de
cidades do interior, principalmente do Nordeste, trabalham como cuidadoras nas
principais metrópoles. E, em ambos os países, as cuidadoras que se autodeclaravam
negras ou pardas relataram situações frequentes de racismo - violência verbal e
discriminação (Hirata, 2012). Assim, a questão racial para as mulheres negras difere
do clássico discurso de opressão feminina (Davis, 2016), pois elas experimentam a
sobreposição do racismo e do sexismo, em uma condição de maior vulnerabilidade
social, o que reforça a tensão entre trabalho e família e a demanda por auxílio do
Estado. Infelizmente, não foram encontrados dados a este respeito nas ILPI, no Brasil,
nas fontes pesquisadas.

Para Passos & Machado (2021), as mulheres de classe média e rica conseguem
minimizar a desigualdade da divisão sexual do trabalho por meio do acesso a serviços
de cuidado no mercado, delegando, em geral, a outras mulheres as atividades
domésticas e de cuidado aos filhos (Hirata, 2016) e aos idosos. Elas contratam
empregadas domésticas ou diaristas, contam com escolas e creches de tempo
integral para a guarda dos filhos, ou, quando precisam cuidar de idosos, contratam
cuidado domiciliar formal ou casas de repouso privadas. No Brasil é alto o quantitativo
de mulheres que vendem sua força de trabalho no setor de emprego doméstico. Em
2018, segundo dados da PNAD Contínua, 14,5% das mulheres ocupadas estavam
no emprego doméstico, enquanto apenas 1% dos homens estava nessa ocupação.
O emprego doméstico no Brasil é uma ocupação tipicamente feminina e negra: a
presença das mulheres negras, em 2018, foi 8,7 pontos percentuais maior do que a
das brancas (Passos & Machado, 2021).

85
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

4.3 A oferta de cuidados comunitários


Como na maioria dos países, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único
de Assistência Social (SUAS) brasileiros atuam de forma separada, com coordenação
nacional e atuação descentralizada (WHO, 2021; Aredes et al., 2021).

No âmbito da Saúde, a atenção básica à saúde comunitária envolve equipes


interdisciplinares de Saúde da Família (ESF) com médicos, enfermeiras, agentes
comunitários de saúde (ACS), assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas
e psicólogos. Cada equipe de saúde deve oferecer um conjunto abrangente de
serviços para cerca de 3.000 a 4.000 habitantes, definidos a partir do território. As
equipes responsáveis pela promoção, prevenção, monitoramento e coordenação da
atenção à saúde da população adscrita ficam no Centro de Saúde (CS) do território
(Macinko & Harris, 2015).

Por sua vez, quando comparado a agências de bem-estar social em muitos países
de alta renda, o SUAS oferece um escopo de ação mais amplo, que inclui a gestão de
benefícios assistenciais em dinheiro e a prestação de serviços sociais. Os Centros de
Referência em Assistência Social (CRAS) desempenham um papel semelhante aos
Centros de Saúde do SUS (CS) e oferecem uma ampla gama de serviços para pessoas
de todas as idades, com destaque para a proteção e o fortalecimento dos vínculos
familiares e a garantia dos direitos humanos. Contudo, a cobertura dos CRAS não
é universal, estando restrita a áreas altamente vulneráveis e de risco social (CNAE,
2022; Brasil, 2009; WHO, 2021).

Até o momento, em nível nacional, os serviços de saúde e de assistência social


no Brasil não têm atuado de forma integrada (WHO, 2021). Iniciativas isoladas de
caráter sociossanitário no município de São Paulo têm ofertado 1.289 vagas em nove
centros de acolhida especial para idosos em população de rua; 570 vagas em 19
Centros-dia e 510 vagas em 14 ILPI públicas, ainda que em quantidade largamente

86
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

insuficiente para a população idosa existente, que se aproxima de 2 milhões de


idosos (Muir, 2017)10.

Aparecem em nível local algumas intervenções intersetoriais integradas para


idosos. No Brasil, o Programa Acompanhante do Idoso (PAI) (Ferreira, Bansi & Paschoal,
2014) e o Programa Maior Cuidado (PMC) (Sartini & Correia, 2012) são duas iniciativas
de prestação de cuidados domiciliares a idosos em situação de fragilidade. O PAI
existe na cidade de São Paulo e dispõe de ações de cuidados prestados por uma
equipe multidisciplinar alocada nos Centros de Saúde, formada por um coordenador,
um médico, um enfermeiro, dois auxiliares/técnicos de enfermagem, um auxiliar
administrativo e dez acompanhantes de idosos (Andrade et al., 2020). Enquanto o
PMC, implementado em 2011 como uma parceria entre as secretarias municipais de
saúde e de assistência social de Belo Horizonte11 (Sartini & Correia, 2012), tem como
elemento principal de suporte a atuação de cuidadores leigos, recrutados a partir
de comunidades semelhantes àquelas em que atuam, que recebem treinamento
básico e um salário mínimo. Os cuidadores do PMC trabalham 40 horas por semana,
cuidando de uma a três famílias. Espera-se que tais cuidadores trabalhem junto às
famílias para construir suas habilidades e competências de cuidados, de acordo com
um plano de cuidados (Lloyd-Sherlock, Giacomin & Sempé, 2022).

No Brasil e na maioria dos países, especialmente naqueles de baixa e média renda,


onde os níveis agregados de riqueza são menores e os sistemas de bem-estar são
subdesenvolvidos, o ônus financeiro do envelhecimento é predominantemente
suportado por famílias ou indivíduos mais velhos, levando à precariedade de
financiamento e falta de investimento para permitir o desenvolvimento do setor.
10 Informações obtidas junto à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, em março de 2022.
11 O PMC surgiu das discussões realizadas por um Grupo de Trabalho Intersetorial composto por representantes de diferentes órgãos (Educação;
Saúde; Assistência Social; Cidadania; Cultura, Esporte e Lazer) e do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. Este grupo teve como objetivo
desenvolver estratégias de apoio às famílias com idosos frágeis em situação de vulnerabilidade social - em consequência da fragilidade dos laços
familiares / sociais ou de oportunidades limitadas de inclusão na comunidade, gerando situações de risco, exclusão e isolamento social

87
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Programas e políticas de CLD continuam a ser uma questão negligenciada


(Aredes et al., 2021), sendo raros os programas de cuidado direcionados a apoiar
as famílias de baixa renda, como o PAI (Ferreira, Bansi & Paschoal, 2014) e o PMC
(Sartini & Correia, 2012), ambos sem qualquer cofinanciamento federal ou estadual.
Seria importante demonstrar se programas de cuidado integrados entre Saúde e
Assistência Social são, de fato, eficientes.

Nesse sentido, recentemente o PMC (Aredes et al., 2021) foi objeto de um projeto
de avaliação mais amplo denominado “Melhorando a eficácia e eficiência dos
Serviços de Saúde e Assistência Social para Idosos Brasileiros Vulneráveis - IHOB”
(2018–2021)12, cujo principal objetivo era fornecer evidências para apoiar políticas
para reduzir as estadias desnecessárias de idosos em hospitais e ILPI. A etapa inicial
do IHOB versou sobre o mapeamento e a análise do desenvolvimento e da operação
do PMC e a segunda etapa, sobre os resultados e impactos evidenciados (Lloyd-
Sherlock, Giacomin & Sempé, 2022).

O PMC foi avaliado com base nos dados disponíveis entre 2011 e 2018 (Aredes
et al., 2021). Neste período, 1.980 idosos foram admitidos no Programa. Para sua
operacionalização, o que inclui a contratação dos cuidadores e demais profissionais
necessários à gestão de recursos humanos e administrativos, o volume médio de
recursos investidos ronda os U$ 890.000,00/ano. Cerca de um terço das pessoas
inscritas no PMC (variação de 29,3% em 2014 a 45,9% em 2018) deixou o programa
e foi substituído por novos membros. O principal motivo para desligamento do PMC
foi o óbito do idoso (45,0% dos casos). Porém, dado que o programa assiste pessoas
idosas vulneráveis, tanto do ponto de vista da saúde e funcional, quanto social, o
óbito não é um desfecho surpreendente. O segundo motivo mais frequente (26,3%)
foi a mudança de local de residência e, portanto, a perda do registro local no PMC,
seguido de a família reassumir o cuidado em 22,0% dos casos. A institucionalização
12 Maiores detalhes podem ser encontrados em Arêdes et al. (2021).

88
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

aconteceu em 11,0% das vezes e 7,2% das saídas foram devidas à reabilitação da
pessoa idosa (Aredes et al., 2021).

Para avaliar o impacto quanto ao uso de serviços de saúde, os idosos assistidos


pelo PMC foram comparados em um sistema de pareamento em nível individual e
de território (microdistrito), incluindo características como sexo, idade, expectativa
de vida em anos, renda familiar per capita e razão da dependência econômica
doméstica - número de pessoas em domicílios pobres, onde mais de 50% da renda
familiar vêm de idosos e a população total13 (Lloyd-Sherlock, Giacomin & Sempé,
2022). O objetivo era comparar a proporção de visitas planejadas / não planejadas
e a razão de visitas de reabilitação / outras razões para visitar o serviço ambulatorial
entre esses dois grupos. Os dados permitem afirmar que estar no PMC se associa
a maior frequência de reabilitação e de visitas programadas ao serviço de saúde
(Lloyd-Sherlock, Giacomin & Sempé, 2022).

Assim, avaliações independentes mostram que o PMC melhora a qualidade do


cuidado prestado pelas famílias, reduz o estresse dos cuidadores (Aredes et al., 2021),
gera emprego remunerado, treinamento e status profissional para os cuidadores
remunerados do PMC, majoritariamente do sexo feminino (Lloyd-Sherlock, Giacomin
& Sempé, 2022). Além disso, as realidades desafiadoras de famílias em dificuldades
em comunidades altamente carentes contrastam com as expectativas teóricas
sobre a colaboração das famílias - que de alguma maneira traduziam as normas e
ideais culturais latino-americanos de cuidado familiar (Aredes et al., 2021; Gascón &
Redondo, 2014). Embora nem sempre o PMC seja capaz de suplantá-las e nem tenha
a pretensão de substituir a responsabilidade familiar de cuidar, os cuidadores do PMC
oferecem uma pausa para o que muitas vezes é uma atividade exaustiva 24 horas
por dia e trabalham com os membros da família para que construam suas próprias
habilidades e competências de cuidado. Por isso esse programa também pode ser
entendido como uma inovação social que promove o Ageing in place (Willes et al.,
13 Maiores detalhes estão disponíveis em Lloyd-sherlock, Giacomin & Sempé (2022).

89
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

2012) e evita a institucionalização (WHO, 2021; Aredes et al., 2021; Lloyd-Sherlock,


Giacomin & Sempé, 2022).

Contudo, ainda que a tendência internacional seja de desinstitucionalizar


o cuidado ao idoso (Minayo, 2021), no Brasil, a oferta de Centros-dia e centros
de convivência também é insuficiente (Passos & Machado, 2021) e de apoio às
famílias com cuidadores domiciliares é absolutamente excepcional (Ferreira,
Bansi & Paschoal, 2014; Sartini & Correia, 2012). Enquanto isso a demanda de CLD,
inclusive institucionais, continuará a aumentar, dados os novos arranjos sociais e
demográficos, como será apresentado a seguir.

4.4 A oferta de cuidados institucionais


Quando se compara a proporção de idosos institucionalizados entre países
europeus e o Brasil, nosso país tem uma proporção muito menor. E, mesmo na
América Latina, embora a proporção fosse similar e ficasse em torno de 1%, com
uma média semelhante de idosos por ILPI (28,8) (Dintrans, 2018), o Brasil se encontra
em desvantagem. Enquanto no Chile, 164 (47,5%) municípios não possuíam ILPI
(Dintrans, 2018), no Brasil esta é a realidade de 3.583 (64,0%) municípios (Lacerda,
2021).

Uma distribuição geográfica heterogênea das ILPI também é observada em outros


países como nos Estados Unidos, onde o National Study of Long-Term Care Providers,
conduzido pelo National Center for Health Statistics, mostrou que 40,8% das ILPI estão
localizadas na Região Oeste americana (National Center for Health Statistics, 2019).
Um estudo de Wang et al. (2019) também evidenciou grande disparidade geográfica
entre os lares de idosos chineses e cerca de apenas 4,4% deles se localizavam em
áreas rurais. No Chile, as instituições tendem a se concentrar em áreas urbanas e
centrais com alta demanda, sendo mais comuns em municípios com mais idosos e
com maior renda (Dintrans, 2018).

90
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

A localização das ILPI se mostra intimamente relacionada à demanda, incluindo


fatores econômicos e demográficos. Apesar da identificação de mais de 7 mil
instituições em todo território brasileiro, sua distribuição é desigual: as regiões
Norte e Nordeste, com menor oferta de ILPI, também se configuram como tendo o
maior agrupamento de municípios com baixo desenvolvimento socioeconômico e a
redução das ofertas de serviço em saúde, em relação às demais regiões (Albuquerque
et al., 2017).

Ao aplicar as projeções do envelhecimento populacional realizadas pelo IBGE para


o Brasil para o número de vagas para pessoas idosas em ILPI a partir do crescimento
do público mais demandante (80 anos e mais), chega-se ao Gráfico 3.

Gráfico 3 – Projeção do número de vagas e de Instituições de Longa Permanência


para Idosos credenciadas ao Sistema Único de Assistência Social – Brasil 2016-2036
e do número de Instituições privadas com fins lucrativos, segundo o Censo FN-ILPI
2021 para o período 2021-2036.
180000 14000
160000
12000
140000
10000
120000
100000 8000

80000 6000
60000
4000
40000
2000
20000
0 0
2016,000 2021,000 2026,000 2031,000 2036,000

número de vagas ofertadas em ILPI credenciadas ao SUAS


Nº ILPI Censo SUAS
Nº ILPI Privadas Censo FN-ILPI

Fonte: Elaborado pela autora.


Fonte: Elaborado pela autora.
Isso significa projetar 255% de acréscimo no quantitativo de vagas em 20 anos, apenas para
acompanhar o envelhecimento – saindo dos atuais 63.798 para 163.014, em 20 anos. Porém, não há
qualquer sinal de planejamento nesta direção, conforme alertam
91 Passos & Machado (2021):
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Isso significa projetar 255% de acréscimo no quantitativo de vagas em 20 anos,


apenas para acompanhar o envelhecimento – saindo dos atuais 63.798 para 163.014,
em 20 anos. Porém, não há qualquer sinal de planejamento nesta direção, conforme
alertam Passos & Machado (2021):

Na contramão desse cenário está a programação do gasto social brasileiro para os próximos 20 anos. Além de
não priorizar a provisão de cuidados, o futuro é de cortes orçamentários. A partir da promulgação da Emenda
Constitucional n. 95, os gastos primários do governo federal estarão congelados, em termos reais, nos valores
de 2016, o que interditará maiores investimentos em políticas sociais para lidar com as crescentes demandas de
saúde e de cuidado que acompanham o envelhecimento populacional. (p.18)

Enquanto aumenta a demanda por cuidado, observam-se ameaças às políticas


sociais. Além disso, dificilmente as mulheres economicamente ativas poderão
continuar a articular a vida profissional com o cuidado dos membros familiares
dependentes, ainda mais simultaneamente de filhos e pais ou parentes idosos
(Passos & Machado, 2021). Este cenário preocupante de financiamento insuficiente
e de precariedade das políticas voltadas para a população idosa aponta para uma
velhice que demanda cuidados ainda mais desprotegida (Berzins, Giacomin &
Camarano, 2016).

Dentre as críticas à forma como as questões do envelhecimento e da dependência


estão sendo tratadas no Brasil, ainda acontece a inexistência, a insuficiência ou a
superposição de ações das esferas governamentais responsáveis pelas políticas para
alcançar, de forma concreta, as demandas da pessoa idosa dependente (Minayo,
2021).

Na sociedade ocidental, tende-se a negar a velhice frágil e a finitude (Debert,


1999). Talvez isso contribua para o preconceito contra as ILPI. Para Camarano
e Barbosa (2016), no nosso meio, este preconceito, em parte, é decorrente do
histórico da institucionalização baseada na pobreza individual e familiar que justifica
uma prática assistencialista, ancorada na caridade cristã; em parte, de uma visão

92
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

tradicional sobre a ILPI, que a associa à ideia de uma instituição total, caracterizada
por práticas restritivas, controladoras e de uma cultura manicomial. Essa visão é
reforçada pela mídia quando apresenta a ILPI atrelada a situações de abandono
familiar ou violência, o que reforça os preconceitos. Contudo, a ideia de uma família
que sempre cuida também é parte de uma cultura que idealiza a reciprocidade dos
filhos, o que não se revela na prática. Camarano e Barbosa (2016) questionam:

A partir desse panorama, pergunta-se como se pode definir uma instituição de longa permanência no Brasil
e qual seria o seu papel? Pelo que foi visto, parece que se pode falar que elas cumprem dois papéis. Fornecem
abrigamento para idosos pobres, o que deve estar associado à sua origem; e cuidados para idosos frágeis. Isso,
porém, não caracteriza exatamente os dois tipos de instituições, muito embora o perfil dos residentes varie
segundo a natureza jurídica. São poucas as instituições que contam só com idosos independentes ou só com
idosos dependentes. Não há um consenso entre os especialistas se a instituição deveria aceitar apenas idosos
com o mesmo grau de dependência (2016, p. 508).

Além disso, há muitas divergências quanto a quem compete apoiar a população


idosa institucionalizada.

Na política de Assistência Social, as instituições públicas são largamente


insuficientes (menos de 7%) e o acesso a vagas na rede de ILPI credenciadas carece de
transparência sobre fluxos e critérios. Resta, portanto, à população menos favorecida
contar com a solidariedade da comunidade, de organizações não governamentais
e de entidades religiosas, seja na forma de doações ou mesmo na oferta de vagas
institucionais. Instituições filantrópicas resistem – mais de 40% foram criadas há mais
de 40 anos -, mas sofrem com a dificuldade de renovação de lideranças para cuidar
voluntariamente de algo tão complexo quanto uma instituição que deve oferecer
hotelaria, cuidados e ainda gerenciar riscos para residentes e trabalhadores. Além
disso, estas instituições também falham na transparência do volume e do uso dos
recursos obtidos e têm grande dificuldade para se adequarem às exigências legais
(Born & Boechat, 2016).

Esperar que um serviço sobreviva à base de doações revela um descompromisso


das políticas públicas para com a população assistida, o que foi comprovado pela

93
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

pandemia. A necessidade de um auxílio emergencial para as ILPI foi apontada em


abril de 2020 no Congresso Nacional. A lei 14.018/2020 foi aprovada em junho do
mesmo ano e os recursos14 - disponibilizados cerca de seis meses depois – alcançaram
2.118 instituições de todo o Brasil. Não foram beneficiadas as ILPI privadas, embora o
risco pandêmico não se ativesse às pessoas institucionalizadas em ILPI filantrópicas.

Para a política de Saúde, cuja atuação está mais pautada na fiscalização do que
no cuidado à população institucionalizada, a ILPI é identificada na Atenção Primária
como um domicílio coletivo e considerada um serviço de baixa complexidade
(Born & Boechat, 2016), mas isso não assegura atenção regular à população idosa
institucionalizada.

5. Considerações finais: a urgência de uma política nacional de cuidados


continuados
Políticas de CLD devem ser construídas em cumprimento aos direitos sociais e
não apenas consequência de ações de caridade cristã ou de assistência social,
que somente assistem aos paupérrimos no formato governamental atual
(Berzins, Giacomin & Camarano, 2016). Considerando os cenários demográfico e
epidemiológico, é preciso refletir sobre onde, quem e como os idosos em geral serão
cuidados, uma vez que as necessidades de CLD aumentarão, especialmente para
aqueles com 80 anos ou mais (Giacomin et al., 2018; WHO, 2021), grupo populacional
que mais cresce no Brasil (IBGE, 2021).

Pensar o envelhecimento como perspectiva individual e particular e a longevidade


como uma conquista coletiva e social significa favorecer uma cultura de cuidado ao
longo de toda a vida, respondendo às demandas de CLD de um grupo populacional
crescente e muito heterogêneo, dadas as oportunidades desiguais de saúde, de
trabalho e de cuidado no curso da vida. Afinal, indubitavelmente, a Revolução da
14 Os recursos recebidos a título de auxílio emergencial variaram conforme a quantidade de idosos acolhidos, com um valor per capita de R$
2.321,80 e destinavam-se, preferencialmente, a: I - ações de prevenção e de controle da infecção dentro das ILPIs; II - compra de insumos e de
equipamentos básicos para segurança e higiene dos residentes e funcionários; III - compra de medicamentos; IV - adequação dos espaços para
isolamento dos casos suspeitos e leves. (conforme Art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 14.108/2020).

94
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

Longevidade (Kalache, 2014) é acompanhada por uma demanda cada vez maior de
CLD que exigem um continuum de serviços de cuidados ao longo do curso de vida,
para o qual os sistemas de saúde e de assistência social não estão preparados.

Portanto, é imperativo o desenvolvimento de uma cultura de cuidado, calcada nos


direitos humanos, feita com compaixão, e que fomente a igualdade e a prestação de
cuidados de maneira não discriminatória, por meio da oferta de serviços acessíveis,
adequados, economicamente viáveis e de boa qualidade, e contar com mecanismos
de monitoramento e indicadores, para garantir a efetividade da sua prestação. (ILC-
BRAZIL, 2013) Infelizmente, até o presente, o Estado brasileiro não tem comparecido
nem minimamente na oferta de cuidados comunitários (Camarano, 2010; Scheil-
Adlung, 2015; Camarano & Kanso, 2010; Giacomin, 2018; WHO, 2021; Gascón &
Redondo, 2014), nem na oferta de vagas para pessoas que demandam cuidados
institucionais (Camarano & Barbosa, 2016; Wachholz et al., 2021), como demonstrado
neste capítulo.

No Brasil, a permanência da pessoa idosa em seu domicílio é uma prerrogativa


assegurada na Constituição (CR 1988, Art. 230) (Brasil, 1988), em caráter preferencial,
porém, isso pressupõe uma estrutura de cuidados e equipamentos, que inexiste
para a maioria dos idosos frágeis brasileiros: as modalidades intermediárias
de abrigamento e/ou de cuidado, que poderiam adiar ou evitar uma possível
institucionalização. Na prática, portanto, cabe a cada família brasileira (ou pessoa
idosa) se organizar para cuidar de si conforme os seus recursos (ou a falta deles).
Diante disso, a ILPI pode ser a única saída para a pessoa que necessita de cuidados e
não tem família, ou cuja condição de saúde ultrapasse as possibilidades de cuidado
da sua rede sociofamiliar.

Faz-se urgente a construção de uma política intersetorial de cuidados continuados


universal, eficiente, proativa e que conte com o efetivo investimento do Estado
brasileiro, nos três níveis de governo, para garantir o incentivo, a implementação e

95
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

o custeio de cuidados domiciliares, comunitários e institucionais. Isso inclui efetivar


os equipamentos sociossanitários previstos nas políticas de saúde e de assistência
social, de modo que a ILPI possa dialogar com essas modalidades e os potenciais
residentes possam transitar entre esses diferentes espaços.

A pandemia da Covid-19 revelou o quanto as ILPI estavam fora do radar das


políticas públicas de Saúde e de Assistência Social, dada a falta de informações
públicas sobre contaminação, adoecimento e óbitos. É crítica a falta de investimentos
públicos em pesquisas sobre a população institucionalizada. A maioria das pesquisas
são descritivas e de má qualidade, com amostras pequenas e não representativas
do segmento (Wachholz et al., 2021). Algumas hipóteses podem ser levantadas
para explicar este descompasso entre a relevância e a invisibilidade dos CLD para
população idosa.

A primeira estaria sustentada pelo familismo (Passos & Machado, 2021; Esping-
Andersen, 1999; Leitner, 2003; Saraceno & Keck, 2010) e pelo sexismo (Hirata,
2016) presentes na cultura e nas políticas brasileiras. Culturalmente, a questão
da proteção às pessoas idosas dependentes de cuidados fica relegada apenas à
responsabilidade das famílias e não tem sido compartilhada com a sociedade e o
governo como constitucional e legalmente estabelecido (Brasil, 2003; Brasil, 1988).
Esta prática não considera os custos do cuidado para as famílias, para a pessoa
cuidada e para a pessoa que cuida, especialmente para as mulheres (Hirata, 2012).
A omissão governamental no apoio às famílias tem sido tolerada pela sociedade
brasileira (Giacomin & Couto, 2010; Giacomin et al., 2018), como se a questão do
envelhecimento fosse uma questão de âmbito privado (Camarano, 2010; Debert,
1999).

Porém, a desigualdade social e de gênero, já tão marcada no nosso país, aprofunda


ainda mais a desigualdade de acesso a CLD. Tem acesso quem pode pagar por uma
vaga em ILPI privada, ou por uma estrutura de cuidado no domicílio, sem qualquer

96
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

apoio governamental. Para quem não tem tais recursos, espera-se que familiares
o façam – em geral, mulheres, que não são remuneradas para cuidar, e precisam
deixar o trabalho ou o estudo para fazê-lo (Giacomin et al., 2018), ou tentam conciliar
o trabalho com o cuidado às custas de uma sobrecarga física e emocional que
permanece invisível à sociedade e ao Estado brasileiros (Hirata, 2016). Essa prática
aumenta ainda mais o risco de desproteção na velhice para as pessoas que cuidam
(Camarano, 2010).

A segunda hipótese seria fundamentada nos preconceitos – de idosos, familiares


e das políticas sociais – contra as instituições de longa permanência, manifestos
na sua invisibilidade e na falta de vinculação às políticas públicas. Eles estariam na
raiz do desinteresse público em oferecer esse tipo de serviço. Essa invisibilidade e
esse desinteresse aumentam a chance de cuidados inadequados, de abusos e maus
tratos, que por sua vez reforçam o preconceito e a violência institucional do Estado
brasileiro, considerando que a maioria dos municípios brasileiros não possui ILPI
(Lacerda et al., 2021).

Por isso, a ILPI precisa ser incluída nas diferentes políticas de Estado, enquanto
um equipamento das cidades e da própria política de assistência social para o
fortalecimento de vínculos sociocomunitários -– não necessariamente a última
opção, de modo a se contrapor à concepção de ILPI sempre atrelada a “pobreza,
abandono e exclusão social”. Será necessário desconstruir a imagem de ILPI como
última opção e da família como instituição idealizada e perfeita, uma vez que os
dados apontam que a família não consegue suprir metade das demandas das pessoas
idosas (Duarte et al., 2010). De fato, as famílias precisam ser apoiadas, mas ainda
assim a demanda por ILPI continuará a existir. Negar a existência das instituições ou
a demanda por cuidados não as fará desaparecer.

Este preconceito à ILPI é fortalecido na medida em que o Estado só a visita


cumprindo seu papel regulador. Muitas vezes, atuando como um regulador severo e

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

idealista, a cobrar estruturas físicas e resultados nos cuidados dos‘empresários privados


do setor’. Esta atuação rigorosa, seja por parte da Vigilância Sanitária, dos Conselhos
ou do próprio Ministério Público (Giacomin & Couto, 2010), não reconhece ou parece
se esquecer de que a função de cuidados aos idosos deve, constitucionalmente, ser
compartilhada entre famílias, sociedade e Estado (Brasil, 1988).

Destaca-se que 99% dos idosos brasileiros vivem na comunidade. Assim, as ILPI,
únicas representantes da sociedade civil, na tarefa constitucional de cuidar, são
colocadas no lugar de vilãs, por não conseguirem cumprir normas idealizadas,
descoladas da realidade. Este lugar em que a sociedade e o Estado as colocam,
além de não contribuir para alteração das não conformidades legais, é injusto por
demais. A pandemia demonstrou o quanto elas estavam sozinhas e desamparadas
em cumprir uma função que é de todos, inclusive daqueles que as condenam.

Para quebrar este círculo vicioso perverso, a sociedade e o Estado devem abrir
mão de suas posturas de juízes para assumir um papel de parceiros, colaboradores
e de respeito, mesmo quando estiverem cumprindo o papel de conferir as boas
práticas e apoiar a melhoria dos cuidados. A mudança de paradigma nesta relação
é possível e urgente. Todos cumprindo suas obrigações, todos contribuindo, todos
participando das soluções.

A pandemia deixou claro que, quando essas instituições são apoiadas pela
sociedade civil organizada (FN-ILPI), elas conseguem melhorar os desfechos de
óbito e contaminação, diante do cenário epidemiológico previsto. É importante
reconhecer que esta atuação da sociedade civil não teve qualquer caráter
regulatório, mas de apoio e educação para as boas práticas nas instituições. Isso
possibilitou prevenir óbitos por Covid-19 em ILPI, inclusive naquelas ILPI privadas
em condições precárias, que existem como resultado da falta de oferta e da falta
de transparência quanto ao acesso a vagas reguladas pelo SUAS. Assim, elas se
estabelecem para responder a uma demanda social que não está adequadamente
tratada pelo poder público.

98
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

Por isso mesmo, a Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI aposta na


profissionalização da gestão e do cuidado (Villas-Boas et al., 2021). Isso inclui o cuidado
centrado no residente e a garantia de equipe mínima de profissionais vinculada às
instituições. O acesso e a transparência quanto à utilização de recursos públicos
são condições sine qua non para o cuidado institucional eficiente e adequado. Na
falta do interesse público em assumir a oferta de cuidados, as ILPI privadas têm
apresentado grande crescimento (Jacinto et al., 2020) e há relatos de numerosas
ILPI não regulamentadas em todo o país (Camarano & Barbosa, 2016). Além disso,
a lógica governamental de compreender ILPI privada como uma entidade excluída
das políticas é injusta, pois desconhece o seu papel de empreendimento social.
Discriminar as instituições privadas significa desproteger um universo significativo
de ILPI. Estamos falando de instituições que, genuinamente, materialmente são
de natureza social, mas, que formalmente são privadas, ainda que deficitárias
financeira e estruturalmente. Assim, o critério da formalidade deveria ser trocado
pelo critério da necessidade real, independentemente de que a ILPI seja privada
ou filantrópica, sem esquecer de que mesmo as ILPI privadas superavitárias estão
contribuindo socialmente para com os CLD. Elas acolhem pessoas e também são
fonte de emprego e renda. As famílias que pagam pelas vagas não têm qualquer
benefício fiscal, embora estejam buscando no mercado o que o Estado não oferece.

E, embora do ponto de vista de atividade econômica (CNAE), a descrição


pressuponha “a realização de atividades de atenção à saúde humana integradas
com assistência social, prestadas em residências coletivas e particulares”, inexistem
mecanismos de financiamento e de gestão compartilhada. Além disso, as ILPI
tangenciam as políticas de assistência social, habitação e saúde e essa dificuldade
de caracterização compromete o real dimensionamento delas (quantas são?), bem
como a dinâmica do cotidiano e a proposta de cuidado (como cuidam?), refletindo na
composição heterogênea das equipes de trabalho e na falta de padrão de qualidade
dos serviços. Assim, outra hipótese está ancorada na incontestável e indefensável
falta de integração das políticas envolvidas.

99
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Para intervir nesse cenário é preciso trazer esta questão para a sociedade e
assumir o risco social do cuidado (Camarano, 2010) por meio de políticas públicas
que respondam com honestidade e compromisso ao desafio de envelhecer em um
país tão desigual, trabalhando para reduzir as desigualdades e não para reforçá-
las. Dessa feita, as ILPI, sejam elas públicas, privadas ou filantrópicas, poderiam
contar com algum mecanismo para verificar se o serviço contratado corresponde ao
serviço prestado. Se se utilizasse no SUAS a mesma lógica do SUS, seria necessária
uma Agência Reguladora dos Serviços Suplementares de Assistência Social, à
semelhança daquela que regula planos privados de saúde. Isso poderia evitar abusos
e violências, mas principalmente favorecer o aprimoramento do cuidado. Porém,
nota-se a ausência deste debate nos conselhos de direitos das pessoas idosas e das
políticas de assistência social, saúde, habitação.

Assim, outra hipótese se sustenta no idadismo ou etarismo - o preconceito contra


o envelhecimento e as pessoas mais velhas - presente nas decisões políticas, pois ele
certamente tem colaborado para limitar ainda mais a discussão e o acesso a CLD no
nosso país.

É preciso superar a lógica de uma instituição “total” onde as pessoas perdem toda
a sua autonomia, independentemente de sua condição funcional, física ou cognitiva.
A pessoa idosa deve estar no centro do cuidado, como protagonista, participando
de todo o planejamento, desde sua admissão, sinalizando seus desejos, valores e
preferências, podendo optar pelos cuidados com o fim de vida. A redução de funções
físicas e psicológicas do residente, no curso da institucionalização, pode resultar em
diminuição e/ou perda de seu controle sobre as atividades cotidianas. Contudo, para
as pessoas idosas, a possibilidade de fazer escolhas e manter sua autodeterminação
e, por conseguinte, estar no controle da própria vida na fase que precede a morte,
é fundamental para a manutenção da sua dignidade, da sua liberdade de ir e vir, do
seu lazer, e da sua individualidade (Villas-Boas et al., 2021; Brasil, 2003).

A amplitude do cuidado ao longo do curso da vida dos residentes na ILPI é vasta,


dinâmica e precisa ser continuamente avaliada pelos envolvidos: a equipe, a rede

100
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

sociofamiliar e a pessoa idosa. É preciso que o caráter residencial, de convivialidade


e a abertura para a comunidade sejam favorecidos e estimulados (Villas-Boas et al.,
2021), bem como uma atuação integrada das políticas ao longo de todo o processo
de cuidado.

Entretanto, até o presente, a política de saúde participa apenas da fiscalização


sanitária, mas não do financiamento, nem do cuidado sistemático dentro das
instituições, mesmo quando se trata de ILPI credenciada ao SUAS. Por sua vez, a
política de assistência social tampouco reconhece a existência de ILPI privadas,
mesmo quando estas assistem populações socialmente vulneráveis, que estão ali
por não terem acesso a vagas públicas, ou que estejam em dificuldades financeiras
ou de toda ordem, precisando dos apoios da sociedade e, por que não, do Estado.
E, embora colocada no capítulo “Habitação” do Estatuto do Idoso (Brasil, 2003), esta
política não se apresenta para apoiar reformas ou construções neste segmento.

É desalentador perceber que o governo federal, por intermédio da SNDPI, em três


anos, em caráter excepcional e com recursos de emendas parlamentares, conseguiu
apoiar a menos de um milésimo das ILPI do Brasil – excetuado aqui o recurso
emergencial da Covid-19 - e que o Ministério da Cidadania, gestor do SUAS, ao fim
e ao cabo, desconhece quanto dos recursos empenhados pelo Fundo Nacional de
Assistência Social se destinam ao beneficiário final da política: a pessoa idosa. Se
considerarmos o caráter excepcional do aporte financeiro federal e dividirmos por
cem a ajuda do governo federal (somente 1% dos idosos estão institucionalizados),
concluímos que o Estado contribui na ordem de praticamente ZERO, ou seja nossos
resultados confirmam a tese da OIT de que o Estado brasileiro não cumpre sua
obrigação constitucional (Brasil, 1988).

Urge mapear todas as ILPI, credenciadas e não credenciadas ao SUAS,


reconhecendo seu caráter híbrido de cuidados sociais e de saúde, de bem-estar, e
enquanto um equipamento da cidade. Por isso, é importante criar um cadastro único

101
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

de âmbito nacional com todas as entidades que prestam atendimento institucional,


independentemente da natureza pública, filantrópica ou privada, que informe
sobre localização, perfil de residentes, número de vagas, equipe profissional, tipos
de serviços ofertados, estabelecendo mecanismos transparentes de acesso a CLD e
de garantia da qualidade de tais cuidados. Este momento serviria para regularizar
ILPI clandestinas e visibilizar ILPI em condições precárias, que demandariam uma
atuação ainda mais urgente do poder público.

Será fundamental qualificar a qualidade do cuidado ofertado a partir de um


instrumento de avaliação do cuidado assistencial, conforme o proposto por
Guimarães et al. (2020), que validaram a matriz multidimensional de avaliação de
Rantz et al. (1999), bem como medir o risco sanitário envolvido. Caberia à vigilância
sanitária e seus técnicos reguladores, categorizar as instituições conforme o risco
e a qualidade do cuidado, atuando prioritariamente naquelas em nível crítico,
com graves e urgentes problemas de cuidado e gestão, que necessitam da pronta
intervenção dos órgãos públicos. Porém, a entrada da política de saúde nas ILPI não
pode resultar na sua transformação em um ambiente hospitalar, mas sim assegurar
que as medidas de biossegurança sejam respeitadas, sem para tanto desrespeitar a
autonomia do residente.

Existe uma oportunidade: a Organização Mundial de Saúde estabeleceu a Década


do Envelhecimento Saudável 2021-2030. Dentre as suas diretrizes prioritárias estão:
criar comunidades “amigas do idoso”; oferecer cuidados de saúde centrados na
pessoa e promover CLD. Segundo Lloyd-Sherlock et al. (2019), os países de baixa e
média renda, como é o caso do Brasil, poderiam se beneficiar dessas três diretrizes
e superar o paradigma da distinção entre provisão de serviços de saúde e cuidados
sociais para os idosos fragilizados, bem como encarar de vez a realidade e as
demandas trazidas pelo envelhecimento populacional. Uma política nacional de
CLD, certamente, significará mais dignidade para quem precisa e para quem presta
tais cuidados.

102
Envelhecimento da população brasileira: projeções da demanda e
dos custos de instituições de longa permanência para idosos

Agradecimentos

À Profª. Dra. Yeda Duarte e ao advogado Eduardo Camargos Couto pela cuidadosa
leitura do texto.

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108
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
3
Modelo assistencial contemporâneo para
os idosos: necessidade atual e emergência
para as próximas décadas
Renato Peixoto Veras

Introdução
É possível, no Brasil, envelhecer com saúde e qualidade de vida? Oferecemos a
resposta neste documento, que apresenta a proposta de um modelo assistencial
resolutivo e com excelente relação custo-benefício, em linha com o que há de mais
contemporâneo no cuidado integral para o grupo etário dos idosos.

O modelo que apresentamos a seguir propõe pensar, de forma absolutamente


inovadora, o cuidado que deve ser prestado a essa parcela da população, que foi
bastante afetada pela pandemia de Covid-19. Na atual crise mundial da saúde,
aprendemos o valor do conhecimento, da ciência e de novas estratégias para lidar
com uma doença até então desconhecida. Ficou absolutamente clara a importância
do cuidado, da promoção e prevenção da saúde, além da tecnologia para uso nas
consultas, no monitoramento e nas informações – em síntese: na “coordenação dos
novos cuidados”.

O aumento da expectativa de vida é uma grande conquista da população


brasileira. Viver mais – envelhecer – já é uma realidade nesta década e será mais ainda
em anos vindouros. Mas também deve fazer parte desta conquista a possibilidade
de os cidadãos usufruírem desse tempo a mais com capacidade funcional, saúde
e qualidade de vida. Ao longo dos últimos anos, algumas instituições e seus

110
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

pesquisadores vêm buscando a mudança do modelo de prestação de serviços de


saúde. Entendemos que é imprescindível. E o mais importante: sabemos que é viável.

É possível reorientar a atenção à saúde da população idosa e construir uma


organização no setor que permita melhores resultados assistenciais a um custo
menor. Mas o que falta para que isso ocorra? Que todos os atores do setor se
percebam responsáveis pelas mudanças necessárias e que se permitam inovar. E
vale dizer que, em muitos casos, inovar pode significar apenas resgatar cuidados e
valores mais simples, que se perderam dentro do nosso sistema de saúde.

Partindo destas premissas, optamos por estruturar este documento em segmentos


complementares. Apresentamos a expressão numérica do grupo etário dos idosos,
que constituem, em termos proporcionais, o grupo que mais cresce em todo o
mundo na atualidade. Discutimos esse processo de transição demográfica com foco
na saúde coletiva, trazendo um apanhado dos trabalhos científicos dos laboratórios
de biologia celular para tomarmos conhecimentos dos avanços nesse campo. E
descrevemos o modelo assistencial para o idoso com todas as suas especificidades,
levando em conta o aumento da expectativa de vida.

Na atualidade, chegar aos 80, 90 anos ou até mais se tornou algo relativamente
comum. Entretanto existe uma enorme preocupação com o modelo de cuidado
utilizado, pois tudo que não desejamos é que os anos adicionais de vida sejam de
sofrimento, dor e custos elevados.

Neste texto, apresentamos em detalhes a teoria e os conceitos que fundamentam


o modelo proposto. Basicamente, o texto relata a necessidade de ênfase nas
instâncias leves de cuidado, ou seja, foco na coordenação, na prevenção e no
monitoramento do cliente, de forma a minimizar desperdícios, oferecendo uma
assistência de melhor qualidade e a custos reduzidos. Também são apresentados os
instrumentos de avaliação epidemiológica utilizados e o passo a passo de todos os
profissionais da equipe de saúde.

111
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Integrar o conhecimento, a teoria, a aplicação dos instrumentos e sua rotina é


fundamental para que essa lógica de cuidado se amplie no Brasil e para que os
setores públicos e de saúde suplementar possam oferecer uma melhor assistência
ao grupo etário que mais cresce em todo o mundo. Se não mudarmos o modelo
assistencial para o idoso, a perspectiva para os próximos anos será sombria.

O objetivo principal deste documento, portanto, é desenhar modelos de


cuidado mais efetivos e cenários adequados às características da população idosa,
trabalhando com um horizonte estimado de 20 anos. Pensar o cuidado assistencial
dentro desse prazo é de grande importância, pois a única certeza que temos é de
que o cuidado terá de ser mais efetivo do que o praticado hoje (Veras, Ramos &
Kalache, 1987).

A transição demográfica
Todas as projeções demográficas feitas na década de 1980 sobre o crescimento do
grupo etário dos idosos se confirmaram. Se houve algum erro, foi por subestimação,
pois os números se revelaram ainda mais expressivos do que então se imaginava
(Kalache, Veras, & Ramos, 1987; Ramos, Veras & Kalache, 1987; Veras, Ramos &
Kalache, 1987).

A ampliação da longevidade é uma das maiores conquistas da humanidade.


Chegar à velhice era privilégio de poucos, mas passou a ser a norma no Brasil e em
países menos desenvolvidos. Houve uma melhoria substancial dos parâmetros de
saúde das populações, ainda que isso não ocorra de forma equitativa nos diferentes
países e contextos socioeconômicos. Essa conquista maior do século XX implica, no
entanto, um grande desafio: cuidar bem desse grupo etário e agregar qualidade aos
anos adicionais de vida.

Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou uma publicação


orientada para respostas políticas tendo em vista a promoção do envelhecimento

112
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

ativo definido como um processo de otimização das oportunidades para promoção


da saúde, participação e segurança, com objetivo de melhorar a qualidade de vida
das pessoas que envelhecem (Pedro, 2013). A partir dessa primeira definição, são
identificados os três pilares essenciais desse novo paradigma: saúde, participação e
segurança (António, 2020; São José & Teixeira, 2014).

O pilar da saúde transcende o campo estritamente físico – com base em


investigação desenvolvida no âmbito de várias áreas científicas – para englobar
também os campos da saúde mental e do bem-estar social, todos recomendados
para intervenção no nível das políticas públicas. Por outro lado, o conceito de
atividade se refere-se a uma participação continuada nos domínios cultural e social,
e econômico, da vida cívica e comunitária, e não apenas à permanência ativa no
mercado laboral. Por último, é destacada a necessária existência de algum sistema
de proteção social que garanta nível adequado de segurança socioeconômica, sem
o qual se entende que não será possível garantir nem a saúde, nem a participação
da população idosa.

Além da importância das políticas públicas, verifica-se igualmente uma mensagem


muito clara de responsabilização individual da população idosa, que deveria
ela mesma procurar se manter-se ativa e se empenhar-se em garantir sua saúde,
participação e segurança (António, 2020). Na medida em que esse conceito ganhou
força na esfera política, as publicações oficiais a esse respeito se tornaram-se cada
vez mais focadas em um imperativo econômico: o da manutenção dos idosos em
atividades produtivas (São José & Teixeira, 2014).

No Brasil, a mudança da configuração etária com o avanço do segmento da


terceira idade é um fenômeno relativamente recente. O crescimento da população
brasileira foi elevado nos últimos 70 anos. E o aumento da população idosa tem sido
muito mais intenso, quando comparado ao cenário global.

113
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A Tabela 1 a seguir apresenta os dados do Brasil para alguns anos selecionados.


Observa-se que a população brasileira total era de 54 milhões de habitantes em
1950, passou para 213 milhões em 2020, devendo alcançar 229 milhões em 2050
e depois cair para 181 milhões de habitantes em 2100. O crescimento absoluto foi
de 3,3 vezes em 150 anos (menor do que as 4,3 vezes do crescimento da população
mundial).

Fonte: World Population Prospectse, 2019.

Se o crescimento total da população brasileira foi elevado, o aumento da


população idosa no país tem sido muito mais intenso do que no cenário global. O
número de brasileiros idosos de 60 anos e mais era de 2,6 milhões em 1950, passou
para 29,9 milhões em 2020 e deve alcançar 72,4 milhões em 2100 (crescimento
absoluto de 27,6 vezes). Em termos relativos, a população idosa de 60 anos e mais
representava 4,9% do total de habitantes de 1950, passou para 14% em 2020 e deve
atingir o impressionante percentual de 40,1% em 2100 (aumento de 8,2 vezes no
peso relativo entre 1950 e 2100).

O número de idosos de 65 anos e mais era de somente 1,6 milhão em 1950, passou
para 9,2 milhões em 2020 e deve alcançar 61,5 milhões em 2100. O crescimento
absoluto está estimado em 38,3 vezes. Em termos relativos, a população idosa de 65
anos e mais representava 3% do total de habitantes de 1950, passou para 9,6% em

114
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

2020 e deve atingir mais de um terço (34,6%) em 2100 (um aumento de 11,5 vezes
no percentual de 1950 para 2100).

Fonte: World Population Prospectse, 2019.

Os idosos de 80 anos e mais eram 153 mil em 1950, passaram para 4,2 milhões
em 2020 e devem alcançar 28,2 milhões em 2100. O crescimento absoluto foi de
espetaculares 184,8 vezes em 150 anos. Em termos relativos, a população idosa dessa
faixa etária representava somente 0,3% do total de habitantes de 1950, passou para
2% em 2020 e deve chegar a 15,6% em 2100 (aumento de impressionantes 55,2
vezes sobre o percentual de 1950 para 2100).

É importante destacar que o número total de brasileiros atingirá o pico


populacional de 229,6 milhões de habitantes em 2045, conforme a revisão 2019

115
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

das projeções da ONU. Mas o número absoluto de idosos vai continuar crescendo,
sendo que o pico de idosos de 60 anos e mais (79,2 milhões de pessoas) e de 65 anos
e mais (65,9 milhões) será alcançado em 2075. O pico de idosos de 80 anos e mais
(28,5 milhões) será somente em 2085. Nas duas últimas décadas do século XXI, o
número absoluto de idosos vai diminuir. Todavia o percentual de idosos continuará
subindo, trazendo novas responsabilidades e oportunidades (Alves, 2019).

Todos esses dados mostram que o futuro do século XXI será grisalho, ou seja,
o percentual de idosos no mundo alcançará patamares jamais vistos na história.
O caso brasileiro não é muito diferente, mas nosso processo de envelhecimento
populacional é mais robusto, com percentuais de idosos bem acima dos percentuais
globais. Do ponto de vista demográfico, este é um tema de crucial importância, já
que os países ricos registraram crescimento etário gradual ao longo de todo o século
XX e, com seu poderio econômico, tiveram muito mais tempo para oferecer a essa
parcela da população melhor estrutura e facilidades.

O Brasil precisa assumir como tarefa a garantia de qualidade de vida dos seus
idosos, os quais, assim como grande parte da população, têm baixa escolaridade e
pouca proteção social. Sofrem ainda, no campo da saúde, com múltiplas patologias
crônicas1 (Veras & Estevam, 2015), que exigem acompanhamento constante e
cuidados permanentes (Moraes et al., 2019), gerando impacto econômico para a
sociedade (Szwarcwald et al., 2016) em função da demanda crescente por serviços
de saúde. As internações hospitalares dos idosos se tornam-se mais frequentes e o
tempo de ocupação do leito é maior quando comparado com outras faixas etárias.
Há, portanto, uma enorme implicação econômica, previdenciária e social.

O envelhecimento humano não pode ser visto como um peso. Precisamos alocar
políticas sociais para esse público. No campo da saúde, devemos manejar os cuidados
1 Doenças crônicas são um conjunto de doenças relacionadas a causas múltiplas, caracterizadas por início gradual, de prognóstico usualmente in-
certo, com longa ou indefinida duração. Apresentam curso clínico que muda ao longo do tempo, com possíveis períodos de agudização, podendo
gerar incapacidades. Requerem intervenções associadas a mudanças de estilo de vida, em um processo de cuidado contínuo.

116
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

de uma forma mais contemporânea e adequada para garantir esse patrimônio de


saber e experiência sem que isso resulte em custos excessivos para o setor. Também
será necessário ampliar (Moraes, Moraes & Lima, 2010) e qualificar os profissionais
de saúde para o cuidado das doenças crônicas.

Precisamos construir um modelo inovador e de qualidade, pois o atual, já


defasado, somente ampliará o mau atendimento e a crise da saúde particularmente
para o idoso, que é o grupo etário de maior demanda e custo. Trabalhamos com uma
perspectiva de duas décadas para que as mudanças recomendadas nesta proposta
se consolidem, desenhando o cenário de um cuidado assistencial mais adequado
para a nossa população idosa.

A modelagem desse novo modelo deve discutir e detalhar os tópicos que


apresentamos no decorrer deste artigo.

Doença crônica e modelo assistencial


No Brasil, a principal causa de mortalidade e morbidade são as doenças crônicas
não-transmissíveis (DCNT), as quais normalmente têm desenvolvimento lento,
duram períodos extensos e apresentam efeitos de longo prazo difíceis de prever. Os
transtornos neuropsiquiátricos constituem a maior parcela dessas DCNTs (Schmidt
et al., 2011).

Em seu relatório publicado em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS)


(World Health Organization, 2011) assinala que, das 38 milhões de vidas perdidas
em 2012 por DCNT, 16 milhões (ou seja, 42%) eram prematuras e evitáveis (Carvalho,
Marques & Silva, 2016). Como a despesa com cuidados relativos a essas doenças
sobe em todo o mundo, elas ocupam proporções cada vez maiores nos orçamentos
públicos e privados (World Health Organization, 2015).

As enfermidades crônicas incluem tradicionalmente as doenças cardiovasculares,


a diabetes, a asma, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e as doenças

117
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

crônico-degenerativas. Como as taxas de sobrevida têm melhorado, esse conjunto


de doenças também passou a incluir muitos tipos de câncer, HIV/aids, distúrbios
neuropsicológicos (como depressão, esquizofrenia e demência), artroses e
deficiências visuais e auditivas. A maioria delas não tem cura, mas várias podem ser
prevenidas ou controladas por meio da detecção precoce, adoção de dieta e hábitos
saudáveis, prática de exercícios e acesso a tratamento adequado e oportuno.

Muitas dessas doenças crônicas constituem um conjunto de agravos que faz com
que hoje muitos autores e instituições definam seus portadores como “pacientes
crônicos em situação de complexidade”, o que é determinado por um perfil de
apresentação de cronicidade. Entre as características diferenciais mais prevalentes
desse grupo está a presença de várias enfermidades crônicas concorrentes, a grande
utilização de serviços de hospitalização urgente com diferentes episódios de ida ao
hospital durante um mesmo ano, a diminuição da autonomia pessoal temporária
ou permanente e a polimedicação. Além disso, pode haver fatores adicionais, como
idade avançada, viver sozinho ou com pouco apoio familiar e episódios de quedas,
entre outros (Veras & Oliveira, 2016).

Diversas condições crônicas estão ligadas a uma sociedade em envelhecimento,


mas também às escolhas de estilo de vida, como tabagismo, consumo de álcool,
comportamento sexual, dieta inadequada e inatividade física, além da predisposição
genética. O que elas têm em comum é o fato de precisarem de uma resposta complexa
e de longo prazo, coordenada por profissionais de saúde de formações diversas,
com acesso a medicamentos e equipamentos necessários, bem como estratégias
de estímulo à adesão ao tratamento pelo paciente, estendendo-se à assistência
social. No entanto, hoje, a maioria dos cuidados de saúde e dos serviços ainda está
estruturada em torno de episódios agudos. Tendo em vista esse cenário, a gestão
de doenças crônicas é cada vez mais considerada uma questão importante por
gestores e pesquisadores em todo o mundo que buscam intervenções e estratégias
para combater esses agravos. Deve-se ressaltar que a melhora da qualidade de vida

118
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

da população é fruto de uma série de fatores, entre os quais o avanço tecnológico


presenciado em diversos campos do conhecimento e da ciência contemporânea.

Biologia celular do envelhecimento


A pesquisa biológica do envelhecimento

O cientista David Sinclair (Amorim & Sinclair, 2021; Chultz et al., 2020), que está
à frente de um laboratório na Universidade de Harvard e pesquisa por que razão
envelhecemos, disse recentemente que é possível retardar o envelhecimento se o
encararmos como uma doença que precisa ser tratada.

Em laboratório, Sinclair estudou camundongos em diferentes ambientes. Um


grupo ficava em um espaço reduzido, apenas com alimentos para viver; outro tinha
um espaço bem maior, com brinquedos, música, iluminação adequada e alimentos
especiais, que consumiam com prazer. O professor observou que o meio ambiente
e o estilo de vida interferem no envelhecimento. Assim também acontece com os
humanos: acima de 80% da nossa saúde depende mais de atitudes e comportamentos
do que do próprio DNA.

O retardamento da velhice é algo muito complexo, pois precisa ser do corpo


inteiro. A saúde mental é outro fator importante, mas ainda estamos no caminho para
várias descobertas. As informações já existentes nos permitem um envelhecimento
com qualidade.

Uma das áreas de grande interesse e de descobertas inovadoras na ciência é a


biologia genética. Até bem pouco tempo atrás, o envelhecimento era visto como um
processo natural e inevitável. Hoje, porém, sabemos que existe um marcador biológico

119
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

localizado na extremidade dos cromossomos, em um trecho de DNA que pode ser


comparado à fita plástica das pontas dos cadarços de um calçado. É o telômero.

À medida que nossas células se dividem para se multiplicar e regenerar os


tecidos e órgãos do corpo, há redução dos telômeros. Por isso, com o passar do
tempo, eles vão ficando mais curtos, até perderem a funcionalidade. O resultado
desse processo é o envelhecimento, pois células com telômeros curtos acabam
morrendo ou ficam mais vulneráveis a instabilidades genéticas. Isso pode ser
comprovado quando se analisa o tecido de um idoso, em que a perda de células é
uma das principais características.

Telômeros e o ritmo do envelhecimento

O que mantém a estabilidade dos genes geração após geração? Por muitos anos,
a ciência buscou a resposta para essa pergunta; e ela foi encontrada nos telômeros,
que logo se tornaram o centro das atenções das pesquisas biológicas em genética
do envelhecimento.

Sabe-se, atualmente, que os telômeros agem como “contadores intrínsecos” da


divisão celular, protegendo o organismo contra divisões fora de controle, como
acontece no câncer, por exemplo. Ao longo da vida, os telômeros vão se encurtando
devido às muitas divisões sofridas pela célula.

Nas células somáticas (não germinativas), ocorre a perda dos telômeros com o
passar do tempo, por meio da replicação celular. Células germinativas, presentes
nos testículos e ovários, não apresentam encurtamento dos telômeros, pois têm
uma enzima chamada telomerase (ausente em células somáticas), com capacidade
de produzir telômeros a partir de um molde de RNA.

A teoria de que os telômeros são “relógios moleculares das células”, embora


recente, já apresenta confirmação científica embasada em diversos estudos.

120
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Segredo da juventude?

Todavia, conter o envelhecimento de células não necessariamente tem como


consequência um efeito anti-idade em todo o corpo. Segundo a médica Carmen
Martin-Ruiz (2005), pesquisadora sobre envelhecimento do Instituto de Neurociência
da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, o tamanho dos telômeros de uma
pessoa pode determinar o quão “forte” ela é biologicamente. Se tem os telômeros
mais longos, seus mecanismos metabólicos a protegem. Mas um dos problemas
atuais das pesquisas científicas neste campo, segundo a especialista, é que não
existe um método padrão e universal para medir essas estruturas.

Um estudo recente realizado nos Estados Unidos concluiu que a maternidade


encurtou mais os telômeros das mulheres do que o tabaco ou a obesidade, ao passo
que outra pesquisa, feita entre mulheres maias, chegou à conclusão oposta: que
a maternidade fazia as mulheres ficarem biologicamente mais jovens, já que suas
células tinham telômeros mais longos.

Martin-Ruiz et al. (2005) afirma que cada laboratório utiliza técnicas e


metodologias diferentes, o que torna difícil comparar estudos e resultados, pois os
cálculos podem ser interpretados de muitas formas distintas. De qualquer maneira,
há um grande grupo de cientistas que está pesquisando aspectos variados do
envelhecimento humano, incluindo os telômeros, as mitocôndrias, a forma das
proteínas e muitos outros.

Quanto mais curtos forem os cromossomos, maior o risco de envelhecimento


acelerado e de enfermidades crônicas como o câncer e as doenças cardiovasculares.
Os telômeros se encurtam cada vez que os cromossomos se dividem, até o ponto
em que não seja possível haver mais divisão celular. É quando não há lugar para
mais rejuvenescimento.

121
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Não podemos modificar a idade, mas podemos e devemos agir sobre os fatores
que contribuem para preservar o comprimento dos telômeros.

É possível intervir nos telômeros?

Grande parte das pesquisas sobre telômeros não tem a ver com uma aspiração
estética de longevidade, mas sim com a potencial cura de doenças. Em 2009, três
pesquisadores americanos obtiveram o prêmio Nobel de Medicina por seu trabalho
sobre o envelhecimento das células e sua relação com o câncer.

Elizabeth Blackburn, Carol Greider (Allsopp et al., 1992) e Jack Szostak pesquisaram
os telômeros e descobriram que a enzima telomerase pode proteger os cromossomos
do envelhecimento. Essa enzima contribui para impedir o encolhimento dos
telômeros com a divisão celular, o que ajuda a manter a juventude biológica das
células.

A espanhola Maria Blasco, que trabalhou com Greider nos Estados Unidos e é
diretora do Grupo de Telômeros e Telomerase do Centro Nacional de Pesquisas
Oncológicas em seu país, esteve à frente das pesquisas de uma técnica capaz de
atuar sobre o glioblastoma (câncer de cérebro bastante agressivo), bloqueando
sua capacidade de se regenerar e se reproduzir. Esse efeito é obtido atacando os
telômeros das células cancerígenas.

A equipe de Blasco conduziu testes com ratos que resultaram em redução do


crescimento dos tumores, ampliando as chances de sobrevivência dos animais.
Abre-se, assim, um horizonte favorável ao desenvolvimento de alternativas de
tratamento em seres humanos.

122
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Testosterona, estradiol, di-hidrotestosterona e telomerase

Muitas evidências sugerem que os hormônios sexuais regulam diretamente a


telomerase. Recentemente, o tratamento com hormônios masculinos resultou em
melhora hematológica e alongamento dos telômeros em um modelo murino de
disfunção dos telômeros.

Estudos sugerem ser possível conter o processo de senescência celular


incrementando de forma artificial a quantidade de telomerase nas células. Seria
possível, inclusive, reverter algumas atrofias de tecidos devidas ao envelhecimento
por meio de indução da síntese de telomerase.

De todas as substâncias conhecidas, a telomerase é a mais próxima de um “elixir


celular da juventude”. Pesquisadores brasileiros, em colaboração com colegas
do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, já mostraram que os
hormônios sexuais podem estimular sua produção. Entre os cientistas envolvidos
está Rodrigo Calado, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da
Universidade de São Paulo, membro do Centro de Terapia Celular, um dos Centros
de Pesquisa, Inovação e Disseminação apoiados pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo. Os autores dizem que os resultados sugerem que
a abordagem pode combater os danos causados ao organismo pela deficiência de
telomerase.

A estratégia foi testada em pacientes com doenças genéticas associadas a


mutações no gene que codifica essa enzima.

O tratamento com o hormônio esteroide danazol, um hormônio masculino


sintético, foi testado por dois anos em 27 pacientes com anemia aplástica provocada
por mutações do gene da telomerase. De acordo com Calado, o comprimento dos
telômeros em um adulto saudável varia de 7.000 a 9.000 pares de bases em média.

123
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

O telômero de uma pessoa normal perde 50 a 60 pares de bases por ano, mas um
paciente com deficiência de telomerase pode perder de 100 a 300 pares por ano.
Aqueles que receberam danazol, contudo, apresentaram aumento em 386 pares de
bases, em média, ao longo dos dois anos de tratamento.

Embora os resultados do estudo sugiram que as drogas podem ser usadas para
reverter um dos fatores biológicos do envelhecimento, ainda não está claro se os
benefícios do tratamento superariam os riscos em pessoas saudáveis, especialmente
se a terapêutica envolver o uso de hormônios sexuais.

A ciência faz algumas recomendações para quem deseja preservar os telômeros:

• Fazer atividade física regular

Estudo com 2.401 participantes demonstrou que quanto mais atividades físicas
as pessoas praticam, mais se alongam seus telômeros, comprovando a importância
da prática regular de exercícios para prevenir o envelhecimento.

• Manter IMC adequado

Pessoas obesas têm telômeros mais curtos do que as magras. De acordo com a
Organização Mundial da Saúde, a obesidade mantém relação com um Índice de
Massa Corporal (IMC) superior a 30. Mas os indivíduos obesos que perdem peso
vêm os seus telômeros se alongarem. Quanto mais massa gorda se perde, maior é o
alongamento dos telômeros.

• Diminuir o estresse oxidativo

O estresse oxidativo está relacionado com as agressões por radicais livres de


oxigênio às membranas celulares e às organelas das células. Esses radicais são
exacerbados por uso de álcool, abuso de medicamentos, fumo, poluição, sol,
exposição aos pesticidas e a metais pesados. O estresse oxidativo leva a um processo

124
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

inflamatório. Os indivíduos que apresentam maior estresse oxidativo e inflamação


são os que têm os telômeros mais encurtados.

A necessária mudança do sistema de cuidado em saúde da pessoa idosa


O foco não pode ser a doença

A transição demográfica e a melhoria dos indicadores sociais e econômicos


do Brasil, em comparação com décadas anteriores, trouxeram o crescimento do
contingente de idosos e uma maior pressão fiscal sobre os sistemas de saúde público
e privado. Se essa parcela da população aumenta, ampliam-se naturalmente as
doenças crônicas e os gastos (Veras, 2019b); um dos resultados disso é a demanda
crescente por serviços de saúde, que pode, em contrapartida, gerar escassez e/ou
restrição de recursos. As internações hospitalares se tornam mais frequentes e o
tempo de ocupação do leito é maior, se comparado com outras faixas etárias, pois
as doenças que acometem os idosos são majoritariamente crônicas e múltiplas, ou
seja, exigem acompanhamento constante e cuidados permanentes (World Health
Organization, 2011).

Ao longo desse período, ficou demonstrado que é possível prevenir a maioria


dos problemas de saúde pública que afetam a população – relativos não somente
às doenças transmissíveis, mas também às não transmissíveis. Tal afirmação é
evidenciada pela significativa diminuição de mortalidade por doenças coronárias
e cerebrovasculares, pela redução da incidência e mortalidade por câncer cervical,
bem como pela diminuição da prevalência de consumo de fumo e incidência de
câncer do pulmão em homens (Lima et al., 2017).

Um dos problemas da maioria dos modelos assistenciais é o foco exclusivo na


doença. Lamentavelmente, a ação preventiva ainda é vista como uma sobrecarga
de procedimentos e custos adicionais. Contudo deveria ser compreendida como

125
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

uma estratégia que, em médio e longo prazos, poderá reduzir internações e outros
procedimentos de muito maior custo (Veras, 2019a).

Todas as evidências indicam que os sistemas de saúde baseados na biomedicina


terão, progressivamente, problemas de sustentabilidade. Esta constatação sugere
que os programas voltados para o público idoso devem ser construídos com base
na integralidade do cuidado, com protagonismo do profissional de saúde de
referência e sua equipe, para gerenciar não a doença, mas o indivíduo, fazendo
bom uso das tecnologias disponíveis, trabalhando com informações de qualidade
e monitoramento frequente. O médico especialista, o hospital, os fármacos, os
exames clínicos e de imagem também fazem parte do modelo ideal de saúde, mas
o protagonismo deve ser dado às instâncias leves e ao acompanhamento desse
cliente pelo seu médico (Caldas et al., 2015).

Um modelo contemporâneo de saúde do idoso precisa reunir um fluxo de ações


de educação, prevenção de doenças evitáveis, postergação de moléstias, cuidado
precoce e reabilitação de agravos (Veras, 2020b). Ou seja, uma linha de cuidado
ao idoso que pretenda apresentar eficiência e eficácia deve pressupor uma rede
articulada, referenciada e com um sistema de informação desenhado em sintonia
com essa lógica.

Por que o discurso é tão diferente da prática?


Antes de nos aprofundarmos na proposta de modelo assistencial, uma questão
precisa ser discutida previamente. Existe um consenso: todos, sem exceção, se
mostram favoráveis a essa nova linha de cuidado. A maioria, no entanto, faz tudo
em oposição ao seu discurso.

126
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

O modelo de assistência à saúde da pessoa idosa bem realizado é uma exceção.


No excelente trabalho da Agência Nacional de Saúde (ANS), coordenado pela Dra.
Martha Oliveira em 2018 (Veras, 2020a), podemos observar a distância entre o
discurso e a prática.

Já ultrapassamos a fase da novidade e dos clichês bastante conhecidos e


atualmente aceitos por todos – até mesmo por aqueles que não os praticam. É algo
louvável falar dos marcos teóricos ou das políticas que têm por objetivo permitir
um envelhecimento saudável – que significa manter a capacidade funcional e a
autonomia, bem como a qualidade de vida, em consonância com os princípios e
as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e tendo como foco a prevenção de
doenças. Importantes organismos nacionais e internacionais de saúde defendem
esse conceito há muitos anos (Carvalho, Marques & Silva, 2016; Veras & Oliveira,
2016). Mas o passo adiante precisa ser dado (Veras, 2018b).

Propomos uma reflexão: se todos debatem esse tema e as soluções já estão


presentes nas mesas de decisão, por que a situação permanece inalterada? Por
que a teoria não se traduz na prática do dia a dia? Por que líderes e gestores não
promovem a mudança?

Para que o setor de saúde – particularmente no segmento dos idosos – se organize,


um dos itens a ser considerado é a desconfiança. Hoje a sociedade desconfia do que
é ofertado. Nesse clima, qualquer proposta de mudança é vista com reservas. Tudo
que é multifatorial e foi construído ao longo de muitos anos é difícil de transformar.
Mudar uma cultura não é simples. Consideremos isso.

Outro gargalo é a qualidade assistencial, ainda pouco valorizada. É um tema de


enorme importância, que demanda maior conscientização de profissionais de saúde
e da sociedade. Discute-se que seria caro aplicar instrumentos de qualificação do
atendimento, acreditações e certificações, mas serviços qualificados são mais efetivos

127
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

em termos de custo, têm menor desperdício e melhores resultados assistenciais


para os pacientes.

Outra questão: existe a compreensão geral de que o cuidado do idoso ultrapassa


a saúde. Além do diagnóstico e da prescrição, a participação social, as atividades
físicas e mentais são elementos importantíssimos para a manutenção funcional.
Mas ainda temos, principalmente na saúde suplementar, muita dificuldade para
entender essas ações como parte integrante do cuidado. Existe uma tendência a
separar ações “sociais” de ações “curativas”.

E que tal discutirmos o modelo de remuneração dos profissionais de saúde?


Reconhecemos que são mal remunerados, então por que não adotamos o pagamento
por desempenho? Associar a discussão de resultado com a forma de remuneração
é um poderoso instrumento indutor na busca pelo que é certo. Assim, “pagamento
por performance”, “pagamento por resultado” ou “pagamento por desempenho” se
tornam sinônimos na luta pelo alinhamento entre acesso e qualidade assistencial.
A mudança do modelo de remuneração a partir desse novo marco de assistência,
focado no resultado e não no volume, precisa necessariamente ser um modelo do tipo
ganha-ganha, em que todos os envolvidos sejam beneficiados, mas principalmente
o próprio paciente.

Para pôr em prática todas as ações necessárias a um envelhecimento saudável e


com qualidade de vida, é preciso repensar e redesenhar o cuidado ao idoso, com
foco nesse indivíduo e em suas particularidades.

Isso trará benefícios, qualidade e sustentabilidade não somente para a população


idosa, mas para o sistema de saúde brasileiro como um todo (Moraes, 2009; Veras &
Estevan, 2015).

Agora que já sabemos o que é preciso, é momento de termos competência


para arregimentar esforços que transformem a teoria em um modelo de saúde

128
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

de qualidade para todos, incluindo os idosos. Não desejamos que o SUS se


fragmente ou que aumente o número de falências entre as empresas de
assistência médica privada.

Uma certeza todos temos: a cada ano que passa, o custo da saúde aumenta e a
qualidade assistencial piora. Um sistema assim se torna insustentável. É hora de pôr
em prática o que todos defendem, mas não fazem.

Envelhecimento e saúde
A saúde pode ser definida como uma medida da capacidade individual de
realização de aspirações e da satisfação das necessidades, independentemente da
idade ou da presença de doenças (Veras & Estevam, 2015). Assim, uma avaliação
geriátrica eficiente e completa, a custos razoáveis, torna-se cada vez mais premente.
Seus objetivos são o diagnóstico precoce de problemas de saúde e a orientação de
serviços de apoio onde e quando forem necessários, para manter as pessoas em
seus lares. A história, o exame físico e o diagnóstico diferencial tradicionais não são
suficientes para um levantamento extenso das diversas funções necessárias à vida
diária do indivíduo idoso (Veras et al., 2014).

No livro “Repensando a saúde: estratégias para melhorar a qualidade e reduzir os


custos”, Michael Porter e Elizabeth Teisberg (2009) defendem que a saúde precede
a assistência. Para eles, é latente a necessidade de medir e minimizar o risco de
doenças, oferecer um gerenciamento abrangente das enfermidades e garantir
serviços de prevenção para todos os clientes, inclusive os saudáveis. Nesse escopo,
afirmam, a saúde deve envolver a preparação para o serviço que aumenta a eficiência
da cadeia de valor2 (Kalache, Veras & Ramos, 1987), a intervenção, a recuperação,
o monitoramento e o gerenciamento da condição clínica, a garantia de acesso, a
mensuração de resultados e, por fim, a disseminação da informação.
2 Uma cadeia de valor representa o conjunto de atividades desempenhadas por uma organização desde as relações com os fornecedores, ciclos
de produção e venda até à fase da distribuição final. O conceito foi introduzido por Michael Porter em 1985.

129
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Os sistemas de saúde são constituídos por alguns pontos de atenção – os quais


não funcionam de forma integrada. Em geral, os pacientes entram nessa rede
desarticulada em um estágio muito avançado; e a porta de entrada acaba sendo
a emergência do hospital. Tal modelo, além de inadequado e anacrônico, tem
péssima relação custo-benefício, pois faz uso intensivo de tecnologias caríssimas.
Seu fracasso, no entanto, não deve ser imputado aos clientes, mas ao modelo
assistencial praticado, que sobrecarrega os níveis de maior complexidade em
função da carência de cuidado nos primeiros níveis. O atendimento domiciliar, para
alguns casos, pode ser uma alternativa. O home care não deve ser visto como um
modismo, apenas uma modalidade (Veras, 2020b) mais contemporânea de cuidar.
Aliás, a “invenção” do moderno hospital é que é algo recente, pois até bem pouco
tempo atrás o cuidado se dava na residência (Saenger, Caldas & Motta, 2016).

Uma avaliação prospectiva do gerenciamento de doenças (Tanaka & Oliveira,


2007) oferecido aos beneficiários do Medicare (sistema de seguro-saúde para idosos
gerido pelo governo norte-americano) demonstrou que as ações não estavam
conseguindo reduzir despesas (Oliveira et al., 2016) e que os médicos se ressentiam
da decisão das seguradoras de pagar os custos de gerenciamento de doenças,
possivelmente reduzindo seus ganhos, além de interferir na relação médico-paciente.
Programas de gerenciamento de doenças para idosos são ainda mais complexos e
têm relação custo-benefício bastante baixa, pois tratar adequadamente uma doença
apenas reduz os índices de morbidade dessa patologia. A melhor opção é estruturar
modelos que funcionem de modo integrado e consigam dar conta de toda a gama
de necessidades (Geyman, 2007). Se não for assim, o problema dificilmente será
resolvido, pois as demais doenças e suas fragilidades serão mantidas. Além disso, os
recursos serão utilizados inadequadamente (Oliveira et al., 2016).

A informação epidemiológica se traduz em capacidade para prever eventos,


possibilitando diagnóstico precoce (em especial em relação às doenças crônicas),
retardando o aparecimento desses agravos, melhorando a qualidade de vida e a

130
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

abordagem terapêutica. A determinação das condições de saúde da população


idosa deve considerar o estado global de saúde, ou seja, levar em conta um nível
satisfatório de independência funcional e não apenas a ausência de doença. Dessa
forma, pensa-se como paradigma de saúde do idoso a ideia de funcionalidade, que
passa a ser um dos mais importantes atributos do envelhecimento humano, pois
trata da interação entre as capacidades física e psicocognitiva para a realização de
atividades no cotidiano (Porter & Teisberg, 2009; Veras, 2020b).

Bem-estar e funcionalidade são complementares. Significam a presença


de autonomia – capacidade individual de decisão e comando sobre as ações,
estabelecendo e seguindo as próprias convicções – e independência – capacidade
de realizar algo com os próprios meios –, permitindo que o indivíduo cuide de si e
de sua vida. Cabe ressaltar que a independência e a autonomia estão intimamente
relacionadas, mas são conceitos distintos (Porter & Teisberg, 2009). Existem pessoas
com dependência física que são perfeitamente capazes de decidir as atividades de
seu interesse. Por outro lado, há pessoas que apresentam condições físicas para
realizar determinadas tarefas do cotidiano, mas não para escolher com segurança
como, quando e onde se envolver nessas atividades (Veras, 2020b).

A avaliação funcional define, então, a estratificação e a alocação corretas do


paciente idoso em sua linha de cuidado, além de ser capaz de antecipar seu
comportamento assistencial. A autonomia funcional é um importante preditor da
saúde do idoso, mas avaliar sistematicamente toda a população idosa utilizando
escalas longas e abrangentes não é o ideal. Há uma série de instrumentos de
avaliação para rastreamento de risco e organização da porta de entrada do sistema
de saúde validados e traduzidos para o português3.

A abordagem em duas fases, concentrando a avaliação completa apenas nos


idosos em situação de risco, captados por um processo de triagem, é mais eficaz

131
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

e menos onerosa. Para a primeira fase, da triagem rápida, deve-se utilizar um


instrumento que atenda os seguintes critérios:

• ser simples e seguro;

• ter tempo de aplicação curto e baixo custo;

• ter precisão para detectar o risco investigado;

• ser validado para a população e para a condição a ser verificada (Ramos, Veras
& Kalache, 1987);

• ter sensibilidade e especificidade aceitáveis;

• apresentar um ponto de corte bem definido.

No primeiro contato, sugere-se a utilização do Prisma-7, desenvolvido no Canadá


e destinado ao rastreamento (Saenger, Caldas & Motta, 2016) do risco de perda
funcional do idoso (World Health Organization, 2011). Composto de sete itens, com
validação e adaptação transcultural do questionário para o Brasil, mostrou que o
ponto de corte referente à pontuação 4 (quatro ou mais respostas positivas) é o ideal.
O instrumento não requer material especial, qualificação ou longo treinamento,
podendo inclusive ser autoaplicado. O tempo de aplicação é de três minutos e os
níveis sociocultural e de escolaridade não influenciam na compreensão das questões.

O Prisma-7 tem sido utilizado sistematicamente na porta de entrada do sistema


de saúde do Canadá e pela British Geriatrics Society e pelo Royal College of General
Practitioners, na Inglaterra, como instrumento de rastreio para perda funcional e
fragilidade (Lima et al., 2015).

132
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

A inovação necessária
As transformações socioeconômicas e suas consequentes alterações nos estilos
de vida dos indivíduos nas sociedades contemporâneas – com mudança de hábitos
alimentares, aumento do sedentarismo e do estresse, além da crescente expectativa
de vida da população – colaboram para a maior incidência de enfermidades crônicas,
que são hoje um sério problema de saúde pública (Lima-Costa et al., 2018).

O que propomos é fazer o necessário de forma correta, com foco no elemento


mais importante de todo processo: o próprio paciente (Veras, Gomes & Macedo,
2019). A atenção deve ser organizada de maneira integrada e os cuidados precisam
ser coordenados ao longo do percurso assistencial, em uma lógica de rede (Lima
et al., 2015; Moraes & Moraes, 2014). O modelo deve ser baseado na identificação
precoce dos riscos de fragilização do usuário. Uma vez identificado o risco, a
prioridade é intervir antes que o agravo ocorra, reduzindo o impacto das condições
crônicas na funcionalidade. A ideia é monitorar a saúde, não a doença, dentro da
lógica de permanente acompanhamento, variando apenas os níveis, a intensidade
e o cenário da intervenção (Folstein, Folstein & Mchugh, 1975).

É necessário obter melhores resultados assistenciais e econômico-financeiros. Para


isso é preciso que todos entendam a necessidade de mudanças e que se permitam
inovar no cuidado, na forma de remunerar e na avaliação de qualidade do setor.

Tudo isso resultará em benefícios, qualidade e sustentabilidade não somente para


esse segmento populacional, mas para a saúde brasileira como um todo (Caldas et
al., 2015). Os efeitos dessa mudança de modelo serão percebidos de imediato pelos
usuários. E a transformação do sistema de saúde rumo à sustentabilidade ficará
evidente a médio prazo.

O modelo de cuidado
Nos projetos internacionais, o médico generalista ou de família absorve
integralmente para si de 85% a 95% dos seus pacientes, sem necessidade da ação

133
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

de um médico especialista. Além disso, esse médico pode utilizar profissionais


de saúde com formações específicas (em Nutrição, Fisioterapia, Psicologia,
Fonoaudiologia...), mas é o generalista quem faz a indicação e o encaminhamento
(Lima-Costa & Veras, 2003).

O modelo inglês, o National Health Service (NHS), tem como figura central o
médico generalista de alta capacidade resolutiva, o chamado general practitioner
- GP3 (Veras, Ramos & Kalache, 1987), que estabelece um forte vínculo com o
paciente (Tanaka & Oliveira, 2007). O acesso a esses profissionais é garantido a
todos independentemente de renda ou condição social, à semelhança do nosso
Sistema Único de Saúde (SUS) (Castro et al., 2019). Ao fazer seu registro com um GP,
o cidadão britânico recebe assistência médica pública e gratuita em unidades de
saúde compostas por médicos generalistas e enfermeiros. Qualquer atendimento
necessário, desde que não seja de extrema urgência ou em função de algum
acidente, será feito ali (Turner & Clegg, 2014). O modelo norte-americano, por outro
lado, opta pelo encaminhamento do paciente para inúmeros médicos especialistas.
São dois países ricos, de grande tradição na medicina. Utilizam, no entanto, sistemas
diferentes, que proporcionam resultados também bastante distintos (Veras, 2015b).

Um estudo recente da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento


Econômico (OCDE) em países desenvolvidos mostra a diferença dos custos de saúde
nos Estados Unidos em comparação com outros países ricos e de boa qualidade
assistencial (Machado, Coelho & Veras, 2015) – onde, naturalmente, as despesas
em cuidados de saúde são (Oliveira et al., 2016; Porter, 2009) mais volumosas do
que nos países em desenvolvimento. Ainda assim, o gasto dos norte-americanos
é muito superior. Em 2017, foi de US$ 10.224 por pessoa, 28% maior que a Suíça e
mais que o dobro do Reino Unido. Estes dados reforçam que investir maciçamente
em tratamento de doenças não é suficiente.
3 No Reino Unido, o general practitioner (GP) é um médico diferenciado, com salário maior que o de um especialista e muito valorizado pela socie-
dade britânica. São considerados os “verdadeiros médicos”, pois sabem “de tudo”.
Um médico especialista é tido pelo senso comum como mais limitado, pois só domina uma especialidade. Para o cidadão britânico, médico bom
é o GP.

134
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Em alguns países, a acreditação e a avaliação de indicadores de qualidade são


requisitos obrigatórios. No Brasil, porém, valoriza-se e se premia o volume. Falta uma
política de estímulo à qualidade. Os pacientes nem sempre a reconhecem como
uma necessidade, e tanto a saúde pública como a privada a percebem como um
custo adicional. Apesar de esses pressupostos serem aceitos pela imensa maioria
dos gestores de saúde, muito pouco é realizado. Por este motivo, para um modelo
de cuidado adequadamente estruturado (Veras et al., 2014) alguns elementos não
podem faltar4 (Pedro, 2013).

No Brasil, o que se observa é um excesso de consultas realizadas por especialistas,


pois o modelo atual de assistência seguiu a lógica norte-americana e prioriza a
fragmentação do cuidado (Oliveira et al., 2016). A qualidade assistencial demanda
maior conscientização de gestores de saúde e da sociedade. Discute-se que seria caro
aplicar instrumentos de qualificação do atendimento, acreditações e certificações,
mas bons serviços são mais efetivos em termos de custo, têm menor desperdício e
melhores resultados assistenciais para os pacientes.

O modelo que propomos é estruturado em instâncias leves, ou seja, de custos


menores e compostas basicamente pelo cuidado dos profissionais de saúde,
todos muito bem treinados, e pela utilização de instrumentos epidemiológicos de
rastreio, além do uso de tecnologias de (Porter & Teisberg, 2009) monitoramento. É
de fundamental importância, sobretudo nos dias de hoje, que as informações dos
clientes e seus prontuários eletrônicos estejam disponíveis em nuvem, acessíveis por
computador ou celular a qualquer momento e em qualquer lugar, para que médicos
e demais profissionais de saúde possam monitorar o cliente quando necessário
(Veras, 2019c).
4 O Estatuto do Idoso, instituído pela Lei nº 10.741, em outubro de 2003, é um conjunto de leis que tem por objetivo defender e proteger os cida-
dãos considerados idosos, aqueles que têm idade a partir de 60 anos.

135
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

O esforço deve ser empreendido para manter os pacientes nesses níveis leves,
visando preservar sua qualidade de vida e sua participação social. A meta é concentrar
nessas instâncias mais de 90% dos idosos (Oliveira, Veras & Cordeiro, 2018).

Defendemos que as carteiras de clientes sejam compostas de indivíduos a partir


dos 50 anos. Cedo demais? Nem tanto.

Mesmo não sendo idosos, a epidemiologia mostra que é a partir dessa idade
que as doenças crônicas começam a se manifestar. E quanto mais precocemente
for estabelecida a estrutura de um modelo de educação em saúde e prevenção,
maiores serão as chances de sucesso.

No entanto também é possível estabelecer um ponto de corte para início aos 55


anos ou aos 60. No Brasil, o envelhecimento humano é estabelecido a partir dos 60
anos de idade (Lima et al., 2017).

Temos como base uma dupla de profissionais: um médico geriatra e um


enfermeiro gerontólogo. Eles têm a responsabilidade de acompanhar a saúde de
uma carteira de cerca de 800 clientes. Prevemos 20 horas de trabalho semanal do
médico e 25 horas para o enfermeiro. O médico faz a gestão clínica; o enfermeiro,
com especialização em Gerontologia, atua como gerente de cuidados, monitorando
as condições de saúde dos usuários e consolidando o papel de referência por meio
do acolhimento e do fortalecimento de vínculo com a família do idoso.

Uma avaliação funcional breve é feita no primeiro contato. Permite um marco


zero de monitoramento e serve de parâmetro para o acompanhamento do plano
terapêutico entre os diferentes pontos da rede. O gerente de cuidados é responsável
pela transição do cuidado entre os serviços e reavalia anualmente, ou sempre que
necessário, a capacidade funcional da pessoa, incentivando-a a participar do processo.
Sua função é de extrema importância para o modelo proposto e sua atuação segue
a mesma lógica do navegador (navigator) no sistema norte-americano, criado para
orientar os pacientes mais frágeis.

136
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

A função do navegador está presente em algumas operadoras dos Estados Unidos


e seu papel é central nesta proposta. De acordo com a Associação Médica Americana,
é responsabilidade desse profissional o gerenciamento do cuidado do usuário ao
longo dos diferentes níveis de complexidade do sistema de saúde, verificando se as
prescrições e orientações estão sendo cumpridas (Veras, Gomes & Macedo, 2019).

Além do geriatra e do enfermeiro, a equipe multidisciplinar é composta por


fisioterapeuta, psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, nutricionista, educador
físico e oficineiros (profissionais que desenvolvem atividades dinâmicas integrativas
vinculadas ao programa). Todas as vezes que forem identificadas necessidades de
atendimento dos usuários em outros níveis de atenção, os encaminhamentos serão
direcionados para os especialistas, mas sempre a partir do médico generalista.

Importante frisar que o modelo não mantém médicos especialistas, a não


ser por algumas exceções, quando em uma unidade há um grande número de
idosos frágeis. Neste caso, recomendam-se seis áreas de especialidades médicas
relacionadas ao modelo, pois fazem parte das avaliações anuais, ou atuando no
auxílio ao médico generalista, em decorrência de sua especificidade, demanda e alta
prevalência. Estas seis especialidades são de áreas nas quais se realizam anualmente
exames preventivos de controle, a saber: Cardiologia, Ginecologia, Uro-proctologia,
Dermatologia, Fonoaudiologia e Oftalmologia. Uma observação: destes profissionais
listados, o especialista em Otorrinolaringologia não precisa ser um médico, mas sim
um fonoaudiólogo.

A consulta com as especialidades aqui relacionadas somente será possível a


pedido do médico generalista do paciente. Assim, fica explícito que não se assumem
os demais especialistas caso o cliente precise do cuidado de outra especialidade.
O mesmo raciocínio ocorre para a hospitalização. Médico e enfermeiro terão
a preocupação de entrar em contato com o médico do hospital, visando ter

137
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

conhecimento do caso e, preferencialmente, atuando para garantir o melhor


atendimento e o menor tempo de internação.

O ingresso
O ingresso se dá por meio de uma ação denominada “acolhimento”, que acontece
em duas etapas. A primeira tem cunho administrativo e institucional, quando é feita
ampla exposição das ações propostas, enfatizando sobretudo a promoção da saúde
e a prevenção de doenças. O usuário tem assim uma compreensão abrangente
e didática do modelo e de toda a dinâmica de cuidados diferenciados que serão
ofertados, visando melhorar sua saúde e qualidade de vida. Do mesmo modo, a
participação do idoso deve ser incentivada, porque faz parte desse modelo de
atenção à saúde (Moraes, 2009).

Na segunda fase do acolhimento se inicia o atendimento propriamente dito.


E, como informado anteriormente, para organizar o acesso aos níveis do modelo,
aplica-se um questionário de identificação de risco (IR), o Prisma-7 (Folstein, Folstein
& Mchugh, 1975). Ao término da aplicação desse instrumento de triagem rápida,
o resultado obtido vai para o sistema de informação. Em seguida, o paciente é
submetido aos demais instrumentos que fazem parte da avaliação funcional.
Essa avaliação funcional é realizada em duas fases, e para tal são utilizados dois
instrumentos, ambos de reconhecida confiabilidade e adotados pelos mais
importantes grupos de pesquisa em geriatria.

O IVCF-20 avalia oito dimensões: a idade, a autopercepção da saúde, as atividades


de vida diária (três AVD instrumentais e uma AVD básica), a cognição, o humor/
comportamento, a mobilidade (alcance, preensão e pinça; capacidade aeróbica/
muscular; marcha e continência esfincteriana), a comunicação (visão e audição) e a
presença de comorbidades múltiplas, representada por polipatologia, polifarmácia
e/ou internação recente. Cada pergunta recebe uma pontuação específica, de acordo

138
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

(Chultz et al., 2020) com o desempenho do idoso, no total de 40 pontos. Além das
perguntas, algumas medidas, como a circunferência da panturrilha, a velocidade
da marcha e o peso/índice de massa corporal, são incluídas para aumentar o valor
preditivo do instrumento (Moraes, 2012).

A pontuação gera três classificações: de 0 a 6 pontos, o idoso tem provavelmente


baixa vulnerabilidade clínico-funcional e não necessita de avaliação e
acompanhamento especializados; de 7 a 14 pontos, verifica-se risco aumentado de
vulnerabilidade, que vai apontar necessidade de avaliação mais ampla e atenção
para identificação e tratamento apropriado de condições crônicas; com 15 ou mais
pontos (Saenger, Caldas & Motta, 2016), considera-se alto risco de vulnerabilidade
ou mesmo fragilidade instalada, que exigem avaliação ampliada, de preferência
por equipe especializada em cuidado geriátrico-gerontológico e com suporte
psicossocial (São José & Teixeira, 2014; Schimidt et al., 2011). O grupo coordenado
pelo professor Edgar Moraes (Rubenstein et al., 2001; Veras & Estevan, 2015), da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disponibilizou on-line o instrumento5.

A Escala de Lachs é utilizada após o ICVF-20. Ela visa detalhar alguns tópicos e permite
uma robustez maior para os resultados. Esta estratégia de utilizar os dois melhores
instrumentos epidemiológicos busca ampliar a confiabilidade dos resultados.

Escala de Lachs (Lachs et al., 1990) – composta por 11 itens (perguntas,


aferições antropométricas e testes de desempenho) para avaliação das áreas mais
comumente comprometidas na pessoa idosa: visão, audição, membros superiores e
inferiores, continência urinária, nutrição, cognição e afeto, atividades de vida diária,
ambiente domiciliar e suporte social. A aplicação desse instrumento permite, de
maneira rápida e sistematizada, identificar os domínios funcionais que deverão
ser posteriormente avaliados mais detalhadamente para o estabelecimento de
diagnóstico e planejamento de intervenções.
5 O IVCF-20 pode ser aplicado por meio do link: <https://sistema.medlogic.com.br/ngIVCF20/ge/ standalone/671/646>.

139
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

• Escala de Katz – avalia as atividades de autocuidado na vida diária (Katz, 1963).

• Escala de Lawton – avalia atividades instrumentais (Aguiar & Assis, 2009; Lawton
& Brody, 1969).

• Miniavaliação nutricional (Rubenstein et al., 2001).

• Escala de Tineti – teste de equilíbrio e marcha (Tinetti, 1989).

• Cartão de Jaeguer – avalia a acuidade visual (Abicalaffe, 2008; Costa & Santos, 2018).

• Miniexame do estado mental – Teste de Folstein (Nitrini & Scaff, 1994).

• Escala de Yesavage – escala de depressão geriátrica (Katz et al., 1963; Yasavage


et al., 1992).

Além da identificação de risco e dos protocolos de rastreio, os demais


instrumentos epidemiológicos serão utilizados anualmente. O médico e o gerente
de acompanhamento, além da equipe interprofissional geriátrica, farão avaliações
mais detalhadas, a fim de propor um plano de intervenção. Essas informações serão
coletadas e arquivadas até o fim do percurso assistencial. Após essa avaliação, é
definido um plano terapêutico individual com periodicidade de consultas (Moraes,
2009), encaminhamento para equipe multidisciplinar, centro de convivência e, se
for o caso, avaliação de especialistas médicos.

É então aberto um registro eletrônico único, longitudinal e multiprofissional, no


qual estarão armazenadas as informações de todas as instâncias de cuidado do
modelo assistencial, desde o primeiro contato até o cuidado paliativo na fase final
da vida. Esse registro deve conter informações sobre a história clínica e os exames
físicos do paciente idoso, mas é essencial que tenha informações sobre seu dia
a dia, sua família e seu apoio social, entre outras. Deverá também contar com os
dados fornecidos pelos demais profissionais não médicos, como fisioterapeutas,
nutricionistas, psicólogos etc. A participação da família, a explicação das atividades
e os screenings epidemiológicos são outros importantes diferenciais deste produto.

140
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

A informação sobre todos os procedimentos é fundamental para o monitoramento


do cliente (António, 2020).

Um dos principais fatores para controle de custos do programa é o acompanhamento


em cada instância de cuidado. Não há lacuna na atenção ao paciente quando este
é encaminhado à rede assistencial, quando necessita de cuidados terciários ou
atenção em nível hospitalar (Yasavage et al., 1992). A transição entre instâncias é
acompanhada pela equipe de gestão, que preza pela fluidez no fluxo de informações,
aproximando os profissionais assistentes e buscando preservar o princípio da
direção predominante da dupla formada por médico geriatra e enfermeiro.

O controle das hospitalizações se dá por meio de um fluxo que tem o objetivo de


assistir o cliente, garantindo que os responsáveis pelo atendimento conheçam seu
histórico clínico e terapêutico, além do entendimento de que essa pessoa tem um
acompanhamento frequente e deve retornar para a sua equipe de saúde quando o
agravamento clínico for superado (Nunes et al., 2017).

Em caso de internação, o monitoramento do paciente é feito diariamente por


duas vertentes. Em uma delas, o enfermeiro mantém contato com a família para
dar apoio, esclarecimento ou identificar necessidades (do paciente ou da própria
família). A outra vertente envolve o gestor de prevenção, que atua como elo entre
ambulatório e hospital, fazendo acompanhamento diário com o médico assistente
hospitalar. Nos hospitais onde existe a figura do médico internista, esse contato
é facilitado e direto. Nos demais, o apoio é dos médicos auditores ou da equipe
assistente.

Dessa forma, nos momentos em que o idoso necessita de hospitalização, esta


ocorre em tempo menor, evitando procedimentos desnecessários ou internações
em unidade intensiva, garantindo direcionamento pós-alta (Lima et al., 2015) para

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

a instância leve, sem necessidade de consulta a vários especialistas (Lima-Costa,


Barreto & Giatti, 2003). Tudo converge para uma qualidade assistencial superior, com
significativa redução de custos e impacto positivo na sinistralidade (Veras, 2018a).

Tecnologia como diferencial


Um sistema de informação de qualidade superior e tecnologia leve é essencial
para auxiliar na fidelização dos clientes. Sem o uso de tecnologia, este projeto não é
viável; por isso, deve-se ter competência para utilizar ao máximo seu potencial.

Um exemplo: o cliente, ao passar pela porta de entrada do centro de saúde, tem


seu rosto identificado, o que abre de forma instantânea seu prontuário na mesa da
recepcionista. Ao recebê-lo, ela o chama pelo nome, pergunta pela família e confere
a lista de remédios que está tomando.

Outro importante diferencial é a disponibilização de um aplicativo para celular


com informativos individualizados e lembretes de consultas e ações prescritas. O
app poderá, entre outras ações, solicitar que o cliente faça uma foto do seu café da
manhã e a envie para a nutricionista (Machado, Coelho & Veras, 2015), que observará
se a alimentação está balanceada, se há fibras em quantidade adequada etc.

São ações absolutamente simples, mas que agregam enorme confiança ao


relacionamento, fazendo com que o cliente se sinta protegido e acolhido desde o
primeiro momento.

O sistema de informação, que se inicia com o registro do beneficiário, é um


dos pilares do programa. Por intermédio dele, todo o percurso assistencial será
monitorado em cada nível, verificando a efetividade das ações e contribuindo para a
tomada de decisão e o acompanhamento. Trata-se de um registro eletrônico único,
longitudinal e multiprofissional, que acompanha o cliente desde o acolhimento,
fornecendo uma avaliação integral do indivíduo.

142
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

O atual contexto de pandemia e isolamento social propiciou diversos desafios à


prática da medicina. Neste modelo, pode-se ampliar o contato com o cliente, pois,
além dos encontros presenciais, há a incorporação das consultas via telemedicina
(Guerra & Caldas, 2010). O objetivo não é substituir a consulta presencial, mas
flexibilizar e facilitar os horários e dias de consulta, já que médico (ou enfermeira) e
paciente não precisarão se deslocar.

A busca da inovação e do uso da tecnologia de ponta propicia um estreitamento


do contato da equipe de saúde com o cliente e seus familiares. Com uma plataforma
desenhada especificamente para esse cuidado, o contato dos gerontólogos será
ampliado, viabilizando inúmeras ações individuais ou em grupo envolvendo
nutricionista, psicólogo ou fisioterapeuta, com aconselhamento e ampliação do
contato com os clientes.

Além da equipe interdisciplinar que presta atendimento presencial, o modelo


conta com uma equipe de médicos e enfermeiros atuando em modo virtual. É o
canal de relacionamento GerontoLine, que garante aos usuários uma cobertura full
time. No modo passivo, recebe ligações dos clientes para orientações; no modo
ativo, entra em contato periodicamente com os pacientes, mantendo-os no “radar
de cuidados”. Favorecendo essa interação, os profissionais da coordenação de
cuidados (on-line) têm acesso às principais informações do histórico de saúde de
cada paciente.

O GerontoLine se diferencia dos call centers, tão comuns nos serviços de saúde
tradicionais, os quais normalmente funcionam com pessoas mal preparadas, que
abusam do “gerundismo” 7 (São José &Teixeira, 2014) e não oferecem nenhum
suporte se a pergunta ou dúvida do cliente estiver fora do script.

No GerontoLine, que funciona 24 horas por dia e em todos os dias da semana, a


ligação é atendida por profissionais de saúde treinados e com acesso ao prontuário
do paciente – com totais condições, portanto, de resolver problemas (Caldas et. al.,

143
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

2014). Havendo necessidade de chamar uma ambulância no meio da noite, esse


profissional faz todo o encaminhamento. No caso de uma chamada durante a
madrugada, esse atendente passará uma mensagem para o médico, informando
o motivo do contato. Assim, logo no início da manhã, o médico pode tomar as
primeiras providências. Ou seja, o paciente e seus familiares se sentem protegidos,
pois sabem que em caso de necessidade, há um serviço qualificado de telefonia.

Para o bom funcionamento do GerontoLine é necessário um excelente prontuário


8 (Alves, 2019), que aborde não apenas as questões clínicas, mas também as
comportamentais, sociais e familiares, pois para esse modelo é necessário que haja
uma visão global das demandas do cliente. Outro diferencial são os instrumentos de
avaliação epidemiológica – que é feita na primeira consulta e será repetida todo ano
ou em período menor, caso haja alguma necessidade extra.

Ações e métricas do médico


São atribuições do médico geriatra:

• gerenciar o histórico de saúde da sua carteira, estabelecendo um plano de


cuidados individualizados e personalizados;

• definir o risco clínico de cada paciente da sua carteira e gerenciar suas demandas
de cuidados junto com o enfermeiro;

• monitorar internações;

• avaliar e processar necessidades de encaminhamento aos especialistas;

• coordenar a discussão de casos clínicos de maior relevância, de forma a manter


a equipe integrada e alinhada na conduta mais adequada para cada caso.

144
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Considerando uma carga horária de 20 horas semanais, cada médico terá,


semanalmente, quatro turnos de cinco horas. Cada turno terá disponibilidade
para agendamento de 12 pacientes com 20 minutos de consulta, além de três
horários “curingas” (60 minutos), que devem ser utilizados para demandas extras,
como interconsultas com o enfermeiro, revisão (Lourenço & Veras, 2006) de casos
ou eventual contato com pacientes hospitalizados. Assim, a cada mês, o médico
realizará em torno de 200 atendimentos, o que fará com que toda a carteira, de 800
usuários, seja consultada no trimestre. É o fator de risco de fragilidade que define
a quantidade de consultas no ano. O número de atendimentos do médico varia de
acordo com a avaliação prévia no momento do acolhimento, portanto a quantidade
de consultas anuais será definida pela necessidade, com base nos resultados dos
screenings epidemiológicos. Algumas consultas podem ser rápidas, até mesmo por
meio de aplicativo, apenas para a resolução de algo específico, pois além do médico
o paciente terá o suporte de toda a equipe de saúde.

Os demais gerontólogos da equipe recebem os clientes que forem encaminhados


pela dupla médico-enfermeiro para um atendimento individual ou em grupo. Os
familiares do cliente também são contatados pelos gerontólogos para ampliar o
suporte de apoio.

Ações e métricas do enfermeiro


O enfermeiro terá em seu escopo quatro ações distintas e integradas em todo o
processo:

• avaliação funcional breve – trata-se da primeira consulta do paciente (realizada


com o enfermeiro), na qual são aplicados os testes de rastreio. Coleta-se a história
clínica e o “vínculo” entre o assistido e o assistente se inicia (Paixão Júnior, 2005;
Veras, 2020);

145
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

• consulta de enfermagem – a frequência das consultas será estabelecida


conforme o grau de fragilidade, assim classificado:

Risco 1 – agendamento a cada quatro meses

Risco 2 – agendamento a cada três meses

Risco 3 – agendamento a cada dois meses

Durante as consultas, o enfermeiro deverá:

• avaliar o cumprimento das metas propostas;

• reestabelecer novas metas, quando necessário; e

• rastrear possíveis necessidades de abordagem médica, engajar os beneficiários


no desenvolvimento de um plano de cuidados individualizado que possa distinguir
suas necessidades e atender suas prioridades, além de garantir que o beneficiário e
sua família entendam seu papel na promoção do cuidado e se sintam seguros para
desempenhar suas responsabilidades conjuntas.

Concomitantemente, o enfermeiro poderá identificar as barreiras de natureza


psicológica, social, financeira e ambiental que estejam afetando a habilidade do
beneficiário para a adesão aos tratamentos ou promoção de saúde, estabelecendo
uma estratégia que solucione ou minimize a questão envolvida. Ainda dentro deste
escopo, o enfermeiro poderá fazer atendimentos coletivos, chamados de grupos
terapêuticos, que reúnem pacientes com mesma comorbidade, a fim de prover uma
dinâmica de informação e conscientização de práticas saudáveis.

Cabe ainda a esse profissional fazer um atendimento pontual e presencial, em


caráter especial e sem agendamento prévio, a pacientes que, por intermédio do
GerontoLine, demandaram orientação. É o que chamamos de Atendimento Breve
de Enfermagem (ABE). Não se trata de um pronto atendimento, mas pretende,
entre outros objetivos, evitar idas desnecessárias às emergências. Considerando
que a maior parte das intercorrências apresentadas via telefone ou call center será

146
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

administrada virtualmente ou encaminhada (Veras, 2019a) para um serviço de


emergência, o tempo reservado na agenda do profissional para esta ação representa
10% de cada turno de trabalho.

E o monitoramento, por fim, tem como principal objetivo manter o paciente sob o
radar da dupla que gerencia sua saúde. Conforme o grau de fragilidade, os pacientes
receberão contatos mais frequentes. No entanto toda a carteira de clientes será
monitorada, no mínimo, uma vez ao mês. Os contatos serão realizados via telefone
ou pelo aplicativo e seguirão um protocolo estruturado para garantir a efetividade
da abordagem e assegurar que os históricos de informações e dados eletrônicos
da saúde dos beneficiários estejam apropriadamente atualizados para otimizar o
acesso das equipes de saúde e do próprio beneficiário.

Contribuindo nas demandas dos monitoramentos, os profissionais do serviço,


via web ou telefone, também farão o monitoramento, além de permanecerem à
disposição dos usuários no atendimento virtual.

Pagamento por desempenho


O modelo hegemônico de remuneração dos serviços de saúde em muitos países,
tanto em sistemas públicos, quanto naqueles orientados ao mercado de planos
privados de saúde, ainda é o de fee for service (remuneração por desempenho).
Este se caracteriza, essencialmente, pelo estímulo à competição por usuários e
remuneração por quantidade de serviços produzidos (volume). Não adianta mudar
o modelo de remuneração (Oliveira, Veras & Cordeiro, 2017) sem alterar o modelo
assistencial e vice-versa, pois os dois são interdependentes.

Alguns dos problemas do sistema de saúde brasileiro (em especial o suplementar)


que afetam, primordialmente, o idoso são consequências do modelo adotado há
décadas. Para dar conta dessa nova e urgente demanda da sociedade, modelos

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

alternativos de remuneração devem ser implementados para romper o círculo vicioso


de sucessão de consultas fragmentadas e descontextualizadas da realidade social e
de saúde da pessoa idosa, além da produção de procedimentos desconectados do
desfecho esperado (Mendes, 2017).

A remuneração atrelada ao desempenho é uma recompensa que contempla os


resultados em determinado período. Como os requisitos técnicos e comportamentais
exigidos dos profissionais neste modelo são de alto padrão, pretende-se que a
remuneração proposta tenha a adequada equivalência.

O pagamento por desempenho estabelece níveis de bônus que podem chegar a


30% a mais na remuneração no trimestre. A cada três meses, é feita uma avaliação
do desempenho do profissional a partir de indicadores previamente determinados.
Considerando que existe a necessidade de quatro consultas médicas/ano como
premissa do programa, é exigida uma consulta por trimestre para a totalidade dos
clientes vinculados ao médico.

São pré-requisitos da bonificação a assiduidade e a pontualidade, fundamentais


para a garantia do quantitativo de consultas, que é fator de qualidade do
funcionamento do serviço. Outra exigência para participar do programa de
pontuação para pagamento do bônus é o registro adequado das informações
de cada paciente, bem como de suas eventuais internações. Estas constituem o
principal fator de custo, assim, o controle rígido pela equipe determina o sucesso
econômico-financeiro de qualquer iniciativa ou projeto.

Outro princípio básico é a resolutividade do médico geriatra. De acordo com


estudos internacionais (Turner &Clegg, 2014), médicos generalistas podem resolver
de 85% a 95% das situações clínicas da clientela. Os encaminhamentos para
especialidades clínicas devem ser exceção. Se o médico encaminhar até 15% dos
clientes da sua carteira no trimestre, estará demonstrada uma boa capacidade
resolutiva, merecedora de pontuação.

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Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

O engajamento dos usuários do programa pela equipe multidisciplinar e pelo


Centro de Convivência determina o vínculo do cliente e a resolutividade. Com isso,
foi incluído um item que avalia a participação dos associados de cada carteira em
consultas com os gerontólogos da equipe e nas atividades coletivas do Centro de
Convivência, valendo pontos para a bonificação.

A sinistralidade é o principal indicador econômico-financeiro estabelecido para


avaliação do programa, razão pela qual foi conferido peso maior a este item, podendo
o médico ganhar até dois pontos na avaliação de seu desempenho. O que está sendo
exigido é a excelência do cuidado, sendo justo o estímulo aos profissionais dentro
da premissa de ganha-ganha.

Outra modalidade de premiação envolve a concessão de folgas, a compra de


livros e o pagamento de cursos de pós-graduação.

Não há dúvidas de que modelos de pagamento por desempenho serão uma


realidade em nosso país. Os profissionais do setor de saúde devem se dar conta
de que esta não é uma questão de quando ou se ocorrerá, mas de como ocorrerá
(Folstein, Folstein & Mchugh, 1975; Veras, 2012).

Grupos terapêuticos
Os grupos terapêuticos são uma estratégia de abordagem em grupo com
pacientes que apresentam a mesma comorbidade. Em rodas de conversa e palestras
interativas, os participantes terão a oportunidade de compreender melhor a
patologia abordada e tirar suas dúvidas, gerando uma ação autopreventiva.

A duração do grupo vai depender do tema abordado. Em cada turno, 60 minutos


serão dedicados a esta ação, que reunirá de 5 a 10 participantes. Os assuntos
abordados serão definidos conforme a demanda real da carteira de clientes.

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Fisioterapia
A adesão ocorre a partir do encaminhamento médico com diagnóstico clínico. A
avaliação fisioterápica utiliza um questionário estruturado e a Escala de Tineti. Seu
objetivo é identificar as alterações músculo-esqueléticas que produzem limitações
funcionais e definir o programa de tratamento adequado aos indivíduos – que
poderá ser desenvolvido de forma individual ou em grupo.

Os procedimentos terapêuticos têm como objetivo melhorar a qualidade de vida,


reduzir o quadro álgico e o risco de quedas, melhorar a mobilidade e a locomoção,
assim como tratar lesões traumato-ortopédicas, sequelas neurológicas e doenças
reumatológicas.

Nutricionista
Atendendo o encaminhamento do geriatra, o nutricionista fará uma avaliação
do cliente com base nos dados clínicos, bioquímicos, antropométricos e dietéticos,
considerando a funcionalidade, os hábitos alimentares e de vida (atuais e pregressos),
o déficit sensorial, as alterações gastrointestinais e comportamentais, entre outros
aspectos com potencial de comprometer a ingestão alimentar e, por conseguinte, o
estado nutricional. Informações referentes à organização familiar e dos cuidados, à
renda e ao local de residência também são consideradas.

Na primeira consulta, uma anamnese alimentar detalhada é coletada a fim de


corroborar as demais informações contidas em prontuário.

Oficineiros
Essa é a designação habitualmente dada aos instrutores das atividades
realizadas diariamente no âmbito do Centro de Convivência. Esses profissionais são
gerontólogos especializados nas práticas que desempenham.

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Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Uma agenda de atividades semanais é oferecida aos clientes, que escolhem as de


maior interesse. Eles têm a opção de participar de uma ou mais, conforme demanda.

Avaliação Geriátrica Ampla (AGA)


A avaliação das atividades de vida diária (banho, uso do vaso sanitário,
transferência, continência e alimentação), das atividades instrumentais (usar
telefone, fazer compras, preparar alimento, controlar medicamentos, finanças) e da
mobilidade (equilíbrio, velocidade de marcha e força em membros) pode contribuir
para gerar informações importantes para a tomada de decisões, mapeando fatores
de proteção e risco individuais (Ramos et al., 2016).

As atividades médico-sanitárias de educação para saúde podem ampliar seu foco


de atenção para dimensões positivas da saúde, para além do controle de doenças
específicas (Maia et. al, 2020).

A triagem auditiva e visual e o auxílio no gerenciamento do uso de múltiplos


medicamentos – “a polifarmácia” – antecipam a detecção de problemas, contribuindo
para o cuidado. Hábitos saudáveis (fatores de proteção) incluem alimentação
balanceada, prática regular de exercícios físicos, convivência social estimulante,
atividade ocupacional e ações de bem-estar no campo da nutrição (cozinha para
diabetes, osteoporose) (Abicalaffe, 2008).

Centro de convivência
Com o gradativo aumento da população idosa, surgiram alguns programas
educacionais voltados principalmente para o lazer. A primeira experiência brasileira
de educação para adultos maduros e idosos foi implementada pelo Serviço Social
do Comércio (SESC) com os grupos de convivência. Eles surgiram na década de 1960,
com programação elaborada com base em atividades de lazer. Eram assistencialistas,

151
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

pois não ofereciam instrumentos necessários para os sujeitos recuperarem a


autonomia desejada. A partir da década de 1980, as universidades começaram a
abrir espaço educacional para a população idosa e para profissionais interessados
no estudo das questões do envelhecimento, predominando a oferta de programas
de ensino, saúde e lazer (Cachioni, 1999; Ramos et al., 2013).

Centros semelhantes têm sido criados também pelas operadoras de planos de


saúde desde a publicação, pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
do Plano de Cuidado para Idosos na Saúde Suplementar. O documento propõe
incentivos para estimular a mudança da lógica de assistência, criando espaços para
a promoção de saúde voltada para idosos. Publicou-se também uma resolução
que incentiva a participação de beneficiários de planos de saúde em programas de
envelhecimento ativo, com a possibilidade de descontos nas mensalidades (Ramos
et al., 2016).

A criação do Centro de Convivência está em sintonia com a Política Nacional de


Saúde da Pessoa Idosa (Portaria nº 2528, de 19 de outubro de 2006). Sua finalidade
primordial é recuperar, manter ou promover a autonomia e a independência dos
indivíduos idosos, assim como o envelhecimento ativo e saudável, com estímulo à
participação e ao fortalecimento do convívio social.

O espaço oferece diversas atividades que contribuem para o envelhecimento


saudável, o desenvolvimento da autonomia e de sociabilidades, o fortalecimento
dos vínculos familiares, o convívio comunitário e a prevenção de situações de risco
social para as pessoas acima de 60 anos (D’orsi, Xavier & Ramos, 2011). Além dos
exercícios físicos, encontramos treino cognitivo, programas nutricionais (David et
al., 2020), serviços telefônicos, computação, segurança domiciliar, prevenção de
quedas, controle de esfíncter, imunizações e administração financeira. Cuidados
com a mobilidade do idoso, prevenção de quedas e equilíbrio em oficinas de

152
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

psicomotricidade, treinamento de força, orientação na escolha dos sapatos e serviço


de podologia são fundamentais, pois garantem a independência (Veras, Caldas &
Cordeiro, 2013).

Envelhecer requer adaptações. Novas aprendizagens são recursos para manter


a funcionalidade e a flexibilidade dos idosos (Moura &Veras, 2017). Atividades
artísticas, culturais e de recreação são tradicionalmente vinculadas a espaços de
convivência para idosos e importantes fontes de prazer: conhecimentos gerais,
idiomas, informática, produção de textos e leitura, arte dos retalhos, dança de salão,
teatro, música, jogos de cartas, dominó, xadrez, meditação e viagens turísticas.

Para o planejamento do próprio envelhecimento, chamamos atenção para um


questionário (Time Trade-Off ) que permite uma negociação entre o profissional de
saúde e o idoso, considerando risco e prazer.

Muitos idosos aposentados se reinserem no mercado de trabalho de forma regular


ou eventual, seja por prazer ou necessidade, o que representa complementação de
orçamento e estímulo ao contato social. Nos Estados Unidos, muitos se comprometem
com trabalhos voluntários.

Centros de convivência podem prestar serviços de assessoria jurídica,


agenciamento de cuidadores e auxílio para permanência domiciliar (suporte nas
atividades de vida, assistência remota e entrega de refeições, por exemplo). Para
tanto, é fundamental o investimento em cursos para qualificação de cuidadores e na
comunicação na rede de cuidados.

Ressaltamos que a regularidade de frequência às oficinas permite ao idoso a


vivência de uma rotina, o que beneficia também o cuidador, que pode dispor daquele
tempo para outras atividades. Um “contrato” semestral ou anual de participação
dos idosos às oficinas, segundo desejo deles e disponibilidade de coordenadores,
permite melhor gerenciamento.

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Os centros também podem acolher discussões importantes para o idoso e seu


entorno. Envelhecimento e finitude merecem destaque. Podemos construir um guia
prático, divertido, com antecipações de questões relevantes do envelhecimento (“o
que está acontecendo comigo?”).

A filosofia e a religião podem contribuir para a reflexão sobre envelhecimento e


morte. Para Platão, na Grécia Antiga, filosofar era aprender a morrer. Idealista, ele
acreditava na vida após a morte, vista como uma passagem, a libertação da alma.
Para os materialistas, como Epicuro, a vida era finita e ganhava ainda mais valor
por isso. Não se vive da mesma maneira quando se acredita em concepções tão
diferentes de morte (Veras & Oliveira, 2018).

A finitude, os cuidados paliativos e a maneira como culturalmente lidamos com


essa fase da vida foram discutidos em trabalho anterior (Veras, Gomes & Macedo,
2019). Seria possível preparar um guia prático, mas também sensível, apresentando
algumas ideias sobre a morte? A Psicologia, a partir da discussão sobre vínculos,
contribui para essa tarefa. Desapegar-se da cor dos cabelos, da visão e da audição
perfeitas, desapegar-se da potência, da memória; deixar partir, aceitar o “exoesqueleto”
(próteses, aparelhos para audição, óculos, implantes...); criar soluções, transformar e
aprimorar. O acolhimento dos medos no grupo é oportuno, mas é tarefa do idoso
se libertar de apego, viver perdas, dizer adeus. A solidão humana é fato e mesmo
necessária. O Centro de Convivência pode contribuir para a reflexão sobre o sentido da
vida, de cada vida, ao cultivar histórias individuais em relatos enriquecidos por fotos,
cenas de filmes, músicas, receitas de comida, compartilhamento de refeições etc.

A trajetória humana ao longo do ciclo vital é construída culturalmente e


experimentada de forma singular. Cada fase determina e prediz as possibilidades
no momento posterior: envelhecemos como vivemos. Flexibilidade e resiliência
(capacidade de fazer face aos acontecimentos) variam de pessoa para pessoa. A

154
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

experiência de velhice é heterogênea e multidimensional – um convite, portanto, à


singularidade também no plano de cuidados (Veras & Galdino, 2021).

Ao lidar com os pequenos eventos causadores de estresse da vida cotidiana,


contamos com recursos pessoais, aos quais se agregam recursos sociais. A
importância da solidariedade e da troca de experiências é relevante para o idoso e
seu entorno. A qualidade ou a funcionalidade do suporte social é mais importante
para a adaptação do idoso do que a quantidade de membros da rede e a frequência
dos contatos (SILVA et al., 2017). E a relação entre suporte social e autocuidado
reforça essa visão (Veras, 2018a).

É com o intuito de valorizar e respeitar a velhice, desenvolvendo um atendimento


acolhedor e eficaz, que o Centro de Convivência conquista seu espaço, na certeza de
que quem trabalha com a perspectiva de respeito às necessidades da pessoa idosa
respeita o próprio futuro.

Paralelos
Diante da necessidade de construção de múltiplas estratégias de suporte àqueles
que necessitam de proteção e cuidados, propomos uma outra reflexão: a quem cabe
o cuidado da criança e do idoso? Responder esta questão implica traçar paralelos
entre ambos.

Na linha do cuidado no ciclo de vida humana, a infância e a velhice guardam


proximidades. Crianças pequenas, pessoas com doenças crônicas e idosos – todos, enfim,
que têm limitada autonomia e independência – necessitam especialmente de cuidados.
Equipamentos coletivos, como creches e centros de convivências, podem ampliar as
possibilidades de suporte e acompanhamento, as abordagens intergeracionais de
cuidado, e alargar padrões de integração social. A ampliação das redes de apoio e dos
recursos para lidar com limitações enriquece a experiência do viver.

155
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Há muito a família é encarregada do sustento de crianças e idosos. Com o advento


das aposentadorias, no século XX, ela passou a compartilhar essas responsabilidades
com as empresas e o Estado. A construção de redes de cuidado representa um
alívio considerável às famílias, aumentando suas chances de fazer face a suas
responsabilidades. Contudo o poder está presente em todas as relações humanas.
Como legitimar o outro evitando uma relação de tutela? Como evitar que o cuidado
se efetive como exercício de dominação? É preciso administrar bem o espaço de
poder presente em qualquer relação e recusar estratégias de dominação. A relação
dialógica, o protagonismo dos sujeitos, a negociação e a corresponsabilidade fazem
toda a diferença. Devemos discutir a questão da qualidade da relação cuidador-
idoso e as possibilidades de transformação nas relações de poder.

Nos centros de convivência, estudos apontam para o uso de medidas de qualidade


de vida a partir da autoavaliação do próprio idoso: “Que nota darei ao dia de hoje?”.
Isso aumenta a autoestima, o senso de governabilidade e permite a construção de
um plano de cuidados singular e a cada dia (Ramos et al., 2013).

Esses espaços podem proporcionar ao idoso motivo para sair regularmente e a


oportunidade de contato social. Podem estimular também a formação de uma rede
de comunicação em torno do cuidado, construindo uma relação de confiança entre
o idoso, seus familiares e os profissionais da instituição. A existência de espaços
coletivos para a troca de informações e experiências, bem como os contatos informais
do dia a dia, contribui para aproximar os interlocutores. Na rede de cuidados, o lugar
dos diversos atores precisa ser discutido e negociado permanentemente, pois suas
necessidades e possibilidades também se transformam. Para tanto, os espaços de
comunicação, como grupos reflexivos e rodas de conversa, reafirmam a importância
da construção coletiva (idosos, cuidadores e profissionais) do cotidiano. Cabe integrar
e formar coordenadores de oficinas a partir de propostas de acompanhamento do
envelhecimento humano.

156
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

No Berlin Aging Study (Baltes et al., 1993), um extenso estudo interdisciplinar


realizado entre 1990 e 1993, com 516 idosos de 70-100 anos selecionados ao
acaso na cidade de Berlim, na Alemanha, foram analisadas diferentes variáveis,
abrangendo Medicina (capacidade funcional, perfil de risco, valores biológicos de
referência), Sociologia e Políticas Sociais (história de vida e dinâmica geracional,
estrutura e dinâmica da família, situação econômica e seguridade social, recursos
sociais e participação social), além da Psicologia.

Em centros de convivência, os estudos de coorte podem contribuir para o


conhecimento e a organização dos cuidados daquele grupo de idosos. Nos Estados
Unidos, existem coortes de idosos que envelheceram frequentando centros de
convivência. As informações epidemiológicas obtidas permitem o monitoramento
da saúde e a antecipação de problemas, a fim de ampliar a vida saudável dos idosos
(Folstein, Folstein & Mchugh, 1975; Veras, 2020a). Nesses centros, múltiplas dimensões
do cuidado podem ser observadas com atividades lúdicas e instrumentais.

Programas de promoção da saúde e prevenção de doenças se sucedem no Brasil e


no mundo, buscando orientar a atenção à saúde do idoso. Tais abordagens suscitam
importantes discussões (Silva et al., 2017).. Acesso à informação, fatores de proteção
e de risco, antecipação, triagens, rastreio, detecção precoce, avaliação geriátrica
ampla, avaliação funcional, social (redes) e emocional (vínculos) constituem o
campo da saúde coletiva.

O lugar do cuidado
O grupo de idosos está crescendo e envelhecendo, os baby-boomers estão
chegando à terceira idade. Cada vez se vive mais e cresce também toda a tecnologia
de cuidado dessa fase, que pode durar 40 anos. É necessário multiplicar e valorizar
os espaços de convivência. As soluções são mistas: individuais e singulares, mas
também coletivas.

157
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Por muito tempo, a instituição “creche” suscitou certa estranheza, por ser
associada ao orfanato, local onde crianças eram abandonadas (Ramos et al., 2013).
Instituições que cuidem do idoso durante algumas horas do dia, como o centro
de convivência, podem guardar também parentesco indesejável com os asilos,
atualmente denominados “instituições de longa permanência” e, algumas vezes,
locais de abandono de velhos.

Hoje há consenso em torno da importância da socialização de crianças pequenas.


De modo semelhante, evidencia-se o importante papel dos centros de convivência
para romper o isolamento social do idoso. Idosos tendem a reduzir seus contatos
sociais e seus vínculos. Sua frequência à instituição oferece também ritmo, rotina,
organizando um pouco sua vida cotidiana. As redes de sociabilidade do idoso podem
acontecer em múltiplos espaços: nas praças, nas praias, nos clubes, nas atividades
religiosas ou em equipamentos coletivos, como os centros de convivência (Ramos
et al., 2013).

A instituição que recebe o idoso, temporariamente ou em longa permanência,


pode se relacionar em rede, constituindo espaços de convivências. Acolhendo
familiares e idosos externos para atividades junto aos idosos residentes, propicia o
convívio e a funcionalidade da rede de apoio (Veras, 2015a). Exemplo disso é uma
experiência alemã que promove o funcionamento, no mesmo edifício, de um centro
de convivência com atividades diárias para idosos, serviço de saúde (ambulatórios
e hospital-dia), assistência para permanecer no domicílio e instituição de longa
permanência. Prevenir incapacidade e recuperar autonomia com os programas de
reabilitação – tudo isso ou algumas combinações destas formas de cuidados no
mesmo edifício – ampliam o rol de possibilidades. O quase velho, o jovem velho ou
o muito velho experimentam situações aproximadas que muitas vezes antecipam
diferentes estágios de limitações na sua funcionalidade. Multiplicam-se também os
recursos e as soluções, mesmo porque a autonomia e a independência, nessa fase,
se transformam (Giacomin, 2008).

158
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

Os “centros de cuidados” poderiam aglutinar cuidados destinados a crianças,


pessoas com alguma deficiência temporária ou permanente e idosos, com ou sem
autonomia e independência. A creche, ao receber o idoso para atividades junto
às crianças, proporciona a convivência e permite construir laços afetivos entre as
gerações. A transmissão de valores, as histórias de vida contadas em fotos, receitas
de comidas ou canções, a comensalidade, por exemplo, valoriza o idoso, conferindo-
lhe um espaço de importância e trazendo motivação. O cultivo dos vínculos, da
capacidade de prestar atenção uns nos outros, é consequência natural dessa prática.

O berço deste modelo


A proposta que apresentamos aqui foi desenvolvida dentro da Universidade
Aberta da Terceira Idade (UnATI/UERJ)6 (Moraes et al., 2019), instituição criada há 28
anos e reconhecida nacionalmente como um dos mais importantes programas de
saúde voltados para adultos maduros e idosos (Oliveira, Veras & Cordeiro, 2018). É
uma iniciativa que também ganhou prêmios internacionais e conta com o aval da
Organização Mundial de Saúde.

Precisamos construir algo inovador e de qualidade, pois o modelo atual, já defasado,


somente perpetuará o mau atendimento e a crise da saúde – particularmente para o
idoso, que é o grupo etário de maior demanda e custo.

Conclusão
Nos últimos anos, tenho me dedicado ao estudo do cuidado integral do idoso e ao
aperfeiçoamento dos modelos assistenciais. Na condição de diretor da UnATI/UERJ
e editor da RBGG, mais do que uma opinião, a tendência que percebo é o desejo,
6 A Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UnATI/UERJ) é um centro de estudos, ensino, debates, pesquisas e assistência voltado para
questões inerentes ao envelhecimento, que vem contribuindo para a transformação do pensamento da sociedade brasileira sobre seus ido-
sos.

159
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

mas também a necessidade de consolidar a estruturação dos modelos assistenciais


para idosos.

Na maioria das vezes, recebo comentários elogiosos, quase sempre acompanhados


de uma observação: “o que você escreve é tão óbvio que talvez por isso seja tão
difícil efetivar essas ideias”. Tendo a concordar.

E é por entender que as mudanças, a cada ano que passa, são cada vez mais
necessárias, que estou novamente apresentando essa reflexão ao público acadêmico
e formador de opinião do setor de saúde, pois ainda precisamos de mais uma dose
do remédio que, espero, levará à cura do nosso modelo assistencial.

O envelhecimento da população gera novas demandas e desafia os modelos


tradicionais de cuidado. Os avanços da tecnologia, da ciência e da medicina
oferecem àqueles que utilizam as modernas ferramentas para a manutenção da
saúde a chance de desfrutar a vida por um tempo maior. As transformações sociais e
econômicas das últimas décadas, suas consequentes alterações no comportamento
das sociedades contemporâneas – mudança de hábitos alimentares, aumento
do sedentarismo e do estresse – e a crescente expectativa de vida da população
colaboraram para a maior incidência das enfermidades crônicas, que hoje são um
sério problema de saúde pública. Não é possível atender o público idoso de forma
satisfatória ignorando que essa parcela da sociedade necessita de uma assistência
diferenciada. Por isso é imperativo repensar o modelo atual.

Quando observamos o orçamento da Saúde, de maneira geral, verificamos que


a quase totalidade dos recursos é aplicada nos hospitais e nas aparelhagens para
os exames complementares. A sociedade e os profissionais de saúde seguem, em
regra, uma lógica “hospitalocêntrica” – entendem apenas de tratar da doença, não
de evitar seu surgimento.

160
Modelo assistencial contemporâneo para os idosos: necessidade
atual e emergência para as próximas décadas

O modelo ideal de atenção ao idoso deve ter como foco a identificação de riscos
potenciais. Ao monitorarmos a saúde em vez da doença, direcionamos o investimento
para uma intervenção precoce, o que resulta em chances mais generosas de reabilitação
e em redução do impacto na funcionalidade.

Como consequência de uma população mais envelhecida, a promoção e a educação


em saúde, a prevenção e o retardamento de doenças e fragilidades, a manutenção
da independência e da autonomia são ações que precisam ser ampliadas. Afinal, não
basta o aumento da longevidade. É essencial que os anos adicionais sejam vividos
com qualidade, dignidade e bem-estar.

Um jeito diferente e inovador de cuidar da saúde e proporcionar qualidade de


vida aos usuários – seja no Sistema Único de Saúde, ou no setor privado – envolve
a utilização de pessoal qualificado e bem preparado, integração do cuidado e
tecnologia de informação bem aplicada. É assim que devem funcionar os modelos
contemporâneos e resolutivos recomendados pelos mais importantes organismos
nacionais e internacionais de saúde. É o que vislumbramos para o futuro próximo.

Podemos viabilizar a melhor assistência para o público idoso e, num horizonte


estimado de aproximadamente 20 anos, torná-la sustentável e transformar não apenas
o cuidado voltado para esse segmento, mas o sistema de saúde como um todo.

161
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

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168
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
4
A epidemiologia do envelhecimento.
Novos paradigmas?
Dalia Romero
Leo Maia

Introdução
O século XX é caracterizado por diversas disciplinas como o século das grandes
mudanças em todos os campos da sociedade e do conhecimento. Esse século trouxe
a era do automóvel, do átomo, dos antibióticos, da TV, da internet, entre muitas
outras, acompanhadas por grandes revoluções sociais e duas guerras mundiais.

As mudanças nas condições da saúde da população e seu estudo científico não


escaparam a essas tendências. A demografia e a epidemiologia, ciências que têm
como foco a população, mostraram que até começos do século XX quase todas as
pessoas no mundo viviam em extrema pobreza, o conhecimento médico era pouco
desenvolvido e generalizado e, em todos os países, nossos ancestrais esperavam uma
morte a uma idade que hoje em dia é considerada prematura (Riley, 2005; Roser, Ortiz-
Ospina & Ritchie, 2019). Decorridos séculos na História, a expectativa de vida média
global era inferior aos trinta anos. Foi no século XX que pela primeira vez se viu duplicar
esse indicador, chegando aos 66 anos ao seu final (Riley, 2005). Entretanto, essa
experiência nova para o mundo se deu num contexto de grande desigualdade, que se
perpetua até os dias de hoje. Enquanto, no ano 2000, a expectativa de vida no Japão
era de 81 anos, na média dos países africanos era de 55 anos (similar à da Europa de
1920 e do Brasil de 1970) (World Bank, 2021).

170
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

A epidemia da Covid-19, no entanto, paralisou e até reverteu a tendência de


ganhos na expectativa de vida, tanto por consequências diretas, como indiretas.
Comparando 2018 com 2020, a expectativa de vida nos EUA diminuiu 1,87 anos,
chegando a 76,87 anos, 8,5 vezes mais que a diminuição média nos países ricos
(0,22 anos) (Woolf, Masters & Aron, 2021). No Brasil, uma pesquisa do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimou a redução da expectativa de vida ao
nascer entre 2020 e 2021 em 4,4 anos (Gombata, 2022), retrocedendo ao nível de
mortalidade experimentado em 2006 (IBGE, 2006). Essa estimativa coloca o Brasil
em situação pior que os Estados Unidos.

Ainda que a pandemia tenha mostrado que uma população pode “rejuvenescer”, é
importante reconhecer que o processo de envelhecimento coletivo é uma tendência
mundial que traz importantes desafios para a sociedade e que a relevância desse
processo não pode apenas se fundamentar no nível e na tendência da proporção
de pessoas idosas numa população. Questões intrínsecas ao envelhecimento dos
seres humanos, especialmente relacionadas às condições de saúde, devem ser
consideradas em todo planejamento e nas intervenções de programas e políticas
públicas.

O envelhecimento demográfico e o envelhecimento individual devem ser


diferenciados. O primeiro é decorrente da mudança na estrutura etária da população
e acontece com o aumento da proporção de pessoas consideradas idosas. O
envelhecimento demográfico pode ser reversível a partir de, por exemplo, a entrada
de migrantes jovens, o aumento da fecundidade e/ou o aumento da mortalidade a
idades avançadas.

Já o envelhecimento individual, embora seja concebido como um processo, está


associado ao conceito de velhice e fragilização. A idade, por si só, não é um preditor
de fragilidade e velhice, uma vez que o processo de envelhecimento é heterogêneo
(muda de pessoa a pessoa). Entretanto, pela simplicidade de captação, a idade

171
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

passou a ser o principal marcador de envelhecimento humano. A maioria dos países


usam 60 ou 65 anos para definir uma pessoa como idosa. No Brasil, o Estatuto do
Idoso a define como aquela que alcança os 60 anos de idade.

Uma vez que o envelhecimento individual é uma “construção social”, sua


conceitualização está em constante mudança. Entretanto, a maioria das vezes envolve
a noção de “processo irreversível” e fase final da vida (Dardengo & Mafra, 2018). O
envelhecimento individual é multifacetado e inclui aspectos fisiológicos, sociais e
culturais. As mudanças que constituem o envelhecimento no plano biológico estão
associadas com a acumulação de danos moleculares e celulares que aumentam o
risco de doenças e afetam a capacidade corporal dos indivíduos (Steves, Spector
& Jackson, 2012). A perda de status social e a solidão durante o envelhecimento
também têm se mostrado fatores adversos à saúde das pessoas de mais idade.
Contudo, seria equivocado falar de um único paradigma de velhice determinado
pela idade ou condição física, pois as pessoas a vivenciam de formas diferentes e
dependem do contexto socioeconômico e cultural em que estão inseridas.

Em geral, duas perspectivas são identificadas nos estudos sobre a velhice. Uma,
de ordem sociológica e psicossocial, que foca no afastamento e na invisibilidade da
pessoa idosa na sociedade e argumenta a favor dos direitos e do pleno exercício da
cidadania nessa faixa etária. Outra perspectiva, clínica-médica, da epidemiologia,
foca nas doenças e síndromes geriátricas que surgem na velhice, cujas evidências
sustentam, em muitos casos, a necessidade de mudanças do sistema de saúde para
responder às demandas da longevidade.

O envelhecimento pode ser encarado de duas maneiras: como tragédia que


destrói os sistemas sociais ou como uma oportunidade, na medida que as pessoas
idosas tenham uma vida saudável, como afirmava Maria Fernanda Lima Costa no
seminário “Envelhecimento saudável sem estado de bem-estar e sem SUS?”, ocorrido
na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2017, promovido pelo Centro de Estudos

172
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Estratégicos da Fiocruz e pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e


Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), no qual participaram também o ex-ministro
da Saúde José Gomes Temporão e a coordenadora do Grupo de Estudos em Saúde e
Envelhecimento (Gise/Icict/Fiocruz), Dalia Romero (CEE-Fiocruz e Icict/Fiocruz 2017).

A Organização Mundial da Saúde (OMS), buscando evitar a leitura do


envelhecimento como uma tragédia inevitável, envidou esforços e propôs novos
paradigmas. O termo Envelhecimento Ativo, adotado pela OMS ao final da
década de 1990, é definido como o “processo de otimização das oportunidades
de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (Organização Mundial da
Saúde, 2005, p. 07). Mais recentemente, em 2020, a OMS criou o plano “A Década
do Envelhecimento Saudável 2021-2030” como uma estratégia para melhorar
a vida dos idosos, de suas famílias e comunidades. Visando avaliar como foi
apreendido o início da Década do Envelhecimento Saudável no contexto das
Américas, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) promoveu uma reunião
interagências de organizações internacionais, que reconheceu que a aplicação do
plano na região se faz ainda mais urgente, pois o envelhecimento da população
ocorre rapidamente em um contexto socioeconômico frágil, onde muitos idosos
não conseguem ter acesso aos recursos básicos necessários para uma vida digna
(Organização Pan-Americana da Saúde, 2021).

Neste capítulo do livro trataremos dos principais aspectos sobre as condições


de saúde da população idosa brasileira desde a perspectiva da epidemiologia do
envelhecimento.

1. Transição epidemiológica e envelhecimento


Conceitualmente, a teoria da transição epidemiológica se concentra na complexa
mudança dos padrões de morte e morbidade da população ocorrida no tempo,
associada às transformações demográficas, sociais e econômicas (Omran, 1971). A

173
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

teoria sustenta que, durante a transição, as causas principais de morte e doença


por pandemias (infectocontagiosas) são gradualmente substituídas por doenças
degenerativas. Omran (1971), seu principal autor, identifica três grandes estágios
sucessivos da transição epidemiológica: A Era da Pestilência e da Fome, A Idade
das Pandemias em Recessão e a Era das Doenças Degenerativas e Causadas pelo
Homem, na qual o envelhecimento seria sua principal caraterística.

Essa teoria contém uma visão evolucionista e funcionalista e, por isso, tem sofrido
importantes críticas e sugestões de mudança. Luna (2002), ao analisar a situação
epidemiológica do Brasil, observou que o processo de transição não se dava de forma
linear, nem homogênea, pelo que conclui que no país há: 1) uma sobreposição de
etapas – doenças infecciosas e degenerativas convivem com grande peso absoluto e
relativo; 2) um movimento de contratransição caracterizado pelo ressurgimento em
peso de diversas doenças infecciosas; 3) uma incerteza de uma resolução do processo
de transição, em um país profundamente marcado por desigualdades sociais. O
autor demonstra que o pretenso movimento de eliminação das doenças infecciosas
não só não se verificou, a partir de exemplos como a epidemia da AIDS, como
também que os mesmos fatores relacionados ao progresso, ao desenvolvimento
socioeconômico e à modernidade se comportam como determinantes da transição
dos processos na direção inversa, propiciando o surgimento e a disseminação de
novas e velhas doenças infectoparasitárias (Luna, 2002, p. 232).

A pandemia de Covid-19, 40 anos depois da AIDS, constata e aprofunda as críticas


à teoria da transição epidemiológica, mas também traz uma particularidade no seu
perfil etário, quando comparada às principais pandemias. A letalidade da Covid-19
é acentuadamente superior entre a população idosa (em torno de 70% dos óbitos
correspondem a pessoas de 60 anos ou mais). Pandemias anteriores concentraram
suas mortes em crianças e adultos. Assim, como mencionado anteriormente, a
Covid-19 ameaçou reverter a tendência considerada “consagrada” da transição: o
envelhecimento populacional.

174
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Apesar das críticas, em períodos suficientemente longos, as mudanças no perfil


da mortalidade defendidas na teoria da transição epidemiológica são observadas
no Brasil. O Gráfico 1 explora as mudanças na distribuição percentual das causas de
mortalidade no Brasil ao longo do tempo, desconsiderando as causas mal definidas.
No Brasil de 1930, quase metade dos óbitos eram por causas infecciosas e parasitárias,
passando, desde, 1990 a menos de 10%. As doenças do aparelho circulatório e as
neoplasias malignas, que, em 1930, correspondiam a apenas a 11,8% e 2,7% do total
de óbitos, respectivamente, passaram a um percentual de 28,6% e 18,5% em 2019,
ocupando o primeiro e segundo lugar entre as mais frequentes causas definidas de
mortalidade no Brasil.

Fontes: 1930-1980: Dados nº7, RADIS, Fiocruz. Estimativas de Araújo (2012). 1990-2019: Sistema de
Informações sobre Mortalidade (SIM). Estimativas elaboradas pelos autores.

175
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A mudança na estrutura das causas é acompanhada pela mudança na estrutura


etária dos óbitos, conforme demonstra o Gráfico 2. No começo dos anos 80 a maioria
dos óbitos era de idades inferiores a 60 anos. A partir de 1992 essa situação se reverte,
chegando, em 2019, a que 70% das mortes sejam de pessoas de 60 ou mais.

Fonte: Sistema de Informação em Mortalidade (SIM). Estimativas elaboradas pelos autores.

2. Mortalidade: principais causas de óbitos da população idosa e indicadores


de sobrevivência

A estrutura de causas de mortalidade de pessoas de 60 anos ou mais se concentra


principalmente nas doenças não-transmissíveis (ver Gráfico 3). No ano de 2019, três
grupos de causas correspondiam a mais de 60% do total de óbitos de pessoas idosas,
tanto na população feminina, quanto masculina, sendo elas: doenças do aparelho

176
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

circulatório, neoplasias e doenças do aparelho respiratório. Doenças infecciosas


e parasitárias eram as causas de menos de 4% dos óbitos para ambos os sexos.
Homens e mulheres idosas pouco se diferenciaram quanto à distribuição percentual
das causas de mortalidade. As principais diferenças encontradas foram a maior
proporção de óbitos na população masculina por neoplasias e causas externas (19,6%
e 4,4%, respectivamente) em relação à feminina (16,4% e 3,0%, respectivamente) e a
maior proporção de óbitos por doenças do sistema nervoso e doenças endócrinas,
nutricionais e metabólicas em idosas (4,6% e 8,1%, respectivamente) em comparação
aos homens idosos (3,1% e 6,3%, respectivamente).

Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Estimativas elaboradas pelos autores.

O aumento da expectativa de vida também se mostrou uma característica da


transição epidemiológica observável no Brasil. A expectativa de vida dos brasileiros
ao nascer teve um incremento de mais de 8 anos desde o início do século (Tabela

177
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

1). Tal aumento foi ligeiramente maior para os homens. No entanto, as vantagens
femininas na expectativa de vida ao nascer se manteve alta (7 anos de diferença). No
que diz respeito à expectativa de vida aos 60 anos, observa-se um comportamento
contrário, ou seja, há um ganho de anos de vida mais acentuado entre as mulheres,
o que gera um aumento nas vantagens femininas em relação aos homens (passou
de 3,5 para 3,8 anos de diferença). Vale destacar, contudo, que essas estimativas
foram obtidas através das Tábuas de Mortalidade do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o qual utiliza a projeção da mortalidade elaborada a partir dos
dados do Censo Demográfico de 2010, desconsiderando o aumento dos óbitos
decorrentes da pandemia de Covid-19 na população brasileira no ano de 2020.

Fonte: Tábuas completas de mortalidade dos anos correspondentes, IBGE.


Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.
html?=&t=publicacoes. Acesso em: 14 fev de 2022.

O tempo de sobrevivência dos brasileiros se diferencia não apenas segundo o


sexo, mas também segundo a raça/cor do indivíduo. Quando observamos a idade
média à morte dos diferentes grupos raciais para o ano de 2019, notamos que a
população negra e, especialmente, a indígena, possui desvantagens significativas

178
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

em relação à população branca e amarela (Tabela 2). A idade média à morte dos
indígenas sequer alcança a faixa etária dos quinquagenários: é 28,3 anos menor do
que a dos amarelos e 23,2 anos menor do que a dos brancos. Por sua vez, negros
morreram em média 8,1 anos antes do que a população branca e 13,2 anos antes do
que a população amarela. Ademais, negros e indígenas também possuem um maior
desvio padrão em relação à idade média à morte do que brancos e amarelos, ou seja,
há uma maior concentração de óbitos em idades mais avançadas entre brancos e
amarelos, enquanto a mortalidade de indígenas e negros ocorrem em idades mais
dispersas. Desse modo, observa-se que as conquistas de anos adicionais de vida não
se dão de forma equitativa entre diferentes grupos sociais. Ainda hoje, o direito a
envelhecer é negado a determinados grupos raciais e étnicos no Brasil.

Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Estimativas elaboradas pelos autores.

Como comentado anteriormente, com a chegada da pandemia Covid-19, as


evidências que sustentavam a robustez da teoria da transição epidemiológica
foram confrontadas pela sobremortalidade da população mais longeva e pelo
grande peso que uma doença infectocontagiosa ocupou na morbimortalidade
da população brasileira. Ao observarmos as causas mais frequentes de óbitos de
pessoas idosas no município do Rio de Janeiro - as informações dos anos mais
recentes para abrangência nacional até então não foram disponibilizadas no Sistema
de Informações sobre Mortalidade (SIM) - entre os anos de 2010 e 2021, percebemos
a expressiva mudança trazida pela pandemia no padrão de mortalidade (Gráfico 4).

179
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Estimativas obtidas no Datasus.

3. Morbidade: principais causas de internações hospitalar da população


idosa e mudanças em decorrência da pandemia COVID-19
Os dados de Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), que
representam aproximadamente 70% de todas as internações no Brasil, são
atualizados e disponibilizados em tempo menor que os do SIM, permitindo ter
estimativas recentes sobre o padrão de morbidade hospitalar no Brasil e suas
divisões territoriais. Assim, verificamos que os padrões de morbidade hospitalar
também foram significativamente afetados pela pandemia Covid-19, fato que é
evidenciado a partir da observação das oito causas mais frequentes de internações
de pessoas idosas entre os anos de 2019 e 2020 (Gráfico 5). As internações por
doenças infecciosas e parasitárias, que correspondiam a cerca de 8% das causas de
internações para ambos os sexos, dobraram o seu peso na distribuição percentual,
chegando ao redor de 16% para ambos. Nas demais causas de internações,

180
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

chama a atenção a pouca diferença encontrada na distribuição percentual entre


homens e mulheres, à exceção das internações decorrentes de causas externas, as
quais, diferentemente do padrão de mortalidade (ver Gráfico 3), encontrou maior
percentual entre as mulheres, tanto em 2019 (9,2%, contra 7,5% entre homens),
quanto em 2020 (9,6%, contra 7,8% entre homens).

Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH). Estimativas elaboradas pelos autores.

4. Prevalência de doênças crônicas não-transmissíveis na população idosa


Conhecidas as mudanças nos padrões de causas de hospitalizações e
mortalidade da população idosa, interessa-nos, por fim, conhecer a prevalência de

181
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

doenças crônicas nesse grupo etário. Isso porque, segundo a teoria da transição
Wepidemiológica, elas se tornarão um dos principais desafios relativos à Saúde do
Amanhã em um Brasil envelhecido, devido ao comprometimento que geralmente
causam à funcionalidade humana, gerando incapacidade e aumentando a
dependência para a realização das atividades da vida diária.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 mostra a alta prevalência de doenças


crônicas entre a população idosa brasileira (Tabela 3). Apenas 19% das pessoas
idosas relataram não ter sido diagnosticadas com nenhuma das doenças crônicas
referidas no inquérito e especificadas na Tabela 3. Convivem com mais de uma
doença crônica 58,3% das pessoas idosas, sendo que 5,5 milhões dessas (34,4% do
total de idosos) convivem com 3 ou mais doenças crônicas. As dez doenças crônicas
mais prevalentes na população idosa são: hipertensão arterial (56,4%), problema
crônico de coluna (31,1%), diabetes (20,8%), artrite ou reumatismo (18,2%), alguma
doença do coração (ex.: infarto, angina, insuficiência cardíaca) (13,1%), depressão
(11,8%), câncer (6,8%), acidente vascular cerebral (AVC) (5,6%), asma (ou bronquite
asmática) (4,7%) e alguma doença crônica no pulmão (ex.: enfisema pulmonar,
bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica) (3,0%).

A prevalência é maior entre as mulheres idosas para a maior parte das doenças,
à exceção de alguma doença no coração, câncer, AVC, alguma doença no pulmão
e insuficiência renal crônica. Homens idosos mais frequentemente relatam não ter
nenhuma doença crônica não transmissível (DCNT) em relação às mulheres idosas
(23,2% e 15,8%, respectivamente), além de terem menor prevalência de 3 doenças
crônicas não-transmissíveis ou mais (34,4% e 20,0%, respectivamente). Não obstante,
essas diferenças devem ser analisadas com cautela, levando em consideração que
as disparidades na prevalência observadas nos inquéritos não necessariamente
refletem a realidade. A prevalência relatada depende do diagnóstico da doença.
Sabe-se que os homens utilizam menos os serviços de saúde (Malta et al., 2017)
e, quando o fazem, muitas vezes a doença está em um estágio avançado (Gomes,

182
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

2008), fato que pode explicar a maior (ou igual) mortalidade de homens por essas
doenças (ver Tabela 1) em contraste com a menor prevalência relatada por eles.

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) (2019). Estimativas elaboradas pelos autores.

Identificar a prevalência de doenças não é tarefa simples para a saúde pública.


O câncer de mama é outro exemplo da subestimação da prevalência, já que seu
diagnóstico necessita da disponibilidade de aparelhos considerados caros e
de alta tecnologia, como é o mamógrafo. Em 2019, 48,8% e 42,3% das mulheres
idosas relataram nunca terem realizado mamografia no Norte e no Nordeste,
respectivamente, enquanto na região Sudeste foram apenas 23% (Tabela 4); esse
indicador mostra o menor acesso a esse tipo de exame nas regiões mais pobres

183
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

do país. Apesar das diferenças regionais terem se reduzido entre 2013 e 2019, as
desigualdades no acesso aos serviços de saúde persistem. As diferenças observadas
no acesso ao diagnóstico colocam dúvidas na veracidade das taxas de óbitos e
internações por câncer de mama nas regiões mais desassistidas. Sem um diagnóstico
adequado não seria correto afirmar que o risco de morte por câncer de mama das
idosas da região Norte seja 38% menor que na região Sul do país, conforme mostra
a Tabela 4.

Fontes: (1) Pesquisa Nacional de Saúde, PNS (2013 e 2019). Estimativas elaboradas pelos autores. (2) Estimativas
obtidas no Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso, SISAP-Idoso.

Por fim, vale destacar que embora o crescimento da prevalência de doenças


crônicas e degenerativas e de suas consequências (aumento da incapacidade
e dependência funcional) a tornem, com razão, um dos motivos de maior
preocupação da epidemiologia e da saúde pública contemporânea, isso não quer
dizer que devamos diminuir a importância ou deixar de priorizar as demais causas
na situação epidemiológica brasileira. O primeiro passo para pensarmos a Saúde do
Amanhã é a resolução permanente dos problemas do “passado”, tais como doenças
negligenciadas e a fome. Estas últimas não aparecem entre as questões mais
prevalentes na população idosa, já que se concentram em áreas rurais e populações
de menor tamanho (Pereira, Spyrides & Andrade, 2016), mas representam um
desafio fundamental no direito à vida. A persistência das causas externas, em

184
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

específico a violência (Souza et al., 2018), também será uma preocupação central
para a sociedade brasileira e para o SUS nos anos vindouros.

5. Envelhecimento saudável: novo paradigma da saúde


O aumento das doenças crônicas em idades avançadas, além da idade, tem sido
utilizado como indicador de fragilidade e velhice, mas acaba não sendo um indicador
suficientemente sensível para identificar a fase do envelhecimento. Isso porque na
presença de uma adequada promoção da saúde, prevenção de agravos e do acesso
a recursos, as doenças crônicas não necessariamente limitam a vida com qualidade
e satisfação (Moraes et al., 2016; Ramos, 2003).

No século XXI, os estudos sobre a velhice têm focado sua atenção em construtos
que englobam a diversidade de fatores que determinam o envelhecimento e que
dão conta da qualidade de vida, independentemente de atrelar isso a uma doença
crônica. A OMS, na busca de uma perspectiva positiva do envelhecimento, propôs
o termo, mencionado anteriormente, “envelhecimento ativo” e, mais recentemente,
“envelhecimento saudável”. Nesse contexto, dois conceitos-chave são formulados
para abordar a saúde da pessoa idosa: capacidade funcional e capacidade
intrínseca. Esses conceitos são ratificados pela OMS no Relatório Mundial sobre
Envelhecimento e Saúde de 2015 (World Health Organization, 2015) e no plano
Década do Envelhecimento Saudável (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020),
com a finalidade de popularizar o novo paradigma sobre o envelhecimento.

Nesse plano, a OMS afirma que:

“O envelhecimento saudável pode ser uma realidade para todos. Ele demandará uma troca de foco de se
ter o envelhecimento saudável como a ausência de doença para a promoção da habilidade funcional que
permite à pessoa idosa ser e fazer aquilo que valoriza. Serão necessárias ações de melhoria do envelhecimento
saudável em múltiplos níveis e em múltiplos setores, de modo a prevenir doenças, promover a saúde, manter a
capacidade intrínseca e viabilizar a habilidade funcional” (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020, p. 3).

O conceito de capacidade funcional (CF) pode ser definido como a capacidade


da pessoa de realizar de forma independente as demandas físicas do cotidiano, as

185
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

quais compreendem desde as atividades básicas para uma vida independente até as
ações mais complexas da rotina diária. A CF é composta da capacidade intrínseca da
pessoa, das características do ambiente que afetam essa capacidade e das interações
entre as pessoas e essas características (World Health Organization 2015), onde:
- A capacidade funcional é a combinação e a interação da capacidade intrínseca
com o contexto em que a pessoa habita.
- A capacidade intrínseca é a combinação de todas as capacidades físicas e mentais
da pessoa.
- O ambiente inclui todos os fatores do mundo exterior que formam o contexto da
vida. Inclui - do nível micro até o nível macro - a família, a comunidade e a sociedade
em geral. No meio ambiente há uma série de fatores que englobam o contexto
construído, como as pessoas e seus relacionamentos, as atitudes e os valores, as
políticas de saúde, os sistemas que as sustentam e os serviços que prestam (Üstün
et al., 2003).

5.1 Funcionalidade
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida
como CIF, publicada pela OMS em 2001, tal qual a Classificação Internacional de
Doenças (CID), proporciona uma linguagem unificada e padronizada, como um
sistema de descrição da saúde e de estados relacionados à saúde. A CIF permite
identificar as diversas dimensões que afetam a qualidade de vida e que definem o
estado de saúde das pessoas.
Os domínios da CIF são descritos com base na perspectiva do corpo, do indivíduo
e da sociedade em duas listas básicas: (1) Funções e Estruturas do Corpo, e (2)
Atividades e Participação. Essas se relacionam com os fatores ambientais que
interagem com todos estes construtos. Dessa maneira, a CIF evita classificar o estado
de saúde apenas a partir da doença e melhor define as consequências da doença,
do contexto e das condições de vida acumuladas durante a vida.
A CIF foi um passo crucial para a concretização de um novo paradigma da
saúde da pessoa idosa ao explicar as múltiplas faces do Envelhecimento saudável
a partir da Interação dos Componentes da Funcionalidade (Figura 1), que vão

186
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

desde o nascimento (incluindo questões genéticas), características pessoais (como


sexo, raça/cor, ocupação, nível educacional, gênero e renda), até as condições do
ambiente (como facilitadores de mobilidade e acesso a recursos). Essa interação
reflete a desigualdade do envelhecimento numa região ou num país e influencia
as características de saúde, os fatores de risco, as doenças, as lesões e as síndromes
geriátricas das pessoas idosas.

Fonte: Organização Mundial da Saúde (2003).

Esse novo paradigma, embora mensurável, não é de fácil captação através das
estatísticas produzidas sobre a saúde da população. Inquéritos populacionais têm
tentado incorporar perguntas sobre as dimensões e interações dos componentes da
CIF, mas ainda não existe um consenso sobre a mensuração da funcionalidade (Castro
et al., 2016). Alguns instrumentos proporcionam escore sobre a vulnerabilidade ou o
perfil de capacidade funcional, mas estes variam quanto aos resultados (Alves, Leite
& Machado, 2008). Perguntas aos idosos acerca da capacidade para a realização de
atividades são as mais utilizadas, as quais geralmente são avaliadas por meio do

187
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

grau de dificuldade (nenhuma dificuldade, pouca dificuldade, muita dificuldade,


incapaz de fazer) ou grau de dependência (necessidade de ajuda de outra pessoa
ou impossibilidade de realizar uma tarefa). Ao comparar resultados entre pesquisas
é preciso estar atento ao conceito de incapacidade funcional empregado pelos
autores já que os resultados variam muito.

Baseados no conceito utilizado por Alves (2007), definimos neste trabalho como
pessoas com incapacidade funcional aquelas com alto grau de dificuldade e/ou que
necessitam de ajuda para executar tarefas cotidianas básicas ou mais complexas
necessárias para a vida com autonomia. A PNS 2019 permite identificar ambos os
critérios. Pessoas idosas que precisam de ajuda ou tem muita dificuldade ou não
conseguem sozinhas comer, tomar banho, ir ao banheiro, vestir-se, andar em casa
de um cômodo ao outro ou se deitar tem incapacidade funcional para as atividades
básicas da vida diária (ABVD). Assim, a partir dos dados da PNS 2019, pode-se
afirmar que 9,6% das pessoas idosas tinham tal tipo de limitação. Por outra parte,
uma em cada quatro (25,1%) das pessoas idosas possuíam incapacidade funcional
para realizar as atividades instrumentais da vida diária (AIVD), como fazer compras,
administrar finanças, tomar os remédios, ir ao médico ou sair utilizando transporte
(ônibus, metrô, táxi ou carro).

Mulheres idosas possuíam maior prevalência de incapacidade funcional em


todas as regiões brasileiras, tanto para as ABVD, quanto para as AIVD, ainda que
as diferenças tenham sido maiores entre essas últimas. O Norte e Nordeste foram
as regiões com maiores níveis de prevalência de incapacidade funcional (básica e
instrumental). Tal desigualdade chama ainda mais a atenção se considerado que
estas regiões possuem um menor percentual de idosos mais longevos (Carmo &
Camargo, 2018). Esse achado reforça o entendimento da CIF de que a plena condição
de saúde e a funcionalidade estão mais associadas ao contexto em que o indivíduo
está inserido do que propriamente ao avançar da idade.

188
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) (2019). Estimativas elaboradas pelos autores.

Como visto na Tabela 3, o problema de coluna é uma das condições crônicas mais
prevalentes na população idosa (Tabela 4). Esta é a principal causa de anos vividos
com incapacidade (Hurwitz et al., 2018) e a primeira causa de perda de qualidade
de vida entre idosos (Hoy et al., 2014). Um problema como este pode ser tratado
antecipadamente se investirmos em prevenção e promoção da saúde por meio, por
exemplo, da educação física nas escolas primárias e núcleos de saúde da família.
Os ganhos provenientes de sua prevenção se tornam ainda mais relevantes se
considerado que a maioria das pessoas que alcançam aos 50 anos de idade sem
problema de coluna não chegam a desenvolvê-lo depois, conforme demonstrado

189
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

por Romero e colaboradores (2018) ao relacionarem a prevalência do problema de


coluna com o avançar da idade no Brasil para o ano de 2013 (Gráfico 6).

Gráfico 6. Prevalência de problema crônico de coluna, segundo faixa etária. Brasil, 2013.

Fonte: Romero et al. (2018).

No período da pandemia Covid-19, o problema de coluna se agravou no Brasil.


Resultados de um estudo em andamento, baseados no inquérito de abrangência
nacional “ConVid- Pesquisa de Comportamentos”, mostram que 45% dos adultos
brasileiros relataram surgimento ou piora do problema de coluna em decorrência
das mudanças comportamentais trazidas pela pandemia e suas necessárias medidas
de contenção de contágio, como o distanciamento social.

As consequências do processo de perda da capacidade funcional afetam não


apenas as pessoas idosas, mas toda sociedade brasileira, o sistema de saúde e, em
especial, os responsáveis pelo auxílio a esses idosos fragilizados. Estimativas próprias
a partir dos dados da PNS de 2019 apontam que, no Brasil, 88,1% das pessoas idosas
com incapacidade funcional para as ABVD eram cuidados por seus familiares. Essas
pessoas cuidadoras são, em sua maioria, mulheres de meia-idade (Giacomin et al.,
2019), esposas, filhas, noras, sobrinhas ou netas da pessoa idosa.

Diversos são os estudos que demonstram que o trabalho de cuidar está associado
a uma perda na qualidade de vida e do bem-estar dos cuidadores familiares, gerando

190
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

até mesmo problemas em suas saúdes mental e física (Shi et al., 2020; Anjos, Boery
& Pereira, 2014). Isso ocorre porque, na falta de um suporte social adequado, o
trabalho de cuidar se torna exaustivo, já que demanda grande quantidade de tempo,
dedicação e recursos e frequentemente provoca uma sobrecarga física e emocional.
Desse modo, o escopo de desafios do novo paradigma do envelhecimento deve
contemplar não apenas aqueles voltados à população idosa, as também aqueles
enfrentados pelos seus cuidadores, ainda mais se considerarmos que o verificado
processo de redução da natalidade levará a uma diminuição das famílias e,
consequentemente da oferta de familiares cuidadores.

5.2 Capacidade intrínseca


A capacidade intrínseca de uma pessoa idosa é a combinação da capacidade
física e mental, sendo que o contexto pode favorecer, ou não, tal capacidade.
Por exemplo, ruas com espaços seguros e em boas condições para caminhar
podem fomentar a atividade física, assim como o acesso à atenção primária e ao
diagnóstico adequado podem evitar agravos e sequelas de doenças crônicas. Uma
vez acontecido um problema de saúde, como infarto ou acidente cerebrovascular,
a capacidade intrínseca dependerá da possibilidade de tratamento, cuidados e
serviços de reabilitação (World Health Organization, 2015).

O conceito de capacidade intrínseca e suas potenciais utilizações foram bem


explorados em planos de organização e gestão da atenção à saúde da pessoa idosa
elaborados pela OMS (Organização Mundial da Saúde, 2020) e reiterados pela OPAS
(Organização Pan-Americana da Saúde, 2020), de modo que estes serão a base das
ideias desenvolvidas na sequência do capítulo.

191
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Todos os principais domínios da capacidade intrínseca de uma pessoa, descritos


na Figura 2, são potencialmente incapacitantes para o indivíduo e estão interligados
uns aos outros. Ainda que o declínio de cada um desses domínios esteja associado
ao processo de envelhecimento, é possível retardá-lo e atenuá-lo com uma pronta
detecção e o adequado manejo nos sistemas de saúde (especialmente na Atenção
Primária), de modo a evitar que esse declínio afete a sua capacidade funcional e
gere dependência para suas atividades da vida diária. A capacidade locomotora diz
respeito à capacidade física da pessoa de se locomover de um lugar ao outro e pode
ser manejada a partir de duas intervenções principais: 1) da promoção de um estilo
de vida ativo, com uma rotina de exercícios regulares, adaptados à capacidade e às
necessidades do indivíduo; 2) da adaptação do ambiente e do uso de tecnologias
capazes de auxiliar e manter sua mobilidade (Organização Pan-Americana da Saúde,
2020). A partir da PNS de 2019 estimamos que no Brasil cerca de 34,7% das pessoas
idosas possuíam dificuldade permanente de caminhar ou subir degraus, sendo que
apenas 6,7% utilizavam ou tinham acesso a algum aparelho auxiliar (como cadeira
de rodas, próteses ou órteses e bengalas ou muletas).

192
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde (2020).

A vitalidade diz respeito aos fatores fisiológicos do indivíduo que podem levar
à perda de capacidade intrínseca. Um de seus principais determinantes é o estado
nutricional da pessoa idosa. A má-nutrição pode levar à perda de massa muscular,
fato que está diretamente ligado à capacidade locomotora. Sua detecção pode
ser captada por profissionais de saúde da atenção primária, a partir da apreensão
da dieta do indivíduo, das mudanças no peso e, por vezes, a partir de exames de

193
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

sangue. Seu manejo pode vir através do aconselhamento nutricional e nos casos
mais graves a partir da suplementação alimentar (Organização Pan-Americana da
Saúde, 2020). Duas perguntas da PNS 2019 que podem ser utilizadas como proxy
da vitalidade referem-se à perda de apetite e ao sentimento de cansaço/falta de
energia nas últimas duas semanas. Ambas tinham como alternativas de resposta:
nenhum dia, menos da metade dos dias, mais da metade dos dias e todos os
dias. Dessa maneira, estimamos que 18,7% das pessoas idosas têm alta perda de
vitalidade, correspondente às duas últimas alternativas em pelo menos uma das
duas perguntas.

Outras perguntas da PNS 2019, relacionadas à sintomas depressivos, são os


relativos à capacidade psicológica. Esta está fortemente atrelada aos outros domínios
da capacidade intrínseca, uma vez que a perda da habilidade funcional muitas vezes
contribui para a manifestação de sintomas depressivos e/ou ansiedade. Apesar do
diagnóstico de depressão requerer a atenção de um profissional especializado, os
sintomas depressivos (apresentados por aqueles que relatam dois ou mais sintomas
simultâneos de depressão com grande frequência por pelo menos 2 semanas) podem
ser detectados e até manejados por profissionais de saúde não especializados. Na
Tabela 6 é possível observar a prevalência de sintomas depressivos entre idosos
nas duas últimas semanas relativas à data da pergunta. O problema de sono foi o
sintoma mais apresentado entre as pessoas idosas, seguido da falta de energia e
do sentimento depressivo, se considerados aqueles que relataram os sentimentos a
maioria dos dias ou todos os dias nas semanas. O manejo dos sintomas depressivos
é possível a partir de terapias e através da prática regular de exercícios físicos, devido
ao efeito positivo que a atividade física exerce sobre o humor (Organização Pan-
Americana da Saúde, 2020).

194
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Tabela 6. Prevalência de sintomas depressivos e perda de vitalidade entre pessoas idosas. Brasil, 2019.
Sentiu-se Falta de
Problemas Falta de Falta de Sentiu-se Sentiu-se mal Pensou em se
cansado/sem prazer ou
com sono concentração apetite deprimido consigo ferir
energia interesse

Nenhum
57,9% 65,1% 81,1% 80,3% 73,2% 72,7% 86,8% 95,8%
dia
Menos da
metade 17,3% 20,4% 11,3% 10,9% 17,2% 16,9% 8,4% 2,6%
dos dias
Mais da
metade 8,4% 6,3% 3,5% 4,1% 4,6% 5,1% 2,4% 0,8%
dos dias
Quase
16,3% 8,2% 4,0% 4,7% 4,9% 5,3% 2,4% 0,8%
todos dias

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) (2019). Estimativas elaboradas pelos autores.

A capacidade auditiva é uma das mais relacionadas ao avançar da idade em


idosos, e a detecção de seu declínio também pode ser feita por profissionais
comunitários de saúde da atenção primária, embora o seu manejo necessite de
atenção e equipamentos especializados (Organização Pan-Americana da Saúde,
2020). Estimamos a partir da PNS de 2019 que 1,2 milhões de pessoas idosas (cerca
de 4%) possuíam dificuldade permanente para ouvir, independentemente de usar
aparelho auxiliar. Este último dispositivo, por seu valor, é de difícil acesso para grande
parte da população idosa de baixo recurso, o que talvez explique que a grande
maioria com dificuldade permanente não disponha desses aparelhos (88%). O SUS
disponibilizou aparelhos auxiliares para 37% dos que relataram utilizar.

A capacidade visual é um componente crítico da capacidade intrínseca, haja


vista que o seu declínio usualmente afeta a segurança no deslocamento, o acesso a
informações e as relações interpessoais da pessoa idosa. A perda de tal capacidade
é facilmente detectada a partir de tabelas de visão, pelo que a capacitação para o
diagnóstico é relativamente simples. Profissionais de saúde, não necessariamente
oftalmologistas, podem captar o declínio da capacidade visual da população. Dessa
maneira, agentes comunitários e outros membros da Estratégia de Saúde da Família
poderiam ser capacitados para examinar pessoas idosas. Entretanto, o tratamento,

195
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

na maior parte das vezes, exige a presença de um profissional especializado e de


equipamentos de auxílio (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020). Possuem
problemas para enxergar (seja alguma/muita dificuldade ou não enxergam) 32,5%
das pessoas idosas no Brasil, sendo que quase 4 de cada 10 destas não dispõem de
óculos ou outro aparelho auxiliar, segundo estimativas feitas a partir da PNS (2019).

Por fim, a capacidade cognitiva está ligada à memória e à capacidade de


concentração e resolução de problemas. O declínio cognitivo é manifestado, em sua
fase final, a partir do desenvolvimento de demência na pessoa idosa. Apesar de suas
causas estarem intimamente associadas ao envelhecimento do cérebro, é possível
intervir e mitigar o processo se detectado em tempo oportuno (Organização Pan-
Americana da Saúde, 2020). Enquanto a detecção da perda cognitiva é feita através
de testes cognitivos, o seu manejo ocorre a partir da promoção de um estilo de vida
saudável, sobretudo com a prática de exercícios físicos, o engajamento social e com
atividades que estimulem a cognição. No entanto, essa abordagem só é possível
ao nível não especializado quando a perda cognitiva ainda não tenha gerado um
quadro de demência no indivíduo.

Embora a nível populacional exista uma associação entre idade e redução da


capacidade física e funcional, a nível individual esta relação se torna um pouco mais
complexa. A Figura 3, proposta no“Informe mundial sobre el envejecimiento y la salud”,
também da OMS (Organización Mundial de la Salud, 2015), ilustra três trajetórias
hipotéticas da capacidade física de indivíduos ao longo do curso de sua vida. A
trajetória ótima (pessoa A) seria aquela na qual a capacidade intrínseca permanece
alta por todo o curso da vida. A trajetória interrompida (pessoa B) tem percurso
semelhante ao da pessoa A, até que em determinado momento da vida um evento
causa uma queda repentina na capacidade. A trajetória de deterioração (pessoa C)
é aquela que tem um declínio constante da capacidade intrínseca. A experiência de
observar trajetórias de capacidade intrínseca e suas possíveis alternativas (ilustradas
pelas linhas pontilhadas) nos permite avaliar como a interação das pessoas com o

196
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

ambiente é capaz de impactar suas capacidades físicas. Tendo como pressuposto


que o objetivo de cada indivíduo é ter uma trajetória de vida mais próxima a da
pessoa A, tal modelo nos oferece a oportunidade de pensar intervenções que nos
ajudem a alcançar esse objetivo. Por exemplo, uma alternativa à trajetória da pessoa
B poderia ser pensada através do acesso a serviços de reabilitação. Por sua vez, a
trajetória de deterioração da capacidade física da pessoa C poderia ser atenuada a
partir de intervenções voltadas às mudanças de comportamentos relacionados à
saúde ou através da administração de medicamentos. Desse modo, reforça-se, mais
uma vez, que a relação entre a idade cronológica e a capacidade física não é direta,
o que nos abre um leque de opções de intervenções para a sua manutenção.

Fonte: Organización Mundial de la Salud (2015).

Por mais que o modelo das trajetórias hipotéticas se aplique a nível individual,
seus pressupostos poderiam explicar o porquê de grupos sociais diferentes

197
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

experimentarem a velhice e suas consequências de formas distintas, tal qual nas


diferenças observadas na prevalência de incapacidade funcional (instrumental e
diária) das atividades da vida diária entre regiões brasileiras, descritas na tabela 5.

5.3 Deficiência e saúde


A deficiência por muito tempo foi conceituada desde um modelo médico definido
a partir da insuficiência física ou perda de uma parte anatômica e/ou órgão, o qual
define deficiência como característica intrínseca da pessoa. O modelo social da
deficiência ganhou espaço e tenta esclarecer que não é a pessoa que apresenta uma
deficiência, mas a sociedade e o meio que a determina. A CIF estabelece parâmetros
para mudar a concepção e operacionalização da deficiência ao considerar não só a
questão corporal e clínica, mas a influência do contexto social. Estes avanços colocam
o foco da deficiência na sociedade e no Estado ao evidenciar a partir de indicadores
o grau de investimento em acessibilidade, tecnologia assistiva, comunicação,
acesso a recursos (como óculos, cadeiras de rodas, entre outros), adaptação das ruas
e viabilidade, aceitação e integração das pessoas com deficiência, seja mental ou
física. O desafio é construir uma sociedade que disponha cada vez mais de meios
adequados para que pessoas com limitações possam ter interação e participação na
sociedade em igualdade de condições.

A mudança conceitual da deficiência ficou clara na Convenção dos Direitos da


Pessoa com Deficiência, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU)
em 2007, em que o artigo 1º dispõe: “Pessoas com deficiência são aquelas que
têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interações com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade com as demais pessoas” (Brasil, 2008). Essa definição foi ratificada na
Lei Federal n. 13.146 de 2015 (Brasil, 2015), a qual regulamentou as disposições da
Convenção da ONU. Assim, não só os critérios clínicos/médicos são considerados.

198
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Os impedimentos físicos, mentais, intelectuais e sensoriais são tidos como inerentes


à diversidade humana, de modo que a deficiência é resultado da interação destes
impedimentos com as barreiras sociais. A dificuldade de inserção social do indivíduo
é consequência desse processo. Ou seja, o fator médico é um dos elementos do
conceito de deficiência (o impedimento), que em interação com as barreiras
presentes na sociedade passa a gerar a obstrução ao pleno convívio social.

Por essas mudanças, atualmente, considera-se adequado utilizar a expressão


“pessoa com deficiência” e não expressões como “deficiente” ou “portador de
necessidades especiais”. Evitar a estigmatização das pessoas com deficiência
também constitui um desafio para a sociedade atual.

O envelhecimento está fortemente associado com o aumento da chance de


deficiências. Não só porque implica, em muitos casos, no aumento das comorbidades
e de riscos por acidentes, como uma queda, mas também porque nessa fase da vida
as perdas sociais, econômicas e familiares também se tornam mais frequentes.

Definindo pessoas com deficiência como aquelas com alto grau de dificuldade ou
incapacidade permanente de enxergar, se locomover, ouvir ou realizar atividades
habituais em decorrência de limitação nas funções mentais ou intelectuais,
estimamos a prevalência de deficiências entre a população idosa para o ano de 2019.
Os resultados são apresentados na Tabela 7. A prevalência das deficiências referidas
entre pessoas idosas no Brasil foi alta (24,8%). Dentre elas, as mais prevalentes foram
as deficiências locomotoras (17,6%) e visual (9,2%). Na comparação, segundo grandes
regiões, chamam a atenção as mesmas disparidades encontradas nos indicadores
de incapacidade funcional (Tabela 5). Norte e Nordeste foram aqueles com maior
percentual de pessoas idosas com deficiência (27,6% e 29,0%, respectivamente), fato
que novamente demonstra a determinação do contexto nas condições de saúde e
vida da população. Mulheres, se comparadas com homens idosos, apresentaram os

199
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

piores níveis, especialmente no que diz respeito à deficiência locomotora (21,5%


contra 12,4% dos homens).

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde (2019). Estimativas elaboradas pelos autores.

O Gráfico 6 ilustra a relação entre a deterioração das condições de vida da


população idosa e a idade cronológica, a partir de três indicadores-chave: a
prevalência de 3 DCNT ou mais, a presença de alguma deficiência (visual, auditiva,
locomotora ou mental) e o estado de ânimo ruim (apresentou pelo menos um
sintoma depressivo a maior parte dos dias ou sempre nas duas últimas semanas).
Observa-se que a presença de alguma deficiência foi o indicador mais associado
com o avançar da idade, embora todos eles tenham tido algum acréscimo em seu
nível junto ao avanço etário.

200
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde (2019). Estimativas elaboradas pelos autores.

5.4 Prevalência e desafios das doenças neurodegenerativas


Doenças neurodegenerativas são aquelas que provocam alteração no cérebro
das pessoas afetadas, levando a uma deterioração e perda progressiva de neurônios
(Enciu et al., 2011). Quando a doença neurodegenerativa afeta as funções como
memória, linguagem, raciocínio e comportamento pode se chegar à demência.
A maioria delas está inerentemente associada ao aumento da idade, pelo que o
envelhecimento populacional implica no aumento de pessoas diagnosticadas
com demências (Baker & Petersen, 2018). Tudo parece indicar que no futuro

201
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

do Brasil ocorrerá um aumento do número de idosos que sofrerá de doenças


neurodegenerativas geriátricas.

Segundo o relatório da Carga global, regional e nacional da doença de Alzheimer


e outras demências (Nichols et al., 2019), o número de indivíduos que vivem com
demência está aumentando, afetando famílias, comunidades e sistemas de saúde
em todo o mundo. Estimam que mais do que dobrou a incidência entre 1990 e
2016, principalmente pelo aumento do envelhecimento e pelo crescimento da
população, e assinalam que a demência representa a quinta principal causa de
morte globalmente.

Doenças neurodegenerativas, como as doenças de Parkinson e Alzheimer,


são condições potencialmente debilitantes, que carecem de opções viáveis ​​de
tratamento, resultando em um alto custo econômico e social (Baker & Petersen, 2018)
e em uma perspectiva preocupante para o envelhecimento individual e coletivo.
Além dos danos físicos das pessoas com demência, essas doenças implicam na
inatividade laboral, perda de renda da família, isolamento social, tristezas, diminuição
da autonomia na vida diária e da qualidade de vida das pessoas responsáveis do
cuidado, os quais, como apontado anteriormente, são majoritariamente familiares
mulheres. Um estudo realizado nos Estados Unidos mostra que as despesas médicas
destinadas às doenças neurodegenerativas superam a soma das destinadas ao
câncer e a doenças cardiovasculares (Hurd et al., 2013).

Na ausência de cura, há um foco crescente na redução do risco, diagnóstico


oportuno e intervenção precoce (Robinson, Tang & Taylor, 2015). Entretanto, o
diagnóstico das demências não é simples. Estudos de autópsia mostraram que
a patologia da doença cerebrovascular (por exemplo, lacuna, microinfarto, micro
ou macro-hemorragia, grande infarto, aterosclerose, angiopatia amilóide cerebral,
entre outras) coocorre com a doença de Alzheimer em cerca de 40-80% de casos de
demência em idosos (Gauthier et al., 2021). Por outra parte, a doença de Alzheimer

202
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

se caracteriza pelo declínio cognitivo progressivo associado ao comprometimento


da memória, mas a doença cerebral esporádica de pequenos vasos relacionada
à idade também pode apresentar manifestação clínica semelhante e pode ser
diagnosticada erroneamente como Doença de Alzheimer (Blennow, 2004).
Dificuldade em encontrar palavras ou tomar decisões, pelo enfraquecimento das
relações sociais na velhice e a tristeza prolongada, pode confundir o diagnóstico da
demência (Kostopoulou et al, 2008).

Medicamentos podem causar comprometimento cognitivo, agravando assim


a demência. O aumento acelerado de consumo de medicamentos psicotrópicos,
ansiolíticos e antidepressivos, comumente prescritos para o tratamento da
ansiedade, insônia e depressão em idosos em muitos países (Dell’osso & Lader,
2013; Hartikainen et al., 2003) representam um importante problema para a saúde
pública. Embora seja, em muitos casos, ministrado de forma adequada, representa
em si um fator de risco que acentua os sintomas da demência por um lado e, por
outro, causa reações adversas, levando a diagnósticos falsos positivos de demência.
Assim, a polifarmácia se configura como um grande problema para as pessoas idosas
e para o sistema de saúde.

Em um estudo de meta-análise com 984 artigos, cujo objetivo era identificar a


relação entre o uso de benzodiazepínicos e demência, revelou-se que uma alta
proporção de pacientes com 65 anos ou mais relataram um longo período (sete anos
ou mais) de uso de tal medicamento (Puustinen et al., 2007), embora a recomendação
seja de que a duração total do uso se limite a algumas semanas. Outros estudos
revelaram um risco aumentado de demência, especialmente de Alzheimer (Billioti
de Gage et al., 2014; Zhong et al., 2015), entre os usuários de benzodiazepínicos. Tais
resultados indicam a necessidade de atentarmos ao uso inadequado de tais tipos de
medicamentos.

203
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

O Brasil, depois da Turquia, teve a segunda maior prevalência padronizada por idade
de demência (1.037 casos por 100.000 habitantes), segundo estimativas realizadas
em 195 países pelo grupo de Carga da Doença (Nichols et al., 2019). Entretanto,
os autores constatam grandes inconsistências entre dados de causa de morte e
dados de prevalência ao longo do tempo, assim como entre países. Verificaram que,
enquanto as taxas por idade de mortes por demência aumentaram cinco vezes, a
prevalência de demência no mesmo período se manteve estável. Concluem que a
melhora da captação e padronização da informação sobre demências é um grande
desafio para todos os países.

No Brasil, a estimativa de prevalência de demência varia acentuadamente. Dados


e pesquisas são insuficientes. Em revisão sistemática, autores mostraram que tal
prevalência variava entre 5,1% a 17,5% (Boff, Sekyia & Bottino, 2015). A Sociedade
Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), em 2019, apontou que no Brasil existem
quase 2 milhões de pessoas com demência (ao redor de 50% são do tipo Alzheimer),
mas que esses dados podem estar subestimados pela dificuldade do diagnóstico
correto ou pela falta de acesso a um diagnóstico (SBGG, 2019).

Um estudo descritivo a partir do Inquérito domiciliar de 2016, “Estudo Longitudinal


do Envelhecimento Brasileiro (ELSI-Brasil)”, aplicado a adultos com 50 anos ou mais
no Brasil, constatou que pessoas com Alzheimer, embora tenham mais visitas ao
clínico geral, possuem piores indicadores de cuidados preventivos que aqueles sem
Alzheimer (como dentista, exame oftalmológico e mamografia) e apresentam maior
frequência de quedas, hospitalização, doenças crônicas e maior tempo de internação
(Feter et al., 2021). Além disso, apontou que a solidão, um grave problema na velhice,
é mais acentuada entre pessoas com Alzheimer (Feter et al, 2021).

A Atenção Básica tem um papel fundamental na detecção precoce da demência


assim como na identificação de outros problemas de saúde que podem ser
confundidos com demência (Robinson, Tang & Taylor, 2015). Pessoas idosas em

204
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

geral ficam mais tempo na residência, pelo que também é papel da Atenção Básica
encaminhar para avaliação especializada aqueles com sintomas como: alterações
neurológicas, psiquiátricas ou comportamentais ou aqueles com fatores de risco
importantes (por exemplo, tentativa de suicídio). A preocupação da família é de
particular importância, especialmente porque um indivíduo pode compensar ou
negar seus problemas nos estágios iniciais. Nas visitas domiciliares das equipes
de Atenção Básica os profissionais podem conversar sobre esses aspectos com os
familiares.

Há evidências crescentes de fatores de risco para demência, o que mostra que


o estilo de vida e outras intervenções podem, se implementadas de forma eficaz
junto à Atenção Básica, contribuir para retardar o início e reduzir o número futuro de
pessoas com demência (Elwood et al., 2013; Anstey, Lipnicki & Low, 2008). Conforme
destacado anteriormente, ferramentas breves de avaliação cognitiva, como testes
de comprometimento da memória, podem e devem ser aplicados por equipe
capacitada da Atenção Básica (Robinson, Tang & Taylor, 2015).

Pesquisa e inovação em saúde são elementos essenciais. O Comitê de Ajudas


Técnicas da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Brasil, 2009) afirma que o
desenvolvimento e a produção de Produtos de Tecnologia Assistiva (dispositivos
ou sistemas que permitam melhorar a qualidade de vida e aumentar a capacidade
funcional) deveriam ser prioridade. O Parkinson compromete a mobilidade e
estabilidade dos movimentos e, consequentemente, a função manual para atividades
simples como comer. Essa limitação poderia ser mitigada com o desenvolvimento
de artefatos como, por exemplo, talheres adaptados e barras de apoio. Assim, com
investimentos considerados de baixo custo para o sistema de saúde, poderia se ganhar
independência e qualidade de vida (Marques, Fernandes & Paschoarelli, 2021).

O SUS padronizou e universalizou em 1992 a primeira tabela de concessão de


ajudas técnicas/Tecnologia Assistiva. Com isso, retirou a assistência à pessoa com

205
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

deficiência da área da filantropia e a transferiu à rede regular de saúde. Dessa


maneira, o SUS foi reconhecido como o agente principal na inovação e concepção
dos produtos de Tecnologia Assistiva (Brasil, 2009).

6. Atenção integrada para as pessoas idosas a nível comunitário. Orientações


da OMS
Em outubro de 2017, a OMS publicou o Guia Cuidados Integrados para Idosos:
Orientações sobre Intervenções no Nível da Comunidade para gerenciar as perdas
da capacidade intrínseca, o qual contém 19 recomendações de ações (World Health
Organization, 2017). Essas orientações, por sua sigla em inglês, denominadas de
ICOPE (Guidelines on Integrated Care for Older People), foram elaboradas a partir
de revisão sistemática das análises das evidências sobre cuidados integrados e de
metodologia Delphi, para se alcançar um consenso mundial. A ICOPE incorpora a
otimização da capacidade intrínseca e capacidade funcional como a chave para um
envelhecimento saudável. Atualmente, no Brasil, a Coordenação Nacional de Saúde
da Pessoa Idosa (COSAPI) do Ministério da Saúde, em conjunto com o Grupo de
Informação em Saúde e Envelhecimento da Fiocruz, desenvolve um “Instrumento
de Rastreio de Saúde da Pessoa Idosa” baseado no ICOPE.

Na Guia, a OMS assinala que o mundo se uniu em torno da agenda 2030 das Nações
Unidas para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas reconhece
que os mesmos dificilmente serão alcançados sem ações e adaptações estruturais e
sociais (Organização Mundial da Saúde, 2020) e sem considerar o envelhecimento
saudável como o paradigma norteador.

206
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Fonte: Organização Mundial da Saúde (2020).

“A abordagem ICOPE baseia-se no princípio de que as habilidades funcionais podem ser maximizadas quando
os serviços e os sistemas integrarem os cuidados de saúde e sociais para os idosos de forma a poderem responder
às suas necessidades próprias, isto é, com uma abordagem centrada na pessoa. A integração não significa que
as estruturas devam se fundir, mas sim que uma grande variedade de prestadores de serviços deverá trabalhar
em colaboração de forma coordenada dentro de um sistema. ICOPE é uma abordagem baseada na comunidade
que ajuda a reorientar os serviços de saúde e construir sistemas de cuidados a longo prazo baseados em um
modelo de cuidados centrado nas pessoas e coordenado” (Organização Mundial da Saúde 2020, p. 4).

207
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Fonte: Organização Mundial da Saúde (2020).

Em 2020, a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde, 2020) publicou em


português o manual do ICOPE com o intuito de colaborar na implementação das
recomendações. Nele, oferece roteiros de atenção para o manejo de afecções
prioritárias associadas ao declínio da capacidade intrínseca: perda de mobilidade,
má nutrição, deficiência visual, perda auditiva, declínio cognitivo e sintomas

208
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

depressivos. Cada roteiro começa com um teste de triagem, que pode ser realizado
por qualquer agente de saúde ou assistente social alocado na comunidade do
idoso, para identificar os idosos que provavelmente já sofreram alguma perda de
capacidade intrínseca.

O Guia também reconhece que a dependência de terceiros para cuidar de si,


gerada a partir do declínio da capacidade intrínseca e da habilidade funcional da
pessoa idosa, produz um alto custo no bem-estar de seu cuidador, que geralmente
é um parente que reside no mesmo domicílio. Desse modo, dedica um capítulo (11)
à assistência da carga dos cuidadores informais (não remunerados) com a finalidade
de identificar a sobrecarga física e emocional, assim como a deterioração da situação
socioeconômica em decorrência do trabalho do cuidar, para, com isso, encaminhá-
lo à rede de suporte social disponível na comunidade.

Cuidar de quem cuida é importante não apenas para a saúde do cuidador, mas
também para o bem-estar da própria pessoa idosa demandante de cuidados. A
associação entre a sobrecarga do trabalho de cuidar com o abuso e os maus-tratos é
amplamente relatada na literatura (Kosberg, 1988; Lino et al., 2019). Se a sobrecarga
do trabalho de cuidar já se configurava como um grande problema, essa situação
piorou com a chegada da pandemia. No Brasil, conforme demonstrado por Romero
e colaboradores (2022), 27,7% dos cuidadores de idosos com dependência funcional
relataram um aumento acentuado na carga do trabalho de cuidar.

7. Atenção à saúde da pessoa idosa no Brasil: atenção básica e instrumentos


de apoio
Em 2018, o Ministério da Saúde (COSAPI, 2018), coordenado pela equipe da
COSAPI, elaborou um documento intitulado“Orientações Técnicas para a Elaboração
e Implantação da Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Pessoa Idosa no
SUS”, no qual apresenta as ações que devem se seguir para implementar a linha

209
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

de cuidado na Rede de Atenção à Saúde (RAS), tanto na dimensão da organização


da gestão, quanto das equipes de saúde. Tendo como eixos estruturantes a
identificação das necessidades de saúde da pessoa idosa, considerando sua
capacidade funcional, e dos recursos existentes em cada território, o documento
considera imprescindível a efetiva comunicação entre os diferentes pontos da RAS
e das redes intersetoriais, assim como o fortalecimento da capacidade de atenção
da pessoa idosa na Atenção Básica.

No Brasil, segundo Portaria de 2017 (Brasil, 2017), a RAS é definida como “arranjos
organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que
integrados por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir
a integralidade do cuidado e promover a atenção contínua, integral, de qualidade,
responsável e humanizada, bem como incrementar o desempenho do Sistema, em
termos de acesso, equidade, eficácia clínica e sanitária e eficiência econômica”.

O documento da COSAPI explicita que a avaliação multidimensional das pessoas


idosas é de responsabilidade das equipes da Atenção Básica e de Saúde da Família,
de acordo com os territórios de suas referências. Assim, as equipes se incumbem
do papel de disparador e coordenador do processo do cuidado integral dessas,
independentemente do ponto da RAS acessado (COSAPI, 2018). A Atenção Básica,
segundo o documento, também tem um papel importante na saúde da pessoa
idosa quanto à alimentação dos dados do Sistema de Informação em Saúde, ao
planejamento e à avaliação das ações, à avaliação e ao atendimento da saúde
bucal e às atividades de educação e promoção do envelhecimento saudável. Por
fim, pontua a imprescindibilidade de articulação da Atenção Básica com os serviços
domiciliares, ambulatoriais especializados e hospitalares, de modo a dar rapidez no
diagnóstico e na oferta de tratamento adequado.

A Estratégia de Saúde da Família (ESF), programa estruturante da Atenção Básica


brasileira, tem desempenhado importante papel na redução de internações por

210
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

causas evitáveis na população em geral (Pinto & Giovanella, 2018). O efeito positivo
da Atenção Básica na saúde da população idosa também tem sido evidenciado
(Marques et al., 2014; Rodrigues, Alvarez & Rauch, 2019). O indicador, consagrado na
literatura de saúde pública, chamado Internações por Condições Sensíveis à Atenção
Primária (ICSAP) tem contribuído para fortalecer essas evidências. Esse indicador
propõe uma série de agravos e doenças (como diabetes, asma e hipertensão) que com
uma adequada atenção primária não deveriam chegar ao ponto de levar à internação
(Billings et al., 1993). Reduzir o número de internações na população idosa é de
extrema relevância porque nessa faixa etária as hospitalizações representam riscos
para a deterioração das condições de vida e saúde do idoso e até mesmo de óbito.

Em 2008 o Brasil incorporou, através de uma Portaria, o indicador ICSAP como


instrumento de avaliação da atenção primária e/ou da utilização da atenção
hospitalar, como insumo para avaliação do desempenho do sistema de saúde nos
âmbitos Nacional, Estadual e Municipal (Brasil, 2008).

Neste capítulo apresentamos o caso do Rio de Janeiro (RJ) para ilustrar a relação
entre as ICSAP e a cobertura da ESF. Em primeiro lugar, vale a pena mencionar que
até hoje em dia esta última é baixa se comparada com a média nacional que em
2019 era de 64%. Entretanto, o estado do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2018, teve
rápida expansão da cobertura da ESF, passando de 33% a 57% da população coberta
(Gráfico 7).

As ICSAP tiveram uma tendência inversa à da cobertura da ESF. O risco de


internação da pessoa idosa por essas causas passou de 2022 a 1352 (por 100 mil
habitantes), um decréscimo de 43% no mesmo período (Gráfico 7).

Uma recente análise (Mendonça Guimarães et al., 2021), realizada com o objetivo
de avaliar o efeito da Reforma da Atenção Primária à Saúde nas taxas de ICSAP
no município do Rio de Janeiro, comparou três diferentes períodos de tempo
relacionados a importantes mudanças nas políticas de atenção primária no Brasil:

211
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Linha de base (2008–2009); Reforma da Atenção Primária à Saúde (2010–2017); e


Política Nacional de Atenção Primária à Saúde (2018–2019). Os autores concluem
que as mudanças desse último período impactaram na piora do desempenho da
Atenção Básica do Rio de Janeiro, constatada pela redução da taxa de declínio das
ICSAP. Situação similar observamos para a população idosa, entretanto a piora
começou desde o ano 2014 (Gráfico 7).

Apesar do sucesso da expansão da ESF (Macinko & Mendonça 2018), o programa


tem passado por um processo de desmantelamento desde a promulgação da
Política Nacional de Atenção Primária à Saúde de 2017 (Morosini, Fonseca & Lima,
2018). No contexto do Rio de Janeiro, esse processo se deu com ainda mais vigor
(Mendonça Guimarães et al., 2021; Melo, Mendonça & Teixeira, 2019), fato que explica
a constatada redução na cobertura do programa entre 2018 e 2019 (Gráfico 7). Se
as políticas de desmonte do SUS dos últimos anos, em especial da Atenção Básica,
não forem revertidas, no futuro iremos observar o aumento de hospitalizações de
pessoas idosas por causas que poderiam se resolver em ambiente domiciliar e com
equipes da ESF.

Por outra parte, a ESF tem insuficiências para a população idosa. Macinko &
Mendonça (2018) observaram que o exame de visão geral não foi realizado em mais
da metade dos usuários idosos da ESF e menos de um terço dos idosos diabéticos
realizaram exame do pé.

212
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

Fontes: (1) CNES. Estimativas obtidas na plataforma E-gestor. (2) Sistema de Informações Hospitalares (SIH).
Estimativas obtidas no Sistema de Indicadores de Saúde e Acompanhamento de Políticas do Idoso, SISAP-Idoso.

Instrumentos e indicadores, especialmente no século XXI, têm sido propostos para


identificar o risco e a condição de fragilidade da pessoa idosa. A maioria combina
fatores como idade, doenças crônicas e o grau de funcionalidade. Gordon et al.
(2014) identificam que, mesmo com a variabilidade de instrumentos disponíveis,
existe certo consenso internacional quanto à conceitualização da fragilidade física
como a diminuição da força, da resistência e da função fisiológica. A fragilidade
aumenta a chance de desenvolver dependência e/ou morte.

No Brasil, a última versão da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da


Saúde (Ministério da Saúde, 2018) foi criada como um instrumento de autogestão
e autoconhecimento da saúde, assim como uma ferramenta para a Atenção Básica

213
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

identificar os graus de vulnerabilidade dentro do domicílio. Dessa forma, promove


o empoderamento do idoso na prevenção e manutenção da própria saúde, além de
auxiliar os familiares em seu acompanhamento.

A Caderneta permite o acompanhamento longitudinal e o controle de condições


crônicas, identificando e acompanhando agravos, de forma a criar alertas que podem
representar riscos no declínio da capacidade intrínseca e na habilidade funcional.
Desse modo, constitui-se como um instrumento fundamental na elaboração de um
projeto de cuidados específicos, que funcionem no manejo da perda da capacidade
intrínseca de acordo com as necessidades específicas de cada usuário, estando em
linha com as diretrizes propostas pelo ICOPE.

Considerações finais
O panorama epidemiológico realizado no presente trabalho apresentou diversos
- embora não todos - desafios que o envelhecimento populacional gera e, cada vez
mais, irá gerar à saúde pública brasileira. Esses vão desde o manejo da capacidade
funcional à prestação de cuidados, da atenção especial ao aumento da prevalência
das Doenças Crônicas Não Transmissíveis até a resolução de problemas associados
à miséria e à precariedade, como a fome e as doenças negligenciadas.

Embora o país disponha de instituições fundamentais para o enfrentamento


desses desafios, como um SUS público e universal, o sucesso de nossas pretensões,
firmadas em acordos internacionais, leis e na própria Constituição, dependerá de
uma mudança no caminho que temos seguido em anos recentes. O abandono e
o desmantelamento de políticas de prestígio internacional, como a Estratégia de
Saúde da Família, o desfinanciamento do SUS (constitucionalizado pela Emenda
Constitucional n. 95) e a volta da fome, são alguns exemplos que demonstram que
os pilares de uma Saúde do Amanhã sustentável e efetiva estão em xeque. A garantia
de um envelhecimento saudável da população brasileira dependerá de um resgate
e um aprofundamento de nossa seguridade social, com ações que extrapolem o

214
A epidemiologia do envelhecimento. Novos paradigmas?

âmbito da saúde e consigam garantir condições de vida digna de acordo com a


complexidade de cada cidadão.

Em um país de tamanho continental, diverso e desigual como o Brasil, será


imprescindível articular estratégias de atenção à saúde e de cuidado a nível
nacional, em que participem efetivamente os demais entes federados (municipais
e estaduais), de forma a garantir a incorporação de valores locais, capazes de gerar
maior conexão entre os cidadãos e o SUS.

O quadro da pandemia de Covid-19, para além de nos levar a questionar


paradigmas consolidados na epidemiologia e na saúde pública, escancarou as
consequências do abandono das instituições e políticas públicas. A tragédia social,
derivada não da Covid-19, mas do desmonte do aparato e da capacidade estatal,
mostra-nos que envelhecer no Brasil tem sido perigoso.

215
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

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222
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
5
Economia da longevidade: uma ‘resposta
construtiva’ para o envelhecimento
populacional no Brasil
Jorge Félix

A proposta de refletir sobre o futuro da saúde brasileira em uma sociedade


superenvelhecida – como aponta a dinâmica demográfica atual para o país
nas próximas duas décadas – e desenhar cenários vinculados ao contexto
socioeconômico implica, inicialmente, revisitar a interpretação sempre fiscalista
do envelhecimento populacional. A lógica produtivista assume a população idosa
apenas como um custo, uma carga, um segmento dependente. Essa dependência
é matematizada em uma taxa (ou razão) hoje amplamente questionada por certa
literatura econômica, seja por desprezar o potencial da tecnologia na manutenção
da independência e autonomia (Ervik, 2009) ou por ignorar a heterogeneidade da
velhice quanto à renda (Neri, 2007) e à inserção social (Debert, 1999), seja, na outra
ponta, por desconsiderar o trabalho infantil na contemporaneidade, sobretudo nos
países mais pobres (Sen, 2000).

A literatura econômica passou a emprestar cada vez mais complexidade


à razão de dependência e, em busca de maior vínculo com a realidade, passou a
trabalhar com esse indicador estabelecendo correlação com a saúde (estado clínico),
precisamente com a prevalência de doenças demenciais e ainda estabelecendo níveis
ou graus (alta, média, baixa e independente) com base em estudos epidemiológicos,
como o English Longitudinal Study of Ageing (ELSA) (Goodhart & Pradhan, 2020), de
avaliação multidimensional. Esse refinamento metodológico se faz necessário para

224
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

as políticas públicas, uma vez que intenta desenhar um cenário mais realista tanto
do percentual idoso em plena integração à lógica produtiva, incluindo os trabalhos
de cuidados não remunerados, como aqueles, de fato, em situação de dependência,
possibilitando um mapa e um diagnóstico da “economia do cuidado” (Zelizer, 2012),
a qual será abordada mais adiante.

Essa interpretação fiscalista do envelhecimento no campo da economia tem uma


explicação histórica. A economia capitalista demorou a reconhecer as primeiras
fases da vida humana. A criança, como nos conta Ariès (1981, p. 164), só assumiu
um lugar central na família, no século XVIII, por motivos morais relacionados
à ascensão da “preocupação com a higiene e a saúde física”, pois “um corpo mal
enrijecido inclinava à moleza, à preguiça, à concupiscência, a todos os vícios”. A
mão de obra infantil incorporou-se de maneira “natural” ao capitalismo emergente,
e apenas a perspectiva de perenidade da reprodução da classe trabalhadora em
quantidade satisfatória para a ascensão do novo modo de produção fez com que se
reconhecesse, de novo com Ariès (1981), os “sentimentos da infância”.

Nesse século, é preciso lembrar, ainda se faz necessário destacar pelas agências
globais a importância de se reconhecerem, definitivamente, esses sentimentos e
necessidades da primeira infância na constituição cognitiva do indivíduo e, mais uma
vez, as razões apontadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE, 2017) para convencer os gestores públicos de que dizem respeito
à saúde – pois o alerta consiste em risco maior de desenvolvimento de doenças
crônicas degenerativas na velhice para indivíduos sob negligência de toda ordem
na fase pré-escolar. Esse debate revela como é difícil para a economia absorver as
fases da vida consideradas “improdutivas”.

Assim ocorre com a velhice, cujo reconhecimento por parte do Estado tem
origem, no século XVIII, sob o caráter de prêmio e não de direito, quando os militares
franceses foram os primeiros a garantir a concessão de uma aposentadoria e, hoje,

225
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

como já discutido em outra oportunidade (Félix, 2012), esse mesmo espírito da


“aposentadoria como prêmio” ronda a sociedade salarial devido às metamorfoses
da política social (Castel, 2012) observadas desde o fim do século XX. Apenas essa
mutação já seria suficiente, em termos econômicos, para se contestar a assertiva
imposta pela razão de dependência com base única e exclusivamente na idade,
delineando fronteiras rijas de indivíduos em idade para o trabalho e outros em idade
de não trabalho, notadamente na fase adulta, o que insinua que uma sociedade
envelhecida estaria predestinada a uma contrição do crescimento econômico1.
Ou seja, a longevidade deixa de ser interpretada como uma grande conquista da
Modernidade e passa a ser um fator perturbador do capitalismo (Félix, 2019a, p. 105).

A antropologia nos ensina como a valorização da velhice, ao longo da história


humana, variou de acordo com uma visão cultural (Debert, 1999; Schwarcz,
1998). Sejam quais forem o tempo e o espaço, as sociedades tradicionais ou as
pré-capitalistas interpretavam a velhice como geradora de riqueza por acumular
conhecimento (Hecker, 2014). A distinção baseada meramente na idade emerge
parelha à divisão social do trabalho e à necessidade de arregimentar a mão de
obra necessária à instituição da economia de mercado (Polanyi, 2000). Nas últimas
décadas, a ideia econômica da pessoa idosa variou entre a de dependência e
doença, desdobramento da era anterior ao Estado de Bem-Estar Social, e a de uma
suposta “reinvenção” determinada justamente por uma “reprivatização” da velhice
pelo modelo dito neoliberal, como definiu Debert (1999).

A aplicação do avanço tecnológico à medicina, o mapeamento genômico


e a corrida das pesquisas antienvelhecimento para a descoberta do gene da
longevidade (Sinclair, 2021; Sinclair, Scott & Elison, 2021) proporcionaram maior
possibilidade de um envelhecimento saudável e forjaram uma imagem de velhice
quase obrigatória – no dizer de Debert (1999), em uma abordagem extremamente
1 Outro argumento, bem de acordo com a conjuntura contemporânea brasileira, é o fenômeno “nem-nem”, isto é, o contingente de jovens que
nem estudam nem trabalham, ou maduros que nem trabalham nem estão aposentados, em pleno crescimento em número absoluto na popula-
ção, como alertam Camarano e Fernandes (2014).

226
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

individualista. A velhice deixou de ser uma responsabilidade coletiva, por meio do


Estado de Bem-Estar Social, muito bem abrigada pela política de proteção social
(Félix, 2019a; Behring & Boschetti, 2011) e passou a ser uma responsabilidade de
cada um, notadamente para o suprimento de saúde, com crescimento da despesa
off pocket diante do desfinanciamento de sistemas públicos, como também para a
poupança para a redução do risco velhice em sistemas privatizados ou no mercado
imobiliário (Rolnik, 2015).

A reprivatização fortaleceu a visão fiscalista das pessoas idosas por parte do


Estado e da economia e a ilusão de um desaparecimento da velhice do panorama
público, contraditoriamente no momento em que o mundo acelerava a sua transição
demográfica. A velhice tornou-se polissêmica. De um lado, a visão edulcorada de
que todos envelheciam mais e muito melhor, sem dependência, aptos ao trabalho,
ao lazer e a todas as reinvenções depois dos 60; de outro, a de que os idosos eram
um custo, uma carga, um fardo nos ombros de toda a sociedade para justificar a
metamorfose nos sistemas de previdência públicos e o estabelecimento de idades
mais avançadas de aposentadoria (Félix, 2018a).

Essas visões de velhice hipertrofiaram uma economia financeirizada a partir da


ação de investidores institucionais (Chesnais, 2005) ou da fração imobiliária do
capital financeiro (Véras & Félix, 2016). Essas interpretações de velhice são o pano
de fundo para o colapso das hipotecas subprime norte-americanas em 2008, uma
vez que o capital a circular livremente pelas vias expressas da economia global
desregulamentada era, principalmente, a poupança para a velhice acumulada na
esfera privada ou no mercado de capitais (Stiglitz, 2010; Chesnais, 2005). É isso que
explica o fato de o presidente da Associação dos Aposentados dos Estados Unidos
(AARP, em inglês), logo no início da crise financeira global, ir à televisão e pedir ao
Congresso norte-americano para aprovar o pacote bilionário para salvar os bancos
e seguradoras: “Não esqueçam: Wall Street somos nós” (Félix, 2010, p. 85).

227
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A interpretação da velhice importa porque é ela – ao lado de outras


megatendências2 que, em um mundo em processo de envelhecimento populacional
e, no caso do Brasil, em processo acelerado, delineia a economia global, os
modelos econômicos e as nossas limitações e possibilidades de desenvolvimento
econômico. Essa ideia polissêmica sobre a velhice e o envelhecer no século XXI
bloqueia a problematização do neoliberalismo, o debate sobre a necessidade de
se oferecerem “respostas construtivas” para o envelhecimento como recomenda
a OCDE (Klimczuk, 2021) e a adoção de um modelo desenvolvimentista no qual
o envelhecimento populacional possa ser encarado como um gerador de riqueza
a depender da estratégia de política industrial adotada ou, dito de outro modo,
a adoção da estratégia da economia da longevidade (Félix, 2007, 2019a), como
ainda será explorado mais adiante.

Como já explicitado em outra ocasião (Debert & Félix, 2020a), a pandemia de


Covid-19 alterou a ideia de velhice que até então era hegemônica. A gerontologia
no Brasil, em seu processo de estabelecimento como campo do saber, defendeu a
velhice como uma fase de perdas e de invisibilidade social, portanto, dependente
de proteção social. Essa luta foi extremamente vitoriosa quando, em 1988, a pessoa
idosa, pela primeira vez, foi reconhecida como sujeito de direitos na Constituição
Federal e o Brasil estabeleceu um marco normativo na Política Nacional do Idoso
(lei n. 8.842/1994) e no Estatuto do Idoso (lei n. 10.741/2003). Mas a gerontologia
também destacou a heterogeneidade da velhice, pela desigualdade social ou pelas
muitas décadas acrescidas a essa fase da vida devido ao fenômeno da longevidade
e, consequentemente, aos níveis de autonomia funcional3.

Nas últimas décadas, no entanto, como já dito, não sem uma intencionalidade
economicista, prevaleceu no debate público a ideia da reinvenção da velhice sob

2 Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2020), as cinco megatendências do século XXI são a desigualdade, as mudanças climáticas, o
avanço tecnológico, o envelhecimento da população e a urbanização.
3 A Agência de Vigilância Sanitária regulamenta (RDC n. 283) os níveis de dependência de idosos institucionalizados no Brasil em graus 1, 2 e 3,
respectivamente, independente, parcial ou totalmente dependente de terceiros para as atividades da vida diária.

228
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

o discurso de ser uma fase de inúmeras possibilidades, do fazer acontecer agora,


entre outras idealizações, que também foram trabalhadas pela gerontologia em
atividades coletivas com idosos, grupos de atividades, de lazer e de cultura. Essa
narrativa foi positiva para construir uma imagem de independência e autonomia. A
pandemia da Covid-19 fez emergir, todavia, uma velhice dependente, erroneamente
denominada como “grupo de risco” – o que fez absolver outras faixas etárias de
medidas preventivas ao SARS-CoV-2, para justificar a defesa de isolamento horizontal
e aumentar o idosismo, o preconceito pela idade, inclusive no atendimento de
saúde, colocando os médicos em um dilema ético ou mesmo em atitude criminal
(Debert & Félix, 2020a).

Essa outra velhice revelada pela pandemia, por mais paradoxal à primeira vista,
é que vem possibilitando ações econômicas estruturais disruptivas com o dogma
da austeridade fiscal. A pandemia rompeu com o que Woodward (2016) chamou
de “segredo público” em torno da velhice dependente e dos cuidados de longa
duração. Esse segredo, continuando com a autora, é determinado como tal porque
a própria sociedade escolhe segredá-lo. A partir do rompimento desse segredo, a
economia do cuidado entrou na agenda global e vem suscitando políticas estatais
até então rejeitadas pelo mainstream econômico e político.

A necessidade de cuidado mostrou também o quanto o critério de dependência


é válido para todas as faixas etárias. Quem depende de quem, afinal? Todos
passamos à condição de dependência. Como em todo período de crise, essa
situação sanitária traz uma grande oportunidade para as sociedades aproveitarem
o fim da “conspiração do silêncio” (Beauvoir, 1970) sobre os cuidados e reverem
a interpretação econômica sobre a velhice e o envelhecimento da população, de
maneira que se possa delinear e interferir na política pública com uma estratégia que
permita ao país: 1) menor dependência em relação às importações de produtos e
serviços na área do cuidado; 2) adoção de uma política de formação de mão de obra

229
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

para o cuidado; 3) investimentos em pesquisa e desenvolvimento para a inovação


tecnológica em cuidado.

A maior demanda pelo cuidado de longa duração é suscitada pela alteração do


perfil das famílias, com mais idosos e menos crianças. Essa família tem sua cesta de
consumo transformada pela transição demográfica e pela transição epidemiológica.
O foco de uma política industrial, portanto, devem ser os setores nascentes ou
suscitados por essa mudança. É essa a perspectiva dos países ao acionarem essa
estratégia, denominada economia da longevidade (silver economy ou longevity
economy), que tem como finalidade a construção de um complexo econômico
industrial da saúde e do cuidado (Félix, 2018b) e que definirá o papel de cada país
na “geopolítica do envelhecimento” (Félix, 2019a), principalmente em um ambiente
global de incerteza sanitária diante do risco de novas pandemias.

Este ensaio é uma proposta de reflexão sobre esses novos conceitos e suas
possibilidades econômicas com base em um diálogo com a literatura e a exploração
de experiências internacionais em economia da longevidade capazes de serem
adaptadas e emuladas para a realidade brasileira, com o objetivo de oferecer
respostas construtivas para o bem-estar da população idosa.

A construção de um ecossistema de economias


Até a crise financeira global de 2007, as respostas econômicas para o processo de
envelhecimento populacional estavam confinadas ao âmbito da sustentabilidade
dos sistemas de previdência social. Uma nova visão emerge, porém, a partir do
diagnóstico de organismos multilaterais (CEU, 2007), e mesmo economistas do
mainstream (Ostry et al., 2016), das limitações de uma política pública para atender
à totalidade das novas necessidades da sociedade superenvelhecida centrada

230
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

exclusivamente no aspecto fiscal4. Trabalhar por mais tempo, uma das principais
respostas padrão da política de austeridade fiscal, além de partir do princípio de que
todos estarão aptos às transformações tecnológicas laborais e de que todos sairão
ilesos das metamorfoses do mundo do trabalho, ou seja, uma ideia equivocada de
velhice, é uma resposta que esbarra em um teto imposto pela saúde, pela economia
e pela psicologia (Pallier, 2003; Han, 2015; Félix, 2018a).

Outro aspecto a pressionar por respostas para além das lentes fiscalistas é o risco
democrático. A redução de direitos sociais determinada pela política de austeridade
fiscal despertou um populismo político adormecido desde o fim da Segunda Guerra
Mundial pela implantação do Estado de Bem-Estar Social, sobretudo na Europa
(Judt, 2008; Hobsbawm, 1995). É preciso, portanto, equacionar financeiramente esse
seguro coletivo, e para tal as experiências têm demonstrado que é menos efetiva a
crença em delegar essa tarefa ao mercado (Solimano, 2017) do que a necessidade
de elaborar “respostas construtivas” com base em novos conceitos de políticas
públicas, como recomenda a Comissão Europeia (EPRS, 2015).

Um terceiro ponto a colocar em xeque respostas econômicas tradicionais à nova


dinâmica demográfica é a concorrência global agora sob hegemonia da inovação
tecnológica digital. É esse o aspecto central e impulsionador de construção da
economia da longevidade ou de um complexo industrial da saúde e do cuidado, como
logo será abordado em detalhes. Por enquanto, é preciso destacar que paralelamente
à nova dinâmica demográfica, uma grande parte dos países em avançado processo de
envelhecimento populacional vive um processo de desindustrialização e está diante
do desafio da inovação tecnológica, biogenética e digital. Essa é a razão principal a
empurrar os países a perseguirem respostas construtivas para o envelhecimento,
em que o objetivo é obter vantagens competitivas no comércio mundial. Essa

4 No âmbito privado, essa mudança (ou esgotamento) da visão fiscalista para a do potencial de geração de riqueza com base na dinâmica demo-
gráfica foi destacada pela consultoria Technopolis Group em maio de 2018 no documento AAL Market and Investment Report, um estudo para o
Programme Active and Assisted Living, da União Europeia (Technopolis, 2018).

231
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

concorrência motivada pela demografia forja uma “geopolítica do envelhecimento”


(Félix, 2019a, p. 154).

O primeiro passo nesse itinerário é conhecer o ecossistema de economias a ser


construído para fomentar a produção de novos produtos e o oferecimento de novos
serviços capazes de suprir a demanda por atendimento em saúde e cuidados de
longa duração para idosos ampliada pelo envelhecimento populacional e a urgência
de planejamento individual e societal para uma vida, em média, cada vez mais
longa. A economia criativa, a economia solidária, a economia social e a economia
da longevidade são partes desse ecossistema, como aponta Klimczuk (2015). Em
reelaboração desse sistema econômico, foi agregada a economia do cuidado (Félix,
2014, 2019c), agora posta em evidência com a pandemia de Covid-19 (Power, 2020;
Debert & Félix, 2020b; Henau et al., 2016).

Por ecossistema, de acordo com Klimczuk (2021, p. 2), entendem-se as relações


e organizações que moldam a propriedade e os direitos de propriedade (patentes)
dos fatores de produção e distribuição de poder para tomar decisões no campo da
produção de bens e serviços; e determinam-se os incentivos para motivar várias
entidades a tomarem decisões e, finalmente, resolverem os problemas relacionados à
escolha do que produzir, como produzir e para quem produzir. Ao lado das economias
citadas, o autor destaca a emergência dos “sistemas econômicos coloridos”, como a
“economia verde”, a “economia azul” (turismo) e a “economia branca” (saúde); e ainda
a “economia compartilhada” (sharing economy, ou seja, o compartilhamento de
produtos e serviços, cooperação em redes e cocriação) e a “economia circular”.

Desde 2007, como mencionado, os organismos multilaterais recomendam aos


países a ativação desse ecossistema para oferecerem respostas construtivas ao
envelhecimento à margem das questões fiscalistas, assim como ocorreu quando o
conceito surgiu no Brasil (Félix, 2007). As posições, estudos, alertas e recomendações
no campo da economia da longevidade, principalmente em relação à chamada

232
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

indústria 4.0 e sua intersecção com a saúde, foram apresentadas nos anos posteriores
à chamada “Grande recessão” de 2007 e 2008 por entidades como OCDE (2014), G20
(2015), World Economic Fórum (WEF, 2015), United Nations Economic Commission
for Europe (UNECE, 2017) e Oxford (2014), entre outras.

Essa profícua produção de conhecimento e reflexões sobre a economia da


longevidade, no entanto, como destaca Klimczuk (2021), provocou um ruído sobre
a definição do conceito e o confundiu com mera estratégia de marketing em vez de
política pública. No Brasil, o termo silver economy, originado no Japão na década
de 1970, foi traduzido também por “economia prateada” ou “economia grisalha” e
passou a frequentar o vocabulário corporativo quase como um slogan ou palavra
cativante (catchy word ou calling word) para propagar uma imagem positiva do
envelhecimento ou estimular o empreendedorismo alheio às políticas públicas,
como Klimczuk relata ter ocorrido também em outros países.

Dessa forma, é necessário, teoricamente, dedicar algumas linhas à evolução do


conceito, mesmo que em outra oportunidade esse ponto já tenha sido abordado
(Félix, 2019a, p. 163-168). Embora a economia da longevidade (silver economy) tenha
sido definida lato sensu como o conjunto de todos os tipos de produtos e serviços
para atender o bem-estar da população idosa ou em processo de envelhecimento,
essa denotação foi cada vez mais se aproximando do conceito de uma política
industrial. Os governos se mostraram mais interessados em responder à pergunta
estratégica para o desenvolvimento econômico: quem inova?

Klimczuk (2021, p. 6) destaca que os organismos multilaterais e os países


isoladamente viram a necessidade de levar em conta os “efeitos diretos” (ex.: criação
de empregos e geração de receita tributária), “efeitos indiretos” (ex.: promoção
de regiões, fator localização, ativação da economia local e revitalização) e “efeitos
induzidos” (ex.: aumento adicional das despesas causado pelo aumento das receitas
na região) da economia da longevidade. O autor conclui lembrando que a Comissão

233
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Europeia enfatiza que o conceito da economia da longevidade (silver economy)


não se refere apenas ao mercado prateado (silver market), mas a uma estratégia de
desenvolvimento econômico.

No Brasil, esse ruído na compreensão precisa da economia da longevidade


tem provocado um atraso nas possíveis e necessárias ações do Estado e mesmo
impossibilitado a construção desse ecossistema. A pandemia da Covid-19
ampliou essa tensão e expôs ainda mais essa deficiência nacional. O conceito
ainda é completamente ignorado por policy makers, políticos, gestores públicos e
economistas, ainda focados exclusivamente na questão fiscal do envelhecimento,
enquanto amplia-se o gap em relação a outros países – isto é, o Brasil aumenta sua
desvantagem na geopolítica do envelhecimento e perde oportunidades no mercado
global das indústrias emergentes de produtos de alta sofisticação tecnológica
direcionados aos idosos, tornando-se mais dependente à medida que a demanda
avança, como será melhor explorado adiante.

A tendência para as próximas décadas é a adoção da economia da longevidade,


ou seja, uma política industrial com incentivos fiscais e investimento em pesquisa
e desenvolvimento (P&D) por um número cada vez maior de países e de maneira
ainda mais ousada – sempre com a orientação para a exportação. No Reino Unido, a
economia da longevidade faz parte oficialmente da estratégia de reindustrialização
adotada em 2017 (HM, 2017). Na Polônia, faz parte da estratégia oficial de
desenvolvimento nacional para 2030 dentro de um planejamento estatal de saúde
e bem-estar (Klimczuk, 2021). Essas estratégias acionam o ecossistema e têm
interseção com políticas de um “Estado empreendedor”, como define Mazzucato
(2014), assegurando o investimento de longo prazo e a pesquisa básica para a
construção de “campeões nacionais”, sobretudo na área da tecnologia, como
constataram as pesquisas da autora, principalmente quanto à ascensão da Apple.

234
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

Como mostra Coughlin (2017), as gigantes de tecnologia norte-americanas,


como Apple, Microsoft, Google e Amazon, dominam cada vez mais a economia
da longevidade no planeta, com aparelhos e dispositivos capazes de atender às
necessidades básicas da vida diária – e não tarefas sofisticadas ou próximas à ficção
científica – dos idosos. Coughlin aplicou a hierarquia das necessidades de Abraham
Maslow para detectar as palavras mais utilizadas nos estudos publicados pelo
Gerontechnology Journal, publicado pela International Society for Gerontechnology,
e constatou que entre os temas mais comuns nos artigos científicos estão comida,
abrigo e saúde (medical health); em seguida, aparece segurança. Na interpretação
do autor, isso demonstra o potencial da tecnologia para o bem-estar e a saúde dos
idosos (Coughlin, 2017).

Desde 2015, com a criação da empresa Calico, uma startup de biogenética


destinada a descobrir o gene do envelhecimento, o Google foi a gigante tecnológica
mais bem-sucedida em ativar esse ecossistema (Félix, 2015). O Google Ventures tem
algum tipo de investimento em mais de trezentas startups na área de saúde, ciência
ou mobilidade, muitas de alguma forma relacionadas ao tema do envelhecimento.
O anúncio mais divulgado mundo afora foi a compra, em 2014, da Lift Ware Spoom5,
a famosa colher que anula o tremor dos pacientes de Parkinson e permite, assim,
levar o alimento à boca.

Outro feito bastante difundido no mundo foi o prêmio de US$ 50 mil a um


dispositivo criado pelo estudante Kenneth Shinozuka, de 15 anos, para monitorar
pacientes com Alzheimer. O menino criou o aparelho em seu quarto para prender
à meia do avô, que porta a doença; quando pressionado ao chão, um alarme
soa no celular dos familiares, dando conta de que o senhor Shinozuka está em
movimento pela casa durante a noite. O monitoramento de idosos dependentes
é apontado também como uma das maiores utilidades do Google Glass. Filhos e
filhas únicos poderiam interagir com a residência de pais na Europa, por exemplo,
5 Ver: https://www.liftware.com/. Acesso em: 16 mar. 2022.

235
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

enquanto trabalham em empresas do outro lado do planeta ou durante uma


viagem de negócios.

Enquanto este texto é redigido, centenas de idosos brasileiros estão conversando


com a Alexa, o assistente virtual da Amazon, para atenderem a necessidades básicas
do cotidiano que fazem grande diferença em sua saúde e seu bem-estar. A utilização
de comandos de voz pelos idosos em domicílios ou em instituições de longa
permanência é apontada como a grande ferramenta para a saúde e o bem-estar
nas próximas décadas, ampliando o conceito de casas inteligentes – outro setor
promissor para a economia da longevidade (Félix, 2016). A pandemia impulsionou
a utilização dos assistentes devido ao isolamento dos idosos, e a Amazon está
anunciando um empenho para reduzir o preço do produto no Brasil.

A tendência nos próximos anos é o aumento da utilização da Alexa como


ferramenta de robótica assistiva ou teleassistência para idosos, uma vez que o
dispositivo funciona com a tecnologia de aprendizado de máquina (marchine
learning), e quando residências puderem ser, de fato, inteligentes, esses instrumentos
se tornarão aptos a identificar a localização de objetos, desempenhar tarefas
(como já fazem, por exemplo, quando acopladas a iluminação especial e apagam
e acendem as luzes de um cômodo) e monitorar e encontrar pessoas ou acionar
socorro (Coughlin, 2017).

Atualmente, no Brasil, o setor de teleassistência – se é possível considerá-lo um


setor, pois é formado por pouquíssimas empresas de origem nos serviços de vigilância
patrimonial – é limitado em razão do grande nível de componentes importados para
a sua utilização. Esse estorvo ao desenvolvimento de tais tecnologias poderia ser
suprido por um fomento à economia da longevidade por parte do Estado, uma vez
que o Brasil tem grande potencial acadêmico nas pesquisas em robótica social e/ou
assistiva para os cuidados ou para a saúde (Félix, 2017), inclusive com importantes
prêmios internacionais.

236
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

De maneira alguma trata-se de substituição da mão humana pelas mãos de aço


na tarefa dos cuidados ou, como dito, qualquer coisa próxima aos filmes de ficção
científica. Coughlin (2017) tem dúvidas quanto aos robôs companheiros estarem
aptos a ser comercializados até 2030. Até lá, trata-se, portanto, da adoção de
ferramentas auxiliares na tarefa do cuidado, de medicina preventiva, socialização
da pessoa idosa, monitoramento de várias atividades relacionadas à saúde, como
adesão a tratamentos e medicamentos, por exemplo, e saúde mental, com abertura
de possibilidades de lazer e mobilidade. Esse segmento é denominado robótica de
serviços e, de acordo com Masiero (2018), poderia se constituir promissor no Brasil
para reduzir os gastos públicos e privados em saúde.

O envelhecimento populacional, ainda de acordo com o autor, é um dos fatores


de maior impulsão a esse segmento da robótica. Até então a robótica tinha seu foco
na indústria (substituição de mão de obra), e agora, alerta Masiero (2018), volta-se
para os robôs de serviço. A International Federation of Robotics (IFR) define robôs
de serviços como qualquer robô que esteja fora de um cenário industrial. Esses
equipamentos estão em hospitais, hotéis, escritórios, residências e na agropecuária.
A Alexa seria um pequeno exemplo do potencial desses robôs. Assim, destaca
Masiero, amplia-se a necessidade de pesquisas sobre a interação humanos-robôs
centrada no usuário. Técnicas de experiências, controle e inteligência artificial são
empregadas com o intuito de garantir mais qualidade no contato dos humanos
com a tecnologia.

Masiero (2018) desenvolveu o método Personas, aplicado em estudo de caso


baseado em um cenário doméstico, em que um robô interage por meio de voz e
tem navegação totalmente autônoma. A técnica é utilizada para identificar o perfil
do usuário, e um classificador bayesiano é apresentado como meio de ilustrar
a proposta de uma parte da etapa de tomada de decisão do robô. A conclusão
do experimento demonstrou significativa mitigação de riscos e amplo leque de
utilização nos cuidados pessoais. No entanto, como em outras áreas, a evolução

237
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

dessas pesquisas básicas depende de uma política industrial contínua e estratégica


– e eticamente, de uma Política Nacional de Cuidados no Brasil e uma Robo Law,
como define a Comissão Europeia (European Parlament, 2016).

Apesar da imensa exclusão digital do segmento idoso, uma estratégia de economia


da longevidade deve levar em conta a utilização desses serviços ou dispositivos
digitais pela família, pelos profissionais de cuidado e de saúde, ampliando assim
o potencial de mercado. É esse o escopo da gerontecnologia, uma subárea da
gerontologia, âmago dessa estratégia industrial (Klimczuk, 2012)6. A economia da
longevidade avança na área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), pois
uma vez que a tecnologia é a intermediadora de quase tudo na vida contemporânea,
também o será nos cuidados de longa duração para idosos.

Como já explorado em outras ocasiões (Félix, 2016, 2019b), a França é considerada


um benchmark pela Comissão Europeia. O país implementou sua estratégia em 2013
mediante uma articulação dos ministérios da Economia, Recuperação Produtiva e
Digital e o da Solidariedade e Saúde (Bernard, Hallal & Nicolaï, 2013). Há nove anos,
o país promove a conexão entre sua estratégia de economia da longevidade com
aceleradoras de startups, prêmios de inovação a jovens empreendedores, incentivos
e renúncia fiscal e investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), sobretudo
por meio dos programas Horizon 2020 e, agora, Horizon 2030, da União Europeia,
e com a estratégia nacional FranceTech, que resultou em numerosas patentes em
robótica social ou teleassistência.

Depois da Covid-19, o presidente Emmanuel Macron anunciou a ampliação da


política industrial no âmbito da saúde com metas ousadas de busca de autonomia,
como a de autossuficiência em paracetamol até 2023 – uma forma de se preparar
para futuras pandemias (FT, 2020). Embora o país, como boa parte das nações mais
ricas do planeta, sofra as consequências de um processo de desindustrialização,

6 Ver: www.sbgtec.org.br. Acesso em: 16 mar. 2022.

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Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

o governo francês tem obtido resultados de suas estratégias FranceTech e silver


économie com registro de patentes e inovações promissoras. Tais ações ocorrem
paralelas a uma política de cuidados, com valorização da mão de obra, embora ainda
tímida, e fomento à inovação que possa mitigar a penúria, como definiu o jornal Le
Monde, de pessoal para o atendimento a idosos7.

O investimento na pesquisa em robótica tem produzido uma quantidade de


informações sobre a relação humano-robô que acabam arando o terreno para a
inovação. Em 2021, a França atingiu 25 unicórnios8, isto é, empresas que alcançam
a avaliação no mercado de capitais de US$ 1 bilhão ou mais – algo raro – e deixam a
categoria de startup (Folha de São Paulo, 2022).

Um dos exemplos é a empresa francesa Auxivia9. Há sete anos, ela surgiu como
startup e venceu a Burse Charles Foix, prêmio promovido pela organização não
governamental (ONG) Silver Valley, Île-de-France, uma aceleradora de startups
direcionada exclusivamente à economia da longevidade, financiada pelo Estado
(por meio da Caisse Nationale d’Assurance Vieillesse) e pela iniciativa privada10.
O principal produto da Auxivia é o eVe, um copo (verre, em francês) conectado à
internet para medir a quantidade de água bebida pela pessoa idosa, lembrá-la ou a
seus cuidadores de beber líquido e, assim, mitigar o risco de desidratação – um grave
problema na saúde pública das sociedades envelhecidas. A Auxivia hoje fornece o
eVe por assinatura, para Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs ou
Ephads, na sigla em francês)11 . Em 2016, abriu o capital em uma plataforma digital,
beneficiando-se de isenção de impostos para seus novos acionistas.

7 Não apenas na França, mas pelo menos nas seis principais economias europeias (Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Países Baixos e Espanha),
verifica-se essa penúria. Entre 1/02/2020 e 13/10/2021, enquanto houve queda na oferta de vagas para os setores de aviação (-38%), beleza (-10%)
e hotelaria e turismo (-6%), nos chamados serviços à pessoa aumentou a oferta em 52%, segundo a Eurostat (Le Monde, 2021).
8 O termo foi criado em 2013 pela investidora norte-americana Aileen Lee, fundadora da Cowboy Ventures, em artigo no jornal The New York Times
(NYT, 2015).
9 Ver: https://auxivia.com/. Acesso em: 16 mar. 2022.
10 Ver: https://www.silvereco.fr/ e https://silvervalley.fr/. Acesso em: 16 mar. 2022.
11 Établissements d’Hébergement pour Personnes Âgées Dépendantes (Estabelecimento para Abrigo de Idosos Dependentes).

239
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Outros exemplos de sucesso vêm de inovações digitais para gestão e


fortalecimento das ILPIs. É o caso da Ubiquid, um software para a administração de
lavanderias das instituições e rastreamento de peças de roupas por meio de código
de barras. O software traz a programação em inúmeros idiomas, com destaque
para línguas de imigrantes, pois esse segmento se constitui na maioria da mão de
obra para essa função dentro dos residenciais de idosos. O processo de inovação
da Ubiquid é baseado no método de resolução de problemas, assim como quase
todas as startups premiadas pela Burse Charle Foix, patrocinada pelo maior hospital
público de Paris.

A iniciativa francesa teve início com a convocação dos ministérios citados de todas
as grandes empresas francesas, estatais e privadas, além de outros atores principais
no campo do envelhecimento depois da crise sanitária nacional provocada pelas
canicules (a pior delas em 2003), quando centenas de idosos foram encontrados
mortos solitários em suas residências. Essas crises sanitárias provocaram uma
mobilização nacional para a busca de soluções. O Estado demandou das empresas
participação e inovação na economia da longevidade.

Uma das iniciativas bem-sucedidas foi o serviço em domicílio de avaliação


multidimensional da saúde da pessoa idosa desenvolvido pela La Poste, os correios
da França e uma das maiores empresas estatais do país. “A visita do carteiro em
domicílio” (La visite de facteur à domicilie) surgiu depois de constatado que idosos
na região rural proibiam visitas em suas propriedades e apresentavam baixa adesão
a medicamentos e tratamentos. No entanto, esses idosos mantinham uma relação
de confiança com os carteiros, que, por meio de um questionário de avaliação
multidimensional, passaram a oferecer o serviço similar ao de um(a) agente
comunitário(a) de saúde ou um(a) voluntário(a) da Pastoral da Pessoa Idosa, para
citar semelhanças com os mesmos serviços do Brasil. La Poste oferece de uma a seis
visitas ao mês no valor de 19,90 euros a assinatura (La Poste, 2022).

240
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

As informações colhidas nas residências dos idosos são notificadas à autoridade de


saúde. O serviço, assim, é um importante instrumento de pesquisa epidemiológica,
uma ferramenta para redução dos gastos em saúde, e gerou uma nova fonte de
receita para a empresa. “A visita do carteiro” suscitou, inclusive, o desenvolvimento
de uma linha de serviços à pessoa agora oferecidos pelos correios franceses, como
teleassistência, entrega de refeição com cardápio predefinido, inclusão digital
e orientação jurídica. Esses encontros de convívio permitem criar novos laços,
ampliar a socialização de idosos isolados e informar filhos ou parentes alhures. As
pesquisas feitas com familiares revelam 95% de satisfação com o serviço misto de
teleassistência e assistência presencial.

Todos os meses, os idosos-clientes do serviço recebem gratuitamente o jornal


da família Famileo. Criado com base em fotos e mensagens inseridas por familiares
por meio de um aplicativo de celular, o jornal é impresso e entregue em mãos pelo
carteiro durante sua visita. Anedotas, momentos preciosos, notícias da comitiva,
o jornal reúne novidades de toda a família e se constitui em uma verdadeira rede
social privada. Esse exemplo francês indica que o serviço de cuidado em domicílio
é um importante instrumento de medicina preventiva e tem grande potencial de
geração de receita quando acoplado às TICs por meio de aplicativos digitais.

Nas sociedades superenvelhecidas, a gerontecnologia é a estratégia para suprir


ou mitigar a crise do cuidado, por isso é considerada área fundamental para a
economia da longevidade (Klimczuk, 2012). No Japão, o déficit de mão de obra
para o cuidado é calculado em trezentos mil profissionais até 2025, o que fez o
governo, em 2015, destinar US$ 720 milhões em recursos extras para a economia
do cuidado. No mesmo ano, os ministérios da Indústria e da Saúde aportaram
um terço do orçamento anual para a P&D em robótica para o cuidado de longa
duração subsidiando protótipos da Toyota e da Honda, destaca Coughlin (2017).
De acordo com o autor, o melhor resultado dessa política industrial é o Robear,
desenvolvido pelo instituto Riken, capaz de retirar uma pessoa da cama e colocá-

241
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

la na cadeira ou cadeira de rodas e vice-versa, uma tarefa que se torna difícil de


ser desempenhada pela mão de obra de cuidadoras cada vez mais envelhecida no
Japão ou cuidadoras familiares.

Um exemplo da eficácia da gerontecnologia para o cuidado de longa duração


sem nenhum exercício de futurologia distópica da aplicação de robôs dos filmes de
ficção científica é o Paro12, projetado por Takanori Shibata do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia Industrial Avançada do Japão (AIST) em 1993 e apresentado
ao público pela primeira vez em 2001. O equipamento consiste em uma foca com
revestimento de um tecido macio capaz de trazer imediato conforto pelo tato e,
mediante sensores, responder à voz humana, por exemplo, abanando a cauda. Paro
é registrado como um dispositivo médico de classe 2 (não medicamentoso) pelas
agências reguladoras dos Estados Unidos.

Em numerosas pesquisas, a foca Paro foi efetiva para o simples lazer e


entretenimento de idosos institucionalizados ou para o tratamento de pacientes
com demência, e ainda como alívio a pacientes em momento de quimioterapia
(Coughlin, 2017). Pesquisa realizada em ILPIs nos Países Baixos constatou grande
eficiência do Paro. Três casas de repouso usaram a foca robô como objeto lúdico em
reuniões de grupos de moradores, sempre com um cuidador presente e auxiliando
na interação. Em uma casa de repouso, Paro foi considerado eficaz para diminuir
a ansiedade de um residente em situações específicas, como se vestir. O cuidador
percebeu que o Paro foi capaz de acalmar o residente e facilitar a conversa, o que
ajuda o idoso a se perceber como um participante ativo. Nesse sentido, Paro tem
um valor instrumental ao ajudar o cuidador a prestar um cuidado de alta qualidade,
trazendo bons momentos ao residente pelo menos por um curto período de tempo
(Niemelä, Ylikauppila & Talja, 2016).

12 Ver: http://www.parorobots.com/index.asp. Acesso em: 16 mar. 2022.

242
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

Numerosos estudos randomizados foram desenvolvidos pela equipe do criador


do Paro também atestando sua eficiência (Shibata et al., 2015). O Paro é um exemplo
bem-sucedido da ativação do ecossistema, pois une a economia da longevidade,
a economia do cuidado e a economia criativa, uma vez que seu design universal
foi desenvolvido por mulheres artesãs japonesas e cada unidade do robô tem um
rosto próprio. Entretanto, suscita ainda mais questões éticas, como lembra Coughlin
(2017, p. 238) ao citar trabalho específico de Sherry Turkle. A questão relevante aqui,
no entanto, é a produção de conhecimento proporcionada pelas pesquisas do Paro
e o quanto esses resultados podem alavancar outros produtos e serviços para os
cuidados nas próximas décadas. E ainda o potencial de exportação do produto, que
já está em mais de trinta países, apesar de uma presença de cinco mil unidades.

Exemplos de robótica companheira ou inteligência artificial podem insinuar


erroneamente que a integração da economia da longevidade em uma estratégia
de construção de um complexo industrial se daria apenas por produtos de
alta complexidade tecnológica. A análise da cesta de consumo das famílias em
uma sociedade envelhecida nas próximas décadas privilegiará produtos de uso
cotidiano não tecnológicos, porém ainda com alto nível de componentes/matéria-
prima importados, revelando uma dependência excessiva do país, pressionando o
orçamento familiar e os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) e do SUAS (Sistema
Único de Assistência Social).

Um produto exemplar são as fraldas geriátricas, ainda com componentes


importados ou tecnologia estrangeira. E um ponto para reflexão sobre o aumento do
consumo nas próximas décadas é o tempo em que uma criança usa fraldas e quantos
anos um adulto pode precisar fazer uso delas. É um dos produtos de maior peso no
orçamento familiar, no SUS e no sistema privado, constituindo-se atualmente até
em objeto de judicialização por recusa de cobertura por parte de planos de saúde.

243
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A tendência a médio prazo é de uma elevação do custo do produto em razão das


exigências da indústria de cumprir com parâmetros de sustentabilidade ambiental
e utilização de matéria-prima biodegradável ou reutilização, o que exige uma
reestruturação com base na pegada plástica13 – ou seja, ativação da economia circular.
É preciso destacar que o mercado brasileiro é totalmente dependente das gigantes
multinacionais que, durante a pandemia de Covid-19, apresentaram problemas de
fornecimento (sobretudo devido ao colapso da cadeia global de matérias-primas)
ou elevaram preços, fazendo com que consumidores de baixa renda e ILPIs fossem
obrigados a recorrer a fraldas de tecido. Esse problema agravou os desafios de
gestão de ILPIs e a crise de mão de obra para o cuidado no Brasil, onde os idosos só
puderam contar com a sociedade civil, como já apontado em outra análise (Debert
& Félix, 2022).

O Complexo Econômico-Industrial da Saúde e do Cuidado (Ceisac)


Na perspectiva das próximas décadas diante da dinâmica demográfica
brasileira e da configuração de uma geopolítica do envelhecimento, o desafio
ao desenvolvimento econômico é a ativação do ecossistema de economias para
suprir as demandas da nova cesta de consumo das famílias em uma sociedade
superenvelhecida e promover uma inserção do país na competição global com
redução de dependência. É preciso insistir, aceitando aqui o risco de um estilo
repetitivo, que a economia da longevidade, de acordo com a literatura internacional
(HM, 2017; European Commision, 2015a; Bernard, Hallal & Nicolaï, 2013), propõe a
adoção da estratégia de reindustrialização com base na dinâmica demográfica e na
inclusão dos cuidados prolongados nessa construção como um subsetor emergente
– logo, a formação de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde e do Cuidado

13 Os estudos de gestão ambiental usam o indicador da pegada ecológica (ecological footprint) para medir o impacto da ação humana no meio
ambiente. Esse indicador, ao longo do tempo, ganhou variantes de acordo com o tipo de interferência, como pegada plástica, pegada de carbono,
etc, ou de impacto em determinado componente natural, como pegada hídrica, por exemplo (Bassi, 2014).

244
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

(Ceisac) (Félix, 2018a) com ênfase na sofisticação produtiva, pois a desindustrialização


brasileira tem se verificado justamente nos segmentos mais tecnológicos.

Assim, é inevitável um diálogo com a reflexão de Gadelha (2021) a respeito


do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis). Antes de iniciá-lo, considera-se
pertinente ressaltar a crescente incorporação da questão do cuidado pelo campo
da economia. Entende-se aqui que é essa transformação teórica, verificada na
última década e meia, que tem sido fundamental para dar sustentação às políticas
industriais adotadas na Europa, nos Estados Unidos, principalmente, e na Ásia.
Ela decorre de questionamentos à teoria econômica mainstream que emergiram
depois da crise de 2007-2008, como a teoria monetária moderna, e também de
outras interpretações laureadas com o Nobel, como a economia dos pobres (Duflo
& Banerjee, 2021), a economia do bem comum (Tirole, 2020) e novos achados como
o conceito de mortes por desespero (Deaton & Case, 2020), todas interpretações
lastreadas por estudos sobre a desigualdade social (Sen, 2000; Atkinson, 2015;
Piketty, 2013, 2019; Stiglitz, 2012) – tema que retornou ao cenário depois de expulso
do debate pelo thatcherismo. Toda essa literatura econômica, supreendentemente,
sobretudo para aqueles alheios aos estudos gerontológicos, incorporam o cuidado
de longa duração como um componente relevante para o Produto Interno Bruto
(PIB) das próximas décadas e fator determinante de desigualdades sociais – nas
sociedades e entre os países.

Deaton (2017) alerta para a importância de se dar a devida atenção aos serviços
de saúde e de cuidado no PIB com a perspectiva de uma crescente longevidade
e questiona se as novas tecnologias estão de fato melhorando a vida de todos
ou ampliando as desigualdades. Ao discutirem a produtividade e a qualidade
dos empregos nas próximas décadas, Duflo e Banerjee (2020, p. 373) afirmam
que parece provável que os robôs nunca venham a ser inteiramente capazes de
substituir as mãos humanas no cuidado de crianças muito pequenas e de idosos
muito velhos, “embora possam complementá-lo de maneira bastante eficaz”; no

245
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

entanto, continuam, “o cuidado de idosos é sem dúvida um objetivo social valioso


que tem sido mal atendido”.

À medida que os cuidados prolongados vão sendo absorvidos em uma nova


interpretação da economia, os países – sobretudo depois da pandemia de Covid-19
– consagram estratégias e recursos orçamentários para uma prioridade ao setor no
esforço de retomada do crescimento econômico. Embora a França, como visto aqui,
e também Alemanha, Reino Unido, Espanha e Canadá, entre outros países, trilhem
o mesmo caminho, o exemplo dos Estados Unidos, com a ascensão de Joe Biden
ao poder, tornou-se mais evidente na literatura (Carvalho & Barbosa, 2021), e essa
política – no que diz respeito à indústria na área da saúde e do cuidado, nada além
de uma estratégia de economia da longevidade – recebeu o rótulo de Bidenomics.

No campo do envelhecimento e do cuidado, é preciso lembrar que essa é uma


política de continuidade de uma ação iniciada no mandato de Barack Obama e
referendada na Conference on Aging, realizada na Casa Branca, em 15 de julho
de 2015, quando o então presidente da República deu ênfase em seu discurso à
economia da longevidade (longevity economy), dentro das metas para 2030. O tema
foi incluído na agenda do governo como uma espécie de continuidade do chamado
Obamacare, o Affordable Care Act de 2010 (WH, 2015), que criou um plano de saúde
estatal para suprir as deficiências dos sistemas públicos Medicare e Medicaid, e a
exclusão crescente de pessoas do sistema privado. Naquele momento, cerca de 44
milhões de norte-americanos estavam sem nenhum tipo de proteção de saúde,
e em 2020, ainda eram 28 milhões, 8,6% da população total (Census, 2021). Esse
percentual de norte-americanos cai num limbo do sistema, pois não têm acesso
aos programas públicos nem têm trabalho formal que lhes garanta o seguro-saúde
como direito trabalhista.

Com base em uma reflexão sobre o papel do Estado planejador intuído na


Bidenomics, Gadelha (2021) faz sua exposição e defesa do Complexo Econômico-

246
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

Industrial da Saúde (Ceis). O objetivo deste ensaio, a partir daqui, é estabelecer


conexões entre a economia da longevidade e o Ceis, uma linha de pesquisa já iniciada
em outro momento (Félix, 2018b) e estabelecida segundo uma visão do Novo-
Desenvolvimentismo (Bresser-Pereira, 2018), cujo objetivo principal resumidamente
é a reindustrialização como condição sine qua non para a saída do Brasil de uma
quase estagnação econômica verificada desde os anos 1990.

O primeiro ponto destacado por Gadelha (2021, p. 85) é a centralidade da saúde


na estratégia de desenvolvimento do governo Biden e seu papel de relevância na
“geopolítica da inovação” que abre uma “janela de oportunidade” para o Brasil,
mas também se constitui – com o perdão do lugar-comum – como ameaça global
e amplia o risco de países em desenvolvimento e, acrescenta-se, em processo
de envelhecimento acelerado estarem condenados ao confinamento de suas
economias em setores de baixa produtividade, obviamente hipertrofiando a
dependência estrangeira de produtos complexos ou sofisticados. Todo esse
raciocínio, como tentou-se apresentar nas seções anteriores, também é válido
para os cuidados prolongados, a despeito de doenças ou prevenção. Os cuidados
também se apresentam como “serviços mais complexos [que] possuem uma lógica
industrial” e devem ser levados em conta em uma construção de cadeia produtiva, pois,
a médio e longo prazos, serão um “espaço diferenciado e dinâmico de acumulação de
capital” (Gadelha, 2021, p. 85), tanto como a saúde propriamente dita.

Para corroborar os argumentos de Gadelha e defender a inclusão dos cuidados


prolongados na perspectiva do Ceis, vale aludir ao princípio constitucional citado
pelo autor. Assim como a saúde é um direito básico de cidadania e uma conquista
civilizatória, o cuidado também o é, de acordo com os artigos 229 e 230 da
Constituição Federal, sendo também responsabilidade da sociedade e do Estado
suprir deficiências e carências, uma vez verificadas, que impossibilitem a família de
cumprir seu dever de amparo da pessoa idosa. Se o direito à saúde norteia a criação
do SUS, o cuidado à pessoa o faz com o SUAS. Os dois sistemas dialogam e ampliarão

247
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

esse diálogo em termos de potencial econômico-industrial. Ainda é cedo para se


conseguir mensurar todas as possibilidades à frente com a Inteligência Artificial (IA),
a evolução das TICs, a biogenética e a robótica assistiva ou social (ou companheira).
Gadelha (2021) alerta para a interpretação do bem-estar como parte da estrutura
econômica, e é preciso sublinhar a presença do cuidado – a despeito de doenças –
na construção desse conceito.

Assim como é a base constituidora da gerontologia, o cuidado o é para a


economia, portanto está longe, tanto como a saúde, de ser apenas despesa ou
desafio diante da escassez. Constitui-se também como fonte de geração de riqueza.
A incorporação do cuidado no Ceis, paradoxalmente, ao mesmo tempo que apagará
uma fronteira fictícia entre o que é saúde e o que é cuidado – origem de tensão na
gestão pública –, colocará ainda mais em evidência essa mesma fronteira, isto é, fará
romper um silêncio, voltando a Beauvoir (1970) e Woodward (2016), já citadas, sobre
os cuidados, inclusive em sua dimensão mercadológica.

A pandemia de Covid-19, como lembra Gadelha (2021), evidenciou a existência


de uma base econômica e material em saúde muito crítica para viabilizar o acesso
da população e a própria sustentação estrutural do direito à saúde e, de modo mais
amplo, do próprio direito à vida. O mesmo ocorreu com os cuidados de crianças e,
principalmente, de idosos, sempre enxergados, como dito, com as mesmas lentes
fiscalistas que têm uma “visão míope”, como aponta o autor, sobre a saúde. Essa
deturpação fortalece a retórica contra o SUS e contra a inclusão do cuidado como
um pilar da seguridade social (Camarano, 2010), com o argumento de que esse
direito “não cabe no PIB”, sem jamais observar o potencial estratégico.

Antes de se deter nesse aspecto, dando continuidade ao paralelo que se


pretende fazer com a pesquisa de Gadelha (2021), é preciso dedicar algumas
linhas às dificuldades e resistências à construção do Ceis e, consequentemente, de
um eventual Ceisac. Em outras palavras, destacar a rejeição da economia liberal à

248
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

adoção de políticas industriais sempre com a justificativa de que qualquer ação


nesse campo será obrigatoriamente protecionista (Schymura et al., 2007), algo já
explorado e negado pela literatura ao analisar experiências internacionais (Szlajfer,
2012; Wade, 1990 ; Chang, 2004; Amsden, 1989; Johnson, 1982; Reinert, 2016).

Mesmo depois da pandemia de Covid-19 e diante de ações de outros países, como


citado, várias foram as manifestações contrárias à adoção de políticas industriais ou
de iniciativas por parte do Estado para fomentar a inovação na área da saúde. Em
vez disso, a receita recomendada por esses críticos foi a de “mais abertura comercial”
(Rios, 2020). Essas manifestações meramente opinativas, sem passagem pelo devido
crivo científico (submissão a journals e avaliação às cegas) vieram corroborar a
retórica tradicional na economia (Bacha, 2012) ou posturas militantes de integrantes
do governo federal.

O debate sobre a desindustrialização foi aquecido pela saída da Ford do país,


no início de 2021, e pela declaração do então presidente do Instituto de Política
Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger, em defesa das vantagens
comparativas ricardianas em detrimento do desenvolvimentismo (Valor Econômico,
2021). Na opinião de Doellinger, o Brasil deve “esquecer a indústria” e voltar-se para
a exploração de recursos naturais (agropecuária e mineração), isto é, acentuar o
retrocesso primarizante.

Essa foi apenas mais uma manifestação contra a indústria por parte de integrantes
do governo Jair Bolsonaro. Em 2019, o presidente da Petrobras, Carlos Castello
Branco, referindo-se ao seu setor, disse que o país precisava “abandonar o fetiche da
indústria” que prejudicava a extração mineral (Folha de São Paulo, 2019). A despeito
de a participação da indústria de transformação no PIB bater os 11,3% em 2018,
mesmo percentual de 1947 (Iedi, 2019) – como se toda a indústria automobilística
erguida nos anos 1950 tivesse simplesmente desaparecido –, muitos economistas

249
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

acreditam que o desenvolvimento econômico sustentável e os desafios demográficos


podem ser vencidos com a exportação de soja e minério de ferro.

Em outros países, a adoção de políticas industriais – mais ou menos nacionalistas


ou holísticas – é mais comum. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento (Unctad) mapeou, entre 2008 e 2016, 114 estratégias em uma
centena de países que, juntos, correspondem a 90% do PIB global, sendo que 74%
delas foram adotadas após 2013 (Iedi, 2021). Alguns críticos preferem assumir uma
incapacidade de a indústria nacional produzir bens sofisticados ou competitivos
(Bacha, 2012) e optam pela dependência crônica sem nenhuma pretensão
ao catching up (alcançar os desenvolvidos), isto é, são resilientes à submissão
tecnológica. Outros, mais flexíveis, aceitam a política industrial desde que voltada
para a exportação (Menezes Filho, 2021), mergulhando o debate na dicotomia
domestic-led versus export-led, uma armadilha simplesmente ignorada pelos países
ricos (Reinert, 2016)14 .

A resistência à política industrial é, no entanto, contraditória no discurso liberal, pois


esse mesmo receituário destaca com veemência – e corretamente – a importância da
produtividade no enfrentamento do envelhecimento populacional. Se a opção pela
alocação de recursos substituir a política industrial exclusivamente pela educação,
preferindo o retrocesso primarizante, como alocar um suposto contingente de
cidadãos bem-educados em empregos de qualidade ou de alta produtividade sem
indústrias sofisticadas? Seria impossível fechar essa equação nas próximas décadas.
Se a demanda por trabalhadores para os cuidados de longa duração será crescente
e se essa tarefa ganhará cada vez mais sofisticação tecnológica, como absorver esse
custo elevado na atividade fim (no domicílio, no setor público ou no privado) e pagar
bons salários a essa mão de obra tendo como base da economia apenas setores de
menor produtividade? O investimento em educação e na pesquisa, portanto, faz

14 Sobre críticas a essa dicotomia, ver: Bresser-Pereira, Marconi & Oreiro (2016, p. 169-181).

250
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

parte do acionamento do ecossistema, segundo uma lógica de interação da ciência


e da indústria.

No setor da saúde, esse potencial é destacado por Gadelha (2021) quando


desenha um sistema econômico, produtivo e de inovação de bens e serviços
qualificados, envolvendo as indústrias de base química e biotecnológica articulada
pela indústria farmacêutica na produção de ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs)
químicos e biotecnológicos, vacinas, produtos para diagnóstico e de base mecânica
e eletrônica (equipamentos e instrumentos). A produção industrial se realiza na
prestação de serviços em saúde, como lembra o autor, jamais de “forma passiva”, isto
é, configurando uma “nova economia política dos serviços”, no dizer de Kon (2015),
na qual os antigos setores secundário e terciário estão cada vez mais amalgamados.
Em outras palavras, a desindustrialização comprometeria uma evolução sustentável
de uma economia de serviços, como o Brasil se revela a cada ano.

Essa cadeia de indústria-serviço no setor de saúde funciona, ainda segundo


Gadelha (2021), de modo articulado e análogo, como cita o autor, à confluência das
montadoras e do complexo automotivo, envolvendo as atividades de promoção,
prevenção e atenção à saúde, mediante a prestação de serviços especializados
que envolvem desde a atenção básica, passando pelas atividades de diagnóstico,
até a prestação de serviços de alta complexidade em âmbito hospitalar. Cadeia
semelhante é constituída para os cuidados de longa duração, embora sem uma
estrutura hierárquica como ocorre no SUS, mas uma espécie de estrutura voluntária
ou informal e, sobretudo, privada, de cuidados informais (familiares), cuidados
formais (profissional cuidadora), moradias assistidas (ILPIs) em diversos níveis de
dependência e autonomia da pessoa idosa. A cadeia do cuidado precede a da saúde
ou atua paralelamente a ela (Quadro 1). Dessa maneira, assim como o campo da saúde,
os serviços de cuidado serão, como apontados nos exemplos já citados, complexos
e densos em conhecimento, organizando-se segundo uma lógica industrial e como

251
ou atua paralelamente a ela (Quadro 1). Dessa maneira, assim como o campo da saúde, os servi
cuidado serão, como apontados nos exemplos já citados, complexos e densos em conhecim
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
organizando-se segundo uma lógica industrial e como um espaço de inovação oferecendo os m
umriscos
espaço de inovação oferecendo
e oportunidades por meio da os mesmos
economia dariscos e oportunidades por meio da
longevidade.
economia da longevidade.

Quadro
Quadro 11 –– Comparativo
Comparativobásico
básicododo Ceis
Ceis e do
e do Ceisac
Ceisac

Ceis Ceisac
Direito à saúde Direito ao cuidado
Geopolítica da inovação Geopolítica do envelhecimento
Serviços complexos e lógica Gerontecnologia
industrial
SUS SUAS e debate sobre cuidado
como 4º pilar da seguridade
social
Base química, biotecnológica, Base mecânica, eletrônica, IA,
mecânica, eletrônica TIC e robótica assistiva
Promoção e prevenção e Prevenção, atenção e inserção
atenção integral social com foco no bem-estar
Garantir maior independência do Evitar dependência do mercado
mercado externo externo nas próximas décadas
Fonte: Elaborado pelo autor.
Fonte: elaborado pelo autor.

O mercado de inovação em cuidado coexiste com o da saúde e depende também


O mercado de inovação em cuidado coexiste com o da saúde e depende também
de um processo criativo e intenso em conhecimento no âmbito dos serviços e
processo criativo e intenso em conhecimento no âmbito dos serviços e práticas e de cuidados de
práticas e de cuidados de longa duração, sobretudo para a situação de ausência
de doença ou medicina preventiva para garantir o bem-estar no envelhecimento
ou, como requisita a Organização Mundial da Saúde (OMS) em sua meta para
esta década, o envelhecimento saudável (WHO, 2020). O desenvolvimento de
métodos, equipamentos e novas tecnologias para os cuidados de longa duração
exige dedicação de pesquisas etnográficas, com acompanhamento intenso e

252
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

prolongado do comportamento da pessoa idosa, investigações em domicílio,


enfim, um conjunto de práticas científicas próximas das pesquisas clínicas do
campo da saúde, que conformam um sistema integrado e interdependente de
geração de conhecimento e inovação.

Apesar de o campo do cuidado apresentar ainda um atraso em relação ao


campo da saúde, como foi exposto, a tendência nas próximas décadas é de uma
aproximação quanto a sofisticação tecnológica e maior interação com empresas
de tecnologia e com as mais diversas ferramentas desenvolvidas pela revolução
industrial 4.0, como a IA, as bases de dados (big data/big science), a biogenética
e a biotecnologia, como mostra Coughlin (2020), ao expor suas preocupações
quanto à desigualdade de acesso.

Um diferencial em relação ao cuidado é o seu potencial de utilização da tecnologia


para a inovação em outros setores da economia, uma vez que sua abrangência
transborda para além da área da saúde. Como alertou o pioneiro relatório francês,
“todas os setores industriais serão afetados” no empenho de cuidado e prevenção
da sociedade superenvelhecida (Bernard, Hallal & Nicolaï, 2013).

Em outra ocasião (Félix, 2016), todos os setores da economia da longevidade


foram apresentados. Além da interação com a saúde e a gerontecnologia, já citados,
destacaram-se a questão da moradia insalubre ou déficit habitacional brasileiro e a
necessidade de adaptação de residências, o fortalecimento e a ampliação das ILPIs,
o segmento de seguros para os cuidados e a adaptação dos espaços de trabalho, por
exemplo. Todos esses setores ampliam o caráter sistêmico e reforçam a importância
de uma política industrial capaz de acionar e integrar as várias economias.

Enquanto o Estado mostra-se negligente com esse potencial do cuidado, o


mercado, por meio de investidores institucionais (fundos de pensão, fundos mútuos,
seguradoras), está atento para dominar esse complexo econômico – acentuando o já
citado processo de reprivatização da velhice. No Brasil, um dado a chamar a atenção

253
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

é o crescimento de redes de ILPIs privadas, de acordo com Camarano (2010), ao passo


que o setor público reduz sua presença e despreza o debate sobre a necessidade de
uma Política Nacional de Cuidados. Se mantido o percentual de 1% da população
idosa institucionalizada encontrado por Camarano em 2010, o país teria atualmente
400 mil idosos vivendo em ILPIs. Sem um censo confiável sobre a população idosa
em seus vários níveis de dependência, mesmo os não institucionalizados, o país
ignora a demanda por proteção social, assim como o potencial da economia da
longevidade e suas possibilidades para o desenvolvimento econômico.

A geopolítica do envelhecimento e a financeirização do cuidado


Como ressalta Gadelha (2021), o Ceis é um dos sistemas econômicos que
apresentam maiores possibilidades de investimento e de inovação no mundo, e
ao mesmo tempo é um fator de exclusão. O mesmo ocorre com o cuidado (stricto
sensu e lato sensu), na medida em que esses serviços ganham complexidade
tecnológica e as famílias menores em número de filhos e com mulheres no mercado
de trabalho veem limitadas as suas condições de dedicação de horas cotidianas
a essa tarefa. De novo, do mesmo modo que as multinacionais se empenham
em garantir a mercantilização da saúde e aumentar a dependência de países em
desenvolvimento na geopolítica da inovação – em sentido oposto ao projeto do
Ceis –, empresas também atuam no mundo com o objetivo de dominar o mercado
do cuidado, acentuando a tensão na geopolítica do envelhecimento (Félix, 2019a).
Essa tensão será, nas próximas décadas, tão mais intensa quanto for o desprezo ao
setor produtivo, ou seja, à economia real.

São poucos os trabalhos científicos que dão conta da dinâmica do capital


internacional em torno do cuidado. No entanto, esse bloqueio do mercado em
relação às políticas públicas de construção de complexos econômicos-industriais
do cuidado e o privilégio a maiores possibilidades meramente financeiras

254
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

nas sociedades já bastante envelhecidas são noticiados frequentemente pela


imprensa mundial.

A título de ilustração, cita-se o trabalho empreendido pelo Investigative Europe


(IE), um consórcio de 15 veículos de imprensa de 14 países dedicado a abordar com
profundidade temas relevantes para as nações europeias em publicações conjuntas
de reportagens15. Em julho de 2021, o consórcio publicou uma reportagem sob
o título “Lares de idosos, o novo negócio de milhões das multinacionais” (Público,
2021). A reportagem denuncia a ação de grandes empresas europeias em vários
países dentro e fora do continente no mercado de cuidado.

De acordo com o IE, os lares de idosos em grande parte dos países europeus
estão subfinanciados e têm menos trabalhadores do que deveriam para
atender à crescente demanda; contudo, uma parte cada vez maior das despesas
governamentais em cuidados com idosos está sendo destinada “para os cofres de
empresas transnacionais, que são um negócio crescente e muito lucrativo” (Público,
2021, p. 4). O consórcio constatou que investidores financeiros anônimos assumem
quotas cada vez maiores desses negócios e conseguem escapar de tributação sobre
os lucros – muitos deles obtidos com repasse de verba pública – “transferindo as
suas receitas para centros offshore”.

Nos últimos anos, afirma o IE, cresce em ritmo acelerado o negócio internacional
de lares de idosos geridos por meio de cadeias que dependem de uma intrincada
engenharia financeira. Essas grandes empresas compram pequenos grupos
nacionais com o intuito de concentrar posições e impor uma forma de gestão que
põe ainda mais em risco a qualidade dos cuidados prestados aos idosos. De acordo
com a investigação do IE, trinta empresas de private equity possuem 2.834 lares na

15 Público (Portugal), Der Tagesspiegel (Alemanha), Mediapart (França), Telex (Hungria), Aftenbladet e Bergens Tidende (Noruega), Dagens Nyhe-
ter (Suécia), EfSyn (Grécia), Il Fatto Quotidiano (Itália), Open Democracy (Reino Unido), Gazeta Wyborcza (Polônia), Falter (Áustria), Trends (Bélgi-
ca), Republik (Suíça), FTM (Países Baixos). E ainda as contribuições de: Wojciech Cieťla, Ingeborg Eliassen, Juliet Ferguson, Attila Kálmán, Nikolas
Leontopoulos, Anne Jo Lexander, Maria Maggiore, Stavros Malichudis, Sigrid Melchior, Leïla Miñano, Paulo Pena, Elisa Simantke, Nico Schmidt e
Harald Schumann, bem como Eelke van Ark (Follow the Money), Manuel Rico (InfoLibre), Gerlinde Poelsler (Falter), Jef Poortmans (Trends), Philipp
Albrecht (Republik).

255
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Europa com quase 200 mil vagas. Em janeiro de 2021, os 28 principais operadores
de lares na Europa eram privados e administravam 5.388 instituições com 455.559
residentes. Em 2017, os 25 maiores operadores de ILPIs na Europa, apenas três sem
fins lucrativos, administravam 369.132 residentes (Público, 2021, p. 5).

A francesa Orpea é a maior operadora da Europa, com mais de 110 mil vagas em
mais de mil instalações (incluindo algumas clínicas psiquiátricas e de reabilitação).
Entre 2015 e 2020, a empresa aumentou a sua capacidade em 65%. Empresa de
capital aberto, a Orpea tem como maior acionista o Fundo Público de Pensão do
Canadá (CPPIB, com 14,5%), e o valor de suas ações mais do que duplicou desde
2015, triplicando seu valor de mercado. No entanto, a dívida financeira líquida da
empresa é de quase 200% do capital devido à constante distribuição de dividendos
e pagamento a credores sob juros. Em 2019, foram 224 milhões de euros (Público,
2021, p. 7).

O governo francês iniciou, no fim de janeiro de 2022, uma investigação sobre a


Orpea, acusada pela imprensa de negligenciar os cuidados com os idosos justamente
em sua unidade mais luxuosa, em Les Bonds de Seine. O ministro da Saúde, Olivier
Véran, anunciou a investigação sobre a empresa por meio da Agência Regional de
Saúde (ARS). O diretor-geral do grupo foi convocado pela ministra designada para
as questões de autonomia (ministre déléguée de l’autonomie, responsável pelas
políticas públicas para os idosos), Brigitte Bourguignon, para explicar as acusações
feitas no livro-reportagem editado pela prestigiosa Fayard, escrito pelo jornalista
Victor Castanet, com o título Les Fossoyeurs (Os coveiros).

Em quatrocentas páginas, são relatados fatos de maus-tratos e desmazelo


(inclusive restringindo a utilização de fraldas a três trocas por dia) em razão de um
modelo de gestão centrado na redução de custos e que transformaria os profissionais
das unidades da Orpea em cost-killers (assassinos de custos). Manchete dos jornais
franceses, o caso transformou-se em um escândalo nacional a ponto de mobilizar

256
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

o Palácio do Eliseu por temor em impacto negativo na reeleição do presidente


Emmanuel Macron nas eleições de abril de 2022 (Le Monde, 2022, p. 12).

Em 2020, a França contava com 606.400 idosos em instituições, 20% na rede


privada com fins lucrativos, 51% nas unidades públicas e 29% nas instituições sem
fins lucrativos. Desde 1997, 40% das novas vagas foram criadas na rede privada, com
mensalidade média de 2.657 euros contra 1.884 euros no setor público em 2009 nos
estabelecimentos sem fins lucrativos. O setor público emprega 70,6 trabalhadores
com registro formal para cada cem idosos residentes, enquanto no setor privado
são 52,3 (Le Monde, 2022).

Isso significa dizer que nos países superenvelhecidos constata-se uma


financeirização (Chesnais, 2005)16 do cuidado paralela à mercantilização da
saúde (Nirello & Delouette, 2020; Bourgeron, Metz & Wolf, 2021). Verifica-se ainda
o empenho em construção de marcas nacionais capazes de abrir vantagem na
concorrência com mercados estrangeiros. Existe assim uma tensão entre processos
tipicamente financeiros e empenhos de reindustrialização, como a economia da
longevidade. Após o surgimento da pandemia de Covid-19, esses dois processos se
aceleraram nos países ricos e envelhecidos. A cristalização da centralidade da saúde
e do cuidado com a crise sanitária e a carência de mão de obra para essas áreas
expôs as falhas de mercado e a ausência do Estado, pois o modelo deixou os idosos
e suas famílias ainda mais vulneráveis.

Bourgeron, Metz & Wolf (2021, p. 3) confirmam cientificamente o panorama


apresentado pelo IE e mostram que a crescente participação de empresas de private
equity em França, Alemanha e Reino Unido obteve “resultados problemáticos” à
medida que esses investidores institucionais compram grupos de residenciais para
idosos e os redesenham para maximizar o lucro. Os autores analisaram os maiores
16 De acordo com o autor, o fenômeno da financeirização caracteriza a economia do século XXI e consiste, principalmente por meio do endivida-
mento e atuação de investidores institucionais sobre as empresas ou nos mercados financeiros, em permitir a reprodução do capital sem a neces-
sidade de produção de mercadorias e serviços, ou seja, apenas pelo patrimonialismo de papéis e ações. Essa dinâmica estabelece percentuais de
retorno sobre o investimento muito altos, retirando da economia “mais do que ela pode dar”, comprometendo assim a qualidade dos produtos e
as relações de trabalho (Chesnais, 2005, p. 61).

257
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

grupos de ILPIs de capital privado dos três países e, em todos os casos, descobriram
que as empresas usavam uma caixa de ferramentas bastante semelhante para
aumentar o retorno sobre o capital, isto é: 1) os private equity usam poucos recursos
próprios e a maior parte do investimento é de fundos de pensão, que entram
como coinvestidores ou credores; 2) o investimento é feito sobre endividamento
elevado, ampliando o risco de sustentabilidade a longo prazo, formando uma
espécie de bolha financeira que, ao estourar, como o caso relatado pelos autores
da Southern Cross, no Reino Unido, obriga o governo a cobrir o passivo sob pena
de os idosos perderem a residência, uma vez que a garantia dos empréstimos são
os próprios imóveis em operações de reestruturação financeira, ou seja, explorando
a fração imobiliária do capital financeiro, inclusive por meio de sociedades civis de
alocação imobiliária (SCPI) – ou os próprios residentes são obrigados a desembolsar
grandes quantias para realocar o imóvel; 3) nos casos de estouro da bolha, o lucro
dos investidores que se posicionaram no topo da pirâmide permanece intacto em
bancos de paraísos fiscais como Luxemburgo e Jersey.

Em sua conclusão, os autores destacam que a entrada de atores financeiros em


busca de risco com altas expectativas de lucro mudou a lógica que governa as
ILPIs nos países estudados. A financeirização do setor de cuidado tem provocado
fugas de dinheiro público que poderia ter sido utilizado para a prestação efetiva
de cuidados. Tudo isso aconteceu enquanto as empresas de private equity e seus
investidores obtiveram retornos altos, muitas vezes de dois dígitos. Os autores
asseguram que a finalidade original das casas de repouso – cuidar de idosos e
doentes – foi substituída por uma nova: a criação de valor acrescentado para os
investidores. Qualquer agenda transformadora, continuam eles, que vise reorientar
a atividade econômica para a sustentabilidade não pode ter sucesso se a lógica
financeira prevalecer sobre o verdadeiro propósito da atividade econômica e
social em um setor vital como o cuidado.

258
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

Esse modelo seria a tendência em países em processo acelerado de envelhecimento


populacional, como o Brasil, nas próximas décadas? Uma vez que o Estado brasileiro
nunca assumiu, de fato, os cuidados de longa duração como um risco social, o caminho
à mercantilização sem nenhuma outra estratégia de desenvolvimento seria ainda
mais curto? A Orpea está no Brasil desde 2017 e administra a rede de residenciais
de alto padrão Cora (Brazil Senior Living), com cinco unidades em São Paulo e
investimento do fundo Pátria. Em 2017, o relatório de investimentos da Orpea dizia
que “o Brasil oferece grandes oportunidades de desenvolvimento e o Orpea está se
preparando ativamente para operar no país por meio de crescimento orgânico com
projetos de construção e algumas seletivas aquisições” (Valor Econômico, 2018).

Esses players globais – espelhando o que ocorre na saúde – estão atentos ao


potencial de mercado no Brasil devido ao processo de envelhecimento. Se mantida
(ceteris paribus) a estimativa de Camarano (2010) de que apenas 1% da população
idosa brasileira permanece institucionalizada, sobretudo devido ao tamanho e
à qualidade da rede e a questões culturais, estaríamos hoje com um mercado
potencial de 325 mil idosos, levando em conta uma população de 32,5 milhões de
pessoas com mais de 60 anos ou 15,2% da população total (IBGE, 2022)17 . Uma
projeção para 2050, a ser atualizada pelo Censo 2022, é de uma população idosa de
68,1 milhões (Camarano, 2014).

Da mesma forma com que a emergência da pandemia de Covid-19 revelou a


importância de sistemas de saúde públicos e gratuitos, como o SUS ou o National
Health System (NHS) britânico, também desvendou a incapacidade de se delegar
exclusivamente ao mercado os cuidados de longa duração para idosos e a urgência
de uma política nacional de cuidados eficaz e holística em termo de desenvolvimento
econômico. O tema atualmente desperta o interesse do campo da economia, a tal
ponto que a London School of Economics criou o International Long Term Care

17 Ao considerar a população idosa residente em ILPIs credenciadas no SUAS, o número encontrado pela Frente Nacional em Defesa das ILPIs é de
78 mil pessoas residindo nessas moradias (FN-ILPI, 2020).

259
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Policy Network, um centro dedicado às pesquisas sobre cuidados ou à “economia


política da longevidade”, como prefere Phillipson (2015)18. Nessa concepção, merece
destaque Le Réseau EIDLL – Économie Internationale de la Longévité, criada em
Paris em 2018, que reúne 26 centros de pesquisa e quatro instituições de ensino
superior para contribuir com o desenvolvimento de pesquisas e intercâmbios sobre
o tema19 . A Eurostat e a OCDE passaram a disponibilizar dados on-line para mensurar
o investimento dos países em cuidado de longa duração para idosos (Eurostat, 2022;
OECD, 2022).

A geopolítica do envelhecimento tem feito com que fique cada vez mais difícil
para as sociedades manterem o pacto de segredo em torno do cuidado, uma vez
que, no entender de Hochschild (2017, p. 73), essa é a nova forma de extração de
recursos do Terceiro Mundo – isto é, nas palavras da autora, “o ouro novo” do século
XXI, marcado pela longevidade humana e concretizado nas imigrantes ilegais
admitidas silenciosamente para serem destinadas aos cuidados de crianças e idosos
no hemisfério Norte. Também nessa perspectiva de uma subárea denominada
de gerontologia crítica, Neilson (2017, p. 54) aponta para “modos alternativos
de governança” diante da “crescente tensão entre os Estados-nação e os atores e
instituições globais produzida por essa fase distinta da história do envelhecimento”
na qual vive o século XXI20 .

A construção de um Ceisac, portanto, se justifica em um planejamento de


desenvolvimento econômico nas mesmas bases teóricas já expostas para o Ceis
(Gadelha, 2021), uma vez que os organismos multilaterais dominados pelos países
ricos deixam evidente o intuito de liderarem o mercado internacional da longevidade
nas próximas décadas e erguerem campeões nacionais mediante uma política

18 Ver: https://www.ilpnetwork.org/. Acesso em: 21 mar. 2022.


19 Ver: http://eidll.fr/. Acesso em: 21 mar. 2022.
20 A título de ilustração sobre essa governança e complience, o filme Eu me importo (2020), dirigido por J. Blakeson, aborda as questões éticas na
área de cuidado altamente mercantilizada dos Estados Unidos. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=DjovwjAVD_o Acesso em 21
mar. 2022.

260
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

industrial focada em segmentos infantes (Bernard, Hallal & Nicolaï, 2013; European
Commission, 2015a, 2015b) de alta complexidade, portanto inviáveis de compensar
a balança comercial até o fim do século no caso de uma preferência exclusiva para
vantagens comparativas.

Economia da longevidade e despovoamento: o caso de Zamora


A estratégia de economia da longevidade pode ser adotada por governos em
nível nacional, regional ou municipal (Klimczuk, 2016, 2017), como se verifica, por
exemplo, em regiões como a Île de France, com uma ação ao lado da nacional, ou na
Valônia francesa (Ritondo, 2018), ou em estudos de implantação do projeto Cidade
Amiga do Idoso em municípios da Polônia (Polanska, 2017) ou ainda em diversos
outros casos reunidos em revisões bibliográficas (Zhukovska et al., 2021; Briegas
et al., 2021). Um dos mais atuais está relacionado a outro fenômeno demográfico
do século XXI, decorrente do envelhecimento populacional: o despovoamento, e
ocorre na diputación provincial de Zamora, na região autônoma de Castella y León,
na Espanha.

Trata-se da província mais envelhecida da Espanha, com cem menores de 16 anos


para cada 292 habitantes com mais de 65 anos (parâmetro de idade para definir
a pessoa idosa nos países desenvolvidos), com 172 mil habitantes espalhados em
293 cidades. Entre os anos de 2000 e 2019, Zamora perdeu quase 40 mil habitantes,
ou 15% da sua população, percentual bastante acima dos 3,2% da média nacional.
Em 2019, o governo local – a exemplo do que ocorreu em 2013 na França – lançou
uma convocatória à sociedade civil, a empresas e universidades para adotarem
uma estratégia de economia da longevidade, conforme relatado no documento
de lançamento da ação denominado “Estrategia Integrada Silver Economy para la
Activación Económica y Demográfica de la Provincia de Zamora” (DZ, 2019).

261
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

A estratégia está baseada em uma ativação do ecossistema de economias por


intermédio de parcerias com empresas privadas, associações e instituições de
ensino (Universidade de Burgos e Universidade de Salamanca, principalmente)
para estímulo à inovação e à gerontecnologia. O objetivo da política industrial é
transformar Zamora em um “território silver”, isto é, um complexo econômico-
industrial de saúde e de cuidado capaz de atrair jovens estudantes interessados
em pesquisas na área, em inovação, e de “promover o desenvolvimento econômico
em torno do envelhecimento como fonte de geração de emprego e riqueza” com base
em três eixos: bem-estar e qualidade de vida para as pessoas idosas, emprego e
empreendedorismo e sustentabilidade dos sistemas públicos (DZ, 2019, p. 7).

A principal ferramenta para a ativação desse complexo é a “tributação diferenciada”


(DZ, 2019, p. 6). A decisão do governo da província foi tomada após o diagnóstico de
que a arrecadação tributária de Zamora encolhia com a mudança do perfil econômico,
que em décadas anteriores passara por um processo de desindustrialização,
seguido por uma hipertrofia da agricultura em termos de percentual do PIB local
e, nos últimos anos, uma ampliação da dependência do setor público e do setor
financeiro. A balança comercial da província se concentrou em leite e derivados,
ovos, mel, carnes, açúcares, animais vivos e vinho como produtos de exportação,
enquanto a dependência externa ampliou-se em plásticos e manufaturados em
geral. O resultado foi um desemprego crônico da ordem de 14,1% e uma renda média
inferior à nacional. O risco do empobrecimento provocou um êxodo de jovens, e o
governo decidiu “liderar a estratégia de silver economy” com base em alianças e
política fiscal (DZ, 2019, p. 38).

São esses os pontos enumerados no documento diretriz dessa política: 1)


criar uma “patente de identidade” de “território silver”, marcando a prioridade na
produção de conhecimento por meio das universidades, que devem criar disciplinas,
graduações e pós-graduações multidisciplinares em economia da longevidade21;
21 O documento enumera que em 25 graduações nas universidades da região serão ministradas disciplinas de economia da longevidade (seis em

262
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

2) ser referência, por meio de política de certificação (lablelization)22 em qualidade


de serviços e desenvolvimento de novas práticas para os cuidados de pessoas
idosas; 3) estabelecer um “ecossistema tecnológico”, que inclui desde a faculdade
de moda na Universidade de Salamanca até as graduações em engenharia, como
forma de atrair as gigantes tecnológicas em parcerias com o poder público; 4)
registrar selo para cuidadores e sua formação, fazendo das universidades da região
referências para a Europa como forma de suprir a carência de mão de obra para
o cuidado23; 5) definir uma estratégia de comunicação para promover Zamora
como “região especializada em serviços geriátricos e assistenciais, garantindo a
qualidade e a inovação na atenção a idosos”; 6) eleger P&D como “quarta hélice”,
integrando setores e instituições nacionais, regionais e internacionais; 7) promover
organização de conferências em gerontecnologia, como o Congreso Internacional
de Silver Economy, realizado em 2020 e 2021, com a presença de mais de setecentos
congressistas e mais de quarenta especialistas24; 8) fomentar o desenvolvimento
de tecnologia para melhorar a vida dos idosos que habitam na área rural, com
investimentos em banda larga; 9) estabelecer como referência de avaliação o
número de patentes registradas de produtos tecnológicos; 10) diversificar e sofisticar
o tecido industrial com desoneração e subsídios para setores infantes com vistas à
exportação de produtos gerontológicos (DZ, 2019, p. 42).

Entre 2020 e 2023, os primeiros três anos da estratégia, a previsão do investimento


estatal na estratégia por parte da própria província é de 40 milhões de euros. No
entanto, Zamora obteve financiamentos ou repasses de diversos fundos da União
Europeia, do governo central e agências de fomento, como Erasmus. As empresas
(startups ou não, nacionais e estrangeiras) beneficiadas serão as que atuam nos

tecnologia, dez em moda, seis em arquitetura, três em finanças), e um título específico de bacharel em economia da longevidade será criado (DZ,
2019, p. 47).
22 Sobre políticas e modelos de certificação em cuidados de longa duração para idosos na Europa, ver Albouy e Moret (2021).
23 A Espanha tem cinco enfermeiras para cada mil habitantes, enquanto a média europeia é de 8,4 (países como Dinamarca e Finlândia atingem
16). Não existem os mesmos dados para cuidadoras de idosos (DZ, 2019).
24 Ver: http://www.diputaciondezamora.es/index.asp?MP=6&MS=176&MN=2&pag=&idvideo=51. Acesso em: 21 mar. 2022.

263
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

segmentos de cuidado, tecnologia, estilo de vida e moda, soluções residenciais,


teleassistência, finanças, empregabilidade para a faixa 50+ e recursos humanos
(gestão de carreira).

Em 2021, o governo lançou a pedra fundamental de um complexo físico de


economia da longevidade, um cluster construído para reunir aceleradoras, auditório,
representação de empresas. Com investimento de 1,5 milhão de euros e com
design ecologicamente sustentável, o Parque Tecnológico Silver terá 1.580 metros
quadrados e será destinado a empresas comprometidas em se instalar em Zamora e
fiéis ao processo I+D+I (investigação-desenvolvimento-inovação), constituindo-se
assim como o único parque tecnológico da Espanha orientado ao desenvolvimento
da economia da longevidade, cujo principal objetivo será a P&D de tecnologias
e serviços nessa área e deverá funcionar em parceria com o parque científico da
Universidade de Salamanca (La Opinión, 2021).

No Brasil, o fenômeno do despovoamento25 ainda é pouco perceptível como uma


questão demográfica, a despeito de alguns alertas com o de Braga e Mattos (2019),
ao analisarem 49 microrregiões geográficas com taxa de crescimento negativa entre
1991 e 2010 e constatarem o fenômeno, embora com bastante heterogeneidade.
No entanto, como aponta Alves (2021a), a pandemia de Covid-19 afetou a dinâmica
demográfica aumentando o número de mortes e diminuindo o número de
nascimentos em todo o país. No Rio Grande do Sul, 114 municípios registraram
número de mortes acima do de nascimentos, apresentando variação vegetativa
negativa em 2020, caso se considerem nascimentos menos óbitos e migração zero.

Porto Alegre, ainda de acordo com o autor, registrou 18.400 nascimentos e 20


mil óbitos em 2020, com decrescimento vegetativo de 1.556 habitantes. Entre as
dez cidades com maior decrescimento demográfico em 2020, estão Guarani das
Missões (-43 pessoas), Jaguari (-42 pessoas), Campinas do Sul (-41), Restinga Seca

25 Sobre um debate na literatura recente a respeito do tema, ver Alves (2019).

264
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

(-40), São Martino (-40), São Valentim (-40), Pinheiro Machado (-37), Alecrim (-36)
e Marques de Souza (-31 pessoas). O Rio Grande do Sul é o estado com maior
proporção de idosos do país e mais avançado na transição demográfica, portanto,
mais próximo de enfrentar “em algum momento da década de 2030”, nas palavras do
autor, esse grande desafio das sociedades superenvelhecidas do hemisfério Norte: o
decrescimento populacional (Alves, 2021a).

Só inovação é o suficiente?
Em relação ao exposto neste ensaio até aqui, é chegado o momento de ponderar
e estabelecer limitações. É preciso sublinhar que a intenção dessas políticas e
experiências internacionais é impulsionar o desenvolvimento econômico para
oferecer possibilidades de sustentação de um determinado modelo de Estado de
Bem-Estar Social, que está diante de inéditos desafios demográficos. De nenhuma
maneira esse ecossistema substitui, portanto, o imperativo de políticas de proteção
social. Como dito no início, o ecossistema é uma das respostas construtivas apontadas
pelos organismos multilaterais para o envelhecimento populacional – até porque,
em recente literatura econômica, é destacada a força restrita da inovação no atual
estágio da economia capitalista (Rodrik, 2016).

Essa literatura nos requisita certo ceticismo na crença de que o avanço tecnológico
tem como destino obrigatório melhorar o padrão de vida das sociedades. Rodrik
(2016) divide as opiniões sobre o futuro em três grupos: os tecno-otimistas, os
tecnopessimistas e os tecnopreocupados. A divisão é imposta por visões quanto
à relação de tecnologia versus emprego, desigualdade social e equidade, inclusão
versus exclusão e ainda questões relacionadas ao meio ambiente. É possível
acrescentar também o elemento demográfico.

265
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Ainda de acordo com Rodrik (2016), o que distingue essas perspectivas umas
das outras não é tanto a discordância sobre a taxa de inovação tecnológica. Existe
consenso, naturalmente, de que a inovação está progredindo rapidamente. O debate
é sobre se essas inovações permanecerão engarrafadas em alguns setores intensivos
em tecnologia que empregam os profissionais mais qualificados e representam
uma parcela relativamente pequena do PIB ou se espalharão para a maior parte
da economia – não criando novas necessidades, mas atendendo às demandas
novas e solucionando problemas. As consequências de qualquer inovação para a
produtividade, o emprego e a equidade dependem, em última análise, da rapidez
com que ela se difunde pelos mercados de trabalho e de produtos e por toda a
sociedade – o melhor exemplo, poderíamos citar, é o telefone celular.

A difusão tecnológica, lembra Rodrik (2016), pode ser restringida tanto do


lado da demanda quanto do lado da oferta da economia. Quanto à primeira, nos
países desenvolvidos, os consumidores gastam a maior parte de sua renda em
serviços como saúde, educação, transporte, habitação e bens de varejo. A inovação
tecnológica teve um impacto comparativamente pequeno até o momento em
muitos desses setores, assinala o autor, com destaque apenas para TIC e mídia. Do
lado da oferta, a questão-chave é se o setor inovador tem acesso ao capital e às
habilidades necessárias para se expandir rápida e continuamente. Nos países ricos,
as restrições são bem pequenas. Mas quando a tecnologia exige altas habilidades – a
mudança tecnológica é tendenciosa (skill-biased), na terminologia dos economistas
–, sua adoção e difusão tenderão a aumentar a diferença entre os ganhos dos
trabalhadores de baixa e alta qualificações. O crescimento econômico será
acompanhado pelo aumento da desigualdade, como foi na década de 1990, recorda
Rodrik (2016). Ele completa: o problema do lado da oferta enfrentado pelos países
em desenvolvimento é mais debilitante devido ao baixo nível educacional da força
de trabalho para atuar sob novas tecnologias. O autor classifica esse estorvo como

266
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

uma das causas para a desindustrialização precoce dos países em desenvolvimento


e afirma que não está claro se existem substitutos eficazes para a industrialização.

Portanto, a tese de que é mais eficiente – em termos de alocação de recursos


escassos – os países em desenvolvimento importarem produtos inovadores e
manufaturados, como telefones celulares, dos países ricos a um custo menor do
que se eles investissem em P&D para desenvolver seus aparelhos é duvidosa. Rodrik
(2016) provoca com uma pergunta: o que esses países vão produzir e exportar
– além de produtos primários – para poder comprar os celulares importados? É
preciso inovar.

Mas a conclusão do autor é de que só inovação não é suficiente. O que importa são
as consequências da produtividade da inovação tecnológica em toda a economia,
e não a inovação em si. A democratização da inovação é que eleva a qualidade de
vida. A inovação, afirma Rodrik (2016), pode coexistir com a baixa produtividade –
questão fundamental para uma sociedade superenvelhecida.

Essa exposição foi necessária para sublinhar a importância do papel do


empreendedorismo social na economia da longevidade. A atuação do Estado na
ativação do ecossistema deve mirar em atividades empresariais e inovadoras –
com potencial de exportação de processos, tecnologia e produtos e serviços – sem
obrigatoriamente a finalidade de lucro. É preciso privilegiar, em nome de uma rápida
difusão dos benefícios da inovação na sociedade, um ecossistema do bem comum
(Dardot & Laval, 2017). O espaço do comum deve ir além dos serviços públicos. Na
questão dos negócios para a área do envelhecimento, o empreendedorismo social
para a longevidade (Félix & Klimczuk, 2021) assume esse terreno, uma vez que o
cuidado é um direito constitucional.

Essa sofisticação da estrutura econômica a ser erigida será possível se baseada


em diretrizes conjuntas formadoras de uma SET Strategy for Aging Policy, como
abordado em outra ocasião (Félix & Klimczuk, 2021). SET é o acrônimo de três

267
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

palavras vetores dessa política: solidariedade, ecologia (environment, em inglês)


e tecnologia. O empreendedorismo social combina a produção de bens, serviços
e conhecimento (um bem comum) para atingir objetivos sociais e econômicos e
permitir a construção da solidariedade. De uma perspectiva mais ampla, as entidades
com foco no empreendedorismo social são identificadas como parte da economia
social e solidária. São, por exemplo, empresas sociais, cooperativas, organizações
mútuas, grupos de autoajuda, instituições de caridade, sindicatos, empresas de
comércio justo, empresas comunitárias e bancos de horas.

A inovação social é um elemento-chave do empreendedorismo social. Ela é


geralmente entendida como novas estratégias, conceitos, produtos, serviços e
formas organizacionais que permitem a satisfação de necessidades. Tais inovações
são criadas em particular nas áreas de contato de vários setores do sistema social.
Por exemplo, são espaços entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil.
Essas inovações não apenas permitem a resolução de problemas, mas também
ampliam as possibilidades de ação pública na efetivação de respostas construtivas
para o envelhecimento.

Tal resposta construtiva pode também ser dada por meio de ações de inovação
social no interior de organizações com fins de lucro. Ou dentro das ações
conhecidas como ESG (Environment, Social, Corporate Governance), a nova
métrica dos mercados de ações e de papéis para a pontuação de crédito social ou
responsabilidade social. Apesar de avanços nos temas de meio ambiente segundo
as exigências em ESG, no que diz respeito ao pilar social, as corporações ainda
estão atrasadas nos compromissos com o grupo idoso ou nos desafios sociais do
envelhecimento populacional, tão relevantes quanto os do meio ambiente, como
apontam os organismos multilaterais. A participação de fundos de investimento em
ILPIs multadas ou condenadas por má prestação de serviços condiz com as práticas
ESG? Se a resposta for negativa, a ferramenta pode ser muito útil na construção da
economia da longevidade.

268
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

A Covid-19 suscitou uma série de iniciativas do setor privado nesse sentido,


quando os idosos e uma grande parte da população ou o SUS contaram mais com
os movimentos de solidariedade em meio às restrições ou ausência assumida do
Estado, sobretudo o governo federal (Debert & Félix, 2022). Algumas dessas ações
foram o movimento Todos pela Saúde26 ou o Unidos pela Vacina27. Essas iniciativas
demonstram a preocupação de segmento do setor privado em se vincular com
valores sociais e melhorar sua pontuação ESG, por isso é possível e urgente a inclusão
das questões do envelhecimento nessas ações.

A título de ilustração, uma iniciativa de inovação social foi empreendida pelo


Google.org recentemente, ao doar US$ 10 milhões para um programa de educação
midiática e digital da associação dos aposentados dos Estados Unidos, ou melhor,
da AARP Foundation, o braço filantrópico da American Associated of Retaired
Persons (em sua denominação original). Os recursos serão usados para oferecer
treinamento em tecnologia e habilidades digitais para 25 mil pessoas com mais de
50 anos, de baixa renda, preferencialmente mulheres negras. De acordo com a AARP
Foundation (2022), os treinamentos ajudarão a aumentar a segurança econômica e
as conexões sociais desse segmento de pessoas mais vulneráveis socialmente, por
meio de workshops para ajudar a encontrar e garantir empregos, mudar de carreira
ou explorar o empreendedorismo.

A AARP Foundation desenvolve o programa educacional em parceira com


outras organizações sociais, como a Senior Planet e a Older Adults Technology
Services (OATS), e o currículo inclui habilidades básicas para o trabalho on-line,
como realizar videoconferência, teleconsulta, segurança da informação e software
de produtividade de escritório, ferramentas de networking, marketing digital,
crowdfunding, serviços de pagamento móvel e design gráfico. Os programas serão
implementados nos próximos dois anos em oito estados: Arizona, Geórgia, Illinois,

26 Ver: https://www.todospelasaude.org/. Acesso em: 21 mar. 2022.


27 Ver: https://www.unidospelavacina.org.br/. Acesso em: 21 mar. 2022.

269
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Louisiana, Carolina do Norte, Pensilvânia, Carolina do Sul e Texas. A Fundação AARP


avaliará o impacto econômico da iniciativa e criará um modelo que pode ser usado
para expandir o programa nacionalmente.

À guisa de considerações finais: desenhos de cenários


No momento em que este ensaio é redigido, o Brasil vive um apagão de
dados demográficos devido à não realização do Censo 2020, o que dificulta as
projeções (Alves, 2021a). É possível afirmar, com base na literatura (Bonifácio &
Guimarães, 2021) e em estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), que o
país mantém um ritmo acelerado de envelhecimento da população. A estimativa
é de que nós tenhamos 228 milhões de habitantes em 2042 e 182 milhões em
2100; o pico previsto para 2042 mantém a média de crescimento atual, sendo que
a característica mais marcante do chamado novo regime demográfico do século
XXI será o envelhecimento populacional, a despeito dos efeitos da pandemia de
Covid-19 (Alves, 2021c).

Essa realidade é a base para a última parte desse exercício de reflexão


sobre a saúde amanhã, qual seja, a tentativa de elaborar três cenários com base
em informações e dados oferecidos até agora: o primeiro é o cenário desejável e
possível; o segundo, o inercial e provável; e o terceiro, o pessimista e plausível.

O primeiro cenário será realidade se o Brasil desenvolver uma reforma estrutural


de sua economia capaz de acionar o ecossistema do qual faz parte a economia da
longevidade, como ocorre em inúmeros países, e emular as boas práticas com o
objetivo principal de aproveitar o chamado terceiro bônus demográfico ou bônus
da longevidade (Alves, 2021c), como vem sendo defendido desde a primeira reflexão
apresentada sobre a economia da longevidade no Brasil (Félix, 2007).

270
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

Esse cenário, defende-se, é possível mesmo com as restrições fiscais impostas


no momento pela Covid-19. A condição sine qua non para atingirmos esse cenário
é: 1) promover uma nova imagem sobre a velhice, baseada na heterogeneidade
e não em estereótipos ou em idosismo (ageism); 2) quebrar o preconceito do
mainstream da economia em relação à política industrial, muito mais atrelado a
experiências negativas do passado do que a experiências internacionais efetivas do
presente, ancoradas em outros critérios de mensuração de sua efetividade para o
desenvolvimento econômico; 3) aprimorar estudos sobre o envelhecimento para
lastrear a produção de mercadorias e serviços, com foco na complexidade e na
sofisticação tecnológica; 4) estabelecer uma Política Nacional de Cuidados, com
valorização da mão de obra específica nesse campo por meio da regulamentação
das profissões de cuidadora e/ou cuidador e de gerontólogo; 5) ampliar e subsidiar
as pesquisas na área do envelhecimento com uma estratégia multidisciplinar; 6)
convocar a iniciativa privada para oferecer respostas construtivas para os desafios
demográficos, incluindo a velhice, o envelhecimento populacional e a longevidade
como temas da diretriz organizacional conhecida como ESG, que hoje rege a atuação
de empresas de capital aberto, principalmente, e define as políticas de investimento;
7) restabelecer o marco regulatório da Política Nacional do Idoso (lei nº 8.842/1994),
principalmente o Conselho Nacional do Idoso, como princípio para a ampliação
da participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas; 8) estimular
a adoção de estratégias de economia da longevidade nacional, nos estados e
nos municípios, com base na vocação de cada região ou no desenvolvimento de
vantagens competitivas; 9) promover a inclusão do conhecimento gerontológico e,
em particular da economia da longevidade, nos currículos de vários níveis de ensino,
como estabelece o art. 22 da lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso); 10) estabelecer
legislação trabalhista específica para a população com mais de 50 anos, como já
abordado em outra oportunidade (Félix, 2016); 11) construir o Ceisac.

271
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

O cenário inercial e provável é a adoção, por parte de police makers, de


ações no âmbito do que se denomina de “economia paliativa” (Reinert, 2016, p. 36),
que alivia as dores; no entanto, está distante de provocar mudanças estruturais
fundamentais, não obstante a nobreza das intenções. Ou seja, é a execução de parte
muito tímida das exigências para o cenário desejável e possível e a cristalização
do baixo crescimento econômico ou da quase-estagnação, como destaca Bresser-
Pereira (2018), neste século.

Esse cenário teria consequências sociais na área da saúde, com o aprofundamento


da desigualdade social e o estabelecimento, como o que se verifica atualmente,
do fenômeno de a longevidade ser uma conquista apenas de uma parcela da
população brasileira (branca, mais educada e de classes sociais mais privilegiadas,
moradores em cidades do Sul e do Sudeste e de bairros mais ricos), a despeito do
envelhecimento populacional médio. Esse cenário manteria o SUS sob pressão e
ampliaria o idosismo à medida que a retórica de aumento do custo do sistema por
maior número de usuários idosos continuaria tendo a preferência de concordância
de formadores de opinião (e da imprensa) em prejuízo da culpabilização do
modelo econômico. Embora esse cenário inercial e provável esteja distante de uma
catástrofe ou provoque apenas uma resiliência coletiva com os destinos dos países
em desenvolvimento, os efeitos sociais e sanitários de longo prazo condenariam
uma parte cada vez maior da população idosa à situação de pobreza, restabelecendo
uma correlação há muitas décadas rompida pela proteção social, principalmente
depois da Constituição de 1988.

Não é necessário um extremo pessimismo, no entanto, para considerar


plausível o terceiro cenário. Ele se daria por um conjunto de ações do que, em outra
ocasião, foi denominado de “capitalismo de desconstrução” (Félix, 2019a, p. 117)
e é imposto pela submissão da economia à lógica da finança. O envelhecimento
da população brasileira, considerado inexorável, sob a hegemonia desse modelo,
comprometeria o bem-estar da população e poderia ampliar o número dos excluídos

272
Economia da longevidade: uma ‘resposta construtiva’ para o envelhecimento populacional no Brasil

da conquista da longevidade, como grupos étnicos, etários ou sociais específicos,


tal como o verificado nos Estados Unidos por Deaton e Case (2020), em relação ao
aumento das mortes por desespero (alcoolismo, drogas, overdose de opioides e
suicídios) de homens brancos não hispânicos entre 45 e 55 anos, pressionando a
expectativa de vida do país para abaixo da média dos 38 integrantes da OCDE.

Esse cenário pessimista se daria não apenas pelo desprezo a respostas


construtivas, mas também pela adoção de respostas destrutivas, como: 1)
ampliação do desfinanciamento do SUS; 2) radicalização de políticas que acentuam
a desindustrialização; 3) redução dos investimentos em universidades públicas,
pesquisa básica e pesquisa sofisticada; 4) ampliação da dependência estrangeira por
falta de fomento ao complexo-industrial da saúde existente no país; 5) ampliação das
desregulamentação do mercado de trabalho e consequente redução de benefícios
previdenciários ou da assistência social; 6) desprezo à preservação do meio
ambiente; 7) desinvestimento em campanhas de saúde coletiva, como vacinação e
outras dirigidas para a saúde da pessoa idosa, como quedas, mutirões de catarata
etc., entre inúmeras outras medidas que, em resumo, delegassem exclusivamente
ao mercado o risco velhice.

De acordo com Walker (1999), os formuladores de políticas públicas


estabeleceram na sociedade o “pânico do ônus” dos idosos. Embora essa acepção
da dinâmica demográfica do século XXI ainda seja hegemônica na economia, como
foi destacado desde o início deste ensaio, tentou-se demonstrar que ela atualmente
divide as ações em políticas públicas nos países desenvolvidos com uma outra
interpretação: o envelhecimento populacional, cada vez mais, é visto também como
um fator gerador de valor, um bônus, e capaz de, dependendo de ação estratégica
e do planejamento, oferecer respostas construtivas. É do sucesso dessas respostas
que dependerão o bem-estar e a saúde da população nas próximas décadas.

273
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

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284
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO
6
Perspectivas para o gasto com saúde
diante do envelhecimento populacional
Mirian Martins Ribeiro
Laura de Almeida Botega
Fernando Gaiger Silveira
Luciana Mendes Santos Servo
Theo Ribas Palomo
Arthur Welle

1. Introdução
O sistema de saúde brasileiro passou por mudanças profundas nos últimos trinta
anos com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição Federal de
1988. Esse sistema visa garantir acesso universal, igualitário e integral, por meio
de uma rede regionalizada de ações e serviços de saúde (Viacava et al., 2018). Os
resultados dessa ampliação de acesso são notáveis, com impactos sobre mortalidade
infantil e materna, por causas evitáveis, por exemplo (Souza et al., 2018; LeaL et al.,
2018). Apesar de todos os avanços, o SUS enfrenta grandes desafios. O nível de
financiamento público é insuficiente para garantir esse acesso, universal, igualitário
e integral ( Piola et al., 2013), e novas medidas, como a emenda constitucional nº
95, vêm agravar mais esse quadro de subfinanciamento. Em 2019, a participação do
financiamento público no total do financiamento da saúde no Brasil ficou em 43%
(Brasil, 2022), apontando, portanto, um sistema altamente dependente dos gastos
privados, reconhecidamente concentrados.

Ao mesmo tempo, o país passa por um processo acelerado de mudança


demográfica, com queda da fecundidade e, consequentemente, envelhecimento

286
da população. A mudança na fecundidade, visível no Brasil a partir dos anos 1970
(Carvalho, 1973; Carvalho; Brito, 2005), tem consequências econômicas em diversos
setores (Alves, 2020; Baerlocher; Parente & Rios-Neto, 2019; Carvalho & Brito, 2005;
Alves, 2004). No caso dos sistemas de saúde, o aumento da população idosa é visto
como fator de pressão sobre os recursos e o financiamento do cuidado (Rios-Neto,
2005; Paiva & Wajnman, 2005; Rocha; Furtado & Spinola, 2020).

Há esforços para investigar o papel do componente demográfico sobre os


gastos ao longo do tempo. Bernstein & Wajnman (2008) analisaram o efeito da
composição da estrutura etária sobre os gastos com internações hospitalares
comparando estados brasileiros em diferentes estágios de envelhecimento. Alguns
estudos trabalharam a projeção dos gastos com internações na rede pública de
saúde (Rodrigues, 2010; Rodrigues et al., 2015) ou avaliaram o envelhecimento e as
transferências intergeracionais na rede privada (Santos; Turra & Noronha, 2018).

O trabalho mais abrangente em termos de tipos de financiamentos é o de


Rocha, Furtado & Spinola (2021). Eles estimaram as necessidades de financiamento
do Brasil por meio de projeção fiscal de modelo padrão de crescimento contábil,
que decompõe o crescimento do gasto em saúde pela renda, pelo componente
demográfico e por resíduos. Foram utilizados os dados da Conta-Satélite de Saúde
para o ano de 2017 e dados da Agência Nacional de Saúde para o setor de planos e
seguros de saúde.

Este trabalho procura dialogar com os anteriores, tendo por foco as mudanças
demográficas e sua influência sobre os gastos com saúde no Brasil, propondo
avanço da análise para diferentes tipos de financiamento e funções da saúde. Para
isso, consideram-se dados recentes das Contas SHA – System of Health Accounts
(2019) – para o Brasil (Brasil, 2022), que avança em relação à Conta SUS, que foi
utilizada para elaborar uma estrutura de custos no trabalho de Rocha, Furtado &
Spinola (2021). Os dados mais recentes da Conta SHA incluem os gastos públicos e

287
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

privados, separando estes últimos entre intermediados por planos e aqueles diretos
do bolso. São adotadas bases de dados complementares para estimativas dos gastos
por funções de saúde por idade e sexo.

A primeira proposta foi realizar estimativas dos gastos em 2040 associadas


à mudança na estrutura de idade, para cuidado ambulatorial, internações e
medicamentos. Para isso, adotam-se projeções mais recentes da população,
realizadas por Camarano (2022), que buscam incorporar alguns efeitos da pandemia
de Covid-19.

Adicionalmente, foram estimados os gastos esperados com internações ao longo


da vida do indivíduo. A limitação às internações justifica-se pela disponibilidade
de informações sobre a mortalidade entre indivíduos que utilizam esse serviço,
o que não ocorre para outras funções de saúde (ambulatorial e medicamentos).
A vantagem dessas estimativas é que permitem comparações entre populações
e acompanhamento ao longo do tempo, por usar uma medida que incorpora os
efeitos da estrutura etária, ao considerar uma coorte hipotética. Além disso, permite
distribuir o gasto esperado do indivíduo por idade. Foram adotados os gastos
médios por idade e sexo observados em 2019.

Os resultados apontam que, embora o envelhecimento populacional represente


pressão para os gastos com saúde, o declínio da população jovem, especialmente
a de 0 a 4 anos, exerce um efeito contrário, causando declínio nos gastos dessas
idades. O efeito geral é positivo, indicando um crescimento dos gastos com saúde,
apesar de sua magnitude variar com o tipo de financiamento e a função de saúde.

Embora haja limitações nos dados disponíveis, requerendo cautela na análise


dos resultados, as estimativas permitem discutir tendências e perspectivas para os
gastos totais e ao longo do ciclo de vida.

288
2. Gastos com saúde e composição populacional

2.1. Breve panorama recente de aspectos demográficos da população brasileira e


expectativas para 2040
A taxa de fecundidade total (TFT) brasileira saltou de 6,3 filhos por mulher, em
1960, para 2,3 em 40 anos (IBGE, 1985; 2004). Em 2020, a TFT era de 1,76, e todas as
regiões já apresentavam valores abaixo do nível de reposição. Para 2040, projeta-se
uma taxa de 1,69, além de menor dispersão regional, com TFTs que variam entre
1,66 (Sudeste) e 1,83 (Norte) (Figura A.1, Apêndice A).

Esse rápido declínio da fecundidade resulta em um processo de envelhecimento


populacional vertiginoso. Até 2020, a razão de dependência total (RDT) vinha
diminuindo como resultado da participação relativa cada vez menor da população
abaixo de 15 anos. Mas o crescimento do peso da população idosa (65 anos ou
mais) ultrapassou as perdas de participação do grupo jovem, fazendo a RDT voltar
a crescer (Figura A.1, Apêndice A). Entre 2020 e 2040, espera-se que a população
jovem decresça 11,7%, passando de 44,186 milhões para 38,964 milhões. O número
de crianças de 0 a 4 anos deve diminuir em torno de 17%. Em contrapartida, a
população de 65 anos ou mais deve crescer 4%, saltando de 146,756 para 152,588
milhões. A RDT passará de 44,6% para 52% e o Índice de Envelhecimento de 47,1%
para 103,6%, indicando que o número de idosos irá ultrapassar o de menores de 14
anos (Figura A.1, painéis C a E, Apêndice A).

Além do envelhecimento da população, temos um envelhecimento dentro do


próprio grupo de idosos (Figura A.1, painéis 1.5, 1.6 e 1.7, Apêndice A). Até 2018,
estimava-se que a esperança de vida ao nascer passaria de 76,7, em 2020, para 79,8,
em 2040. Esses ganhos deveriam vir, em parte, de quedas na mortalidade entre
idosos, o que faria aumentar a proporção daqueles com mais de 80 anos dentro do
grupo de 65 anos ou mais, passando de 21,3%, em 2020, para 26,8% em 2040. Entre
as mulheres, esse indicador saltaria de 23,2% para 29,1%.

289
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Mas a pandemia de Covid-19, que atingiu o Brasil no início de 2020, alterou o


panorama da mortalidade, sobretudo entre os idosos. Estima-se que houve uma
perda de 1,3 ano na esperança de vida ao nascer e de 0,9 ano da esperança de vida
aos 65 anos, apenas em 2020. Entre janeiro e abril de 2021, a perda estimada foi de
1,8 ano na esperança de vida ao nascer (Castro et al., 2021).

Houve também mudanças no comportamento reprodutivo das mulheres, o que


pode ter consequências sobre a fecundidade. Há fatores que operam para o aumento
da fecundidade, tais como dificuldades e perdas de acesso aos serviços de saúde
sexual e reprodutiva, em razão da pressão da Covid-19 sobre o sistema de saúde;
aumento da violência sexual pelo distanciamento social e confinamento. Por outro
lado, a incerteza sobre o futuro, o medo da doença e a mudança na rotina familiar
pelo confinamento são fatores que podem provocar um adiamento da fecundidade
(Coutinho et al., 2020).

Projeção mais recente, realizada por Camarano (2022), parte de uma base de
2020, quando a pandemia já estava em curso no Brasil. A população projetada
para 2040 é 14% menor que a do IBGE (2018), e as diferenças variam com a idade
e sexo (Figura 1). A despeito das diferenças metodológicas e de premissas entre as
projeções, o que se sabe é que a dinâmica da mortalidade e da fecundidade em
curso acarretará uma estrutura populacional expressivamente mais envelhecida em
2040, comparada à que temos hoje. Isso afetará, dentre outras coisas, o volume de
serviços e de recursos gastos com saúde, porque o cuidado com a saúde varia ao
longo do ciclo de vida, conforme será brevemente discutido na seção 2.2.

290
Figura 1 – População por idade, segundo sexo, em 2020 e projeções para 2040, Brasil
1.1: População masculina (milhões) 1.2: População masculina: razão IBGE/Camarano (2022)
20,0 2,0
1,60
17,5 1,61,421,35
15,0 1,24 1,32 1,26
1,21
milhões

12,5 1,2 1,011,11 1,05 0,96


10,0 1,161,16
7,5 0,8 1,001,001,00 1,00 1,00 1,00 1,00 0,98 1,05
5,0
0,4
2,5
0,0 0,0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
Idade (limite inferior do grupo etário) Idade (limite inferior do grupo etário)
2020 IBGE 2040 IBGE 2020 2040
2020 Camarano (2021) 2040 Camarano (2021)

1..3: População feminina (milhões) 1.4: População feminina: razão IBGE/Camarano (2022)
2,0
20,0
17,5 1,6
15,0 1,29 1,23 1,30 1,22 1,22
milhões

1,151,06 1,10
12,5 1,2 1,00 1,05 0,99 1,41
10,0 1,161,16 1,11 1,15
0,8 1,01 1,05 1,07
7,5 0,960,960,98
5,0
0,4
2,5
0,0 0,0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
Idade (limite inferior do grupo etário) Idade (limite inferior do grupo etário)
2020 IBGE 2040 IBGE 2020 2040
2020 Camarano (2021) 2040 Camarano (2021)

Fonte: Projeções populacionais do IBGE, versão 2018; projeções de Camarano (2022).

2.2. Envelhecimento populacional e gastos com saúde


Os gastos com saúde variam ao longo da vida em razão de fatores individuais, que
determinam a utilização de bens e serviços de saúde, e de fatores que formam os
custos em saúde. Os custos dependem de estruturas determinadas coletivamente
ou socialmente, como renda nacional, políticas públicas de saúde, desenho do
sistema de saúde, níveis dos preços, dos salários e da tecnologia envolvida (Getzen,
2000; Reinhardt, 2003; Meijer et al., 2013).

Pelo lado dos determinantes individuais, os fatores são associados à predisposição,


à necessidade e à viabilização (Andersen & Newman, 1973). A predisposição ou a
propensão à utilização varia segundo características sociodemográficas como idade,

291
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

sexo, status marital, nível socioeconômico, condições de trabalho, condições de


vida, dentre várias outras. A necessidade está relacionada à percepção sobre saúde,
morbidade e presença de incapacidade. A viabilização da utilização e o atendimento
da necessidade dependem de fatores de acesso, como cobertura de seguro de
saúde público ou privado, renda pessoal, renda domiciliar e outros relacionados ao
poder de aquisição.

Em geral, o padrão de utilização e dos gastos com saúde é caracterizado por


ser elevado nos primeiros anos de vida, declinar até a adolescência e aumentar
progressivamente até as idades mais avançadas. Esse comportamento é observado
em países de diferentes níveis de desenvolvimento (Verbrugge, 1989; Mapelli,
1993; Sassi & Béria, 2001; Facchini & Costa, 1997; Alemayehu & Warner, 2004). Mas
a intensidade e o sentido desses diferenciais mudam segundo o tipo de serviço
de saúde. No caso dos serviços ambulatoriais, jovens podem apresentar maiores
probabilidades de consultarem generalistas, enquanto idosos de consultarem
especialistas (Alberts et al., 1997; Lee et al., 1984; Sassi & Béria, 2001). As mulheres
exibem maiores probabilidades de consultas médicas, tanto de generalista quanto
de especialista (Aquino et al., 1992; Sassi & Béria, 2001; Green & Pope, 1999; Alberts et
al., 1997). Para serviços hospitalares, há uma utilização mais elevada entre crianças,
idosos e mulheres em idade reprodutiva. Mas os homens podem apresentar maior
intensidade de uso em algumas faixas etárias. O tempo médio das internações,
por exemplo, tende a crescer com a idade e ser mais elevado entre os homens
(Verbrugge, 1989; Freeborn et al., 1990; Newbold; Eykes & Birch, 1995; NCHS, 1996).

No Brasil, as mulheres tendem a utilizar mais os serviços ambulatoriais e


preventivos, enquanto os homens tendem a usar mais os serviços curativos (Castro;
Travassos & Carvalho, 2002; Castro, 2004; Nunes, 1999). As diferenças se tornam
expressivas a partir do início do período reprodutivo, associadas à demanda de
serviços obstétricos (Médici & Campos, 1992). No caso das internações, embora as
taxas sejam maiores entre as mulheres, mesmo quando excluídas as internações

292
por motivo de parto (Castro; Travassos & Carvalho, 2002; Castro, 2004), há faixas de
idade para as quais os homens apresentam maiores riscos de internação e maior
intensidade de uso (Nunes, 1999; Ribeiro, 2005).

Nesse contexto, o envelhecimento populacional pressiona os gastos, visto que


idosos usam mais os serviços de saúde. O aumento dos gastos depende não apenas
da quantidade de pessoas atingindo idades de uso intensivo, mas também do
tempo em que elas permanecem usando serviços.

No Brasil, a limitação dos dados em saúde dificulta a exploração detalhada


e ampla do papel do envelhecimento sobre os gastos com saúde. Mas existem
esforços para discutir a questão. Berenstein & Wajnman (2008) fizeram um exercício
de decomposição do gasto em saúde e analisaram o efeito do preço, da taxa de
utilização e da composição etária populacional, comparando unidades da federação
(UFs) com diferentes níveis de envelhecimento. Elas estimam que as diferenças na
estrutura etária, observadas em 2004, explicavam 13% dos diferenciais nos gastos
entre as UFs analisadas. Essa participação aumenta para mais de 50% ao se aplicar
a estrutura etária projetada para o Brasil em 2050. Rodrigues (2010) projetou taxas
de internações com financiamento público em 2020 e 2050 para Minas Gerais e
encontrou efeitos expressivos do envelhecimento, quando considerou efeito puro
da estrutura etária: as taxas de internações variavam cerca de 58%, entre 2007 e
2050. Porém, esse efeito diminui ao incorporar tendência temporal das taxas de
utilização.

No estudo mais recente de projeção de gastos realizado para o Brasil, Rocha,


Furtado & Spinola (2021) analisaram a necessidade de financiamento do setor
de saúde considerando três componentes: renda, demográfico e residual,
empregando a metodologia definida como top-down. Esse estudo observou que
26,8% do aumento da necessidade de financiamento com saúde era em função do
envelhecimento populacional. As variações na distribuição etária e por sexo, entre

293
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

2017 e 2060, levariam a um aumento de R$ 303 bilhões (R$ 133 bilhões no setor
público e R$ 170 bilhões no setor privado) na necessidade de financiamento do
setor de saúde no Brasil. Os autores consideram necessidades de financiamento
para diferentes curvas de custos, de crescimento econômico e diferentes resíduos
(entendidos como aquilo que não está relacionado à demografia ou à renda). Em um
cenário de restrição dos gastos federais, haveria um aumento da pressão sobre os
gastos de estados e municípios, que também poderia vir com redução da qualidade
e ampliação das desigualdades.

2.3. Gasto com saúde no Brasil


No Brasil, o Sistema Único de Saúde foi estabelecido como direito na Constituição
Federal de 1988 (CF 88), mas desde o início da sua implementação, há uma dificuldade
de garantia e recursos necessários para sua organização (Piola et al., 2013; Vieira,
2020).

O gasto total em saúde no Brasil exibe uma participação menor do SUS do que
os gastos do setor privado, seja por meio do sistema de saúde suplementar (planos
e seguros de saúde), seja diretamente pelas famílias para acesso aos serviços de
saúde. Como dito na introdução, a participação do gasto público reduziu segundo as
estimativas anteriores à pandemia da Covid-19. Assim, apesar de o país ter aplicado
aproximadamente R$ 711 bilhões em saúde ou 9,6% do seu Produto Interno Bruto
(PIB) em saúde em 2019, a maior parcela não está sendo aplicada por meio do SUS,
que prevê acesso universal para toda a população brasileira, sendo que 70% dessa
população tem acesso quase que exclusivamente por meio desse sistema. Em torno
de 27% da população brasileira é beneficiária de plano de saúde (IBGE, 2019) e
simultaneamente tem acesso via SUS, mas 32% dos recursos são aplicados por meio
de regimes de financiamento de planos e seguros de saúde voluntários (Brasil, 2022).
Outros 26% são pagos diretamente pelas famílias (gasto direto do bolso), quando se
consideram os gastos com regimes de financiamento identificados.

294
Além da análise da distribuição por regimes de financiamento, a Conta SHA
traz uma classificação por funções e prestadores de saúde. A classificação por
funções SHA permite discutir quanto do gasto é aplicado em atenção curativa
(HC 1), em atendimentos de reabilitação (HC 2), em cuidados de longo prazo (HC
3), em atendimentos complementares ao diagnóstico e tratamento (HC 4), em
medicamentos e produtos médicos (HC 5), atividades de vigilância, promoção e
prevenção em saúde (HC 6) e em gestão e regulação do sistema (HC 7).

As estimativas da Conta por funções mostram que a atenção curativa, na qual estão
concentradas a atenção em regime de internação e a ambulatorial, é majoritariamente
financiada por recursos públicos (regimes governamentais), os quais representavam
52,5% do total do gasto nessa função de atenção à saúde. Outros 36,9% eram gastos
em regimes de pré-pagamento voluntários, majoritariamente intermediados por
planos e seguros de saúde. As famílias participavam com 10,7% do financiamento
dessa função. Por outro lado, quando se analisa a distribuição do financiamento
de medicamentos e artigos médicos, esses são majoritariamente financiados pelo
gasto direto do bolso das famílias (87,7%), com uma participação pública de 10,0%
e uma pequena participação do financiamento intermediado por planos e seguros
de saúde (2,3%). Atividades de prevenção, promoção e vigilância em saúde são
majoritariamente financiadas com gasto público (89,6%), seguidas pelos planos
e seguros (7,4%) e pelo gasto direto (3,0%). Chama a atenção também a elevada
participação dos planos e seguros de saúde no gasto com gestão, respondendo por
64,4% do total dos gastos (Brasil, 2022).

Analisando a distribuição desse gasto de cada regime de financiamento por


função de atenção à saúde, excluídos os gastos não classificados por regimes de
financiamento, a atenção curativa é majoritária no financiamento dos regimes
governamentais e pagamentos baseados em planos e seguros de saúde de adesão
voluntária (respectivamente, 63,5% e 58,6% do total aplicado por esses regimes em
saúde). Para esses regimes, as atividades complementares de diagnóstico e imagem

295
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

respondem por 12,3% e 16,7%, respectivamente. Quando se analisam os gastos


diretos do bolso, 71% são destinados a medicamentos e artigos médicos e 21% à
atenção curativa (Tabela 1).

Tabela 1 – Gastos com saúde segundo função de cuidado e tipo de financiamento


– Brasil, 2019
Regimes baseados
Regimes especialmente em Pagamentos direto
Governamentais do bolso das famílias

Funções de cuidados de saúde (R$ (R$ (R$ (R$


(%) (%) (%) (%)
milhões) milhões) milhões) milhões)
HC 1 - Atenção curativa 184.322 63,5 129.665 58,6 37.432 21,2 351.419 51,1
HC 2 - Atendimentos de reabilitação 3.197 1,1 3.143 1,4 1.388 0,8 7.728 1,1
HC 3 - Cuidados de longo prazo 3.914 1,3 6.483 2,9 2.389 1,4 12.786 1,9
HC 4 - Atividades complementares de diagnóstico e tratamento 35.863 12,3 37.009 16,7 7.648 4,3 80.520 11,7
HC 5 - Medicamentos e artigos médicos 14.411 5,0 3.357 1,5 126.982 71,8 144.751 21,0
HC 6 - Atividades de prevenção, promoção e vigilância em saúde 27.654 9,5 2.294 1,0 914 0,5 30.862 4,5
HC 7 - Gestão e regulação do sistema de saúde 16.287 5,6 29.432 13,3 0 0,0 45.719 6,6
HC 9 - Outras atividades de saúde não classificadas 4.743 1,6 9.854 4,5 0 0,0 14.597 2,1
Todas as funções 290.392 100,0 221.237 100,0 176.753 100,0 688.382 100,0
Fonte: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz, 2022.
Fonte: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz, 2022

Os dados mostram como o sistema brasileiro de saúde é financiado e permitem


discutir em que medida as mudanças na composição demográfica da população
podem afetar esse gasto, mantido o atual modelo de atenção e padrão de
incorporação tecnológica. Assim, partindo da estrutura geral do gasto total, por
funções de atenção e regimes de financiamento, este trabalho se propõe a avançar
na discussão sobre os efeitos potenciais das mudanças na estrutura demográfica
brasileira sobre o financiamento da saúde no Brasil, bem como estimar o gasto ao
longo do ciclo de vida para as internações.

3. Aspectos metodológicos

3.1. Projeções dos gastos com saúde


A estratégia de projeção foi a abordagem da fórmula (Spiegel & Hyman, 1998; Tate;
Macwilliam & Finlayson, 2004), que busca quantificar o efeito demográfico sobre a

296
utilização de serviços de saúde (efeito demográfico puro), mantendo constantes os
outros fatores que podem afetar a taxa de utilização e/ou gastos (Strunk; Ginsburg
& Banker, 2006). Ele é indicado para projeções de curto prazo e para localidades
com taxas de utilização dos serviços de saúde e estrutura de custos relativamente
estáveis. No longo prazo, ele se torna limitado se há evidências de mudanças no
padrão ou nível de utilização (Evans et al., 2001).

Para descrever o efeito da estrutura etária sobre os gastos com saúde, considera-
se que o gasto total com cuidado de saúde em cada idade i (bens, serviços de
saúde e outros), num determinado período de tempo t, pode ser visto como
uma combinação de três componentes: 1) quantidade de pessoas que usam esse
cuidado; 2) quantidade média de cuidado utilizado por pessoa; e 3) gasto médio
desse cuidado (ver Apêndice B). Nesse exercício, a quantidade média do cuidado
e o gasto médio por idade foram mantidos constantes ao longo do tempo. O que
variou foi o número de pessoas que utilizam os cuidados em cada idade, em função
das mudanças demográficas previstas para 2040. Foram obtidas estimativas para
homens e mulheres, seguindo os passos descritos a seguir.

1) Foi estimada a estrutura (distribuição) dos gastos por idade em 2019 (ver
bases de dados no Quadro 1).

2) A distribuição obtida no passo 1 sofreu uma correção do nível. Ela foi aplicada
nos gastos totais obtidos nas Contas SHA-2019 para se obter o gasto total por idade.

3) Os gastos totais por idade calculados no passo 2 foram usados para se


estimarem os gastos per capita para 2019, utilizando-se a população de 2019
estimada pelo Ministério da Saúde1 como denominador.

4) Por fim, foram obtidos os gastos totais por idade em 2040, aplicando-se o
gasto per capita 2019 na população de 2040.

1 Estimativas preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/CGIAE.

297
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

As projeções populacionais para 2040 foram realizadas por Camarano (2022).


Os grupos etários foram aqueles disponíveis nas referidas projeções: grupos
quinquenais de 0 a 19 anos; e grupos decenais a partir de 20 anos. O grupo aberto
w compreendeu as pessoas de 80 anos ou mais (w = 80 +).

Para se obter a estrutura de utilização e gastos por idade e sexo, foram utilizadas:
a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 (PNS-2019), Sistema de Informações
Hospitalares (SIH-SUS 2019), o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA-SUS
2019), a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018) e dados do Aviso
Beneficiários Identificados (ABI-2019) (Quadro 1).

Quadro 1 – Fontes de dados utilizados por etapa e grupos funcionais


Quadro 1 – Fontes de dados utilizados por etapa e grupos funcionais
A: Estrutura dos gastos, segundo C: Gastos totais e gastos por
B: Gastos médios, segundo idade e sexo em 2019
idade e sexo em 2019 idade e sexo 2040
Grupo de
funções Mercado Desembolso Mercado Desembolso Todos os Mercado Desembolso
SUS SUS SUS
suplementar direto suplementar direto financiamentos suplementar direto

dados ABI;
SIH/SUS e POF2017-2018
POF2017- população
Internações SIH/SUS dados ABI população 2019 e população
2018 2019-Datasus;
(Datasus) 2019-Datasus
PNS2019

dados ABI; Gastos Gj2019 da


SIA/SUS e POF2017-2018 Estimativas obtidas em A e B e
POF2017- população conta SHA para
Ambulatoriais SIA/SUS dados ABI população 2019 e população população de 2040 projetada por
2018 2019-Datasus; nível dos gastos
(Datasus) 2019-Datasus Camarano (2022)
PNS2019 por idade e sexo

POF2017-2018
POF2017-
Medicamento - - - - e população
2018
2019-Datasus

Fonte: Elaborado pelos autores.


Fonte: Elaborado pelos autores.

Foram selecionados três grupos de gastos para projeção: internações, serviços


ambulatoriais e medicamentos. No entanto, não foi possível incluir todas as
funções pertencentes a cada grupo de gastos devido à limitação das bases de
dados complementares. Os detalhes de metodologia e tratamento dos dados estão
disponíveis no Apêndice B.

298
3.2. Gastos com internações ao longo do ciclo de vida
Para estimar os gastos ao longo do ciclo de vida, faz-se necessário ter estimativas
dos sobreviventes. Para os dados de sobrevivência, foi adotada a Tábua Completa de
Mortalidade do IBGE para 2019, considerando um número inicial de 100 mil pessoas
na coorte hipotética. Nesse caso, a coorte hipotética é formada considerando que
cada indivíduo nascido na população experimentasse as probabilidades de morte
e os gastos per capita de saúde por idade observados em 2019, ao longo de toda a
sua vida. Pelas estimativas do IBGE, as mulheres apresentavam uma esperança de
vida ao nascer de 80,1 anos, excedendo a masculina em sete anos. A esperança de
vida aos 80 anos era de 8,7 e 10,5 anos para homens e mulheres, respectivamente
(ver Figura A.2, Apêndice C).

A partir da coorte hipotética, foi estimado o gasto total de um indivíduo ao longo


do ciclo de vida. Assim, o gasto acumulado desde o nascimento b até x idade a (LEb,x)
fornece os gastos restantes a partir da idade x+1 e foi obtido por

sendo Lx o número de anos-pessoas vividos pela coorte entre as idades x e x+1; e


Cx o gasto per capita observado entre pessoas desse grupo etário. O gasto relativo
observado a partir da idade x (RLEb,a) – fração dos gastos totais de um indivíduo
observado a partir da idade x – foi obtido por

onde LEb,0 é o gasto total de um indivíduo ao longo da vida. O gasto de um


sobrevivente à idade x (LEs,x) equivale ao valor restante a ser consumido até o final
da vida. Ele foi obtido pela equação

299
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

onde CX,S é o gasto per capita observado entre os sobreviventes entre as idades
x e x+1, lx é o número de sobreviventes à idade exata x. A proporção dos gastos
observados após a idade x pelo indivíduo que sobrevive à idade x, RLEs,x, é dada por

sendo o gasto esperado para sobrevivente à idade x.

Foram realizadas estimativas separadas para homens e mulheres. Como há


diferenciais de mortalidade por sexo, adicionalmente foram estimados LE e RLE para
as mulheres atribuindo a elas a mortalidade observada para os homens. Assim, é
possível identificar o papel da mortalidade na determinação dos diferenciais de
gastos por sexo.

Os gastos per capita com internações por idade foram obtidos a partir dos
microdados do SIH-SUS, assim como descrito na subseção “Projeções dos gastos
com saúde”. A diferença é que, para os gastos no ciclo de vida, consideramos no
denominador do gasto per capita toda a população brasileira, e não apenas aquela
sem acesso a planos ou seguros de saúde. Os gastos por idade dos sobreviventes
foram calculados excluindo-se as internações em que o desfecho tenha sido o óbito
do paciente. Para obter o gasto per capita dos sobreviventes, aplicou-se um fator de
ajuste por idade (wx), obtido pela razão entre os gastos médios das internações dos
sobreviventes e o gasto médio das internações com todos os indivíduos:

Com isso, assume-se que a relação entre gastos per capita por status de
sobrevivência é igual àquela observada entre os gastos médios por internação e

300
que ela não varia entre a população que morreu durante uma internação ou fora do
ambiente hospitalar.

4. Resultados

4.1. Estruturas de gastos por idade e sexo em 2019


Nesta subseção, são apresentados a distribuição dos gastos de saúde e o gasto
per capita em 2019 para os grandes grupos funcionais considerados para projeção:
ambulatorial, internações e medicamentos. As estimativas apresentadas nas Figuras
2 e 3 foram utilizadas para projeção dos gastos na população de 2040.

Para as internações, cerca de 11% (SUS) a 12% (planos) dos gastos totais estão
concentrados no primeiro grupo etário (0-4 anos). Apesar de a população SUS ser
menos envelhecida (Figura 4, seção 4.2), os pesos dos idosos (60 anos ou mais) são
maiores e respondem por 35,7% dos gastos totais, sendo 19,4% correspondentes
aos gastos com homens. Para planos e seguros, os idosos respondem por 27,4% dos
gastos, sendo o peso dos homens maior (15,5%) (Figura 2, painéis 2.1 e 2.2).

Para o cuidado ambulatorial, esse resultado se inverte. Entre a população com


cobertura de planos e seguros, a concentração de gastos entre idosos é de 43,2%
(24,0% homens e 19,2% mulheres). No SUS, homens e mulheres de 60 anos ou mais
têm pesos praticamente iguais, em torno de 19,9%.

Quanto aos gastos das famílias, os idosos respondem por apenas 28,1%, e o
peso das mulheres (16,8%) supera o dos homens (11,3%). O peso das crianças de 0
a 4 anos é relativamente baixo e semelhante entre os três tipos de financiamento
(Figura 2). Os gastos com medicamentos também são mais elevados entre as
mulheres. A população feminina de 60 anos ou mais responde por 20,3% dos gastos
com medicamentos das famílias, enquanto os homens da mesma idade, por 14,4%.

301
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Figura 2 – Distribuição (%) dos gastos por idade e sexo, segundo grupos funcionais
e tipo de financiamento – Brasil, 2019
2.1: Distribuição dos gastos com internações por idade e sexo, 2.2: Distribuição dos gastos com internações por idade e sexo,
Idade (limite inferior do grupo etário)

Idade (limite inferior do grupo etário)


SUS planos ou seguros de saúde
80 3,7 3,1 80 2,6 2,1
70 5,6 6,6 70 4,0 4,5
60 7,1 9,7 60 5,3 8,8
50 6,3 8,2 50 5,5 7,5
40 5,2 5,3 40 6,0 5,8
30 6,1 4,1 30 8,3 5,6
20 7,0 3,5 20 7,5 4,3
15 2,4 1,2 15 1,8 1,6
10 0,7 0,9 10 1,3 1,4
5 0,7 1,0 5 1,5 2,0
0 5,4 6,4 0 5,5 6,9
10,0 7,5 5,0 2,5 0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 10,0 7,5 5,0 2,5 0,0 2,5 5,0 7,5 10,0
SUS-mulheres SUS-homens plano-mulheres plano-homens

2.3: Distribuição dos gastos ambulatoriais por idade e sexo, 2.4: Distribuição dos gastos ambulatoriais por idade e sexo,
Idade (limite inferior do grupo etário)

Idade (limite inferior do grupo etário)


SUS planos ou seguros de saúde
80 2,4 2,5 80 2,9 3,7
70 6,4 7,1 70 7,0 8,6
6011,0 10,3 60 9,2 11,8
5011,1 8,5 50 10,4 10,8
40 8,4 5,5
40 8,3 6,7
30 5,6 3,9
30 5,9 5,3
20 3,6 2,8
20 2,2 2,4
15 1,3 1,4
15 0,4 0,6
10 1,4 1,8
10 0,4 0,6
5 1,3 1,4
5 0,6 0,9
0 1,0 1,3
0 0,6 0,6
12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0
SUS-mulheres SUS-homens plano-mulheres plano-homens

2.5: Distribuição dos gastos ambulatoriais por idade e sexo, 2.6: Desembolso direto (famílias), medicamentos
Idade (limite inferior do grupo etário)
Idade (limite inferior do grupo etário)

desembolso direto (famílias)


80 3,9 2,3
80 3,1 1,8
70 6,8 4,7
70 5,9 3,3
60 9,6 7,4
60 7,7 6,2
50 9,5 8,2
50 10,1 8,6
40 8,3 8,0
40 8,8 8,8
30 7,7 8,0
30 8,9 8,5
20 4,3 5,0
20 5,5 5,7
15 0,7 0,8
15 1,2 1,3
10 0,2 0,2
10 0,3 0,5
5 1,0 1,0
5 0,7 0,8
0 1,2 1,2
0 1,1 1,1

12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 12,0 10,0 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0

familias-homens familias-mulheres familias-homens familias-mulheres plano-mulheres plano-homens

Fonte: Elaborado pelos autores com base em estimativas populacionais preliminares elaboradas pelo
Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária; SIH e SIA-SUS (2019); PNS-2019; Brasil (2022); POF
(2017-2018).

302
A Figura 3 apresenta os gastos per capita estimados com base na distribuição
apresentada na Figura 2 e os dados da Conta SHA. Em 2019, o gasto per capita estimado
com internação na população SUS foi de aproximadamente R$ 476, entre homens,
e R$ 470, entre mulheres. Entre a população com acesso à saúde suplementar, esses
valores foram, respectivamente, R$ 1.560 e R$ 1.353, sendo expressivamente mais
elevados (Figura 3). De forma geral, os gastos decrescem com a idade e voltam a
crescer mais expressivamente a partir dos 40 anos, mas com uma inclinação mais
acentuada na curva de gastos dos homens, sobretudo na população com planos ou
seguros, em que os gastos per capita da população masculina chega a ser 2,2 vezes
maior que a feminina. Os gastos entre as mulheres se elevam no início do período
reprodutivo em razão, principalmente, de cuidados relacionados à saúde materna,
mas permanecem abaixo dos valores observados para os homens.

Para o cuidado ambulatorial, os gastos são mais elevados, sobretudo para o


SUS. Em 2019, o gasto per capita no SUS era de R$ 959 e de R$ 850, para homens
e mulheres, respectivamente; para a população com plano ou seguro, R$ 1.986 e
R$ 1.636. O padrão etário difere do observado para internações, pois os gastos são
sempre crescentes com a idade. Os diferenciais por sexo também são crescentes
com a idade, com os homens de 80 anos ou mais apresentando gastos 60% maiores
que o das mulheres, na população SUS, e 170% na população com plano ou seguro
(Figura 6). Mas na população SUS, entre 20 e 59 anos, as mulheres apresentam gastos
per capita maiores que os homens.

Os gastos com cuidados ambulatoriais e com medicamentos por desembolso


direto seguem padrão de crescimento com a idade semelhante ao observado para os
demais tipos de financiamento. Contudo, o gasto per capita é maior entre mulheres
(R$ 16,45), comparadas aos homens (R$ 13,86), resultado do comportamento das
médias mais elevadas entre elas a partir de 50 anos (Figura 3).

303
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Figura 3 – Gasto per capita (mil), segundo idade, sexo, grupo funcional e tipo de
financiamento – Brasil,
Figura 3 – Gasto per 2019
capita (mil), segundo idade, sexo, grupo funcional e tipo de financiamento –
Brasil, 2019
1.1: População SUS, internações 1.2: População com plano ou seguro, internações
4000 1,8 4000 2,5
1,5 2,2
1,4 1,5 1,6
1,4 A: População SUS, internações B: População com plano ou seguro, internações
2,0
3000 1,2 1,2 1,4 3000 1,7 1,6
1,1 1,1 1,2 1,6
1,0 1,2 1,2 1,5
2000 1,2
0,7 2000 1,0
4000 0,8 0,9
0,5 0,5 4000 0,8 1,0
0,6 0,6
1000 0,4 1000
0,5
3500 0,2 1,5
3500 1,50,0
0 0,0 0 1,4
0 5 10 15 20 25 30 1,435 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
3000 Idade (limite inferior do grupo) 3000 Idade (limite inferior do grupo)
1,2 1,2
SUS SUS razão homens/mulheres homens Mulheres razão homens/mulheres
1,1 1,6
2500 2500 1,1

1.3 População SUS, cuidado ambulatorial 1,2 1.4: População com plano ou seguro, cuidado ambulatorial
2000 D: População
2000 com plano ou seguro, cuidado ambulatorial
1,2 1,2
9000 C: População SUS, cuidado ambulatorial
1,6 1,8 9000 2,7 3,0
8000
1,4 9000 0,7
1,6 8000 1,0 2,7 2,5
70001,2 1500 0,9
1,2 80001,4 1500
7000
0,8
6000 1,1 1,1
0,5 1,1 1,2 1,8
0,5 70001,0 6000 1,7 2,0
5000 9000 0,8 0,7 0,8 5000 1,3 1,3 1,4 0,6
4000 1000 0,7 60000,8 1000 1,2 1,2 1,7
1,8 1,5
40001,0 1,0
3000 50000,6 1,3 1,3
3000
1,4 1,0
1,0 1,6
8000 40000,4 1,2 1,2
2000 1,0 2000 1,0 1,0
1000 500 30000,2 500 0,5
1000
0 7000 0,0 1,4
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 2000 0 0,0
1,2 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
01,2 1000 0
0
6000 5 10 Idade15(limite20
inferior do
25grupo)30 35
0 040
5 45
10 50
15 55
20 (limite
Idade 60
25 inferior
65
30 do grupo)
70
35 75
40 80
45 85
50
homens 1,1
mulheres 1,1
razão homens/mulheres 0 5 10 15homens
20 25 30 35mulheres
40 45 50 55 razão
60 1,1
65 70 75 80 85
homens/mulheres

5000 Idade (limite inferior do grupo)


E: Populações total, cuidado ambulatorial, desembolso direto (famílias)
1.5: Populações total, cuidado ambulatorial, desembolso
Idade
0,8 (limite inferior do
F: Populações grupo)
total, medicamentos Idad
direto (famílias) 0,8 homens mulheres
1.6: Populações total,razão homens/mulheres
medicamentos
4000 0,7
40
1,7
2,0
120 0,7 1,1 109,0 1,2
1,1 1,1
35 34 3234 1,8 1,0 1,0 103,1
1,0
3000 SUS 1,6 1000,9
SUS homens 1,0
razão 0,9
homens/mulheres
Mulheres
30
25 1,4
0,9 0,9 106 1
25 40 1,1 22
24
25 120 80,3
0,9 1,0 1,0 1,0 1,0 23 0,9 0,9 1,2 80 91 0,8
2000 18 0,9 1,13
20 1,0 56,6
14 17 0,7 60 73 0,6
15 35 9 15 1,7
0,8 1,06
41,1 1,07
0,6 32,8 54 34 1,03 34
10
4 3
1000 4 9 0,4 10040 0,98 42
0,4
2 0,95 18,6 35
5 4 2012,4
3 30 4 0,2 10,0
2,1 6,6 21 0,88
0,2
32
1
0
0 5 10 15
0 0,0
12
0 20 25 530 35 40
10 45 501555 60 65
20 70 752580 85 30 350 10402 15 45 25 3050
7 20 55 50 5560 65 75 8070 0 75 80 85
80 0 5 10 35 40 45 60 65 70 85
25 pelos autores comIdade
Fonte: Elaborado base(limite
em inferior do grupo)
estimativas populacionais preliminares elaboradas pelo 25inferior do grupo)
Idade (limite
Ministério da Saúde/Secretaria
homens mulheresde Vigilância
razãoSanitária; SIH e SIA-SUS 2019; PNS-2019;
homens/mulheres contas 23 2019
SHA 25
homens mulheres 24do
Idade (limite inferior
razao grupo)
homens/mulheres
1,0 1,0 1,1 5
20 1,0 1,0 60 22
0,9 0,9 0,9 0,9
17
Fonte: Elaborado
15 pelos autores com base em estimativas populacionais
18 preliminares
16 elaboradas pelo41,1
homens 15 mulheres razãocontas 0,7
homens/mulheres
Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância Sanitária;
14 40SIH e SIA-SUS 2019; PNS-2019; 32,8SHA 2019 42
(Brasil, 2022),
10 POF (2017-2018). 35
9
9 18,6
2012,4
5 4 4 10,0 21
3 4 6,6
4 12 2,1
3 1 10
0 2 0 7
0 5 10 15 20 25 30 35
0 405 45
2
10 50
15 55
20 60
25 65
30 70
35 75
40 80
45 8

304
4.2. Projeções dos gastos para 2040
Nesta subseção, são apresentados os resultados das projeções realizadas
com base nas estimativas apresentadas na seção 4.1. A Figura 4 apresenta as
distribuições etárias e por sexo segundo cobertura por plano ou seguro de saúde. A
população coberta exclusivamente pelo SUS (população SUS) é menos envelhecida,
comparativamente à população com cobertura de planos ou seguros de saúde, com
pesos menores para população acima de 30 anos. A população de 60 anos ou mais
representava 13,2% da população SUS e 15,7% da população com plano ou seguro.
Em 2040, esses valores saltam para 24,6% e 28,7%, respectivamente. O grupo de 0
a 4 anos, que mantém médias de gastos elevadas, pelo menos para as internações,
terá declínio em número absoluto e do seu peso, nesse período. Nesse contexto,
as mudanças médias observadas nos gastos dependem de forças que operam em
sentidos contrários: pressão para aumento dos gastos por causa do envelhecimento
e queda em razão do declínio do peso das crianças.
Figura 4 – Distribuição (%) da população por idade e sexo, segundo cobertura de
planos ou seguros de saúde – Brasil, 2019 e 2040

2019

Idade (limite inferior do grupo etário)


Idade (limite inferior do grupo etário)

80 1,1 1,7 0,80,8 80


70 2,1 2,8 1,9 1,7 70
60 3,9 4,8 3,7 3,5 60
50 5,7 6,3 5,5 5,2 50
40 6,7 7,9 6,7 6,6 40
30 7,7 9,8 8,7 7,8 30
20 8,4 7,4 6,8 8,7 20
15 4,1 2,9 2,9 4,3 15
10 3,8 2,7 3,0 3,9 10
5 3,5 3,1 3,4 3,6 5
0 3,4 3,6 3,7 3,6 0

10,0 7,5 5,0 2,5 0,0 2,5 5,0 7,5 10,0 10,0

SUS-mulheres plano-mulheres SUS-homens plano-homens SUS-mu

Fonte: Com base em estimativas populacionais preliminares elaboradas pelo Ministério da Saúde/SVS/
DASNT/CGIAE e PNS-2019. Disponível em https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/.

305
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Idade (limite inferior do grupo etário) 2040

80 2,5 3,7 1,3 1,3


70 4,8 6,1 4,4 4,0
60 6,3 7,5 5,8 5,7
50 6,7 7,2 6,3 6,2
40 6,3 7,2 6,2 6,3
30 5,7 7,1 6,5 6,0
20 6,8 5,8 5,5 7,2
8,7
15 3,8 2,6 2,6 4,0
10 3,5 2,4 2,3 3,1
5 2,9 2,5 2,4 2,5
0 2,3 2,4 2,3 2,2

10,0 10,0 7,5 5,0 2,5 0,0 2,5 5,0 7,5 10,0

mens SUS-mulheres plano-mulheres SUS-homens plano-homens

Fonte: Com base em projeções populacionais de Camarano (2022) e PNS-2019.

A Figura 5 apresenta os gastos totais para cada grupo etário segundo sexo,
tipo de financiamento e grupo funcional. A mudança observada nos gastos entre
2019 e 2040 se deve às variações dos contingentes populacionais em cada grupo
etário. Como a estrutura de gasto por idade e a cobertura por planos ou seguros
são mantidas constantes, as variações relativas dos gastos por idade são iguais para
todos os tipos de financiamento e grupos funcionais.

Observa-se que tanto para homens quanto para as mulheres abaixo de 50 anos,
os gastos diminuem entre 2019 e 2040. Para as crianças de 0 a 4 anos, os gastos
diminuem em torno de 38% (39% para os homens e 34% para as mulheres). A partir
dos 50 anos, os gastos aumentam, e as razões entre gastos de 2040 e 2019 atingem
2,14, para homens de 70-79 anos, e 2,08 para as mulheres no mesmo grupo etário.

306
Figura 5 – Gastos totais com cuidado em saúde (R$ milhões) e razões entre os gastos
de 2040 e 2019 por idade, segundo sexo, grupo funcional e tipo de financiamento,
Brasil, 2019 e 2040

lação feminina, internações, planos ou seguros 5.1: Razão entre gastos de 2040 e 2019 por idade
e SUS
2,08 2,09
2,17

1,50
1,54 1,58
1,10
0,86 0,88 0,87
0,77 0,76 1,11
0,65 0,70
0,88 0,89
0,75 0,78 0,72
0,59 0,66
20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
SUS 2019 plano 2040 SUS 2040
Idade (limite inferior do grupo etário)
homens mulheres
lação feminina, cuidado ambulatorial, planos ou
seguros e SUS

5.2: População masculina, internações, planos ou seguros e SUS 5.3: População feminina, internações, planos ou seguros 5.1: Razão entre
12000 12000 e SUS

10000 10000
8000 8000
6000 6000
20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
4000 4000 0,86 0,88
0,77 0,76
19 SUS 2019 plano 2040 0,65 0,7
2000 2000 0,88
0,75 0,78 0,7
0 0,59 0,66
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
0 5 10 15 20 25 30
plano 2019
pulação feminina, cuidado ambulatorial, desembolsoSUS 2019 plano 2040 SUS 2040 plano 2019 SUS 2019 plano 2040 SUS 2040

direto (famílias)
348 homens
315 330
5.4: População masculina, cuidao ambulatorial, planos ou 5.5: População feminina, cuidado ambulatorial, planos ou
35000 seguros e SUS 35000 seguros e SUS
218 286
253
176 251 30000 185 30000
220
120 25000 25000
157 167
20000 20000
30 89
15000 15000
34 10000 10000
15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
5000 5000
mulheres 2019 mulheres
0 2040 0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85

plano 2019 SUS 2019 plano 2040 plano 2019 SUS 2019 plano 2040
SUS 2040 SUS 2040
ção feminina, medicamentos, desembolso direto
(famílias)
1.055 1.046

770 5.7: População feminina, cuidado ambulatorial, desembolso


5.6: População masculina, cuidado ambulatorial, desembolso di-
702
698 400 direto (famílias)
609 400 603 reto (famílias) 348
569 530 503 350 315 330
350
395 300
318 300 288 218 286
242 270 271 250
250 242 249 243 253 251
176 185
222 200 220
26 200 204
175 177 150 120
20 25 30 35 40 45 50 55 150
60 65 70 75 80 16185 157 167
100
125 307 100
eres 2019 mulheres 2040
94 81 5021 16 6 30 89
0 0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85

plano 2019 SUS 2019 plano 2040 plano 2019 SUS 2019 plano 2040
SUS 2040 DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS
SUS 2040 PARA O FUTURO

5.7: População feminina, cuidado ambulatorial, desembolso


5.6: População masculina, cuidado ambulatorial, desembolso di-
400 direto (famílias)
400 reto (famílias) 348
350 315 330
350
300
300 218 286
270 271 250
250 242 249 243 253 251
176 185
222 200 220
200 204
175 177 150 120
150 161 157 167
125 100
100 94 81 5021 16 6 30 89
50 36 52
3219
2214 32 032 21 34
0 1410 0 5 10 8 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
mulheres 2019 mulheres 2040
homens 2040 homens 2019

5.8: População masculina, medicamentos, desembolso 5.9: População feminina, medicamentos, desembolso direto
direto (famílias) (famílias)
1.000 1.055 1.046
1.000
800 833
746 800 770
666 698 702
600 590 585 602 600 609 603
523 543 569 530 503
400 427
364 344 400 395
282 270 318 288
200 171 200 242
89 48
53 73 57 90
0 14 50
11 0
58 71
55 15
13 52
46
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85

homens 2019 homens 2040 mulheres 2019 mulheres 2040

Fonte: Elaborado pelos autores com base em estimativas populacionais preliminares feitas pelo Ministério
da Saúde/SVS/DASNT/CGIAE (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/); SIH; PNS-
2019; contas SHA (BRASIL, 2022); projeções populacionais de Camarano (2022).

A combinação das forças populacionais resultou em uma variação total positiva


dos gastos com internações (Tabela 2). Para o SUS, o efeito da mudança demográfica
é maior, com um aumento de 20% nos gastos para a população feminina e de 15%
para a masculina. Embora a população coberta por planos e seguros seja mais
envelhecida, os seus gastos per capita para as idades 0-4 anos são relativamente
elevados, o que fez com que a queda dos gastos nessas idades tivesse um efeito
compensação do envelhecimento maior que o observado para o SUS. A variação
dos gastos para os homens é estimada em 10%; e para as mulheres, de 5%, para a
população com alguma cobertura de saúde suplementar.

308
No caso do cuidado ambulatorial, as variações dos gastos são maiores. Para a
população SUS, há um aumento de 26%, para homens, e de 22%, para as mulheres.
Diferentemente das internações, os gastos ambulatoriais aumentam mais entre a
população com plano ou seguro, com uma variação média de 31% entre os homens,
e 26% entre mulheres (Tabela 2).

Os gastos por desembolso direto têm variações maiores entre as mulheres. Para
Os gastos por desembolso direto têm variações maiores entre as mulheres. Para os
os serviços ambulatoriais, os gastos crescem em média 16% entre as mulheres e 8%
serviços ambulatoriais, os gastos crescem em média 16% entre as mulheres e 8% entre os homens.
entre
Paraososhomens. Para ooscrescimento
medicamentos, medicamentos, o crescimento
é da ordem de 23% e 14%,é da
paraordem dee23%
mulheres e 14%,
homens,
para mulheres e (Tabela
respectivamente homens, 2). respectivamente (Tabela 2).

Tabela 2 – Razão entre os gastos de 2040 e 2019, Brasil


Tabela 2 – Razão entre os gastos de 2040 e 2019, Brasil
Cuidado ambulatorial Internações Medicamentos
Sexo
SUS Planos e Desembolso SUS Planos e
Desembolso
seguros direto seguros direto
homens 1,26 1,31 1,08 1,20 1,10 1,14
mulheres 1,22 1,26 1,16 1,15 1,05 1,23

Fonte: Elaborado pelos autores com base em estimativas populacionais preliminares feitas pelo Ministério
Fonte: Elaborado pelos autores com base em estimativas populacionais preliminares feitas
da Saúde/SVS/DASNT/CGIAE (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/); SIH; PNS-
pelo Ministério da Saúde/SVS/DASNT/CGIAE (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-
2019; contas SHA (Brasil, 2022); projeções populacionais de Camarano (2022).
saude-tabnet/); SIH; PNS-2019; contas SHA (Brasil, 2022); projeções populacionais de
Camarano (2022).

4.3. Gastos com internações ao longo do ciclo de vida


Os
4.3. gastos perinternações
Gastos com capita com internações
ao longo por idade possuem um formato de U,
do ciclo de vida

assim como apresentado na subseção 4.1. Considerando a coorte hipotética


Os gastos per capita com internações por idade possuem um formato de U, assim como
construída com dados de 2019, o gasto médio com internações de um individuo
apresentado na subseção 4.1. Considerando a coorte hipotética construída com dados de 2019, o
desde o nascimento até a morte (LEb,0) seria de, aproximadamente, R$ 34.161. As
gasto médio de um indivíduo desde o nascimento até a morte (LEb,0) seria de, aproximadamente,
mulheres gastam cerca de R$ 33.732 com internações ao longo da vida, 2,6% a
R$ 34.161. As mulheres gastam cerca de R$ 33.732 com internações ao longo da vida, 2,6% a
menos
menosqueque os
os homens (Figura
homens (Figura 6, painel
6, painel 6.1). Entretanto,
6.1). Entretanto, se as tivessem
se as mulheres mulheres tivessem
a mesma
experiência de mortalidade masculina, o gasto esperado entre elas seria de R$ 25.521, ou seja,
21,9% menor que os gastos dos homens. Isso indica que, se a sobrevivência das mulheres por
idade fosse igual à dos homens, elas teriam um gasto ao longo da vida 15,5% menor.
309
Quando consideramos os gastos dos sobreviventes à idade x, o gasto esperado do
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

a mesma experiência de mortalidade masculina, o gasto esperado entre elas seria


de R$ 25.521, ou seja, 21,9% menor que os gastos dos homens. Isso indica que, se
a sobrevivência das mulheres por idade fosse igual à dos homens, elas teriam um
gasto ao longo da vida 15,5% menor.

Quando consideramos os gastos dos sobreviventes à idade x, o gasto esperado do


nascimento ao final da vida passa para R$ 42.888 (Figura 6, painel 6.2). O diferencial
entre LEb,x e LEs,x tende a ser maior quanto maior for o nível de mortalidade da
população, já que o denominador de LEs,x diminui com o aumento da mortalidade;
e quanto maior for o diferencial do gasto per capita por status de sobrevivência.2
O gasto médio esperado a partir dos 80 anos até a morte passa de R$ 5.830,
considerando toda a coorte, para R$ 1.026, considerando apenas os sobreviventes à
idade de 80 anos (variação de 76%). O diferencial é maior entre os homens, com LEb,x
110% maior que LEs,x aos 80 anos.

2 Nesse caso, partimos do pressuposto de que o gasto médio com internações dos sobreviventes é sempre menor do que o observado entre os
indivíduos que morreram ao longo da internação.

310
Figura 6 – GastoFigura
esperado a partir
6 – Gasto daa idade
esperado partir dax,idade
Brasil 20192019
x, Brasil

Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019; SIH/SUS 2019; Contas SHA (Brasil 2022).
Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019; SIH/SUS 2019; Contas SHA (Brasil 2022).

311
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Quanto à distribuição dos gastos ao longo da vida (RLEb,x), estima-se que aos 63 anos
o indivíduo dessa coorte tenha utilizado 50% dos gastos previstos com internações
durante sua vida (Figura 7, painel 7.1). Os gastos condicionados à sobrevivência à idade
x (RLEs,x) são mais concentrados nas idades mais elevadas, com o indivíduo atingindo
50% dos gastos aos 68 anos. O indivíduo que sobrevive aos 80 anos conta com uma
expectativa de vida de 9,7 anos (Figura C.1, Apêndice C) e com um estoque de 24%
dos gastos para serem utilizados até o final da vida (Figura 7, painel 7.1).

Essa distribuição varia em função do sexo (Figura 7, painéis 7.2 a 7.4). Ao nascer,
a previsão é que 15% dos gastos dos homens sejam observados após os 80 anos
(RLEb,x). Considerando aqueles que sobreviverão a essa idade (RLEs,x), esse valor
passa para 23%. Para as mulheres, as referidas proporções são, respectivamente, 19%
e 25%. Mas se considerarmos a mortalidade masculina, uma mulher sobrevivente à
idade de 80 anos teria 21% dos gastos para consumir até o final da vida.

312
Figura 7 – Distribuição dos gastos com internações por idade e sexo, ao longo da
vida (RLEb,a) e condicionados à sobrevivência (RELs,a), Brasil 2019
Figura 7 – Distribuição dos gastos com internações por idade e sexo, ao longo da vida (RLEb,a) e condicionados à sobrevivência (RELs,a), Brasil 2019

Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019; SIH/SUS 2019; Contas SHA (Brasil, 2022).

24
Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019; SIH/SUS 2019; Contas SHA (Brasil, 2022).

5. Discussão
Um aspecto importante que esses resultados apontam é a necessidade de
desagregação dos gastos por função de saúde, para investigação de efeitos
demográficos sobre eles. Embora haja um comportamento geral de crescimento
dos gastos com a idade, existem especificidades das funções de saúde que
interagem com esse perfil. Nos serviços hospitalares, há um efeito positivo na
variação dos gastos devido ao envelhecimento, mas que é compensado pela queda
das internações no primeiro grupo etário (0-4 anos). Isso ocorre porque, nesse

313
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

caso, o gasto per capita com internações é elevado e o grupo acaba tendo peso
relativo elevado no gasto total. Como apresentado na subseção 2.1, o número de
nascimentos passa a decrescer a partir de meados da década de 2010, tanto em
função da fecundidade menor como pelo menor contingente de mulheres em
idades reprodutivas. Entre 2020 e 2040, o número de nascidos deve passar de 2,984
milhões para 2,456 milhões, representando uma queda de 17,7%. Para os serviços
ambulatoriais, o gasto é relativamente pequeno para esses grupos etários, e o efeito
do crescimento da população acima de 60 anos sobressai, causando maior pressão
sobre os gastos.

Pela limitação encontrada, nao foram investigadas as subfunções dentro dos


grupos de internações, cuidado ambulatorial e medicamentos. Também não foram
avaliados os gastos dos medicamentos no SUS e na saúde suplementar. Mas essa
análise indica que essa seria uma desagregação importante, sobretudo ao se
pensar na relação entre cuidados curativos e preventivos. Os cuidados preventivos
podem ser um ponto-chave para a melhoria da qualidade da atenção à saúde.
Rocha, Furtado & Spinola (2020) destacam o potencial do SUS para caminhar para
a sustentabilidade. Dadas a sua escala de cobertura, a capacidade de coordenação
de prevenção e promoção da saúde por meio da atenção primária, o sistema
tem espaço para ganhos de produtividade ao longo do tempo. Mas a emenda
constitucional n. 95, de 2016, pode ser um entrave, tendo como resultado um
aumento da segmentação público-privado no financiamento da saúde, e assim
causar perdas de equidade no sistema.

O efeito do envelhecimento também varia segundo as fontes de financiamento.


No caso do SUS, as consequências podem ser maiores para as internações, mesmo
tendo uma população menos envelhecida, porque o peso dos gastos dos idosos é
maior e o das crianças é bem semelhante ao observado para a população coberta pela
saúde suplementar. Para o cuidado ambulatorial, isso se inverte, pois a participação
dos gastos com pessoas acima de 60 anos é maior para população coberta por planos

314
e seguros, e a diferença aumenta entre os maiores de 70 anos. Cabe destacar que
esse resultado pode estar refletindo o padrão de acesso e utilização diferenciado
entre os sistemas, particularmente quando se trata do atendimento ambulatorial
especializado. Parte desse resultado pode ser reflexo das desigualdades de acesso
e dos vazios assistenciais maiores para grupos populacionais que dependem
exclusivamente do SUS.

Quanto à magnitude das consequências das mudanças demográficas sobre


o gasto, há de se considerar que em 2020 a população brasileira já se encontrava
em momento crítico. A razão de dependência total, que vinha declinando com a
queda na proporção de população jovem, passou a crescer em função do patamar
atingido pelo peso da população de 65 anos ou mais. Uma parte do envelhecimento
esperado nos trabalhos das décadas de 2000, como os de Berenstein & Wajnman (2008)
e Rodrigues (2010), já ocorreu. Parte dos efeitos dessa mudança no sistema de saúde já
está ocorrendo, como a queda do número de nascimentos3 e, portanto, da pressão sobre
o cuidado voltado para a saúde materna. Isso é um fator a ser considerado nas políticas
de atenção à saúde da mulher e contenção da mortalidade materna, por exemplo.

Por outro lado, ainda há um substancial envelhecimento até 2040, e as pessoas de


60 anos ou mais terão participações cada vez maiores na composição populacional.
O aumento da esperança de vida tem provocado um envelhecimento dentro do
grupo de idosos, considerando-se que parte dos ganhos seja entre idosos. Conforme
apontado na subseção 2.2, a população de 80 anos ou mais pode ultrapassar 26,8%
do grupo de 65 anos ou mais em 2040. Mas choques na saúde podem interferir
na evolução desses indicadores, como foi o caso da pandemia de Covid-19. Ela
trouxe desafios assistenciais e provocou um aumento expressivo da mortalidade
em 2020 e 2021, sobretudo entre os idosos, com uma perda de esperança de vida
de 0,69 aos 65 anos só em 2020 (Castro et al., 2021). Outros grupos populacionais

3 Indicadores apresentados na subseção “Breve panorama recente de aspectos demográficos da população brasileira e expectativas para
2040”.

315
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

também foram afetados, como é o caso das mulheres em idade fértil. Entre 2019 e
2020, houve um crescimento de 25% de óbitos maternos, grande parte atribuída
à epidemia de Covid-19 (Fundação Oswaldo Cruz, 2021). A população projetada
utilizada neste trabalho (Camarano, 2022) buscou incorporar o efeito da mortalidade
por Covid-19 e apontou que o número de idosos em 2040 pode ser 3,4 milhões
abaixo do projetado pelo IBGE (2018). Adicionalmente, o choque da pandemia
trouxe consequências econômicas, como redução do PIB com consequências sobre
a situação fiscal (Rocha; Furtado & Spinola, 2020) que devem afetar o volume de
recursos destinados à saúde.

Essa análise é complementada pela estimativa do gasto ao longo do ciclo de vida.


Os gastos médios ao longo da vida analisados representam uma medida sintética
que incorpora os efeitos da estrutura etária, por prover o gasto por indivíduo
pertencente a uma coorte hipotética. A vantagem é que ela pode ser comparada
com outras populações ou pode ser acompanhada ao longo do tempo, mesmo que
haja diferença ou mudança na estrutura etária. Além disso, ela permite distribuir o
gasto esperado do indivíduo por idade e, assim, informa em que grupos de idade os
gastos se encontram mais concentrados.

Por limitações nas bases de dados disponíveis, o exercício foi aplicado apenas para
os gastos com internações, para os quais é possível obter o status de sobrevivência
do indivíduo que usou o serviço. Essa informação permitiu estimar os gastos
médios esperados entre indivíduos sobreviventes a uma idade a. Isso é importante
na medida em que permite observar o que ocorre com os gastos se a mortalidade
muda ao longo do tempo, tanto em termos de nível quanto em termos de padrão
etário. Se houver uma compressão da mortalidade, por exemplo, espera-se que haja
cada vez mais sobreviventes nas idades mais jovens e que o efeito da mortalidade
seja sentido em idades cada vez mais avançadas. Isso indica que os gastos podem
continuar aumentando entre as idades superiores.

316
Cabe ressaltar a limitação da informação utilizada e que é necessário avançar no
alcance de dados mais apurados para ponderar os gastos por idade e sexo. Para o
SUS, os dados do SIA são limitados por terem uma grande parte dos gastos, que se
originam do BPA-C, sem informação individualizada. No caso dos planos e seguros,
os dados da ABI cobrem apenas cuidado de uma parte específica dos usuários:
aqueles que utilizaram o SUS e para os quais houve algum tipo de ressarcimento ao
sistema. Para o desembolso direto, os dados da POF 2017-2018 não têm informações
para as crianças abaixo de 10 anos. Além disso, a estrutura de utilização recorre a
imputações. As imputações de gastos para essas idades trazem um grau de incerteza,
além daqueles já comuns em pesquisas de inquérito: problemas de memória na
declaração, imprecisão das informações declaradas, não resposta, dentre outros.

Com relação ao gasto ao longo do ciclo de vida, outra questão refere-se à


utilização da estrutura etária e do padrão de mortalidade dos serviços utilizados
pelo SUS aplicados a todo o gasto com internações (público e privado). Há uma
hipótese forte de que o gasto total irá seguir esse padrão. Assim, é muito importante
ter informações abertas por sexo e idade, particularmente para aqueles internados
por meio de planos e seguros de saúde, responsáveis por parte expressiva dos gastos
com internações, segundo estimativas da Conta SHA. Além disso, seria relevante
estender esse exercício para investigação de internações segundo especialidade,
tendo em vista que mudanças na morbidade ao longo do tempo podem modificar
as demandas por grupos de internações específicos. Ademais, deve-se investigar
outras funções de saúde, como o cuidado ambulatorial e medicamentos, que podem
ter um comportamento diferenciado daqueles observados para as internações ao
longo da vida.

317
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

6. Considerações finais
Este estudo fez as projeções dos gastos com saúde do Brasil para 2040 considerando
o componente demográfico, isto é, efeitos da distribuição demográfica e por sexo
nos gastos com saúde. Para tanto, trouxe uma contribuição ainda não explorada
pela literatura: fazer essa estimativa considerando diferentes tipos de financiamento
e funções de saúde para se observar o comportamento dos gastos para cuidado
ambulatorial, internações e medicamentos.

Os principais resultados mostram que o envelhecimento populacional atinge mais


os serviços ambulatoriais, já que nas internações o aumento da população idosa é,
em parte, compensado pelo declínio da população de 0 a 4 anos. Os efeitos são
maiores no SUS, para internações, e para os planos e seguros de saúde, no caso de
serviços ambulatoriais. Entre as famílias, a maior pressão ocorre entre as mulheres,
maiores usuárias dos serviços financiados por desembolso direto.

A despeito das limitações dos dados e das análises, o trabalho aponta para a
necessidade de avaliação do comportamento dos gastos com saúde segundo funções
de saúde e tipo de financiamento. Para estimativas detalhadas, é importante ter
acesso a dados mais completos e detalhados com informações individuais. No SUS,
há expectativa de avanços no sentido de ter um sistema de dados interconectados
e integrados, que permitam detalhamentos da utilização pelo menos por idade e
sexo. Além disso, espera-se que as informações da saúde suplementar avancem para
permitir a abertura dos dados conforme essas categorias de análise – e que novas
pesquisas de saúde e de orçamento das famílias sejam realizadas nos próximos
anos. Espera-se, também, que os dados de financiamento e gasto com saúde
possam avançar permitindo desagregações por idade e sexo. Essas informações são
importantes tanto para entender o padrão de utilização de serviços de saúde no
país quanto para ampliar a compreensão sobre o financiamento desses serviços.
Além disso, permitem discutir perspectivas do sistema de saúde brasileiro.

318
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324
Apêndice A – Indicadores de mudança demográfica
Apêndice A – Indicadores de mudança demográfica
Figura
FiguraA.1
A.1 ––Indicadores
Indicadores de mudança
de mudança demográfica,
demográfica, Brasil, 2010 a 2060
Brasil, 2010 a 2060

E: Índice de Envelhecimento (65+/14-64)


140
120
100
% 80
60
40
20
0
2010 2015 2020 IE - 2025
IE - Total Homens 2030 2035
IE - Mulheres 2040

Fonte: Projeções
Fonte: populacionais
Projeções populacionaisdo
do IBGE,
IBGE, versão 2018;IBGE
versão 2018; IBGE(2018).
(2018).

325
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Apêndice B – Metodologia e dados para projeção dos gastos por função de


saúde agregada
Podemos descrever o gasto total com cuidados da função j (j = ambulatorial,
hospitalar, odontológicos...), dado pela equação

onde Gji,t é o gasto total observado entre pessoas de idade i, determinado pelo
produto entre: pi,t (número de pessoas na idade i); sji,t (o número médio de serviços
utilizados por pessoa); e cti,t (custo médio dos serviços j para as idades i). O termo
entre parênteses na equação 1 fornece o gasto per capita com cuidados da função j
para cada grupo etário i (gji,t):

Assim, para projetar o gasto em saúde para 2040, como dito, foi utilizado o gasto
para 2019 e a projeção da população para 2040. Assim, teríamos o gasto com
cuidados j, em 2040, dados por

Parte dos dados da Conta SHA por funções de cuidados em saúde (HC) e regime
de financiamento (HF 1 a 3) está na Tabela A.1 (A.1.1 e A.1.2). Esses dados são
combinados com informações da POF, do SIA-SUS, SIH-SUS e da PNS conforme
procedimentos detalhados a seguir.

326
Tabela B1 – Despesas correntes (em R$ milhões) do SUS (HF 1.1),* dos planos e
seguros de saúde (HF 2.1)* e das famílias (HF 3.1), segundo funções de cuidados de
saúde (ICHA-HC) – Brasil, 2019
Planos e seguros
HC - Função de cuidados de saúde
SUS (HF 1.1) (HF 2.1) Famílias (HF 3.1)
HC - Função de cuidados de saúde Gasto
Peso
Gasto Peso (%) Gasto
Peso
(%) (%)
HC 1 - Atenção curativa 177.683 64,1 129.665 61,3
HC 1.1 - Internações gerais 69.974 25,2 72.024 34,1
HC 1.2 - Hospital dia para diagnóstico e tratamento (exceto reabilitação e de longo prazo) *** 579 0,2 4.002 1,9
HC 1.3 - Atenção curativa ambulatorial 103.514 37,3 53.640 25,4
HC 1.3.1 - Atenção curativa ambulatorial básica 45.950 16,6 7.164 3,4
HC 1.3.1.1 - Atenção ambulatorial básica 36.343 13,1 2.878 1,4
HC 1.3.1.2 - Atenção ambulatorial básica - Urgência 9.607 3,5 41.663 19,7
HC 1.3.2 - Atenção ambulatorial odontológica + 7.041 2,5 35.229 16,7
HC 1.3.3 - Atenção ambulatorial especializada (exceto reabilitação e longo prazo) 50.399 18,2 6.434 3,0
HC 1.3.3.1 - Atenção ambulatorial especializada 37.719 13,6 -
HC 1.3.3.2 - Atenção ambulatorial especializada - Emergência 12.680 4,6 -
HC 1.3.4 - Atendimento curativo ambulatorial - práticas alternativas 1 0,0 -
HC 1.3.9 - Atenção ambulatorial - não especificado 123 0,0 1.934 0,9
HC 1.4 - Atendimentos gerais em domicílio 3.616 1,3 -

HC 2 - Atendimentos de reabilitação 3.032 1,1 3.143 1,5


HC 2.1 - Internações em reabilitação 561 0,2 0 0,0
HC 2.2 - Hospital-dia em reabilitação - 0 0,0
HC 2.3 - Atendimentos de reabilitação em regime ambulatorial 1.962 0,7 3.143 1,5
HC 2.4 - Atendimentos domiciliares em reabilitação - 0 0,0
HC 2.9 - Atendimentos de reabilitação não especificado 509 0,2 -

HC 3 - Cuidados de longo prazo 3.592 1,3 6.483 3,1


HC 3.1 - Internações de longo prazo e psicossociais 1.402 0,5 2.076 1,0
HC 3.2 - Hospital-dia para cuidados de longo prazo e psicossociais 1.323 0,5 571 0,3
HC 3.3 - Atendimentos ambulatoriais de longo prazo e psicossociais 147 0,1 2.013 1,0
HC 3.4 - Cuidados de longo prazo e psicossociais domiciliares 720 0,3 1.823 0,9

HC 4 - Atividades complementares de diagnóstico e tratamento 34.239 12,3 37.009 17,5


HC 4.1 - Exames laboratoriais clínicos e anatomopatológicos 18.786 6,8 14.735 7,0
HC 4.2 - Exames de imagem e métodos gráficos 12.526 4,5 21.251 10,1
HC 4.3 - Transporte de pacientes, inclusive subsídios e emergência 2.585 0,9 1.023 0,5
HC 4.3.1 - Transporte de pacientes, inclusive subsídios 1.454 0,5 -
HC 4.3.2 - Transporte de pacientes - Emergência 1.130 0,4 -
HC 4.9 - Outras atividades complementares ao diagnóstico e tratamento 342 0,1 -

HC 5 - Medicamentos e artigos médicos 14.289 5,2 3.357 1,6


HC 5.1 - Medicamentos e artigos médicos não duráveis 10.297 3,7 25 0,0
HC 5.1.1 - Medicamentos com obrigatoriedade de prescrição 8.334 3,0 -
HC 5.1.2 - Medicamentos sem obrigatoriedade de prescrição 1.964 0,7 -
HC 5.2 - Órteses, próteses e outros dispositivos médico-hospitalares 2.285 0,8 3.332 1,6
HC 5.2.1 - Óculos, lentes e produtos oftalmológicos 19 0,0 -
HC 5.2.2 - Próteses e outros dispositivos para audição 433 0,2 -
HC 5.2.3 - Órteses e outros dispositivos para ortopedia e mobilidade 409 0,1 -
HC 5.2.4 - Órteses e outros dispositivos para saúde bucal 644 0,2 -
HC 5.2.9 - Outras órteses e dispositivos não especificados anteriormente 780 0,3 -
HC 5.3 - Atividades complementares à obtenção de produtos médicos e tecidos humanos 1.707 0,6 -

HC 6 - Atividades de prevenção, promoção e vigilância em saúde 27.538 9,9 2.294 1,1


HC 6.1 - Programas de Informação, educação e aconselhamento 5.846 2,1 1.049 0,5
HC 6.2 - Programas de imunização 7.290 2,6 0 0,0
HC 6.3 - Programas para detecção precoce de doenças 622 0,2 537 0,3
HC 6.4 - Programas de monitoramento de populações saudáveis 10.036 3,6 708 0,3
HC 6.5 - Programas de controle de vigilância epidemiológica e de risco e doença 3.741 1,3 0 0,0
HC 6.6 - Progr. Recup. desastres e resp. emergenciais 2 0,0 0 0,0

HC 7 - Gestão e regulação do sistema de saúde 15.217 5,5 29.432 13,9


HC 7.1 - Gestão do sistema de saúde 13.913 5,0 -
HC 7.2 - Regulação do sistema de saúde 1.304 0,5 -

HC 9 - Outras atividades de saúde não classificadas 1.801 0,6 -


HC 9.9 - Outras atividades de saúde não especificadas anteriormente 1.801 0,6 -

TODAS AS FUNÇÕES 277.390 100,0 211.383 100,0 176.753 100,0


Fontes: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz, 2022. Informações retiradas das Tabelas 2, 12 e 23 de Brasil (2022).
*HF 1.1: terminologia adota para Sistemas Universais de Saúde (SUS, no caso do Brasil); HF 2.1 : Planos e seguros de saúde voluntários suplementares (regulados pela
ANS); HF 3.1 Desembolso direto não relacionado a terceiros

Fontes: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz, 2022. Informações retiradas das Tabelas 2, 12 e 23
de Brasil (2022).
*HF 1.1: terminologia adota para Sistemas Universais de Saúde (SUS. no caso do Brasil): HF 2.1 : Planos e seguros de saúde
voluntários suplementares (regulados pela ANS): HF 3.1 Desembolso direto não relacionado a terceiros

327
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Tabela B2 - Composição dos grupos de cuidado selecionados para a projeção


segundo funções de saúde
Grupo: gasto
gasto Funções selecionadas para para
projeções Planos e seguros
Funções selecionadas projeções
projetado gasto % gasto %
HC 1.1 - Internações gerais 69.974 25,23 72.024 34,07
HC 1.2 - Hospital dia para diagnóstico e tratamento (exceto reabilitação e de longo
579 0,21 4.002 1,89
prazo)
Internações HC 2.1 - Internações em reabilitação 561 0,20 0 0,00
HC 2.2 - Hospital-dia em reabilitação 0,00 0 0,00
HC 3.1 - Internações de longo prazo e psicossociais 1.402 0,51 2.076 0,98
HC 3.2 - Hospital-dia para cuidados de longo prazo e psicossociais 1.323 0,48 571 0,27

HC 1.3 - Atenção curativa ambulatorial 103.514 37,32 53.640 25,38


HC 2.3 - Atendimentos de reabilitação em regime ambulatorial 1.962 0,71 3.143 1,49
HC 2.4 - Atendimentos domiciliares em reabilitação 0,00 0 0,00
Ambulatoriais HC 2.9 - Atendimentos de reabilitação não especificado 509 0,18 0,00
HC 3.3 - Atendimentos ambulatoriais de longo prazo e psicossociais 147 0,05 2.013 0,95
HC 3.4 - Cuidados de longo prazo e psicossociais domiciliares 720 0,26 1.823 0,86
HC 4 - Atividades complementares de diagnóstico e tratamento 34.239 12,34 37.009 17,51

Medicamentos e
HC 5 - Medicamentos e artigos médicos
outros

Total Percentual do gasto coberto pelas projeções 214.930 77,48 176.300 83,40
Fontes: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz, 2022. Informações retiradas das Tabelas 2, 12 e 23 de Brasil (2022).
Fontes: Brasil (2022) - Ministério da Saúde, IPEA. Fiocruz. 2022. Informações retiradas das Tabelas 2. 12 e 23
de Brasil (2022).

Os procedimentos detalhados para obtenção de Gj,2040, para homens e mulheres,


são descritos nos passos 1 a 6. O índice j indica o tipo de cuidado analisado (grupo
funcional), sendo j = internações, ambulatoriais e remédios.

1) Foi estimada a estrutura dos gastos por idade e sexo em 2019: proporção de
gastos com cuidado j por idade e sexo, usando as bases complementares.

2) A estrutura estimada no passo 1 foi aplicada nos gastos totais com cuidado
j estimados nas Contas SHA-2019 (BRASIL, 2022), para se obter o gasto total por
idade e sexo: Gji,2019.

3) Foram estimados gji,2019 (gasto per capita) para 2019 pelo quociente entre
Gji,2019, obtido no passo 2, e a população por idade e sexo (pi2019), estimada pelo
Ministério da Saúde/Datasus: gji,2019=Gji,2019/pi,2019. Deve-se observar que gji,2019 é o
gasto per capita pelo tipo de financiamento considerado (SUS, plano ou seguro,

328
desembolso direto). Ele não representa o custo médio do cuidado utilizado, mas a
média de gastos por idade considerando-se toda a população exposta a cada tipo
de financiamento e não apenas a população que recebeu o cuidado.

4) Foram estimados os gastos totais por idade em 2040: Gji,2040 = gji,2019 * pi,2040.

5) Foi estimado o gasto total para o grupo j:

O SIA e o SIH-SUS foram usados para estimativas de estrutura etária e por sexo
dos cuidados ambulatoriais e das internações, respectivamente. Como não houve
desagregação por tipo ou função de saúde, o pressuposto é que a estrutura
de utilização e dos gastos, assim como os gastos médios por idade e sexo, está
constante para todos os tipos de cuidado que compõem os gastos com internações
e ambulatoriais. Esses dados foram usados para as estimativas do SUS.

Para os ambulatoriais, o SIA não registra informações desagregadas por idade e


sexo para todos os procedimentos realizados. Existem três grupos de documentos
de registro que dão origem a essas informações:

1) Boletim de Produção Ambulatorial (BPA): aplicativo de captação do atendimento


ambulatorial composto de dois módulos de captação, BPA consolidado (BPA-C) e
BPA individualizado (BPA-I);

2) Autorização de Procedimentos Ambulatoriais (APAC): aplicativo de captação do


atendimento ambulatorial no qual são registrados os procedimentos que exigem
autorização prévia do gestor local para sua execução (maioria dos procedimentos
da alta complexidade e alguns da média complexidade).

3) Registro de Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS): aplicativo de captação


do atendimento ambulatorial no qual são registrados procedimentos de atenção
psicossocial, financiados por meio de incentivos da política da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS).

329
DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

No caso do BPA-C, 79% dos gastos registrados não são desagregados por idade
e sexo (Tabela A.1.2). O referido boletim é responsável por cerca de 42% dos gastos
ambulatoriais; os seus dados sem desagregação respondem por 33,3% dos gastos
totais. Desse modo, a estrutura de gastos por idade e sexo dos gastos ambulatoriais
foi estimada usando aproximadamente 66,7% das informações do SIA. Cançado
(2020) analisou os dados do SIA e constatou que grande parte dos dados sem
informações de idade e sexo refere-se a procedimentos clínicos e de diagnóstico,
enquanto os procedimentos com dados individualizados concentram-se em
consultas e medicamentos. Assim, considera que se os procedimentos estiverem
relacionados entre si, a falta de informação individualizada poderia modificar o
gasto médio por pessoa, mas não a estrutura dos gastos por idade e sexo. Desse
modo, espera-se que os problemas sejam minimizados, já que estamos usando os
dados apenas para distribuir os gastos por idade e sexo, enquanto o valor per capita
é estimado com base nos montantes das Contas SHA.
Tabela B3 – Distribuição (%) dos gastos SIA-SUS por idade, segundo o tipo de
documento de registro – Brasil, 2019
Documento de Registro no SIA

Faixa etária APAC - APAC - Total


BPA-C BPA-I Procedimento Procedimento RAAS
Principal Secundário
Menor 1 ano 3,02 1,22 0,09 0,26 0,04 1,60
1 a 4 anos 0,99 3,15 0,80 1,02 0,29 1,45
5 a 9 anos 0,88 3,66 1,99 1,56 1,36 1,91
10 a 14 anos 0,76 3,35 3,22 2,54 1,76 2,19
15 a 19 anos 0,91 3,99 1,66 1,93 3,95 1,91
20 a 24 anos 1,03 5,04 1,57 2,05 6,43 2,19
25 a 29 anos 0,97 4,99 2,19 2,40 8,20 2,36
30 a 34 anos 1,15 5,59 3,25 3,19 13,20 2,92
35 a 39 anos 1,25 6,40 4,59 4,41 12,77 3,61
40 a 44 anos 1,24 7,08 5,90 5,19 14,75 4,20
45 a 49 anos 1,16 7,82 7,45 6,76 8,95 4,86
50 a 54 anos 1,29 8,94 9,48 8,96 11,51 5,88
55 a 59 anos 1,22 9,26 11,10 10,81 8,59 6,49
60 a 64 anos 1,33 8,99 12,38 12,01 4,25 6,90
65 a 69 anos 1,11 7,70 12,15 11,95 1,16 6,42
70 a 74 anos 0,85 5,56 9,70 10,03 1,49 4,99
75 a 79 anos 0,57 3,74 6,78 7,45 0,54 3,46
80 anos e mais 1,18 3,52 5,70 7,46 0,77 3,33
Não informada/não
79,11 0,00 0,00 0,00 0,00 33,34
exigida
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Ministério da Saúde, Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS).
Fonte: Ministério da Saúde - Sistemas de Infomações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS)

330
Quanto ao sistema suplementar, a estrutura de gastos por idade e sexo e gji,2019
foi estimada usando dados ABI-ANS. Essas bases provêm dos dados de serviços
hospitalares e ambulatoriais dos beneficiários de planos ou seguros de saúde que
tenham sido financiados pelo SUS. Trata-se de informações utilizadas pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para ressarcimento ao SUS, por parte das
operadoras. Como é uma subamostra não aleatorizada de todos os beneficiários,
ela pode conter viés na estrutura e gasto médio por idade. No entanto, dada a
dificuldade de obtenção de dados mais adequados, esse procedimento foi adotado
considerando-se que a estrutura dada pelos dados ABI seja mais representativa,
comparativamente àquela obtida para o SUS por meio do SIH e do SIA.

Para estimar a população usuária de planos ou seguros de saúde, utilizou-se a


taxa de cobertura com base na PNS-2019. A partir disso, foi calculada a população
coberta exclusivamente pelo SUS, chamada população SUS, excluindo-se o número
de beneficiários da população total. Embora a cobertura do SUS seja integral e
universal, esse procedimento foi adotado para que não houvesse contagem dupla
dos gastos de usuários dos planos e seguros de saúde, partindo do suposto de que
haja ressarcimento dos gastos dessa população quando utilizado serviço financiado
pelo SUS. Esse procedimento não tem efeitos sobre a variação relativa dos gastos ao
longo do tempo, já que a cobertura por planos e seguros está mantida constante.
Caso tivesse sido adotada a população total para as estimativas SUS, os custos médios
dos serviços seriam menores que os estimados para 2019 e 2040. Isso alteraria os
gastos totais de 2019 e 2040 na mesma proporção, e o crescimento relativo dos
gastos entre os períodos não se alteraria.

A POF foi usada para construir a estrutura de gastos por idade e sexo e dos gastos
médios das famílias por grupo etário. Consideraram-se apenas os gastos com
cuidado ambulatorial e com medicamentos, uma vez que os gastos hospitalares com
desembolso direto são muito pequenos e a amostra é pequena para desagregação

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

por idade e sexo. Como não há discriminação de gastos para idades de 0 a 9 anos,
os valores para essas faixas foram estimados por meio de regressão em razão dos
gastos do chefe. Foram incluídas dummies para as faixas 0 a 4 e 5 a 9 anos e variáveis
de controle (raça/cor, situação de domicílio, região, idade e escolaridade do chefe).
Os valores imputados para as crianças nessas idades foram descontados dos gastos
dos chefes.

Apêndice C – Metodologia e dados para estimativas dos gastos com internações no ciclo de vida
Apêndice C – Metodologia e dados para estimativas dos gastos com
internações no ciclo de vida
Figura C1 – Esperança
Figura de
A.2 vida da idade
– Esperança a,da
de vida Brasil
idade2019
a, Brasil 2019

Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019.

Fonte: IBGE – Tábua Completa de Mortalidade 2019.

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DOENÇAS CRÔNICAS E LONGEVIDADE: DESAFIOS PARA O FUTURO

Este livro foi editado em acesso aberto, podendo ser


baixado e acessado online em tablets, smartphones, telas de
computadores e em leitores de ebooks.
Produção Multimeios | Icict | Fiocruz
Textos compostos em Myriad Pro, Barlow e Geneva.

Rio de Janeiro, abril de 2023.

334
ISBN 978-65-87663-10-4

9 7 86587 663104

REALIZAÇÃO

335

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