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RESUMO:
O aumento do número de condutas penalmente relevantes concernentes à informática
deu maior importância aos crimes informáticos. Entretanto, o estudo para a criminalização de
tais condutas não foi feito devidamente. Apesar de o bem jurídico a ser tutelado nestes crimes
ser considerado, pela doutrina majoritária, a inviolabilidade dos dados informáticos, isso é
insuficiente para criação de uma política criminal eficaz. Assim, defendemos que esse conceito
seja ampliado a fim de proteger não só os dados, mas também a sua disponibilidade.
PALAVRAS CHAVE: bem jurídico, crimes informáticos, Direito Penal, Constituição
ABSTRACT:
Computer Crimes have gotten more importance over the last years due to the increasing
number of criminally relevant conducts related to the informatics. However the study to
criminalize some conducts was not done properly. Although the legal property protected by
Criminal Law on the computer crimes is considered the inviolability of computer data, this is
not enough for the creation of a good criminal politic. We defend that this concept has to be
amplified to also protect the data availability.
KEY WORDS: legal property, computer crimes, Criminal Law, Constitution
1
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
2
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
3
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
4
Graduando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
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O Bem Jurídico nos Crimes Informáticos
1– Introdução
Partindo de uma análise geral, dos bens jurídicos e condutas em questão, verifica-se
a existência de dois tipos de crimes informáticos: os crimes informáticos próprios e os crimes
de informática impróprios. O primeiro consiste em crimes em que há lesão dos dados
informáticos, e o segundo consiste em crimes que são praticados por meios informáticos, ou
seja, os meios informáticos constituem o modus operandi da conduta, mas não lesam tais
dados. Dessa forma, é importante que se estude o bem jurídico a ser tutelado, para que, assim,
sejam classificadas as condutas penalmente relevantes quanto ao tipo (próprio ou impróprio).
Logo, o presente artigo visa mostrar a importância do estudo e determinação prévia
de um bem jurídico a ser tutelado nos casos de crimes informáticos. Isto será feito por meio
do estudo de pressupostos conceituais relacionados a esse tema com o fim de evitar a
impunidade de certas condutas e evitar lacunas na legislação, para otimizar a aplicação do
Direito Penal. Ainda, toda a pesquisa será feita à luz dos preceitos constitucionais, com atenção
especial ao artigo quinto, inciso dez da Constituição Federal, que faz referência à
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e imagem das pessoas.
O conceito de bem jurídico não se confunde com o de “bem”, entretanto, este último
não deve ser deixado de lado na construção do primeiro. Bem, no sentido estrito, corresponde
a um objeto que possui determinado valor para o ser humano, em toda e qualquer sociedade.
Nesse sentido, tem-se que o conceito de bem jurídico é um objeto cuja importância para o ser
humano se demonstra tão válida que é necessário tutelá-lo juridicamente a fim de protegê-lo
(PRADO, 2011, p. 19). A ideia trazida pelo bem jurídico, objeto a ser tutelado pelo Direito
Penal, é de que ele é tão importante no âmbito social que o Direito deve ser responsável por
cuidar para que ele não seja transgredido; ainda, o ramo responsável pela proteção é o penal,
de modo que é necessário um certo cuidado com o que é resguardado: nem todo objeto
importante para o ser humano deve ser coberto pelo Direito Penal. Assim, tem-se que a noção
de bem stricto sensu está presente no conceito de bem jurídico mas eles não se confundem, de
modo que nem todo bem será tido como bem jurídico.
Além disso, a noção de bem jurídico está ligada à conjuntura em que se encontra
determinada sociedade, visto que cada uma delas apresenta demandas distintas, resultando em
uma tutela diferenciada. Assim, os valores sociais se modificam a medida em que passam as
gerações, que trazem consigo novos pensamentos e ideais, de modo a alterar substancialmente
aquilo que é tido como essencial e passível de tutela pelo Direito Penal (PRADO, 2011, p. 48).
As sociedades primitivas, por exemplo, se construíam em torno de ideais sagrados, e
por isso é fácil entender porque os crimes eram condutas tidas como atos contrários ao divino.
Com o advento do Iluminismo e das teorias racionalistas, o delito passou a ser identificado
como a violação do contrato social ou de um direito subjetivo. As penas eram modos de se
garantir a liberalidade, de modo que a conduta, para ser tipificada, deveria ser “contrária à
justiça absoluta e que sua repressão tenha relevância para a conservação ou bem-estar social”
(PRADO, 2011, p. 30). Nesse sentido, o bem jurídico era a liberdade individual. Na atual
conjuntura, o legislador ganhou um papel importante na identificação do objeto a ser tutelado
pelo Direito Penal. Isto porque questiona-se muito se a tarefa do direito penal é determinada
pela proteção de bens jurídicos (ROXIN, 2014, p. 71). Nesse diapasão, o legislador deve
atentar-se para os limites impostos pelo bem jurídico ao poder punitivo do Estado, de modo a
impedir a criação de normas que não traduzam bens dignos de proteção pelo Direito Penal.
Segundo uma concepção dogmática do bem jurídico, o legislador não o cria por meio da
norma, apenas constata a sua existência no mundo jurídico e sua importância na sociedade.
Assim, é possível constatar que o bem jurídico limita o poder do legislador, uma vez que ele
não pode ser fruto da subjetividade de um único homem ou grupo (PRADO, 2011, p. 27-38).
Na Constituição Federal, já estão presentes os princípios fundamentais do Direito
Penal, alguns de forma explícita e outros implicitamente. Sendo assim, ela é o primeiro
fundamento em que se deve basear a proteção neste âmbito jurídico. A construção de um
determinado tipo penal deve ser feita com muito cuidado, considerando a gravidade do dano,
o caráter subsidiário da esfera penal, o princípio da intervenção mínima e o da
fragmentariedade. Como bem elucida Roxin:
É aceito de forma dominante que a ameaça de uma pena criminal, como a mais grave
das sanções, apenas entra em cena quando regulações menos gravosas não se mostrem
suficientes. O assim caracterizado princípio da subsidiariedade, como máxima de
limitação do direito penal, está no mesmo plano de que o princípio da proteção de
bens jurídicos e possui significado politico-criminal no mínimo de mesma
importância. (ROXIN, 2014, p. 84).
Con otras palabras: detrás de cualquier tipo penal (también de los ilegítimos)
existe un interés que se pretende proteger. Pero interés no equivale a bien
jurídico. Todo bien jurídico es un interés, pero no todo interés alcanza la
categoría de bien jurídico: este último requiere, además, que, por consistir en un
derecho subjetivo de la persona o por cualquier otra razón, incluso la de tratarse
de un sentimiento social ilegitimo, sea valorado positivamente por el
5
ordenamiento jurídico (HEFENDEHL, 2007, p.15).
Nesse sentido, a Constituição serviria como limite a fim de evitar a tutela exagerada
de interesses que não são suficientemente relevantes no âmbito social. A criminalização do
homossexualismo, como exemplificado por Claus Roxin no contexto alemão, não deixa de ser
um interesse de um grupo da sociedade, entretanto, não deve ser levado em consideração, visto
que extrapola aquilo que é proposto pela Norma Fundamental: liberdade de escolha e
igualdades entre os seres humanos. Segundo o autor:
Em suma, para determinar quais valores merecem e quais não merecem a proteção
dada pelo Direito Penal o legislador deve consultar a Constituição em busca dos princípios
basilares defendidos na sociedade. O mais relevante para o estudo em questão é o Princípio
5
“Com outras palavras: por trás de qualquer tipo penal (também dos ilegítimos) existe um interesse que se pretende
proteger. Mas o interesse não se equivale ao bem jurídico. Todo bem jurídico é um interesse, mas nem todo
interesse alcança a categoria de bem jurídico: este ultimo requer, ainda, que, por consistir em um direito subjetivo
da pessoa ou por qualquer outra razão, se tratar de um sentimento social legítimo, seja valorado positivamente pelo
ordenamento jurídico” (HEFENDEHL, 2007, p. 15, tradução nossa).
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da Intervenção Mínima, que se encontra implícito na Constituição Federal. A ideia por trás
dele é que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, ou seja, só deve ser utilizado caso a tutela
do bem por outros ramos do direito se mostrou ineficaz. Para que seja tutelado pelo Direito
Penal, a conduta deve ser digna penalmente, ou seja, ser relevante e não ser tutelada por outro
ramo do Direito. Além disso, somente as condutas de caráter mais grave dirigidas contra bens
fundamentais, que lesionem ou coloquem em perigo de lesão verdadeiros bens jurídicos,
podem ser criminalizadas:
É necessário, porém, salientar que nem todo princípio constitucional deve ser objeto
de tutela do Direito Penal: o Direito Civil, por exemplo, também protege valores humanos
inerentes à vida. A diferença, no entanto, é a maneira pela qual o indivíduo que rompeu com
tais valores é punido, sendo que a sanção do Direito Penal é bem mais rígida. Ademais, a
sociedade tem papel importante na determinação do que deve ser positivado na esfera penal;
as demandas sociais são de extrema relevância na construção de aquilo que é importante para
a sociedade. Deve-se levar em consideração o que a comunidade pede; como o Estado é
democrático, sua finalidade máxima é proteger aquilo que a sociedade quer que seja tutelado,
de modo que o bem jurídico penalmente validado não deve ultrapassar os limites propostos na
Constituição e ao mesmo tempo não pode ser algo além do que aquele grupo de pessoas
formadoras da comunidade deseja. Por exemplo, o crime de racismo, previsto na Lei 7.716 de
cinco de janeiro de 1989, é relativamente novo no ordenamento, visto que a proteção às
diferentes etnias se tornou um dos assuntos mais relevantes na sociedade que repudia a
impunibilidade de atos de preconceito em razão da raça.
Deste modo tem-se que o Estado deve respeitar os valores da sociedade, que nada
mais são do que o espelho das necessidades dos homens que a compõem. Tais valores devem
constituir a base de todo sistema jurídico que é subordinado à ela, inclusive o Direito Penal,
uma vez que somente assim a ordem jurídica será justa. Se o fim do Estado é o Homem e o
meio para alcança-lo é proteger seus direitos e valores disseminados na sociedade nada mais
justo do que a tutela do Direito Penal ser feita acerca de tais valores (PRADO, 2011, p. 72).
Assim, o bem jurídico é o objeto da tutela penal que se relaciona diretamente com os
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princípios constitucionais e se baseia nas demandas da sociedade. Visa proteger algo tão
importante como a vida e o patrimônio que sua transgressão não pode ser aceita de forma
alguma, o que resulta em uma obrigatoriedade de tutela pelo ramo do Direito. Como coloca
Zaffaroni:
Uma vez que o objetivo principal deste artigo é analisar o bem jurídico como uma
construção constitucional e social e sua incidência nos crimes de informática com o intuito de
demonstrar a importância de um estudo apropriado deste, passaremos agora a identificação
crítica do bem jurídico em tais crimes.
A Constituição Federal, em seu artigo quinto, inciso dez, protege a inviolabilidade da
privacidade e dai decorre o fundamento para a tipificação das condutas criminosas na esfera
da informática. Por meio de uma interpretação do Código Penal é possível identificar como
bem jurídico destes crimes a inviolabilidade dos dados ou informações, entretanto isso será
reformulado ao longo deste artigo. É mister salientar que tal proteção também encontra base
nas demandas sociais, visto que a internet é um dos meios de comunicação mais utilizados ao
redor do mundo e se tornou uma das matérias mais relevantes.
Considerando a relevância do tópico, que possui base constitucional e social, seria
necessário uma maior cautela e consideração dos legisladores. Muitas vezes a tipificação da
conduta ocorre sem o devido estudo do tema e dos bens que devem ser definitivamente
protegidos, de modo a resultar ora na não criminalização de condutas que deveriam ser
criminalizadas, ora em um tratamento que não leva à proteção efetiva e eficaz de tais crimes.
Portanto, defende-se que antes da criminalização das condutas que mantém relação
com a informática deve-se fazer um estudo acerca tanto do bem jurídico, com respaldo na
Constituição e naquilo que está sendo reclamado pela sociedade, quanto da parte técnica da
informática, a fim de que a lei ou o tipo penal sejam feitos de maneira mais precisa e clara,
facilitando a sua aplicação e o alcance de seu fim.
• Crimes de informática próprios: são aqueles no qual há uma violação aos dados
informáticos. Representado atualmente em nossa legislação pela Lei 12.737/2012, que
acrescentou os artigos 154-A e 154-B no Código Penal, além da Lei 9296/1996, em seu artigo
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décimo.
• Crimes de informática impróprios: aqueles em que o computador, normalmente
por meio da Internet, é utilizado como mero meio para a realização do crime fim. Vários são
os exemplos presentes em nossa realidade, destacando-se, pela sua gravidade, os crimes de
estelionato e pedofilia praticados na Internet.
• Crimes mistos: aqueles em que a norma protege dois bens jurídicos diferentes,
estando presente entre eles, obrigatoriamente, a lesão a inviolabilidade dos dados informáticos.
Um exemplo presente em nossa legislação é a Lei 9504/1997, em seu artigo 72, inciso I, que
trata de crime eleitoral.
• Crimes informáticos mediatos: aqueles no qual o delito informático é utilizado
como crime meio para a realização do crime fim. Devido a aplicação do princípio da
consunção presente no nosso ordenamento, apenas o crime fim é punido. O grande exemplo
presente em nossa realidade é o do sujeito que, com o propósito de furtar grande quantia em
dinheiro de um banco, invade seu sistema de segurança, obtém as senhas necessárias e realiza
o furto do montante de dinheiro. (VIANNA; MACHADO, 2013, p. 29-36).
No presente artigo, iremos nos ater apenas a análise dos crimes propriamente
informáticos e dos impróprios, analisando-os sobre o ponto de vista do bem jurídico tutelado.
A principal ressalva a ser feita acerca dos crimes informáticos impróprios é sua
diferença em relação aos crimes de informática próprios. Naquele, há a violação de um outro
bem jurídico, que não a inviolabilidade de dados, por meio do uso da internet. Logo, aos
analisarmos esses crimes, devemos nos ater ao bem jurídico efetivamente violado, como forma
de evitarmos um erro conceitual cometido por alguns autores. Nesse diapasão:
promovesse uma atualização do Código Penal no que concerne aos crimes cometidos por meio
da Internet. Ademais, esperava-se uma maior atenção por parte da doutrina a este tema. Apesar
de a internet no Brasil ser regulada, sua legislação, nos termos de Vladimir Aras, é “esparsa,
pouco abrangente e ‘desconhecida’”, não havendo uma cultura de informática jurídica no país.
Ainda, corrobora Vianna:
A importância de um estudo mais apurado no que tange a tal assunto justifica-se pelo
fato de que as consequências negativas provocadas ao sujeito passivo quando o crime é
cometido pela Internet são, na maioria das hipóteses, muito maiores, dado a grande magnitude
de divulgação dos dados neste meio. Ademais, o computador, ou a internet, se tornou um
grande facilitador para o cometimento destes crimes. A propósito, esclarece Vladimir Aras:
Tendo como base esta legislação, nossa proposta é no sentido de criar dispositivos
aproximados ao exposto acima, de modo a tratar aprimoradamente dos delitos cometidos por
meio informático.
Exemplificadamente falando, pode-se mencionar os crimes contra a honra praticados
por meio do computador. Levando em consideração a legislação atual vigente, uma pessoa
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que comete esse crime tem sua pena aumentada em um terço, visto que a utilização de tal meio
resultaria na aplicação do artigo 141, III do Código Penal, que prevê o aumento da pena caso
o crime seja ocorrido por um meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da
injúria. Sendo assim, considerando a magnitude na divulgação dos dados trazida pela Internet,
defendemos a criação de um inciso que trate especificadamente do crime cometido por
computador, tal como foi feito com o crime de Pornografia Infantil. Isso decorre do fato de
que as informações divulgadas pela Internet são, na maioria das vezes, muito difíceis de serem
completamente excluídas. A velocidade do compartilhamento de informações pode promover
um dano enorme a vítima, muito superior ao da realização de tais crimes por qualquer outro
meio como o Jornal ou Revista físicas.
Ademais, existem alguns crimes que não preveem, sequer, uma hipótese de aumento
de pena (quando o meio utilizado facilita a divulgação da informação). É o caso do artigo 154
do Código Penal, que prevê o crime de violação de segredo profissional. Seria razoável a
presença de uma hipótese de aumento de pena caso este crime fosse praticado por meio do
computador. Logo, comprova-se que ainda falta uma maior atenção do nosso legislador aos
crimes cometidos pela Internet.
Por todo o exposto, demonstra-se a importância da identificação do bem jurídico para
a diferenciação entres estes crimes e os crimes de informática próprios, além da necessidade
de se dar uma maior atenção ao impacto da Informática nos dias de hoje, relativamente ao que
concerne ao Direito Penal.
O legislador brasileiro, como sempre faz, mais uma vez, legisla sempre em
cima de casos concretos: basta acontecer um fato de repercussão social e,
Auriney Brito, em sua obra “Direito Penal Informático”, menciona que “apesar de
terem sido criadas sob a cinematografia da mídia, as novas leis de crimes informáticos não
estão em desequilíbrio holístico” (BRITO, 2013, p.68), o que demonstraremos que não se
verifica.
Tal lei apresenta certas falhas, principalmente em sua redação, apresentando
elementares que excluem a tipificação de certas condutas que deveriam ser punidas, como a
violação de códigos fonte de um software em um dispositivo próprio, que, apesar de não ser
alheio, configura violação do bem jurídico da segurança da informação. A Lei criou o tipo
penal “Invasão de Dispositivo Informático” através da inclusão do artigo 154-A no Código
Penal:
condutas dignas de tutela penal não sejam criminalizadas. Conforme entendimento de Jorge
de Figueiredo Dias, uma das funções do bem jurídico é servir como padrão crítico para
constituição de normas. Nesse sentido:
Ele deve servir, em segundo lugar, como padrão crítico de normas constituídas
ou a constituir, porque só assim pode ter a pretensão de se arvorar em critério
legitimador do processo de criminalização e de descriminalização (DIAS,
1999, p.65).
Contudo, exatamente por entendermos que o bem jurídico tutelado nos crimes de
informáticos é, não só a inviolabilidade dos dados informáticos, mas também a sua proteção e
posterior processamento, sustentamos que nessa conduta há uma lesão direta ao bem jurídico.
Justamente por isso, coadunamos no sentido de defender uma análise prévia dos bem jurídicos
nos crimes de informática anterior à sua tipificação, de modo a evitar que condutas como essa
deixem de ser criminalizadas. Ressalta-se que não defendemos um aumento do âmbito de
incidência do Direito Penal; pelo contrário, se for um caso realmente digno de tutela penal, à
luz do bem jurídico protegido, que essa seja feita de forma mais criteriosa e adequada.
Para a construção do bem jurídico proposto pelo artigo, utilizaremos como base o
conceito construído por Túlio Vianna e Felipe Machado, além da concepção construída pela
Convenção de Budapeste. O primeiro conceito, mencionado ao longo do texto, diz respeito ao
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fato de que o bem jurídico é a informação armazenada nos dispositivos informáticos e não da
inviolabilidade dos programas (VIANNA; MACHADO, 2013, p. 21). Ele foi construído a
partir do artigo quinto, inciso dez, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Já o segundo refere-se ao bem jurídico coletivo e tem sua base ancorada nos preceitos
construídos pela Convenção de Budapeste. No âmbito internacional, tal Convenção é o único
instrumento plurilateral que trata de legislação penal relativa aos crimes informáticos. Esta foi
elaborada em 23 de novembro de 2001 pelo Conselho Europeu sobre Criminalidade
Informática, que foi instituído em 1996 por meio de deliberação do Comitê Europeu para os
problemas Criminais, após os atentados terroristas de 11 de setembro.
O instrumento foi criado com o objetivo de uniformizar a legislação penal internacional que
trata de crimes informáticos, devido ao fato de que a internet é um meio global, salientando
que sua eficiência dependerá de uma cooperação internacional. Em seu preâmbulo, sugere a
criação de “uma política criminal comum direcionada à proteção da sociedade contra o
cibercrime”, e em seu texto, propõe a criação de um bem jurídico denominado “segurança
informática”, que possui três elementos: confidencialidade, integridade e disponibilidade dos
dados informáticos. Trata-se de um bem jurídico coletivo que, segundo Rueda Martin, é “una
relación social basada en la satisfacción de necesidades de cada uno de los miembros de la
sociedad o de un colectivo y en conformidad con el funcionamiento del sistema social”
(RAMIREZ, 1932, p. 159 apud MARTÍN, 2010, p. 267).6
A importância da coletividade do bem jurídico dá-se pelo fato de que há uma proteção
dos outros bens jurídicos em geral (os individuais) provenientes desta categoria de bem, além
do fato de que atinge a sociedade como um todo por meio do cumprimento de uma função
social. Nesse sentido, o bem jurídico exposto na Convenção de Budapeste se consolidaria
como coletivo, visto que ao proteger a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade ele
protege, ao mesmo tempo, a intimidade pessoal e a família, que se configuram como bens
individuais juridicamente protegidos (MARTÍN, 2010, p.270).
Considerando que entendemos que a norma fundamental deve servir de base para a
construção dos bens jurídicos como um todo, ressaltados os casos em que sua alteração se faz
necessária pelas demandas sociais, como já foi explicado anteriormente, concluímos que o
conceito proposto por Vianna e Machado é adequado, contudo não se mostra suficiente. Tão
importante quanto preservar a inviolabilidade dos dados informáticos é possibilitar seu
6“Uma relação social baseada na satisfação de necessidades de cada um dos membros de uma sociedade ou de
um coletivo e em conformidade com o funcionamento do sistema social” (RAMÍREZ, 1932, p. 159 apud
MARTÍN, 2010, p. 267, tradução nossa)
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processamento, e por isso estender o alcance do bem jurídico atual é de extrema importância.
O que se protege aqui não é a integridade dos dados, mas seu processamento. A
inviolabilidade dos dados, neste caso, é protegida indiretamente, uma vez que
perder a capacidade de processar os dados pode equivaler a perder os próprios dados
(VIANNA; MACHADO, 2013, p. 32).
(...) um bem jurídico vinculante existe quando se encontra refletido num valor
constitucionalmente reconhecido e que, assim, preexiste ao ordenamento jurídico-
penal. Nesta acepção, deve-se considerar os bens jurídicos protegidos pelo direito
penal como concretizações dos valores constitucionais relacionados aos direitos
fundamentais. E será exatamente por esta via que os bens jurídicos se transformam
em bens jurídicos dignos de tutela penal, ou jurídico-penais (BECHARA, 2009,
P.20).
4 – CONCLUSÃO
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