Dissertação de Mestrado - Julianne Caju
Dissertação de Mestrado - Julianne Caju
Dissertação de Mestrado - Julianne Caju
RONDONÓPOLIS – MT
2017
JULIANNE CAJU DE OLIVEIRA SOUZA MORAES
RONDONÓPOLIS – MT
2017
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:
Tel : (66)
78735-901
3410-4035
-RONDONÓPOLIS/MT
- Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : DISCURSOS SOBRE A TEMÁTICA DO ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E
DA PEDOFILIA NA MÍDIA ESCRITA
RONDONÓPOLIS, 21/08/2017.
Aos meus pais, Justino e Irene. À minha sogra,
Esmeralda, e ao meu, sogro, Garibaldi. Aos
meus irmãos, Julian e Fabiano. E aos meus
meninos: Lázaro, meu parceiro, Joaquim e
Frederico, meus pequenos príncipes.
AGRADECIMENTOS
Os meus agradecimentos vão para as muitas pessoas que estiveram e estão comigo desde
sempre. Não quero correr o risco de esquecer alguém, haja vista que são inúmeras as que
merecem meus agradecimentos. Então, não as cito, aqui, mas seus nomes encontram-se
gravados, eternamente, em meu coração.
Cada um e cada uma, que esteve comigo em algum momento da minha vida, a seu modo, me
ensinou e me ajudou. De alguma forma me incentivou e contribuiu para a concretização deste
trabalho.
Tenho em mim um pouquinho de cada um e de cada uma que estendeu suas mãos e doou seu
coração. O meu fôlego e minha energia foram abastecidos por cada palavra e cada abraço.
Palavras-chave: Infância. Mídia. Pedofilia. Abuso sexual infantil. Jornal Folha de São Paulo.
ABSTRACT
This masters’ thesis was developed within the Master Degree Program in Education of the
Federal University of Mato Grosso, in Rondonópolis city, in the line of research Language,
culture and knowledge construction process. It was composed within the Study Group
Childhood, Youth and Contemporary Culture (GEIJC, Grupo de Estudos Infância e
Juventude na Cultura Contemporânea). This research aims to analyze the emergence of
articles in printed media on the subject of pedophilia and sexual abuse against children and
adolescents, thus cooperating in the discussions on the rights of the childhood and adolescent
and the social developement of Brazilian childhood and youth. Since the decade of 1990,
pedophilia and sexual abuse against children and adolescents are significant issues that claim
great attention from Brazilian society. In fact, these are issues that need to be addressed
promptly. To do so, understanding the outline of their social definition, that is, the way these
issues are viewed by society has repercussions on the way in which they are intended to face
it. In the wake of this thought, considering the media as an important social actor in the
interpretation of social issues, we seek to identify the publicization, as well as rhetoric and
discursive repertoires, used in the emergence of the themes of sexual abuse against children
and adolescents and pedophilia. This study enquires whether the substantial increasing of
these themes, in the last two decades, has been contributed to the confrontation of these
problems in Brazilian society or if the dramas around these issues have been used to feed a
sensationalist approach to this subject. This research was developed within J.B. Thompson’s
methodological proposals called Depth Hermeneutics (DH). We’ve analyzed the newspaper
Folha de São Paulo’s two-hundred and twenty-one articles on the subject of pedophilia and
“child sexual abuse”, in the period of 1976 and 1990. The data analyzed indicated pedophilia
had been ignored by Folha de São Paulo until the 80’s, as from the 90’s have been the object
of increasing attention. Also, it shows that the publicization is associated to the emergence of
sexual violence against children and teenagers, in the international scenario, and also to the
diffusion of children and adolescents’ rights, in the Brazilian scenario, thanks to the
promulgation of the Children and Teenager Statute (ECA, Estatuto da Criança e do
Adolescente) in 1990. We also notice that the newspaper uses the expression pedophilia to
refer to “child sexual abuse”, and that this choice causes more impact on the audience, being
quite sensationalist. Thus, the term pedophilia was being built up, meaning that all and any
sexual abuse against children and adolescents has correlation with pedophilia. More than that,
it became a major social problem and, as it was written began to cause panic among the
public. However, this characterization does not work as sensationalism only, but it has
deleterious effects in facing this issue, as it also contributes to build a conception of abuser as
a sick person, defocusing the character of “child sexual abuse” as a cultural phenomenon
produced and sustained by a society structured on age and gender inequalities and sustained
by patriarchal values and practices.
Keywords: Childhood. Media. Pedophilia. “Child sexual abuse”. Folha de São Paulo
Newspaper.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Menções por ano com o descritor pedofilia no acervo da Folha de S. 127
Paulo (1976-2015)
Gráfico 2 – Distribuição das UIs do universo, de acordo com o tipo da UI 131
Gráfico 3 – Distribuição dos tipos de UIs do universo por ano 131
Gráfico 4 – Distribuição de frequência das UIs sobre os temas prostituição infanto- 132
juvenil, trabalho infanto-juvenil, gravidez na adolescência e meninos de rua
Gráfico 5 – Distribuição da frequência de produção do universo de UIs no Brasil e 133
no Exterior
Gráfico 6 – Distribuição de frequência das UIs do universo por tipo e localização 134
geográfica
Gráfico 7 – Distribuição das UIs do universo por ano e a localização geográfica 135
Gráfico 8 – Distribuição de UIs do universo por caderno 137
Gráfico 9 – Distribuição da frequência das UIs do corpus por dia da semana 139
Gráfico 10 – Distribuição e frequência das UIs do corpus por tema 143
Gráfico 11 – Distribuição e frequência de UIs do corpus por ano e tema 143
Gráfico 12 – Distribuição e frequência das UIs do corpus pela ênfase do conteúdo 144
Gráfico 13 – Distribuição da frequência das UIs do corpus do quadro 146
institucional do informante
Gráfico 14 – Distribuição de frequência de UIs do corpus por acontecimento gerador 148
Gráfico 15 – Frequência das UIs do corpus do uso do termo pedofilia nos títulos 150
Gráfico 16 – Distribuição e frequência por UIs do corpus que apresentam informação 157
sobre a criança ou adolescente
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 15
PARTE I: CAMPO DE ESTUDO ......................................................................................... 24
CAPÍTULO 1 – CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA, DA SEXUALIDADE E DE
PROBLEMAS SOCIAIS .......................................................................................................22
1.1 Construção Social da Infância: tensões e debates......................................................22
1.2 A sexualidade como construção social ........................................................................ 35
1.3 A construção social da infância inocente .................................................................... 37
1.4 A construção de problemas sociais .............................................................................. 41
CAPÍTULO 2 – DISCURSO, MÍDIA E NOTÍCIA............................................................. 50
2.1 Construção da notícia ................................................................................................... 56
CAPÍTULO 3 – O MÉTODO DA HP PARA ANÁLISE DAS FORMAS SIMBÓLICAS..60
3.1 Midiação da cultura moderna...................................................................................... 60
3.2 O método da Hermenêutica de Profundidade ............................................................ 62
PARTE II: ANÁLISE DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO ....................................... 67
CAPÍTULO 4 – O JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO.................................................... 67
4.1 O leitor da Folha ........................................................................................................... 71
CAPÍTULO 5 – A PRODUÇÃO E DIFUSÃO DO TEMA DO “ABUSO SEXUAL”
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ...................................................................... 73
5.1 A emergência dos discursos sobre os direitos da criança e do adolescente ............. 73
5.1.1 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto
internacional .................................................................................................................... 75
5.1.2 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto nacional.82
5.2 A construção social da noção de “abuso sexual infantil” e da pedofilia ...................... 87
5.3 As violências sexuais contra crianças e adolescentes ..................................................... 94
5.3.1 “Abuso sexual” contra crianças e adolescentes ................................................... 95
5.3.2 Exploração sexual contra crianças e adolescentes............................................... 97
5.3.3 Pedofilia ................................................................................................................... 98
CAPÍTULO 6 – MÍDIA E INFÂNCIA ............................................................................... 100
6.1 Infância e mídia ........................................................................................................... 100
6.2 A valorização do agendamento na mídia das temáticas sobre a infância .............. 104
6.3 As questões da infância na Folha de São Paulo........................................................ 111
6.4 Discursos sobre os temas do abuso sexual de crianças e adolescentes e pedofilia na
mídia...... ............................................................................................................................. 115
PARTE III: ANÁLISE FORMAL ...................................................................................... 126
CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DISCURSIVA DAS FORMAS SIMBÓLICAS:
PROCEDIMENTOS E RESULTADOS ............................................................................. 126
7.1 Procedime ntos para a coleta de dados ...................................................................... 126
7.1.2 Definição do universo e do corpus de análise ..................................................... 129
7.1.3 Estratégias de análise ........................................................................................... 129
7.2 Análise discursiva das unidades de informação: resultados ................................... 130
À LUZ DE CONSIDERAR , (RE)INTERPRETAÇÕES DAS FORMAS SIMBÓLICAS
................................................................................................................................................ 159
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 167
APÊNDICES ......................................................................................................................... 176
APÊNDICE 1 ........................................................................................................................ 176
Relação de UIs ................................................................................................................... 176
Relação das UIs que integram o universo e o corpus da pesquisa ................................ 176
Relação das UIs do corpus da pesquisa ........................................................................... 181
APÊNDICE 2 ........................................................................................................................ 185
Grade de Análise (Manuais) ............................................................................................ 185
MANUAL 1: atributos selecionados para codificação do contexto de produção das UI
do Universo. ....................................................................................................................... 185
MANUAL 2: atributos selecionados para codificação de conteúdo das UI do corpus 187
APÊNDICE 3 ........................................................................................................................ 195
Tabelas... ............................................................................................................................ 195
15
INTRODUÇÃO
Esta investigação integra uma pesquisa coletiva que busca analisar os discursos sobre
o abuso sexual contra crianças e adolescentes na sociedade brasileira, cujo tema geral de
investigação é a construção da agenda dos direitos de crianças e adolescentes 1 .
Assim, no bojo dessa investigação coletiva, temos observado que, principalmente após
a aprovação da Convenção Internacional de 1989 e do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) em 1990, houve uma grande mobilização mundial e nacional em torno de temáticas
associadas aos direitos de crianças e adolescentes, mobilização esta encetada pelo ativismo
em torno da infância, pela mídia e pela ação governamental (MARIANO, 2010). Após uma
sequência de temáticas dos direitos da criança e do adolescente terem tido grande visibilidade
midiática e sido alvo de campanhas, tais como “meninos de rua”, “prostituição infanto-
juvenil”, “trabalho infanto-juvenil”, “gravidez na adolescência”, temos visto, nos últimos
anos, uma grande mobilização em torno das temáticas do “abuso sexual infantil” e da
pedofilia. Embora o abuso sexual contra crianças e adolescentes seja repudiado em nossa
sociedade e alvo de muitas mobilizações, segundo o sociólogo Herbert Rodrigues (2014),
constitui um crime tolerado na prática, posto que ainda há práticas sociais que reproduzem a
cultura do estupro contra mulheres e contra crianças.
O abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno novo, mas é recente
a sua percepção e visibilidade na sociedade, principalmente após 1990, sob o rótulo da
pedofilia. Rodrigues (2014, p. 11, grifos do autor) assinala que “o termo pedofilia não era
usado para descrever a preferência sexual de adultos por crianças e, tampouco, para qualificar
o crime de “abuso sexual infantil”.
Trata-se de uma questão cujo enfrentamento envolve muitos desafios, posto que reflete
sobremaneira as assimetrias de poder entre adultos e crianças/adolescentes, e que pode refletir
conjuntamente outras assimetrias: de homens sobre mulheres, de ricos sobre pobres, de
brancos sobre negros.
1
Pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Carmem Lúcia Sussel Mariano que, inclui, além deste mestrado, dois
estudos de Iniciação Científica, que tem como participantes Ariane da Silva e Dafne Conceição Silva Uhde . Esta
investigação integra também um projeto de pesquisa mais amplo, no âmbito do Grupo de Pesquisa Infância,
Juventude e Cultura Contemporânea (GEIJC), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Mato Grosso (Fapemat), do qual participam vários pesquisadores , denominado: “Mídias e discursos do corpo:
infância e juventude no contemporâneo”, cujo objetivo geral é compreender os discursos sobre a criança e o
jovem, privilegiando questões de gênero, corpo, sexualidade e mídia, que participam da construção social da
infância e da juventude na contemporaneidade.
16
tenham muitos caminhos, muitas formas, e que sejam diferentes do que é dito ou produzido.
Ao propormos uma problematização sobre a categoria “pedofilia”, estamos propondo um
olhar crítico sobre os sentidos produzidos acerca dessa questão, para que assim tenhamos
possibilidades de desengatar “os mecanismos de poder que detém posições estabelecidas” e
possamos abrir “novas perspectivas para o conhecimento” (MONTERO, 2004, p. 5).
Neste sentido, partimos do pressuposto que a discussão pública sobre a infância
constrói determinadas imagens de crianças e da infância e que a mídia usa retóricas
específicas para falar da infância. Estudos nacionais (ANDRADE, L., 2001; FREITAS, R.,
2004; NAZARETH, 2004; ANDRADE, M., 2005; BIZZO; 2008; MARIANO, 2010) e
internacionais (NAVAS, 1994; ARFUCH, 1997; FRANKLIN, 2002; PONTE, 2005) têm
apontado que as crianças e jovens ascendem à visibilidade midiática, especialmente a
noticiosa, a partir de duas imagens contraditórias: como passivos, dependentes, vulneráveis e
demandando proteção ou, alternativamente, como antissociais, desviantes, irresponsáveis, que
necessitam de controle social. Nesse sentido, observa-se que, se por um lado, é imprescindível
a proteção de crianças e adolescentes contra abusos sexuais, por outro, é necessário debater
como tais discursos têm circulado, que tipo de retóricas abrigam, que categorias produzem e
quais representações de infância têm engendrado. Bob Franklin (2002), ao estudar o noticiário
britânico nas décadas de 1980 e 1990, identificou que a imagem mais proeminente das
crianças, na cobertura de imprensa, naquele país, era a da inocência ou, mais exatamente, da
“inocência violada da infância”, bem como que as campanhas da mídia, relacionadas à
infância estavam mais voltadas para o “considerável” risco de abuso físico e sexual das
crianças, sugerindo a necessidade de uma proteção maior, inclusive de seus próprios pais
(FRANKLIN, 2002, p. 30).
Assim, indagamos por que o tema da pedofilia ocupa, agora, tanto destaque em
campanhas e na mídia, dentre tantas outras temáticas relacionadas à violação dos direitos da
criança, igualmente importantes, e que não recebem tamanha atenção no debate público,
como, por exemplo, o grande déficit de vagas em creches, ou o assassinato em massa de
jovens negros brasileiros? Seria porque a imagem da criança abusada/molestada provoca
grande comoção da qual a mídia sensacionalista se nutre? Portanto, a questão central que
percorremos nesta pesquisa indaga se o aumento substancial da noticiabilidade sobre a
pedofilia nas últimas duas décadas teria contribuído para o enfrentamento dessa problemática
na sociedade brasileira ou se o dramatismo que essas questões envolvem teria sido usado para
alimentar um tratamento sensacionalista dessa temática.
18
Desse modo, o objeto desta pesquisa envolve o papel que a mídia exerce no debate
público a respeito da infância, nos discursos e na construção da agenda dos direitos da criança
e nas imagens produzidas sobre infância. Embora haja interesse público, a temática da
pedofilia pode interessar mais à mídia ao evocar a imagem da “criança em perigo”, para
captar audiência, para a espetacularização, do que propriamente para contribuir com o debate
e o enfrentamento dessa complexa questão na sociedade. Ao analisar os repertórios pelos
quais os temas da pedofilia vêm circulando, buscamos, de certa forma, lançar olhares sobre as
ressonâncias desses discursos na visibilidade e representações de infância.
Entendemos que os textos jornalísticos são artefatos que contribuem
significativamente na construção social da infância e da juventude. A mídia participa da
construção de realidades e isso ecoa no contexto educativo. Nesse caso, ela contribui para
alimentar e realimentar pânicos morais em torno do corpo das crianças, principalmente na
relação professor-aluno.
A relevância desta pesquisa para o campo da Educação reside no fato de que a
sexualidade se faz muito presente na escola, “nas falas e nas atitudes das professoras, dos
professores e estudantes” (LOURO, 1997, p. 131), muito embora seja constantemente
escamoteado, seja inadvertidamente ou intencionalmente, tal como se pode vislumbrar no
movimento que culminou na retirada dos conteúdos de gênero e sexualidade dos Planos
Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Por se tratar de um tema espinhoso,
controverso e polêmico, que envolve múltiplas questões, há, nas esferas institucionais,
especialmente no âmbito escolar, muitos desafios para trazê-lo ao debate.
Os discursos midiáticos podem interferir na postura do educador diante das expressões
da sexualidade dos alunos, ou diante de atividades pedagógicas que envolvam professor e
aluno. Segundo Guacira Lopes Louro (2010, p. 131), “elas (as expressões da sexualidade)
fazem parte das conversas dos/as estudantes, elas estão nos grafites dos banheiros, nas piadas
e brincadeiras e nas aproximações afetivas, portanto não podemos negar sua existência no
ambiente escolar”. No Brasil há um intenso debate para expulsar das escolas todo o e
qualquer conteúdo sobre a temática de gênero e sexualidade. Há uma forte corrente, formada
por vários atores sociais, de silenciar temas ligados à sexualidade e, ao mesmo tempo, ditar as
formas de agir dos profissionais da educação.
Diferente dos movimentos que contestam muitas ações alcançadas democraticamente
para um ensino plural e com respeito às diversidades nas escolas brasileira, acreditamos que
uma das estratégias de enfrentamento da violência e do abuso sexual contra crianças e
adolescentes é justamente a Educação para a Sexualidade, ou seja, a abordagem sobre as
19
temáticas de gênero e sexualidade nas escolas podem contribuir para um debate e para
elaboração de ações que realmente protejam as crianças e os adolescentes de violência ou
abuso sexual.
Assim como podem ter sido audaciosos os primeiros questionamentos de Fúlvia
Rosemberg, nos anos de 1980, sobre os discursos produzidos sobre a categoria “meninos de
rua”, bem como pode ter sido malvistas as problematizações feitas por pesquisadores do
Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI2 ) sobre os temas da “prostituição
infanto-juvenil”, “gravidez adolescente”, “trabalho infanto-juvenil”, “aborto voluntário”, pela
unanimidade e caráter humanitário de tais “causas”, pode parecer sacrilégio, nos dias atuais,
questionar os discursos sobre “abuso sexual infantil” e a pedofilia. Para além de sermos
consideradas “politicamente inadequadas” ou “inimigas das crianças”, pretendemos nesta
dissertação trazer elementos que contribuam para que a violência sexual contra crianças e
adolescentes seja efetivamente combatida sob outro viés e não exclusivamente o que
preconiza os inquéritos policias e os discursos midiáticos.
Nossa problemática envolve, portanto, investigar os sentidos que a sociedade foi
construindo sobre o tema do abuso sexual contra crianças e adolescentes, em especial, a partir
da categoria “pedofilia”, ou seja, como essa categoria foi sendo fabricada e incorporada como
um problema social e, portanto, como tema de destaque na agenda dos direitos da criança e do
adolescente. Assim, nos interessa entender como se configura essa rotulação da pedofilia e
como a mídia participa de sua construção.
Elegemos como fonte de análise o jornal Folha de S. Paulo (FSP) ante à ampla
atenção que esse veículo dispensa às temáticas da infância (MARIANO, 2010). A FSP é o
jornal que tem posição de destaque na produção e veiculação de peças jornalísticas sobre
infância (ANDI, 2014). Além disso, desde a década de 1990, ocupa a posição de jornal de
maior circulação no país.
Diante do exposto, esta investigação analisa o tratamento dado pelo jornal Folha de
S. Paulo (FSP) quando da emergência do tema do “abuso sexual infantil” e da pedofilia,
buscando identificar as retóricas utilizadas nos discursos analisados e como a categoria
“pedofilia” foi sendo construída e incorporada como um problema social.
Tendo em vista as contingências para a realização de uma pesquisa de mestrado
(tempo e recursos) e a grande quantidade de peças jornalísticas que foram produzidas sobre o
2 O NEGRI foi criado em 1992, pela professora Fúlvia Rosemberg, que o coordenou até 2014, ano de seu
falecimento. Ele fez parte do Programa de Estudos Pós -Graduados em Psicologia Social da PUC/SP e realizou
pesquisas de mestrado e doutorado, sobre relações raciais, idade e gênero no contexto da educação brasileira.
20
Mas antes destas perspectivas dos Estudos Sociais da Infância, uma voz significativa
já defendia, no início do século XIX, “o direito da criança viver sua vida atual” e “o direito da
criança a ser o que é”3 . O primeiro grande defensor dos direitos das crianças foi Janusz
Korczak que idealizou o direito das crianças de terem direito, de serem protegidas, de serem
ouvidas e consideradas pela sociedade. É Korczak que nos ajuda a entender a complexidade
da relação adulto-criança.
Apoiamo-nos, ainda, nos estudos sobre a Construção de Problemas Sociais, em
especial, os de Joel Best (1995) e Josefh Gusfield (1989), pois nos auxiliam na compreensão
do motivo pelo qual somente determinados temas ocupam lugar de destaque na agenda dos
direitos da criança e do adolescente. Tal enfoque pressupõe que, além do aspecto objetivo, a
delimitação de um problema social se baseia, também, no âmbito simbólico. Isto é, uma
situação poderá ser alçada a um problema social na agenda dependendo da atenção que
consegue despertar na sociedade.
As análises de Michel Foucault (1988) sobre os dispositivos disciplinares criados com
o objetivo de gerir a vida, o corpo e a sexualidade, também constituíram importantes aportes
teóricos. Segundo o autor, estes dispositivos foram instituídos a partir de discursos e do
silêncio. Em ambos, na fala ou no não uso das palavras, o poder e o saber se fazem presentes
na história da humanidade.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, recorremos ao referencial metodológico
proposto por John B. Thompson (2011) para a análise das formas simbólicas no contexto da
comunicação: a Hermenêutica de Profundidade (HP). O enfoque da HP compreende três fases
que podem ser descritas como: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, e
interpretação-reinterpretação.
De acordo com tal proposta metodológica, a primeira etapa da HP é a análise do
contexto sócio-histórico de produção, circulação e recepção das formas simbólicas que, no
caso desta pesquisa, são as peças jornalísticas publicadas no jornal Folha de S. Paulo sobre o
tema da pedofilia. Assim, analisamos o contexto sócio-histórico de construção dos temas do
abuso sexual contra crianças e adolescentes e da pedofilia, bem como o contexto institucional
do jornal analisado. Para Thompson, os acontecimentos sócio-históricos são campo-objeto e
também campo-sujeito.
Para a segunda fase da HP, coletamos os discursos midiáticos sobre a temática da
pedofilia na base de dados digital do jornal impresso Folha de S. Paulo. O recorte temporal
3
Trechos da primeira edição da obra de Korczak “Como amar uma criança”, de 1915.
22
foi definido a partir da análise sócio-histórica (primeira fase da HP) e do levantamento sobre a
produção da FSP na temática da pedofilia. Para a análise formal dos discursos coletados,
utilizamos as técnicas da Análise de Conteúdo, conforme sistematizadas por Laurence Bardin
(1977). Entendemos essa técnica como uma das formas possíveis de tratamento de dados em
pesquisa, com a qual mensagens podem ser interpretadas para além dos significados da leitura
simples do real.
Para tanto, coletamos e analisamos 221 peças publicadas pela FSP sobre a temática da
pedofilia. No primeiro levantamento no acervo digital do jornal, localizamos 1625 páginas
para o descritor “pedofilia” e 43 páginas para o descritor “abuso sexual infantil”, no período
de 1976 até 2015. A diferença da quantidade de menções entre os termos sugere a preferência
da FSP em abordar o tema do “abuso sexual infantil” sob o rótulo de pedofilia. Portanto, para
a análise discursiva, optamos por analisar o tratamento dado pela FSP quando da emergência
da temática da pedofilia. Deste modo, analisamos desde a primeira menção do termo pedofilia
no jornal FSP, ocorrida no ano de 1976, até o ano de 1999, ou seja, uma década após a
aprovação do ECA.
A terceira e última fase da Hermenêutica de Profundidade se processa, inicialmente,
por síntese das duas fases anteriores: a articulação dos resultados da análise sócio-histórica e
da análise formal ou discursiva leva à “construção criativa de possíveis resultados”
(THOMPSON, 2002, p. 375). Essa fase implica um movimento novo de pensamento, uma
construção criativa por meio da qual se oferece uma interpretação do que é dito ou
representado pela forma simbólica sob análise. Ou seja, a partir dos discursos analisados,
lançamos outras interpretações sobre como vêm sendo abordadas as temáticas da pedofilia e
do “abuso sexual infantil” pela mídia e suas possíveis repercussões na construção social da
infância e adolescência. Desse modo, a investigação não pretende produzir uma verdade sobre
esses discursos, mas sim, um outro olhar e, tal como esclarece Thompson (2011, p. 46), uma
interpretação se presta a lançar “novas perguntas, novas questões, exige novos tipos de
evidência e argumentação”, de modo a possibilitar a reflexão e a transformação dos sentidos
do cotidiano.
Estruturalmente, este texto está dividido em três partes, com sete capítulos ao todo. A
parte I trata do objeto, da teoria e do método, sendo composta por três capítulos: o primeiro,
destinado aos aportes teóricos que subsidiaram a construção do objeto da pesquisa: os Estudos
Sociais da Infância, a teoria de Foucault sobre a sexualidade e o campo teórico sobre a
construção de problemas sociais. No segundo, apresentamos uma reflexão sobre discurso,
mídia e notícia, a partir de autores que discutem a construção dos discursos e da notícia. O
23
infância e que, exatamente por isso, as crianças eram criadas com mais liberdades,
misturando-se ao mundo dos adultos. Tão logo adquiriam alguma autonomia, participavam de
jogatinas, presenciavam práticas ou brincadeiras de cunho sexual, participavam do mundo do
trabalho e de outros rituais atualmente considerados pertencentes ao mundo dos adultos
(AZEVEDO, CARNEIRO, MALDONADO, 2016).
Ao propor um debate sobre visibilidades das crianças e da infância, Qvortrup (2014)
sugere, a partir das teses de Ariès, que as crianças eram mais vistas e reconhecidas antes da
invenção da infância moderna e antes da institucionalização da infância. Para este autor,
embora as especificidades das crianças não fossem consideradas, estas eram mais livres
quando podiam circular entre os adultos, em diferentes ambientes e momentos. O
enclausuramento das crianças nas famílias e na escola distanciou-as da vida pública, pois elas
(as crianças) deixam de estar em comunidades, para serem exclusividade dos pais e da escola,
a quem cabe a responsabilidade de protegê-las. “As crianças perderam sua visibilidade
legítima no espaço público quando foram confinadas a uma variedade de formas institucionais
de infância: uma infância familiar, uma infância escolar, uma infância pré-escolar, uma
infância de lazer, etc” (QVORTRUP, 2014, p. 28).
Discursos moralistas disseminados pela Igreja começam a ganhar força nas sociedades
dos séculos XVI e XVII. A educação passa, então, a ser vista como instrumento de formação
da moral cristã e torna-se mais rígida, de modo a restringir as liberdades de jovens e crianças,
o que dá início a uma era de sacralização da imagem infantil, de associação da infância a um
tempo de inocência, de proteção e paparicação, que tem, como consequência, a inibição da
participação de crianças na sociedade, afirma Ariès (1981). Logo, seus estudos demarcam que
“o conceito de infância surgiu no momento em que os adultos começaram a olhar para as
crianças como seres que deveriam ser “paparicados” e “moralizados” (PRESTES e TUNES,
2012, p. 13, grifos das autoras).
Sob essa moralização, crianças e jovens são cada vez mais exilados em instituições
escolares e no interior da família, cujo papel assume grande importância no processo de
formação do indivíduo. Assim, a criança não mais deveria circular pela sociedade,
compartilhando momentos com adultos que não fossem seus familiares. Nesse sentido, a
participação da comunidade na construção da identidade da criança é, então, restringida
(ARIÈS, 1981). Como resultado dessas mudanças, a infância ficou cada vez mais afastada das
vivências sociais e restrita ao interior da família e da escola (ROSEMBERG e MARIANO,
2010). A infância torna-se um bem privado.
26
Se for plausível propor que as crianças façam parte da regra da divisão social
do trabalho, é também possível sugerir que certos interesses estejam
conectados a essa regra e que as crianças, baseadas em seu consumo,
reivindiquem recursos sociais, além daqueles que são autorizadas a receber
como membros de uma família particular. É também uma questão moral, se
se pode defender que o direito à provisão é bastante variável, a depender do
background familiar. Nas sociedades orientadas para o consumo, isso é
contraditório, e pode somente acontecer porque crianças (a) são consideradas
fora das sociedades utilitárias como não consumidoras e (b) são
consideradas como propriedade dos pais e, portanto, dependentes do
consumo destes (QVORTRUP, 2011, p. 206).
Esse fenômeno contribui ainda mais para a marginalização da criança e acarreta seu
silenciamento na esfera social. Ademais, Qvortrup (2014) argumenta que as crianças
experimentam, alternadamente, um movimento de visibilidade e invisibilidade. Para o
sociólogo, elas ganham visibilidade em questões relacionadas a problemas sociais e
indisciplina, o que estimula o fortalecimento de movimentos denominados child free4 . Em
4
Em tradução livre, child free significa “livre de crianças” e se refere a um crescente movimento que restringe o
acesso de crianças a determinados espaços para não provocar incômodo em famílias ou pessoas sem filhos.
27
5
Os Estudos Sociais da Infância se constituiu como uma grande área, composta por diferentes perspectivas de
conhecimento sobre a infância, tais como História da Infância, Antropologia da Infância, Geografia da Infância,
Sociologia da Infância.
6
Tradução nossa: A nova sociologia da infância surge a partir de uma insatisfação com as explicações usuais
sobre a vida e o comportamento das crianças, com a maneira como se inserem na sociedade e no conjun to das
ciências sociais, assim como com os métodos e técnicas de investigação aplicadas no estudo das atividades
individuais ou coletivas das pessoas que se encontram nessa etapa de vida denominada infância. Essa
insatisfação leva à busca de outras abordagens teóricas explicativas e também ao desenvolvimento de
29
Assim, esses estudos tentam pensar na infância como um fenômeno social atravessado
por diversos fatores. Ademais, considerando que a infância é construída também a partir de
produções discursivas (PROUT, 2010), é possível afirmar que tudo o que se diz a respeito de
crianças contribui para a construção da imagem do que é ser criança e o que é infância. Nesse
sentido, os discursos midiáticos, acadêmicos e escolares afetam diretamente a criança dentro
da sociedade e, por isso, é tão necessário problematizar os discursos que circulam sobre a
infância, uma vez que eles podem produzir ou sustentar relações de poder ou dominação.
Além do que, as crianças constituem uma categoria social que não fala por si mesma, os
adultos é quem são seus porta-vozes.
Uma questão que afeta incisivamente a criança em todos esses níveis, atualmente, é a
tensão entre a proteção e a participação. A partir do surgimento de um sentimento de infância
e da percepção de que a criança é um sujeito pleno de especificidades e vulnerabilidades, a
ideia de que ela deve ser protegida ganhou muito mais força. Contudo, apesar da necessidade
de proteção das crianças, também é preciso considerar seus direitos de liberdade e
participação ante a sua condição de seres humanos.
Qvortrup (2010b) aborda essa tensão entre proteção e participação em seus estudos e
argumenta que é preciso pensar em meios de se promover a participação política das crianças.
De acordo com o autor, a infância não é afetada apenas pelas questões que dela se ocupam,
mas, ao integrarem a sociedade, são afetadas por aspectos políticos e econômicos
estabelecidos por uma adultez que não considera seus impactos sobre as crianças. Por isso é
preciso assegurar o direito de participação infantil na sociedade. Além disso, o autor considera
que atitudes paternalistas são comuns no trato com a infância e que, sob o ímpeto da proteção,
restringimos suas liberdades, de modo a colocá-las em posição marginalizada na sociedade.
Qvortrup (2011) salienta, ainda, que a criança tem um papel importante na estrutura
social. Além de participar ativamente do processo de ensino aprendizagem nas escolas,
produzindo e perpetuando hábitos e culturas importantes para a continuidade da sociedade, a
criança movimenta todo um mercado de consumo que sustenta o sistema capitalista. Por isso,
o sociólogo defende constantemente o direito de participação política da criança, uma vez que
a infância se configura como uma categoria estrutural permanente na sociedade, ou seja,
embora as crianças cresçam e se tornem adultos, a infância enquanto categoria estrutural
jamais deixará de existir, pois outras crianças nascerão e dela farão parte. Dessa forma, se a
ferramentas de pesquisa adequadas para se chegar a um conhecimento do que significa a infância hoje, como
espaço vital em que se desenvolve a vida das crianças, um fenômeno permanentemente inserido n a estrutura
social e como âmbito significativo para as próprias crianças.
30
infância se apresenta como categoria estrutural, as crianças se constituem como atores sociais
dessa categoria. Conceber a criança enquanto ator social implica reconhecer sua agência,
garantindo, assim, seu direito à proteção enquanto sujeito cheio de especificidades e
vulnerabilidades, mas também reconhecendo seu direito à participação e à liberdade.
James e Prout (1997) argumentam que a experiência da infância na sociedade
contemporânea está se fragmentando e que isso leva a um processo de reapropriação dos
sentidos de criança e infância na sociedade:
[...] desde meados dos anos 1970, há sinais de uma crise cultural (ou
representacional) da infância. Um indicador disso são os textos
semiacadêmicos e populares dessa época que anunciavam o
“desaparecimento da infância”. Postman é bem conhecido, mas há inúmeros
outros. Não seria muito difícil desmentir esses críticos. Mas o fato é que eles
ajudaram a ver que as velhas ideias sobre a infância já não eram adequadas,
que estava ocorrendo então, como ocorre ainda hoje, uma modificação no
caráter da infância. Inclusive, em alguns aspectos, esses críticos estão
corretos ao assinalar o enfraquecimento das fronteiras entre a infância e a
idade adulta (JAMES e PROUT, 1997, p. 731-732).
Logo, Corsaro (2011) critica veementemente a ideia de criança como vir a ser, uma
vez que não podemos pensar na infância como uma progressão futura, já que as crianças
integram a sociedade e participam ativamente de sua produção cultural, constituindo-se,
portanto, atores sociais. Para o autor, a capacidade de produzir cultura é a base da agência
infantil.
Nessa esteira, Corsaro (2011) contesta o modelo de socialização no qual a criança era
vista somente como receptora da cultura transmitida pelos adultos. Para ele, esse modelo
produz uma visão de que a socialização se reduz a um processo de inculcação. Chris Jenks
(2002) amplia essa discussão acerca das teorias clássicas da Sociologia e da Psicologia do
Desenvolvimento. Para o autor, a sociologia funcionalista pensa a criança como proto-adulto,
um ser humano em potencial, que é ensinado e socializado por adultos. As teorias do
desenvolvimento humano que concebem a criança como um ser inacabado, incompleto
também são criticadas pelo autor, pois ao ordenar estágios de desenvolvimento, como prevê a
teoria piagetiana, presume-se uma ordenação que é hierárquica, erigindo o adulto como
padrão desejável, que personificaria a racionalidade e a completude. Ainda, tais etapas
acabam por universalizarem fases do desenvolvimento da criança e estabelecem padrões de
temporalidade e normalidade. Para Jenks (2002) e Corsaro (2011), a criança é muito mais
participativa do que estas teorias consideravam. Eles reconhecem a criança como protagonista
no processo de socialização.
Em oposição à passividade a que a criança é submetida no processo de socialização,
Corsaro (2011) propõe o conceito de reprodução interpretativa. Esse conceito está atrelado à
capacidade da criança de agir de formas criativas para reproduzir sua versão do mundo adulto
e que elas alteram a cultura por meio dessas intervenções. Esse é, portanto, outro aspecto
fundamental da agência da criança.
Corsaro (2011) argumenta que as rotinas culturais entre adultos e crianças se
constituem como fator primordial para a construção de sentido da realidade. A partir da
relação adulto-criança, meninos e meninas entram em contato com as informações do mundo
33
Assim, falar de criança e infância é tocar em temas paradoxais, não unívocos e que
causam muita tensão. Vivemos um momento de profundas transformações culturais, sociais,
econômicas, políticas e religiosas. Há temas que permanecem como “tabus” e continuam
exercendo grande força simbólica na vida das pessoas, especialmente da sociedade ocidental,
entre eles, destaca-se a representação de inocência da criança. A construção social da criança
como imatura, pura e assexuada (ARIÈS 1981, FOUCAULT, 1988), traz ressonâncias na
definição de infância como época da inocência, do ser natural e universal e isso polariza as
posições sociais de adultos e crianças. A criança é colocada como o oposto do adulto, o
diferente, que deve ser controlado.
As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não tem sexo: boa razão
para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fecharem
os olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-lo, razão para
impor um silêncio geral e aplicado (FOUCAULT, 1988, p. 10).
Segundo Prout (2010), entre as razões para que os espaços das crianças se
tornem mais especializados e mais supervisionados por adultos, está o fato
da imagem de “crianças em perigo” tomar conta da discussão pública sobre a
infância. Esta imagem, como afirma o autor, é composta por conceitos de
dependência, vulnerabilidade e inocência (PRADO, 2014, p. 58, grifo da
autora).
35
Assim, se, por um lado, são muito importantes os movimentos e as campanhas que
defendem a “causa da infância”, por outro, na medida em que tais movimentos e discursos ao
terem um adensamento midiático enfocam sobremaneira as questões da infância associadas à
violência, ao risco, à sexualidade, ao desvio, acabam, também, construindo e sustentado a
imagem de “crianças em perigo”.
E um dos perigos que mais aterrorizam a infância contemporânea é a pedofilia. Por
seu turno, a discursividade sobre a pedofilia não se encerra em si mesma. Sua construção
remete a vários outros campos, principalmente ao campo da sexualidade e da representação de
inocência da infância, o que será objeto dos dois próximos tópicos.
concebida de outra maneira. O que antes era chamado de sodomia e tinha a ver com práticas
abomináveis aos olhos de Deus, a partir do século XIX, passa a ser chamado de
homossexualismo e tem a ver com um tipo-de-sujeito que tem uma patologia e precisa ser
reorientado sexualmente à sexualidade tida como natural, que depois vai ser nomeada de
heterossexualidade. Os agentes sociais, formados pela Igreja e pelo Estado, é que
promoveram transformações estruturais na sociedade e passaram a ditar o que é certo e errado
acerca da sexualidade, que passa a ser coisificada nos discursos doutrinadores. Conforme
Foucault (1988),
Não somente foi ampliado o domínio do que se podia dizer sobre o sexo e
foram obrigados os homens a estendê-lo cada vez mais; mas, sobretudo,
focalizou-se o discurso no sexo, através de um dispositivo completo e de
efeitos variados que não se pode mais esgotar na simples relação com uma
lei de interdição. Censura sobre o sexo? Pelo contrário, constituiu-se uma
aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez mais discursos,
susceptíveis de funcionar e de serem efeito de sua própria economia
(FOUCAULT, 1988, p. 26).
a inversão da lei do mundo, o anúncio de um novo dia e a promessa de certa felicidade, estão
ligados entre si” (FOUCAULT, 1988a, p. 13).
Nas sociedades modernas, o sexo é condenado, mas também falado e, de muito falar,
ele também é segredo na medida em que faz parte do foro íntimo. É no século XIX que surge
a noção da sexualidade associada aos sistemas de poder e de saberes. No artigo “A pedofilia e
o dispositivo da sexualidade”, o sociólogo Herbert Rodrigues (2011) discute, a partir da obra
foucaultiana, sobre questões que abarcam condutas sexuais envolvendo crianças e os
desdobramentos na área jurídica e legislativa.
O debate sobre a relação entre criança e adulto é atravessado por várias construções, a
começar pelas diferentes visões dos adultos em relação à infância. Até o século XVI, nas
classes mais favorecidas da Europa, as crianças viviam misturadas com os adultos, conheciam
38
a vida e aprendiam sobre os acontecimentos a partir do contato com eles. Os assuntos sexuais
eram falados normalmente pelos adultos, havendo ou não crianças por perto (ARIÈS, 1981).
Somente a partir do século XVII a criança é separada dos adultos. Esse é um dos
movimentos que dá origem à institucionalização da escola, do recolhimento da família da vida
coletiva e da privatização da criança à família. Philipe Ariès (1981, p. 6), em “História social
da criança e da família”, de 1960, chama isso de “uma das faces do grande movimento de
moralização dos homens promovidos pelos reformadores católicos ou protestantes”.
Até por volta do século XII, havia uma inexistência do sentimento de infância. Nas
poucas obras que representavam as crianças, elas eram retratadas como adultos em
miniaturas. Pequenas mudanças começaram a ocorrer a partir do século XIII, com
representações artísticas e religiosas de crianças como anjos, baseadas no menino Jesus,
associadas a Nossa Senhora menina e ao culto à mãe de Jesus, relacionada também com os
discípulos. A criança nunca esteve ausente, sempre existiu, “ao menos a partir do século XIII,
mas nunca era o modelo de um retrato, de um retrato de uma criança real, tal como ela
aparecia em um determinado momento de sua vida” (ARIÈS, 1981, p. 44).
Essa ausência do sentimento de infância perdurou, segundo Ariès (1981), até o século
XVI. As crianças das classes econômicas mais baixas eram as que mais corriam risco de
morte por causa das péssimas condições de saúde e higiene. Como não existia o sentimento de
cuidado, a morte de uma criança não era sentida como a sentimos hoje, já que, quando isso
ocorria, outra criança logo ocupava o lugar da que morreu.
A partir do século XVIII, acontecem inúmeras transformações no trato com as
crianças. Além dos discursos religiosos, os da ciência médica também passaram a operar na
defesa das crianças pequenas, a princípio voltados para as crianças vítimas de guerra e as
órfãs.
Uma das transformações é com relação aos cuidados com a alimentação, higiene e
saúde. Outro é a preocupação com a mortalidade infantil. Para controlar as enfermidades da
infância, vacinas em crianças passam a ser mais utilizadas e a higiene também é fiscalizada.
Mais uma mudança se dá em relação à imagem da criança, de “adulto em miniatura”, ela se
transforma em um ser em devir, que precisa de cuidados e proteção. Outra é sobre o que ela
pode saber, a criança passa a ficar longe de assuntos considerados imorais, como por
exemplo, o sexo. Essa nova postura e o discurso moralizador sobre a infância interferiram no
papel da família e da escola. A partir do movimento que vai da falta de reserva em conversar
abertamente com as crianças à ideia de pureza relatada por Ariès (1981), é possível
compreender como a sociedade contemporânea percebe e lida com a infância. As
39
sexuais sofridas por crianças e adolescentes e elaboração de leis contra crimes sexuais.
Constituem marcos legais desses movimentos, no Brasil, a Constituição Federal de 1988, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal.
O processo de moralização do comportamento infantil, a exaltação da fragilidade e a
vulnerabilidade das crianças contribuíram para mantê-las bem longe de qualquer questão
inerente à sexualidade. Para Ariès (1981), a sexualidade é um grande divisor de águas para a
instauração da imagem da infância como tempo da inocência na sociedade ocidental.
Essa concepção da infância partir das produções de discursos sobre a sexualidade
soma-se com a de Foucault (1988): antes do século XVII os “corpos pavoneavam”, ou seja,
eram livres e não eram incomodados. Mas, a partir desse século, começam os discursos de
interdições e repreensões, a ponto de afirmar que “as crianças, por exemplo, sabe-se muito
bem que não têm sexo: boa razão para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele”
(FOUCAULT, 1988, p. 10). O quarto dos pais passa a ser o único local permitido para
sexualidade, mas com finalidade bem definida: a reprodução. É lá que se guardam os segredos
e as normas. Foucault chama isso de dispositivo de poder, porque a sexualidade se torna um
fato discursivo produzido por diferentes atores socais.
Para além de interdição, Foucault (1988) afirma que o silêncio, a negação, a censura
são produções discursivas. Isso nos ajuda a pensar sobre a sexualidade das crianças no âmbito
escolar, um dos principais canais de produção e reprodução de discursos institucionais e
estratégicos. Ainda para o autor,
Assim como já citado anteriormente, apreendemos, por meio dos aportes teóricos, que
a “causa da infância” ao instalar discursos sobre a situação das crianças é entrelaçada com as
demandas dos dispositivos de poder de atores sociais que produzem e reproduzem discursos e
constroem determinadas imagens de crianças e adolescentes.
Outro aporte teórico que sustenta esta investigação é o campo dos estudos sobre a
Construção de Problemas Sociais, pois nos auxilia na compreensão dos motivos pelos quais
somente determinados temas ocupam lugar de destaque na agenda dos direitos da criança e do
42
Assim, os problemas sociais são definidos nas arenas públicas. Depois que a questão
conseguiu atrair a atenção social, os atores sociais preocupam-se, conforme Fuks (2000), com
a permanência do tema na agenda pública. Para tanto, o drama é usado como uma das
principais ferramentas para manutenção do assunto tido como problema social. E a produção
de notícia é elemento mantenedor e que sustenta as pautas dos assuntos da agenda pública,
bem como o uso de recursos simbólicos conexos ao tema. O ciclo de atenção a um assunto
público oscila: ora é foco de atenção em um longo período; ora, de repente, torna-se foco de
43
muita atenção, em uma curta temporada. Porém, o tempo que o ciclo dura não garante a
resolução do problema social.
Essa oscilação do ciclo acontece, segundo Fuks (2000), porque alguns assuntos,
embora pertencentes à agenda pública, não captam a atenção coletiva, por serem muito
técnicos e complexos. Há também os que têm impacto imediato, embora sem vestígios por
longo período no sistema político. E há, ainda, os que com longo ciclo conseguem mudar o
ambiente em que foram criados e reproduzidos, provocando, dessa maneira, alterações no
sistema. As questões com essas características recebem mais atenção e mobilizam o público
de forma mais ampla e podem influenciar na definição de políticas públicas. Isso reforça a
importância dos agentes sociais envolvidos na disputa pela delimitação do problema social e,
consequentemente, do que fará parte da agenda pública. Para Fuks (2000, p. 6), não há
problema menos ou mais difícil, “depende dos termos em que são apresentados no debate”.
A mídia é apontada por Fuks (2000) como “ponte de articulação” entre as arenas
públicas e meio de difusão sobre o que ocorre nos ambientes internos em que convivem os
agentes sociais. As maneiras como os assuntos serão pensados pelos agentes e pela sociedade
são sugeridas pela mídia. Portanto, a definição e significados dos problemas sociais não
ocorre em abstrato na sociedade ou na opinião pública, mas sim nas arenas públicas e
privadas constituídas por órgãos executivos e legislativos, as mídias, o ativismo social, os
partidos políticos e campanhas políticas, os movimentos sociais, as instituições religiosas, as
fundações, as entidades organizadas com e sem fins lucrativos. Nesses ambientes e com os
sujeitos formadores é que os problemas sociais são debatidos, classificados, deliberados,
encaixados, produzidos e expostos ao público. Os limites de cada arena, bem como do espaço
e tempo de apresentação dos problemas, interferem no número de assuntos potenciais e na
definição dos que comporão a agenda pública.
Essa seleção do problema social processa-se por uma hierarquização das questões que
instigam a atenção pública. Ou seja, das inúmeras questões sociais que podem atrair a atenção
pública, umas ganham posto de “celebridade”, algumas incitam certos setores limitados, e
outras ficam desconhecidas (MARIANO, 2010). Para Hilgartner e Bosk (1988), esse
“processo coletivo de definição” de um problema social é um jogo entre as questões que
podem ser consideradas um problema social e depois são usadas nos discursos sociais e
políticos. O significado e delimitação do problema social dependem do entendimento dos
construtores de problemas sociais e esses têm interferências dos contextos dos quais fazem
parte.
44
7
Fúlvia Rosemberg coordenou em 1993 uma pesquisa de contagem dos meninos e meninas em situação de rua.
Juntamente com outros pesquisadores e militantes da causa pelos direitos das crianças e adolescentes, mostrou,
através de uma metodologia de contagem por observação simultânea e entrevistas , que os números de meninos e
meninas em situação de rua são menores do que as estimativas sobre crianças de rua e na rua nos países do
Terceiro Mundo, da América Latina e do Brasil.
48
Dessa maneira, a construção do objeto desta pesquisa está sustentada no que foi
expresso anteriormente de que a retórica empregada na construção de problemas sociais pode
causar consequências deletérias para determinados grupos sociais. Assim, é importante
entendermos como se deu a emergência do abuso sexual contra crianças adolescentes como
um problema social. É nesse processo de emergência que é definido e delimitado os
contornos, os sentidos desta questão, bem como o modo como esse problema vai ser
percebido e compreendido pela sociedade e o que será associado como origem desse
problema
Nesse sentido, nosso interesse nesta pesquisa é analisar a transformação de uma
questão em problema social (ROSEMBERG; ANDRADE, M., 2012) e como esse problema é
definido e delimitado em uma das arenas que o constrói: a mídia. Temos como questão
fundante o fato de que o modo como o abuso sexual de crianças e adolescentes passa a ser
definido tem consequências no modo como vai ser enfrentado. Ou seja, o modo como um
problema é enquadrado tem diversas implicações, seja na produção de sentidos sobre o
problema, sobre seu enfrentamento, sobre a representação dos sujeitos envolvidos. É a partir
dessas reflexões que foram construídos os argumentos que orientam essa investigação sobre a
emergência dos discursos sobre o “abuso sexual infantil” e a pedofilia veiculados na
emergência desse tema no jornal Folha de S. Paulo.
50
A maneira de discursivizar da mídia, seja por meio de imagens, texto ou fala, exerce
uma função na produção de identidades sociais, pois a relação mídia e sociedade está
atravessada de relações interdiscursivas pré-construídas. O que será ou não dito é decidido
pelo efeito de sentidos que se dá, do que é (re)produzido como informação pela mídia. O
processo de criação e divulgação do discurso midiático ocorre em um espaço de (re)produção
constante. Dessa forma, entendemos que o “saber sobre” ocupa um lugar de escolhas, é
durável, e, assim, há uma seleção do que será ou não informado e mostrado.
Para Orlandi (2002), trata-se de um jogo de memória:
Nessa perspectiva, Pêcheux (2009, p. 146 – grifo do autor) afirma que [...] “o sentido
de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’ (isto é,
em sua relação transparente com a literalidade do significante)”, são atravessadas pelas
posições ideológicas8 e são afetadas por aspectos exteriores das condições de produção dos
discursos. Os sentidos das palavras, das expressões e proposições oscilam de acordo com a
posição assumida.
Conforme Pêcheux (2009), os discursos da mídia pertencem à história humana, pois
são constituídos de combinações ideológicas9 que atravessaram a sociedade e dão sentidos ao
que vai ser propagado como “verdades” pelas mídias. Esses sentidos circulam a partir de
relações interdiscursivas, evidenciam aspectos ideológicos da sociedade e “fornecem
evidências pelas quais todo mundo sabe o que é um soldado, um operário, um patrão, uma
fábrica, uma greve etc” (PÊCHEUX, 2009, p. 160). São essas mesmas evidências, assevera o
autor, que dizem ou não o que se quer dizer e dão sentido às palavras, enunciados e
informações.
Para Foucault (2000) e Pêcheux (2009), o discurso é composto de relações e não é
deslocado dos contextos históricos e das produções sociais dos sentidos. Os discursos
8
Tendo em vista que os termos “ideologia” e “ideológico” são utilizados com diferentes acepções, identifica -se
que Pêcheux atribui ao termo um sentido pejorativo.
9
Para Pêcheux (2009) a ideologia é construída a partir da luta de classes e é difundida em discursos por
diferentes instituições sociais.
51
midiáticos, portanto, não são criados de forma isolada, o lugar da mídia e das relações de
poder o constituem e sobrepõem sentidos.
Orlandi (2002, p. 84) sugere que a compreensão sobre as condições de produção do
discurso não seja separada dos aspectos históricos e ideológicos 10 , pois o texto em si é
“carregado de discursividades superpostas que não estão (não podem estar) perfeitamente
articuladas na espacialização linear do texto, ou seja, não cabem na linha”. No caso dos
discursos da mídia, ocorre um processo em diferentes temporalidades históricas, considerando
que a produção e a interpretação devem suceder para além da materialidade.
Nesse sentido, podemos afirmar que há um jogo de forças entre a mídia, o mercado e
os saberes embutidos na sociedade (é o espaço discursivo em questão) para atender
“necessidades” do sujeito-receptor de informação. E essas “necessidades” são solucionadas de
formas diferentes pelas mídias.
No jornal impresso (a mídia analisada nesta investigação), o texto ganha sentido
quando há uma interpretação por parte do leitor daquilo que está escrito e quando ele traduz
em signos e sons, ou seja, quando dá sentidos às palavras, havendo fruição do discurso
jornalístico. Essa interpretação do leitor tem relação com os fatos, as personagens e as
palavras escolhidas pelo jornalista ao escrever o texto. Há, então, interferências na produção,
reprodução e interpretação de um texto. Como argumenta Lage (1993), a estrutura da notícia,
Por mais que informe ser imparcial, ou que afirme traduzir com exatidão a
veracidade dos fatos, a imparcialidade absoluta numa notícia é impossível,
pois o redator tem que escolher o que vai contar - que acontecimentos,
dentre outros, pode se transformar em uma notícia que venda mais.
Determinado "o quê", ainda há "o como", isto é, como atingir o leitor de
maneira mais direta, o que implica uma determinada seleção de vocabulário,
destaque para o tipo de letra, tamanho da notícia, lugar em que a notícia vai
aparecer no jornal, abordagem etc. É necessário compreender que o
jornalismo não retrata nem cria fatos, e sim constrói visões dos fatos. O
jornal legitima uma opinião sobre os fatos, a depender de sua linha editorial,
dos leitores que quer atingir. Nesse quadro, a notícia é uma construção de
visões e não os fatos em si (LAGE, 1993, p. 12 – grifos do autor).
Ao noticiar um assunto, o jornalista cria visões dos fatos, pois, segundo o autor, o
jornalismo não retrata e nem cria fatos, mas sim evidencia a opinião sobre o acontecimento e,
ao fazer isso, escolhe o quê, como e quando vai noticiar. Logo, fica evidente que o veículo de
comunicação e o tipo de mídia influenciam na maneira como um ato será noticiado.
10
Para Orlandi (2001), ideologia é uma prática significativa e constituída da relação do sujeito com a língua e
com a história.
52
11
Na concepção de Lage, a produção ideológica é formada por um conjunto de valores impostos por
determinada classe social. Para ele, os critérios de noticiabilidade são parte do processo de produção da notícia e
fazem parte também do componente de produção da estrutura da notícia.
53
como fazem determinados jornais, afirmar, até mesmo em editoriais, que são
“neutros”, ou mesmo “objetivos”. Isso depõe contra o próprio meio e só
pode servir como arma estratégica para iludir leitores e assinantes. Outra
coisa, completamente distinta, são os meios de comunicação eletrônicos,
como o rádio e a televisão. Pela Constituição brasileira, eles são um serviço
outorgado, isto é, eles não podem ter “donos”, pois eles são “concessões”,
dadas por um determinado período de tempo, para prestar serviços como
educação, arte, cultura (nacional e regional), respeitando os valores éticos e
sociais (art. 221 da Constituição) (GUARESCHI, 2006, p. 32 – grifos do
autor).
homens já não são medidas apenas pelas coisas, como no fetichismo da mercadoria de que
Marx falou, mas diretamente pelas imagens” (DEBORD, 1967, p. 54).
O sentido de espetáculo, para este autor, é um “abstrato” do mundo, ou seja, é o
espetáculo quem demarca os discursos sociais com imagens fabricadas. O espetáculo
integrado promovido pelas mídias nada mais é do que, segundo o escritor francês, a
representação do que era “vivido diretamente”, uma relação social entre pessoas. Assim, a
mídia não está apenas estabelecida nessa sociedade em que o espetáculo é parte essencial,
Tais transformações afetaram a vida social dos indivíduos e criaram novas formas de
interação, em âmbito global. As formas de poder citadas acima são importantes para o
entendimento das ações sociais e as suas transformações.
Guareschi (1993) aborda a presença das mídias na construção e reprodução da
realidade; no controle social e na construção dos valores humanos. Realidade é, conforme o
autor, tudo aquilo que é (re)produzido pelas mídias; o que não é, cai no vazio do
esquecimento. Ao fazer escolhas, as mídias definem a existência de coisas e dos elementos
sociais. O real se cria no social. “Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a
construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a
difusão das ideias, sobre a criação da opinião pública” (GUARESCHI, 1993, p. 15).
Nesse sentido apontado por Guareschi (1993), comunicação também é poder e, como
tal, pode se prestar ao controle social, e, portanto, seus interlocutores detém o poder de criar
estereótipos, estigmatizar e conceituar o que é considerado “normal” para o homem e o que é
“normal” para a mulher. Bourdieu (2001) também afirma que comunicação é poder, mas um
poder simbólico, que produz um discurso a partir dos conceitos político-ideológicos12 de
classes socais.
Guareschi (1993), ao analisar a relação da mídia com o que é divulgado na sociedade,
afirma que há uma ligação de ambos, poder e mídia, com a ideologia13 , pois as mídias não são
fiéis à realidade dos fatos, uma vez que a verdade difundida é a parcial, dependente de
interesses pessoais, empresariais e mercadológicos. Esse poder das mídias é estruturado por
instituições, relações e ideias. É a relação de poder entre estes elementos que ganha vez e voz.
12
Para Bourdieu, ideologias são determinadas por interesses particulares de grupos ou classes socais. Para ele, a
ideologia realiza “o trabalho de dissimulação e de transfiguração que garanta uma verdadeira transubstanciação
das relações de força, fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram” (BOURDIEU, 2001, p. 15).
13
Para Guareschi (1996) ideologia é uma prática na medida em que cria e mantém relações sociais. Deste modo,
a ideologia produz, reproduz e transforma subjetividades.
56
14
O jornalismo utiliza o mesmo fato para dar continuidade à reportagem em outro momento. Há acontecimentos
que precisam ser noticiados mais de uma vez. E há situações em que um mesmo fato desencadeia outras notícias.
57
quem na verdade sofre censura não são as mídias, “mas é a maioria da população que não
pode mais exercer o direito de dizer a palavra, expressar sua opinião, comunicar seus
pensamentos” (GUARESCHI, 2013, p. 98).
O que tem prevalecido na seleção do que vai ser notícia e como o fato será divulgado é
o interesse dos grandes oligopólios das mídias. Os outros critérios, anteriormente elencados
neste texto, são deixados de lado.
Assim, reforçamos nosso interesse em analisar a emergência dos discursos da Folha
de São Paulo sobre as temáticas do abuso sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia e
que foram divulgadas para um segmento da sociedade. Essas temáticas são consideradas
polêmicas no cenário nacional. Entendemos que o jornal FSP é um dos agentes sociais de
larga projeção na sociedade brasileira.
Analisado o papel social da mídia na problematização – ou falta desta – das temáticas
relativas à criança e à infância, passamos, a seguir, a considerações atinentes à midiação da
cultura moderna.
60
Esta pesquisa adota a teoria sobre a centralidade da mídia nas sociedades modernas
preconizada por John B. Thompson (2011) através da produção das formas simbólicas e o
método da hermenêutica de profundidade.
Como visto, a mídia tem marcante papel social, seja quando escolhe noticiar ou não
algum acontecimento, seja o modo pelo qual o faz. Nesse sentido, passamos a apresentar o
debate sobre a midiação da cultura moderna proposto por Thompson (2011).
A presença, ou melhor, a onipresença da mídia, é uma das principais características
das sociedades modernas. A mídia está em todos os ambientes sociais, todas as esferas sociais
têm relação com ela. As palavras, ideias e imagens produzidas pela mídia estão imbricadas
nas diferentes instâncias de nossas vidas.
Essa caracterização das sociedades modernas é chamada por Thompson (2011) de
“sociedade midiada” e de “cultura midiada”. Ele afirma que, em algum momento, as palavras
são transmitidas por meio de imagens, através da televisão e do computador, bem como via
aparelho celular. Assim, o que vivemos hoje é um tempo de sinais. Nada escapa dos sinais da
mídia, do que é produzido pelos meios de comunicação e nem das trocas simbólicas, fruto da
relação entre mídia e sociedade.
Cada vez mais, presenciamos os avanços tecnológicos dos sinais, movidos pela
explosão de informações que, junto com as formas simbólicas e os conteúdos cognitivos e
emocionais, se caracterizam como as principais transformações ocorridas no final do século
XX e início do século XXI. “Vivemos hoje, em sociedades onde a produção e recepção das
formas simbólicas é sempre mais medida por uma rede complexa, transnacional, de interesses
institucionais” (THOMPSON, 2011, p. 12).
As formas simbólicas, às quais Thompson (2011, p. 183) se refere como “uma ampla
variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais, até manifestações
verbais, textos, programas de televisão e obras de arte”, são constituídas por cinco
características. A primeira é que há sempre uma intenção de uma expressão de um sujeito
para o outro, mas os sentidos intencionais não são excluídos dos propósitos de produtor. A
segunda característica é que a produção e a interpretação das formas simbólicas são processos
de convenção envoltos de regras e códigos de várias maneiras. A terceira envolve os aspectos
61
estruturais, ou seja, as formas simbólicas exibem uma estrutura articulada e suas análises
devem considerar tais aspectos, bem como suas inter-relações. A quarta é a da representação,
pois as construções representam algo e dizem alguma coisa. Por fim, a quinta é a
caracterização em que as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas em um
contexto sócio-histórico específico, podendo carregar marcas das relações sociais desses
contextos.
A relação entre a mídia e a sociedade é processo complexo, seu entendimento exige,
de acordo com Thompson, consideração de vários aspectos, dentre eles, a natureza das formas
simbólicas e sua relação com os contextos sociais. Outro aspecto é sobre o desenvolvimento
dos meios técnicos de transmissão e das formas institucionais. E outro é a natureza do
processo de “mediação”.
Para Thompson (2011), algumas formas simbólicas têm valor maior que outras, pois
assim como elas são produzidas em um contexto sócio-histórico, elas são também recebidas
por pessoas pertencentes a um contexto sócio-histórico. Ele chama esse processo de
“valorização”, e esclarece que o mesmo abarca dois tipos de valor. Um é o simbólico, que diz
respeito ao valor que as formas simbólicas possuem de acordo com a maneira como as
pessoas produzem e recebem, de como elas (as formas simbólicas) são consideradas. Outro
tipo de valor é o econômico e refere-se ao momento em que as formas simbólicas adquirem
um valor de troca, transformam-se em mercadorias ou bens simbólicos.
As formas simbólicas são também transmitidas de acordo com o contexto sócio-
histórico do produtor (THOMPSON, 2011). Essa transmissão cultural das formas simbólicas
implica o uso do meio técnico que garante a sua reprodução, envolve o desenvolvimento do
meio técnico que inclui sistemas e canais de difusão, a separação do contexto original de
produção das formas simbólicas, que as faz serem mais acessíveis a um variado público.
Essas formas de transmissão cultural, por meio da “mediação da sociedade” e da
“mediação da cultura” nos ajudam, segundo este autor, a entender o papel da comunicação e
da mídia.
O desenvolvimento dos meios técnicos não deve ser visto como um mero
suplemento das relações sociais preexistentes: ao contrário, devemos ver
esse desenvolvimento como servindo para criar novas relações sociais, novas
maneiras de agir e interagir, novas maneiras de expressarmo-nos e de
respondermos às expressões de outros (THOMPSON, 2011, p. 27).
A transmissão cultural nada mais é do que o processo pelo qual as formas simbólicas
são transmitidas dos produtores aos receptores. A produção e a recepção de formas simbólicas
62
Muito embora esta dissertação não utilize o conceito de ideologia de John Thompson
como um vetor de análise, no contexto da comunicação, entendemos que a metodologia por
ele proposta para a análise das formas simbólicas constitui um instrumento pertinente e
profícuo para esta investigação. Dessa forma, apresentamos a seguir a metodologia proposta
63
A partir das concepções de Thompson sobre as relações de poder, por meio da análise
e da interpretação das formas simbólicas, podemos lançar interpretações sobre as relações de
64
poder de adultos em relação às crianças e como isso está operando nos discursos sobre a
temática do abuso sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia.
As sociedades modernas têm como caraterística fundante a midiação da cultura, que é
“o processo geral através do qual a transmissão das formas simbólicas se tornou mais mediada
pelos aparatos técnicos e institucionais das indústrias da mídia” (THOMPSON, 2011 p. 12). A
midiação da cultura moderna é responsável pelas transformações das relações humanas, pelas
mudanças da forma e do conteúdo das mensagens que são produzidas e reproduzidas pela
mídia.
Dessa forma, o entendimento que fazemos dos acontecimentos fora do nosso meio
social é fruto das formas simbólicas (ações, falas, imagens e textos) transmitidas pelas mídias
(GUARESCHI, 2003; THOMPSON, 2011) e reconhecidas em contextos socialmente
estruturados. Dependendo da maneira como são empregadas e compreendidas, as formas
simbólicas são ou não são ideológicas.
Thompson (2011), ao explicar as características das formas simbólicas, alerta-nos para
as práticas veiculadas nos meios de comunicação, pois é a partir das constituições das
mensagens midiáticas que se criam representações e relações. A produção, a troca de
significados, a cultura, os agentes sociais estão em constante interação. Pode haver
entrecruzamentos das formas simbólicas com as relações de poder, podendo estabelecer,
sustentar e reforçar relações de dominação. É nesse sentido que Thompson (2011) reforça a
importância de analisar as mensagens das mídias, pois os sistemas simbólicos podem conter
ideologias, o que reproduz e legitima relações de dominação e de exclusão social.
A análise das formas simbólicas pode ser feita por meio do referencial metodológico
da Hermenêutica de Profundidade (HP) proposto por Thompson (2011) a partir das
referências dos autores Dilthey, Heidegger e Gadamer e Ricouer. O estudo das formas
simbólicas é, de acordo com esses autores, um problema de interpretação, pois “na
investigação social o objeto de nossa investigação é ele mesmo, um território pré-
interpretado” (THOMPSON, 2011, p. 358).
O campo de investigação social é também um campo-sujeito e um campo-sujeito-
objeto em que os sujeitos compreendem, refletem e agem. Os sujeitos, assegura este autor,
não apenas observam, ou ficam passivos, eles fazem parte, são a história e estão inseridos em
tradições históricas.
É a partir dessas perspectivas que Thompson (2011) desenvolve a HP, contemplando
tanto as características estruturais das formas simbólicas quanto suas condições sócio-
65
históricas. As três fases que compõem a HP não podem, segundo Thompson, ser vistas de
forma separada de uma metodologia sequencial e sim como um aspecto distinto e complexo.
A primeira fase da HP é a análise sócio-histórica e tem como objetivo “reconstruir as
condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas”
(THOMPSON, 2011, p. 366). No caso desta pesquisa, são os acontecimentos e fatos que
compõem o quadro sócio-histórico de produção sobre os temas do abuso sexual de crianças e
adolescentes e da pedofilia. Para o autor, os acontecimentos sócio-históricos são campo-
objeto e também campo-sujeito. Nesta etapa, analisamos o processo de ascensão dos discursos
sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no campo da sexualidade, contextualizando o
envolvimento e papel de ONGs e de movimentos sociais no campo da defesa dos direitos da
criança na temática da pedofilia. Analisamos também o contexto sócio-hisórico dos discursos
sobre o abuso sexual, a mídia e a infância e sobre o jornal FSP. Tais análises subsidiaram as
delimitações para a constituição do corpus de análise da pesquisa.
Ao construirmos essa primeira parte da HP, buscamos reconstruir as condições sócio-
históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras, as
relações sociais, a distribuição de poder, e os recursos dos quais os contextos produzem
campos diferentes e estruturados na sociedade.
A segunda fase da HP – análise formal – é o estudo das formas simbólicas que
circulam nos campos sociais, é a análise, explica Thompson (2011, p. 369), “das formas
simbólicas, com suas características estruturais, seus padrões e nas relações”, trata-se,
prossegue ele, de “um empreendimento perfeitamente legítimo, na verdade, indispensável; ele
é possível pela própria constituição do campo objetivo”.
Nessa fase, coletamos os discursos midiáticos sobre a temática da pedofilia15 , no seu
período de surgimento como um problema social. Trabalhamos com a base de dados digital
do jornal impresso Folha de S. Paulo, que tem acervo desde o ano de 1921. Foram coletadas
221 peças jornalísticas no período de 1976 a 1999, contendo peças que trataram direta e
indiretamente do tema da pedofilia, compondo, respectivamente nosso corpus e universo de
análise. Deste modo, buscou-se constituir um corpus de análise atinente às retóricas que
circularam na emergência temática da pedofilia.
São várias as formas apresentadas por Thompson para se realizar a análise formal ou
discursiva. Os objetos e as circunstâncias específicas de investigação é que vão definir qual
forma será empregada. E cada pesquisador pode escolher para a análise formal quais formas e
15
Explicamos mais sobre isso no capítulo 6.
66
procedimentos são os mais adequados para serem adotados. Para a análise formal dos
discursos coletados, adotamos, na presente pesquisa, a técnica da Análise de Conteúdo,
conforme sistematizada por Bardin (1977) e Rosemberg (1981).
Entendemos essa técnica como uma das formas possíveis de tratamento de dados em
pesquisa, com a qual mensagens podem ser interpretadas para além dos significados da leitura
simples do real. Bardin (1977, p. 16) salienta que “por detrás do discurso aparente, geralmente
simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar”. Rosemberg (1981)
enfatiza que a Análise de Conteúdo possibilita uma maior e mais profunda compreensão de
discursos. “A técnica de análise de conteúdo se propõe a descrever aspectos de uma
mensagem, objetiva e sistematicamente, e algumas vezes, se possível, de forma quantificável,
a fim de reinterpretá-la, de acordo com os pressupostos da investigação” (ROSEMBERG,
1981, p. 70).
Além disso, a Análise de Conteúdo possibilita a quantificação sistemática dos dados
coletados, a definição de categorias de análise e a reinterpretação dos dados.
A terceira fase da HP, chamada de interpretação ou reinterpretação, é conceituada por
Thompson (2011, p. 375) como um “movimento novo de pensamento, ela procede por
síntese, por construção criativa de possíveis significados”. Nessa etapa, é possível explicitar o
que é dito ou representado pela forma simbólica sob análise. Ela é construída a partir do que
foi levantado nas fases anteriores: da articulação dos resultados da análise sócio-histórica e da
análise formal ou discursiva. Thompson (2011) alerta que esse processo é arriscado, cheio de
conflitos e aberto à discussão.
Não temos pretensão de produzir verdades sobre as questões que envolvem esta
pesquisa, p retendemos, sim, lançar outras interpretações sobre como vêm sendo abordadas as
temáticas da pedofilia e do abuso sexual de crianças e jovens pela mídia, suas possíveis
repercussões na construção social da infância e adolescência e no enfrentamento dessa
problemática.
67
16
Dados disponíveis em www.anj.org.br
68
tecnologia de informação; como a Pag Seguro (máquina de compra com cartão), cursos de
hospedagem e serviços on-line (FOLHA DE S. PAULO, 2001).
A história do Grupo Folha, de acordo com Mota e Capelato (1981), é demarcada, do
ano de 1962 a 1967, por uma reorganização financeira, administrativa e tecnológica; de 1968
a 1974, por um alto investimento tecnológico; e de 1974 a 1981, pela deliberação de um
projeto político-cultural.
Para o jornalista, a relação com o empresário sempre foi muito clara: os proprietários
dos jornais fazem o que bem querem, publicam o que quiserem, e não publicam o que não
querem que seja falado.
Mino Carta, parceiro de Abramo, no prefácio ao livro deste último, pondera que as
reformas editorais implantadas por Abramo ajudaram a Folha a se transformar em um jornal
arrojado e contemporâneo. Para ele, não há como negar que o crescimento da Folha, em
muitos aspectos, aconteceu porque o jornal deu continuidade às ideias do seu criador. Assim,
o “Projeto Editorial” ou o “Projeto Folha” alcança seus objetivos a partir dos documentos
elaborados pelo Conselho Editorial do jornal, intitulados de “A Folha e alguns passos que é
preciso dar” e “A Folha em busca do apartidarismo, reflexo do profissionalismo ”.
A informatização do jornal começou em 1990, com a reforma tecnológica, que gerou
fortes consequências: do lado humano, as demissões, e do lado tecnológico, automação,
economia de tempo, mais anunciantes e aumento de leitores (ABRAMO, 1988).
Com o objetivo de conhecer a opinião do público, o grupo Folha cria em 1983 o
instituto de pesquisa DataFolha. Em 1994, o grupo lança o FolhaWeb com notícias das
editorias de informática e ciências – produzidas no jornal impresso. Pouco a pouco, esse novo
canal da Folha possibilitou a venda de anúncios no site do jornal (FOLHA DE S. PAULO,
2001). Em 1996 ocorre outra reforma tecnológica, com o objetivo de ser mais
abrangente e eficiente. A “FolhaWeb” passa a ser o site da Folha de S. Paulo, com a
reprodução de tudo que foi divulgado no jornal impresso. Posteriormente, foi criado também
o site “Folha Online”, com notícias em tempo real. Uma parceria do Grupo Folha com o
70
“Universo Online” e o “Brasil Online”, do Grupo Abril deu origem à empresa “Universo
Online” (UOL), com serviços de internet (FOLHA DE S. PAULO, 2001).
São os princípios do “Projeto Editorial” da Folha que regem os jornais impresso e
online. O pluralismo e o apartidarismo são algumas das regras para a escrita e as atividades
dos jornalistas.
Nos Manuais de Redação da Folha17 , os dois princípios significam:
17
O Manual da Redação da Folha é uma obra que tem o objetivo de ser referência à atividade jornalística e
divulgar os preceitos do jornal. O primeiro Manual foi produzido em 1984 e já está na 14° edição, publicado em
2010.
71
A FSP realiza, desde 1982, pesquisa sobre seus leitores. No site do grupo,
encontramos o perfil do leitor. De acordo com pesquisa realizada pelo DataFolha em 2007,
dos 1.457.000 leitores do jornal impresso da Grande São Paulo, 60% pertencem às classes A e
B e 43% têm entre 25 a 44 anos de idade. Em uma abrangência nacional do jornal, a pesquisa
constatou que, dos leitores da Folha: 68% têm nível superior; 90% são de classe A e B; a
maioria tem entre 23 e 49 anos, são brancos, católicos, não têm simpatias por partidos
políticos, são casados, têm filhos e um bicho de estimação; 92% assistem telejornais; 69%
leem revistas; 58% ouvem notícias no rádio; e 57% acessam notícias online.
Esse perfil do leitor foi parecido com o encontrado no levantamento feito pelo UOL
sobre o perfil de internautas brasileiros. Segundo pesquisa realizada em 2006, mais da metade
deles tem acima de 16 anos, possuem renda superior a R$4,5 mil mensais, metade dos
internautas são pós-graduados e acessam a internet.
Ao fazer esses levantamentos, o Grupo Folha também colhe dados sobre questões
polêmicas, como a descriminalização do aborto, uso de drogas, maioridade penal, dentre
outros. Essas pesquisas são ferramentas de marketing, na medida em que o grupo quer cativar
os formadores de opinião e os que formulam soluções para as questões sociais. As polêmicas,
inclusive, estão previstas no Manual de Redação: “elas devem estar presentes em artigos e
críticas e se refletir em reportagens e entrevistas” (2001, p. 47).
72
Além disso, a Folha de S. Paulo ocupa, desde a década de 1980 (BIZZO, 2008), as
primeiras colocações do ranking, como um dos maiores jornais diários da imprensa brasileira.
Desde então, se consolidou como um dos grandes agentes sociais que informa o público
leitor, dá visibilidade às representações sociais, (re)produz discussões acerca das
“necessidades” da sociedade, principalmente do universo infanto-juvenil, e influencia na
produção de outras questões sociais e nas discussões dos movimentos sociais, entidades e
organizações não-governamentais.
73
regulamentam os direitos das crianças. Diante disso, neste subtópico, pretendemos apresentar
como a emergência dos discursos sobre os direitos das crianças e dos adolescentes (DCAs) a
partir de temáticas que vão desde a não-consideração das crianças como sujeitos de direitos
aos marcos legais que salvaguardam o direito à proteção, até questões que tratam sobre os
direitos à provisão e à participação.
De acordo com Ariès (1981), a concepção de criança enquanto “mini adulto” fazia
com que as crianças fossem submetidas à mesma “sorte” de violências que os adultos. A
partir do século XVI, com o surgimento da noção de infância, o sentimento de que as crianças
eram seres ingênuos, gentis e cheios de graça desperta um desejo de paparicação. As crianças
tornam-se fonte de distração dos adultos e passam a ser protegidas e paparicadas.
A representação da criança como ser puro e angelical sugere uma preocupação de
preservar o “manto sagrado da infância”. Essa preocupação se reflete sobremaneira na
elaboração de políticas e legislações para as crianças, o que dá origem a uma tensão entre os
direitos à proteção e participação infantis.
Até os dias atuais, as legislações referentes à infância são permeadas por essa tensão
intrínseca, que se origina a partir do reconhecimento da criança enquanto sujeito de direitos.
O status de pessoa humana, partícipe de uma sociedade, traz para o debate os direitos da
criança à participação social. Se ela é reconhecida como cidadã, seus direitos de participação
social devem ser assegurados igualmente aos de um adulto. Contudo, sendo a criança um
sujeito distinto e cheio de especificidades e vulnerabilidades, seus direitos de proteção devem,
paralelamente, ser garantidos.
Essas condições, porém, levantam paradoxos no tratamento da criança nos principais
documentos que regulamentam a infância, uma vez que ora a apresentam como sujeito que
deve gozar dos direitos de liberdade, ora como sujeitos que devem ficar sob a “guarda” a
proteção. Discutiremos esses embates ao tratarmos do debate – internacional e nacional –
sobre os direitos das crianças e dos adolescentes. Esse debate foi influenciado, no período
entre o século XVIII e XX, pelos estudos de Rousseau, Tolskói, Pestalozzi, Dewey e Korczak,
que foram os primeiros a pensar em novos paradigmas para a infância.
Conforme Natália Fernandes Soares (2005), o reconhecimento dos direitos das
crianças só ocorreu a partir do século XVI. Até esse período, como vimos nas páginas
anteriores, as necessidades das crianças não eram consideradas.
Apresentaremos, a seguir, os documentos, nos âmbitos internacional e nacional, que
tratam dos direitos das crianças e suas respectivas perspectivas sobre as concepções de
infância.
75
18
A tese em referência foi redigida em português de Portugal.
77
Nesse sentido, os direitos das crianças ainda permanecem nas mãos do Estado, das
famílias e da escola. A Declaração de 1959 ratifica o direito à proteção e o desenvolvimento
sadio da criança, mas Renaut (2002) considera esses direitos como “direitos-créditos”, ou
seja, são direitos que já são devidos à infância. Dessa forma, os “direitos-liberdades” são
aqueles que asseguram que a criança possa ter vez e que sua voz possa ser considerada, além
daqueles que garantem a liberdade de as crianças serem o que são em qualquer lugar que
estejam. Logo, esses direitos são bastante distintos dos direitos-créditos.
É somente trinta anos após a Declaração Universal dos Direitos da Criança que seus
direitos de liberdade e participação passam a ser considerados. Até então, somente os adultos
gozavam dessa prerrogativa. Assim, em 1989 é promulgada a Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança (CDC), considerado o primeiro documento internacional a tratar das
obrigações do Estado para com a infância. Para isto, ele é definido como um Tratado
Internacional que tem força de lei nos países que o ratificarem e deve ser respeitado e
implementado pelas nações. Esse estatuto jurídico atribuído à Convenção é considerado, por
juristas e filósofos de Direito, como um dos grandes avanços desse documento. Não é uma
simples afirmação de princípios, mas sim uma obrigação de fazer cumprir o que ele rege.
Na ratificação da Convenção, houve intenso debate em torno do reconhecimento dos
direitos de proteção simultaneamente aos direitos de liberdade e participação. De um lado,
posicionavam-se os que defendiam que a criança é imatura e inexperiente para poder expor
suas vontades e ideias e tomar decisões. De outro, os que, como Korczak (1986), diziam que
as crianças podem ter menos vivências que os adultos, mas que isso não significava que elas
eram seres inferiores, aos quais não se pode dar o direito de falar e fazer suas próprias
escolhas. Ele defendeu que as crianças têm caminhos diferentes do adulto, que são próprios
do ser criança, e que esses caminhos devem ser respeitados. “Respeito para o tempo que
passa, para o dia de hoje! Que soluções a criança saberá inventar amanhã, se hoje não a
deixamos viver uma vida consciente e responsável?” (KORCAZK, 1986, p. 89). É com
pedidos como esses que o educador polonês conclamava os direitos de respeito, liberdade e
participação para as crianças. Para ele, sem esses, as crianças não são consideradas como
verdadeiramente devem ser, por isso, advogou bravamente pelo respeito dos adultos para com
as crianças.
79
respeito, opinião, participação e organização. Isso pode ser observado em alguns dos artigos
que compõem o documento, tal como o artigo 12:
Esse é um dos trechos que explicita o eixo libertário da Convenção de 1989. Mas, para
Qvortrup (2010a, p. 780), embora esse e outros artigos tratem sobre os direitos das crianças de
forma a valorizar sua subjetividade, o fazem ainda com muitas limitações. Ao abordar o
direito de opinião, o artigo 12 “estabelece que somente em assuntos que afetam a criança ela
teria direito de opinar livremente. Essa é uma limitação grave, mas provavelmente sintomática
da visão da criança como sujeito político em nossas sociedades”. Com esse exemplo,
Qvortrup (2010a) mostra a limitação do documento em garantir participação da criança na
política.
Soares (1997) concorda com esse pensamento. Para ela, o direito de opinião das
crianças continua menosprezado, sobretudo, por se limitar ao campo de discussões que
supostamente lhes dizem respeito. A criança continua, portanto, sem participar política e
socialmente da sociedade.
Esses debates vêm ocorrendo entre duas correntes: uma liberacionista e outra
protecionista.
Nenhuma dessas teses pode ser considerada uma verdade absoluta. Para Renaut
(2002), é preciso promover o debate e analisar essas questões com muito rigor. Ante o próprio
estatuto das crianças como seres com vulnerabilidades inerentes, tal tensão intrínseca não
necessariamente será superada. Trata-se de uma tensão que permeia os documentos que
regulamentam os direitos das crianças e adolescentes e deve ser confrontada vez ou outra para
assegurar o bem-estar dessa categoria etária.
Além dessa tensão, há, também, de acordo com Mariano (2010), o debate entre o
universalismo e o relativismo cultural, ou seja, “a pretensão universal e a orientação
ocidentalista” no texto da Convenção. Valores originários da cultura ocidental e dos
princípios judaico-cristãos, a concepção da infância com base nesses valores, o significado de
família e sua função, a desconsideração das diversidades culturais, econômicas e sociais dos
povos são apontados como principais críticas feitas por vários analistas ao documento.
Sem considerar todos os aspectos e contextos das diferentes sociedades, a redação da
Convenção acaba por gerar tensões. Essa visão universalista, que particulariza a criança em
prol de uma única cultura, “não os coloca somente fora da sociedade, mas fora da infância”
(MARIANO, 2010, p. 85).
Apesar dessas tensões e dos paradoxos, a Convenção é considerada um importante
marco legal internacional sobre os direitos da criança. Tanto que inspirou outros que tratam
dos direitos das crianças e dos adolescentes, como é o caso do Estatuto da Criança e do
Adolescente no Brasil. Além disso, sua redação traz à tona temas que ainda não tinham sido
debatidos e nem contemplados em documentos precedentes. Entre esses temas estão os maus
tratos, a violência sexual, a violência psicológica, o abandono e os conflitos armados. Ainda
82
Como se vê, muitos órgãos foram criados para “proteger a infância” de forma
normativa, educativa e moralizante. Esse contexto do “problema da criança pobre e
marginalizada” foi, por muito tempo, produzido e explorado no Brasil. As leis para os
menores de 18 anos, que antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foram,
explica Mariano (2010, p. 86), voltadas “aos segmentos pobres da população e serviram mais
ao controle, estigmatização e criminalização do que para garantir-lhes direitos”.
Um novo movimento surge após o fim da ditadura militar. Imprensa, Igreja católica,
organizações nacionais e organismos internacionais (como, por exemplo, o UNICEF) se
uniram em prol do combate ao menorismo, da situação irregular e às políticas nacionais para
o menor. Juntos, esses agentes sociais criaram projetos para atendimento a meninos de rua,
realizaram eventos e produziram movimento em defesa dos meninos e meninas de rua. Todas
essas ações contribuíram para a visibilidade dos discursos sobre os direitos da criança.
Nessa esteira, Rosemberg (1994a) problematizou como os discursos latino-americanos
sobre a infância pobre se apoiam na ideia que desconsidera as diversidades culturais,
estigmatiza e culpabiliza a família pobre pelo que seu filho virá a ser: se homem,
provavelmente um criminoso e, se mulher, uma prostituta.
84
e dos adolescentes, ele não aborda os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas, nesse tempo
de vida, bem como não prevê direitos de expressão da sexualidade. O que ele traz é uma
negativação da sexualidade, em detrimento dos direitos da prevenção e da proteção. O
silenciamento desse tema no texto desse dispositivo legal nos diz sobre o modo como as
crianças e adolescentes são representados no que tange à sexualidade: ou seja, são vistos,
como seres assexuados.
Para Ventura (2005), a exclusão, na discussão, sobre os direitos sexuais das crianças e
dos adolescentes viola outros direitos, como, por exemplo, o sigilo, a informação, a saúde
reprodutiva, dentre outros. Assim, conforme a autora, fica clara a tensão entre todos os
direitos explícitos no ECA e os direitos de proteção. O direito de liberdade é que abre
possibilidades para essas problematizações.
“Tímido” é o termo escolhido por Pirotta e Pirotta (2005, p. 88) para avaliar o ECA no
que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Para eles, o texto se manifesta mais no
sentido negativo de sempre prevenir o abuso sexual contra crianças e adolescentes, pois sua
formulação é pela negativa, isto é, “tem sempre o intuito de prevenir o abuso e a exploração
sexual de crianças e adolescentes pelos adultos. É notável a ausência de direitos afirmativos
referentes à vida sexual e à vida reprodutiva”.
Essa lacuna, para os autores, não foi um simples lapso. Para eles, isso “revela a
persistência de padrões moralistas na legislação e na sociedade brasileira” (PIROTTA e
PIROTTA, 2005, p. 88). Essa é uma questão complexa e que gera tensão, assim como o
debate sobre as questões de liberdade e proteção, mas é preciso apontá-las e discuti-las para
que políticas públicas de educação sexual para crianças e adolescentes sejam pensadas,
construídas e executadas na perspectiva de que eles, como sujeitos de direitos que são,
possam ter seus direitos sexuais e reprodutivos garantidos, principalmente no que tange à
informação.
Para Bizzo (2008), nos textos da Convenção e do ECA, nos artigos relativos à
sexualidade, as crianças e adolescentes sempre ocuparam o lugar de filho ou filha e nunca o
de genitores. Por esse motivo, afirma ela,
19
Informação disponível em http://www.childhood.org.br/entenda-a-diferenca-entre-abuso-e-exploracao-sexual,
acessada em 13 de julho de 2017.
20
Informação disponível no Relatório Mundial de Violência e Saúde, elaborado pela OMS em 2002.
89
esse espaço particular deixa de ser visto unicamente como fonte de amor e proteção e passa a
ser visto como possível espaço de violação.
Para Luciana Kraemer da Silva (2008), o abuso sexual é um tema sociológico, na
medida em que passa por diferentes entendimentos e conceituações e essas variações são
atravessadas pelas mudanças da família nuclear, pelos discursos sobre o corpo e a sexualidade
e também pelos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais.
É nesse panorama que Silva (2008) aponta o quanto a sociedade contemporânea tem
dificuldade para colocar em discussão as inúmeras causas dos problemas sociais,
principalmente das questões sobre violência sexual. O efeito disso pode ser a estigmatização
das vítimas, a delimitação do agressor, a culpabilização da família e o não questionamento
dos aspectos culturais que envolvem a temática do “abuso sexual” contra crianças e
adolescentes. Segundo a autora, a noção do “abuso sexual” está associada aos momentos
históricos em que a violência sexual entre membros da mesma família, ou entre pessoas do
mesmo convívio social, passa a ser questionada.
Dentre os vários assuntos narrados por Rodrigues (2014) em sua tese, está a
visibilidade da definição e do reconhecimento da violência sexual infantil no contexto
internacional, com ênfase nos Estados Unidos, nos países da Europa e da América Latina.
Segundo ele, os marcos dos estudos da sexualidade e seus desvios nos EUA foram: o relatório
de um médico e pesquisador, Alfred Kinsey; e a homologação de estatutos de “psicopatas
sexuais” a partir da década de 1930. A divulgação desses eventos causou pânico na sociedade,
provocou muita movimentação em torno das questões e a população exigiu punição aos
“psicopatas sexuais”. Outros eventos foram, de acordo com Rodrigues (2014), incorporados
no combate e controle de condutas e desvios sexuais. Além da punição judicial, as condutas
consideradas “psicopatias sexuais” passaram, nas décadas de 1970 e 1980, a ser problema de
saúde pública nos EUA e na América do Norte.
90
de relação sexual entre adulto e criança/adolescente era, para muitas sociedades, tocar em
assuntos proibidos, sujos e indecentes.
É a partir de uma perspectiva construcionista que Ricardo Pimentel Méllo (2002) traz
as noções de abuso como um tipo, isto é, como “organização e seleção de aspectos de um
acontecimento”, que é construído e produzido por meio de discursos, de experiências mútuas,
reproduzido por meio dos processos históricos, das mídias e dos entendimentos sociais que
atravessam os seres humanos.
Para o pesquisador, a violência sexual contra crianças, mesmo que denunciada pelos
pais e com identificação dos abusadores, não era considerada crime pelos inquisidores, o que
levava ao arquivamento das denúncias. Nessa época, o tribunal do Santo Ofício considerava
“pecado abominável” os atos de sodomia, mas somente aqueles com penetração e ejaculação.
Assim, “o fato de serem pré-púberes os parceiros, ou da sodomia ter-se realizado com
violência, não era matéria agravante para o castigo” (MOTT, 1989, p. 34). Essa falta de
atenção e menosprezo para com o abuso e a violência sexual contra crianças e adolescentes,
ocorridos entre os séculos XVI e XVIII, é alterada quando, no final do século XIX, a
civilização judaico-cristã dessexualiza a criança e o adolescente.
Essa mudança de pensamento ainda prevalece na sociedade contemporânea que, em
nome da proteção à infância, de conservar a família tradicional (o patriarcado), de reforçar o
93
ato sexual com o objetivo único de reprodução, regulamenta e controla os corpos e suas ações.
Não há problematização das causas dos abusos sexuais cometidos contra crianças e
adolescentes, mas a Igreja, o Estado e outros atores sociais criam discursos para “cuidar” e
“proteger” os atos considerados “anormais” e “desviantes” (MÉLLO, 2002).
Outro aspecto importante dessa transição sobre o entendimento da relação sexual entre
adultos e crianças/adolescentes, que atravessa o conceito de “gostar de crianças” a “desvio
moral e sexual”, é, de acordo com Mott (1989), o reconhecimento das crianças e dos
adolescentes como sujeitos de direitos, pois adultos passam a tratá-los com mais “zelo,
cuidado e proteção”. Mas isso se dá em virtude da intervenção do Estado, que recebeu, da
Igreja Católica a responsabilidade de isolar a infância das atividades sexuais e de controlar os
desvios sexuais. Por meio de medidas preventivas, educativas e judiciais, o Estado passa a
velar pelo brio e pela pureza das crianças e dos adolescentes.
Além da interferência do Estado, esse momento de transição da indiferença quanto ao
que ocorria com as crianças à vigilância dos corpos passa a contar também com intervenções
médicas e disciplinares para impedir a deturpação da nação. A partir desse período da era
colonial, educação e saúde são áreas que passam a sustentar os discursos do Estado para
proteger a família, as crianças, os adolescentes, enfim, a sociedade, dos males de uma
sexualidade não controlada (MOTT, 1989).
Foucault (2000) nos ajuda a entender esse movimento de privatização das famílias, da
intervenção do Estado, do controle da sexualidade, da institucionalização da escola, e da
disciplinarização dos corpos.
Isso nos mostra o papel da família no comando e vigilância das atitudes das crianças.
Para este autor, o controle familiar e as intervenções de especialistas (médicos, pedagogos,
psicoterapeutas, dentre outros da área da saúde e educação), instaurou o dispositivo da
sexualidade e da pedagogização do sexo das crianças. Então, o que era tido como segredo, até
o final do século XIX – os abusos sexuais contra crianças e adolescentes – passa, no início do
século XX, a mostrar os culpados. Os casos de abuso sexual tornam-se casos de polícia,
escândalos, e tornaram-se um problema social, um dos principais de saúde pública.
94
Mesmo com leis que protegem as crianças e adolescentes da violência sexual, não há
definição clara, objetiva e única no modo como circula na sociedade o conceito de abuso
sexual contra crianças e adolescentes. A falta de clareza quanto à definição de “abuso sexual”
traz uma série de entendimentos e distorções sobre como enfrentar essa questão, de forma que
se consiga problematizar e avaliar o contexto sócio-político e cultural que envolve as relações
entre adultos e crianças/adolescentes.
Nesse sentido, entendemos que o fenômeno da violência sexual é complexo e tem
inúmeras interfaces. A pedofilia tem sido associada ao abuso sexual contra criança e
adolescente. Mas, ao pensarmos no sentido da pedofilia como uma construção social, não
conseguiríamos associar a origem dessa palavra ao crime, já que, no grego, o termo significa
“amor fraterno por crianças”. O processo sócio-histórico desse termo silenciou os valores,
direitos e vontades das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, a pedofilia é crime, na
medida em que o conceito de infância passa a ter outro significado associado à fase inocente e
angelical.
Poderíamos ser levados a pensar que tratar a pedofilia como uma construção
social é pensar as relações sexuais entre adultos e crianças como um
fenômeno típico de nosso tempo. Isto não procede. Estudos (como o da
História da sexualidade desenvolvido por Foucault) dão provas de que as
relações sexuais entre adultos e infantes é uma prática arraigada nas
sociedades também do ponto de vista histórico (RIBEIRO, 2010, p. 106,
grifos da autora).
Nesse panorama, Ribeiro (2010) nos ajuda a refletir sobre esse fenômeno
contemporâneo e o modo de discursivizar da mídia. Por não ser um fato novo, entendemos
que é preciso problematizar os discursos midiáticos sobre a pedofilia, uma prática que já
existe há muito tempo, porém não era entendida como abuso, pois os contextos históricos
eram outros. Havia significados diferentes para infância. Para Ribeiro (2010), a visibilização
da violência sexual contra a criança é divulgada como um “choque”, com uso de elementos
rebuscados e espetacularização do fato.
Para o autor, os sentidos do “abuso sexual” são construídos por uma rede constituída
por diversos atores e instâncias sociais, entre os quais ele cita: profissionais que lidam com as
crianças (professores, médicos pediatras, psicólogos), mídia, órgãos policiais, instituições
jurídicas, pesquisadores, dentre outros. Desses, a mídia é uma das responsáveis em produzir
notícias, divulgar e atrair muita atenção sobre os casos de abusos sexuais contra crianças e
adolescentes e pedofilia. Méllo (2002) sugere, ainda, que a mídia “lucra” com a veiculação
dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Ao produzir saberes, essas
especialidades também promovem pânico sobre o abuso sexual de crianças/adolescentes.
Méllo (2002) aponta três instituições fundamentais relacionadas à conceituação de
“abuso sexual infantil”: a construção do eu (self), a noção de infância e a noção de direitos.
São elas que interferem na mudança do entendimento sobre a prática de relação sexual entre
um adulto e uma criança. São essas instituições que levaram, mesmo que tardiamente, a
consideração da prática sexual entre um adulto e uma criança como ato de crueldade e abuso.
96
[...] todo envolvimento de uma criança em uma atividade sexual na qual não
compreende completamente, já que não está preparada em termos de seu
desenvolvimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte,
torna-se incapaz de informar seu consentimento. São também aqueles atos
que violam leis ou tabus sociais em uma determinada sociedade. O abuso
sexual infantil é evidenciado pela atividade entre uma criança com um adulto
ou entre uma criança com outra criança ou adolescente que pela idade ou
nível de desenvolvimento está em uma relação de responsabilidade,
confiança ou poder com a criança abusada. É qualquer ato que pretende
gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, incluindo
indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade
sexual ilegal. Pode incluir também práticas com caráter de exploração, como
uso de crianças em prostituição, o uso de crianças em atividades e materiais
pornográficos, assim como quaisquer outras práticas sexuais
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1999).
Embora seja uma definição bastante ampla, gera dúvidas ao não determinar se o ato de
tocar uma criança, por exemplo, é considerado “abuso sexual”.
Quanto aos envolvidos, o abusador usa de controle sobre a vítima, de autoridade para
convencer a criança ou o adolescente a atender suas “necessidades” e desejos. Usa de força
física e faz ameaças. Nessa situação, a criança/adolescente não consegue perceber o ato como
abuso.
É relevante ressaltar, ainda, que o abuso sexual de crianças e adolescentes é diferente
de incesto e de pedofilia. Nem toda atividade sexual infantil ocorre entre parentes e nem todo
abusador é pedófilo. O ECA não trata especificamente de “abuso sexual”. O “abuso sexual”
pode ocorrer de forma verbal, ou seja, sem contato físico; ou pode haver contato físico (com
carícias e a efetivação do ato sexual). Pode acontecer na família ou em outros ambientes.
97
Além disso, é importante salientar que o “abuso sexual” infantil envolve poder, coação e/ou
sedução de um adulto sobre uma criança.
Diante disso, ações governamentais mobilizaram outros agentes sociais para traçar
medidas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Uma delas foi a
realização no ano de 1996 em Estocolmo pela Unesco do Congresso Mundial contra a
Exploração Sexual Comercial de Crianças, outra foi a criação, em 1997, pela ANDI (Agência
de Notícias dos Direitos da Infância) do projeto Jornalista Amigo da Criança, outra ação foi a
98
5.3.3 Pedofilia
pedofilia. Homens podem cometer “abuso sexual” contra criança e não serem pedófilos.
Pedofilia é uma patologia, mas a mídia vem conceituando vários termos da mesma maneira:
“abuso sexual”, crime sexual, pedofilia (LANDINI, 2006).
Na literatura científica no século XIX, o termo pedofilia foi utilizado pela primeira vez
pelo médico alemão Richard Von Krafft. A primeira vez que uma decisão judicial no Tribunal
de Justiça de São Paulo utilizou o termo pedofilia para condenar um agressor foi em 1998
(RODRIGUES, 2014). Na mídia, esse termo foi amplamente divulgado nos casos de
envolvimento de padres da Igreja Católica e também de celebridades, como foi o caso em que
Michael Jackson se envolveu com menores e afirmava gostar das crianças.
No Brasil, a promulgação da Lei N° 11.829, de 25 de novembro de 2008, criminalizou
a pedofilia na internet. Essa medida alterou o ECA, com o objetivo de combater a produção, a
venda e a distribuição de pornografia infantil e criminalizar condutas associadas à pedofilia na
internet.
No que tange à conceituação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a
pedofilia como transtorno de preferência sexual por crianças. Já a Associação Americana de
Psiquiatria (APA) considera a pedofilia um transtorno mental. Para Rodrigues (2014, p. 52),
há relativo consenso em torno da pedofilia, “não em termos de doença, mas como perversão
sexual, parafilia: distúrbio psíquico que se caracteriza pela obsessão por práticas sexuais fora
dos padrões aceitos pela sociedade”.
A publicização da temática pedofilia pela imprensa desencadeou, dentre muitas
consequências, uma pressão social, pois a pedofilia é um típico caso em que, devido ao
clamor social, o ódio toma o lugar da razão, as emoções afloram e surgem, então, batalhões de
vingadores que, em nome dos indefesos, atacam os suspeitos, que são suspeitos apenas para a
justiça, pois a sociedade cega já os condenou, com apoio da mídia.
A questão da visibilidade e publicização do abuso sexual contra crianças e
adolescentes está relacionada ao modo como a mídia aborda a infância, bem como o
valorização de questões relacionadas aos direitos da criança e do adolescente na mídia,
aspectos que serão abordados no próximo tópico.
100
21
Em 2014, a Somália aderiu e ratificou a Convenção. Estados Unidos continuam sendo o único país que
permanece fora da Convenção.
101
[...] quando se fala em “conduzir para a agenda pública” certos temas, de que
a imprensa (ou televisão) faça eco de certas problemáticas (inquietação que
sempre aparecem quando se pensam em políticas), a primeira pergunta a
considerar é, justamente, o como. De quais perspectivas, por meio de quais
estratégias de comunicação, para articular que tipo de narrativas?
(ARFUCH, 1997, p. 51-52, grifo da autora).
[...] a mídia noticiosa forneceu menos cobertura geral para todas as questões
de políticas públicas em conjunto do que para as notícias sobre crime e
violência; tanto os jornais como a TV dedicaram apenas 35% de suas
notícias a qualquer conteúdo ligado a políticas públicas. Uma proporção
ainda menor de notícias refletia um foco básico em políticas públicas
(KUNKEL; SMITH, 2002, p. 96).
No ponto de vista de Feilitzen (2002), são apenas nos comerciais que as crianças são
representadas com maior frequência na mídia. Isso se deve, segundo a autora, ao seu alto
102
dos que falam “em nome da criança”. Assim, cria-se, conforme outra pesquisa relatada por
Ponte, a ideia da “criança em risco”, pois a inocência e a desproteção relacionadas à infância
promovem discursos unânimes e emotivos em defesa da criança.
Falar sobre criança não é apenas falar sobre crianças em sentido literal. Elas
são uma sinédoque sobre o futuro do país, o bem-estar político e social de
uma cultura. As histórias sobre crianças são sentimentais. Recorrem aos
mesmos ganchos emocionais que os filmes melodramáticos. Levam os
adultos a agir. [...] A imagem de uma criança em perigo é uma “isca”
perfeita. É tão forte que impede o pensamento racional. As crianças
acentuam a dramaticidade de uma causa ao ser contrastada a sua inocência
com a malevolência (ou talvez apenas a banal hostilidade) de adultos com
poder. Por fim, o foco nas crianças serve a uma função logística. Uma vez
que há criança em todo mundo, estão sempre disponíveis, e depressa para
servirem de “cabide noticioso” (PONTE, 2005, p. 88 – grifo da autora).
Esse tipo de jornalismo, com estilo de “cruzada”, também foi identificado na literatura
nacional por Leandro Andrade (2001), nas peças jornalísticas publicadas entre os anos de
1985 e 1995 no jornal Folha de S. Paulo sobre “prostituição infanto-juvenil”.
A revisão da literatura internacional, feita por Ponte (2005), mostra o crescente
interesse da mídia por temas relacionados à infância e aponta para quatro características da
construção da infância no Ocidente: a criança como outro; a criança dotada de uma natureza
especial; a criança inocente; a criança dependente. Essas imagens evocam-na como símbolo
de dependência, vulnerabilidade e inocência, o que leva a pensar que “a infância será uma
destas metáforas estruturantes” (PONTE, 2005, p. 29).
Essa visibilidade midiática de passividade para as crianças pobres e antissociais para
os adolescentes igualmente pobres tem ainda mais caracterizações: a violência e a
criminalidade. Conforme Cecília Coimbra e Maria Nascimento (2009), essas distinções vão
articulando, produzindo e fortalecendo imagens universalizantes e naturalizantes das crianças
e dos adolescentes, que servirão para a “constituição de nossas percepções e subjetividades
sobre a pobreza” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2009, p. 2).
22
Criada em 1990 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos Abrinq.
105
Por muitos anos, o jornal Folha de S. Paulo também foi parceiro dessas instituições,
publicando, entre os anos de 1992 a 2004, a Coluna Criança, que se destinava a publicação
semanal de matérias com a temática da infância e adolescência e tendo como agentes
noticiosos as três organizações, influenciados também por organismos internacionais como o
UNICEF, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) e a OIT. Em nome da criança e do adolescente, a FSP produziu notícias, divulgou
projetos, vendeu espaços publicitários e arrecadou recursos financeiros para as ONGs
(PEREIRA, 2005).
A ANDI nasceu em 1990 e foi oficialmente fundada em 1992, em Brasília, pelos
jornalistas Âmbar de Barros e Gilberto Dimenstein com a missão de contribuir para a
construção, nos meios de comunicação, de uma cultura que priorize a promoção e defesa dos
direitos da criança e do adolescente. Trata-se de uma associação civil e de direito privado
sem fins lucrativos, que foi fundada dois anos após o nascimento da Fundação Abrinq e dois
antes da fundação do IAS. Os criadores da ANDI trabalharam por muitos anos no jornal FSP
como repórteres e colunistas. Âmbar foi conselheira da Fundação Abrinq e Dimenstein, do
IAS. Atualmente, ele é membro do Conselho Editorial da Folha. Nenhum dos dois faz parte
da atual diretoria da ANDI (PEREIRA, 2005).
A ANDI possui uma estrutura como a de uma redação de jornal, com profissionais de
imprensa e equipamentos (computador, gravador, celular, internet, etc.) específicos para
coberturas jornalísticas, tem núcleos de trabalho, setores que planejam e executam serviços
como o de clipagem diária de notícias, mobilização, monitoramento e formação de
jornalistas. A ANDI não produz notícias, mas sim trabalha na agenda setting e no
agendamento público23 sobre as temáticas de criança e adolescente. Desde 2011, atua
também nas questões de inclusão e sustentabilidade.
A relação da ANDI com a imprensa é, segundo Fabiana Pereira (2005), um guia dos
profissionais de comunicação, fontes para as pautas, assessoria de imprensa da causa da
infância e adolescência. A instituição tem um banco de dados com mailing de jornalistas,
entidades governamentais e não governamentais, conselhos tutelares e de direitos, de
universidades e instituições internacionais, ou seja, ela se relaciona com as mídias, mas
também com diferentes grupos e pessoas.
23
Agenda Setting é um conjunto de temas sobre os quais se discorre. O agendamento da mídia é a reunião de
temas abordados pelos meios de comunicação. É um agendamento determinado. A agenda pública é a discussão
feita por agentes sociais fora dos meios de comunicação, porém, determinada por eles.
106
Se, de um lado, ANDI, IAS e Fundação Abrinq podem ter contribuído para o
crescimento da veiculação de notícias voltadas ao tema da infância e da
adolescência na última década, também têm predominância na ocupação dos
espaços, inevitavelmente formando consensos sobre a forma de cobertura e
de compreensão preponderantes da infância e da adolescência que até o
momento parecem seguir incontestes. Ou seja, se possibilitaram aos
107
Acreditamos que, ainda hoje, não temos respostas para essa instigante pergunta
formulada pela pesquisadora. Observamos, igualmente, que a infância pobre dos países
pobres é usada para promoção de discursos apelativos, de compaixão e clemência. Partindo
das contribuições de Pereira (2005) e Rosemberg (2009), trazemos o termo sugerido por
Guareschi, Dias e Hartmann (2007) para se referir ao que é produzido pelos meios de
comunicação: “assistencialismo midiático”. Essa promoção da sensibilização da opinião
pública sobre as condições sociais de crianças e adolescentes pobres delimita os problemas
sociais, estigmatiza crianças pobres e (re)produz retórica específica para as questões que são
publicizadas.
Ao usar dessa ferramenta, as mídias brasileiras mostram, também, para quem elas
(re)produzem as notícias: para as famílias pobres que precisam ser “assistidas”. Essas práticas
reforçam relações sociais assimétricas, contribuem para a manutenção de desigualdades e
injustiças em nossa sociedade. Percebemos, ainda, que a visibilidade dada à infância continua
ocorrendo com associação à violência e prevalece o sensacionalismo midiático
(GUARESCHI; DIAS; HARTMANN, 2007).
A divulgação da “problemática da infância” relacionada aos países em
desenvolvimento, realizada principalmente por práticas assistencialistas, fez aumentar o apoio
de agentes sociais, especialmente de ONGs situadas em países industrializados, em defesa da
109
sobrevivência das crianças afetadas. Essa difusão fez surgir muitos eventos internacionais
sobre as temáticas que são consideradas problemas sociais.
A atuação das ONGs ligadas às causas da infância e sua forte influência sobre os
estados, as igrejas e as mídias contribui para a realização de eventos em defesa da infância.
Mariano (2010, p. 51) informa que “o Ano Internacional da Criança (AIC), celebrado em
1979, foi, ao mesmo tempo, o ápice dessa mobilização internacional, bem como rendeu novo
ímpeto para outras iniciativas e organizações, em função das atividades preparatórias nele
envolvidas”.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de
1990, iniciativas de ONGs como a ANDI, são eventos e movimentos que pautam os debates
sobre questões da infância no Brasil. Com relação às temáticas desta pesquisa, observamos
que, assim como outras pautas da infância, a partir de 1990 aumenta o número de eventos
relacionados ao tema do “abuso sexual” contra criança e da pedofilia, bem como há o
crescimento de peças jornalísticas com foco nas temáticas da violência sexual infantil.
Para melhor entendimento dessa associação dos eventos às temáticas desta pesquisa,
elaboramos um quadro que mostra a linha do tempo dos eventos de acordo com Ponte (2000),
Andrade, L. (2001), Méllo (2002), Pereira (2005) e Rodrigues (2014). Verificamos um
aumento de eventos a partir de 1990 quando são realizados três primeiros episódios.
publicadas entre 1985 e 1995 no jornal FSP sobre o tema da Prostituição infanto-juvenil e
constata a estigmatização, pelo jornal, das crianças e adolescentes pobres retratados e de suas
famílias, além de identificar o uso de sensacionalismo, simplificação do fenômeno, falta de
ética.
Andrade (2001) verificou que até a escolha dos dias de publicação das matérias mostra
o uso comercial de problemas sociais. Grande parte das matérias teve destaque na primeira
página do jornal aos domingos, dia em que os leitores têm mais tempo para “desfrutar” da
leitura do jornal. A escolha de apenas três elementos (a menina adolescente, o aliciador e a
família) nas matérias sobre prostituição infantil indica que o jornal simplifica o debate e
silencia outras questões importantes, como, por exemplo, os fatores que levam adultos a
optarem por parceiros sexuais não adultos. Para o pesquisador, as reportagens mais
marginalizaram que ajudaram aqueles segmentos citados.
Ao dar visibilidade à temática da prostituição infanto-juvenil, Andrade (2001) sugere
que a Folha contribuiu para que essa questão entrasse na agenda de políticas públicas
brasileira, bem como promoveu campanhas para a erradicação da prostituição infanto-
juvenil. Porém, isso foi feito sob o viés do estigma da pobreza, ou seja, a partir da ideia de
que toda menina pobre é ou vai ser prostituta.
Outra importante constatação de Leandro Andrade (2001) foi a identificação das
personagens, o uso de fotos e a divulgação dos nomes das adolescentes nas matérias, o que
pode ter provocado impacto negativo na vida dessas meninas. Fazer exploração dos rostos
dos personagens foi considerado, pelo autor, como mais uma ferramenta sensacionalista, para
atrair mais leitores, vender jornal e atender outros interesses do próprio jornal. “O tratamento
dado pelo jornal Folha de S. Paulo ao tema da prostituição infanto-juvenil assume a
conformação de uma campanha moral da empresa, que estigmatizou a pobreza, sustentando
relações de dominação” (ANDRADE, 2001, p. 31).
Outra pesquisa sobre os discursos da mídia sobre a infância e a adolescência, que
envolve a temática da sexualidade, é a de Leila Nazareth (2004) que analisou o tema gravidez
na adolescência no jornal FSP no período de 1990 a 2000. De acordo com o estudo,
campanhas, iniciativas e eventos contribuíram para o aumento da visibilidade do tema na
sociedade. Um dos exemplos disso são os anos de 1997 e 1998 em que há grande número de
produção de peças dessa temática sobre os casos de duas adolescentes grávidas associadas ao
aborto. As vidas dessas adolescentes e de seus familiares foram devassadas pelo jornal. Não
por acaso, nesse período ocorria, no Brasil, intenso debate sobre a regulamentação do aborto
permitido por lei pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
113
Para os dois casos citados anteriormente, as adolescentes foram usadas como ganchos
argumentativos para o debate sobre aborto e estupro. Da mesma forma como se deu com as
personagens publicizadas nas temáticas sobre prostituição infantil, para abordar a temática da
gravidez na adolescência, a FSP expôs as identidades civis das adolescentes grávidas,
desconsiderou suas vozes e suas opiniões, omitiu a identidade dos parceiros das adolescentes
e desqualificou a família das personagens. Para ganhar audiência, a FSP produziu e divulgou
durante dois anos esses dois casos de adolescentes grávidas associadas ao aborto.
Vanessa Bizzo (2008), também do NEGRI, analisou o tratamento dado à infância em
peças jornalísticas publicadas na FSP entre 1997 e 2005 sobre o aborto voluntário. Ao
problematizar como os direitos das crianças e dos adolescentes foram tratados nas peças que
se referiam ao aborto voluntário praticado ou planejado por adolescentes e o quanto as vozes
das crianças e dos adolescentes foram adentradas na mídia, ela observou, também, uma
abordagem sensacionalista, usada como baliza para “resolver” os problemas sociais e
capturar a atenção pública. Ou seja, mais uma vez crianças e adolescentes foram usadas
como “cabide de notícias”, ou, como afirmou Rosemberg (1985), “cavalos de santo”, pois
assuntos sobre crianças e adolescentes associados ao tema aborto voluntário disputam
atenção, recursos e ações públicas com outros problemas sociais. A infância, esclarece Bizzo
(2008),
Assim, mais uma vez, a FSP desconsidera as crianças e os adolescentes como atores
sociais na questão de suas vidas sexuais e reprodutivas. Bizzo percebeu que o estupro de
adolescentes pobres é usado para fazer alardes e com intensa violência simbólica pela FSP.
Ao produzir e reproduzir uma imagem das personagens como incapazes e irresponsáveis, o
jornal estigmatiza adolescentes e mulheres no geral, cujos direitos reprodutivos não são
levados em consideração. Essas pesquisas nos fornecem pistas e subsídios que nos ajudam a
olhar as peças jornalísticas para além do que está sendo noticiado sobre o abuso sexual de
crianças e a pedofilia. Permitem, também, considerarmos a importância de problematizarmos
114
tais discursos. Neste sentido, trazemos a sistematização realizada por Mariano (2012) a partir
das pesquisas do NEGRI, sobre o tratamento dado pela Folha de S. Paulo às questões da
infância e adolescência associadas à sexualidade:
dada a essa questão, principalmente após 1990, sob o rótulo da pedofilia. Rodrigues (2014, p.
11 – grifo do autor) assinala que “o termo pedofilia não era usado para descrever a preferência
sexual de adultos por crianças e, tampouco, para qualificar o crime de “abuso sexual infantil”.
Dos agentes sociais responsáveis pela construção do “abuso” sexual como um
problema social, Méllo (2002) sinaliza que a academia, a mídia e as organizações
governamentais e não governamentais são os que fazem parte dos domínios de saberes e pela
produção de práticas discursivas. Nesse sentido, Méllo (2002) vale-se de Foucault ao afirmar
que, desde sempre, o mundo é regido por um “dispositivo da sexualidade” e o “abuso” está
ligado à sexualidade e vai se constituindo como um problema que precisa ser regulado. Para
entender essa construção, Méllo analisou documentos de domínio público, desde um artigo
escrito por vários médicos e publicado em um jornal norte-americano, em 1962, a textos
acadêmicos, governamentais, organizacionais e jornalísticos.
Para ele,
São, portanto, as maneiras como as pessoas aparecem no discurso que importam, quais
as vozes que aparecem e quais estratégias estão sendo construídas para produzir sentidos, e
estes, por sua vez, são criados em um contexto. Não há nada constituído sem articulação ou
ligação com outros sentidos (MÉLLO, 2002).
Ainda nos documentos analisados, o autor identificou que foi na década de 1960 que o
termo “abuso” começou a ganhar visibilidade. A academia e a mídia iniciaram o uso desse
termo com regularidade e de modo homogêneo. Antes dessa época, os atos de violência
sexual contra criança, praticados por membros da mesma família, tinham outros termos:
“incesto”, “estupro”, “crueldade”, e “assalto” / “ataque”. Quando passa a ser considerado
como um problema social, classificado como violência contra a criança, o “abuso” passa a ser
conhecido como um crime social nas esferas familiar e pública. Por meio de casos sobre
violência contra criança é que Méllo (2002) mostra como o termo “abuso” vai sendo
construído internacionalmente e como as características do agressor passam a compor os
sentidos para a construção da noção do “abuso”.
117
Os documentos analisados pelo autor mostram uma diferença de como o “abuso sexual
infantil” foi sendo constituído: enquanto nos Estados Unidos essa questão foi posta em debate
por médicos, no Brasil, o processo de constituição dessa causa foi iniciado por advogados,
assistentes sociais, psicólogos e juízes. Os saberes produzidos por esses especialistas
alimentam os discursos da mídia. Como vemos, são estas as instituições e demais agentes
sociais construtores de sentidos e do abuso como um tipo de violência sexual contra criança.
De ação incorreta ou excessiva, o abuso passou a ser compreendido como crime.
Tatiana Savoia Landini (2005) analisou como os crimes sexuais foram mostrados, ao
longo do século XX, em textos jornalísticos do O Estado de São Paulo, jornal de grande
circulação no Brasil. Nos documentos analisados, ela observou que, nesse período, a violência
sexual contra crianças e adolescentes abrangeu diversos tipos: incesto, estupro, atentado
violento ao pudor, prostituição, pornografia infantil, exploração sexual infantil e pedofilia.
Conforme a autora, o grande volume de produções midiáticas sobre essas questões faz parecer
que a violência sexual contra criança e adolescente estão acontecendo mais frequentemente no
país. O que ocorre são mudanças nos padrões de sensibilidade históricos, que ora não
conceituam uma prática como crime, ora sim.
A violência sexual contra a criança e o adolescente não era um problema social há
cerca de 30 anos. É uma questão que passa a ter visibilidade a partir da segunda metade da
década de 1990 e adentra na agenda pública (MÉLLO, 2002; LANDINI, 2005;
LOWENKRON, 2012; RODRIGUES, 2014). As pautas relacionadas à proteção de crianças e
adolescentes, como, por exemplo, das “crianças de rua” e as vítimas de negligência ou
violência física, antecederam as preocupações com a violência sexual infanto-juvenil que, no
decorrer da década de 1990, segundo os autores acima citados, vai sendo institucionalizada
como problema social e incluída na agenda política.
O material pesquisado por Landini (2005) revela que, no início do século XX, as
notícias de crimes sexuais eram sobre estupro, crimes contra a honra e prostituição, mostrando
as crianças sempre como vítimas. A maneira de narrar os crimes sexuais foi mudando no final
119
do século XX. O estupro, por exemplo, ganhou mais notoriedade e passou a ser noticiado em
escândalos jornalísticos. O acusado passou a ser apresentado como um psicopata e maníaco
sexual.
Dessa forma, o crime sexual passa a ser caso de polícia, mas também de saúde pública.
Já a prostituição infanto-juvenil passou a ser associada à pobreza. Na década de 1980,
aumentam as matérias sobre crianças e adolescentes “vítimas do comércio do sexo”, baseadas
em estatísticas produzidas por organizações não governamentais nacionais e internacionais.
Novas modalidades de violência sexual começam a ser produzidas e divulgadas na metade da
década de 1990. Pedofilia, por exemplo, é retratada como uma questão associada à
pornografia infantil e também como doença.
Além dos temas pornografia infantil e pedofilia, que não eram tratados até as
últimas décadas do século, outro tipo de reportagem aparece apenas no final
do período – é o que classificamos como textos “gerais”, aqueles que não
tratam de um caso ou acontecimento de forma específica, mas buscam
analisar a situação da violência sexual de forma ampla. Nesse sentido, o
texto busca sempre uma generalização e a objetividade dos dados
transmitidos ao leitor. Para tanto, são utilizadas fontes de informação
consideradas confiáveis, tais como profissionais ou especialistas que
trabalham diretamente com esse tema, sejam policiais, psicólogos, médicos,
advogados ou funcionários de ONGs (LANDINI, 2006, p. 244, grifo da
autora).
Ademais, outros elementos são usados para atrair e sensibilizar os leitores, dentre eles:
fotos, estatísticas, fontes e acontecimentos. Esses recursos e os fatos sociais, como por
exemplo, a criação da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, estimulam a produção e
publicação de matérias sobre violência sexual contra criança e adolescente; ao aumentar o
número de textos com essa temática, publicizam as modalidades de violências e faz parecer
um intenso crescimento da violência no Brasil (LANDINI, 2006).
As análises da maneira como o jornal O Estado de São Paulo apresentou a temática da
violência sexual infantil revelou que houve muitas mudanças. A começar pelo aumento da
produção de textos, dos diferentes tipos de violência, da ênfase em análise dos casos via
especialistas, uso de linguagem específica e da crescente visibilidade do crime sexual contra
crianças e adolescentes (LANDINI, 2006). Assegura a autora que:
[...] à mídia caberia noticiar; aos cidadãos, denunciar; aos políticos, formular
leis e aprovar projetos; aos policiais, combater o crime, às autoridades
judiciais, condenar e penalizar duramente os culpados; aos empresários de
internet, cooperar com as investigações das autoridades públicas; às famílias,
ensinar e proteger seus filhos (LOWENKRON, 2012, p. 132).
24
Todo computador possui um número de IP (Internet Protocol ou Protocolo de internet) que possibilita a
comunicação entre eles na internet. Essa identificação é única para cada computador. Assim, é pelo IP que é
possível identificar e localizar de onde informações são geradas.
122
senadores e pela mídia. Para Rodrigues (2014), o silenciamento e a falta de um debate mais
ampliado da temática leva a discussão para o senso comum, não protege, de fato, as crianças e
adolescentes da violência sexual, e desconsidera informações oficiais segundo as quais muitos
casos de abusos sexuais contra crianças são cometidos por pessoas do seu convívio social.
Nos documentos jurídicos analisados por Rodrigues, foi possível verificar que a
criminalização da pedofilia aconteceu entre o final do século XX e o início do XXI. Citando
Weber, Rodrigues afirma que as coisas, em sociedade, não são naturais, nem dadas, nem
postas, elas são construídas por domínios que dão certa intangibilidade, como a arte, a ciência,
a religião, a política, as instituições sociais e a mídia. Nesse sentido, a pedofilia pode ser
explicada cientificamente, pois ela vai sendo produzida por meio de discursos desses
domínios de saberes. Porém, é necessário ressaltar que o autor não defende a naturalização ou
a normatização da pedofilia, mas sim problematiza que ela não é um fato em si, por ser
formada por diversas narrativas.
Ao desnaturalizar a pedofilia, Rodrigues (2014) vai tecendo os processos de
construção social sobre ser criança e ser adulto, sobre os empreendimentos genealógicos sobre
a sexualidade, sobre a emergência da violência sexual infantil nos contextos internacionais e
nacionais, sobre a construção dos problemas sociais e sobre o surgimento do sujeito pedófilo
como um monstro contemporâneo. Ele utilizou três eixos constitutivos para debater os novos
contornos sociais diante do sexo na contemporaneidade: a formação de saberes, as estratégias
de poder e a constituição de sujeitos.
Para o autor, o alarde em torno da temática provoca mais pânico do que análise dos
casos sobre violência sexual contra a criança. A mídia é, assevera ele, um dos principais
elementos de difusão dos pânicos morais. É a mídia que alimenta debates e realimenta a
sociedade com a temática dos abusos sexuais contra criança. A forma como as notícias sobre
a temática vêm sendo difundidas tem levado interpretações do senso comum, gerando pânico
moral e escamoteando uma produção cultural da pedofilia. Rodrigues (2014, p. 249) sinaliza
que “os pânicos surgem a partir da agitação de diversos segmentos sociais, se mantêm na
superfície da sociedade por algum tempo e depois desaparecem, sem antes fazer estrago e
deixar sequelas”.
Um dos casos mais notórios no Brasil, exemplo da produção de pânico moral através
de notícias sobre “abuso sexual infantil”, foi o da Escola Base, ocorrido em São Paulo, no ano
de 1994, que envolveu seis pessoas de uma escola particular de Educação Infantil na capital
paulista. O discurso da mídia foi formado pela denúncia fantasiosa de uma mãe de que o filho
estaria sendo abusado sexualmente na escola. A pressa da imprensa em criar manchetes fortes
124
Portanto, este caso é um exemplo claro de que a maneira de comunicar uma questão é
que promove o pânico moral, que é sustentado pelos valores destacados nas notícias e que se
pretende preservar. Ao fomentar o pânico moral, as camadas narrativas, oriundas da mídia, do
judiciário ou da medicina, sustentam o poder disciplinar e o controle social (RODRIGUES,
2014).
Como salienta Rodrigues (2014), o pânico moral é alimentado pela mídia
principalmente nos casos que envolvem pessoas de classe econômica baixa, crianças e
adolescentes negros e pobres, usuários de drogas, dentre outros indivíduos de categorias
marginalizadas. Sinaliza, ainda, que, ao mesmo tempo em que o pânico moral é criado pela
mídia e demais atores sociais, ele pode também rapidamente desaparecer, embora isso não
signifique que o problema tenha sido resolvido. No caso da pedofilia, segundo o autor, o que
se vê é um alarde para gerar pânico moral, a produção de um discurso de proteção à infância,
de narrativas para criminalizar o pedófilo, mas não se problematiza a real aplicação da lei que
rege a proteção integral à criança e ao adolescente e o entendimento da criança como sujeito
de direitos.
125
Nos documentos pesquisados, Rodrigues (2014) observou que é possível afirmar que
nem todo pedófilo é criminoso, nem toda pessoa que abusou sexualmente de uma criança é
um pedófilo. Diante do que foi encontrado nos textos analisados do judiciário e da psiquiatria,
ele argumenta que a pedofilia não é sinônimo de violência sexual contra criança. Mas
A noção de monstro humano é uma categoria jurídica por violar não apenas
as leis da sociedade, mas principalmente por violar as leis da natureza. A
preocupação com a pedofilia é legítima e necessária para a proteção das
crianças e do próprio portador de pedofilia, mas o pânico moral e a
“bestificação” do sujeito pedófilo servem para proteger os valores morais da
família burguesa (RODRIGUES, 2014, p. 23, grifo do autor).
Rodrigues (2014, p. 71) considera, ainda, que a pedofilia é um tema delicado, mas que
precisa ser enfrentado e discutido. Para ele, a sociedade dá importância à violência quando
esta é transformada em crime e vira notícia na mídia, e pondera que “a violência é um
conceito que muda de acordo com o tempo e o lugar onde estamos”.
Em síntese, a análise sócio-histórica indica que a mídia contribuiu e contribui
significativamente para a construção social da noção de “abuso sexual infantil” e da pedofilia.
126
25
Consideramos uma UI cada peça jornalística encontrada e selecionada.
26
De acordo com a Folha, estão disponibilizadas, no acervo do jornal, todas as edições do jornal desde o ano de
1923. O leitor pode encontrar matérias dos periódicos diários que já circularam na Folha da Manhã, na Folha da
Noite e na Folha de S. Paulo. Os jornais mais antigos foram convertidos do formato de papel para o digital
através de cópia microfilme. Já os jornais mais recentes são armazenados no acervo digital em formato PDF.
127
jornal, se Folha de S. Paulo, ou Folha da Manhã ou Folha da Noite, que quer consultar, bem
como o período. Escolhemos a busca detalhada, pois nos permite buscas por períodos e não
por data exata. Desse modo, pudemos consultar desde a primeira edição digitalizada do jornal
FSP. Uma vez inserido o descritor a ser consultado, clicamos no jornal que escolhemos
pesquisar e, em seguida, aparece o resultado da busca, informando a quantidade de páginas,
com o referido descritor, encontradas no acervo. As ocorrências são exibidas por período.
Com essas respostas, em que figuram anos, meses, dias, cadernos e páginas, o passo seguinte
foi a abertura das telas das páginas das edições selecionadas. Na tela das peças, o descritor
aparece em destaque, marcado com risco vermelho, o que facilitou a visualização da peça que
trata (direta ou indiretamente) da temática da pedofilia. O acervo disponibiliza funções de
ampliação da imagem, o que permite que a leitura seja realizada na tela do computador. Em
alguns casos, em que o processo de digitalização não foi eficiente, houve dificuldade de
leitura no próprio acervo digital. Para armazenar as peças coletadas, os arquivos foram salvos
em formato PDF, bem como foram impressos.
Primeiramente, procedemos a um levantamento na base de dados on line do jornal
Folha de S. Paulo, usando os descritores: a) abuso sexual infantil; b) pedofilia. Localizamos
1625 páginas com o descritor pedofilia e 43 páginas com o descritor “abuso sexual infantil”,
no período de 1976 até 2015. Identificamos que a primeira menção, no jornal, ao termo
pedofilia, ocorreu em 1976 e a primeira menção ao termo “abuso sexual infantil”, em 1985.
Fonte: Elaborado por integrantes do Grupo de Pesquisa GEIJC (PPGEdu/UFMT) para esta pesquisa.
A partir desse primeiro levantamento, observamos que a pedofilia era mencionada, até
128
27
A quantidade de peças localizadas pode estar associada ao descritor usado na busca. Provavelmente, se fossem
usados outros descritores, o número seria maior. O uso de preposições “de” e “contra” também dificultou a
localização mais precisa das peças com a temática. Sem elas, a busca direcionava somente para as páginas com a
temática da pesquisa. Durante a análise prévia, nos chamou atenção a grande incidência de páginas com o termo
“pedofilia”. Assim, optamos por localizar peças com os termos “abuso sexual infantil” e pedofilia.
129
O conjunto das peças selecionadas foi publicado na Folha nos períodos de 1976 a
1999 e totalizou 221 Unidades de Informação (UI) que tratam direta ou indiretamente da
temática da pedofilia, ou seja, que apenas mencionam o termo ou que têm foco na pedofilia.
Todas as UIs encontradas e selecionadas formam um conjunto de UI do qual intitulamos de
universo. Como preconizado por Bardin (1977), “o universo relaciona-se aos documentos
sobre os quais se pode efetuar análise.” Foi a partir desse “pano de fundo” (ANDRADE, L.,
2001), que retiramos o corpus das peças que têm foco na pedofilia. Essa divisão entre as UIs
universo e a UIs corpus se fez necessária devido ao considerável volume de peças localizadas,
principalmente nas décadas de 1970 e 1980, que não tratavam diretamente da temática da
pedofilia, ou seja, só a mencionavam ou tangenciavam. Portanto, as UIs do corpus são as que
tratam diretamente da temática da pedofilia.
Sintetizando, esta pesquisa tem dois recortes de análise das UIs: o universo e o corpus.
O primeiro (o universo) representa todos os documentos coletados e analisados; o segundo (o
corpus) foi retirado do primeiro e reúne as peças que tratam diretamente da temática da
pedofilia e será submetido a um exame mais detalhado e analítico (BARDIN, 1977).
Cada UI é composta pelo contexto de produção da matéria (autor, data, dia da
semana), pelo texto jornalístico (nota, reportagem, notícia, artigo, gráfico, tabela etc.) e pode
apresentar, também, recursos audiovisuais, como, por exemplo, fotos e desenhos
(ANDRADE, L., 2001).
Para a análise formal (2ª etapa da HP), recorremos à técnica da Análise de Conteúdo,
preconizada por Bardin (1977) e Rosemberg (1981). Conforme já mencionado no capítulo
metodológico, esta técnica nos auxilia na análise de elementos das peças jornalísticas, ou seja,
“a técnica de análise de conteúdo se propõe a descrever aspectos de uma mensagem, objetiva
e sistematicamente, e algumas vezes, se possível, de forma quantificável, a fim de
reinterpretá-la, de acordo com os pressupostos da investigação” (ROSEMBERG, 1981, p. 70).
Assim, explica Bardin (1977), a Análise de Conteúdo não tem o escopo de devolver ao leitor
a integralidade do texto sob análise.
A análise das UIs que compõem o universo e o corpus foi feita a partir de “manuais de
análise” ou “grade de análise” que formam grades analíticas que descrevem o rol de
130
categorias, bem como sua definição. Esses manuais (Manual 1 e Manual 2) são um guia para
a coleta de dados, para a produção de tabelas, quadros e gráficos, e constam no Apêndice 2.
Como indicado por Bardin (1977), a grade de análise foi construída a partir da leitura
flutuante das peças jornalísticas, norteada tanto pelo objeto de pesquisa como pelos aportes
teóricos, análise do contexto sócio-histórico e manuais já produzidos em investigações que
também usaram a Análise de Conteúdo como técnica de análise de discursos sobre a infância
na Folha de S. Paulo, em especial, de Andrade, L. (2001); Bizzo (2008) e Mariano (2010).
Foram construídos dois manuais de análise. O primeiro manual se destina à
caracterização do contexto de produção das UIs e foi aplicado nas peças que compõem o
universo (todas as peças), ou seja, nas 221 UIs. As categorias desse manual incluem: número
da UI, data de publicação, localização geográfica, caderno, título. O manual 1 possibilita,
então, uma caracterização mais geral das peças publicadas, gerando dados sobre a distribuição
das UIs no tempo, nos cadernos do jornal e na localização nacional ou internacional.
O segundo manual se destina às peças do corpus, ou seja, aquelas que tratam
diretamente do tema da pedofilia e, portanto, tiveram uma análise mais aprofundada. O
manual 2 é composto pelas seguintes categorias: dia da semana; autoria das UIs; tema da UI;
tipo de conteúdo; gênero jornalístico, origem jornalística; fonte das informações;
acontecimento gerador; composição dos títulos e do texto com o termo pedofilia; casos;
gênero; caracterização do acusado; e informação sobre a criança/adolescente.
Assim, as peças que fizeram apenas menção ao termo pedofilia tiveram somente seu
contexto de produção analisado enquanto as peças que tratam diretamente da temática da
pedofilia tiveram uma análise mais detalhada.
Cabe mencionar que, diferentemente das pesquisas do NEGRI, não enfocamos em
personagem/depoente, mesmo porque a leitura flutuante das peças nos possibilitou detectar
que as crianças, os adolescentes e as famílias quase nunca foram mencionados.
A partir desta seção, trazemos os dados e as análises das UIs coletadas, organizados
em tópicos referentes às categorias previstas nos manuais de análises. Apresentamos os
resultados a partir de uma sistemática dedutiva, precedida de uma análise indutiva. Com base
em cada grade de análise, elaboramos tabelas, examinando-as; fizemos uma síntese dos
resultados e produzimos quadros e/ou gráficos, expostos ao longo deste capítulo.
Como vimos no gráfico 1, o tema da pedofilia era um tema silenciado até a primeira
131
metade da década de 1990, passando a ter visibilidade a partir da segunda metade dessa
década, passando a ganhar exposição significativa na mídia.
Das 221 UIs (universo), 65 delas, o que equivale a 30% do total, tratam indiretamente
da temática da pedofilia, ou seja, nos textos dessas peças há apenas menção do termo
pedofilia. As demais 156 UIs, correspondendo a 70%, tratam diretamente da temática da
pedofilia, ou seja, tratam-na como tema central. O gráfico 2 ilustra estes dados:
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 2, Apêndice 3).
A ocorrência da produção e publicação dessas UIs, tanto das que mencionam como
das que tratam diretamente da temática da pedofilia, se deu de modo crescente ao longo do
tempo. Quanto às UIs que apenas citam a temática, observamos uma estabilidade (Gráfico 3):
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3, Apêndice 3).
132
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 4, Apêndice 3).
A primeira matéria publicada na FSP com foco no tema da pedofilia também foi
produzida no exterior, no dia 09 de fevereiro de 1980, pelo jornalista Paulo Francis, publicada
no caderno Folha Ilustrada. Ao relatar casos de pessoas consideradas pedófilas, o jornalista
associa a pedofilia ao estupro, afirma que a pedofilia é considerada uma “aberração sexual” e
declara que “quase todos os pedófilos são homossexuais” (UI 05, 09/02/80). No gráfico 6
apresentamos a distribuição das UIs segundo a localização geográfica e o enfoque recebido.
50 Brasil - Foco
40
Brasil - Menção
30
20
Exterior - Foco
10 Exterior - Menção
0
1976 1980 1982 1984 1986 1988 1991 1994 1996 1998
Ano
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3 e 4, Apêndice 3).
As quatro primeiras menções sobre o termo pedofilia no jornal FSP foram produzidas
no final da década de 1970, no exterior. Isso indica que o termo começa a ser apresentado no
jornal a partir de produções internacionais, ou seja, a entrada do termo pedofilia na FSP
aconteceu por meio de menções da palavra em textos de opinião produzidos por autores e
agências de fora do país. É nos anos de 1990 que a pedofilia ganha o foco de peças
jornalísticas, ao trazer informações sobre casos de acusação de pedofilia. Um destes foi uma
queixa envolvendo o cantor Michael Jackson (UI 54, 30/01/1994). Desde então, as peças
produzidas no exterior abordam casos de pedofilia envolvendo celebridades, pessoas ligadas à
igreja (padres, bispos) e sobre a repercussão do lançamento do filme Lolita 29 , em 1997. Outra
circunstância em que as UIs são produzidas no contexto internacional, a partir também da
29
O filme Lolita é baseado no livro homônimo, lançado em 1955, por Vladimir Nabokov. A história do
professor que se apaixona por uma adolescente foi narrada em duas versões para o cinema. Uma de 1962,
dirigida por Santley Kubrick, sofreu censura. A versão de 1997, com Adrian Lyne na direção, teve mais
liberdade de apresentar o romance, e foi considerada, por muitos, como uma obra de pedofilia. É a essa segunda
versão que as UIs fazem referências.
135
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 4, Apêndice 3).
136
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 5, Apêndice 3).
138
O caderno Ilustrada foi o segundo com maior frequência de peças. Esse caderno
agregava informações de cultura, arte, cinema, livros, música e entretenimento. De 1976 até o
final da década de 1980, o termo pedofilia aparecia de forma tangencial em peças sobre filmes
e livros, publicadas no caderno Ilustrada. Nessas peças, o autor, ao fazer resenha sobre
determinado filme ou livro de temáticas sobre sexo e sexualidade, mencionava a pedofilia.
Quando a temática passa a ser mostrada de forma direta, isto é, com foco na pedofilia,
como, por exemplo, o relato de casos considerados de pedofilia, ela passa a ser publicada
mais em outros cadernos. Ao ser associada à “pornografia infantil na internet”, a pedofilia
começa a circular com mais frequência no caderno Informática, que divulgava as operações
da polícia no combate às redes de distribuição de pornografia infantil, principalmente no ano
de 1999. Um dos destaques dessa publicização ocorreu no dia 30 de junho de 1999, em que
nove peças foram produzidas sobre “a caça” aos “pedófilos” na internet.
Um destaque importante é que somente uma UI foi publicada no caderno Folhateen.
Essa UI é uma peça que traz uma menção à temática da pedofilia. Não localizamos, nesse
caderno, nenhuma peça com foco na temática da pedofilia. O Folhateen foi um caderno
especializado em produção de peças jornalísticas direcionadas ao público infanto-juvenil. A
ausência desta temática nos parece muito significativa, pois expressa o quanto que
informações que envolvam a sexualidade é algo que não deve ser comentado com crianças e
adolescentes, nem mesmo para protegê-las. Entendemos que a mídia reflete e refrata a
realidade da sociedade e esse dado flagra a representação contemporânea da criança como um
ser inocente e da infância como um período que deve ser “protegido” das questões da
sexualidade, deixando patente o expurgo da sexualidade dos discursos e práticas das crianças,
conforme mostrou Foucault (1988). Portanto, esse dado indica o quanto o abuso sexual e a
pedofilia não eram (e possivelmente ainda não sejam) vistos como algo que crianças e
adolescentes devessem saber, inclusive para se protegerem. Ou seja, o grande volume de
peças sobre o tema da pedofilia que localizamos em seu período de emergência foi veiculado
unicamente ao público adulto, o que expressa que as vítimas, crianças e adolescentes, não são
vistas como parte do enfrentamento da questão.
Observamos que quarta-feira foi o dia da semana preferido pelo jornal Folha de S.
Paulo para publicação de peças com foco na temática da pedofilia, com 37 UIs, seguido do
sábado, com 33 UIs e do domingo com 22 UIs. Às quartas-feiras era publicado o caderno de
Informática, destinado a ajudar leitores iniciantes e experientes a entenderem sobre internet e
computadores, a fazer compras eficientes e economizar tempo e dinheiro. Esse caderno
apresentava matérias associadas à área de informática. No caso da temática da pedofilia, foi
139
nesse caderno que foram publicadas as operações da polícia de combate à pornografia infantil,
o que contribuiu para que este fosse o dia da semana com maior frequência de UIs.
Os dados indicam também uma preferência para publicação da temática da pedofilia
no final de semana. Sábado é o dia em que o caderno Ilustrada é produzido e contribuiu para o
aumento na produção de textos jornalísticos nesse dia da semana. Aos domingos, circulava o
caderno Mais!, responsável pela metade (oito) das UIs sobre cinema, livros, lançamentos,
poemas e artes. Conforme observado por Leandro Andrade, sugerimos que um dos fatores das
peças terem sido publicadas no domingo se deve ao fato de ser o dia em que há grande
volume de publicidade e maior diversidade de cadernos, consequentemente, mais anunciantes.
Além disso, esse é o dia em que a classe média se põe a ler o jornal de “cabo a rabo”. E o
jornal procura segurar “o rabo do leitor” (ANDRADE, L., 2001, p. 3).
No gráfico 9, é apresentada a distribuição da frequência das peças por dia da semana.
30
25 22 22 21
20
15 12
9
10
0
Domingo Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 6, Apêndice 3).
O autor com maior número de UIs (Maurício Simionato) escreveu sobre a temática da
pedofilia associada à “pornografia infantil na internet”, à criminalização do acusado e no
relato de casos de violência sexual contra crianças associados à pedofilia, ocorridos nas
cidades de Campinas e de São Paulo. Carlos Eduardo Lins da Silva foi o segundo que mais
produziu sobre o tema na FSP. Coube a ele fazer a cobertura sobre o caso do ganhador do
prêmio Nobel30 acusado de pedofilia, caso este que teve grande repercussão mundial. Ele
também escreveu sobre a nova versão do filme Lolita e o associou com a temática da
pedofilia.
Nas peças do corpus associadas a eventos promovidos por diferentes organizações,
jornalistas viajaram a convite da instituição promotora ou envolvida com o ato e, nesses
casos, produziram matérias durante o período em que o evento aconteceu. Um dos exemplos
foi o que ocorreu com o jornalista Fernando Rossetti, que foi convidado pela UNESCO para
participar do evento “Exploração sexual de crianças, pornografia e pedofilia na Internet: um
desafio internacional”, realizado em Paris, na França. Durante uma semana ele produziu seis
matérias sobre pedofilia, associadas ao evento promovido pela UNESCO. Essas peças, mais
uma vez, reforçaram a emergência da temática da pedofilia no Brasil através de campanhas
internacionais.
A cobertura de “casos” sobre pedofilia, na maioria das vezes, atrela o “caso” ao
profissional da imprensa, assim como ocorreu no caso do ganhador do prêmio Nobel ter sido
noticiado por um único jornalista na Folha. Isto também aconteceu no “caso do biólogo”
acusado de pedofilia, em que todas as peças também tiveram como única autora a jornalista
Vilma Marques, que foi a quarta que mais escreveu sobre a temática no jornal. Na medida em
que o jornalista fala sobre um determinado caso, acompanhando as investigações policiais, ele
vai se tornando “especialista” a respeito daquela ocorrência. Com isso, os autores podem tanto
legitimar e aumentar a divulgação de uma temática como podem invalidar e diminuir a
veiculação de um tema. Quando o autor se beneficia ao ter seu nome associado com
determinados temas, pode ocorrer a “valorização cruzada” (THOMPSON, 2011) ou a
“valorização recíproca” (FREITAS, 2004).
Observamos que o enfoque dado pelo jornal aos acusados se dá através de produção de
reportagens em série, que se transformam em “casos”. Assim, o jornalista consegue atrair a
atenção do leitor a partir do primeiro anúncio de um “grande escândalo jornalístico” até a
última reportagem sobre o caso. Qualquer fato novo de “tal caso” é desdobrado e passado
30
Esse caso refere-se a um ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, acusado de forçar menores de idade a ter
relações sexuais com ele.
142
quase que diariamente ao leitor. Isso pode ser observado nas sequências de datas de
publicações de muitas peças.
Além desses casos mencionados, a FSP produziu muitas outras séries de reportagens
de um mesmo “caso” envolvendo “abuso sexual” contra criança e pedofilia. Os casos
publicados ficaram conhecidos como “Caso Chaim”, “Caso Durenta”, “Caso Mogi”, dentre
outros. Não encontramos esses tipos de peças em anos anteriores a 1999. Assim, um dos
fatores que contribuiu bastante para o pico de produção de peças observado em 1999 deveu-se
à abordagem de publicização de “casos”, tanto que esse tipo de abordagem correspondeu a
62,40% das UIs do corpus, como apresentado no gráfico 10.
Esse foco em matérias sobre “casos” sugere que há uma maior preocupação com
ocorrências de abusos cometidos por pessoas sem parentesco com a vítima do que a violência
contra crianças e adolescentes que são abusados na própria casa. Isso leva a distorções sobre a
compreensão da questão e pode indicar que a violência sexual intrafamiliar cometida contra
crianças e adolescentes é um tema tratado como tabu. Mesmo que a família não seja intocável
e nem sagrada, de certa forma, permanece intocável e sagrada. (MÉLLO, 2002).
Este tipo de abordagem do tema por meio de “casos” e/ou acusação de pedofilia foi o
tema central em mais da metade das UIs do corpus (62,40%). Também bastante significativa
foi a frequência da “pedofilia na internet”, tema central em 47,30% das UIs do corpus. Peças
que buscaram associar pedofilia e doença como tema central constituem a terceira maior
frequência (17,10%), conforme gráfico 10.
143
14; 9%
62; 40%
17; 11%
47; 30%
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 8, Apêndice 3). 31
Esses dados revelam o que foi apontado por Landini (2006): é da segunda metade da
década de 1990 em diante que a pedofilia passou a ser retratada não só como “pornografia
infantil”, mas também como uma doença. A partir disso, a pedofilia vai sendo apresentada
mais como uma doença do que como um crime. É desde então que o jornal Folha promove
um incremento sobre a temática da pedofilia como “abuso sexual infantil” na mídia, ou seja,
situações tão diversas de “abuso sexual infantil” passam a ser rotuladas como pedofilia.
No gráfico 11, temos a distribuição e a frequência de UIs do corpus por ano e tema:
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3 e 8, Apêndice 3).
31
As porcentagens ultrapassam 100% pois uma mesma UI pode ter sido enquadrada em mais de uma categoria.
144
Sobre a ênfase do conteúdo das UIs com foco na temática da pedofilia, sob a forma de
texto informativo ou não, apenas cinco UIs são informativas e 151 UIs não trouxeram
informação esclarecedora sobre a temática. A Folha privilegiou o discurso de denúncia,
através de notícias-escândalos, em detrimento do discurso informativo. Isso pode ter ocorrido
por causa do uso dos excessos midiáticos que são estruturais e culturais e definem o que será
produzido e divulgado e o que não será, ou seja, o que não virará notícia (DEBORD, 1967).
Vejamos o gráfico 12:
Sim
Não
151
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 9, Apêndice 3).
Estas UIs informativas (38, 39, 40, 41 e 42) foram publicadas no mesmo dia, 31 de
maio de 1993. A primeira foi sobre o Congresso Mundial de Sexologia, que abordou os
limites do desejo e da doença. A segunda falou sobre o Filme de Almodóvar, intitulado “Pepi,
Luci, Bom y otras chicas del montón”32 . Já a terceira UI abordou o serviço gratuito prestado à
sociedade para tratar casos de disfunções sexuais. A história de um homem que fez tratamento
para curar um quadro parafílico de exibicionismo foi a pauta da quarta UI. Por fim, a quinta
apresentou informações sobre os principais desvios sexuais.
Esses dados também indicam a preferência do jornal por uma produção sensacionalista
sobre o tema. O uso de retóricas que enfatizam a dramaticidade da infância e adolescência
32
É um filme que narra a história de uma jovem que perde sua virgindade com um policial. Juntamente com uma
amiga, ela trama uma vingança contra ele. Mas o plano é interrompido, porque ambas conhecem a esposa do
policial e tornam-se amigos inseparáveis e vivenciam intensas aventuras.
145
associada à violência sexual é uma das estratégias utilizadas por atores sociais na construção
dos problemas sociais (HILGARTNER; BOSK, 1988).
O discurso jornalístico é compreendido como sendo um enunciado elaborado segundo
alguns sentidos que envolvem formas de produção, rotinas, pautas, fatos e acontecimentos em
que estão envolvidas relações de poder. É também dividido em gêneros, como a reportagem
(matérias), editorial e artigo de opinião. Todos podem produzir efeitos de sentidos diferentes
acerca de um mesmo tema, pois cada um dos gêneros jornalísticos traz consigo diferentes
formas de explorar e noticiar um assunto.
As temáticas da pedofilia e do “abuso sexual infantil” suscitaram a produção de
diferentes gêneros jornalísticos. As UIs do corpus foram, em sua maioria, do gênero
reportagem (58,97%). Essas reportagens (textos com informações detalhadas e com
interpretação dos fatos) utilizaram o recurso de produção do box (12,82%), que é um texto
mais curto associado ao texto mais longo. Deve-se notar, além disso, o reduzido número de
editoriais (0,64%) e de artigos (0,64%) que a temática recebeu. Observamos que quando a
temática da pedofilia não esteve publicada no gênero reportagem, ou notícia, ou artigo, ele foi
introduzido em outro gênero, por exemplo, no de crônica, utilizada para a produção da UI
052, ou o gênero carta, como foi o caso da UI 055 em que o leitor se manifesta sobre a
temática. E, ainda, a produção da UI 160, que dá destaque às notícias mais acessadas sobre a
temática da pedofilia.
A manifestação e o interesse dos(as) leitores(as), através de carta, na temática da
pedofilia e do “abuso sexual infantil”, como evidenciado na UI 160 “A Folha de ontem na
opinião do leitor”, em uma edição de segunda-feira, apareceu como outra maneira de o jornal
dar legitimidade ao tema. Assim, o termo foi mantido em evidência e foi ganhando espaço nas
produções da Folha.
A preferência pelo gênero reportagem, juntamente com o dado de que 62,40% das UIs
foram dedicadas a “casos de pedofilia”, indica a opção da Folha pelo detalhamento daquilo
que envolve aspectos da notícia em si: a que se refere o fato, como e onde aconteceu, quais os
envolvidos, quem é o acusado e qual a punição a ser recebida. Enfim, um esquadrinhamento
do que é sórdido, do que escandaliza, que serve bem à espetacularização. Conforme já
apontado, apenas cinco UIs, dentre as 156 do corpus, tinham um caráter informativo.
Ainda nas reportagens, gênero com mais produção de UIs (92), não encontramos
nenhuma UI na qual a personagem criança/adolescente, associada ao tema da pedofilia e do
“abuso sexual infantil”, fosse problematizada ou objeto de análise de peça jornalística.
Destacamos o gênero reportagem, porque foi o com mais produção de UIs, mas essa
146
observação prevaleceu também para outros gêneros jornalísticos das peças analisadas para
esta pesquisa.
As UIs foram produzidas com maior frequência pela reportagem local (25%),
constituída por jornalistas do próprio jornal ou que prestaram serviço freelance para a Folha.
As agências que mais produziram informações sobre a pedofilia e o “abuso sexual infantil”
foram aquelas localizadas em cidades onde também foram produzidas as UIs “casos”, com
produção de mais de uma UI. Há também origens jornalísticas de correspondentes enviados
especialmente a Nova York e Washington, locais onde foram realizados eventos promovidos
por organizações não governamentais. Nesse caso, o jornalista é convidado para participar do
evento com todas as despesas pagas pela instituição promotora do evento. A contrapartida do
profissional é escrever textos sobre o evento e a do jornal é a de publicar tais matérias.
Os informantes que mais falaram sobre o tema pedofilia e/ou “abuso sexual infantil”
no corpus e o que mais tiveram suas vozes consideradas foram os atores da área da Justiça,
mais especificamente a polícia (35,90%), juiz (14,71%) e os ligados às entidades de defesa da
criança (14,10%), conforme gráfico 13:
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 12, Apêndice 3).
Outra maneira de legitimar o tema é quanto ao uso de fontes: todas são adultas. Este
prestígio de fontes adultas está também associado ao quadro institucional do informante. Essa
informação corrobora com o que foi afirmado por Méllo (2002), que cabe ao Estado cuidar
147
Vale notar também que é por meio das investigações policiais contra a
“pornografia infantil na internet” que as cenas de crianças e adolescentes
envolvidos em interações e performances sexuais passam a circular em
documentos e discursos oficiais, inicialmente nas páginas do inquérito
policial – caracterizado pelo acesso restrito e voltado para a produção de
provas que sirvam de base para a acusação criminal – e em seguida em
narrativas jornalísticas e discursos políticos que constituem e alimentam o
imaginário social a respeito dos perigos sexuais que ameaçam as crianças e a
sociedade (LOWENKRON, 2012, p. 3, grifo da autora).
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 13, Apênd ice 3).
Esses dados indicam que quase metade das UIs (44,87%) tiveram a denúncia de abuso
sexual contra criança ou adolescente como elemento disparador da matéria, o que nos leva a
pensar os efeitos disso, na medida em que, possivelmente, contribuiu para alimentar um
pânico de que estaria ocorrendo um aumento do abuso sexual, quando o que ocorria era uma
maior visibilidade da questão. “A construção da agenda de problemas sociais, nas sociedades
contemporâneas, depende intensamente das mídias, que atuam tanto em seu próprio nome,
quanto como caixa de ressonância de outros atores sociais” (ROSEMBERG, 2008, p. 299).
Portanto, esse tom de denúncia nas UIs contribuiu para o tipo de visibilidade da
temática, para o surgimento dos contornos e definições que este problema social foi
adquirindo e também para as demarcações da busca por uma solução da “problemática”.
As peças analisadas foram produzidas, de acordo com o contexto sócio-histórico, em
meio à mobilização internacional e nacional em defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
Sugerimos que o agendamento na mídia de temáticas relativas à violência sexual contra
crianças e adolescentes está associado, em boa parte, à “importação” da temática da pedofilia,
às realizações de campanhas, às ações e promoções de agentes sociais em prol do combate
dessa “problemática social” que tiveram grande ímpeto principalmente no ano de 1999. Isso
aparece nas seguintes peças:
Para melhor detalhamento do que consta nos textos dessas Unidades de Informação,
apresentamos parte do texto da UI 183:
Mas trata-se de uma indignação seletiva, uma indignação voltada para algumas
problemáticas da infância. Os discursos sobre a pedofilia na FSP que encontramos nesta
pesquisa seguem as mesmas retóricas que a literatura internacional (FEILITZEN, 2002;
PONTE, 2005) e nacional (ANDRADE, L., 2001; FREITAS, 2004; NAZARETH, 2004;
ANDRADE, M., 2005, BIZZO, 2008; MARIANO, 2010; ROSEMBERG e ANDRADE, M.,
2012) identificaram: a violência é uma porta de entrada para a mídia falar dos assuntos
relacionados à infância e adolescência, que ganha mais apelo se estiver associada à
sexualidade. Nesta pesquisa, notamos que tal associação ganhou maior espetacularização
ainda com a preferência do uso do termo pedofilia, inclusive para situações que não se
enquadrariam dessa forma. Assim, encontramos 106 títulos das UIs do corpo (67,31%) com o
termo pedofilia (gráfico 14), mas que serviram mais como uma isca para atrair a atenção do
leitor, do que propriamente para falar estritamente de situações que implicavam em pedofilia.
A consequência disso é que diferentes situações de abuso ou violência sexual contra crianças
e adolescentes (“pornografia infantil na internet”; exploração sexual de crianças e
adolescentes, estupro, turismo sexual) foram sendo noticiadas como pedofilia. Esta
preferência da FSP pelo termo pedofilia para tratar casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes, revela-se, portanto, em um uso retórico para facilitar a espetacularização.
Gráfico 15 – Frequência das UIs do corpus do uso do termo pedofilia nos títulos
120
106
100
80
60
44
40
20
6
0
Não se aplica (refere-se às Não consta Apres enta o termo “PEDOFILIA”
frases públicas em destaque na ou equivalente
seção Frases, e aos títulos do
Painel do Leitor)
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 14, Apêndice 3).
Nesses títulos, notamos o quanto é dado destaque para aspectos chocantes: 638 garotos
“caçados”; uso da expressão “casa dos horrores”; personagens que teriam a função de educar
(diretor de escola) ou ligados à igreja (arcebispo) são violadores/agressores. Portanto, a
temática do abuso sexual contra crianças e adolescentes, abordada através do termo da
pedofilia, foi tratada, muitas vezes, pela via da violência como espetáculo. Identificamos, nas
manchetes, um tratamento de “tipo policial”, dando-lhe um estilo sensacionalista. Das
manchetes citadas anteriormente, extraímos parte do texto que revela esse mesmo estilo:
Nessa esteira, notamos que há peças do jornal FSP que trazem confusões conceituais,
principalmente sobre abuso sexual e pornografia infantil. Em alguns momentos os conceitos
são usados com base na Psicologia, em outros, no Código Penal, já em outros, na Constituição
Federal e também no ECA. Mesmo que tenham essas fontes, muitas peças apresentam um
termo pedofilia no título ou no chapéu33 , mas, no texto, usam outro termo, gerando, assim,
outros sentidos. Por exemplo, há peças que trazem o termo pedofilia no título ou no chapéu e
no corpo das matérias utilizam esse termo ou trazem uma situação que constitui um abuso
sexual ou exploração sexual contra crianças e adolescentes, que, todavia, não necessariamente
se caracteriza como um caso de pedofilia. Outro exemplo é quando narram que a criança ou
adolescente sofreu abuso sexual e o abusador ofereceu algo, presentes, em troca da prática
sexual. Nesse caso, é um crime de exploração sexual, e, caso a prática tenha acontecido, é
considerado também um crime de estupro. Essas peças sempre trazem no chapéu ou na
retranca34 o termo pedofilia, porém, o relato traz um caso de crime sexual, ou abuso sexual,
ou estupro, ou exploração sexual de criança, ou, ainda, tortura, como vemos a seguir:
Pedofilia
Casal é julgado por oferecer crianças para tortura
Um casal alemão começou a ser julgado por uma corte do Estado da
Baviera, sul da Alemanha, acusado de oferecer pela Internet crianças para
serem torturadas [...] Em resposta a um jornalista que se passava por um
cliente potencial, o casal teria dito poder sumir com o cadáver de uma
criança por adicional equivalente a US$ 1.580 [...] O casal está sendo
acusado de conspiração para sequestro, conspiração para abusar de crianças
e conspiração para assassinato [...]. Não foram encontrados indícios de abuso
de crianças. [...] (UI 101, 08/08/1997).
33
No jornalismo, “chapéu” é uma ferramenta usada com uma palavra ou pequena expressão sobre o título para
assim apresentar o tema da matéria. A FSP nomeia essa ferramenta de “chapéu” e é usada para indicar o assunto
de que trata o texto ou os textos que vêm abaixo dela. Na Folha, é sempre curto e colocado acima de um título.
34
A retranca é considerada pelo jornal Folha de S. Paulo como um termo para designar cada unidade de texto
em jornal.
153
Crime
Polícia prende acusado de pedofilia em Bauru
A PM prendeu anteontem à noite em Bauru (SP) o segurança Edson José
Ribeiro, 36, acusado de corrupção de menores e de atentado violento ao
pudor. [...] (UI 181, 12/05/1999).
As confusões conceituais podem ser vistas também nas peças que associam pedofilia à
pornografia infantil na internet. Isso é constatado nas seguintes UIs:
Nesta análise da emergência do tema da pedofilia, pudemos observar que o jornal FSP
deu preferência ao uso do termo pedofilia para noticiar diversas situações de abuso sexual
contra crianças e adolescentes, deslocando concepções e sentidos, participando da construção
da representação do abuso sexual de crianças e adolescentes como algo fortemente associado
a uma patologia ou desvio do abusador.
Um fato que se observou também em relação aos “casos”: encontramos peças que
tratam de “casos” que envolvem membros da Igreja. “Casos de pedofilia” envolvendo o
sacerdócio é um tipo de escândalo pronto a ser explorado em suas minúcias pela mídia e que,
ao que parece, quanto mais nuances de desvio do abusador forem apresentadas, maior o
escândalo, maior atenção à temática. Padres e pastores, quando envolvidos em “casos”, foram
apresentados como possuidores de transtorno/desvio sexual. Além dessa ligação, a FSP
também fez outra: a da homossexualidade de sacerdotes na Igreja Católica. As peças que
abordaram a relação entre Igreja e pedofilia podem ser exemplificadas a seguir:
Dentre as UIs que explicitam o gênero do acusado, o que mais prevaleceu nas UIs foi
o masculino (99%). Segundo Rodrigues (2014), a mídia é uma das propagadoras da
representação de que a pedofilia é praticada somente por homem adulto, que não consegue
controlar sua sexualidade e seus desejos. Isso pode ser observado na seguinte UI:
155
35
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3597.htm
156
Foco 70
Tipo
Menção 12
Janeiro 19
Mês Março 11
Junho 10
Brasil 65
Localização Geográfica
Exterior 5
Pedofilia na internet 31
Tema Caso/Acusação de pedofilia 25
Pedofilia e pornografia 8
Polícia 28
Quadro Institucional do
Entidades de defesa da criança 19
informante
Juiz 16
Denúncia 32
Acontecimento gerador Campanhas/operações 27
Congresso 8
Apresenta 65
Título com o termo pedofilia
Não apresenta 5
Não faz parte 43
Casos
Faz parte 27
Chaim 12
Durante 9
Casos noticiados Jair Silvia 3
Mogi 2
Igreja 1
Aparece 37
Acusado
Não aparece 33
Pedófilo 15
Caracterização do acusado Violento 10
Doente 7
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa. (Tabelas 2, 3, 4, 8, 12, 13, 14, 16 e 18, Apêndice 3).
maiores picos de UIs são os mesmos meses em que ocorreram as mobilizações sociais. A
pedofilia na internet foi o principal tema disparador das UIs, seguido de caso/acusação de
pedofilia. Das 70 UIs do corpus do ano de 1999, apenas cinco não tinham o termo pedofilia
no título. O “caso” que mais foi noticiado foi o Chaim.
Nas UIs do corpus de todos os anos quase não há informações sobre as crianças e
adolescentes ou sobre sua situação. No conjunto das peças analisadas, não encontramos
informações sobre idade, pertencimento racial, classe social e gênero das crianças e
adolescentes. Portanto, as crianças e adolescentes foram apresentadas como abstrações.
Estavam evidentes, mas não tinham concretude. O que se mostrava patente é a reiteração da
alegoria simbólica da infância: pureza, inocência, ingenuidade, imaturidade, fragilidade. É um
silêncio que diz muito, que denota o que Franklin (2002) observou em relação ao noticiário
britânico nas décadas de 1980 e 1990, em que a imagem que sobressaiu sobre as crianças é a
da “inocência violada da infância”, ensejando um clima de pânico moral sobre o risco de
abuso sexual das crianças e sugerindo a necessidade de uma proteção maior.
Os “perigos” que rondam as crianças e os adolescentes acentuam a dramaticidade no
enunciado, no texto, e na divulgação do ato. O não aparecimento de informações (faixa etária,
cor/raça, gênero, escolaridade, procedência geográfica, atividade ou ocupação, representação
da família, prognóstico de vida, voz etc.) sugere que a violência sexual contra crianças e
adolescentes, mostrada na Folha, está mais para a captação de leitores e audiências do que
voltada a um significado social (PONTE, 2005).
100
80
60
40
40
20
74,36% 25,64%
0
Não consta informação. Aparece informação.
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 19, Apêndice 3).
158
A análise discursiva das peças do jornal Folha de S. Paulo nos possibilita apreender
que os discursos frente às questões do “abuso sexual” situam as noções de infância e os
direitos da criança em lados opostos. Foucault (1996) chamou isso de jogos de desejo e poder
em função de uma verdade. Para ele, a verdade não existe fora do poder ou sem poder. As
práticas discursivas são estratégias de poder, mesmo “que, o discurso seja aparentemente bem
pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o
desejo e o poder” (FOUCAULT, 1996, p. 10).
Nessa emergência das temáticas do abuso sexual contra crianças e adolescentes e da
pedofilia, os termos usados pelo jornal Folha de S. Paulo para falar dessas temáticas, com uso
frequente do termo pedofilia, indicam a reiteração do uso de imagem da infância para fins
sensacionalistas, para o espetáculo. O grande volume de peças jornalísticas encontradas sobre
a temática da pedofilia corrobora o que os estudos nacionais e internacionais na área de mídia
e infância têm identificado: crianças e adolescentes são trazidos à pauta noticiosa,
preferencialmente, em situações específicas de violência, nas quais aparecem na condição de
vítima ou na de algoz, ou em questões ligadas à sexualidade (PONTE, 2005; MARIANO
2010).
Dessa forma, sugerimos que a Folha contribuiu para o imo do problema e suas
principais questões, banalizando ou diluindo a realidade com o uso do fait-divers,
O ideal seria que a própria mídia desempenhasse esse papel. Mas você já viu
a mídia educar para uma leitura crítica da mídia? Estamos convencidos que
ser cidadãos no século XXI exige um conhecimento amplo e crítico sobre a
mídia, sobre sua importância e papel, um conhecimento que, infelizmente
poucos de nós possuem. [...] É preciso, então, ter conhecimento e coragem
para debater os meios de comunicação social. [...] uma educação para a
comunicação deve oferecer condições para que a comunidade descubra a
natureza dos processos de comunicação em que está inserida; ajudar seus
162
Tal como constatado nas pesquisas realizadas sobre mídia, infância e adolescência na
FSP (ANDRADE, L., 2001; NAZARETH, 2004; BIZZO, 2008; MARIANO, 2010),
observamos que houve tratamento sensacionalista em relação à temática da pedofilia e do
abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Foi em meio a uma mobilização internacional e nacional, ocorrida a partir da década
de 1990, com o surgimento do jornalismo de denúncia, cujo método “levou o jornalismo aos
limites da ficção” (NASSIF, 2003, p. 3), de promoção e proteção dos direitos das crianças e
adolescentes, que as peças analisadas do jornal Folha foram produzidas e divulgadas. Os
resultados das análises sócio-histórica e formal permitem-nos sugerir que, a despeito do
significativo volume de peças publicadas quando da emergência do tema da pedofilia, não
necessariamente contribuiu para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e
adolescentes na sociedade brasileira. O que ficou evidente é que o dramatismo que essa
questão envolve teria sido usado para alimentar um tratamento sensacionalista desta temática
tal qual apontado por Méllo (2002):
nos casos de denúncia, estas peças podem servir como estímulo para a
exploração, o abuso e a violência contra criança e adolescentes;
Evitar a veiculação de informações – estatísticas, imagens, relatos de
experiência – sobre crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade que não se baseiam em fontes confiáveis;
Quando for o caso, explicitar claramente quais informações sobre
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade baseadas em
fontes seguras não são disponíveis;
Divulgar informações que esclareçam contradições na conceituação,
metodologia e resultados sobre incidência, causas e impacto de condições
de vulnerabilidade vividas por crianças e adolescentes;
Dar um tratamento ao texto e às imagens que evidencie o que se refere a
valores e opiniões dos produtores e divulgadores da peça e o que se refere
a informações baseadas em fontes seguras e confiáveis sobre crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade;
Evitar a produção e divulgação de peças – textos e imagem – que
veiculem discriminação de raça, gênero, condição econômica, religiosa e
cultural;
Evitar a produção e divulgação de peças – imagem e texto – que tratem as
experiências de vulnerabilidade em que se encontram crianças e
adolescentes como sendo atributos do caráter dessas pessoas, preferindo
tratá-las como decorrência de uma situação contingencial;
Evitar a veiculação de peças – texto e imagens – que reforcem o
prognóstico de um destino inexorável a partir das condições atuais de
vulnerabilidade em que vivem crianças e adolescentes;
Atentar para o fato de que encontramos famílias pobres e ricas que
respeitam e amam seus filhos(as), do mesmo modo que encontramos
também famílias ricas e pobres que não amam e não respeitam seus
filhos(as);
Atentar para a possível discordância entre valores dos produtores e
divulgadores de peças e os dos grupos focalizados de crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade;
Atentar para o fato de que os adultos, mesmo especialistas em infância e
adolescência, nem sempre agem no “melhor interesse da criança e
adolescente”;
Princípios éticos que devem orientar a produção e divulgação de peças –
texto e imagem – que envolvam diretamente crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade
A preservação da dignidade, privacidade e integridade física, psíquica,
moral, religiosa e cultural da criança e adolescente ou adolescente em
situação de vulnerabilidade deve superar qualquer outro interesse na
produção e divulgação de peças a seu respeito, especialmente quando sua
identidade ou intimidade podem ser expostas;
O consentimento livre e esclarecido de criança e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, bem como o de pessoas responsáveis por sua
guarda, deve ser obtido para que participem, através de suas palavras ou
imagem, de elaboração ou divulgação de peças;
A decisão de envolver crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade na produção de peças – texto e imagem – deve ser
precedida da ponderação quanto a riscos e benefícios e ao mínimo de
danos e riscos;
Prever procedimentos que assegurem a confiabilidade e a privacidade, a
proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização
de informações e imagens em prejuízo de crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, quando envolvidos na produção ou
165
Embora se trate de uma proposta bastante abrangente, que contempla princípios éticos
que respeitem a criança e o adolescente, trata-se apenas de uma sugestão, algo que auxilie na
condução e divulgação de temáticas tão densas como esta que aqui discutimos. A partir dela,
outras maneiras para falar e divulgar sobre crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social e de estigma podem ser produzidas.
Assim, ao colocar em discussão, nesta pesquisa, os discursos produzidos e veiculados
na mídia sobre os direitos da criança e do adolescente e suas interfaces com a construção
social da infância e adolescência brasileiras, notadamente os discursos sobre o “abuso sexual
infantil” de crianças e a pedofilia veiculados pelo jornal Folha de S. Paulo, tentamos debater
os papéis de importantes agentes sociais, como o Estado, a família, a mídia e a escola, sobre o
difícil, delicado, espinhoso e inquietante tema da violência sexual que atinge crianças e
adolescentes.
Muitas limitações, dentre elas, a própria temática, que é árdua e suscetível a
melindres, e o tempo de conclusão de um Mestrado, nos atravessaram no processo de
construção desta dissertação. Mas, ainda assim, esperamos ter conseguido responder as
questões que nortearam essa pesquisa. A (re)interpretação aqui proposta não aspira um
estatuto de verdade, mas se destina ao que Thompson (2011, p. 414) preconiza sobre as
possibilidades de transformação dos sentidos do cotidiano, uma vez que “a interpretação em
profundidade torna-se uma intervenção potencial nas próprias circunstâncias sobre as quais
ela foi formulada”, pois a interpretação é, por si mesma, “uma construção simbólica capaz de
ser compreendida por sujeitos inseridos nas circunstâncias que formam, em parte, o objeto de
interpretação [...e] pode possibilitar que questionem ou revisem seu entendimento anterior e
sua avaliação primeira da forma simbólica”. Portanto, a interpretação aqui lançada apenas
166
“levanta novas perguntas, novas questões, exige novos tipos de evidência e argumentação”
(THOMPSON, 2011, p. 46) a fim de ampliar a discussão dessa temática tão urgente no
contexto atual e para que possam, também, contribuir efetivamente para o enfrentamento
destas questões.
167
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https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/6978. Acesso em 01 out. 2016.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. RJ: Vozes, 2011.
APÊNDICES
APÊNDICE 1
Relação de UIs
Relação das UIs que integram o universo e o corpus da pesquisa
N° UI DATA TÍTULO
1 27/12/1976Foucault o sexo sem censuras
2 30/07/1978Estudo desmente velho conceito sobre violência
3 19/10/1978Homossexuais, uma questão para o PCF
4 18/01/1980"Liberation", um nanino que deu certo
5 09/02/1980Restos a pagar de 1979
6 21/05/1980Taradinhos
7 08/03/1981Muito sofre quem padece
8 22/06/1981Escolas devem ajudar pais na Educação Sexual
9 22/06/1981Os perigos da "Depo-Provera"
10 21/03/1982A função catártica do erotismo
11 08/04/1982Conferência de censura alerta contra sadismo
12 02/07/1983Sinopse Filme: somente você e eu
13 28/07/1984Hebe em revista
14 03/08/1984Cimento Fresco
15 09/12/1984Fenômeno Visceral
16 23/12/1984Raça e inteligência
17 08/01/1985Os novos Everly Brothers
18 24/02/1985Calce as galochas e entre na caça maluca
19 29/12/1985As enlouquecidas bonecas do rock'n'roll
20 08/03/1986O dom das meninas
21 27/03/1986Viagem pelas consciências do sol nascente
22 06/08/1986Inquérito sobre menor em filme aguarda laudo
23 06/08/1986 Marido disse à esposa que era um filme infantil
24 04/07/1987 Diário da corte
25 12/02/1988 Nota (sem título)
26 13/12/1988 Nabokov, autor da "Lolita", começa a ser publicado na União Soviética
27 31/05/1990 Diário da corte
28 28/10/1990 Pedofilia
29 12/12/1990 Não há brutos nem amor faroeste
30 24/01/1991 New Kids apela para a sexualidade infantil
31 29/03/1991 Alemães protestam contra tratamento a delinquentes
32 13/07/1991 Rimbaud as comemorações perigosas
33 05/09/1991 "Emma" revela submundo
34 26/09/1991 Choram as 4 damas do baralho nacional
35 28/03/1993 Biólogo discute sexo entre homens e animais
36 28/03/1993 Há pessoas que só dispõem de animais para amar´
37 28/03/1993 É comum na roça
38 31/05/1993 Congresso traça limite entre desejo e doença
177
APÊNDICE 2
Grade de Análise (Manuais)
Refere-se ao número de ordem atribuído a cada UI. O campo foi denominado por UI e é
composto por três dígitos (por exemplo: 1, 30, 140).
A data é registrada na sequência dia/mês/ano e tem oito dígitos numéricos. O campo serve
para identificar a UI e foi denominado DATA (por exemplo: 15/08/1999).
Codificação:
1. Brasil.
2. Exterior.
(4) CADERNO
Corresponde à organização das UI nos respectivos cadernos. Ela é executada pelo próprio
jornal, de acordo com os critérios de produção. A periodicidade dos cadernos pode ser diária,
semanal ou eventual. Os cadernos também podem se destinar a um público geral ou
específico, como, por exemplo, o caderno Folhateen que se destina ao público jovem. O
campo recebeu a denominação CADERNO e é composto por um dígito.
Codificação:
1. Não consta.
2. Primeiro Caderno.
3. Ilustrada.
4. Folhateen.
5. Esporte.
6. Mundo.
7. Folha São Paulo.
8. Folha Campinas.
9. Mais.
10. Dinheiro.
186
É o texto que desperta o interesse do leitor para o tema tratado. Constitui a síntese precisa da
informação mais importante do texto e destaca o particular da matéria (Folha de S. Paulo,
2001). O título foi transcrito integralmente, assim como a respectiva manchete e chamada,
quando existentes. O título é a síntese precisa da informação mais importante do texto e
destaca o particular da matéria (Folha de S. Paulo, 1987).
187
Refere-se ao dia da semana em que a UI foi publicada. O campo foi publicado como DIA DA
SEMANA e é composto por 1 dígito.
Codificação:
1. Domingo.
2. Segunda-feira.
3. Terça-feira.
4. Quarta-feira.
5. Quinta-feira.
6. Sexta-feira.
7. Sábado.
(7) AUTOR RESPONSÁVEL
1. Abnor Gundin
2. Alain Touraine
3. Alessandro Silva
4. Amir Labaki
5. André Lara Resende
6. Antônio Callado
7. Antônio Carlos Seide
8. Antônio Gonçalves Filho
9. Antônio Negri
10. Arnaldo Jabor
11. Aureliano Biancarelli
12. Barbara Gancia
13. Bernard Henry Lévy
14. Betina Bernardes
15. Betty Milan
16. Bruce Mccall
17. Carlos Alberto Luppi
18. Carlos Eduardo Lins da Silva
19. Cecília Sayad
20. Celso Fioravante
21. César Rocha
22. Clare Garner
23. Contardo Calligaris
24. Cynara Menezes
25. Daniel Castro
188
Trata-se do tema central da peça jornalística. Este campo é denominado TEMA e tem um
dígito:
1. Pedofilia na internet.
2. Caso/acusação de pedofilia.
3. Pedofilia na igreja.
4. Pedofilia e doença.
5. Pedofilia e pornografia.
6. Não se aplica.
1. Sim.
2. Não.
Refere-se à classificação dos tipos de textos jornalísticos das UI. Essa classificação é
realizada de acordo com as definições do Manual da Redação da Folha de S. Paulo, edição
de 2001. Esse campo é denominado GÊNERO e tem um dígito:
190
Codificação:
1. Artigo: traz interpretação ou opinião do autor. Esse texto é sempre assinado e pode ser
escrito na primeira pessoa. O jornal tem por norma editar artigos que expressem pontos de
vista diferentes sobre um mesmo tema. A Folha só publica artigos inéditos (FOLHA S.
PAULO, 2001, p. 71).
2. Editorial: refere-se ao texto que explicita a opinião do jornal e aborda temas que são
explorados pela equipe de reportagem. O editorial nunca é assinado. “Deve apresentar
concisamente a questão de que vai tratar, desenvolver argumentos que o jornal defende,
refutar os que se opõem e finalizar condensando a posição adotada pela Folha” (FOLHA S.
PAULO, 2001, p. 71).
3. Reportagem: trata-se do texto que apresenta os pormenores das informações, bem como a
interpretação dos fatos abordados. “Texto que traz informações mais detalhadas sobre
notícias, interpretando os fatos; é assinada quando tem informação exclusiva ou se destaca
pelo estilo ou pela análise” (FOLHA S. PAULO, 2001, p. 71). Estão inclusos os textos
identificados como Box.
3.1 Box. “Recurso editorial em que um texto aparece entre fios, sempre em associação
íntima com outro texto, mais longo” (FOLHA DE S. PAULO, 1987, p. 51)
4. Notícia: É o registro dos fatos importantes que merecem estar no jornal. Sem comentários,
juízos de valor ou interpretação.
9. Outros: são os textos pequenos, com mais de uma frase ou resumos que podem
acompanhar as matérias. Exemplos: cronologias, glossários, frases, contos, pronunciamentos,
reconstrução de uma história, entre outros.
É a agência, redação ou sucursal do responsável pela UI. O campo foi denominado ORIGEM
e tem dois dígitos.
Codificação:
Trata-se da identificação institucional de quem fala sobre o tema pedofilia e/ou “abuso
sexual” na UI. Escolhemos apenas um informante por UI e estabelecemos como critério o que
mais aparece. No empate, seguiremos as recomendações de Andrade (2001) de selecionar o
192
Codificação:
1. Não consta.
2. Não se aplica.
3. Família.
4. Vizinho.
5. Membro da família
a) tio ou tia;
b) primo ou prima;
c) avô ou avó;
d) pai ou mãe;
6. Funcionários da área da saúde.
e) médicos;
f) coordenadores de serviços relacionados à saúde;
g) enfermeiros;
h) psicólogos;
i) assistentes sociais;
j) outros;
7. Funcionários da área da justiça:
a) Delegados;
b) Advogados;
c) Polícia;
d) Juiz;
e) Conselho tutelar.
8. Entidades de defesa da criança.
9. Profissionais da Educação.
(13) ACONTECIMENTO GERADOR
Codificação:
1. Não consta.
2. Data comemorativa.
3. Comemoração religiosa.
4. Aprovações de projetos de lei.
5. Divulgação de um relatório de pesquisa.
6. Ocorrência de um congresso.
7. Ocorrência de manifestações públicas.
8. Lançamento de um livro/filme/música.
9. Denúncia de abuso.
10. Campanhas/ Operações.
193
Refere-se aos títulos em que estão mencionadas as palavras pedofilia ou seus equivalentes. O
campo foi denominado TITPED e tem um dígito.
Codificação:
1. Não se aplica (refere-se às frases públicas em destaque na seção Frases, e aos títulos do
Painel do Leitor).
2. Não consta.
3. Apresenta o termo “PEDOFILIA” ou equivalente.
(15) TÍTULO COM O TERMO PEDOFILIA, MAS NO TEXTO TRATA-SE DE OUTRA
TEMÁTICA
Refere-se aos títulos em que a palavra pedofilia é usada, porém, no corpo da peça, aparecem
outros termos. O campo foi denominado PEDOFABUS e tem um dígito.
1. Não há discrepância.
2. Pedofilia no título, e o texto aborda “abuso sexual” infantil.
3. Pedofilia no título, e o texto aborda pornografia infantil na internet.
4. Pedofilia no título, e o texto aborda estupro.
5. Pedofilia no título, e o texto aborda exploração sexual infantil.
6. Outros.
7. Mista (dois ou mais temas).
8. Mista (pedofilia mais outros temas).
9. Não se aplica.
(16) CASOS
Código
1 . Não aplica.
2 . Não consta.
3. Homem.
4. Mulher.
Código:
1. Não se aplica.
2. Doente
3. Marginalizado
4. Pobre
5. Violento
6. Bandido
7. Louco
8. Dependente químico
9. Pedófilo
10. Estuprador
11. Maníaco Sexual
12. Não consta.
APÊNDICE 3
Tabelas
Jornal de Resenhas 1
Revista da Folha 1
Guia da Folha 1
Acontece 1
Folhateen 1
Total Geral 221
Tabela 10. Distribuição e frequência das UIs do corpus por gênero jornalístico
Quantidade de Quantidade de
Gênero UI UI (%)
Coluna. 4 2,56%
Outros. 13 8,33%
Reportagem. 92 58,97%
Box. 20 12,82%
Notícia. 18 11,54%
Carta. 2 1,28%
Chamada/Manchete. 5 3,21%
Artigo. 1 0,64%
Editorial. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%
Tabela 11. Distribuição e frequência das UIs do corpus por origem jornalística
Quantidade de Quantidade de
Origem jornalística UI UI (%)
Da Redação/ redator (a) da Folha. 2 1,28%
Da reportagem local. 39 25,00%
Editorial. 1 0,64%
Especial para Folha. 9 5,77%
Leitor. 2 1,28%
Não se aplica. 6 3,85%
Sem identificação. 5 3,21%
De Nova York. 3 1,92%
Da Reuter. 1 0,64%
Das Agências Intencionais. 17 10,90%
Da sucursal do Rio 7 4,49%
Dos articulistas, colunistas e editores da Folha. 7 4,49%
De Washington. 3 1,92%
Enviado especial a Estocolmo. 1 0,64%
De Los Angeles. 1 0,64%
Da France Presse. 1 0,64%
De Paris. 1 0,64%
Do The Independent. 2 1,28%
De Londres. 2 1,28%
Especial para a Folha em Nova York. 2 1,28%
Da sucursal de Brasília. 3 1,92%
Enviado especial a Paris. 5 3,21%
Free-lance para a Folha Campinas. 11 7,05%
Da Folha Campinas. 17 10,90%
Da agência Folha, em Belo Horizonte. 2 1,28%
Da agência Folha, em São José do Rio Preto. 1 0,64%
Free-lance para a Folha. 4 2,56%
Da agência Folha, em Porto Alegre. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%
205
Tabela 12. Distribuição e frequência das UI do corpus por quadro institucional do informante
Quantidade de Quantidade
Quadro institucional do informante UI de UI (%)
Não consta. 18 11,54%
Conselho tutelar. 2 1,28%
Entidades de defesa da criança. 22 14,10%
Profissionais da Educação. 3 1,92%
Não se aplica 20 12,82%
Tio ou tia. 1 0,64%
Coordenadores de serviços relacionados à saúde. 1 0,64%
Polícia. 56 35,90%
Delegados. 3 1,92%
Médicos. 3 1,92%
Juiz. 23 14,74%
Outros. 2 1,28%
Psicólogos. 2 1,28%
Total Geral 156 100,00%
Tabela 14. Distribuição e frequência das UIs do corpus por título com o termo pedofilia
ou correlatos
Tabela 15. Distribuição e frequência das UIs do corpus com o título com o termo Pedofilia,
mas no texto trata-se de outro termo
Quantidade de Quantidade de
Termo UI UI (%)
Mista (dois ou mais temas). 17 10,90%
Mista (pedofilia mais outros temas). 2 1,28%
Não há discrepância. 15 9,62%
Outros. 9 5,77%
Pedofilia no título, e o texto aborda abuso sexual infantil. 44 28,21%
Pedofilia no título, e o texto aborda estupro. 7 4,49%
Pedofilia no título, e o texto aborda exploração sexual infantil. 4 2,56%
Pedofilia no título, e o texto aborda pornografia infantil na internet. 40 25,64%
Não se aplica. 18 11,54%
Total Geral 156 100,00%
Tabela 17. Distribuição e frequência das UIs do corpus por gênero do acusado
Quantidade de Quantidade de
Gênero UI UI (%)
Não aplica. 69 44,23%
Não consta. 8 5,13%
Homem. 78 50,00%
Mulher. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%
207
Tabela 18. Distribuição e frequência das UIs do corpus por caracterização do acusado
Quantidade de Quantidade de
Caracterização UI UI (%)
Não se aplica. 62 39,74%
Doente 11 7,05%
Violento 10 6,41%
Bandido 1 0,64%
Louco 1 0,64%
Pedófilo 51 32,69%
Estuprador 12 7,69%
Não consta. 8 5,13%
Total Geral 156 100,00%
Tabela 19. Distribuição e frequência das UIs do corpus por informação sobre a criança e/ou
adolescente
Quantidade de Quantidade de
Informação UI UI (%)
Não consta informação. 116 74,36%
Aparece informação. 40 25,64%
Total Geral 156 100,00%