Curso Medicina Rural 2021
Curso Medicina Rural 2021
Curso Medicina Rural 2021
Autores:
Fábio Duarte Schwalm
Enrique Falceto de Barros
Igor de Oliveira Claber Siqueira
Karine Kersting Puls
Leonardo Vieira Targa
Magda Moura de Almeida
Vanessa Laubert La Porta
Coordenador:
Marcelo Pellizzaro Dias Afonso
Medicina Rural
Autores:
Fábio Duarte Schwalm
Enrique Falceto de Barros
Igor de Oliveira Claber Siqueira
Karine Kersting Puls
Leonardo Vieira Targa
Magda Moura de Almeida
Vanessa Laubert La Porta
Coordenador:
Marcelo Pellizzaro Dias Afonso
Belo Horizonte
NESCON - UFMG
2021
CRÉDITOS
MINISTÉRIO DA SAÚDE Gustavo Storck, Gerente de Tecnologias da Informação (TI)
Eduardo Pazuello, Ministro Roberta de Paula Santos, Gestora Acadêmica
Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS-MS) Coordenador Geral - Curso Medicina Rural
Raphael Câmara Medeiros Parente, Secretário Alysson Lemos
Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES-MS) Edison José Corrêa
Luiz Otávio Franco Duarte, Secretário Coordenação Técnico-Cientifica
Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) Marcelo Pellizzaro Dias Afonso
Arnaldo Correia de Medeiros, Secretário Conteudistas
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde Fábio Duarte Schwalm, Enrique Falceto de Barros, Igor de
(SGTES-MS) Oliveira Claber Siqueira, Karine Kersting Puls, Leonardo
Mayra Pinheiro, Secretária Vieira Targa, Magda Moura de Almeida, Vanessa Laubert La
Secretaria Executiva da Universidade Aberta do SUS Porta
Maria Fabiana Damásio Passos, Secretária-executiva Banco de Itens de Avaliação
Revisão institucional - Ministerio da Saúde Higor Rodrigues Machado
Aline Ludmila de Jesus Revisores institucionais (UFMG)
Revisores da Secretaria Executiva da UNA-SUS Edison José Correa
Paulo Biancardi Coury Produção Desenvolvimento Web e Administração Moodle
Samara Rachel Vieira Nitão Daniel Lopes Miranda Junior, Simone Myrrha
Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) Apoio Técnico
Olavo de Moura Fontoura Leonardo Aquim de Queiroz, Michel Bruno Pereira
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ - FIOCRUZ Guimarães
Nísia Trindade Lima, Presidente Designer Educacional
Angela Moreira e Weder Hovadich Gonçalves
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Ilustradores
Sandra Goulart Almeida, Reitora Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso
Alessandro Fernandes Moreira, Vice-Reitor Web Designer
Fábio Alves da Silva Junior, Pró-Reitor de Pós-Graduação Felipe Thadeu Carmo Parreira
Cláudia Andrea Mayorga Borges, Pró-Reitora de Extensão Produtor Audiovisual
Carlos Henrique Costa Moreira, Coordenador do Sistema Edgard Antônio Alves de Paiva
Universidade Aberta do Brasil na UFMG (EAD-UFMG) Diagramadora
Edison José Correa, Coordenação da UNA-SUS na Giselle Belo Lança Antenor Barbosa
Universidade
Secretaria editorial / Núcleo de Educação em Saúde
Faculdade de Medicina Coletiva Nescon / UNA-SUS/UFMG: (<http://www.nescon.
Humberto José Alves, Diretor medicina.ufmg.br>)
Alamanda Kfoury Pereira, Vice-Diretora Faculdade de Medicina /Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG
Núcleo de Educação em Saúde Coletiva – Nescon/UFMG Av. Alfredo Balena, 190 – 7º andar
Francisco Eduardo de Campos, Diretor CEP 30.130-100
Edison José Correa, Vice-diretor Belo Horizonte – MG – Brasil
Raphael Augusto Teixeira de Aguiar, Coordenador Tel.: (55 31) 3409-9673
Acadêmico Fax: (55 31) 3409-9675
Mariana Aparecida de Lélis, Coordenadora Administrativa e Site: www.nescon.medicina.ufmg.br
Financeira
Sara Shirley Belo Lança, Coordenadora de Design
Educacional (DE)
© 2021, Ministério da Saúde. Sistema Universidade Aberta do SUS. Fundação Oswaldo Cruz. Universidade Federal de Minas Gerais. Núcleo de
Educação em Saúde Coletiva.
Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra, em parte ou em sua totalidade, nos termos da licença
para usuário final do Acervo de Recursos Educacionais em Saúde (ARES). Deve ser citada a fonte e é vedada sua utilização comercial. Os créditos
deverão ser atribuídos aos respectivos autores. Licença Creative Commons License Deed. Atribuição-Uso Não Comercial Compartilhamento pela
mesma Licença 2.5 Brasil. Você pode: copiar, distribuir, exibir e executar a obra; criar obras derivadas. Sob as seguintes condições: atribuição – você
deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante; uso não comercial – você não pode utilizar esta obra com fina-
lidades comerciais; compartilhamento pela mesma licença: se você alterar, transformar, ou criar outra obra com base nesta você somente poderá
distribuir a obra resultante sob uma licença idêntica a esta. Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da
licença desta obra. Qualquer uma destas condições pode ser renunciada, desde que você obtenha permissão do autor. Nada nesta licença restringe
os direitos morais do autor.
ATUALIZE-SE
Novos protocolos editados por autoridades sanitárias, pesquisas e experiências clínicas indicam que
atualizações e revisões nas condutas clínicas são necessárias. Os autores e os editores desse curso
fundamentaram-se em fontes seguras no sentido de apresentar evidências científicas atualizadas para
o momento dessa publicação. Leitores são, desde já, convidados à atualização. Essas recomendações são
especialmente importantes para medicamentos e protocolos de atenção à saúde.
M489 Medicina rural / Fábio Duarte Schwalm ... [et al.]. Coordenação de
Marcelo Pellizzaro Dias Afonso -- Belo Horizonte : Nescon/UFMG, 2021.
163 p. : il.
ISBN: 978-65-86593-06-8
NLM: WA 390
CDU: 614.79
Sumário
Médica de Família e Comunidade. Formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) no ano de 2017. Realizou formação em Medicina de Família e Comunidade no
Grupo Hospitalar Conceição (Porto Alegre - Rio Grande do Sul), concluindo em fevereiro de
2020. Atualmente, é Médica de Família e Comunidade no Município de São Pedro da Serra
e professora do curso de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Karine também
é instrutora do curso Advanced Medical Life Support (AMLS) da National Association of
Emergency Medical Technicians (NAEMT) no Centro de Ensino e Treinamento em Saúde
(CETS). Karine tem interesse pela saúde rural, sendo membro do Rural Wonca (WONCA
Working Party on Rural Practice), do Rural Seeds e do Grupo de Trabalho em Medicina Rural
da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
Médica de Família e Comunidade. Formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
no ano de 2015. Realizou residência em Medicina de Família e Comunidade no Serviço de
Saúde Comunitária do Hospital Nossa Senhora da Conceição, formada no ano de 2018, e
realizou especialização em preceptoria de Medicina de Família e Comunidade pelo Ministério
da Saúde no mesmo ano. Atualmente, trabalha como professora de Medicina de Família e
Comunidade e preceptora de alunos de graduação da Universidade de Caxias do Sul.
Coordenação:
Marcelo Pellizzaro Dias Afonso
Parte significativa da população brasileira vive em áreas rurais. No entanto, a formação dos
profissionais de saúde no país ainda está fortemente concentrada nas grandes áreas urbanas,
não sendo, muitas vezes, capaz de apresentar adequadamente as especificidades do cuidado
nesse cenário. Considerando o disposto na Constituição Federal de que “saúde é direito de
todos e dever do Estado”, é necessária a implementação de incentivos para que a formação
de profissionais de saúde responda adequadamente a essa necessidade.
Este curso vem responder a essa demanda, tendo objetivado a capacitação de Médicos de
Família e Comunidade e Médicos Generalistas para a prática da Medicina Rural nas milhares
de equipes de Saúde da Família e equipes de Atenção Primária à Saúde em todo o Brasil.
O curso está estruturado em duas unidades que, espera-se, possam ser compartidos com
toda a equipe.
A Unidade 2 tem como objetivo orientar a abordagem das condições rurais mais relevantes
no Brasil. Em casos clínicos, espera-se que o estudante assuma um papel protagonista na
construção do conhecimento. A Unidade conduz à abordagem de diferentes condições de
importância na APS de áreas rurais no país, como o atendimento à intoxicação por uso de
agrotóxicos, os acidentes por animais peçonhentos, os traumas comuns em áreas rurais e a
profilaxia de tétano e raiva.
Espera-se que, ao final do curso, o profissional médico atuante na APS tenha ampliado
suas competências no cuidado de pessoas residentes em áreas rurais, contribuindo para a
efetivação do direito à saúde para todos, por meio de uma atenção qualificada, eficiente e
humanizada!
UNIDADE 1
Introdução
Embora com grande território e diversidade de ambientes e culturas, o Brasil conta com
uma grande desigualdade socioeconômica, que impacta de forma considerável a saúde das
comunidades rurais, em suas características e peculiaridades. Esta Unidade 1, de forma geral,
inclui o conceito de rural no contexto brasileiro, abordando o perfil sociodemográfico das
áreas rurais, a importância e as características da saúde rural. Traz ainda, nessa realidade, os
aspectos culturais relacionados à saúde de comunidades rurais, a organização dos fluxos da
rede de atenção à saúde e dos recursos humanos em saúde nesse cenário, e sua relação com
o modelo predominante de formação médica no Brasil com as características da prática da
medicina rural. Para facilitar os estudos, serão disponibilizados recursos didáticos tais como
textos, vídeos, infográficos, fluxogramas, atividades, entre outros.
VÍDEO
Sinopse: O vídeo apresenta um depoimento dos médicos de família e comunidade, Dr. Fábio Duarte
Schwalm e Dr. Enrique Falceto de Barros, introduzindo o tema da Medicina Rural e apontando
pontos positivos de se trabalhar na área rural. Citam, principalmente, o convívio com a natureza, a
relação mais próxima com os pacientes e o desenvolvimento de habilidades médicas numa prática
mais generalista do ofício.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/pasta//BV/Material_dos_Cursos/Curso_
Medicina_Rural/Recursos_Educacionais_Abertos
14
Seção 1
O Rural e a Saúde
A saúde dos que vivem em áreas rurais apresenta diferenças importantes em relação aos
que vivem nas grandes cidades. Essas diferenças, como veremos, estão relacionadas não só
aos hábitos de vida ou à forma de viver em comunidade, mas também por características
do nível de desenvolvimento e organização dessas regiões, mais especificamente em relação
ao sistema de saúde. Antes, porém, de aprofundarmos essas características da saúde rural,
precisamos refletir sobre o que é “rural”.
Atividade
Atividade 1:
O que é rural?
Reflita sobre as questões levantadas e liste características que você julga as mais
importantes para a definição de uma área rural.
Importante:
O que é rural?
A discussão sobre o conceito de rural não é simples. Frequentemente, não está sendo fácil
definir se uma área ou população é rural (ANDO et al., 2011). São razoavelmente comuns
áreas com características rurais dentro dos limites de grandes cidades, assim como pequenas
áreas urbanizadas em regiões predominantemente rurais que deixam dúvidas quanto à
melhor forma de classificá-las.
Para entendermos a importância desta discussão, será útil adiantarmos alguns dados
demográficos e ver como se relacionam com as diferentes formas de conceituar a ruralidade.
O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou que 29.852.986
pessoas (15,65% da população) habitavam áreas rurais (IBGE, 2011), o que é semelhante à
população total de muitos países. Há, porém, um problema com o conceito até então utilizado
pelo IBGE, que definia rural toda área fora da zona urbana demarcada de um município.
Essa demarcação, realizada pelo próprio município, sofre interferência de múltiplos fatores,
incluindo os fiscais. Além disso, a sede de todo município, a despeito do tamanho ou da
densidade populacional, é considerada urbana. Isso gerou, por décadas, uma hipertrofia da
urbanização brasileira e um desvio de foco dos problemas rurais.
Figura 1 – Distribuição da população brasileira nas áreas urbana e rural, por ano.
Legenda: População rural subestimada e minguando pelo critério anterior do IBGE. Censo Demográfico 2010,
Censo Demográfico 1980, 1991 e 2000 e Contagem da População 1996.
Caso consideremos rurais, como proposto há alguns anos, os municípios que apresentam
simultaneamente menos de 50 mil habitantes e menos de 80 habitantes/km², 90% do
território brasileiro, 80% de seus municípios e 30% de sua população são rurais (o dobro,
portanto, do que figura nos dados oficiais) O Brasil “inequivocamente urbano” corresponderia,
então, a 57% de nossa população. Os restantes 13% da população caberiam em uma categoria
intermediária, que pode ser denominada “rurbana” (VEIGA, 2003; MARQUES, 2002).
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Esse problema na classificação oficial está sendo revisto pelo IBGE, que poderá implantar
modificações no novo Censo. As mudanças propostas aumentam a importância da densidade
demográfica e criam novas categorias intermediárias entre rural e urbano, bem como
os conceitos de regiões remotas e adjacentes e têm potencial de redesenhar a geografia
brasileira, além de impactar políticas específicas para essas regiões. Estudos em que essa
metodologia foi usada mostraram que a maior parte dos municípios brasileiros (Figura 3)
são predominantemente rurais (60,4%), sendo 54,6% adjacentes a áreas urbanas de maior
hierarquia e 5,8% rurais remotos (IBGE, 2017). O número aproximado obtido com essa
alteração conceitual, que é de 46 milhões, é semelhante à população total de países como
a Espanha e Argélia e maior do que a população total do Canadá. Em termos regionais, a
população rural brasileira é maior do que a população total de todos os outros países da
América do Sul, com exceção da Colômbia.
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Fonte: IBGE, DGC/Coordenação de Geografia, IBGE, DGC/Coordenação de Cartografia, IBGE, Censo Demográfico 2010
Capital Federal
Capitais Estaduais
População total em mancha de ocupação densa
Concentração Urbana ou Unidade Populacional com mais de 50.000 habitantes em mancha de ocupação densa
Unidade Populacional que possui entre 25.000 e 50.000 habitantes em mancha de ocupação densa
Unidade Populacional que possui entre 10.000 e 25.000 habitantes em mancha de ocupação densa
Unidade Populacional que possui entre 3.000 e 10.000 habitantes em mancha de ocupação densa
Unidade Populacional que possui entre 3.000 habitantes em mancha de ocupação densa
Destaquemos alguns elementos desta discussão que podem ser úteis para o cuidado da saúde
(KAGEYAMA, 2004):
• rural não é sempre sinônimo de agrícola/pecuária e nem tem exclusividade sobre essas
atividades;
19
Atividade
Atividade 2:
A) Menos de 10%.
B) Entre 10 e 20%.
C) Entre 20 e 30%.
D) Mais de 30%.
Importante:
Seção 2
Aos estudarmos as diferentes realidades rurais, nos deparamos com graves problemas de
saúde e iniquidade. Alguns desses dados nos ajudam a entender por que ter um conceito
adequado de “rural” gerará melhor diagnóstico das condições de vida de parcela importante
da população e impactará na probabilidade de termos políticas justas.
Atividade
Atividade 3:
Importante:
Entre as regiões brasileiras, ainda usando os dados do Censo 2010, o menor percentual de
população rural é o da região Centro-oeste, com 5,2% da população rural; e a maior, o da região
Nordeste com 47,8%. Cada uma das regiões Sul, Sudeste e Norte tem, aproximadamente,
14-15% de população rural. Considerando que mais de 40% da população do país mora na
região Sudeste, fica evidente a forma irregular da urbanização do país e da ocupação das
áreas rurais. (IBGE, 2011).
21
Isso é de especial importância quando percebemos que vários indicadores relacionados à saúde
são piores em áreas rurais em relação às áreas urbanas, como pode ser visto no Quadro 1.
% de crianças extremamente
32,8 6,6 Atlas IPEA, 2013
pobres
% de crianças em domicílios
em que ninguém tem 55,8 24,6 Atlas IPEA, 2013
fundamental completo
% de crianças de 6 a 14 anos
4,9 2,9 Atlas IPEA, 2013
de idade, fora da escola
Índice de Desenvolvimento
0,586 0,750 Atlas IPEA, 2013
Humano Municipal
% de autoavaliação de saúde
55,1 68 IBGE, 2011
boa ou muito boa
% de dependentes do sistema
94 68 IBGE, 2013
público de saúde
Nos municípios mais rurais, ainda é alta a prevalência de pessoas que habitam domicílios com
estrutura, abastecimento de água, esgoto sanitário inadequados e sem energia elétrica. O
material predominante na construção das paredes externas é a alvenaria (48,9%). Contudo,
o Maranhão (39,8%), o Pará (14,6%) e o Ceará (12,8%) ainda apresentam alta prevalência de
domicílios construídos com taipa não revestida. O uso de madeira na construção domiciliar é
mais frequente no Sul e no Norte do Brasil. (SARMENTO et al., 2015).
Em 10,4% dos domicílios de áreas rurais, não existe banheiro; 37,4% dos domicílios despejam
seus dejetos em fossas rudimentares, em valas, ou diretamente em rios, lagos ou no mar;
47,3% do lixo domiciliar é queimado ou enterrado. Como agravante de insegurança hídrica
e alimentar, entre os domicílios que não utilizam a rede geral de distribuição de água (82%),
68,8% também não possuem filtro d’água.
Isso se reflete no índice de desenvolvimento humano mais baixo nas áreas rurais (IDHM
0,586) do que nas áreas urbanas (IDHM 0,750) (ATLAS, 2013). A taxa da população rural que
é dependente, exclusivamente, do sistema público de saúde é de 94%, enquanto em áreas
urbanas essa proporção é de 68% (IBGE, 2013).
O trabalho das populações rurais frequentemente está relacionado com exposições climáticas,
físicas, químicas, orgânicas, além do risco de traumas em operações com máquinas específicas,
como serras, tratores, etc. (LESSENGER, 2006). Além disso, o fato de o trabalho ser, muitas
vezes, realizado próximo ou mesmo no próprio local de moradia também está relacionado
com riscos, que acabam aumentando a frequência de acidentes e problemas relacionados ao
trabalho como motivo de consulta e a subnotificação destes, comparativamente com áreas
urbanas (DREBES, 2014, FEHLBERG; SANTOS; TOMASI, 2001).
Outro problema de saúde que merece destaque por ser emblemático para a saúde mental
é o do suicídio. Existe uma relação positiva entre grau de ruralidade e suicídio, em especial,
em áreas rurais de menor grau de pobreza e maior nível de escolaridade. Esse é um assunto
complexo, mas destaca-se a plausível relação com o acesso mais fácil aos agrotóxicos e às
armas de fogo (GONÇALVES; GONÇALVES; OLIVEIRA JÚNIOR, 2011).
Esses são alguns exemplos de como a saúde das populações rurais apresenta características
distintas e importantes da saúde das cidades. Isso será importante para vermos, a seguir,
como o trabalho médico, as equipes de saúde e o sistema de saúde deve estar preparado para
lidar com esses desafios.
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Seção 3
VÍDEO OBRIGATÓRIO:
Sinopse: Neste vídeo, os médicos rurais, Dr. Fábio Duarte Schwalm e Dr. Enrique Falceto de Barros,
apontam os principais desafios da prática médica em área rural. Os médicos citam o relativo
isolamento social e as limitações de acesso a atrações culturais como algumas das dificuldades
em residir em áreas mais remotas. Além disso, apresentam-se como desafios adicionais a busca
pela compreensão dos hábitos locais, o desenvolvimento da competência cultural em área rural e a
escassez de recursos, por exemplo, o acesso a exames e laudos.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/pasta//BV/Material_dos_Cursos/Curso_
Medicina_Rural/Recursos_Educacionais_Abertos
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) refere que o déficit global na cobertura de saúde
rural é 2,5 vezes maior do que nas áreas urbanas. (INTERNATIONAL LABOUR OFFICE, 2015).
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No Brasil, a região Norte apresentava em 2018 uma taxa de 1,16 médicos por mil habitantes,
enquanto, na região Sudeste, a média era de 2,81 médicos para mil habitantes (SCHEFFER
et al., 2018).
Figura 8 – Distribuição de médicos por mil habitantes entre capitais e interior, segundo
grandes regiões – Brasil, 2018
Vários motivos contribuem para esse resultado desigual (Figura 7). Alguns motivos são os
mesmos que fazem as pessoas se aglomerarem nas cidades, como maior presença e variedade
de escolas, serviços, comércio, lazer, etc. Outros fatores têm relação com a própria origem do
profissional, pois a maioria vem de grandes cidades.
O local de formação é outro fator, visto que o local de treinamento da maioria dos médicos é
em grandes hospitais-escola urbanos. Essa formação centrada no hospital e na especialidade
contribui para a formação de um perfil do egresso dos cursos de medicina que tende a
concentrar-se onde estão recursos tecnológicos e onde se concentram os problemas mais
raros e complexos no sentido de necessitarem de cuidado especializado.
Por outro lado, tem havido um crescente interesse na interiorização, em algumas regiões,
nos últimos anos, por razões também complexas, mas que podemos listar como possíveis
contribuintes:
Atividade
Atividade 4:
Cite alguns itens que, na sua opinião, poderiam compor as estratégias para o
enfrentamento do problema.
Importante:
Seção 4
Uma população como a rural, que apresenta uma saúde com tantas peculiaridades e
complexidades, e que tem acesso tão heterogêneo ao sistema de saúde, exige naturalmente
certas características e adaptações no trabalho dos médicos, das equipes e, como veremos
a seguir, do próprio sistema de saúde (TARGA, 2019; YAWN, B. P.; BUSHY; YAWN. R. A., 1994;
LOUE; QUILL, 2001).
Não são somente as características técnicas que mudam na prática rural, mas também há o
relativo isolamento profissional do ponto de vista social. Muitos médicos irão conviver com
seus pacientes além de atendê-los em uma parte do dia. Isso implica maior flexibilização de
horários, capacidade de negociar papéis e limites, e tal fato tem implicações também para sua
família (YAWN, 1994).
33
Entretanto, pode ser necessário negociar alguns aspectos culturais com vistas à manutenção
da privacidade e personalidade do profissional. Algumas dessas questões são mais visíveis
quando se trabalha com minorias étnicas (BAER; NICHOLS, 2001). Da mesma forma, em uma
pequena localidade, é comum que as relações pessoais do médico se deem, por exemplo,
com o farmacêutico ou dono da farmácia e laboratórios. São necessários profissionalismo e
ética para que as relações profissionais não sofram influência de tal proximidade. O mesmo
ocorre com colegas e gestores, administradores públicos e privados.
Por outro lado, assim como o médico vai conhecendo sua comunidade ao longo do tempo,
esta vai conhecendo-o também. Este fenômeno, menos visível nas grandes cidades, pode
acabar facilitando certa adaptação de alguns pacientes que, com o tempo, podem perceber o
que dizer para ter maior chance de ganhar um antibiótico ou um atestado médico. Saberão,
possivelmente, em que áreas o médico sente-se mais ou menos seguro ou tem tendência a
encaminhar mais ou menos o paciente para especialistas e serviços de urgência (GÉRVAS;
PÉREZ FERNANDÉZ, 2007).
34
Atividade
Atividade 5:
Importante:
VÍDEO OBRIGATÓRIO:
Sinopse: Neste vídeo, os médicos rurais, Dr. Fábio Duarte Schwalm e Dr. Enrique Falceto de Barros,
ressaltam algumas particularidades do trabalho médico em áreas rurais. Os médicos estimulam os
colegas médicos e estudantes de medicina em geral para a experiência da medicina rural, deixando
algumas orientações importantes sobre a prática médica em área rural.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/pasta//BV/Material_dos_Cursos/Curso_
Medicina_Rural/Recursos_Educacionais_Abertos
35
Seção 5
VÍDEO OBRIGATÓRIO:
Sinopse: O vídeo apresenta um depoimento dos médicos de família e comunidade rurais, Dr. Fábio
Duarte Schwalm e Dr. Enrique Falceto de Barros, apontando as principais peculiaridades do sistema
de saúde em áreas rurais. Entre os pontos citados pelos médicos, destacam-se o funcionamento da
organização do sistema de saúde em áreas rurais, a responsabilidade dos profissionais médicos na
gestão dos recursos de saúde do município e a importância dos canais de suporte de Telessaúde.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/pasta//BV/Material_dos_Cursos/Curso_
Medicina_Rural/Recursos_Educacionais_Abertos
Além disso, esse trabalho de atenção à saúde deve ser articulado intersetorialmente e com as
instâncias de controle social. A Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo
e da Floresta apresenta um plano operativo em quatro eixos para abordar essas questões
(BRASIL, 2013a).
Veja abaixo os quatro eixos da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo
e da Floresta (PNSIPCF):
SAIBA MAIS
Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta – Ministério da Saúde
(BRASIL, 2013a).
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacoes_campo.pdf
Curso EAD de qualificação profissional em Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo, da
Floresta e das Águas – Fundação Oswaldo Cruz do Mato Grosso do Sul e UNA-SUS (2019).
Disponível em:
https://www.unasus.gov.br/cursos/curso/45517
VOCÊ SABIA?
Quando se pensa em acesso à saúde rural, logo nos lembramos das dificuldades de transporte
e das grandes distâncias. Criatividade e flexibilidade têm sido necessárias em regiões rurais do
país, como o uso de embarcações servindo como postos de saúde móveis, equipes itinerantes
e soluções para transporte de pacientes. A estratégia de treinamento de agentes comunitários
de saúde nas mais diversas realidades é uma forma de ampliação do acesso. Bicicletas foram
distribuídas como maneira de facilitar seu trabalho. Há necessidade de individualização no
momento de decidir sobre recursos desse tipo, devendo-se utilizar, em alguns lugares, jipes
de tração, barcos, etc.
O mesmo acontece com o deslocamento para a cidade, cada vez mais frequente. Essas
pessoas, muitas vezes, não têm acesso a um serviço de saúde do trabalhador com recursos
diagnósticos e terapêuticos necessários e precisam ausentar-se do trabalho para acessar as
equipes que estão nas áreas rurais onde moram e, portanto, para a qual estão designadas pela
38
Integralidade e coordenação
A integralidade tem vários sentidos, mas sempre envolve a ampliação de foco da atenção
para além da queixa trazida pela pessoa ou de uma intervenção biomédica pontual para
uma compreensão mais ampla do processo de saúde-doença. Implica uma intervenção
compreensiva do ciclo de vida da pessoa, suas redes familiares e comunitárias.
Por isso, é tão importante o investimento na qualidade da formação médica para além
da aplicação de conhecimento técnico e seguimento de protocolos. Da mesma forma,
a diversificação de cenários de ensino para além do hospital-escola, fragmentado em
especialidades, é uma estratégia para aprimorar a integralidade do trabalho em saúde. Essas
estratégias geram reflexão dos fenômenos históricos, das peculiaridades regionais e das
formas de inserção global das comunidades, das formas como as redes naturais-sociais se
dão no âmbito rural, e suas relações com a produção de saúde-doença devem estar sempre
presentes no cotidiano das equipes de saúde (TARGA, 2010).
Até o presente, este tem sido um ponto crítico dentro da atenção à saúde rural no Brasil.
39
Em algumas regiões, acessar outros níveis de atenção dentro do sistema de saúde é possível
somente em barcos e, em outras, apenas por transporte aéreo (o que também limita o número
de pessoas). Recursos cada vez mais utilizados são os dispositivos de consultoria à distância
(telessaúde) e prontuários informatizados, que tendem a diminuir essa dificuldade, mas, em
muitos casos, o contato direto com especialistas ou acesso a recursos complementares é
insubstituível.
Outras peculiaridades da prática rural que dizem respeito a essas características da APS são
a utilização com mais frequência do contato entre colegas que trabalham na região, tanto
por telefone quanto pessoalmente, promovendo a troca de informações, e a menor rede
burocrática que organiza os sistemas locais, o que facilita o acesso direto às pessoas que
tomam as decisões ou dispõem das informações necessárias e que podem abrir exceções em
casos especiais. O papel coordenador do médico de atenção primária fica mais evidente nesse
cenário, mas, por outro lado, pode ser desafiado pelo acesso direto, por parte do usuário,
a outros médicos, em função de menor dificuldade de contato com estes em hospitais,
emergências e consultórios privados, quando estes estão disponíveis.
O sentimento de comunidade, muitas vezes discutíveis nas grandes cidades, são frequentemente
muito fortes. Se o processo de delimitação de áreas de abrangência das equipes – território
– respeitar tal fenômeno, pode-se criar um ambiente muito propício para intervenções
comunitárias. É comum que haja grande participação comunitária em reuniões de Conselho
de Saúde e, mais ainda, em reuniões pontuais para tratar de problemas específicos. O trabalho
com grupos, em especial para idosos e pessoas que tenham certa flexibilidade de horários,
costuma ser gratificante, inclusive por abrir uma possibilidade a mais de lazer e convívio nas
regiões que dispõem de poucas opções.
40
Competência intercultural
Em zonas rurais, a grande diversidade brasileira pode ser ainda mais aparente. Só para termos
ideia, além da grande imigração de praticamente todas as partes do mundo e da miscigenação,
o Brasil contabiliza 305 etnias indígenas que falam 274 línguas. Em especial no sul do Brasil, é
comum encontrarmos pessoas cujo principal idioma é estrangeiro, como o alemão, o italiano,
o japonês, entre outros, em diferentes dialetos. Isso evidentemente demanda adaptações por
parte do profissional. Aprender um idioma local, além de ser interessante do ponto de vista
pessoal, aproxima o profissional de saúde da comunidade, diminui resistências e minimiza
problemas de comunicação no dia a dia. Não somente o idioma, mas as formas diferentes
de se ver e viver a saúde, a doença e o papel dos cuidados de saúde deverão ser conhecidos
e manejados habilmente pelo médico rural, com vistas a não ferir a autonomia das pessoas
para quem trabalha.
A medicina, assim como todas as formas de ciência aplicada, apresenta forte poder modificador
das formas de vida tradicionais. O médico, tendo isso em mente, deve ter extremo cuidado
para não impor, de forma irrefletida, seus valores e visão de mundo, sob risco inclusive de
ficar deslegitimado. O trabalho com cuidadores tradicionais e tratamentos não formalmente
científicos pode ser ainda mais desafiador do que nas grandes cidades. Conflitos desnecessários
devem ser evitados, bem como uma postura arrogante perante outros saberes (TARGA, 2010).
Buscar conhecer e dialogar com outras práticas de cuidado pode ser de grande valia para o
médico rural.
Conhecer um pouco da história dos conceitos de cultura e identidade, e suas várias definições,
ter uma noção geral das discussões da filosofia e da antropologia da ciência, assim como da
problemática entre natureza e cultura, pode ser de grande valor para o médico em geral,
porém, mais especificamente, para o profissional que trabalha com grande diversidade e
formas de vida muito distantes da sua de origem (YAWN, B. P.; BUSHY, A.; YAWN, R. , 1994).
41
VOCÊ SABIA?
Atividade
Atividade 6:
Importante:
VÍDEO OBRIGATÓRIO:
Sinopse: O vídeo apresenta algumas reflexões dos médicos de família e comunidade, Dr. Fábio Duarte
Schwalm e Dr. Enrique Falceto de Barros. Eles compartilham suas opiniões pessoais e indicam as
possibilidades relacionadas com a atuação médica em área rural.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/pasta//BV/Material_dos_Cursos/Curso_
Medicina_Rural/Recursos_Educacionais_Abertos
42
Conclusão da Unidade 1
Dessa forma, o cuidar da saúde realizado pelo médico de atenção primária em áreas rurais
precisa ser compreendido como além de uma simples transposição das práticas médicas em
um local diferente. Mais do que uma troca de cenários, há necessidade de aprimoramentos
tendo em vista as características especiais da saúde das populações rurais, as peculiaridades
da forma de organização do sistema de saúde e a necessidade de adequação do perfil exigido
para o profissional de saúde rural.
Isso implica uma formação especial desses profissionais, que contemple tais diferenças, a
educação permanente e o suporte profissional deles, ao menos nos primeiros anos, após sua
inserção em comunidades rurais.
Unidade 2
Condições rurais relevantes em saúde
44
UNIDADE 2
Introdução
O cenário de atuação em área rural é diferente do urbano de várias formas, o que reflete
diretamente na prática diária do profissional que está nesse local. Os problemas mais
prevalentes na Atenção Primária à Saúde ainda serão parte importante dos atendimentos,
como as doenças crônicas não transmissíveis (p. ex. Hipertensão e Diabetes Mellitus), agravos
infecciosos (p. ex. IVAS e gastroenterite) ou sintomas inespecíficos (p.ex. tosse ou cefaleia).
(GUSSO, 2009); no entanto, situações que raramente ocorrem em áreas urbanas, tornam-se
mais frequentes. Se você está atendendo em uma capital, é pouco provável que chegue um
paciente a uma consulta dizendo: “eu estava passando veneno na plantação quando comecei
a me sentir mal” ou “eu estava cuidando dos bichos quando a galinha ciscou o meu olho”. Você
se sente preparado para conduzir esses atendimentos? Além disso, dependendo do local em
que você estiver atendendo, o encaminhamento para outro serviço pode ser mais demorado
ou difícil, o que demanda que você tenha outras competências e domine conhecimentos
diferentes.
O Currículo Baseado em Competências da SBMFC traz como itens essenciais para a formação
de Médicos e Médicas de Família e Comunidade na temática de Medicina Rural: a necessidade
de adaptar-se à realidade cultural e de saúde de comunidades rurais; o conhecimento dos
problemas de saúde ocupacional comuns em áreas rurais, por exemplo, os causados pelo
uso de agrotóxicos; o conhecimento da realidade rural quanto à disponibilidade limitada de
equipamentos de saúde (rede de serviços); a capacidade de entender os fluxos e recursos
disponíveis, bem como a distância envolvida; o conhecimento das ferramentas de apoio a
distância e seu uso nesse tipo de contexto; e a capacidade de manejar profilaxia de tétano e
raiva nos acidentes com animais silvestres e de criação econômica.
Levando em consideração que a maioria dos currículos das graduações dos cursos da área
da saúde hoje no Brasil têm pouco ou até mesmo nenhum conteúdo sobre saúde rural, há
um despreparo dos profissionais para atuar nessas áreas, além de pouca sensibilização para
ampliar a atuação nesses locais. Além disso, observa-se em todo o mundo uma defasagem
45
O objetivo desta unidade é orientar a abordagem das condições mais relevantes nas diversas
áreas rurais do Brasil, na prática diária do profissional de saúde na Atenção Primária à Saúde
(APS).
Objetivos de Aprendizagem:
• Elencar as etapas do atendimento pré-hospitalar de paciente com intoxicação aguda,
inclusive por uso de agrotóxicos;
• Definir os procedimentos e a tomada de decisão diante de acidentes com animais
peçonhentos;
• Desenvolver o raciocínio clínico para a prática da profilaxia de tétano e raiva humana;
• Distinguir abordagens possíveis para o cuidado de vítimas de acidentes com ferramentas,
(traumas perfuro-contusos, amputações e infecções) e trauma ocular.
Atenção
Demanda programada
É importante assinalar que, além da atenção à demanda espontânea, que será mais abordada
aqui, é necessário que a equipe de Saúde da Família rural estabeleça uma avaliação e
planejamento para a demanda programada – diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica,
doenças crônicas transmissíveis e não transmissíveis, saúde da criança e do adolescente,
saúde do idoso, saúde perinatal e saúde mental. É importante, também, facilitar a obtenção
e implementar o uso de instrumentos pessoais de acompanhamento da saúde, como a
Caderneta de Saúde da Criança, Caderneta da Gestante, Caderneta de Saúde da Pessoa
Idosa, Caderneta de Saúde do Adolescente.
Seção 1
O caso a seguir descreve uma situação-problema, comum à prática cotidiana dos profissionais
de saúde, que tenta colocar o profissional em formação diante das condições de um mundo
imperfeito, porém real e mutável, em que as pessoas envolvidas são sensibilizadas e treinadas.
Vamos lá!
49
CASO
CLÍNICO Acidente grave
provocado por
mordedura de suíno
Você assumiu a função de médico da equipe de Saúde da Família (eSF) de uma Unidade Básica em
uma cidade na Zona da Mata de Minas Gerais. É uma cidade com aproximadamente 6 mil habitantes, a
300km de Belo Horizonte. É sexta-feira, são nove horas, você está atendendo as consultas programadas
de hipertensos e diabéticos, a enfermeira da unidade está de férias, e a recepcionista bate à sua porta
um pouco assustada:
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Zenilda: Doutor, chegou ali agora um senhor com um pano de prato enrolado na mão, parece que está
sangrando. Ele diz que um porco mordeu ele.
50
Você: Zenilda, já estou acabando aqui a consulta com a Dona Orneida; leve ele, por favor, para sala de
curativos que estou indo.
Usuário: Boa tarde, Doutor, meu nome é Zé Roberto. Tava tratando dos meus porcos e um deles
resolveu me morder. Tava chovendo demais da conta, acho que ele assustou com o barui do trovão.
Atividade
Atividade 7:
Assinale a alternativa que apresenta o tipo de acidente causado pelo animal (natureza
da exposição), bem como a justificativa adequada.
Importante:
SAIBA MAIS
Ocorre com a penetração do vírus contido na saliva do animal infectado, principalmente pela
mordedura e, mais raramente, pela arranhadura e lambedura de mucosas. O vírus penetra
no organismo, multiplica-se no ponto de inoculação, atinge o sistema nervoso periférico e,
posteriormente, o sistema nervoso central. A partir daí, dissemina-se para vários órgãos e para as
glândulas salivares, onde também se replica, sendo eliminado pela saliva das pessoas ou animais
enfermos.
52
Logo, para que se possam tomar decisões mais assertivas em pessoas ofendidas por animais e avaliar
o risco de infeção pelo vírus da raiva humana, devemos estar atentos para três condições básicas:
ATENÇÃO!
Visto o tipo de acidente causado pelo animal (natureza da exposição), na atividade anterior, vamos
discutir outras condições básicas a seguir.
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf
53
Quadro 2 – Esquema para profilaxia da raiva humana pós-exposição com vacina de cultivo celular
Contato Indireto
Acidentes Leves Lavar com água e sabão. Lavar com água e sabão. Lavar com água e sabão.
Observar o animal durante 10 dias Iniciar esquema profilático com
Ferimentos superficiais, pouco após a exposição.a 2 (duas) doses, uma no dia 0 e Iniciar imediatamente o
extensos, geralmente únicos, em outra no dia 3. esquema profilático
tronco e membros (exceto mãos e Se o animal permanecer sadio no com 4 (quatro) doses de vacina
polpas digitais e planta dos pés); período de observação, encerrar Observar o animal durante 10 administradas nos dias 0, 3, 7 e
podem acontecer em decorrência o caso. dias após a exposição.a 14, pela via IM,e ou nos dias 0,
de mordeduras ou arranhaduras 3, 7 e 28, pela via ID.e
causadas por unha ou dente. Se o animal morrer, desaparecer Se a suspeita de raiva for
ou se tornar raivoso, administrar descartada após o 10º dia
Lambedura de pele com lesões 4 (quatro) doses de vacina nos de observação, suspender o
superficiais. dias 0, 3, 7 e 14, pela via IM5, ou esquema profilático e encerrar
nos dias 0, 3, 7 e 28, pela via ID.e o caso.
a É necessário orientar o paciente para que ele notifique imediatamente a Unidade de Saúde se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso, uma vez que podem ser
necessárias novas intervenções de forma rápida, como a aplicação do soro ou o prosseguimento do esquema de vacinação.
b É preciso avaliar, sempre, os hábitos do cão e gato e os cuidados recebidos. Podem ser dispensados do esquema profilático pessoas agredidas pelo cão ou gato que, com certeza,
não tem risco de contrair a infecção rábica. Por exemplo, animais que vivem dentro do domicílio (exclusivamente); não tenham contato com outros animais desconhecidos; que
somente saem à rua acompanhados dos seus donos e que não circulem em área com a presença de morcegos. Em caso de dúvida, iniciar o esquema de profilaxia indicado. Se o
animal for procedente de área de raiva controlada não é necessário iniciar o esquema profilático. Manter o animal sob observação durante 10 dias e somente iniciar o esquema
profilático indicado (soro + vacina) se o animal morrer, desaparecer ou se tornar raivoso.
c O soro deve ser infiltrado na(s) porta(s) de entrada. Quando não for possível infiltrar toda dose, aplicar o máximo possível e a quantidade restante, a menor possível, aplicar
pela via intramuscular, podendo ser utilizada a região glútea. Sempre aplicar em local anatômico diferente do que aplicou a vacina. Quando as lesões forem muito extensas ou
múltiplas a dose do soro a ser infiltrada pode ser diluída, o menos possível, em soro fisiológico para que todas as lesões sejam infiltradas.
d Nos casos em que se conhece tardiamente a necessidade do uso do soro antirrábico, ou quando não há soro disponível no momento, aplicar a dose recomendada de soro no
máximo em até 07 dias após a aplicação da 1ª dose de vacina de cultivo celular, ou seja antes da aplicação da 3ª dose da vacina. Após esse prazo, o soro não é mais necessário.
eO volume a ser administrado varia conforme o laboratório produtor da vacina, podendo ser frasco-ampola na apresentação de 0,5mL ou 1,0mL. A) No caso da via intramuscular
profunda (IM), deve-se aplicar a dose total do frasco-ampola para cada dia; B) para utilização da via intradérmica (ID), fracionar o frasco-ampola para 0,1ml/dose. Na via
intradérmica (ID), o volume total da dose/dia é de 0,2 mL; no entanto, considerando que pela via ID o volume máximo a ser administrado é de 0,1 mL, será necessário duas
aplicações de 0,1mL cada/dia, em regiões anatômicas diferentes. Assim, deve-se aplicar nos dias 0,3,7 e 28 - 2 doses, sempre em 2 locais distintos (sítio de administração).
Atividade
Atividade 8:
Importante:
SAIBA MAIS
LEMBRE-SE:
RISCO ELEVADO
SAIBA MAIS
VÍDEO:
Para ampliar seus conhecimentos sobre o tema, assista à palestra realizada em 30 de agosto de
2019, sobre o atendimento antirrábico humano, com a participação da médica veterinária Alexandra
Schlickmann Pereira. – Atendimento antirrábico humano.
Disponível em:
https://youtu.be/PKeZYP_mOms (Telessaúde Santa Catarina).
Voltando ao diálogo:
Zé Roberto: Doutô, meus porco é tudo manso, vivem no chiqueiro tudo junto, não brigam. São muito
saudáveis, respiram ar puro, de vez em quando solto eles até para passear no terreiro. Minhas carne
são boa, Doutô, tenho muitos fregueis. Vendo muito barriga por Laércio do “Bar do Piniquim”; o senhô
conhece ele, te vi lá outro dia...*
Zé Roberto: Fica tranquilo, doutô, vou cuidar dele como um filho; porco bom, se não fosse o trovão...
56
Atividade
Atividade 9:
Importante:
Você realiza os cuidados com a ferida e faz uma prescrição para o paciente. Na hora de fazer
a prescrição, algumas dúvidas surgem:
Tem de fazer profilaxia para tétano também? Foi um ferimento risco mínimo ou risco alto para
tétano acidental?
Você questiona se a situação vacinal dele está em dia (vacinação antitetânica). José Roberto
diz que perdeu o cartão dele na última enchente que houve na cidade em 2009, mas que
recebeu uma dose de antitetânica há 15 dias atrás. A técnica de enfermagem da unidade
confirma o fato.
57
Atividade
Atividade 10:
Importante:
SAIBA MAIS
VÍDEO:
Caso queira aprofundar um pouco mais seus conhecimentos sobre o tétano acidental por meio de
aula expositiva e discussão de casos clínicos, assista à webpalestra (Telessaúde de Santa Catarina),
realizada no dia 6 de outubro de 2016, sobre o manejo e diagnóstico precoce do tétano acidental,
com o médico infectologista Luiz Escada.
Disponível em:
https://youtu.be/X5QlydqF9Aw
58
Trata-se de uma apresentação que aborda muito bem a doença nos seus aspectos profiláticos
e terapêuticos, porém com casos clínicos muito interessantes, levando em conta o sistema
de saúde e a realidade do indivíduo. O palestrante especialista focal, com ampla visão nos
atributos essenciais da atenção primária, na rede de atenção e na integração do sistema de
saúde, apresenta a pessoa como o foco de atendimento dentro do ecossistema de saúde.
Encerramento do caso
Terminamos aqui o primeiro caso clínico. Neste cenário, você teve a oportunidade de aprender
conhecimentos de palco, ou seja, a tomada de decisões práticas que fizeram diferença na vida do Sr.
José Roberto. Como sabemos, a raiva humana é a doença com a letalidade mais próxima de 100%.
Logo, os conhecimentos praticados nesse cenário clínico inicial, literalmente, salvaram a vida desse
senhor.
Após a limpeza da ferida e orientações quanto à vacinação antitetânica, o Sr. José Roberto foi
encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento de uma cidade próxima (cerca de 20km) para
receber o esquema de profilaxia pós-exposição – soro e quatro doses de vacina antirrábica.
Experimente:
Antes de avaliar o próximo paciente, pare um pouco, respire fundo e concretize essa etapa: literalmente
coloque tudo no papel. Tente fazer essas prescrições (manualmente, no seu receituário, ou digitando
no computador) da forma que faria na sua unidade de saúde. É muito importante treinar esse exercício,
para que você possa ter certeza de que realmente é capaz de atender e orientar um caso semelhante
a esse no futuro. Faça a receita das vacinas, dos soros e, inclusive, o encaminhamento para a UPA da
cidade próxima.
59
Seção 2
Você se aprofundará um pouco mais nas indicações dos diferentes esquemas de vacinação
pós-exposição, assim como nas indicações do soro antirrábico.
Para que a abordagem técnica dos acidentes seja mais ampla, é importante que você reconheça
os instrumentos de notificação.
Neste caso clínico, você atenderá em um outro ambiente de atenção primária muito rico e
pouco explorado na graduação e em cursos de aperfeiçoamento e formação: a saúde prisional.
Bons estudos!
60
CASO
CLÍNICO Acidente grave
provocado por
mordedura de animal
não domiciliado
Você é o médico da Equipe de Saúde Prisional em um estabelecimento penal, em uma cidade com
aproximadamente 90 mil habitantes, no leste de Minas Gerais, a 320 km da Capital. Sua Unidade
Básica de Saúde se localiza a 8 km do centro da cidade. Tem a capacidade de 194 internos e,
atualmente, tem 439 custodiados.
É segunda-feira, são 18h40 horas, você está atendendo as consultas programadas e o policial penal
te informa:
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Policial penal: Doutor, tem um preso lá na triagem que chegou no sábado e parece que foi mordido
por um cachorro antes de ser preso.
Você: Sr. José Gonçalves, você poderia trazê-lo aqui para avaliá-lo?
Policial penal: Doutor, sei que já é tarde, não é bom entrar no bloco essa hora, mas fiquei preocupado
com esse preso. Vou tirar ele agora.
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Você: Boa tarde, fique à vontade, pode se sentar. Qual o seu nome?
IPL: Boa tarde, Doutor, meu nome é Sérgio, mas pode me chamar de Foca.
Foca: Doutor, eu e o Abutre tava fazendo um “corre”, e ao fugir da polícia um cachorro me mordeu na
coxa quando passei perto dele na rua.
Foca: Pra te ser sincero, Doutô, eu nem vi o animal e nem lembro a rua que tava. Tava dominado pela
“pedra”. Só sei que é cachorro porque ele latiu e lembro do vulto dele... (pedra = crack)
63
Atividade
Atividade 11:
Assinale a alternativa que apresenta o tipo de acidente causado pelo animal (natureza
da exposição), características do animal envolvido, bem como a conduta adequada.
Importante:
SAIBA MAIS
É muito importante que os profissionais de saúde em geral, incluindo os médicos, saibam atender
às pessoas vítimas de acidentes, com risco de adquirir tétano e raiva humana, em todos os níveis
de atenção à saúde, principalmente no nível primário. Sabemos que, nos estabelecimentos penais,
esses riscos são grandes, não só pelo alto índice de violência, como também pelas más condições
sanitárias.
Com o objetivo de ampliar as ações de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) para a população
privada de liberdade, fazendo com que cada unidade básica de saúde prisional passasse a ser
visualizada como ponto de atenção da Rede de Atenção à Saúde, o Ministério da Saúde lançou a
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
Prisional (PNAISP), instituída pela Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014. (BRASIL,
2020b). Acesse: https://aps.saude.gov.br/ape/pnaisp/pnaisp
Caso você queira aprofundar seus conhecimentos relativos à atenção integral às pessoas privadas
de liberdade no sistema prisional, temos, em nosso país, dois excelentes cursos oferecidos pela
UNA-SUS e Fiocruz: lembrando que, além de serem gratuitos, são os únicos disponíveis em nosso
país hoje.
Disponível em:
http://saudeprisional.ufsc.br/
Disponível em:
https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=node/59233
VOCÊ SABIA?
O Brasil hoje tem a terceira maior população prisional do planeta; ficando atrás apenas dos Estados
Unidos e da China. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020)
Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/cidadania-nos-presidios/
65
Atividade
Atividade 12:
Foca sofreu um acidente grave por um cão considerado desaparecido. Você indicou
vacina e o soro heterólogo antirrábico. Assinale a alternativa que apresenta a
prescrição mais adequada para esse paciente: Foca pesa 60 quilos.
Importante:
SAIBA MAIS
LEMBRE-SE:
Disponível em:
https://youtu.be/PKeZYP_mOms
67
SAIBA MAIS
VÍDEO:
Em caso de reexposição ao vírus da raiva, siga as orientações do vídeo a seguir, à webpalestra
(Telessaúde no Ceará), realizada no dia 14 de abril de 2016, sobre o os procedimentos e recursos
para prevenir a raiva e como tratá-la, em casos de exposição, com a enfermeira, Mayara Cinthya
Gomes de Queiroz.
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=yJXhOIjGDxc
Voltando ao diálogo:
Você: Foca, você tem cartão de vacina? Já tomou vacina de tétano alguma vez?
Foca: Dotô, me desculpe, mas eu não tenho nem CPF nem identidade...
Atividade
Atividade 13:
Assinale a alternativa que apresenta o tipo de conduta de profilaxia para tétano mais
adequada ante o acidente descrito, bem como a justificativa adequada.
Importante:
Como não há contraindicação ao uso de SAR e SAT nesse paciente, deve haver orientação
para que ele seja levado à UPA da cidade para receber o soro. Aconselha-se a pré-medicação
do paciente, antes da aplicação do soro heterólogo. As vacinas antirrábicas serão aplicadas lá
também.
A primeira dose da vacina antitetânica (dT) deve ser aplicada na unidade prisional.
https://www.ufrgs.br/telessauders/perguntas/deve-se-realizar-antibioticoterapia-profilatica-
em-mordeduras-por-animais/.
Esse núcleo visa qualificar o trabalho das equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), ajudar na tomada de decisão clínica e gerencial e
aumentar a resolutividade, fortalecendo os atributos da APS e orientando-se pelos princípios
do SUS e pela melhor e mais atual evidência científica.
69
Encerramento do caso
Nesse caso clínico, acreditamos que o objetivo desse cenário foi cumprido e você se sente agora mais
seguro para conduzir atendimentos de pessoas com risco de infecção para raiva e tétano.
Graças ao seu empenho, Foca teve uma condução melhor e mais segura. Antes de receber os soros
heterólogos, foi pré-medicado com corticoide e anti-histamínicos, meia hora antes. Um acesso
venoso foi garantido e ele ficou em observação. Foi notificado para raiva e tétano e vacinado contra
tétano na unidade prisional. Foi encaminhado para receber o esquema de profilaxia pós-exposição
– soro antirrábico e a primeira dose da vacina antirrábica (as demais doses, nos dias 3, 7 e 14, foram
agendadas); também recebeu o SAT.
É importante lembrar que a exposição ao vírus da raiva humana e ao tétano acidental são agravos que
constam na lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria de Consolidação nº 4, de 28
de setembro de 2017, anexo V - Capítulo I).
Experimente:
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan, que pode ser acessado pelo link http://
portalsinan.saude.gov.br/doencas-e-agravos, é muito importante de ser conhecido, estudado
e alimentando por todos os profissionais de saúde. (SINAN, 2016) Sua utilização efetiva permite a
realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento na população, podendo fornecer
subsídios para explicações causais dos agravos de notificação compulsória, além de vir a indicar riscos
aos quais as pessoas estão sujeitas, o que contribui para a identificação da realidade epidemiológica
de determinada área geográfica. O seu uso sistemático, de forma descentralizada, contribui para a
democratização da informação, permitindo que todos os profissionais de saúde tenham acesso à
informação e as tornem disponíveis para a comunidade. É, portanto, um instrumento relevante para
auxiliar o planejamento da saúde, definir prioridades de intervenção, além de permitir que seja
avaliado o impacto das intervenções. Acessando o link http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.
php?area=0203&id=29878153, você poderá pesquisar os agravos de seu interesse, por períodos e no
território em que está atuando no momento. (BRASIL, 2008)
70
Seção 3
Acidente Ofídico
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Neste caso, você terá a chance de raciocinar e decidir condutas em casos de acidentes por
animais peçonhentos, muito comuns em nosso país, principalmente no meio rural, em matas e
florestas. Nosso país tem dimensões continentais, logo possui diversos ecossistemas. Não é o
objetivo deste curso esgotar todo o conhecimento relativo aos mais variados acidentes tóxicos
por animais peçonhentos, nas diversas regiões do país. No decorrer deste estudo, sugestões
de leituras complementares e de cursos governamentais EAD fornecerão subsídios para
aprofundamento e busca de saberes mais específicos ligados ao tema, independentemente
do “canto” deste país em que você esteja.
Espera-se que, no final do estudo deste caso, você seja capaz de identificar as serpentes
peçonhentas e não peçonhentas e saiba buscar informações relativas aos acidentes mais
comuns na região onde você está atuando. Consiga reconhecer tipos de acidentes ofídicos
por meio do gênero ao qual a serpente pertence, mas também saiba distinguir os tipos de
acidentes ofídicos através dos sinais e sintomas da vítima. Dessa forma, ambiciona-se que
você adquira a práxis de sistematizar e abordar, com proficiência diagnóstica e terapêutica,
um atendimento de qualidade a uma pessoa vítima de acidente ofídico.
Mãos à obra!
71
CASO
CLÍNICO
Acidente Ofídico
Você está trabalhando em uma Unidade Básica de Saúde no interior de Minas Gerais, em uma cidade
de 15 mil habitantes. Segunda feira, 9 horas da manhã, recepção da unidade muito cheia. A Agente
Comunitária de Saúde Janete bate na porta do seu consultório e informa:
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Janete: “Doutor, bom dia. Chegou ali fora agora um senhor da minha área, o Pedro, que diz que foi
picado por uma cobra”. (Você finaliza o atendimento da gestante e solicita que o senhor Pedro entre
para ser atendido.)
Você: Bom dia, senhor Pedro, entre, por favor. Em que posso ajudar?
Pedro: “Doutô , eu estava saindo de casa pra trabaiar hoje cedo, tava escuro ainda quando passei no
terreiro de café. Nem tinha colocado a bota ainda, tava de chinelo. Senti um trem me mordendo no pé.
Tomei um susto danado... Quando lumiei com a luz do celulá , vi que tinha um fiote de cobra. Parecia
uma jararaca; mesmo assim trouxe pro senhor vê, pois pode ser uma cobra venenosa ou não. Olha
aqui (Figura 18).
72
Para responder à dúvida do Sr. Pedro e tomar as condutas de forma mais adequada, leia com
calma e analise as seguintes fundamentações.
Ao nos depararmos com uma serpente, surge a tentativa de reconhecer se ela é peçonhenta
ou não. Lembrando as aulas de Biologia, nos vêm à mente conceitos como: formato triangular
da cabeça, presença de fosseta loreal, olho em fenda, cauda que afina bruscamente. Embora
tais conceitos sejam ensinados até hoje, eles nos auxiliam muito pouco, ou até atrapalham a
distinguir quais serpentes são peçonhentas.
Atividade
Atividade 14:
São características que permitem assegurar que a serpente da Figura 19a e Figura 19b
pertence aos três primeiros gêneros (Bothrops, Crotalus e Lachesis), EXCETO:
a. Fosseta loreal.
b. Pupilas em fenda.
c. Cabeça triangular.
Importante:
SAIBA MAIS
Caso queira aprender mais sobre serpentes, escorpiões, aranhas e diversos outros animais
peçonhentos e venenosos, inscreva-se no curso “Acidentes tóxicos por animais peçonhentos”,
Disponível em:
https://www.ufrgs.br/telessauders/cursos/.
a. possibilita a dispensa imediata da maioria dos pacientes picados por serpentes não
peçonhentas;
b. viabiliza o reconhecimento das espécies de importância médica em âmbito regional;
Para classificar as serpentes em cada gênero, devemos reconhecer o tipo de cauda que
apresentam (Figura 20).
A B C
Atividade
Atividade 15:
Importante:
O Instituto Butantan possui um riquíssimo acervo e uma vasta biblioteca de acesso gratuito
que pode ser muito útil para ampliar o seu conhecimento, assim como para auxílio em práticas
educativas em saúde. Consulte o site e conheça sua biblioteca.
Disponíveis em:
http://publicacoeseducativas.butantan.gov.br/
http://www.butantan.gov.br/biblioteca/acervo-e-publicacoes/publicações
As corais verdadeiras apresentam anéis, listas pretas transversais que contornam todo o corpo
do animal, sem interrupção. Para caracterizarmos a serpente como verdadeira coral, devemos
observar se a distribuição dos anéis é em número ímpar, 1 em 1, 3 em 3. Inúmeras serpentes
mimetizam as corais, tendo sua mesma coloração, mas com a diferença de possuírem uma
faixa – listra transversal que não se fecha no ventre ao invés de anel – ou, então, pelo fato de
possuírem anéis em número par: 2 em 2.
Atividade
Atividade 16:
Observe as corais e assinale quais são verdadeiras e quais são falsas corais. Em seguida,
assinale a alternativa correta.
Figura 21a – Corais falsas e verdadeiras Figura 21b – Corais falsas e verdadeiras
Fonte: CANTER, 2012 / Acervo Instituto Fonte: CANTER, 2012 / Acervo Instituto
Butantan / Centro de Memória Butantan / Centro de Memória
78
Figura 21c – Corais falsas e verdadeiras Figura 21d– Corais falsas e verdadeiras
Fonte: CANTER, 2012 / Acervo Instituto Fonte: CANTER, 2012 / Acervo Instituto Butantan / Centro
Butantan / Centro de Memória de Memória
Importante:
IMPORTANTE: RESUMINDO!
Fluxograma
Distinção entre serpentes peçonhentas e não peçonhentas
Fosseta Loreal
Ausente Presente
Com Anéis
Coloridos Cauda com
Cauda Cauda com
(Pretos, Escamas
Lisa Chocalho
Brancos e Arrepiadas
Vermelhos)
Peçonhentas
Não
Peçonhentas*
*As falsas corais podem apresentar o mesmo padrão de coloração das corais verdadeiras, sendo distinguíveis pela ausência de dente
inoculador.
**Na Amazônia, ocorrem corais verdadeiras desprovidas de anéis vermelhos
Após ter aprofundado um pouco mais na diferenciação das serpentes peçonhentas e não
peçonhentas e na identificação dos gêneros de maior importância médica no nosso país,
vamos voltar ao caso do Sr. Pedro.
Voltando ao diálogo:
Pedro: Tudo bem, Doutô, uma dor forte no peito do pé, um pouco inchado no pedaço que ela me
mordeu...
Atividade
Atividade 17:
a. Gênero Bothrops.
b. Gênero Crotalus.
c. Gênero Lachesis.
d. Gênero Micrurus.
Importante:
Com os conhecimentos factuais treinados nas questões anteriores e aprofundados nas leituras
e cursos complementares, agora, com certeza, você está um pouco mais seguro para colocar
em prática seus conhecimentos e começar a definir condutas e tomar decisões.
Figura 24a - Sinais por picada de cobra Figura 24b - Sinais por picada de cobra
Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2020. Fonte: Arquivo pessoal dos autores, 2020.
82
ATENÇÃO
Quando o animal não é trazido pela vítima para identificação, não se tem uma foto, ou não podemos
confiar na identificação da vítima, é possível identificar o tipo de acidente (gênero) através dos sinais,
sintomas e exames bioquímicos do paciente.
Voltando ao diálogo:
Pedro: Não doutô. Tudo bem. Fico preocupado porque o povo fala que essas cobra fiote são mais venenosa.
Outra coisa, não posso mentir pru sinhô: já tomei umas pinga hoje cedo, isso atrapaia tomar o soro?
Você solicita alguns exames laboratoriais, e o paciente fica em observação. Medidas gerais são orientadas
e ele recebe a pré-medicação de profilaxia de anafilaxia a soros heterólogos.
Atividade
Atividade 18:
Diante das manifestações clínicas apresentadas pelo paciente, como você classificaria
esse acidente?
Importante:
Atividade
Atividade 19:
Diante desse acidente botrópico leve, que quantidade de ampolas de soro será necessária?
Como você faria a pré-medicação? Assinale a alternativa que melhor orienta a conduta:
Importante:
SAIBA MAIS
PRÉ-TRATAMENTOS
Não existem estudos clínicos controlados atestando a eficácia dos diferentes pré-tratamentos
em prevenir e diminuir a frequência das reações precoces ao Soro Antiveneno (SAV). Em estudos
clínicos controlados recentes, demonstrou-se que a prometazina, injetada por via intramuscular
ou intravenosa, não reduziu a frequência de reações precoces à soroterapia antibotrópica (SILVA
et al., 2011; FAN et al., 1999). Baseados em outras experiências, alguns autores indicam o pré-
tratamento com antagonistas dos receptores H1 da histamina (como prometazina, difenidramina
ou hidroxizina) e corticosteroides. Embora essas drogas não previnam a liberação de histamina e a
ativação de complemento, poderiam antagonizar o efeito da histamina nos órgãos-alvo, bem como
diminuir a frequência de reações tardias ao SAV. Em razão das indicações de que a vasodilatação
periférica, o rubor facial e a hipotensão arterial observadas após a liberação da histamina são
dependentes tanto da estimulação dos receptores H1, quanto dos receptores H2, foi associada ao
esquema anterior a droga cimetidina, antagonista dos receptores H2 da histamina (BRASIL, 2001).
Quadro 3 – Número de ampolas de antiveneno específico indicado para cada tipo e gravidade
do acidente. (continua)
Nº DE
ACIDENTE ANTIVENENO GRAVIDADE
AMPOLAS
Leve: quadro local discreto, sangramento discreto
em pele ou mucosas; pode haver apenas distúrbio na 2a4
coagulação
SABb
SABLc Moderado: edema e equimose evidentes,
Botrópico ou sangramento sem comprometimento do estado 4a8
SABCd geral; pode haver distúrbio na coagulação
Quadro 3 – Número de ampolas de antiveneno específico indicado para cada tipo e gravidade
do acidente. (continuação)
Nº DE
ACIDENTE ANTIVENENO GRAVIDADE
AMPOLAS
Fonte: Adaptado do Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos (2001) e do
Guia de Vigilância Epidemiológica (2009).
aDevido à potencial gravidade do acidente Iaquético, são considerados clinicamente moderados ou graves, não
É essencial que saibamos nós mesmos fazer (“conhecimento de palco”- práxis) ou ter um
técnico de enfermagem ou outro profissional da saúde com maior experiência com soros e
vacinas – técnica de aplicação parenteral.
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Atividade
Atividade 20:
a. Três ampolas de soro antibotrópico (SAB), via intravenosa (IV), diluídas em soro
fisiológico ou glicosado na razão de 1:2 ou 1:5; deve ser infundido em 20 a 60
minutos, sob estrita vigilância médica e da enfermagem.
b. Três ampolas de soro antibotrópico (SAB), via intramuscular (IM),
preferencialmente nos glúteos.
c. Três ampolas de soro antibotrópico, via intravenosa (IV), sem diluição, infundido
em 5 a 10 minutos, sob estrita vigilância médica e da enfermagem.
d. Três ampolas de soro antibotrópico via intramuscular (IM), preferencialmente
nos glúteos, mas podendo ser aplicado também nos deltoides ou vasto laterais
da coxa, caso o volume ultrapasse o permitido nos glúteos.
Importante:
Voltando ao diálogo:
Você: Sr. Pedro, como estão suas vacinas? Está em dia sua vacinação antitetânica? O senhor sabe me
informar?
Sr. Pedro: Depois que meu cumpadre morreu de febre amarela, no início do ano passado, corri no
posto de saúde e pus meu cartão em dia.
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Atividade
Atividade 21:
Assinale a alternativa que apresenta o tipo de conduta de profilaxia para tétano mais
adequada diante do acidente descrito, bem como a justificativa adequada. Situação:
Ferimento com alto risco de tétano (mordedura) em paciente com história vacinal de
três doses de vacina dupla tipo adulto (DT) e, recentemente, um reforço.
Importante:
Este curso é para profissionais de todo o território brasileiro. Como sabemos, o diagnóstico do tipo
de acidente ofídico é eminentemente clínico-epidemiológico. A maioria dos acidentes ofídicos no
Brasil é ocasionada por serpentes do grupo Bothrops, seguido pelo grupo Crotalus. Poucos são os
casos de acidentes por Micrurus e Lachesis. As regiões brasileiras onde há maior incidência são Norte
e Centro-Oeste. Os meses de maior frequência de acidentes são os quentes e chuvosos, períodos de
maior atividade em áreas rurais. Os acidentes ofídicos são mais frequentes na população rural, do
sexo masculino e de faixa etária economicamente ativa.
Para se informar mais quanto à distribuição epidemiológica dos acidentes ofídicos de acordo com
cada gênero e espécie em sua região, consulte o Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes
por animais peçonhentos (BRASIL, 2001). Ele apresenta, nas páginas iniciais, a distribuição
geográfica dos acidentes por gênero e as espécies mais comuns em cada região do nosso país.
Disponível em:
https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Manual-de-Diagnostico-e-
Tratamento-de-Acidentes-por-Animais-Pe--onhentos.pdf
88
Amazonas – Manaus
Centro de Informações Toxicológicas do Amazonas – CIT/AM
Telefone de Emergência: (92) 3305 4702
Bahia – Salvador
Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Bahia – CIATox/BA
Telefone de Emergência: 0800 284 4343
Ceará – Fortaleza
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Fortaleza – CIATox/Fortaleza
Telefone de Emergência: (85) 3255 5050
Goiás – Goiânia
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Goiás – CIATox/Goiás
Telefone de Emergência: 0800 646 4350
Pará – Belém
Centro de Informações Toxicológicas de Belém – CIT/Belém
Telefone de Emergência: 0800 722 6001
Pernambuco – Recife
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Pernambuco – CIATox/PE
Telefone de Emergência: 0800 722 6001
Piauí – Teresina
Centro de Informações Toxicológicas de Teresina – CITOX/Teresina
Telefone de Emergência: 0800 280 3661
Paraná – Cascavel
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Cascavel – CIATox/Cascavel
Telefone de Emergência: (45) 3321-5261
Paraná – Curitiba
Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Paraná – CIATox/PR
Telefone de Emergência: 0800 410 148
Paraná – Londrina
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Londrina – CIATox/Londrina
Telefone de Emergência: (43) 3371 2244
Paraná – Maringá
Centro de Controle de Intoxicações de Maringá – CCI/Maringá
Telefone de Emergência: (44) 2101 9127
Sergipe – Aracajú
Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Sergipe – CIATOX/SE
Telefone de Emergência: 0800 722 6001
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Videoaula (UNA-SUS): Caso Quilombola: Acidentes por animais peçonhentos [parte 1],
Disponível em:
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/11229
Disponível em:
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/11230
Caso você queira acessar a situação epidemiológica da sua região de forma mais atualizada, em
“tempo real”, acesse o site:
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203&id=29878153&VObj=http://
tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/animais
Encerramento do caso
Esperamos que, com o conhecimento adquirido, você esteja mais apto e seguro para atender uma
pessoa vítima de acidente ofídico, onde quer que esteja, e principalmente nos cenários rurais, onde
esses acidentes são mais prevalentes.
Antes de passarmos para o caso 4, no qual discutiremos e aprenderemos um outro tipo de acidente por
animal peçonhento, vamos descrever como se “desenrolou” o caso do nosso paciente:
Sr. Pedro foi vítima de acidente botrópico leve, recebeu soro antibotrópico (SAB) no hospital do
município polo, situado a 35 Km da sua Unidade Básica de Saúde. Apresentava situação vacinal
completa, no que diz respeito ao tétano. Foi notificado o acidente.
Antes de receber o soro heterólogo, Sr. Pedro foi pré-medicado com corticoide e anti-histamínicos,
meia hora antes da aplicação. Um acesso venoso foi garantido e ficou em observação. Teve alta 24
horas após, sem dor ou outros sintomas. Seus exames, incluindo o tempo de coagulação, estavam
normais desde o princípio.
93
Seção 4
Acidente escorpiônico
No “desenrolar” do caso clínico seguinte, espera-se que você seja capaz de identificar os
escorpiões de importância médica no Brasil, assim como sua distribuição geográfica. Saiba
buscar informações relativas aos acidentes mais comuns na região onde está atuando.
Consiga reconhecer as características clínicas gerais dos acidentes escorpiônicos, assim
como as principais manifestações sistêmicas desses acidentes. Aprenda a classificar os
acidentes escorpiônicos quanto à gravidade, de forma a propor uma abordagem diagnóstica
e terapêutica no tempo certo e com a logística proporcional ao seu nível de complexidade. É
hora de atender Gabriela; Maria está aflita!
94
CASO
CLÍNICO
Acidente escorpiônico
Você está trabalhando em uma Unidade Básica de Saúde no interior da Bahia, em uma cidade de 10
mil habitantes. Sexta-feira, 10 horas da manhã, a recepção da unidade está começando a se esvaziar.
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Cristiane: Doutor, acabou de chegar uma mãe com uma garotinha de 10 anos de idade, que foi picada
por um escorpião. A mãe está muito tensa, e a criança chorando muito.
Você finaliza o atendimento do idoso hipertenso e solicita que a mãe entre com a criança.
Você: Bom dia, senhora, entre, por favor. Em que posso ajudar?
95
Maria: “Doutô, a Gabriela estava brincando perto do depósito de lenhas e voltou chorando e gritando,
dizendo que um escorpião mordeu o dedo dela”.
Gabriela: “Vi sim, era grande, com o rabinho pra cima, meio amarelado. Fui pegar um galho para
brincar e senti uma fincada forte no dedo. Tá doendo demais, doutor. Me dá um remédio...”
Você examina a criança que, apesar de assustada e um pouco taquicárdica, não apresenta outros sinais
ou sintomas. Logo, você solicita à enfermeira da unidade que deixe a criança em observação e dê a ela
dipirona, para aliviar a dor.
Atividade
Atividade 22:
Correlacione, a seguir, a coluna das espécies (apresentadas nas figuras 26a, 26b, 26c
e 26d) com a coluna de distribuição geográfica correspondente à espécie.
Importante:
Caso queira aprender mais sobre escorpiões, inscreva-se no curso “Acidentes tóxicos por animais
peçonhentos” por meio do link:
https://www.ufrgs.br/telessauders/cursos/
Gabriela é uma criança de 10 anos que sempre foi saudável, não apresenta nenhuma patologia
de base e não faz uso de nenhuma medicação. Após meia hora em observação, a enfermeira
relata que a criança continua se queixando de muita dor no indicador direito, onde foi picada.
Atividade
Atividade 23:
d. Proceder ao bloqueio digital, para alívio mais rápido da dor. Manter a criança
com soro venoso e, se houver evolução do quadro clínico (palidez, vômitos,
hipotensão, taquicardia), proceder à soroterapia (mesma dose do adulto).
Avaliar a necessidade de transferência a Unidade com disponibilidade do SAEE.
Importante:
SOROTERAPIA
CLASSIFICAÇÃO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS (Nº DE AMPOLAS)
SAEES OU SAAR**
Acidentes moderados são caracterizados pela dor local e manifestações sistêmicas de média
intensidade como sudorese, náuseas e vômitos, hipertensão arterial, taquicardia, taquipneia
e agitação. Nesses casos, existe a necessidade da utilização de soro antiescorpiônico. Os
acidentes moderados e graves são causados pelos quatro escorpiões de interesse médico:
Tityus serrulatus, T.bahiensis, T.stigmurus e T.obscurus.
Nos acidentes graves, as manifestações sistêmicas são intensas como vômitos profusos
e frequentes, sudorese generalizada e abundante, piloereção (pele e pelos arrepiados),
palidez, agitação alternada com sonolência, hipotermia, taquicardia ou bradicardia, extra-
sístoles, hiperpneia, tremores, espasmos musculares, hipertensão. Pode evoluir para choque
cardiorrespiratório e edema agudo de pulmão, que são as causas dos óbitos no escorpionismo.
Atividade
Atividade 24:
Após a realização do bloqueio anestésico, a criança tem alívio imediato. Meia hora
depois, a enfermeira te chama, pois a criança começa a apresentar náuseas e su-
dorese; perante essas novas informações clínicas, você mudaria a classificação desse
acidente? O que está acontecendo com essa criança? Qual a sua conduta? Marque a
alternativa que melhor explica os questionamentos anteriores:
Importante:
CLASSIFICAÇÃO
EFEITOS CLÍNICOS TRATAMENTO
CLÍNICA
* Esses dados são baseados em vários sistemas de classificação e intervenções relatados anteriormente.
† O benefício do antiveneno é menos claro quando o envenenamento sistêmico grave está bem estabelecido.
‡ O papel dos vasodilatadores intravenosos não está bem definido; esses medicamentos devem ser usados
com cautela quando administrados a pacientes com hipotensão estabelecida e quando administrados em com-
binação com a dobutamina.
Disponível em:
https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/11230
Voltando ao caso:
Neste momento, foi identificado o agravamento do quadro da criança. Decisões precisam ser tomadas.
Veja as informações clinicas relativas ao exame físico, para que você possa analisar e fazer uma
prescrição:
Gabriela tem 10 anos, 140 cm de estatura, pesa 32 kg, IMC: 16,3 (todos no percentil 50)
Atividade
Atividade 25:
Importante:
No seu município, não havia nenhum soro antiescorpiônico ou soro antiaracnídeo em estoque. Então,
é acionado o setor de transporte do município, para que a criança seja transferida para uma cidade
mais próxima do seu município, onde haverá condições de oferecer mais recursos a essa paciente,
inclusive a terapia específica (soroterapia) de que necessita.
Após 40 minutos de transporte, Gabriela, acompanhada da mãe, ambas na “parte de trás” de uma
pequena e desconfortável ambulância, encontra-se taquicárdica, taquipneica, com sudorese profusa,
vomitando e começa a queixar-se de falta de ar.
106
Chegou muito grave na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município vizinho, com quadro de
edema agudo de pulmão, e foi levada para sala de emergência. Conseguiu ser estabilizada e, após
alguns dias de internação, recuperou-se completamente, regressando a sua cidade com sua mãe.
Seção 5
Imagine que você está atendendo em uma área rural e chega uma criança para atendimento
a qual, acidentalmente, teve contato de um produto químico no olho.
Logo após, você se depara com uma possível tentativa de autoextermínio de um trabalhador
rural.
No mesmo dia, você recebe um trabalhador que teve um acidente com a máquina agrícola
que você nem sabe como é ou para que é usada, quando lhe falam o nome.
Você sabe o que fazer nesses casos? Situações que não são tão frequentes na área urbana
podem se tornar mais corriqueiras quando se está em área rural. Casos de intoxicações por
agrotóxicos, seja de modo acidental ou intencional, agudos ou crônicos, estarão presentes
na realidade do profissional que atuar em áreas nas quais esses produtos são utilizados.
Dessa forma, saber os principais tipos de agrotóxicos disponíveis, a identificação dos casos, o
atendimento desses pacientes torna-se fundamental.
Devemos lembrar também que alguns casos – que na área urbana normalmente são
encaminhados para cuidado especializado –, em áreas rurais, chegam para atendimento na
Atenção Primária, pois a distância até um centro de referência pode ser grande e levar muito
tempo para se chegar até lá.
Por exemplo, um trauma ocular que deveria ser visto por um oftalmologista pode chegar para
atendimento, e esse especialista focal pode ser de difícil acesso na sua localidade.
Sendo assim, conhecer o primeiro manejo desses traumas, bem como saber classificar a
gravidade da situação, deve ser uma competência. Além disso, conhecer os equipamentos e
máquinas agrícolas mais comuns em acidentes também será útil como parte do seu repertório
em área rural. Vamos aprender mais sobre esses assuntos?
108
CASO
CLÍNICO Acidente com agrotóxicos
e trauma ocular
Você começou a trabalhar há três meses na Estratégia Saúde da Família em Arroio do Tigre, uma
cidade de aproximadamente 13.000 habitantes na região Centro-Serra do Rio Grande do Sul. Você
está indo chamar a dona Denise, próxima paciente, quando a enfermeira Sílvia o aborda no corredor:
“A Márcia veio correndo! É o guri dela que machucou o olho”.
Na sala de acolhimento, você encontra Márcia, com o filho de 4 anos, Gabriel, no colo, chorando.
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
- O Rui tava lá tratando do fumo junto com o Miguel. Eu tava fazendo o almoço e, quando vi, o Rui veio
correndo com ele dizendo que achava que tinha veneno no olho.
- O Rui já nos trouxe logo pra cá. Tentei passar esse pano, mas ele não deixa. Faz uns 15 minutinhos. A
gente veio o mais rápido que deu! Quase atropelamos a galinha do seu Pedro, coitada.
Você percebe que Gabriel está com o olho direito inchado e vermelho. Qual seria a sua conduta nesse
momento?
Nos casos de trauma ocular por contato com substâncias químicas, em um primeiro momento,
devemos questionar o paciente ou familiar sobre a natureza do produto com que esteve em
contato e qual a situação em que o fato ocorreu. Queimaduras com substâncias álcalis são
mais graves do que as com ácidos. Num primeiro momento, deve-se examinar o paciente
para identificar o grau de acometimento da lesão:
VEJA OS VÍDEOS:
Irrigação ocular:
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/registro/referencia/0000006443
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/4629.mp4
Após a lavagem do olho, Gabriel começa a se acalmar e você consegue observar e examinar
melhor o olho dele. Quais são os sinais de gravidade que você deve observar?
As queimaduras oculares devem ser tratadas imediatamente, com maior atenção se existir a
possibilidade de ruptura de globo ocular. Os achados do exame físico compatíveis com essa
ruptura são: laceração da esclera, diminuição do volume do globo ocular, prolapso externo
da úvea (íris, corpo ciliar ou coroide) ou de outras estruturas internas, esvaziamento pupilar,
hemorragia subconjuntival por ruptura posterior, aumento da profundidade da câmara
anterior.
Evite qualquer procedimento que possa aumentar a pressão no globo ocular, como retração
palpebral quando houver a possibilidade de ruptura. O paciente com perfuração ocular e
queimadura química pode ser submetido a lavagem, mas com extremo cuidado. Após o
procedimento, deverá ter seu olho ocluído sem compressão e devem ser administrados
antibioticoterapia, analgésicos e antieméticos sistêmicos. Ele deverá ser referenciado o mais
brevemente possível ao oftalmologista para correção.
Disponível em:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/registro/referencia/0000006444
111
A presença de corpo estranho ocular é situação comum na prática da atenção primária. Por
vezes, é possível que o paciente não se lembre do momento do incidente e os sintomas de
dor e sensação de corpo estranho podem não ser imediatos. Os corpos estranhos da córnea
são tipicamente aparentes após uma inspeção cuidadosa. Para corpo estranho corneano,
superficial, aplicar anestésico tópico (por exemplo, proparacaína) e remover o corpo estranho
corneano com uma espátula, uma pinça ou uma agulha de calibre fino, cuidadosamente.
Os corpos estranhos superficiais múltiplos podem ser removidos com mais facilidade por
irrigação. A eversão da pálpebra é necessária para revisão local e evitar abrasão corneana por
persistência de corpo estranho local. Pacientes que apresentam um atraso na identificação
e no tratamento dessas situações podem ter úlcera na córnea ou hipópio (pus na câmara
anterior), o que justifica o encaminhamento oftalmológico urgente.
Para saber mais sobre outros tipos de traumas oculares, observe o fluxograma (Figura 30).
112
Voltando ao caso:
Você percebe que o olho parece estar com uma irritação moderada, mas sem sinais de gravidade.
Márcia estava muito nervosa.
- Como que eu não fui ver ele saindo? Ah, também, eu ando com a cabeça no “mundo da lua”...
- É mesmo?
- Ah, o Rui anda que só trabalha, dorme nada de noite. As contas tão apertadas. Ele anda com medo,
irritado... Pobrezinho do Miguel mal acompanha o ritmo do pai na plantação.
- Ele tá com 14. Mas sabe como é, né? O Rui começou a ajudar o pai cedo também.
- E como o Miguel está? Faz tempo que não vejo mais ele por aqui. – diz a enfermeira Sílvia.
o Rui.
- Márcia, o que você acha de voltar amanhã para a gente poder revisar o olho do Gabriel? E aí você
podia trazer o Miguel também para eu conhecer, o que acha?
- Eu olho sim!
VÍDEO RECOMENDADO:
Agrotóxicos:
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=35bFl8QsVQU
114
No outro dia, Márcia volta com o Gabriel e com o Miguel, trazendo uma sacola na mão.
- Oi, tudo bem, sim! Ó, eu trouxe pra ti. É umas bergamotas lá de casa.
- Ah, que bom! Tá parecendo melhor mesmo! E você deve ser o Miguel?
- Isso mesmo.
Quando acontecem acidentes com agentes químicos, é importante saber qual a composição
do produto. Na prática, isso nem sempre é possível, pois, assim como aconteceu com o Gabriel,
o paciente e os familiares não sabem informar. Nesse caso, saber o que é mais frequente na
nossa região pode auxiliar, mas também conhecer as principais classificações desses agentes.
115
Atividade
Atividade 26:
Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/CAB_41_saude_do_tra-
balhador.pdf
Importante:
Também pode acontecer de o paciente falar qual é o agente etiológico e você não conhecer e
ter dificuldade de acessar informações sobre o produto. Centros de Informação Toxicológicas
estão disponíveis no território nacional, sendo interessante você saber qual o centro de
referência do local onde você está atuando, pois você pode entrar em contato telefônico
e esclarecer dúvidas. Outra forma de ter mais acesso a informações desses agentes é
pesquisando a “Ficha de Informação de Segurança de Produtos Químicos” (FISPQ), que está
disponível na internet e contém especificações fornecidas pelo fabricante.
Além de saber o tipo, outras informações também são importantes quando atendemos
acidentes com agrotóxicos, por exemplo, o tempo do ocorrido, a quantidade e a via de contato.
Alguns componentes podem ter toxicidade diferente dependendo de o contato ter sido por
via oral ou por inalação, por exemplo.
SAIBA MAIS
Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/CAB_41_saude_do_trabalhador.pdf
Disponível em:
https://www.unasus.gov.br/noticia/una-sus-unb-lanca-curso-online-sobre-controle-de-vetores
Voltando ao caso:
Você olha a foto da embalagem do veneno e percebe que se trata de um organofosforado. Ao olhar o
olho do Gabriel, percebe que ainda tem um pouco de edema e hiperemia.
- Tá muito melhor esse olho, cara! Muito bem! A mamãe cuidou direitinho mesmo!
- Ótimo! Márcia, eu sei que foi um minuto de distração, mas infelizmente são assim que os acidentes
acontecem. Quem sabe a gente pode pensar em algumas estratégias para prevenir que isso aconteça
outras vezes?
- Acho ótimo! Realmente, eles são uns foguetes! Não dá pra piscar!
Atividade
Atividade 27:
O que você pode dar de dicas de prevenção de acidentes na infância para Márcia?
Escreva as suas considerações e, depois, compare com os comentários.
Importante:
SAIBA MAIS
Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/ministerio-publica-guia-de-
prevencao-a-acidentes-domesticos-e-primeiros-socorros/SNDCA_PREVENCAO_ACIDENTES_A402.
pdf
Disponível em:
http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-
EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf
118
Voltando ao caso:
- Muito obrigada por essas dicas! Vou prestar mais atenção a partir de agora. Sabe que com o Miguel
eu não tive esses problemas não?
- As crianças são diferentes. Cada um tem suas peculiaridades. Mas e tu, Miguel? Tua mãe disse que,
às vezes, tu te sente um pouco ruim…
- Hum, é engraçado, tem umas épocas que ele se queixa quase todo dia, depois para. Mas cada dia é
uma coisa. Tem dias que tá cansado, outros enjoado, dor de barriga. Às vezes, tem dor de cabeça. É
muito estranho. Não sei se não tá precisando de umas vitaminas…
- O pai também sente às vezes, ele não fala. Outro dia ele ficou com a mão na cabeça, em outro passou
a mão na barriga. Quando eu pergunto, ele diz que não é nada não.
- Entendo. E você percebe se isso acontece quando você não se sente bem?
- Só uso quando ele se ataca, mas faz tempo agora que não se ataca mesmo. Ele só tosse às vezes, mas
passa.
- E quando vocês vão pra roça, vocês usam aqueles equipamentos de proteção?
Atividade
Atividade 28:
Você pensaria que Miguel possa estar tendo sintomas de intoxicação crônica por
agrotóxico? Justifique sua resposta.
Importante:
SAIBA MAIS
Disponível em:
http://renastonline.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/arquivos/recursos/Documento%20
orientador%20Vig%20Pop%20Agrotox_Vigipeq_completo2013.pdf
Voltando ao caso:
Você explica sobre a possibilidade de intoxicação crônica e fala sobre a importância do uso correto de
EPIs.
- Faz sentido mesmo agora que tu falou! Vou falar com o Rui. Tu acha que ele também pode estar mal
por causa desse veneno?
120
- Eu acredito que sim. Até a dificuldade de dormir e a irritabilidade podem ser causadas pela intoxicação
crônica dos agrotóxicos. Quem sabe a gente vê com o Rui de ele vir aqui? Lembra que a gente faz
horário estendido? Isso é pra poder atender quem tem dificuldade em vir.
- Ah, é verdade! Vou falar com ele sim! Muito obrigada! Tchau!
Atividade
Atividade 29:
Como você explicaria quais são os EPIs mais importantes e como obter mais
informações sobre o seu uso? Escreva sua resposta:
Importante:
SAIBA MAIS
Disponível em:
http://renastonline.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/arquivos/recursos/Cartilha-agrotoxico.pdf
122
CASO
CLÍNICO Acidente com agrotóxicos
e trauma ocular
Na outra semana, você está atendendo quando o chamam com urgência na sala de observação.
Chegando lá, você encontra seu colega fazendo o atendimento de um paciente que estava
desacordado. Já chamaram a ambulância para levá-lo ao Hospital. Você vai, então, conversar com a
esposa Elvira e com o filho Marcos.
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
- Eu não sei! Ele saiu pra cuidar do fumo. Tava mais quieto, andava assim. Achei que tava demorando.
Aí o Marcos foi lá chamar e, quando vi, veio correndo.
- Eu saí chamando e daí a pouco vi ele caído e tremendo. Foi horrível. Ele tinha se mijado e tava babando
muito!
- Não, nunca!
- Ah, a gente acorda, toma um chimarrão, depois começa a trabalhar. Faz umas seis horas, eu acho.
SAIBA MAIS
Durante o período de 2007 a 2015, foram registradas 84.206 notificações de intoxicação por
agrotóxico no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), sendo que um pouco
mais da metade se tratava de casos de tentativa de autoextermínio (53,6%). Ao analisarmos a
frequência das notificações por ocupação, percebemos que o trabalhador agrícola corresponde a
28,8%. Esses profissionais também apresentam a vulnerabilidade de, às vezes, não manusearem
da forma correta ou contaminarem suas casas com os agrotóxicos utilizados, acarretando riscos
não somente para si como para a sua família. Existe também o despreparo dos profissionais que
realizam o atendimento em realizar a notificação, especialmente nas áreas rurais, o que dificulta a
vigilância e gera a subnotificação de casos. Em relação à faixa etária mais envolvida nas notificações,
22,6% correspondem a pessoas de 35 a 49 anos e 12,1%, de 15 a 19 anos.
A Figura 32 mostra os principais agentes tóxicos, por tipo de uso, envolvidos nos casos de
intoxicação por agrotóxico no período de 2007 a 2015, no Brasil.
124
Figura 32 – Principais agentes tóxicos, por tipo de uso no Brasil, no período de 2007 a 2015
Atividade
Atividade 30:
a. Acalmar o paciente e dizer que, como ele não está com sintomas, não precisa se
preocupar e pode voltar para as suas atividades.
b. Perguntar para o paciente qual era o produto químico e, caso ele diga que não
sabe, falar que é importante cuidado ao manusear esses produtos e que, da
próxima vez, ele deve trazer junto a embalagem ou foto, liberando o paciente
para retornar para as suas atividades.
c. Encaminhar imediatamente o paciente para o hospital de referência,
independentemente do produto químico envolvido, uma vez que ele pode
desencadear alterações do estado de consciência muito rapidamente.
d. Questionar sobre o produto químico envolvido, a quantidade, a via de exposição
e o tempo desde o acidente, podendo determinar a gravidade do caso e o
seguimento mais adequado.
e. Questionar sobre o produto químico envolvido, a quantidade, a via de exposição
e o tempo desde o acidente. Caso o paciente não saiba informar os agentes,
mas afirma que usou pouca quantidade, você pode liberá-lo para seguir suas
atividades normalmente.
Importante:
Quando acontece um caso de intoxicação, sempre é importante que a pessoa que está
atendendo faça uma anamnese dirigida sobre o acidente, procurando identificar o agente
envolvido, a quantidade, a concentração do produto e o tempo decorrido desde o momento
da exposição. Além disso, informações como o peso e a idade do paciente também são
relevantes. Essas informações são importantes para determinar se foi atingida dose tóxica, se
é necessário ou indicado realizar lavagem gástrica ou carvão ativado – e se está em tempo de
realizar essas medidas. Também se podem prever os principais efeitos adversos, deixando o
profissional mais atento para possíveis complicações.
126
Nem sempre será necessário realizar exames ou intervenções; no entanto, caso o paciente
não saiba informar qual é o agente envolvido, ele deve ser mantido em observação por,
pelo menos, 12 horas, uma vez que alguns agentes podem não ter efeitos imediatos. De
qualquer forma, a descontaminação externa do paciente deve ser realizada, removendo
roupas que estavam envolvidas no acidente e lavando o paciente – é importante lembrar que
alguns produtos também podem ser tóxicos por via cutânea, sendo necessário realizar essa
descontaminação e a paramentação adequada da equipe que está realizando o atendimento.
Também é importante explicar o acidente para o paciente e/ou familiares, aproveitando para
alertar sobre prevenção de intoxicações e o que fazer quando elas acontecem.
Atividade
Atividade 31:
Importante:
SAIBA MAIS
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_nacional_vigilancia_populacoes_expostas_
agrotoxicos.pdf
Voltando ao caso:
Realizar cuidados de suporte e estabilização do paciente por meio da manutenção da via aérea,
da ventilação, da circulação, da avaliação do nível de consciência e do controle das convulsões.
- Isso, ele não dormia muito de noite, andava para um lado e para o outro, falava pouco.
- Falou, esses tempos, que não tava mais vendo saída para os problemas… Ai, será que ele
fez bobagem?
- Ah, sabe como é, o pai dele se enforcou quando ele era pequeno...
- Bom, essa é uma possibilidade. Agora ele vai para o Hospital e vamos poder investigar melhor.
Atividade
Atividade 32:
Importante:
Outra classificação dos agrotóxicos é quanto à praga sobre a qual agem. Dessa forma, os mais
utilizados são os inseticidas, os fungicidas e os herbicidas. Entre esses, as composições químicas
mais conhecidas são os organofosforados, carbamatos, piretroides, o ácido fenoxiacético e
etileno-bis-ditiocarbamatos.
Manejo das intoxicações por agrotóxicos pelas equipes de Atenção Básica Fluxograma/Atendimento
– Suspeita de Intoxicação. In: Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Cadernos de Atenção Básica,
nº 41, p. 105.
Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/CAB_41_saude_do_trabalhador.pdf
Manual MS com Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico e Tratamento de Intoxicações Agudas por
Agrotóxicos.
Disponível em:
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2019/Relatorio_Diretrizes_Agrotoxico_Cap3.pdf
Voltando ao caso:
A ambulância chegou e transportou o Antônio para o Hospital. Seu filho disse que ele ainda estava
desacordado, salivando, com a pupila miótica. Antônio, provavelmente, teve uma intoxicação por
agrotóxico do grupo químico dos organofosforados ou dos carbamatos, uma vez que são inibidores da
colinesterase, produzindo sintomas muscarínicos como sudorese, salivação, lacrimejamento e miose.
No caso de intoxicação grave, pode acontecer edema pulmonar grave, convulsões e insuficiência
respiratória.
A intoxicação aguda, normalmente, tem uma exposição única e os efeitos aparecem subitamente em
até 24h após o contato com o agente químico. Essa intoxicação pode ser leve, moderada ou grave, de
acordo com os sinais e sintomas apresentados.
130
Atividade
Atividade 33:
Importante:
A intoxicação aguda pode se manifestar por alterações na saúde de uma pessoa, na qual
apresentará sintomas de acordo com a intensidade da intoxicação. Normalmente, a
intoxicação aguda é resultante de uma exposição única e os efeitos aparecem subitamente
em até 24h após o contato com o agente químico. Essa intoxicação pode ser dividida em leve,
moderada ou grave, de acordo com os sinais e sintomas apresentados. A intoxicação leve pode
apresentar sintomas neurológicos como cefaleia e tontura; sintomas dermatológicos como
irritação da pele. Por serem sintomas leves, muitas vezes, são considerados normais e não
se busca atendimento nesse momento. A intoxicação moderada pode apresentar sintomas
131
Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/cadernoab_saude_do_trabalhador.pdf
No outro dia, soube-se que realmente se tratava de uma tentativa de suicídio com organofosforado. O
Sr. Antônio foi estabilizado e permaneceu no hospital até melhora do quadro e avaliação psicológica.
Atividade
Atividade 34:
Importante:
Eventualmente, o indivíduo chegará para atendimento sem saber informar qual foi o agente
etiológico envolvido na intoxicação – ou até mesmo sem saber que foi uma intoxicação. Sendo
assim, conhecer as principais síndromes tóxicas e seus agentes etiológicos pode ajudar no
manejo do paciente e no raciocínio clínico, principalmente quando se trata de um agente
desconhecido. A tabela a seguir traz algumas informações sobre as principais síndromes tóxicas.
Midríase
Atropina
Pele seca
Anticolinérgica Anti-histamínicos
Mucosa seca
Antidepressivos tricíclicos
Hipertermia
Midríase
Sudorese
Taquicardia
Anfetaminas
Simpaticomimética Hipertensão
Cocaína
Tremores
Convulsões
Agitação
Morfina Miose
Opioide
Codeína Depressão respiratória
Salivação
Organofosforados Broncorreia
Colinérgica
Carbamatos Diarreia
Tremores
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Hoje é o dia de horário estendido, e você chega ao último atendimento do dia, um homem de
aproximadamente 40 anos:
- Hum…
- Eu pensava em fazer que nem o seu Antônio… mas já nem sei. Fiquei muito triste. Eles são nossos
vizinhos há muito tempo, sabe? Seu Antônio me viu crescer!
- Existe tratamento e acompanhamento para quem tem pensamentos assim que nem você falou. Aliás,
você sabia que o próprio veneno pode agravar essa situação?
- Sério?
- Sim, pode causar insônia, irritabilidade, depressão, além daqueles sintomas do Miguel.
- É sim! O que você acha da gente começar a cuidar mais da sua saúde?
Encerramento do caso
No caso clínico, você aprendeu sobre trauma ocular por contato com substâncias químicas e como
identificar o grau de acometimento da lesão. Conheceu situações recorrentes de trauma ocular na
atenção primária. Além disso, entendeu que os agrotóxicos são divididos em classes toxicológicas, e
que a intoxicação crônica pode ser percebida quando a pessoa é exposta a agentes químicos repetidas
vezes, por um período prolongado de tempo.
Nesse caso clínico, você percebeu que a atuação do profissional de saúde em área rural apresenta
particularidades que demandam conhecimentos específicos como o caso de acidentes com agrotóxicos,
sendo importante:
e. Estar atento para a saúde mental em meio rural, sabendo que agrotóxicos são utilizados com
mais frequência em tentativas de suicídio nesse meio
Além disso, o acesso a serviços especializados ou a outros profissionais de saúde pode ser dificultado
quando se está em área rural. Dessa forma, saber avaliar acidentes como trauma ocular torna-se outra
competência necessária para muitos cenários.
135
Seção 6
Neste caso, vamos revisar alguns pontos importantes sobre a saúde do trabalhador rural,
principalmente no que se refere aos acidentes com máquinas e às situações de adoecimento
provocadas pela exposição ao calor excessivo.
No caso clínico, você ainda aprenderá sobre estresse ou exaustão pelo calor, conhecerá quais
são os acidentes mais comuns com máquinas no meio rural e qual é a importância de saber
avaliar e manejar essas situações. Além disso, você conhecerá os passos a seguir para realizar
a avaliação primária no caso do atendimento pré-hospitalar de trauma.
136
CASO
CLÍNICO Segurança do trabalhador
rural: riscos ocupacionais
Josué, rapaz de 24 anos, está pela primeira vez saindo de sua cidade natal no Maranhão. O
primogênito da família está indo ao encontro do seu primeiro emprego. Há tempos que vem
pensando em trilhar seu próprio caminho, apesar de ter de ficar longe da família. Sentia que
tinha um grande futuro pela frente. A oportunidade de ir morar no estado mais populoso do
país alimentou suas esperanças. Sabia que, em São Paulo, existem muitas oportunidades de
emprego, bem mais do que em sua cidade interiorana. Estava com muitas esperanças em
conseguir um emprego em uma grande fazenda, moderna. Conseguiu terminar o primeiro grau
na escola, mas devido às dificuldades financeiras que seus pais enfrentavam, precisou parar os
estudos para ajudar a família no sustento. Quem sabe agora, em um local com mais estrutura,
não conseguiria retomar seus planos iniciais?
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
137
RECORDANDO
No meio rural, as taxas de alfabetização são menores em relação à população urbana. Diversos
fatores estão envolvidos nesta realidade, entre elas: menor acesso a escolas, necessidade de
abandonar os estudos para trabalhar, falta de incentivo e condições nas escolas rurais, dificuldade
de transporte, entre outras. Para relembrar essas e outras informações, reveja: Panorama da
educação no campo (INEP, 2007).
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaodocampo/panorama.pdf
Voltando ao caso:
No primeiro dia de trabalho, Josué ouviu atentamente as orientações para suas tarefas. Estava tranquilo,
pois tudo estava dando certo. Achou uma pensão por um valor acessível de aluguel e próxima do local
onde precisava pegar sua condução. Já tinha ouvido falar que o trabalho era pesado, mas isso não o
assustava, ainda mais quando ouviu que haveria a possibilidade de ganhar uma bonificação se sua
produção superasse as metas estabelecidas. O supervisor orientou sobre horários de trabalho, o uso
de equipamentos de proteção e qual era a produção esperada por dia de cada trabalhador. Ele foi
alocado para ser responsável pela colheita da cana de açúcar em uma das últimas zonas da fazenda.
VOCÊ SABIA?
A cana de açúcar é plantada em fileiras, cada fileira distando 1,5 metros entre si. O retângulo
composto de cinco fileiras de cana com um comprimento de 8,5 metros é chamado de “eito”. Além
de colher, o trabalhador deve desbastar as folhas excedentes que ficam no talo. Para facilitar a
visualização do corte, diminuir os riscos de acidentes com animais peçonhentos e o número de
insetos nesse processo, a cana é queimada, para ser manipulada. A cana de açúcar, após essa etapa
inicial, é organizada em feixes que pesam entre 10 a 15kg. Os feixes são carregados por cerca de dois
a cinco metros e dispostos em fileiras para serem recolhidos pelos caminhões que os transportam
até a usina de moagem. Um trabalhador pode colher, por dia, em torno de 14 toneladas de cana.
138
Atividade
Atividade 35:
Importante:
Grande parte dos acidentes poderia ser evitada com o uso de Equipamentos de Proteção
Individual – EPI, e os de proteção coletiva – EPC, que são fornecidos de acordo com a
área e do risco existente no local, assim como seria importante a prática de treinamentos
com funcionários, programas de prevenção e de conscientização entre outras medidas.
Infelizmente, poucos trabalhadores têm acesso a esses equipamentos e a esse trabalho de
educação continuada.
Disponível em:
http://e-revista.unioeste.br/index.php/actaiguazu/article/view/7887/5831
139
Voltando ao caso:
Ao final do primeiro dia de trabalho, Josué estava exausto. Tinha esquecido de levar água suficiente na
sua mochila de trabalho e justificava com isso o seu cansaço. O sol parecia ser típico dos dias quentes
de verão, apesar de o mês de maio estar recém-começando. Não se adaptou muito bem às roupas que
precisava usar, achava que sentia mais calor dentro delas do que fora, deu-se conta de que nenhuma
parte do seu corpo estava descoberta. Tinha recebido ordens de que era obrigatório o uso de tudo
aquilo durante o expediente, assim como o chapéu de proteção. Tinha a impressão de que pesava uns
10 quilos a mais. No outro dia, viria mais preparado…
Atividade
Atividade 36:
Diante dos riscos ocupacionais a que Josué está exposto, elencados na pergunta
anterior, cite os EPIS que ele deve utilizar:
Importante:
Disponível em:
https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/975090/1/Documentos111.pdf
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Já na pousada, Josué descobriu que seu vizinho de quarto, João, também trabalhava na colheita de
cana de açúcar. Por ter um bom rendimento, era chamado em todas as safras, há cinco anos. João tinha
30 anos, era um homem extremamente forte e passou algumas dicas para Josué driblar o cansaço. E a
cada dia que passava, Josué se sentia mais adaptado ao novo trabalho. Percebeu que a hidratação era
fundamental para que seu rendimento fosse melhor, assim como as pausas para o descanso. Estava
alcançando as metas estabelecidas, sem maiores dificuldades. Percebia algumas dores diferentes das
que tinha, mas não se importava com isso.
Já estava próximo do final da safra quando algo triste aconteceu. Era uma sexta-feira quente, ele tinha
voltado do almoço quando ouviu um barulho muito forte e uns gritos próximo de onde estava colhendo
cana. Quando conseguiu chegar ao local de onde vinham os pedidos de socorro, Josué se deparou com
João, seu vizinho de quarto, embaixo da colheitadeira de cana. Sua perna estava presa pela máquina e
muito sangue já tinha sido perdido. João estava pálido, desmaiado no chão. Não entendeu como aquilo
tinha acontecido...
141
Atividade
Atividade 37:
Você é o médico que trabalha na unidade de saúde mais próxima do local do acidente.
A enfermeira da sua equipe recebe uma ligação da empresa responsável avisando
que estão transferindo o paciente com trauma na perna por esmagamento e com
perda sanguínea de grande volume. O hospital de referência para trauma fica a 100
km de distância. Como preparar a equipe para o primeiro atendimento?
Importante:
Acidentes com máquinas no ambiente rural são situações comuns, e saber como avaliar e
manejar essas situações são de extrema importância. Esses acidentes podem acontecer em
diversos cenários e podem variar de gravidade conforme o tipo de situação ocorrida. Vamos
revisar, neste momento, o manejo dos pacientes que sofreram traumas no ambiente rural.
3. Avaliar perviedade de via aérea do paciente, retirando algum objeto estranho que possa
prejudicar a ventilação, se ele se apresentar inconsciente, lembrando-se de manter a
coluna cervical estabilizada durante a avaliação;
A pontuação do escore varia entre 3 e 15. Pacientes com valores menores que 8 têm indicação
de proteção de vias aéreas com intubação orotraqueal devido ao seu rebaixamento de nível
de consciência.
O passo a passo que revisamos anteriormente é uma ferramenta para a organização da equipe
no manejo inicial do paciente traumatizado. É importante ressaltar que cada situação deve ser
particularizada dentro da realidade local da unidade de saúde onde os profissionais de saúde
se encontram, os recursos disponíveis e o tipo de acidente ocorrido. Nem sempre haverá a
necessidade de encaminhamento para avaliação em hospital secundário.
Atividade
Atividade 38:
Importante:
O paciente apresenta uma lesão no tornozelo com perda sanguínea considerável, mas que
não causou, até a chegada ao posto de saúde, instabilidade hemodinâmica ou alteração
de consciência. Mesmo assim, você deverá seguir os passos do ABCDE do trauma e avaliar
condições que possam levar à piora clínica do paciente em questão.
ABCDE
A avaliação realizada por um profissional de saúde treinado deve ser rápida e consiste,
inicialmente, da avaliação da impressão inicial (geral): aparência geral/ consciência, respiração
e cor. Se forem identificados sinais de gravidade, deve-se pedir ajuda aos colegas da equipe,
iniciando-se a avaliação primária na sequência ABCDE:
situação vacinal contra o tétano. Além desses cuidados, é válido conversar com os pacientes
sobre a importância do uso de equipamentos de proteção individual na rotina de trabalho
para evitar futuros acidentes.
EPIs necessários para utilização de motosserra: capacete de alto impacto, viseira ou óculos de
proteção, protetor auricular, luvas, calça com camadas de proteção e coturno de motosserrista
ou sapato com biqueira de aço para proteger pernas e pés.
Acesse o protocolo de suporte básico de vida: SAME 192. Protocolos de Suporte Básico de Vida.
(BRASIL, 2016)
Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_suporte_basico_vida.pdf
Fonte: Ilustradores: Isabel Rodriguez, Leonardo Ribeiro Moore, Matheus Manso, 2020.
Josué iniciou a semana bastante abalado. Seu colega João estava internado, pois precisou amputar a
perna. Não imaginou que estava correndo o risco de sofrer algum acidente daquela magnitude colhendo
cana. Agradecia o fato de a safra estar próxima do fim, pois queria retornar para sua cidade natal e
rever sua família. Era um dos poucos funcionários que resistiu chegar até o final da colheita. Muitos
colegas desistiram, pois não tinham o preparo físico necessário para a função ou tinham adoecido ou,
147
então, não aguentaram a distância da família. Ficou sabendo que, nas últimas semanas de colheita,
a empresa oferecia a remuneração extra para a melhor produção. Naquele ano, o prêmio seria uma
moto. Motivado pelo prêmio e pela proximidade de rever a família, estava disposto a dar tudo de si.
Passadas duas semanas de ritmo intenso de trabalho, Josué percebeu que diariamente estava com dor
de cabeça e inchaço dos pés. Estava sentindo umas tonturas estranhas, um cansaço mais intenso nesse
período. Naquele dia acordou e foi trabalhar como fazia normalmente. O sol estava mais intenso do
que nunca, assim como o calor. Foi quando Josué começou a ter câimbras. Não deu muita importância
para a dor. Por volta das 10 horas da manhã, Josué teve uma sensação horrível e tudo ficou preto…
só lembra de ter caído no chão.
Quando trabalhos físicos de grande intensidade são desenvolvidos sob altas temperaturas do
ambiente, há aumento da temperatura corporal e perda de líquidos em excesso, predispondo
à desidratação. A pessoa pode iniciar com sintomas de câimbras, síncope, exaustão, mal-estar.
Se nenhuma atitude for tomada, o paciente pode evoluir para insolação, que é a condição
mais grave, caracterizada pela desregulação do sistema termorregulatório, podendo ocasionar
danos permanentes em diversos órgãos, especialmente coração, rins e fígado, secundários
à hipertermia corporal. Estudos mostram que as mortes decorrentes da insolação seriam
causadas por infarto do miocárdio, muitas vezes associado à toxemia generalizada, que, por
sua vez, é gerada por um aumento da permeabilidade gastrointestinal.
Inicie o resfriamento assim que a via aérea, a respiração e a circulação estiverem estabilizadas.
A imersão em água fria é o método de resfriamento preferido, mas fique atento, pois o
efeito da queda da temperatura pode se manter ocorrendo mesmo após o paciente ter sido
removido da imersão. Para evitar a hipotermia iatrogênica, remover o paciente do banho de
gelo quando a temperatura atingir 37,8°C. Na impossibilidade de imersão em água, considere
toalhas ou lençóis encharcados de água gelada com bolsas de gelo na cabeça, região inguinal,
axilas e extremidades para o resfriamento. Ao mesmo tempo, administre fluidos por via oral
ou intravenosa para reestabelecer o volume circulante e facilitar a transpiração. Esteja atento
à possibilidade de hiponatremia sintomática se o paciente apresentar confusão, convulsões,
fraqueza, náuseas ou vômitos. Nessa situação, suspenda líquidos isotônicos como o soro
fisiológico até que o sódio sérico seja mensurado.
Pacientes com sintomas moderados, como síncope, tontura, fraqueza, mal-estar, devem ficar
em local fresco e arejado. Elevar membros inferiores e iniciar reidratação oral ou intravenosa.
Mantê-los em observação e, no caso de resposta clínica insatisfatória, realizar novamente
avaliação primária e nova medida de temperatura corporal para rever a conduta.
No caso de paciente com quadro de câimbras, orientar elevação das pernas, alongamento,
massagem, reposição de eletrólitos e/ou líquidos por via oral. Se houver presença de lesões
de pele, despir o paciente, facilitar a resfriação por evaporação e evitar cremes tópicos.
Disponível em:
https://www.ufrgs.br/telessauders//documentos/cursos/saudeplanetaria/curso_saude_
planetaria_modulo0_ambientacao_20200424_v5.pdf
Josué foi levado ao posto de saúde por ter sido encontrado inconsciente no meio da plantação de cana.
A avaliação primária realizada pela equipe de saúde observou sinais de desidratação, sudorese intensa,
temperatura retal de 38,5°C. Imediatamente, foi iniciada reposição volêmica com soro fisiológico, Josué
apresentava respiração espontânea e saturação de 97% em ar ambiente. Ficou em observação em sala
arejada e ventilada durante o dia com melhora dos sintomas. Recebeu alta com a hipótese diagnóstica
de sintomas moderados de hipertermia secundários ao excesso de temperatura corporal associado ao
esforço físico intenso. Josué estava decidido que, logo que fosse possível, voltaria para sua terra natal.
Encerramento do caso
No caso clínico, você aprendeu que o estresse ou exaustão pelo calor é a doença mais comum
relacionada à exposição a altas temperaturas, verificou que os acidentes com máquinas no meio rural
são bastante comuns e que variam desde cortes, decorrentes do uso de facões e motosserras, até
acidentes graves com máquinas de grande porte. Viu que saber avaliar e manejar essas situações é
de extrema importância e conheceu os passos a seguir para realizar a avaliação primária no caso do
atendimento pré-hospitalar de trauma.
Conclusão da unidade 2
Revise qualquer parte deste material sempre que você precisar. Lembre-se de que a familiaridade
com esses conceitos será alcançada tanto quanto esse conhecimento for aplicado na sua prática!
Faça excelente uso dele!
152
Encerramento do curso
Esperamos que você tenha ampliado suas competências para o cuidado de pessoas residentes
em áreas rurais, contribuindo para a efetivação do direito à saúde para toda a população
brasileira, por meio de uma atenção qualificada, eficiente e humanizada!
Desejamos que esses seus novos conhecimentos sejam muito bem empregados, em qualquer
região rural do país em que você esteja!
Felicidades!
Referências
154
Referências
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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=35bFl8QsVQU. Acesso em: 12 nov. 2020.
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peçonhentos. Brasília: Ministério da Saúde, [2020a?] Disponível em: https://antigo.saude.
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