EDUCAÇÃO E PIERRE BOURDIEU Conhecimento
EDUCAÇÃO E PIERRE BOURDIEU Conhecimento
EDUCAÇÃO E PIERRE BOURDIEU Conhecimento
EDUCAÇÃO E
PIERRE BOURDIEU:
ABORDAGENS NOS CAMPOS
HISTÓRICO E SOCIAL
EDUCAÇÃO E
PIERRE BOURDIEU:
ABORDAGENS NOS CAMPOS
HISTÓRICO E SOCIAL
Reitor
Marcelo Augusto Santos Turine
Vice-Reitora
Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
Conselho Editorial
Rose Mara Pinheiro (presidente)
Adriane Angélica Farias Santos Lopes de Queiroz
Ana Rita Coimbra Mota-Castro
Andrés Batista Cheung
Alessandra Regina Borgo
Delasnieve Miranda Daspet de Souza
Elizabete Aparecida Marques
Geraldo Alves Damasceno Junior
Maria Lígia Rodrigues Macedo
William Teixeira
Campo Grande - MS
2022
© da autora:
Jacira Helena do Valle Pereira Assis
1ª edição: 2022
Revisão
A revisão linguística e ortográfica
é de responsabilidade dos autores
Foto capa:
Jean-Pierre Couderc
Publicação de "Sociologia Geral", do jornal francês Libération, os primeiros cursos no Col-
lège de France ministrados por Pierre Bourdieu entre abril de 1982 e janeiro de 1983.
Fonte disponível em:
<https://www.liberation.fr/livres/2016/01/01/bourdieu-premieres-lecons_1423882/?output-
Type=amp>. Acesso em: 22 de agosto de 2022.
Editora associada à
ISBN: 978-65-86943-98-6
Versão digital: novembro de 2022.
PREFÁCIO......................................................................................................... 7
APRESENTAÇÃO............................................................................................ 9
UM CONVITE À LEITURA
7
contribui com uma compreensão ampla sobre a pesquisa como prática
social, uma vez que considera a estrutura histórica, física, cultural, nor-
mas, metas, planos, programas, cargos e hierarquias. Trata-se, assim, de
um livro que representa o esforço de um grupo de estudos que realiza
pesquisas na área de Educação, com abordagens voltadas tanto para o
campo histórico quanto social na perspectiva bourdieusiana.
Por fim, destaco que Jacira Helena do Valle Pereira Assis, com
essa organização, mostrou, de fato, o seu compromisso e o dos(as) mem-
bros(as) do GEPASE com as pesquisas em Educação, principalmente
com abordagens históricas e sociais fundamentadas na perspectiva bour-
dieusiana. Dessa maneira, almejo que este livro constituído por quatorze
capítulos propicie reflexões e instigue novas pesquisas.
8
APRESENTAÇÃO
9
ções educativas, das memórias de seus agentes e das fontes memorialísti-
cas em cruzamento com outras fontes documentais.
10
- Roselaine Alves Olmo e Heloise Vargas de Andrade siste-
matizaram, na historiografia da educação, pesquisas que tiveram como
objeto de estudo as instituições escolares vinculadas à Congregação Sa-
lesiana no sul do antigo Mato Grosso. O período selecionado para essa
investigação se inicia no ano de 1889, com a chegada dos salesianos no
sul do estado de Mato Grosso, e finaliza no ano de 1977, com a criação
do estado de Mato Grosso do Sul.
11
Oliva Enciso, perscrutou as instituições profissionalizantes não estatais
e filantrópicas.
Por fim, o quarto e último eixo traz uma reflexão sobre noções
nucleares na perspectiva bourdieusiana, qual seja: o movimento de cons-
12
tituições do habitus, habitus professoral e habitus primário.
13
EIXO 1
14
Introdução
As raízes do pensamento de Pierre Bourdieu podem
ser encontradas numa dolorosa, mas rica e diversifi-
cada experiência existencial, reconhecida pelo pró-
prio autor. O distanciamento em relação ao mundo
intelectual e o fato de ser constantemente lembrado
de seu ‘estrangeirismo’ lhe permitiram ‘ver o que ou-
tros não veem’ e o incitaram a sentir o que outros
não sentem: os códigos implícitos, as rotinas, os fun-
damentos que governam o mundo das ideias e orien-
tam as práticas cotidianas. (VALLE, 2007, p. 121).
15
A noção de campo, ou seja, “as lutas” em que nos situamos histo-
ricamente em associação com outras noções, tais como habitus e capitais,
possibilitam organizar um mapa para a leitura de nossos objetos. Ao se
apontarem as potencialidades dessas noções em Bourdieu, não temos
a pretensão reducionista de colocar todo ou qualquer objeto dentro de
um esquema rígido, isto é, de uma camisa de força dentro da teoria. Os
conceitos para Bourdieu devem permanecer abertos e, diante da inesgo-
tabilidade do real, as contribuições científicas são parciais e os conceitos
provisórios, o que não quer dizer que sejam confusos. A ciência se faz na
constante tentativa de superação de "verdades" pretensamente acabadas
e totalizantes.
16
priada pela escolástica medieval, servindo, nesses dois momentos, para
representar noções semelhantes.
Bourdieu explicitou que, ao retomar essa velha noção aristotélica,
desejava reagir contra o estruturalismo, colocando em evidência as ca-
pacidades criadoras, ativas, inventivas do “habitus” e do agente, coisa que
a palavra “hábito” não era capaz de traduzir. Para Bourdieu, o “habitus” é
um conhecimento adquirido e também um “haver”, um capital. Ele indi-
ca a disposição incorporada, quase postural de um agente em ação.
De modo geral, essas disposições/tendências são adquiridas no
processo denominado “socialização primária”, que ocorre a cargo da fa-
mília e de outros agentes com os quais a criança interage no dia a dia.
[...] cada família transmite a seus filhos, mais por vias
indiretas que diretas, um certo capital cultural e um
certo ethos, sistema de valores implícitos e profun-
damente interiorizados, que contribui para definir,
entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural
e à instituição escolar. (BOURDIEU; PASSERON,
1998, p. 41-42).
17
Pierre Bourdieu substitui a luta de classes, motor da história em
Marx, pela luta de classificações, motor da lógica do espaço social. O
processo dialético para ele ocorre na “mediação entre o individual e o
coletivo” e “na produção social dos agentes e de suas lógicas de ação”,
o que permite refletir sobre o homem em diferentes estratificações dos
diferentes campos sociais.
18
zem com pontos de vista, interesses e referenciais determinados pela po-
sição que ocupam no mundo que pretendem transformar ou conservar.
19
Sua combinação rara de exigência conceitual, refle-
xividade metodológica e pertinência sociopolítica
capacitaram [Bourdieu] a agir como porta-voz de
uma ciência militante da sociedade, que alcançou um
público leitor bem mais amplo que aquele circunda-
do pelos muros da academia [...]. (WACQUANT,
2002, p. 99).
20
de relações e é dessas relações que se deve retirar o essencial das proprie-
dades do objeto, isso porque o real é relacional.
O referido autor indica que a escolha do método não deve ser rí-
gida, mas sim rigorosa, ou seja, o pesquisador não necessita seguir um
método só com rigidez, mas qualquer método ou conjunto de métodos
que forem utilizados devem ser aplicados com rigor a fim de manter a
vigilância epistemológica.
21
tructivist sctructutalism ou de sctructutalism constructi-
vist, tomando a palavra “estruturalismo” num senti-
do daquele que lhe é dado pela tradição saussuriana e
Lévi-straussiana. (BOURDIEU, 2004, p. 149).
22
me e da estrutura dos seus capitais. Dessa forma, “[...] a posição ocupada
no espaço social, isto é, na estrutura de distribuição de diferentes tipos de
capital, que também são armas, comanda as representações desse espaço
e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou transformá-lo.”
(BOURDIEU, 1996, p. 27).
23
em etapas que se superpõem, que por outro lado também podem ser ex-
plicitadas separadamente (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 42):
• Marcação de um segmento do social com caracte-
rísticas sistêmicas (campo);
24
integrada. É preciso converter o olhar para ver todas as práticas como
interessadas, situá-las em relação aos interesses de manutenção das es-
truturas existentes de acumulação de prestígio simbólico e vantagens
materiais e formas particulares de poder, além de historicizar o mundo
social, isto é, o estudo da história social dos problemas, dos objetos e dos
instrumentos de pensamento. E, por último, o mais importante: relativi-
zá-lo, mostrar a arbitrariedade histórica dos artefatos da criação humana.
(THIRY-CHERQUES, 2006).
25
O objetivo do tópico é aproximar reflexões sobre objetos que fi-
cam sob suspeita ou dando margem para muitas desconfianças sobre a
cientificidade de seus resultados na academia. Aqui nos referimos aos
estudos sobre memória, memorialística e fontes orais. Antes de incur-
sionarmos, cabe registrar que nenhuma fonte carrega a verdade, por isso
reiteramos o que já foi dito sobre a necessidade de relativizar, de perscru-
tar a arbitrariedade histórica, de cruzar fontes as mais diversas possíveis,
isto é, fazer uma “conversão” do olhar.
26
[...] devemos precaver-nos contra a criação da ilu-
são biográfica, situando claramente os agentes
sociais em seu grupo social, procurando narrar e
delinear claramente a construção diacrônica da tra-
jetória dos grupos nos diversos campos. Esta é a
ideia central para o entendimento da proposta bour-
dieusiana de análise dos campos. (MONTAGNER,
2007, p. 253, grifo do autor).
27
Fizemos a proposição da pesquisa para desenvolver estudos no
eixo intitulado “Memorialistas como fontes de pesquisa” e buscamos, em
especial, nas fontes da memorialística regional do sul de Mato Grosso,
produzidas no século XX, registros da história da cidade ou região no
que tange ao ensino secundário. Portanto, interessou-nos compreender
nessas fontes o lugar da memória e da cultura das escolas secundárias no
campo educacional do sul de Mato Grosso. Afinal, seus autores, resguar-
dados pelos apontamentos da memória e captados pelo levantamento de
fontes orais e, às vezes, com o auxílio de documentos oficiais, compuse-
ram parte do desenho da história da educação regional.
Na parte sul de Mato Grosso era inexistente o ensino secundário
antes do século XX, o qual era oferecido somente em Cuiabá, capital de
Mato Grosso e, por esse motivo, é que focalizamos o referido século.
Consideramos também como marco a extinção dos ginásios, por meio
da Lei n. 5692/1971, que transformou todos os estabelecimentos de en-
sino em escolas de 1º e/ou 2º graus. O ensino secundário no Brasil foi,
do final do século XIX até a década de 1970, o lugar de preparação dos
dirigentes do país, fornecendo cultura geral a uma elite e mantendo uma
concepção de “humanidades”, característica que permaneceu na legisla-
ção até a LDB de 1961.
Para o campo da educação, ter como fontes obras de memorialis-
tas regionais, sem dúvida, requereu distanciamento e cautela, visto que
essas são reiterativas e demandam a superação do historicismo. Fontes
memorialísticas são produções que consideram a história oficial e ele-
vam os feitos ocorridos na região, bem como as personalidades, com a
finalidade de eternizá-las dentro da história. Em geral, o autor memo-
rialista tende a transmitir a sua experiência de vida e, com base no senso
comum, constrói a sua narrativa, visto que há em suas obras ideologias
e representações de grupo, que chegam ao alcance de um público maior,
contribuindo para ele desempenhe o papel de construtor, na maioria das
vezes, de uma identidade regional.
28
Mas, quais são de fato as características das fontes memorialísti-
cas? De um modo geral, estas têm como característica o tipo de narração,
estabelecida nos escritos ao relatar pessoas, lugares e tempo vivido, com
o intuito de registrar fatos da memória individual e coletiva. Segundo
Costa (2007, p. 47), "[...] a construção do relato memorialístico se faz
pela invocação do vivido, pela recomposição dos guardados na memó-
ria do homem [...]”, sem uma relação sistemática dos fatos. No entanto,
pode, no limite, contribuir para o campo da História da Educação em
análises sistemáticas, levando-se em conta o processo de constituição da
sociedade e da educação a partir de seus escritos.
A formulação de narrativas memorialísticas não é apenas um fe-
nômeno de caráter individual, mas sim permeado por relações estabele-
cidas em grupo. Desde Halbwachs (2004 [1950]), compreendemos que
a memória individual será sempre um ponto de vista sobre a memória
coletiva. A memória coletiva é a memória social e está relacionada a uma
história vivida, na qual o passado permanece vivo na consciência dos
membros do grupo social. Essa noção é contraposta à história (memória
histórica), a qual se constitui como uma forma de conhecimento do pas-
sado, exterior ao domínio do vivido.
Com base em Bourdieu, nessa pesquisa sobre o ensino secundá-
rio foi possível perceber que no mundo social há estruturas que podem
orientar e constranger as práticas e representações dos agentes sociais
e, consequentemente, as memórias não estão isentas. No entanto, essas
estruturas são dialéticas, construídas socialmente, sendo possível, por-
tanto, a mediação entre a estrutura e o agente.
Os ex-estudantes secundaristas ressignificaram em suas memó-
rias as práticas escolares, a cultura escolar e os modos de escolarização
vivenciados nas instituições escolares, inclusive alguns deles retornando
como professores a esse nível de ensino, uma estratégia de construção
de capital cultural e social. A posse de capital escolar mobilizou outros
capitais e ampliou a escolarização e inserção em novos campos sociais.
29
As instituições de ensino secundário (Ginásio e o segundo ciclo)
funcionaram como um “princípio de pertinência”, ou seja, um princípio
de seleção no qual os agentes sociais são identificados pelos modos de es-
colarização que determinaram alguns dos traços distintivos nas relações
sociais. (BOURDIEU, 2007).
30
Além disso, impressos escolares dos anos de 1930 e 1970 também
constituem corpus de análise de pesquisa sobre as práticas escolares, cul-
turais e sociais no ensino secundário (URBIETA, 2021; GOMES, 2021).
Por último, ressaltamos um particular interesse pelos aspectos biográ-
ficos da política, intelectual e professora Oliva Enciso (BRITEZ, 2020),
bem do intelectual, advogado e benfeitor da comunidade japonesa em
Campo Grande – Luis Alexandre de Oliveira (AMAYA, 2018). Como se
observa, novos objetos suscitaram e ainda fomentam a continuidade de
investigações.
Considerações Finais
[...] o conhecimento é uma escolha tanto de um
modo de vida quanto de uma carreira, quer o sai-
ba ou não, o trabalhador intelectual forma-se a si
próprio, na medida em que trabalha para o aperfei-
çoamento de seu oficio, para realizar suas próprias
potencialidades [...]. Isso significa que deve aprender
a usar sua experiência de vida em seu trabalho in-
telectual: examiná-la e interpretá-la continuamente.
(MILLS, 2009, p. 22).
31
Bourdieu concebia uma Ciência Social unificada como um “servi-
ço público”, cuja missão é “desnaturalizar” e “desfatalizar” o mundo social
e “requerer condutas” por meio da descoberta das causas objetivas e das
razões subjetivas, que fazem as pessoas fazerem o que fazem. A finalida-
de é dar-lhes, portanto, instrumentos para comandarem o inconsciente
social que governa seus pensamentos e limita suas ações, como ele incan-
savelmente tentou fazer consigo próprio. (WACQUANT, 2002).
32
REFERÊNCIAS
AMAYA, S. Luis Alexandre Oliveira: o educador e a comunidade japonesa
nos anos de 1940 no sul de Mato Grosso. 2018. 146f. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Faculdade de Educa-
ção, Campo Grande, 2018.
BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.
33
BOURDIEU, P. Entrevista de Pierre Bourdieu com Yvette Delsaut: sobre o es-
pírito da pesquisa. Tempo Social, v. 17, n. 1, p. 175-210, jul. 2005a. Disponível
em: <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12459>. Acesso em: 23 set.
2022.
34
MILLS, C. W. Sobre o Artesanato Intelectual e outros ensaios. Rio de Ja-
neiro: Zahar, 2009.
35
LIMITES E POTENCIALIDADES
INVESTIGATIVAS DAS FONTES
MEMORIALISTICAS: EM FOCO A
EDUCAÇÃO SALESIANA NO SUL DO
ANTIGO MATO GROSSO (1889 -1977)
Introdução
36
das em um modelo que convencionamos chamar de “História Cultural”.
Embora se trate de um termo abrangente, é utilizado para referenciar
modelos historiográficos que redirecionam o olhar investigativo para
as questões culturais e criticam uma história totalizante e generalista.
37
O presente capítulo é dedicado ao encaminhamento de algumas
discussões sobre a utilização da literatura memorialística que me inquie-
taram ao longo de minha trajetória como pesquisadora. Essa discussão é
conduzida a partir da análise das possibilidades investigativas no campo
dessas fontes nas pesquisas, que problematizam práticas escolares, cul-
turais e sociais no âmbito das instituições confessionais salesianas, as
quais constituíram o campo escolar sul-mato-grossense.
38
Os impasses pela adoção de teorias, metodologias científicas e até
a escolha de um objeto de pesquisa são embates frequentemente trava-
dos no interior do campo científico. Assim como nos demais campos
sociais, o campo científico denota um espaço de lutas e competição que
rege as normas e regras do saber científico. Por se tratar de um campo
de produção simbólica, uma das maiores disputas travadas estão relacio-
nadas à legitimidade do fazer científico, ou seja,
[...] o monopólio da autoridade científica definida, de
maneira inseparável, como capacidade técnica e po-
der social; ou, se quisermos o monopólio da compe-
tência científica, compreendida enquanto capacidade
de falar e de agir legitimamente (isto é, de manei-
ra autorizada e com autoridade), que é socialmente
outorgada a um agente determinado. (BOURDIEU,
1983, p. 88, grifo do autor).
39
los, ao tratá-los como sinônimo, geraram uma confusão no campo cien-
tífico, fato que dificultou a compreensão e a profusão de seus estudos.
40
ocupam uma “[...] posição de uma categoria particular de escritores na
estrutura do campo intelectual, por sua vez está incluído em um tipo es-
pecífico de campo político, cabendo uma posição determinada à fração
intelectual e artística.” (BOURDIEU, 2005, p. 184).
41
nômico e social são mobilizados como ferramentas estratégicas para a
aquisição do simbólico.
Outra vulnerabilidade dessas obras incide no fato de, frequente-
mente, apresentarem uma escrita linear e contínua, uma vez que não
existe linearidade na história. Para evitar o que Bourdieu (1996) cha-
mou de “ilusão biográfica”, é imprescindível que o pesquisador não con-
sidere memória e história como sinônimos, e não considere nenhuma
das duas como verdade absoluta. Isso porque “[...] os livros de história e
as narrativas em geral nos apresentam um quadro muito esquemático e
incompleto” (HALBWACHS, 2006, p. 78-79).
Os elementos aqui mencionados não se configuram como um im-
peditivo para a utilização dessa literatura, mas sim como um alerta de que a
escrita não é ingênua, despretensiosa ou aleatória. A literatura memorialís-
tica, em especial, pode se configurar como uma fonte de grande valor inves-
tigativo para as pesquisas com temáticas regionais, por abordar uma grande
variedade de assuntos: contar costumes, relatar fatos e lugares e evidenciar
representações sociais. Por esse motivo, é relevante
[...] destacar a importância da literatura regional
como fonte de informações sobre as diferentes te-
máticas e problemáticas educacionais nas diversas
partes de nosso vasto território nacional. Essa ques-
tão vem sendo apenas recentemente tematizada na
historiografia da educação brasileira, que tendeu a
centrar-se nas regiões hegemônicas do país, de onde
se irradiam as novas ideias e os modelos culturais.
(XAVIER, 2008, p. 238).
42
A memorialística sul-mato-grossense serviu ao propósito de
dar visibilidade ao sul do antigo Mato Grosso. Para isso, valorizaram-
-se atores, feitos, lugares e costumes específicos da região, criando uma
identidade regional e ressaltando seus elementos modernos.
43
Literatura memorialística e educação salesiana: limites e poten-
cialidades investigativas
Sob o ponto de vista científico, a história local e re-
gional evita o erro grosseiro de considerar o nacio-
nal como um todo homogêneo, o que, em termos
de investigação científica, produz uma percepção
desfocada e distorcida da dinâmica das sociedades.
(MANIQUE; PROENÇA, 1994, p. 27).
44
No caso das investigações sobre instituições escolares, a legisla-
ção educacional e a documentação escolar, como atas, ofícios e circula-
res, constituem-se como alguns vestígios que podem indicar a intencio-
nalidade, mas não são o suficiente para a aproximação da prática efetiva.
A memorialística representa a possibilidade de dar voz a agentes que
transitaram pelas instituições salesianas, a partir de uma contribuição
detalhada de uma unidade particular da história, que certamente não
poderia ser encontrada em fontes documentais.
45
Quadro 1 – Literatura memorialística sobre educação salesiana
Autor / Obra Breve descrição
Memória da O livro foi escrito com o objetivo de preservar memórias e aspectos da
Cultura e da cultura e da educação do estado. Contém relatos de professores
Educação em Mato salesianos, professores leigos que atuaram nos colégios investigados e
Grosso do Sul professores que não exerceram o magistério nesses colégios, mas
Maria da Glória Sá estudaram neles.
Rosa, 1990. Instituições mencionadas: todas.
O profeta do O livro é dedicado ao registro das obras salesianas na cidade de
Pantanal Corumbá. Báez foi estudante do Ginásio Santa Teresa e envolveu-se
Renato Báez,1988. diretamente na criação da Associação de ex-alunos e na criação das
obras da Cidade Dom Bosco. O livro traz textos de outros ex-alunos e
notícias veiculadas em periódicos da época.
Instituições mencionadas: Ginásio Santa Teresa e Imaculada Conceição.
Auxiliadora: 70 Anos: O livro foi escrito na ocasião de comemoração do aniversário da
1926 -1996 instituição. Na condição de ex-aluna, Yara reuniu depoimentos de
Yara Penteado, 1996. outras ex-alunas que estudaram em diferentes cursos e diferentes
momentos da história do colégio.
Instituições mencionadas: Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.
Meu querido Nessa obra, o advogado e jornalista Pierre Adri se detém ao exercício
Colégio Dom Bosco de relembrar sua trajetória de aluno no Colégio Dom Bosco, onde
Pierre Adri, 2006. estudou entre os anos de 1954 a 1964. Na condição de ex-aluno,
contribuiu para a aproximação do cotidiano escolar da instituição.
Instituições mencionadas: Colégio Dom Bosco.
Histórias de muito A obra é composta por crônicas que contam episódios da vida do autor
antes na cidade de Corumbá. Entre essas memórias, algumas têm como
Abílio Leite de plano de fundo a vida escolar do autor.
Barros, 2004. Instituições mencionadas: Ginásio Santa Teresa.
O último Cruzado Schneider, membro da Academia Corumbaense de Letras, se propôs,
Schneider, 1977. nessa obra, a fazer uma biografia [temática] de seu patrono o educador
e missionário Padre Januário Audísio Ducotey, com destaque para os
anos vividos em prol da Inspetoria Santo Afonso Maria de Ligório, em
especial na cidade de Corumbá.
Instituições mencionadas: Ginásio Santa Teresa
Corumbá de O autor relembra acontecimentos do cotidiano corumbaense e
antigamente contribui com a menção de professores importantes para sua trajetória
Alceste de Castro, escolar. Alceste de Castro foi aluno do Ginásio Santa Teresa e filho do
1981. professor Aurélio de Castro, importante personagem para a educação
salesiana e corumbaense.
Instituições mencionadas: Ginásio Santa Teresa
46
No rol de autores dessas obras, temos sete ex-alunos de institui-
ções escolares salesianas. Dentre eles, Rosa (1990) e Penteado (1996)
são também pesquisadoras que transitam pelo campo científico, mas,
apesar disso, suas obras constituem-se como produções memorialísti-
cas, por terem a escrita baseada em depoimentos e entrevistas. No caso
de Rosa (1990), entrevistas com professores sul-mato-grossenses; e no
caso de Penteado (1996), entrevistas com ex-alunos da instituição femi-
nina campo-grandense Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.
47
transita, a fração de classe da qual ele faz parte e, principalmente, quais
matrizes e disposições que, ao longo da socialização desse autor, solidi-
ficaram-se enquanto estrutura durável. Todos esses questionamentos
possibilitam identificar quais lentes interpretativas foram usadas para a
o registro daquela memória.
Para fazer uma leitura crítica dessa obra, foi necessária uma apro-
ximação do autor. Nesse momento, foi possível identificar a presença de
uma matriz religiosa muito significativa no momento de sua socializa-
ção primária – em âmbito familiar – e secundária – em âmbito escolar.
Esse ponto torna-se importante porque “[...] a religião contribui para
a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção
e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social [...]”
48
(BOURDIEU, 2005, p. 34). A partir disso, é preciso considerar que os
relatos tenham sofrido influência dessa matriz nos momentos de sele-
ção e de descrição dessa memória.
49
Os corumbaenses Schneider (1977), Barros (2004) e Castro
(1981) fizeram parte do corpo estudantil da instituição para meninos, o
Colégio Santa Teresa. Todos os três registraram suas memórias em for-
mato de crônicas, contando situações vividas que nos permitem aproxi-
mar do cotidiano escolar salesiano.
50
gistradas? Por que elas foram escolhidas para serem contadas? Quais os
interesses por trás desse registro? Qual o critério de seleção? Algumas
dessas respostas estarão disponíveis no próprio texto, outras não.
51
teóricos tais como particularismo, culturalismo ornamental, saudosis-
mo, personalismo, descrição laudatória ou apologética. (NOSELLA;
BUFFA, 2006, p. 5) Essa é a principal crítica e os desafios imputados às
pesquisas vinculadas à História Cultural.
Considerações Finais
52
sente também na utilização das fontes jornalísticas, iconográficas, nas
atas e nos relatórios escolares, que demandam problematizações.
53
REFERÊNCIAS
ADRI, P. O meu Colégio Dom Bosco. Campo Grande, MS: [s.n], 2006.
BURKE, P. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, P.
(Org) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
54
CENTENO, C. V. Educação e fronteira com o Paraguai na historiografia
mato-grossense (1870-1950). 2007. 257 f. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
55
SHNEIDER, J. L. O último cruzado: biografia. Escolas Profissionais Salesia-
nas, São Paulo, 1977.
56
ATUAÇÃO DA IMPRENSA ESCOLAR
SALESIANA EM CAMPO GRANDE/MATO
GROSSO (1935-1947): EM ESTUDO O
PERIÓDICO ESCOLAR O GINÁSIO
57
Introdução
1
O marco cronológico foi definido conforme constatação do período de início e encer-
ramento da ação editorial do impresso escolar O Ginásio.
2
A pesquisa objetiva analisar como fonte e objeto o periódico escolar O Ginásio, pro-
duzido e veiculado no Ginásio Dom Bosco, a fim de compreender o papel do periódico
nessa conjuntura educacional e a perspectiva interna do sistema de ensino católico sale-
siano do estabelecimento.
3
O ginásio foi o marco da educação salesiana no sul do antigo Mato Grosso e, a partir
dele, iniciou-se a oferta de ensino regular para as crianças e jovens que não gozavam de
condições financeiras para ingressar seus estudos na capital do estado, Cuiabá, nem no
Rio de Janeiro ou em São Paulo. Como destaque de sua importância no contexto educa-
cional do período, Bittar e Ferreira Júnior (1999) o reconheceram como um dos colégios
mais tradicionais de Campo Grande para o período.
58
biblioteca da Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande,
Mato Grosso do Sul.
59
cativas do campo e de seu produto simbólico, no intento de colocar em
evidência o papel desempenhado pelo periódico escolar O Ginásio na
conjuntura analisada.
60
compreender a estrutura do campo da imprensa católica, espaço marca-
do por um caráter apologético e que, consequentemente, moldou a obra
salesiana e os ideais da Igreja Católica. Os primeiros impressos católi-
cos surgiram nesse período, em formato de publicações pequenas, com
circulação quinzenal ou semanal, tendo como principais características
textos polêmicos e raio de ação limitado (LUSTOSA, 1983). Essa ca-
racterística principal foi consolidada no período em que na Itália “[...]
a jerarquia católica tratava então um forte combate contra jansenistas,
valdenses e protestantes, e logo em seguida também contra os liberais”.
(AZZI, 1982, p. 87).
61
testantes pelo rei Carlos Alberto4, como também com a circulação de
impressos religiosos e bíblicos com a intenção de promover a doutrina
(AZZI, 1982).
4
O movimento citado diz respeito ao reconhecimento do rei Carlos Alberto de Savoia,
no ano de 1848, em relação a considerar os judeus como cidadãos de direitos e deveres
iguais aos demais, declarando que a diferença de religião não deveria significar empecilho
para usufruto dos diretos estabelecidos no período (TAGLIACOZZO; MIGLIAU, 1993).
5
Em levantamento sobre a temática, não foi encontrado nenhum trabalho que discorra
sobre o impresso e que ofereça indícios do ano de seu surgimento.
62
Católicas, no fim do ano de 1853, com circulação especialmente na Itá-
lia6, e com objetivos alinhados ao esforço do religioso em restaurar a
vitalidade da fé entre os católicos de seu tempo (AZZI, 1984). Posterior-
mente, observa-se uma manifestação do salesiano na ampliação dos ma-
teriais produzidos pela imprensa católica salesiana com o surgimento da
revista mensal ilustrada denominada Boletim Salesiano, no ano de 1877,
cujo objetivo era tornar conhecida a obra dos salesianos.
63
A ótica que acompanhava a imprensa católica, desde meados do
século XIX, colocava em oposição duas correntes de publicações: de um
lado, a imprensa católica7, e, de outro, a imprensa herege. Nesse últi-
mo grupo, compreendido como “a má imprensa”, incluíam-se as publi-
cações de cunho liberal, protestante, maçônico, espírita ou agnóstico
(AZZI, 1984). Em congresso realizado no Colégio Salesiano Santa Rosa,
em Niterói, no ano de 1929, o cônego Melo Lula emitiu comparações
sobre as duas correntes de oposição:
A boa imprensa, orientada pelo Evangelho, é o mais
belo clarão no seio dos povos e das nações. A má im-
prensa, inspirada no ceticismo, é a gargalhada mais
cínica que se pode ouvir na terra. [...] E a imprensa
neutra, meus senhores? A imprensa neutra, sem cor
religiosa, que hoje defende os princípios católicos e
amanhã ataca a Igreja e seus ministros é de uma in-
dignidade revoltante8.
7
O termo bueno prensa em italiano, “boa imprensa” em tradução para a língua portugue-
sa, por exemplo, esteve presente nas páginas da revista Boletim Salesiano que circularam
no Brasil.
8
O conteúdo do congresso foi analisado em “Os salesianos no Brasil: à luz da história”
(AZZI, 1982, p.
64
os públicos e espaços, a fim de atingir os objetivos desse campo, o que
possibilitou às escolas católicas salesianas apoiarem os ideais da Igre-
ja e aliá-los aos próprios objetivos institucionais. Nas publicações não
escolares, já era possível constatar a educação entre os conteúdos de
destaque, porém a tomada de posição da escola, com essas publicações,
manifestava características e objetivos particulares.
65
Materialidade e ação editorial do periódico escolar O Ginásio
66
res para a construção de um subsídio para o processo de análise dessas
fontes e como possibilidade de reconhecer elementos significativos para
adaptar aos interesses de cada pesquisa.
67
Figura 1 – Composição estética e de conteúdo das capas do periódico O Ginásio
68
Com essas características, o impresso constituiu, no período de circula-
ção, um órgão de comunicação tipicamente salesiano, com a defesa da
sua identidade religiosa e do processo educativo do Sistema Preventivo
de Dom Bosco (CASTRO, 2014).
69
mentos escolares confessionais, passou a dar visibilidade às benéfices do
regime empreendido pelo país, já que mantinha relações comuns sobre
o funcionamento da educação. Esse fator influenciou a composição da
revista O Ginásio, com uma escrita baseada em temáticas religiosas, cívi-
co-patrióticas e disciplinares, com destaque às comemorações cívicas e
discursos de autoridades políticas da região sobre o Ginásio Dom Bosco.
70
imprensa escolar salesiana à época e por meio de colaboradores envol-
vidos no processo educativo e representativo do Ginásio Dom Bosco,
fossem eles estudantes, professores, dirigentes do estabelecimento e, até
mesmo, personalidades de destaque na sociedade.
9
Na leitura e análise dos dados coletados na fonte O Ginásio, há a variação de denomina-
ções dessa associação estudantil e, portanto, apresenta-se inicialmente ambos os nomes
utilizados, mas adota-se no decorrer do texto a nomenclatura “Centro Literário José de
Anchieta”, com a intenção de padronizar a escrita.
71
como “varão insigne” e importante representante religioso no país,
o Padre José de Anchieta10.
10
Padre José de Anchieta nasceu no dia 19 de março de 1534, na cidade Tenerife, nas
Ilhas Canárias. Foi agente integrante das missões jesuíticas no Brasil e encarregado ini-
cialmente de desenvolver ações catequéticas dos nativos, posteriormente assumindo a
administração dos colégios jesuítas do país (BOSI, 2001).
72
tralização do poder e correntes de pensamento nacionalistas; e, por fim,
no campo educacional, acometido pelos diferentes movimentos e inte-
resses que prevaleciam no período.
Considerações Finais
73
Cabe ressaltar que, por envolver uma quantidade e diversidade
considerável de informações, a fonte principal mobilizada demandou
formas objetivas de tratamento para direcionar a análise na compre-
ensão de suas informações. Todas as informações do impresso, orga-
nizadas no banco de dados, tornaram-se relevantes para a discussão, à
medida que contextualizadas com a conjuntura social de sua produção.
74
cumpriam um papel estratégico na difusão de valores religiosos, mais
especificamente, salesianos. Nesse sentido, a sua caracterização e análise
foram aliadas às nuances existentes na circulação da revista, pois as pro-
postas técnicas, materiais e editoriais do impresso estiveram atreladas às
lutas e perspectivas sociopolíticas do seu espaço de produção e circula-
ção, isto é, ligadas aos interesses do campo educacional do período e de
seus envolvidos.
75
REFERÊNCIAS
AZZI, R. Os Salesianos no Rio de Janeiro: 1909-1928 – A Consolidação da
Obra Salesiana. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1984. v. IV.
76
O GINÁSIO – Órgão Oficial do Grêmio Pe. José de Anchieta. Campo Grande,
Mato Grosso, n. 17, jul./ago., 1939.
77
O PROJETO ESCOLA DOMÉSTICA
NO COLÉGIO NOSSA SENHORA
AUXILIADORA
Introdução
78
as quais serão analisadas a partir da teoria bourdieusiana, que tem como
foco desvelar as estruturas que se reproduzem no interior das institui-
ções, nesse caso uma instituição educativa.
79
O movimento feminino, nessa época, tomou grande proporção e
a sua influência partiu do princípio de que as mulheres precisavam ser
educadas para o lar. Esses preceitos se pautaram nas reivindicações de
melhorias nas condições sanitárias e higiênicas para a população, que,
com advento do capitalismo, assistia ao crescimento desordenado e
acirrado das cidades da Europa.
80
As descrições do período baseavam-se numa educação feminina
oferecida de forma adequada aos lares, em harmonia familiar, preven-
do a transmissão de bons costumes e normas morais. Se tais princípios
fossem promovidos, a sociedade europeia estaria permeada de pessoas
devidamente civilizadas.
81
cupação de direcionar e de ocupar a mulher para os trabalhos manuais
(em tese, uma vez que com a aquisição dessas práticas poderia haver
racionalização dos gastos) fizeram parte das preocupações a respeito do
sexo feminino no início do século XX.
11
Henrique Castriciano de Souza, nascido em 15 de março de 1874, na cidade de Natal,
foi escritor e político brasileiro. Em meados de 1909, viajou para a Europa com a ideia de
colher informações para a fundação de uma Escola Doméstica que valorizasse o cotidiano
familiar e o papel integrado da mulher. O resultado de suas buscas foi a criação da Escola
Doméstica de Natal, no ano de 1914, da qual foi emérito e fundador.
82
meninas, todas muito bem trajadas e limpas, bem como o modo de falar
das discentes e das docentes, que transpareciam tranquilidade e estavam
sempre muito atenciosas.
83
Entretanto, Castriciano e os demais representantes da Liga
de Ensino do Rio Grande do Norte (entidade que mantinha a Escola
Doméstica de Natal) afirmavam que esse pensamento permitiria uma
restruturação dos espaços físicos, dos recursos humanos e, consequen-
temente, dos materiais. Tais mudanças abriram caminhos para uma
transformação na visão educacional, principalmente no estado do Rio
Grande do Norte.
84
suíça foram apoiados por alguns intelectuais da região do Rio Grande
do Norte. (RODRIGUES, 2007). Seus fundadores reconheciam que a
abertura da Escola Doméstica de Natal traria um novo olhar sobre o
campo educacional. Dessa forma, a figura da mulher foi eleita, pois a
sua formação deveria ser repensada para além dos ensinos considerados
superficiais. Seu fundador defendia que:
A educação feminina desde alguns annos vem sof-
frendo em quasi todos os paizes da Europa e nos
Estados Unidos seria modificação theorica e prati-
ca. Já não basta ás familias ricas o ensino ministra-
do commumente nos collegios, constante do estudo
superficial de humunidades e tendo por accrescimo
a aprendizagem sem profundesa de utilidade na exis-
tencia cotidiana; e, relativamente ás classes pobres,
a vida intensa dos grandes centros industriaes e co-
merciaes collocan as mulheres em tal situaçào que o
ensino menagére se impoz, visto como falta estimulo
para os serviços domesticos. (SOUZA, 1911, p. 1).
85
e econômico da região. Essa formação se dava através do oferecimento
de um curso preparatório de dois anos e um curso doméstico de quatro
anos, aceitando moças a partir de onze anos de idade nos modelos de
internato, semi-internato e externato.
86
Vale ressaltar que a economia doméstica foi uma disciplina que
direcionava os seus estudos para a aquisição de habilidades profissionais
a fim de serem exercidas no meio familiar. Amaral (2000, p. 64) aponta
que “A Economia Doméstica é uma atividade profissional voltada para
o cotidiano familiar no que diz respeito às necessidades de alimentação,
habitação, higiene e saúde, consumo e vestuário”. Ainda assim, havia
mulheres que aplicavam os ensinamentos adquiridos no âmbito domés-
tico, sem ser de forma profissional.
87
cionado, a partir do qual buscaram consolidar instituições que ofereces-
sem educação para o público feminino por meio da Escola Doméstica.
88
A Escola Doméstica Nossa Senhora Auxiliadora em Campo Grande
89
sua educação conservadora e religiosa. Essa educação conservadora e
religiosa aproximava as moças que frequentavam a instituição dos pa-
drões legitimados socialmente, principalmente pelas elites. Trubiliano
e Martins (2010, p. 4) observam que:
[...] a função do colégio caracterizou-se por oferecer
às educandas instrução voltada para o refinamento
cultural e social, a fim de torná-las aptas ao convívio
social como mulheres virtuosas, polidas e religiosas
convictas, atendendo assim às expectativas das famí-
lias que desejavam ver suas filhas como futuras “da-
mas da sociedade”.
90
A rotina era trabalhar dia a dia, com alegria e sa-
tisfação (sic!). Era muito bom, maravilhoso! O dia
começava cedo, às quatro horas da manhã: lavar a
escadaria e varandas, tomar banho, ir para a missa,
o café e continuava a limpeza dos quartos. À tarde,
limpeza das salas de aula. À noite, estudar até 21 ho-
ras. (PENTEADO, 1996, p. 73).
91
Os uniformes, além de demarcarem a posição social das moças na
instituição, dividiam-se entre aqueles reservados para dias específicos
para apresentações; para uso diário, semanal; e para uso nos finais de
semana. Havia um rigor cultural e rígido das freiras para com as alunas,
pois elas exigiam sempre uma boa aparência, seja para os momentos
de apresentações culturais, que eram inúmeros devido ao prestígio da
escola, seja para o uso diário durante as disciplinas a serem cumpridas.
92
Quadro 2 – Semelhanças e diferenças entre o ensino destinado às moças de
elite e às moças pobres
MOÇAS DAS ELITES MOÇAS POBRES
Educação de temas que se relacionavam à Educação de temas que se relacionavam à
maternidade e ao matrimônio. maternidade e ao matrimônio.
Ensino para suprir as expectativas da sociedade de Ensino a fim de conseguir experiência para
boa filha, mãe e esposa. independência financeira.
Vagas custeadas pelos pais, tendo em vista o status de Bolsas disponibilizadas pelo colégio, parcial ou
elite. integral.
Não necessitavam trabalhar em busca do ensino, Trabalhavam de dia na instituição para estudar à
pois ele era custeado. noite.
Uniforme composto por saia preta, blusa branca Uniforme composto por uma vestimenta branca e
com gravata azul (usadas somente em eventos) e sapatos pretos.
sapatos pretos.
Atuação na esfera privada (matrimônio, Atuação na esfera pública.
maternidade). Ensino organizado a fim de moldar as camadas
populares ao domínio da burguesia.
93
No que se refere à primeira questão, não foi possível encontrar a
data exata de abertura do projeto Escola Doméstica, que esteve anexo ao
Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. Todavia, a partir da coleta de in-
formações, pode-se inferir que, dentre os anos de 1949 a 1965, o projeto
estava em funcionamento e recebia subvenções das organizações finan-
ciadoras para a Escola Doméstica continuar em andamento. O quadro
a seguir evidencia as datas encontradas nas fontes selecionadas que, a
partir da revisão, apresentaram os anos nos quais a instituição estava
em pleno funcionamento.
Quadro 3 – Datas de vigência do projeto Escola Doméstica no CNSA
FONTE DATA DE VIGÊNCIA
Acervo CNSA 1946
ORTIZ, 2014 1954
Diário Oficial- Ofício 2358, de 9 de julho 1959
Diário Oficial da União (DOU) de 27 de dezembro de 1963 / 1963
PENTEADO, 1996
Diário Oficial da União (DOU) de 16 de dezembro de 1965 1965
Fonte: Acervo CNSA; Diário Oficial, 1959, 1963, 1965; Penteado, 1996; Ortiz, 2014.
Organização: Elaborado pela autora.
94
se saber o porquê da diferenciação dos nomes que foram apresentados
nos documentos oficiais.
Em face dos estudos realizados até o presente momento, pode-se
pensar que todos os nomes dados à Escola Doméstica do Colégio Nossa
Senhora Auxiliadora se destinavam a um único projeto, uma vez que,
por meio da revisão sistemática, não foram encontradas outras institui-
ções que implementaram o projeto Escola Doméstica com o caráter pri-
vativo e religioso na cidade de Campo Grande, apenas o Colégio Nossa
Senhora Auxiliadora. A priori, tende-se à hipótese de que a divergência
se deu por erros nas publicações dos diários oficiais, ou pela tentativa de
a instituição receber outras subvenções, além das ordinárias recebidas
devido aos custos altos que a instituição demandava.
Dessa forma, a partir da análise dos materiais, avistou-se uma fi-
gura que exemplificou o projeto que foi pensado pela Escola Doméstica,
no qual as alunas precisavam cuidar das hortaliças, a fim de compor a
alimentação de todas as educandas do colégio. Isso ressaltava que apenas
as alunas da Escola Doméstica poderiam participar dessa iniciativa.
A incidência desse projeto possibilita correlacionar a intenção de
produzir uma horta com o nome de “Escola agro doméstica”. Logo, a
última hipótese sobre as diferentes nomenclaturas coletadas incide na
possibilidade de haver a intenção dos preconizadores da instituição de
organizar subprojetos dentro da Escola Doméstica, a fim de ocasionar
novas solicitações de subvenções, que vinham primordialmente do
CNSS, por meio de subvenções ordinárias e extraordinárias.
Por fim, notou-se que a intencionalidade de ensino oferecido
por essa instituição foi o refinamento cultural das moças que ingres-
savam no colégio. As disciplinas de corte, costura e leituras de poesias
permitiam que houvesse um modo de fazer e de ser mulher mediante
as práticas que se engendravam na instituição. Essas práticas, conse-
quentemente, estruturavam-se em um habitus de gênero, que moldava
95
as mulheres da região e também da sociedade, já que o papel da mulher
era formar, educar e cuidar.
Considerações Finais
96
REFERÊNCIAS
A VIOLETA. (1945, fevereiro e março). Crônica. A Violeta, Ano XXVII, Cuia-
bá-MT (ed. nº317 e 318). UFMT, n. 34, 2016.
ORTIZ, F. R A Escola Normal de moças das elites: um estudo das práticas es-
colares, culturais e sociais do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (1946 – 1961).
– Campo Grande, MS: UFMS, Campus de Campo Grande, 2014. p. 167.
97
TRUBILIANO, C. A. B.; MARTINS, C. J. O Colégio Nossa Senhora Auxiliado-
ra e a Revista Ecos Juvenis: educação e imprensa feminina no sertão mato-gros-
sense (1937-1945). Revista Ensaios, Rio de Janeiro-RJ, v. 2, n. 4, 2010.
98
O COLÉGIO NOSSA SENHORA
AUXILIADORA E O IMPRESSO
ESTUDANTIL ECOS JUVENIS: AS
PRÁTICAS ESCOLARES, CULTURAIS
E SOCIAIS DAS ESTUDANTES
SECUNDARISTAS (1946-1951)
Introdução
99
lizados documentos escolares12 e a obra memorialística13 “Auxiliadora
Setenta anos”, de Yara Penteado.
12
Os documentos escolares encontram-se no acervo digital do Grupo de Estudos em
Antropologia e Sociologia da Educação GEPASE/UFMS/CNPq. O acervo reúne aproxi-
madamente 1200 documentos do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.
13
A memorialística pode ser caracterizada por uma literatura cujos autores se dispuseram
a escrever e relatar acontecimentos, pessoas e características de uma determinada região.
100
Contexto social do Ensino Secundário em Campo Grande, no sul
do antigo Mato Grosso
101
De acordo com Riolando Azzi (2003), a expansão e a fundação
de um número acentuado de estabelecimentos católicos femininos no
país se deu nos primórdios do século XX, época em que se insere o
surgimento do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Campo Grande.
A ala feminina denominada “Filhas de Maria Auxiliadora” atuava nas
obras de caridade, saúde e no campo educacional.
102
O ensino secundário oferecido pelas instituições educacionais
em Campo Grande caracterizou-se por oferecer um curso propedêutico
de caráter seletivo. De acordo com Oliveira (2014, p. 72-73),
[...] o entendimento dos dirigentes do estado do sig-
nificado de ensino secundário enquanto uma escola
de cultura geral e formação propedêutica baseadas
nos conhecimentos das letras, literatura, línguas e
ciências naturais e físicas para a entrada nos cursos
superiores e como o governo do estado dividiu com
a iniciativa privada a responsabilidade da implanta-
ção das escolas secundárias ginasiais. Não fica difícil
identificar o caráter elitista desse ramo de ensino e
para qual público era voltado, bem como entender
a expectativa dessa formação: altos cargos públicos,
profissões liberais e políticas.
14
A Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942 é caracterizada por “[...] formar a per-
sonalidade integral do adolescente, desenvolvendo lhe a consciência patriótica e huma-
nista, propiciando-lhe a cultura geral, como base para estudos superiores.”. (ABREU,
2005, p. 40).
103
Auxiliadora deram início à fase de consolidação de uma imagem de ex-
celência e tradição escolar, oferecendo às elites locais uma educação de
caráter moral e religioso em moldes europeus, no qual havia uma for-
mação intelectual e para o “lar”.
15
O livro foi escrito em comemoração ao aniversário do Colégio Nossa Senhora Auxilia-
dora e sua autora, Yara Penteado, reúne depoimentos de ex-alunas da instituição.
104
atendendo assim às expectativas das famílias dessas alunas, que dese-
javam ver suas filhas como futuras “mulheres virtuosas’’ da sociedade.
105
nhora Auxiliadora, que circulou em Campo Grande e demais cidades do
estado de Mato Grosso, de 1934 até meados da década 1950. No começo
da publicação do impresso, a instituição tinha por objetivo a circulação
dentro do espaço escolar com exemplares contendo aproximadamente
12 páginas, porém, a partir da década de 1937, o impresso passou a cir-
cular na cidade, com exemplares com mais de 40 páginas. (TRUBILIA-
NO; MARTINS, 2010).
106
ra o quanto estudo minhas lições! Oh! se os livros falassem! Quantas
repreensões a menos!” (ECOS JUVENIS, nº 52, 1947, p. 30). Identifi-
cam-se no trecho citado elementos que o campo escolar valorizava, ou
seja, uma determinada relação com o saber através de bens culturais,
qual seja: o capital cultural, que possibilitava a determinada classe social
sobressair-se, mobilizá-lo como moeda, pois ela apresentava mais re-
cursos em virtude de seu capital econômico. (BOURDIEU, 2012).
107
A pesquisa de Ortiz (2014) aponta que havia uma formação in-
telectual aliada à formação religiosa e moral. No impresso, um trabalho
de uma normalista tem como objetivo mostrar o modo de se “portar”
durante as refeições.
PERFIL PSICOLÓGICO: A GULOSA!
108
e religiosa. Com isso, materializavam-se no impresso essas concepções,
que eram postas no campo escolar por intermédio dos textos das alunas
do referido colégio. Em várias seções que há no impresso, as alunas do
curso normal escreviam textos referentes ao comportamento, ou seja,
como uma moça deveria se “portar” em suas vivências.
109
Ortiz (2014) sinaliza que havia uma distinção do
curso Normal do Colégio Nossa Senhora Auxiliado-
ra em relação ao currículo das instituições de ensino
secundário público que ofereciam esse curso.
110
A formação escolar das alunas condicionava práticas culturais
“valorizadas” na sociedade campo-grandense. Observa-se que as práti-
cas culturais fazem interface com as práticas escolares, pois as práticas
culturais auxiliam a “[...] agregar capital cultural [...] e estão relaciona-
das aos saberes distintos positivamente na sociedade daquele período.”
(ORTIZ, 2014, p. 125).
111
diplomados hoje, de cursos superiores, não possuem.
(MORAES, apud PENTEADO, 1996, p. 55).
112
6.03 – Missa festiva
Benção de Maria Auxiliadora
INTENÇÃO – Pelo reinado de Maria Auxiliado-
ra em nosso Colégio, em nossa Pátria e em todo o
mundo.
15,30 horas – NO SALÃO DE ATOS
PRIMEIRA ASSEMBLÉIA
Presidida pelo Rvmo. Salesiano Pe.Tomaz Ghira-
delli, D D Vigário da Paróquia de São João Bosco.
1- Abertura da Sessão pelo Rvmo. Padre Francisco
Mahr, DD. Diretor do Oratório S. José
AVE MARIA – Saudação orfeônica
2 – O porque deste Congresso Mariano
Palavras da aluna Dinair Barbosa do 1º Ano Normal.
3 – As cores do Arco Iris e a VIRGEM Diálogo
4 – NOME DULCISSIMO, Orfeão pelas alunas in-
ternas
5 – AUXILIUM CRISTIANORUM, poesia de D.
Aquino Corrêa, por Marlene Bezerra.
6 – D. Bosco erigiu á sua < Madonna > dois grandio-
sos monumentos: um de granito outro de corações
– Ceey Vasques, do 1.0 Ano Cientifico.
7 – Hino do Instituto das Filhas de Maria
8 – Oração do Rvmo. Vigário da Paróquia de São
João Bosco.
(MORAES, apud PENTEADO, 1996, p. 55).
, p. 3, grifo do autor).
113
estabelecer relações e inserções sociais em meios de prestígio.” (ORTIZ,
2014, p. 133).
Internato
114
acúmulo de capital social das alunas atrelado à dedicação à religiosidade,
como mostra a Figura 2 e 3, a seguir:
Figura 2 – Publicação do impresso Ecos juvenis em 1948
115
Dia 15- Pela 1ª vez, as alunas externas trouxeram
seus Pais para o cumprimento do preceito Pascal do
Colégio. Certamente o Divino Ressuscitado, derra-
mou sua bençãos generosamente sôbre aqueles pais
e filhas que pela fé e amor ao Divino Cordeiro, se
uniram na mesma mesa Eucarística. (ECOS JUVE-
NIS, nº 60, 1951, p. 25).
Considerações Finais
O objetivo desse capítulo foi realizar uma imersão nas fontes que
apresentam indícios sobre os processos educativos do ensino secundá-
rio do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora situado em Campo Grande,
116
sul do antigo Mato Grosso, com foco em analisar as práticas sociais,
culturais e escolares à luz da teoria bourdieusiana
117
REFERÊNCIAS
ABREU, J. A Educação Secundária no Brasil: ensaio de identificação de suas ca-
racterísticas principais. Revista brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília,
v. 86, n. 212, p. 39-84, jan./abr. 2005.
118
FRANCISCO, A. J. Educação e modernidade: os salesianos em Mato Grosso
(1894-1919). Cuiabá: EdUFMT- Entrelinhas, 2010.
ORTIZ, F. R. A escola normal de moças das elites: um estudo das práticas es-
colares, culturais e sociais do colégio Nossa Senhora Auxiliadora (1946 – 1961).
2014. 167f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-graduação
em Educação, Campo Grande, 2014.
Fontes
119
ECOS JUVENIS. Campo Grande, Mato Grosso, n. 57, mar.; abril.,1950.
ECOS JUVENIS. Campo Grande, Mato Grosso, n. 60, mar.; abril.; maio,1951.
120
TENDÊNCIAS INVESTIGATIVAS
NA PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO
SALESIANA NO SUL DO ANTIGO MATO
GROSSO (1889-1977)
121
Introdução
122
Com a finalidade de responder tais questionamentos, utilizamos
uma seção do relatório de pesquisa16 em desenvolvimento desde o ano
de 2019, que se intitula “A ação salesiana no campo escolar: uma Revi-
são Sistemática na historiografia da educação”. Embora tenhamos como
escopo da revisão a compreensão do trânsito da congregação em terri-
tório nacional, aqui o enfoque é dado para a imersão no campo científi-
co sul-mato-grossense.
16
Projeto guarda-chuva do GEPASE/UFMS/CNPq, intitulado: "Revisão sistemática:
Pierre Bourdieu nos campos da sociologia da educação e da história da educação". (PRO-
PP/UFMS).
123
Quanto ao período estudado, observa-se que, por ser demasia-
damente longo, constitui-se como um campo fértil de estudos para in-
vestigação de questões relacionadas à educação confessional e a relação
estabelecida entre Estado, Igreja e sociedade, bem como a questões re-
lacionadas à política educacional, cultura escolar, educação profissional,
educação feminina, formação de professores, educação superior, entre
outros.
Expansão
Dourados
1959 Ginásio Bom Jesus / Três Lagoas Ensino primário e secundário
1961 Cidade Dom Bosco / Corumbá Obras sociais, Ensino
fundamental e profissionalizante
1961 Ginásio Industrial Domingos Ensino secundário e
Sávio / Corumbá profissionalizante
1961 – 1977
124
Com base no movimento dos educadores salesianos no campo
educacional, identificamos três períodos dessa trajetória. Para isso, re-
alizamos uma análise das estratégias institucionais dos salesianos para
agir no campo educacional, por meio de uma leitura interpretativa re-
alizada à luz da teoria bourdieusiana, na qual mobilizamos as noções de
campos e estratégias.
125
to-grossense. Nesse momento, foram identificadas as principais neces-
sidades da sociedade e empreendidas estratégias para a construção de
uma rede de relações socialmente úteis com agentes de diversos campos
sociais. Os primeiros estabelecimentos de ensino foram implantados em
Corumbá e Campo Grande.
126
História da educação e Congregação salesiana: uma análise do
campo científico sul-Mato-Grossense
17
“A systematic literature review is a menos of identifying, evaluanting and interpreting
all available research relevant to a particular research question, or topic área, or pheno-
menon of interest. Individual studies contributing to a systematic review are called pri-
mary studies; a systematic review is a form a secondary study”. (KITCHENHAM, 2004,
p. 1).
127
critérios de inclusão e exclusão, extração dos dados dos artigos selecio-
nados, síntese e conclusão dos dados”. (KOOLER; COUTO; HOHEN-
DORFF, 2014, p. 56). O resultado da pesquisa pode ser compreendido e
lido apenas se tivermos como base o protocolo que o orientou. Por isso,
algumas informações importantes sobre o desenvolvimento da investi-
gação estão relacionadas no Quadro 2.
● Condução: Busca nas bases de dados estabelecidas com a ● Análise dos dados e
utilização das strings. Organização de resultados;
● Seleção: Leitura dos resumos encontrados na base e aplicação dos ● Escrita do relatório
critérios de inclusão e exclusão. e socialização do
● Extração: Leitura integral dos produtos selecionados na fase
conhecimento.
anterior; refinamento da seleção; e localização de informações necessárias
para responder às perguntas do protocolo.
18
Strings são filtros, ferramentas das bases de dados utilizadas para afastar pesquisas que
estiverem fora do campo de interesse do pesquisador.
128
diferentes possibilidades de análise. Sobre o campo educacional sul-ma-
to-grossense identificamos, então, um total de 21 (vinte e uma) produ-
ções: 2 teses, 5 dissertações e 13 artigos
129
abordou questões relativas à cidade de Corumbá e os empreendimentos
da “missão”. Portanto, não ficou restrita apenas ao Colégio Santa Te-
resa, mas expôs também a Cidade Dom Bosco, o Círculo Operário e o
Ginásio Industrial Domingos Sávio.
130
engajamento dos agentes do campo parece estar diretamente ligado
ao aumento das pesquisas sobre a congregação salesiana no estado
de Mato Grosso do Sul.
19
Aprovado no Edital – Chamada pública MCTI/CNPQ/MEC/CAPES – AÇÃO
TRANSVERSAL Nº 06/2011 – CASADINHO/PROCAD.
131
É necessário ressaltarmos que o gráfico da Figura 2 não relacio-
na a tese da pesquisadora Celeida Maria Costa de Souza e Silva (2009),
intitulada “Práticas Pedagógicas e a Cultura escolar do Colégio Santa
Tereza na Cidade de Corumbá (1972-1987)” e produzida no interior do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP.
132
Quadro 3 – Instituições escolares investigadas
Instituição Teses/ Dissertações Artigos
Colégio Santa Teresa - Corumbá Manfroi (1997) Silva; Oliveira (2019)
Silva (2009) Silva (2012); (2013); (2014a);
(2015a); (2015b)
Cidade Dom Bosco - Corumbá Arruda; Brito (2006)
Brito; Arruda (2007)
Colégio Imaculada Conceição - Moraes (2011) Silva (2014b)
Corumbá
Colégio N. S. Auxiliadora – Ortiz (2014) -
Campo Grande Guindo (2018)
Colégio Dom Bosco – Campo - Urbieta; Assis (2021a)
Grande
Instituto Dom Bosco - Dourados Santini (2012) -
Outros Oliveira (2014) Urbieta; Assis (2021b)
Barbosa (2019)
Total 8 pesquisas 12 artigos
133
localizadas 3 dissertações. Moraes (2011) investigou o atendimento à
criança pobre, abandonada e sem-família em Corumbá entre os anos de
1904 a 1927, portanto no período de implantação da congregação sale-
siana. Embora a problemática da pesquisa esteja centrada na instituição
escolar, a delimitação de recorte temporal tem como marcos históricos
as duas primeiras direções do Colégio Imaculada Conceição em Corum-
bá. A pesquisa contou com a análise de documentos escolares, crônicas e
entrevistas semiestruturadas com agentes que estudaram na instituição.
134
à metodologia no ensino de matemática do curso normal da instituição.
A dissertação de Guindo (2018) foi produzida no interior do Programa
de Pós-Graduação em Educação Matemática. A análise é incursionada
pela História Cultural. Para análise dos documentos escolares e entre-
vistas realizadas, a autora mobiliza conceitos como estratégias e táticas
de Certeau, além de referenciais da cultura escolar como Dominique Ju-
lia; além de André Chervel para aprofundar especificamente na questão
da disciplina de Matemática.
135
O GEPHEB ainda contribui com o campo com a dissertação de Bar-
bosa (2019), que teve como objetivo construir um mapeamento das fontes
históricas para pesquisadores interessados na investigação de instituições
salesianas, além de apontar possibilidades investigativas, principalmente
para os pesquisadores interessados nos períodos de Expansão e Adaptação
da congregação salesiana, entre as décadas de 1950 e 1980.
Considerações Finais
136
zou e necessitam de atualização. Esta, por certo, não é a primeira produ-
ção do tipo realizada a respeito da congregação salesiana.
137
REFERÊNCIAS
ARRUDA, O. O.; BRITO, S. H. A. A educação salesiana na escola Dom Bosco
de Corumbá/MT (1956/1970). Revista Histerdbr Online, Campinas, n. 22,
p. 164-179, jun. 2006.
138
LOPES, I. G. Asilo Santa Rita, Educação Feminina Católica (1890-1930).
Cuiabá: Cuiabá-MT, Central de Texto: EdUFMT, 2006, Coleção Coletânea
Educação e Memória, v.1, 2006. v. 1.000. 163p.
139
SILVA, S. S. O. Educação secundária confessional no sul de Mato Grosso: Giná-
sio Imaculada Conceição. Poíesis pedagógica, v.12, n. 2, p.61-79, 2014b.
140
EIXO 2
141
REMINISCÊNCIAS DO TEMPO DE ESCOLA:
TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA E A MEMÓRIA
DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
SECUNDÁRIO
Introdução
142
Objetiva-se conhecer a memória do Ginásio Osvaldo Cruz de
Dourados, analisando a vivência do estudante secundarista Doratildo
Pereira de Oliveira, a partir da perspectiva teórica de Pierre Bourdieu,
por se compreender que a narrativa do agente (gravada e transcrita)
aponta para a necessidade da valorização das trajetórias e experiências
de estudantes secundaristas.
20
Segundo Halbwachs (1990) é o fenômeno de recordação e localização das lembranças
que não pode ser efetivamente analisado se não forem levados em consideração os con-
textos sociais que atuam como base para o trabalho de reconstituição da memória, tendo
em vista que as memórias de um sujeito nunca são apenas suas, ao passo que nenhuma
lembrança pode coexistir isolada de um grupo social.
21
“[...] para registrar o que ainda não se cristalizara em documentação escrita, o não con-
servado, o que desaparecia se não fosse anotado; [...] captar o não explícito, quem sabe
mesmo o indizível. [...] no ponto de intersecção das relações entre o que é exterior ao
indivíduo e o que ele traz em seu íntimo” (QUEIROZ, 1988, p. 15).
22
“[...] que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à
‘memória oficial’, no caso a memória nacional” (POLLACK, 1989, p. 4).
23
“[...] uma memória pessoal que [...] é também uma memória social, familiar e grupal.”.
(BOSI, 1983, p. 1). O termo se torna relevante devido à idade do entrevistado no ano de
2018 (79 anos), respeitando assim, seus esquecimentos e silêncios e reconhecendo que
sua realidade social é o que articula sua memória e velhice.
143
Partindo do pressuposto de que “[...] o conhecimento do vivido
não significa necessariamente a compreensão do real, dos determinan-
tes fundamentais do universo social.” (MONTAGNER, 2007, p. 250), o
que se corrobora é a ideia de que:
A rigor, não existe, ainda que esta idéia seja extre-
mamente atrativa e sedutora ao senso comum, uma
seqüência cronológica e lógica dos acontecimentos e
ocorrências da vida de uma pessoa. Nossas vidas não
são um projeto sartriano e não possuem um sentido
teleológico. Os eventos biográficos não seguem uma
linearidade progressiva e de causalidade, linearidade
de sobrevôo que ligue e dê sentido a todos os acon-
tecimentos narrados por uma pessoa (MONTAG-
NER, 2007, p. 251-252).
Assim,
[...] os acontecimentos biográficos definem-se antes
como alocações e como deslocamentos no espaço social,
isto é, mais precisamente, nos diferentes estados su-
cessivos da estrutura da distribuição dos diferentes
tipos de capital que estão em jogo no campo consi-
derado (BOURDIEU, 2011, p. 81-82).
144
Por fim, este capítulo tem a intenção de provocar o leitor a esta-
belecer uma nova relação com as escritas biográficas e, nas palavras de
Maria da Conceição Passeggi (2014, p. 232), “[...] avançar nas leituras de
Pierre Bourdieu, trazendo a força do seu pensamento revolucionário e
transformando a narração numa reflexividade crítica, sociologicamente
fundamentada”.
25
Instituição de caráter privado, localizada em região central, prestigiada e em expansão
em Dourados, município ao sul do então estado de Mato Grosso (indiviso). Cabe desta-
car que a instituição de ensino sofreu alterações de nomenclatura no decorrer do recor-
te temporal citado neste texto devido à sua ampliação, como consta em seu regimento
interno datado de 1970: de 1954 a 1966 a instituição era denominada “Ginásio Osvaldo
Cruz de Dourados”, de 1967 a 1968 passou a se chamar “Colégio Osvaldo Cruz de Dou-
rados” e de 1968 a 1971 se tornou o “Centro Educacional Osvaldo Cruz de Dourados”
(ministrando o ensino primário, ensino secundário 1º ciclo: ginasial e 2º ciclo: científico
e clássico, e ainda os cursos de contabilidade e normal). Assim, optou-se por utilizar sua
última nomenclatura.
145
seja, aluno do ensino secundário ginasial26. Seu protagonismo surgiu da
iniciativa de criar o Grêmio Estudantil Coelho Neto e o Jornal Estudan-
til “O ABC” na referida instituição, em 1961, que funcionaram por cerca
de um ano.
26
De acordo com Assis (2015, p. 15), é “[...] a etapa que dá continuidade à escolarização
formal após o término do ensino primário e que antecede e prepara o estudante para o
ingresso no ensino superior.”
146
como cita que a mudança de nomenclatura ocorreu “algum tempo de-
pois” e o intervalo entre a última edição como “O ABC” e a primeira
como “ABC Literário” tenha sido de seis anos – o texto se refere ao ano
de 1961, por ser o ano da primeira edição impressa do jornal.
147
a comitiva; um cantor inglês (desculpem-nos Ingla-
terra) que com suas "atrapalhadas" pronúncias, con-
seguiu arrancar "calorosas salvas de palmas" e uma
arripiadorra gaita de bôca, executado tão bem até
mesmo o caminhão que nos levava, parava para ou-
vi-la; e tantos outros animadores, personagens, que
por falta de espaço deixamos de citar. Como veem,
foi um pic-nic muito alegre e... instrutivo! Aprovei-
tamos a oportunidade aqui para fazer um agradeci-
mento especial ao proprietário da referida fazenda,
pela muita bondade com que fomos acolhidos. O
Grêmio Estudantil Coelho Neto fica sinceramen-
te agradecido aos alunos do Ginásio Osvaldo Cruz
e principalmente ao proprietário do caminhão que
nos levou, Sr. Francisco P. da Silva pela boa vonta-
de e espírito de colaboração de que fomos alvos (O
ABC, 1961, p. 6).
148
ser salvo também já estava babando... E vocês sabem
que o professor Geraldo usa óculos porque é gogo?
O Armando Cesar jogou uma lata de sardinha aberta
na grama: então alguém avisou que poderia machu-
car alguém. "Não tem importância Deus tá vendo"
disse êle. Logo depois encontrei o Armando em gri-
tos com o pé erguido a um metro da terra. E que o
pésinho dele tinha acertado em cheio a dita lata de
sardinha. O Moisés então não deixou um minuto a
professora que foi com nosco. Bancando Don Juan,
hein... Depois de comer um sanduíche e duas duzia
de bananas, duas maças, oito laranjas, meia lata de
doce, meio kilo de bolachinhas e tomado duas garra-
fas de guaraná, o Leonel perguntou tristemente: será
que não tem um armazem aqui perto? Mais o ma-
estro "Gaitero" era o dinâmico Doratildo. Decerto o
Juquinha anda apaixonada foi e voltou cantando cada
música romântica... Tadinho...! O Acacio é um cantor
excelente, canta só valsas, boleros, tangos, tais como
"Abre a Porta ou a Janela". Na hora do almoço o Pedro
espirrou meia hora sem parar... É porque estava perto
do sapato do Doratildo (O ABC, 1961, p. 3).
149
Foi espetacular nossa escurssão na visinha cidade de Ca-
arapó realizada dia 8 p.p., oportunidade em que realiza-
mos duas partidas de Vôlei e duas de futebol alcançando
quatro justas vitórias. Por falta de espaço deixamos para
o próximo número a seção <<O ABC nos esportes>>,
os principais lances dessas partidas; adiantamos apenas
que as nossas vitórias foram as seguintes: vôlei-1º jogo
15x8. Segundo jogo: 15x7. No futebol tivemos na pre-
liminar (2º quadro do GOC) 3x1. No titular (1º qua-
dro do GOC) a esmagadora vitória de 6x3 além de um
<<show de bola>> por Munir, Miro, Tico, Valdemar -
(Bi) Cirino, Airos e Alfio. Por outro lado, o que muitos
nos envaideceu foi a maneira cordial com que fomos
recebidos pelos amáveis e cavalheiros caarapoenses.
Demonstraram-nos o máximo em recepção. Fazemos
um agradecimento à direção da Associação Esportiva
da Caarapó pela atenção que nos dispensaram. Seus
atletas merecem um forte e cordial abraço da Direção
do Grêmio Estudantil Coelho Neto. Demonstraram
impecável educação esportiva. Ao povo de Caarapó, in-
distintamente, os nossos agradecimentos pela atenção e
bondade com que nos receberam (O ABC, 1961, p. 3).
150
Pelmeche – Colorido
MansoScopo – Maravilha
<<AMOR ESQUECIDO>>
SECUNDÁRIOS
<<EL PECADOR>>
Adailton
151
Professor Ayrton
Carminha
<<SAI DA FRENTE>>
JucaScope Sonolento
***
<<ÊXODO>>
SuperVisionado
(nota 5)
152
no Todo poderosos (governo) é a esperança é última
que morre, portanto...
***
TrepidaScope Barrocolor
***
MistériosScope Enganacolor
153
processo de consagração do golpe, iniciou-se a mudança de nomencla-
tura do Jornal.
154
tor daquele Jornal “O Pasquim” e “O Pasquim” era
contrário ao exército, havia aquela... aquela censura,
né?, mas eu tive textos publicados no “Pasquim”, e
eu resolvi parar, para não criar problema para mim,
né?, que estava sozinho lá em Três Lagoas, aí eu fa-
lei não, deixa dar um tempo aí, e parei. (OLIVEIRA,
2018, p. 10).
155
Espera-se que essa reflexão possa contribuir para a história dos
estudantes no país em âmbito local e para ampliar as possibilidades de
interpretação sobre os impactos gerados pelo golpe civil-militar na so-
ciedade brasileira.
156
empenhada, ela chamava-se Doroteia Bacelar de
Oliveira e dividiu todo seu tempo entre as lidas do-
mésticas e o cultivo do seu jardim. Ao todo, quatro
filhos dentre os quais o nosso acadêmico foi o segun-
do. Chegada a idade da razão, enamorou-se da jovem
Terezinha Franquini, oriunda de tradicional família
de Andradina, no vizinho estado de São Paulo, des-
te feliz casório nasceram-lhe dois filhos, hoje todos
maiores com profissões liberais definidas. Cássio é o
mais velho, casado com Gisele e já lhe garantiu imor-
talidade com dois netos, Marcelo ainda faz projetos.
Por influência do pai dedicou-se por algum tempo
ao desenho arquitetônico, edificou por onde passou
templos e altares, na sua cidade natal algumas casas
com sua marca, em nossa cidade as linhas do colé-
gio Osvaldo Cruz. Atualmente exerce a profissão de
agrimensor e o traz sempre muito ocupado na região
pela prestação desse serviço, este é o cidadão e o es-
critor? Não se separa o escritor de suas raízes, corpo
e alma são inerentes, origem, meios e fim formam
esse conjunto harmonioso que modela a literatura
do beletrista Doratildo Pereira de Oliveira, sua lite-
ratura revela a precisão do traço de um arquiteto e a
dimensão do espaço e tempo do desenhista, seu es-
tilo nos faz lembrar as flores silvestres multicolores,
que se aninham a beira do caminho ou se escondem a
beira dos regatos, cujo perfume nos chega e as vezes
não sabemos de onde vem. Não são muitos os seus
livros, mas são inúmeras as suas crônicas dispersas
na imprensa local estadual, usa um pseudônimo e a
semelhança de Fernando Pessoa e heterônimos, al-
gumas de suas crônicas foram reunidas no opúsculo
“Um grito na multidão” na coletânea literária Stilus,
fundou o jornal ABC Literário do grêmio escolar do
colégio Osvaldo Cruz de Dourados que mereceu ci-
tação especial das ilustres professoras universitárias
"Áurea Rita de Ávila Lima” e “Telma Valle de Loro”,
eu professor José Pereira Lins, atual presidente da
Academia Sul-Mato-Grossense de letras, autor de
157
vários livros, afirmo com franqueza que em tudo
quanto escrevo há a participação anônima ou efetiva
de Doratildo Pereira de Oliveira.
158
No interior do campo estudantil, no sul do antigo Mato Grosso
(indiviso) na década de 1960, ele se definiu por uma via que iria cons-
truir sua trajetória: a de escritor. Da criação, edição e direção de um
pequeno jornal estudantil local a escritor, poeta e acadêmico da ADL,
seguiu implementando estratégias de ser lido, ouvido e interpretado,
como se pode observar no Quadro 1, a seguir:
159
Ao falar sobre Doratildo, a vice-presidente da ADL,
Ivone Macieski disse que “foi com grande pasmo e
com uma enorme tristeza que tomei conhecimento
da notícia do seu falecimento; em seus anos doura-
dos Doratildo foi um membro muito atuante dentro
da ADL. Homem de boa paz, olhar tranquilo e fala
mansa, humilde por natureza”, acrescentando ainda
que “conhecê-lo foi um prazer, a todos tocou de for-
ma diferente e única, quem o conheceu sabe o que
está dizendo. Morremos no final de tudo quando
cumprimos o que viemos fazer, e apesar de tudo so-
mos imortais”, complementou.
160
"Um homem sagaz que soube utilizar-se da palavra
para falar as verdades ainda no tempo em que a cen-
sura estava em alta no Brasil. Periodista no Jornal
A Semana em Dourados foi um dos precursores do
jornalismo", afirma Marcos Coelho Cardoso, Presi-
dente da Academia Douradense de Letras.
161
Considerações Finais
162
REFERÊNCIAS
ASSIS, J. H. V. P. Ensino secundário no sul de Mato Grosso no século XX: iti-
nerários de pesquisa com fontes memorialísticas. In: ASSIS, J. H. V. P.; SILVA,
A. F. (Org.). Memórias do ensino secundário no sul de Mato Grosso no
século XX. Campo Grande, MS: Ed. Oeste, 2015.
163
O ABC.–Órgão do Grêmio Estudantil Coelho Neto. Centro de Documentação
Regional FCH/UFGD. HD Externo. Dourados, MT, Ano 2, n. 8, mar. 1962.
164
CAMPOS, ESTRATÉGIAS E CAPITAIS
NOS APORTES DE PIERRE BOURDIEU:
LEITURAS DA TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA
DO PROFESSOR LUIZ ALEXANDRE DE
OLIVEIRA
Stephanie Amaya
Introdução
165
o agente alcançar notoriedade, principalmente no reconhecimento da
comunidade japonesa, ao intervir politicamente na escola étnica como
professor e diretor da instituição. O estudo é um recorte da dissertação
“Trajetória biográfica do professor Luiz Alexandre de Oliveira: em es-
tudo a comunidade e a escola de japoneses Visconde de Cairu no sul de
Mato Grosso (1930-1950)”.
Para construir o corpus de análise, utilizamos como fontes o livro
autobiográfico do referido professor, intitulado “O mundo que eu vi”,
bem como periódicos regionais que trazem alguns elementos de sua his-
tória. Além disso, nos baseamos em três entrevistas concedidas por ele,
sendo que a primeira foi localizada no Arquivo Público Estadual. Esse
material, que foi elaborado pela Profa. Dra. Kátia Cristina N. Figueira e
pela Profa. Dra. Carla Villamaina Centeno27, está depositado nos arqui-
vos digitais do acervo e disponibilizado ao público.
A segunda entrevista foi cedida pela Profa. Dra. Carla Busato
Zandavalli Maluf de Araújo, no formato fita k7 do seu arquivo pessoal.
O áudio tem aproximadamente 61 minutos, o que resultou em um total
de 14 páginas de transcrição. A entrevista foi realizada em 17 de agosto
de 1995 e utilizaremos para identificação (OLIVEIRA, 1995), após seu
uso ter sido devidamente autorizado pela professora.
A terceira fonte encontra-se no livro “Memória da cultura e da
educação em Mato Grosso do sul”, da autora Maria da Glória Sá Rosa,
publicado no ano de 1990. O texto de Sá Rosa (1990) inicia com dois
parágrafos introdutórios da autora e, em seguida, é apresentando um
texto narrativo em primeira pessoa do professor Luiz Alexandre.
Para realizar as reflexões e análises do objeto, partimos de uma
perspectiva histórica e sociológica, na qual utilizamos o referencial te-
27
A transcrição da entrevista realizada com o professor Luiz Alexandre ocorreu no ano
de 1995. O material está no formato de texto pelo programa Word, contém 18 páginas e
será identificado ao longo do texto como (ARQUIVO..., 1995).
166
órico dos estudos de Pierre Bourdieu (1996; 2004a; 2004b; 2009; 2010,
dentre outras obras) e seus interlocutores. Os dados biográficos foram
analisados à luz de estudiosos da memória e da história, a saber: Bourdieu
(2004, 2005, 2007); Pollak (1989,1992); Le Goff (2003); Halbwachs (2006).
167
Trajetória do professor Luiz Alexandre de Oliveira: breves apon-
tamentos
168
Em Campo Grande, acessou a escolarização primária no Institu-
to Pestalozzi e, em seguida, concluiu o ensino secundário e trabalhou
como professor do ensino primário. Após alguns anos de trabalho no
magistério local, sem grandes possibilidades de ascensão financeira e
social, partiu para o Rio de Janeiro, onde viria a se formar em Direito,
retornando para Campo Grande anos mais tarde.
Luiz Alexandre de Oliveira, oriundo das classes
populares, alcançou certa representação social em
Campo Grande, dada por sua trajetória de advoga-
do, professor, diretor e proprietário de instituições
escolares na cidade. Em sua história de vida, obser-
va-se a sua intensa relação com os imigrantes japo-
neses, principalmente entre as décadas de 1930 a
1950, período de publicação de vários decretos no
Governo Vargas.
169
Em relação ao período em que residiu em Campo Grande, Luiz
Alexandre rememora que sua família era de origem simples e que ele re-
alizou inúmeras atividades laborais, tais como: trabalhou com picareta
para trazer água para cidade, tentou realizar um curso de telégrafo, no
qual não foi aceito devido ao problema na visão, e também trabalhou
em uma torrefação e uma leiteria, sendo que nessas empreitas não lo-
grou sucesso. (OLIVEIRA, 1986).
170
Quadro 1 – Diplomas, medalhas e condecorações
Medalha ao Mérito Jurídico Militar em 07/12/73.
Medalha de bronze Aeronáutica.
Diploma de Deputado Estadual outorgado pelo Tribunal Regional Eleitoral em 21/03/47.
Diploma de vice-prefeito de Campo Grande outorgado pela 8ª Zona Eleitoral em 29/11/58.
Diploma de Cidadão Campo-Grandense outorgado pela Câmara Municipal em 04/11/69.
Diploma do Rotary Internacional outorgado pelo Governador do Distrito 451, em abril de 1959, pelo
brilhante desempenho na presidência daquele clube.
Diploma de ciclo de Estudos outorgado pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra em
05/12/67.
Diploma de Sócio Benemérito outorgado pelo Grêmio Literário Castro Alves em 05/05/61.
Diploma outorgado pela Grande Loja Maçônica do Estado de Mato Grosso, em 24/11/72, pelos relevantes
serviços prestados àquela ordem.
Diploma outorgado pelo Supremo Conselho do Grau “33” da Maçonaria Rio de Janeiro em 14/10/68.
Diploma de Honra ao mérito outorgado pela Associação Campo-Grandense de professores em 15/10/61.
Diploma “Colônia Japonesa de Mato Grosso”, por ocasião do transcurso do Cinquentenário da Imigração
Japonesa ao Brasil, pelos relevantes serviços prestados à Colônia em 18/06/58.
Diploma Honra ao Mérito outorgado por ocasião Cinquentenário da Escola Visconde de Cairu, em
15/09/68, pelos relevantes serviços prestados àquela casa de ensino.
Diploma outorgado pelo governo de Okinawa pelos relevantes serviços prestados à comunidade Okinawa
em Campo Grande, em 24/07/84.
Comenda da “Ordem do Sol Nascente” – Grau 5 por relevantes serviços prestados à Cultura e à
comunidade nipo-brasileira, outorgado com grande destaque pelo Imperador Hiroito do Japão no dia
30/11/84.
171
Assim, é notória a trajetória pessoal e escolar do professor Luiz
Alexandre, bem como a superação das dificuldades financeiras para al-
cançar o nível de escolarização superior que, por sua vez, envolveu di-
ferentes campos sociais, políticos e educacionais que formaram capitais
econômicos, sociais, simbólicos e culturais.
172
Estratégias e capitais do professor Luiz Alexandre de Oliveira
nos campos social, político e educacional
173
Nessa perspectiva, observamos que o professor conquistou o re-
conhecimento e o prestígio por meio de lutas.
Tive inimigos aqui, poderosos. Cheguei até a ser
condenado a cadeia...aqui tinha dois juízes, e eles fi-
zeram uma sujeira aí, né? Aí eu gritei... e eles não
estavam acostumados a isso...[...] Eu não era pessoa
poderosa aqui, não tinha parentes... e portanto eu
era a pessoa que eles conseguiriam duplo objetivo.
E eu que não tinha toda razão na briga... porque eu
sou um pouco violento quando fico com raiva, eu
apelei para ignorância, poderia ter resolvido por ou-
tros meios... então os dois juízes combinaram para
me pôr na cadeia. Graças a Deus não conseguiram, e
eu aí eu esculhambei mais ainda eles... porque aí eu
fiz da Tribuna da Assembleia como deputado e [...]
Eles não conseguiram colocar na cadeia como que-
riam e eu fiquei aqui e eles não ficaram. Eu ainda não
era deputado nessa época, eu exercia a advocacia. Eu
deveria utilizar outros métodos, mas infelizmente
meu gênio conspirou contra mim. Eu deveria ser
humilde, toda vida fui pobre... mas infelizmente não
fui... eu não tinha a experiência que eu tenho hoje.
(ARQUIVO..., 1995, p. 13).
174
da e achar que eu estava tratando.... simplesmente
não adiantou... quando chegou a eleição fui derro-
tado da mesma forma. Eu sempre brincava com as
senhoras deles. Não adiantou nada a minha ginásti-
ca. O PTB fez tudo para me agradar, inclusive pôs o
diretor do Jornal pra fora para me agradar. (ARQUI-
VO..., 1995, p. 15).
175
[...] eu gosto muito do Wilson, sou amigo dele. Mas,
nossa... hoje temos um relacionamento muito frio,
porque eu nunca briguei com ele e ele nunca brigou
comigo, mas ele foi vendo que eu não era uma pessoa
assim boazinha, obediente. Ele já tem aquela menta-
lidade de mandão. E agora que ele foi governo duas
vezes. E se consolida. Acha que todo mundo tem de
seguir a sombra dele, e meu gênio nunca deu pra isso
e eu preferi ficar de fora. Gosto dele, desejo que ele
faça um bom governo, mas esse negócio de ser moço
de recado, que está mandando, nunca deu comigo. E
eu deveria ser mais humilde e mais obediente. Mas,
não sou. O que eu vou fazer? Nasci assim. (ARQUI-
VO..., 1995, p. 5).
176
dido para os cuiabanos, para a capital não vir pra cá.
Então uma vez que eu vim pra cá... eu era deputado
estadual, o sujeito olhava pra mim e virava a cara
para outro lado para não me cumprimentar. (AR-
QUIVO..., 1995, p. 10).
177
No que se refere às questões éticas que envolvem o professor
Luiz Alexandre e a comunidade japonesa, podemos observar que em
diversos momentos ele se empenhou, às vezes com risco de sofrer re-
presálias pessoais, em prol da defesa do que considerava justo, mesmo
frente a autoridades e no contexto da ditadura:
Quiseram fechar a escola e eu reagi. E o tal de João
Ponce, nós chegamos a discutir [...] e ele temeroso
de um escândalo resolveu refrear. Porque quando ele
deu a ordem à polícia para fechar a escola, eu esta-
va no Rotary Clube, jantando e entre os convidados
estava ele. Então quando encontrei com ele eu dis-
se que ia levá-lo à escola para conhecer. E ele disse
que tinha dado ordem à polícia para fechar a escola.
Olha, Dr. Ponce, o senhor não pode fechar, o senhor
está com o poder na mão, mas eu faço questão de
ser processado, não fica isso em silêncio de maneira
nenhuma [...] E falei que não tinha medo do Estado
Novo. Não iria ficar desmoralizado por um ato de
prepotência. Aí o doutor Machado, que era prefeito
aqui, acabou com a discussão, e foi contra a ordem.
Para não fechar a escola. De maneira que a escola
nunca foi fechada. Eu sempre fui meio atrevido [...]
querendo fechar ele fechava mesmo [...] e ficava fe-
chado [...] agora não convinha ele fechar a escola de
maneira escandalosa, ele não tinha pretexto para fe-
char a escola. Eles não fecharam a cooperativa tam-
bém, porque eu não deixei. E a cooperativa eu até
tive discussão com o Demóstenes, porque ele sempre
foi meu amigo [...] ele morreu meu amigo [...] eu di-
vergi dele e falei pra ele [...] vocês vão fazer um ato
de prepotência política. Eles resolveram não fechar
também [...] eu fui uma espécie de cônsul japonês
sem ser nomeado, né? (OLIVEIRA, 1995, p. 5, grifo
nosso).
178
vezes de artifícios legais, como aceitar que grande parte dos bens da
colônia japonesa fossem passados para seu nome, inclusive a Escola Vis-
conde de Cairu, que manteve suas atividades em Campo Grande (MAIS
SABER, 1998). E, posteriormente, todos os bens foram devolvidos.
179
amigo que lembrou disso. Eu sempre disse que japo-
nês não era nem melhor nem pior do que ninguém,
era só tratarem eles bem que não iam dar dor de ca-
beça. E os que me contrariaram foram derrotados.
Os japoneses nunca deram problema, foram vítimas
de muita injustiça, eram discriminados. E japonês
não tinha nome eram chamados de “Japão”. Às vezes
uma pessoa de idade... Eles eram tratados como Zé
ninguém. Alguns apanharam. (ARQUIVO..., 1995,
p. 5).
180
Pelo vínculo que manteve com a escola, como pro-
fessor e depois diretor, Luís Alexandre foi algumas
vezes convocado para prestar esclarecimentos às
autoridades, pois havia severa fiscalização das ativi-
dades em escolas estrangeiras. Ele gostava de contar
sobre um inquérito dos militares sobre os ensina-
mentos ministrados na Visconde de Cairu. Luís Ale-
xandre lançou um desafio no sentido de que as auto-
ridades fizessem uma visita de surpreender. (MAIS
SABER, 1998, p. 33).
181
Considerações Finais
182
O professor Luiz Alexandre de Oliveira esteve envolvido com a
comunidade japonesa como “benfeitor” durante o período da Era Var-
gas (1930-1945), agiu como advogado e teve bens dos japoneses, como
terrenos e propriedades, passados para seu nome. Foi presidente da
Cooperativa dos japoneses e, principalmente, atuou como professor e
diretor da Escola de Japoneses, sendo propositor da troca de nome da
instituição como forma de proteger a escola de duras restrições gover-
namentais do período.
183
REFERÊNCIAS
ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL (MS). Luiz Alexandre de Oliveira: en-
trevista. Entrevistadores: Kátia Cristina N. Figueira e Carla Villamaina Cente-
no. Campo Grande: Arquivo, 1995.
184
LE GOFF, J. História e memória. Tradução de Bernardo Leitão. Campinas:
UNICAMP, 2003.
185
ITINERÁRIOS DE PESQUISA: A ESCRITA
DA HISTÓRIA DE INSTITUIÇÕES
EDUCATIVAS DE CAMPO GRANDE/MATO
GROSSO DO SUL
186
Introdução
29
Ação de assistência estudantil (PREAE/UFMS) consiste no repasse financeiro ao aca-
dêmico em situação de vulnerabilidade socioeconômica, de forma a contribuir com as
suas despesas básicas durante o período de graduação na Universidade. O acadêmico be-
neficiado cumpre a carga horária de 12 horas semanais em atividades de ensino, pesquisa
ou extensão.
187
momento em que fiz a escolha pelo afastamento do cargo público para
investir na formação inicial. A tomada de posição como bolsista mo-
dificou a minha trajetória acadêmica. Essa nova condição permitiu a
participação no Grupo de Estudos em Antropologia e Sociologia da
Educação (GEPASE/UFMS/CNPq), coordenado por minha orientado-
ra Profa. Dra. Jacira Helena do Valle Pereira Assis, durante a trajetória
acadêmica. O Grupo de Estudos e Pesquisas sedimentou a minha expe-
riência no campo da pesquisa, pois, como sempre foi dito pela coorde-
nadora, “o grupo de estudos é algo extraordinário à formação”, uma vez
que se sobressai à mobilização dos condicionantes do trabalho científico
para além das disciplinas obrigatórias do curso. A formação do pesqui-
sador emerge de um “sistema de hábitos intelectuais” destinados àque-
les que decidem embarcar na prática da pesquisa sociológica empírica
e que estejam dispostos a compreender toda a sua “parafernália teórica
e técnica”, ou seja, designa-se àqueles que decidem compreender todas
as ferramentas conceituais e técnicas que permitem o vigor e a força de
uma “atitude de vigilância” nas experiências de pesquisas. (BOURDIEU,
2007, p. 10).
188
As fontes memorialísticas na escrita da história da educação e de
instituições escolares
30
Aprovado no Edital Universal n. 07/2007, do FUNDECT/MS.
189
encaminhamentos da pesquisa. Dentro do projeto de pesquisa, realizei
dois estudos relevantes para minha formação. O primeiro teve como
objeto de estudo a representação da migração paraguaia na literatura
regional. O segundo, voltou-se ao estudo da trajetória escolar e social
obtido por meio de entrevistas concedidas por integrantes de três gera-
ções de uma família de migrantes paraguaios. Ambos os estudos foram
analisados por meio da técnica de análise de conteúdo com o software
Nvivo831, permitindo uma compreensão de como categorizar, descre-
ver e interpretar os dados qualitativos em textos e documentos.
31
QSR. NVivo Version 8.0.332.0 SP4. Copyright © 2010.
190
(1991), Rua Barão (1991), Rua Alegre (2000) e Grande Avenida (2000).
As obras trazem a trajetória histórica das principais ruas da cidade, com
elementos da memória do autor, entrevistas, fotografias e coleta de da-
dos em arquivos de jornais e revistas da época. O resultado da pesquisa
apontou aspectos depreciativos e estigmatizantes em relação aos para-
guaios. Isso permitiu a reflexão de que não podemos ignorar que esses
elementos compõem a identidade social dos paraguaios e merecem ser
discutidos no campo da educação.
191
o Colégio Osvaldo Cruz (1927), o Colégio Dom Bosco (1942) e o Co-
légio Estadual Campograndense (1938). Além disso, expôs a atuação de
professores na educação campo-grandense, despontando os nomes de
Arlindo de Andrade Lima, João Tessitore Júnior, Múcio Teixeira Ju-
nior, Maria Constança Barros Machado, Luiz Alexandre de Oliveira e
Oliva Enciso.
22
Consolidada pela chamada pública: MCTI/CNPq/MEC/CAPES - Ação Transversal n.
06/2011 – Casadinho/PROCAD.
192
dissertação intitulada A representação da educação secundária em
Campo Grande nas fontes da historiografia regional e memoria-
lística (1920-1960) foi defendida no ano de 2014. O objetivo da pesqui-
sa foi investigar a representação da educação secundária no desenvolvi-
mento educacional e social de Campo Grande, sul de Mato Grosso, no
período de 1920 a 1960. O percurso teórico-metodológico foi constru-
ído por meio das representações atribuídas às escolas secundárias nas
memórias escritas de alunos secundaristas.
[...] é no testemunho da memória, na recordação da
testemunha, que a história encontra a certeza na exis-
tência de um passado que foi, que já não é mais e que a
operação historiográfica pretende representar adequa-
damente no presente. (CHARTIER, 2011, p. 117).
193
vigilância do trabalho científico. Por isso, realizou-se um inventário de
fontes de informações em documentos oficiais e públicos, como tam-
bém em fotografias, periódicos, entre outras. Além disso, foi realizado
um levantamento de estudos da historiografia educacional nacional e
regional33 na apreensão da constituição e desenvolvimento da educação
secundária.
33
Estudos produzidos no campo da história da educação que apresentam diferentes ob-
jetos, tais como: as instituições escolares, a cultura escolar, as disciplinas escolares, cur-
rículo, política educacional, o tempo e o espaço em que foram produzidas as instituições
secundárias na cidade.
194
ciedade. A distinção diz respeito à categoria que opera com as análises
das relações estabelecidas entre os habitus incorporados nas posições
ocupadas e os capitais objetivados (econômico, cultural e social), cujas
relações determinam a posição do agente e constituem as práticas clas-
sificatórias na estrutura social. (BOURDIEU, 2007).
34
Reforma Maximiliano (1915); Reforma Rocha Vaz (1925); Reforma Francisco Cam-
pos (1931); Reforma Capanema ou Leis Orgânicas do Ensino de 1942 e 1946: Ensino
Industrial- Decreto-lei n. 4.244, de 09/04/1942 – Ensino Secundário Decreto-lei n.
6.141, de 28/12/1943; Ensino Comercial - Decreto-lei n. 8.529, de 02/01/1946 –Ensino
Primário - Decreto-lei n. 8.530, de 02/01/1946; Ensino Normal- Decretos-lei n. 8.621
e 8.622, de 10/01/1946; Ensino Agrícola – Decreto-lei n. 9.613, de 20/08/1946; Lei de
Diretrizes e Bases (1961).
195
pedêutico e valorizando a educação profissional e normal como uma
maneira de favorecer o status social. (SILVA, 1969; NUNES, 1980).
196
lhores condições financeiras. Os capitais escolar, cultural e social consti-
tuídos na instituição permitiram aos estudantes pobres as condições de
acesso ao ensino superior, como Luiz Alexandre e Oliva. Eles alcança-
ram novas posições sociais no campo da política local e incidiram ações
de criação e materialização de instituições escolares destinadas às classes
trabalhadoras.
35
Instituição de origem étnica japonesa, tinha como função o ensino da língua portugue-
sa para os descentes de japoneses. Fundada na colônia Chacrinha, em 1918, e transferida
para a cidade no ano de 1924. Luiz Alexandre foi o primeiro professor brasileiro e diretor
da instituição, e vivenciou junto com os japoneses as opressões contra os estrangeiros
após o golpe civil-militar de 1937 e a ascensão do Estado Novo.
197
1939. A instituição funcionou em uma sala anexa ao Grupo Escolar Joa-
quim Murtinho e oferecia o curso ginasial no período noturno, que era
destinado aos trabalhadores.
36
Os salesianos criaram importantes instituições no Estado, tais como: o Liceu Salesiano
São Gonçalo (1906), em Cuiabá; o Colégio Salesiano de Santa Teresa (1899), em Corum-
bá; o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora (1926), em Campo Grande; e a Faculdade Dom
Aquino de Filosofia, Ciências e Letras (1961), instituição pioneira de Ensino Superior no
sul de Mato Grosso.
198
formação profissional para além do magistério ou de preparo para
o casamento. As propagandas divulgadas pela instituição na época
apontaram uma formação profissional destinada ao espaço priva-
do, com os ensinos de corte e costura, bordado, entre outros. Para
Bourdieu (2010), a condição da mulher no mundo social lhe foi dada
pelo espaço doméstico e ela encontrou em outras instituições, como
a escola, um lugar de elaboração e de imposição dos princípios de
dominação do espaço privado.
199
O autor transpôs a formação do habitus distinto nas memórias
do ensino ministrado por um corpo de especialistas, os salesianos37, e
também, a distinção produzida por meio das práticas escolares viven-
ciadas na instituição. Segundo Magalhães (2004), a instituição educativa
é tradição e representação e, por trás dela, estão os mestres responsáveis
pela orientação educativa, os quais carregam consigo as dimensões bio-
gráficas e de representação institucional. O agente formou-se advoga-
do pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em
1970, exerceu as profissões de jornalista e radialista e a presidência de
instituições esportivas na região sul do Estado.
37
Os professores de origem europeia, frequentaram instituições educativas localizadas
em cidades da Europa e estavam vinculados ao sacerdócio.
200
pico e de ensino profissionalizante não estatal, assim como os papéis de-
sempenhados por elas no movimento de urbanização de Campo Grande. O
problema nuclear consistiu em compreender como uma mulher oriunda da
classe trabalhadora rural protagonizou a criação de instituições educativas,
num período de lutas políticas entre grupos de elites das regiões norte e sul
de Mato Grosso.
201
das nos acervos da ARCA, IHGMS, Instituto Memória da Assembleia
Legislativa/MT, Hemeroteca Digital Brasileira, obras memorialísticas,
documentos oficiais, fotografias e fontes orais (depoimentos produzi-
dos por meio de dois familiares, uma beneficiária da Sociedade Miguel
Couto e três partícipes das relações sociais)38. As fontes foram cruzadas,
trianguladas e analisadas sob a ótica da teoria bourdieusiana, em prima-
zia nos conceitos de campo, habitus religioso, capitais e estratégias.
Os resultados balizaram as reflexões do habitus religioso e dos capi-
tais objetivados de Oliva como um conjunto de propriedades distintivas,
que favoreceu colocações e deslocamentos no espaço social. Sua trajetória
de vida foi marcada por estruturas subjetivas e objetivas ancoradas nas per-
cepções da família e da formação escolar confessional constituídas na reli-
gião Católica. A escolarização secundária realizada no Ginásio Municipal
de Campo Grande, no Ginásio Dom Bosco e no Colégio Nossa Senhora
Auxiliadora permitiram o acúmulo dos capitais escolar, social e simbóli-
co. No período de atuação como funcionária da Prefeitura Municipal de
Campo Grande39, a agente trouxe relevantes contribuições para História da
Educação por meio de ações práticas na criação de instituições educativas
filantrópicas e profissionais não estatais.
Em 1940, mobilizou a sociedade para criar uma instituição edu-
cativa de caráter filantrópico, a Sociedade Miguel Couto dos Amigos
do Estudante, na Chácara Municipal. Em nome da Sociedade, buscou
a abertura de escolas rurais mistas e mobilizou as relações sociais esta-
belecidas com companheiros fundadores da Sociedade, ou seja, amigos
pessoais e representantes políticos. Além disso, mobilizou também as
relações com a família de políticos Müller, originada nos laços de amiza-
des com Maria Ponce de Arruda Müller, esposa do interventor federal.
38
Parecer Consubstanciado de Aprovação do CEP n. 2.866.492/2018.
39
Entre os anos de 1930 e 1962, desempenhou diferentes funções: amanuense datilógrafa,
secretária e chefe do Departamento de Estatística. Aposentou-se em 1962, na função de
inspetora de ensino.
202
As atividades filantrópicas e de assistência social da Sociedade
Miguel Couto, no período entre as décadas de 1940 e 1970, ocorreram
efetivamente por meio da atuação pública de Oliva, que soube mobilizar
estratégias pessoais e institucionalizadas na obtenção de recursos pú-
blicos municipais e estaduais para a sua manutenção. A Sociedade Mi-
guel Couto recebeu subvenções e auxílios para a manutenção da própria
instituição e de outras instituições internas que funcionaram no local,
como a Escola Primária Miguel Couto, o lar de menores abandonados
Lar Santa Terezinha, o abrigo infanto-juvenil feminino Lar Santa Inês,
o abrigo juvenil masculino Pensionato São Luiz e o posto médico. No
mesmo local, atas da assembleia legislativa (MT) indicaram a instalação
da Escola Normal Rural de Campo Grande, porém não localizei infor-
mações sobre a materialização da instituição.
40
Composto por nove instituições: SESI e SENAI (indústria), SESC e SENAC (comér-
cio), SENAR (agricultura), SESCOOP (cooperativas), SEST e SENAT (transportes) e
SEBRAE (micro e pequenas empresas). São instituições de direito privado, com recei-
tas arrecadadas por contribuições das empresas e repassadas às instituições. (MÜLLER,
2010).
41
A política de educação profissional foi efetivada na Constituição Outorgada de 1937 e,
em seguida, a Lei Orgânica do Ensino Industrial trouxe a determinação de que o ensino
industrial fosse ministrado em dois ciclos, com a finalidade de formar profissionais aptos
aos ofícios e técnicas das atividades industriais para aumentar a eficiência e a produtivi-
dade. (CUNHA, 1980, p. 237).
203
O primeiro diretor da instituição foi Afro Puga, seu cunhado, ca-
sado com Maria da Conceição. A instituição profissional ofereceu for-
mações de Mecânico Serralheiro, Mecânico de Automóvel, Eletricista,
Carpinteiro, Pedreiro e cursos noturnos de aperfeiçoamento. A infra-
estrutura da escola contava com algumas oficinas, refeitório, campo de
futebol, pátios, horta, internato com capacidade para 40 alunos, gabine-
te dentário e ambulatório médico. Os cursos oferecidos tinham como
finalidade os interesses de modernizar uma sociedade urbano-citadina
com as novas demandas de mercado.
42
A origem se deu após a elaboração da Carta da Paz Social elaborada pela Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), regulamentada e implantada pelo
Decreto-Lei n. 9.403, de 25 de junho de 1946, no governo de Eurico Gaspar Dutra. Uma
instituição com finalidade privada, porém de caráter público e seu regulamento foi criado
e elaborado sob a direção do Conselho Nacional da Indústria (CNI). (MÜLLER, 2010).
204
No período de atuação como deputada estadual, elaborou proje-
tos concedendo apoio financeiro às instituições educativas, principal-
mente as instituições que ela estava vinculada. Dentro desses projetos,
foi a articuladora na criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia
de Mato Grosso, em 1963, origem da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS).
43
Termo utilizado a partir da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.
4.024/61 para tratar pessoas que necessitam de auxílio especializado no tratamento das
deficiências físicas e mentais, dando garantia ao direito e acesso à educação especializada.
205
do habitus religioso, a determinação de fundar a Sociedade Miguel Cou-
to e mantê-la constituiu o seu principal projeto de trabalho e impulsio-
nou a criação de outras instituições educativas. As ações educacionais
foram concretizadas por meio de estratégias engendradas no trabalho
na prefeitura e na rede de relações com grupos políticos. As instituições
apresentadas representaram uma futura modernização educacional e
social de Campo Grande e do sul de Mato Grosso.
Considerações Finais
206
Concluo que as instituições educativas foram elementos relevan-
tes no desenvolvimento econômico e social de Campo Grande e do sul
de Mato Grosso, no período delimitado, uma vez que elas cumpriram
determinadas funções sociais na transição da sociedade urbano-citadina
para a modernização social e possibilitaram o acesso das classes menos
privilegiadas à escolarização, preparando jovens, mulheres e excepcio-
nais para trilhar novos caminhos da sociedade. Por isso, a importân-
cia de ampliar os temas de estudos das instituições educativas situando
numa narrativa de natureza histórico-sociológica.
207
REFERÊNCIAS
ABRAHÃO, M. H. M. B. (Org.). Identidade e Vida de Educadores Rio-
-Grandenses: Narrativas na primeira pessoa (e em muitas outras). Porto Ale-
gre: EDIPUCRS, 2004.
ADRI, P. O meu Colégio Dom Bosco. Campo Grande, MS: [s.n], 2006.
ENCISO, Oliva. Mato Grosso: minha terra. São Paulo: Editora Resenha, 1986.
208
MACHADO, L. Gilka Martins: minha caminhada. Campo Grande, MS:
IHGMS, 2009.
209
QUEM SABE FAZ A HORA: PIONEIRAS DA
EDUCAÇÃO E DA PESQUISA EM MATO
GROSSO DO SUL
Introdução
210
Para atingir tal objetivo, no presente capítulo propôs-se apre-
sentar as agentes de pesquisa, bem como suas respectivas trajetórias
como educadoras, além de suas práticas de pesquisa, elementos que fo-
ram mobilizados a partir do aporte teórico e conceitual formulados por
Pierre Bourdieu.
211
lado de outros idealistas, a implantação e a expansão do ensino superior
no estado. Portanto, as condições para tal empreitada eram explicitadas
pelo espírito idealista e pela disposição para se dedicarem a um trabalho
extenuante em nível intelectual, emocional e físico, conforme declarou
a professora Denise Tibau Dias Vasconcelos, por quem iniciam-se as
apresentações, sem a pretensão de contemplar a totalidade das histórias
de vida anunciadas.
212
e, posteriormente, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, na
qual dedicou-se ao projeto organizacional de funcionamento institucio-
nal. Contribuiu também na implantação da Universidade Anhangue-
ra Uniderp (UNIDERP), universidade privada localizada em Campo
Grande, capital do estado.
213
Consoante a presente proposta, a professora Nair Coimbra
Motta, segunda agente com a trajetória analisada, cresceu em uma
família extensa, num distrito pequeno denominado: “Fala a verdade”.
Buscou adquirir conhecimento formal com a continuidade dos estudos
fora do estado, com enfrentamento de alguns estereótipos, como por
exemplo, “viver entre onças e indígenas”, por ser de Mato Grosso. Dessa
forma, estudou no estado de São Paulo e, posteriormente, no Rio de
Janeiro, retornando ao estado mato-grossense graduada.
214
sua narrativa, constata-se que houve momentos de aprendizagem dos sa-
beres disciplinares; em outros, a aprendizagem dos saberes da experiên-
cia compartilhada; e, por fim, uma aprendizagem de cunho mais afetivo,
despertada pela sensibilidade e vivenciada entre Nair e sua turma.
215
na qual estudou nos anos iniciais. A educadora também teve o cuidado
de mencionar nomes de professores que lhe ministraram aulas, alguns
de grande destaque na história de Mato Grosso, como no caso da pro-
fessora Maria Constança Barros Machado.
216
de Mato Grosso. Naquele contexto, Ruth tornou-se responsável pela
disciplina de Parasitologia e Biologia, após aprimorar-se com cursos de
Zoologia e Parasitologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na
Universidade de São Paulo. Posteriormente, desempenhou as funções
de Coordenadora do Curso de Farmácia e Bioquímica e, na ocasião,
além das aulas, organizou projetos de pesquisa e desempenhou ações
de extensão com a realização de diagnóstico e tratamento de parasitoses
em bairros desassistidos.
217
estado do Mato Grosso do Sul, pois alguns personagens, tomados como
idealizadores dessa causa, ao proporcionarem o acesso e a continuidade
dos estudos em nível superior, sem a necessidade do deslocamento para
fora do estado, possuíam também motivações políticas.
218
2016). O sistema de educação, operando a serviço dos interesses políti-
cos, visava capacitar a população para a produção agrícola e industrial.
219
res dominantes, mas, ainda assim, não deixou de representar um ganho
para a sociedade e para o desenvolvimento científico, bem como sinali-
za Pierre Bourdieu (1983, p. 20-21):
O fato de que o campo científico comporte sempre
uma parte de arbitrário social na medida em que ele
se serve dos interesses daqueles que, no campo e/ou
fora dele, são capazes de receber os proveitos, não
exclui que, sob certas condições, a própria lógica
do campo (em particular, a luta entre dominantes e
recém-chegados e a censura mútua que daí resulta)
exerça um desvio sistemático dos fins que transfor-
ma continuamente a busca dos interesses científicos
privados (no duplo sentido da palavra) em algo de
proveitoso para o progresso da ciência.
220
lar, responsável pelos cuidados e formação dos filhos e da organização
do ambiente doméstico, mantendo-se à frente de tais responsabilidades
indelegáveis, pois, mesmo que estivesse desempenhando atividades fora
do lar, a prioridade seria a dedicação ao espaço doméstico, o que tornava
sua atuação uma possibilidade provisória e instável:
A condição da mulher nas sociedades de classes tem
sido vista por numerosos estudiosos como o resulta-
do da injunção de fatores de duas ordens diversas: de
ordem natural e de ordem social. Dentre os primei-
ros, o mais sério diria respeito ao fato de a capacida-
de de trabalho da mulher sofrer grande redução nos
últimos meses do período de gestação e nos primei-
ros tempos que se seguem ao parto. O aleitamento
tornaria ainda insubstituível a mãe junto à criança
pequena. Estes fatos biológicos são, muitas vezes,
utilizados para justificar a inatividade profissional da
mulher durante toda a sua existência. (SAFFIOTI,
2013, p. 25).
221
terem chances de êxito semelhantes, ao atuar em cargos de liderança,
elas são obrigadas a se dedicarem e a despender mais esforço, sem que
se estejam conscientes de tal processo de sobrecarga e de que o domínio
nessas searas ainda é masculino, situação que Bruschini e Puppin (2004,
p. 121) definem como “[...] exigência diferencial de desempenho de mu-
lheres com relação aos homens”.
222
entre os mais cultos uma possibilidade de ascensão cultural e social. Evi-
dencia-se esse esforço, a partir da família, ao propiciarem as condições
para que as agentes entrevistadas tivessem acesso à formação, mesmo
fora da cidade ou estado de origem, e pelo empenho das educadoras em
dar prosseguimento aos estudos de pós-graduação, o que foi possibili-
tado por intermédio daquilo que Pierre Bourdieu definiu como habitus.
223
cio gastar dinheiro com estudos dos filhos, mas meu pai falava assim:
Não! Meus filhos vão estudar!” (MOTTA, 2013, p. 125).
224
provada boa conduta e de "bons costumes" exigidos
nos regulamentos de admissão de estudantes. Para
garantir essa "boa matéria prima", podia-se requerer,
entre outros, um "atestado do pároco respectivo que
prova(sse) sua conduta moral e religiosa". Esse tipo
de exigência certamente é eloquente para demons-
trar o quanto se identificavam moral e bons costu-
mes com religião. (LOURO, 1997, p. 11).
Considerações Finais
225
2019, mulheres trabalham, em média, três horas por semana a mais
do que os homens, equilibrando trabalhos remunerados, afazeres
domésticos e cuidados de pessoas e, apesar de contar com um nível
educacional mais alto, recebem em média, 76,5% do rendimento dos
homens (BRASIL, 2019).
A noção de que cabe às mulheres, em tempo integral, conciliar a
vida familiar e profissional, garantir o bem comum, se apoia em máxi-
mas equivocadas como a seguinte: “mulheres amadurecem mais cedo”.
Isso ocorre apenas porque muito cedo lhes é ensinado que devem estar
aptas aos cuidados do lar e da família e às tarefas domésticas, formadas
para tal por uma cultura patriarcal e, consequentemente, sendo respon-
sabilizadas como adultas.
Ocorre que o trabalho executado na esfera doméstica – não re-
munerado, não entra na conta, mas pesa se somado ao trabalho desen-
volvido na esfera pública. Com isso, verifica-se que a jornada feminina
– dupla ou múltipla – é maior em relação aos homens, sem que a mulher
se conscientize dessa disparidade ou que isso lhe cause estranheza, por
essa situação ser considerada intrínseca à condição feminina.
Dos homens que foram vultos da história, pode se afirmar que
grande parte deles conseguia optar por formar uma família, mesmo
esmerando-se em feitos de grande relevância, os quais lhes exigissem
grande investimento de tempo e energia, pois se subentenderia que
uma mulher assumiria a responsabilidade de administrar o lar e a possí-
vel prole, permitindo seu afastamento.
226
Das entrevistas analisadas no presente capítulo, observam-se
algumas pistas sobre a formação das agentes, as quais desenvolveram
atuações sólidas e determinantes no progresso do sistema educacional
do estado, mas se percebem também as bases da cultura patriarcal que
cerceia as mulheres a um repertório específico. A luta feminista defen-
de que quaisquer escolhas da mulher sobre sua vida e sobre seu corpo
sejam respeitadas e viabilizadas, preferencialmente se estiverem cons-
cientes e dispondo de conhecimento de outras possibilidades e acesso a
elas. Desse modo, defende-se que possam dedicar-se majoritariamente
às suas carreiras.
227
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. O campo científico. In: ORTIZ, R. (Org.). Pierre Bourdieu:
sociologia. São Paulo, Ática, 1983. p. 122-155.
228
POLLAK, M. Memória, Esquecimento e Silêncio. Revista Estudos Históri-
cos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº. 3, 1989. Disponível em: https://bibliotecadigital.
fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278. Acesso em: 22 out. 2021.
Fontes
229
EIXO 3
230
FAMÍLIA, ESCOLA E HABITUS RELIGIOSO:
ESCOLHAS PARENTAIS E A BUSCA PELA
DISCIPLINARIZAÇÃO
Introdução
231
Os estudos identificam que as estratégias e motivações em rela-
ção aos elementos que levam as famílias a optarem por determinadas
escolas, sejam elas públicas ou privadas, estão presentes em todas as fra-
ções de classes. (ANDRADE, 2015; COSTA, KOSLINSKI, 2012). En-
tende-se que “[...] a escolha da escola significa um primeiro movimento
familiar na construção da trajetória escolar dos filhos.” (BRANDÃO,
2010, p. 12).
232
gio das instituições escolares, já que as famílias compartilham informa-
ções sobre as escolas de seus filhos durante seus encontros e conversas
rotineiras.
233
No caso das escolas públicas, apesar de fazerem parte de um mes-
mo sistema, identificamos particularidades que podem ser evidencia-
das tanto pela classificação em rankings escolares quanto pela adoção
de características mais específicas, como, por exemplo, escolas públicas
que ofertam o ensino técnico, ou ainda, escolas públicas que ofertam o
ensino em tempo integral.
44
Informamos que, durante a exposição dos dados coletados em nossa pesquisa, utili-
zamos nomes fictícios para fazer referência aos participantes e escolas, no entanto, por
se tratar de uma informação pública, nesse momento optamos por manter os nomes
verdadeiros das instituições.
234
ção não somente sobre as especificidades desses estabelecimentos, mas
também acerca da motivação das famílias e estudantes que ocupam esses
espaços. O convite para a participação da pesquisa foi realizado para as 4
instituições informadas pela SED, no entanto apenas 3 aceitaram parti-
cipar. A escrita do presente capítulo foi desenvolvida a partir da análise
dos dados coletados em entrevistas com pais e gestoras das instituições
participantes.
235
no interior dos diferentes campos. Apesar de terem uma lógica própria
de funcionamento, os campos não podem ser entendidos como espaços
totalmente distintos. Há uma interação entre os campos que orientam a
organização da sociedade. É possível identificarmos a influência de um
campo em outro a partir da forma como os agentes transitam entre eles.
Tem-se que “[...] a gênese do Estado é inseparável de um processo de
unificação dos diferentes campos sociais, econômico, cultural (ou esco-
lar), político etc.” (BOURDIEU, 1996, p. 51).
236
Identifica-se que o campo educacional foi utilizado como espaço
de desenvolvimento de estratégias que colaboraram para o fortaleci-
mento do catolicismo, visto que ele era visado como meio para que os
ideais católicos permanecessem em voga na sociedade. Em relação ao
campo educacional, a educação deve ser o lavor maior a ser preservado,
pois se relaciona ao “[..] aparelho administrativo do Estado, sobretudo
nos ministérios ligados à educação e à ciência, nas instituições de ensino
superior e nas escolas dos ensinos básicos e secundários.” (PACHECO,
2004, p. 60). O campo religioso se faz presente no campo educacional,
ao influenciar nas perspectivas curriculares, nos métodos de ensino, ao
aturar como gestor da educação etc.
237
Ao longo dos anos, o campo religioso católico pôde se considerar
vitorioso em algumas disputas do campo político que tinham relação
com o campo educacional. Podemos citar como exemplo a autoriza-
ção para o investimento de recursos públicos em escolas confessionais
que não tivessem fins lucrativos, a qual foi subsidiada pela Constituição
de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
9394/96. Além disso, a mesma Lei autorizou a disciplina de ER, dando
a ela um caráter facultativo. A disciplina de ER é considerada como uma
importante forma de representação do campo religioso no âmbito do
campo educacional.
238
Os códigos apreendidos no interior do espaço das escolas não se
limitam apenas a esse espaço, pois “[...] a educação permite a incorpora-
ção do habitus, que depois permanecerá no cidadão.” (ORLANDI, 2007,
p. 115). Assim, o agente-estudante será, de certa forma, responsável por
uma propagação de princípios religiosos em outros espaços sociais, vis-
to que o habitus incorporado se manifestará “naturalmente” à medida
que o agente se movimenta em outros campos.
239
corporados em seus habitus. Autores como Fischmann (2012) e Cunha
(2009, 2014) atuam no sentido de promover a defesa do ensino laico,
o qual, por si só, precisa garantir a formação integral que se anseia por
parte das escolas. A escola como lugar da ciência, que se difere da reli-
gião, opera a partir da lógica da aproximação da verdade, que pode ser
comprovada, enquanto a religião se “[...] constrói a partir de assertivas
imutáveis, muitas vezes dogmáticas.” (FISCHMANN, 2009, p. 37). É
preciso que a noção de uma ética laica, que independe de valores reli-
giosos para se legitimar, ocupe espaço nas escolas.
240
Para uma maior aproximação com a realidade escolar, realizamos
entrevistas com as gestoras das instituições. Contamos com a participa-
ção das três diretoras, que serão identificadas da seguinte forma: Tereza,
diretora da Escola Estadual Santa Ana; Regina, diretora da Escola Esta-
dual São Bento; Alice, diretora da Escola Estadual Santo Agostinho. A
partir das entrevistas realizadas com o grupo de gestoras, foi possível
identificarmos a confessionalidade como uma das características que
servem como atrativo para as famílias.
241
Sim, eles gostam, eles compreendem isso como for-
mação integral da pessoa. E seria até incoerente, se
ele faz a matrícula nessa escola e ele não quiser parti-
cipar dessa disciplina. (TEREZA, 2020).
242
ção à vestimenta, mas em relação a comportamento,
postura dos alunos, dos pais, a gente procura ser um
pouco mais exigente. (ALICE, 2020).
Após identificar nas falas das diretoras alguns aspectos que po-
dem ser considerados como atrativos para as famílias, realizamos entre-
vistas e aplicamos questionários aos pais de estudantes das instituições
lócus. Buscamos identificar as razões apontadas pelos pais para justificar
a opção por escolas confessionais conveniadas. O grupo das famílias é
formado por Isabela, Paula, Carlos, Sofia, Júlia e Rosana.
243
uma melhora na qualidade do ensino (Isabela e Sofia), uma melhora no
comportamento dos estudantes (Júlia, Isabela, Carlos e Rosana), uma
melhora nas relações desenvolvidas entre professores e estudantes (Ro-
sana e Júlia), bem como uma melhora no comportamento dos estudan-
tes (Isabela, Carlos, Rosana e Paula).
244
mesmos pensamentos de religião” (SOFIA, 2020). Paula considera que
os princípios religiosos que se expressam na confessionalidade devem se
fazer presente nas escolas. Estabeleceu uma relação entre a questão da
confessionalidade com hábitos de disciplina e, de acordo com ela,
[...] essa questão de disciplina, eu acho que tudo tem
que ser disciplinado, a gente para trabalhar tem que
ter disciplina, pontualidade, vestes. Então isso, se a
gente não educar nosso filho com esse ritmo, quando
ele chegar lá em cima, na hora do vamos ver que ele
vai ter que fazer o dinheiro dele, ele não vai conse-
guir se enquadrar na sociedade. (PAULA, 2020).
Isabela considera que a E.E. Santa Ana se distingue “[...] por ser
cuidado pelas freiras, não vai entrar qualquer coisa, não é qualquer tipo
de material que vai ser dado para os alunos, que não esteja de acordo
com as nossas normas, né?” (ISABELA, 2020). Carlos atribui que a ca-
racterística confessional possibilita que a E.E São Bento se diferencie
das demais escolas públicas, por considerar que essa característica é a
responsável por garantir um ambiente seguro:
[...] eu que sou policial militar, e também lido com
diversas, conheço algumas escolas da rede pública,
estadual principalmente e a gente tem notado diver-
sos problemas, principalmente relacionado ao uso e
consumo de entorpecentes, algum tipo de violência,
bullying. E lá sinceramente eu não notei nenhum
caso até então, ela está há um ano lá, nenhum caso de
situação... então, assim, é diferente. Existem escolas
245
que existem situação de violência, briga de aluno, es-
sas coisas, e lá a gente não observa. (CARLOS, 2020).
Já para Paula, a maneira como a E.E. Santa Ana lida com a ques-
tão das regras escolares é o que dá a distinção para o local. Ela acredita
que as outras instituições públicas de ensino acabam dando muita li-
berdade para que as regras sejam quebradas. Carlos demonstra ser fa-
vorável às regras, no entanto não faz uma associação das regras com
princípios religiosos.
[...] a regra vem para estabelecer uma conduta que
a gente tem que tomar. E todo ambiente nós temos
que ter regras, senão vira uma bagunça, né? Obvia-
mente que eu não tenho como te explicar se com
cunho religioso se essa regra é mais rígida, eu sei que
a regra existe e ela funciona. (CARLOS, 2020).
246
há uma diferenciação da prática religiosa com outros tipos de práticas
como, por exemplo, práticas pedagógicas.
Considerações Finais
247
Compreender a noção de campo trabalhada por Bourdieu (1996) foi
um exercício de extrema importância para que fôssemos capazes de ob-
servar de que forma os campos interagem e modificam uns aos outros
a partir das ações desempenhadas pelos agentes. Entender a sociedade
como um espaço de relações e disputas revela a não neutralidade das
ações, sendo próprio dos agentes o desenvolvimento de estratégias que per-
mitem a ocupação de espaços sociais em que o poder se afirma e se legitima.
248
a uma questão religiosa, visto que essa qualidade pode vir a se tornar
uma realidade por meio de outras ações como, por exemplo: valorização
profissional de professores e gestores (garantindo a eles uma formação
inicial de qualidade, incentivando também a busca pela formação conti-
nuada); melhorias nos ambientes físicos das escolas; incentivo aos deba-
tes em relação a práticas escolares; bem como a partir da observação das
necessidades apresentadas pela sociedade por intermédio da pluralidade
cultural e social com a qual nos deparamos.
249
REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. S. Rede pública ou privada? Motivações para a escolha de escola
por famílias de camadas populares e nova classe média. In: 37ª Reunião Nacio-
nal da ANPEd, UFSC – Florianópolis, 2015.
CUNHA, L. A.; OLIVA, C. E. Sete teses equivocadas sobre o Estado laico. In:
Conselho Nacional do Ministério Público. Ministério Público em Defesa do
Estado Laico. Brasília, 2014.
250
FISCHMANN, R. Estado laico. São Paulo: Memorial da América Latina, 2009.
SILVA, A.V. L. Ensino Religioso e a ética de Jesus: caminhos para uma educação
em direitos humanos. In: VII Congresso Nacional do Ensino Religioso; I Con-
gresso Latino Americano de Educação e Ciência(s) da(s) Religião(ões), 9., 2017,
Natal/RN. Anais do IX Congresso Nacional de Ensino Religioso I Con-
gresso Latino Americano de Educação e Ciência(s) da(s) Religião(ões).
Florianópolis: FONAPER, 2018.
251
EDUCAÇÃO LAICA EM REVISÃO
SISTEMÁTICA: A LAICIDADE DENTRO DO
CONTEXTO EDUCACIONAL PÚBLICO
Introdução
252
Atualmente, essa questão tem ganhado cada vez mais notorieda-
de e conflito, principalmente pela situação política em que vivenciamos,
na qual a laicidade é tida como ausência de religião, algo que impossi-
bilite os cidadãos de exercerem e manifestarem suas crenças. Contudo,
percebe-se que isso é um imbróglio, pois a laicidade não se trata disso,
pelo contrário, como alerta Fischmann (2009, p. 3):
O caráter do Estado laico tem caráter expansivo, e
não restritivo. Por isso: volta-se para medidas que
promovam a inclusão; protege do preconceito e da
discriminação todo modo de crer e de não crer; e é
indispensável para prevenir tudo que possa levar à ex-
clusão em matéria de consciência, opinião e crença.
253
O processo de produção da pesquisa
254
Todos os filtros mencionados foram padronizados para todos os
descritores. Contudo, a plataforma sugeriu os filtros de acordo com o
descritor escolhido e, por esse motivo, iniciou-se a busca pelo descritor
“educação laica”, de modo que fosse possível fixar os filtros escolhidos.
Feito isso, no local de busca, mudaram-se apenas os descritores, en-
quanto os filtros mantiveram-se fixos, assim como aconteceu na base de
dados da BDTD, no portal de periódicos da CAPES.
255
No primeiro momento, foi realizada a leitura dos títulos das 23
pesquisas encontradas e, durante essa primeira análise, observou-se
apenas pelo título se o trabalho atendia ou não aos critérios da RS. Feita
essa primeira etapa, constatou-se que apenas 6 trabalhos atenderam aos
critérios. Com isso, foi realizada a leitura de todos os resumos dessas
6 pesquisas encontradas e, após essa etapa, notou-se que os trabalhos
atendiam aos critérios. Sendo assim, os estudos selecionados foram:
256
Quadro 3 – Resultados de busca na REDALYC
Descritor Quantitativo de produções localizadas
LAICIDADE E EDUCAÇÃO 17
257
Quadro 4 – Trabalhos selecionados nas bases REDALYC e SciELO
Numeração Autor(es) Título Ano Local de
publicação
1 CECCHETTI, O ensino religioso na 201 Maringá, PR
Elcio; SANTOS, escola brasileira: alianças 6
Ademir Valdir e disputas históricas
2 CUNHA, Luiz A entronização do ensino 201 Rio de Janeiro,
Antônio religioso na Base Comum 6 RJ
Curricular
3 CUNHA, Luiz Três décadas de conflito 201 Rio de Janeiro,
Antônio em torno do ensino 8 RJ
público: laico ou religioso
258
Pelos resultados encontrados, percebe-se que as pesquisas se
concentram mais nas regiões sul e sudeste: 7% no Rio Grande do Sul;
29% no Rio de Janeiro; 14% em São Paulo; 14% em Minas Gerais e 36%
no Paraná.
259
Os autores Dorvillé e Selles (2016) mencionam que a oferta do
ensino religioso entra em confronto com os conhecimentos científicos
e pontuam também que, no ensino de ciências e biologia, conteúdos
como a teoria da evolução torna-se uma escolha do docente para ser
trabalhada ou não, mesmo que se trate de um conteúdo exigido nos
documentos oficiais de ensino.
260
que a religiosidade está presente em diferentes momentos e situações.
Rocha (2016, p. 240) também ressalta que:
As expressões religiosas encontradas nas escolas pú-
blicas de ensino médio do Distrito Federal são todas
de matriz ocidental judaico-cristã. Nesse universo, as
religiões são sistemas de pensamentos dotados de or-
ganicidade e padronização. Constituídos por dogmas
que norteiam o fazer, o pensar e o sentir dos indi-
víduos a partir de categorias dicotômicas de certo e
errado, de bem e mal, de deuses e suas antíteses, de
sagrado e profano.
261
tífico. Como seria, por exemplo, em uma aula onde
surge a questão da origem do universo, ou do aborto
de anencéfalos, ou tantas outras que divergem do
ponto de vista científico ou ideológico? Como ficam
aqueles que se posicionam cientificamente dentro da
leitura do fenômeno em uma sala de maioria católica
ou evangélica? Poderiam tranquilamente se posicio-
nar diferentemente da leitura proposta na disciplina
confessional? Sentir-se-iam confortáveis ao mani-
festar-se diferentemente do que institui o credo reli-
gioso como verdade?
262
tores são instados a montarem turmas e convocarem
alunos. Assim, para não deixar os alunos vagando no
pátio nem professores sem alunos, o ER é apresenta-
do como obrigatório ou, então, como algo diferente
do que é. (CUNHA, 2018, p. 903).
263
A pesquisadora traz o conceito de capital simbólico trabalhado
pelo sociólogo, para o qual tal conceito refere-se à ocupação de honra
e/ou prestígio que um determinado indivíduo e/ou grupo social ocupa,
baseando-se no acúmulo de capitais adquiridos. Portanto,
264
[...] a constituição de um campo religioso acompa-
nha a desapropriação objetiva daqueles que dele são
excluídos e que se transformam por esta razão leigos
(ou profanos, no duplo sentido do termo) destituí-
dos do capital religioso (enquanto trabalho simbóli-
co acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta
desapropriação pelo simples fato de que a desconhe-
cem como tal. (BOURDIEU, 2007a, p. 39).
265
O autor embasar seu trabalho em abordagens filosóficas, sociológicas e
pedagógicas presentes na educação moral, cívica e ética no México. Para
o referido autor, tais abordagens contribuem para a formação moral e
ética dos estudantes mexicanos.
266
[...] o habitus do criador como sistema de esquemas
orienta de maneira constante escolhas, que embora
não sejam deliberadas, não deixam de ser sistemá-
ticas e, embora não sejam ordenadas e organizadas
expressamente em vista de um objetivo último, não
deixam de ser portadores de uma espécie e finalidade
que se relerá só post festum. (BOURDIEU, 2007b, p.
356, grifo do autor).
267
dições que é, também, um sistema de diferenças, de
posições sociais, ou seja, por tudo o que a distingue
de tudo o que ela não é e, em particular de tudo o que
lhe é oposto: a identidade social define-se e afirma-se
na diferença. (BOURDIEU, 2007a, p. 164).
268
As implicações da laicidade no ensino público: a título de consi-
derações finais
269
mecanismos de superação delas, ou ainda que abordem práticas escola-
res em busca de uma educação laica e tolerante.
270
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
271
SELLES, S. E.; DORVILLÉ, L. F.M.; PONTUAL, L. V. Ensino religioso nas
escolas estaduais do Rio de Janeiro: implicações para o ensino de ciências/biolo-
gia. Ciênc. Educ., Bauru, v. 22, n. 4, p. 875-894, 2016.
272
EIXO 4
273
CURRÍCULO E AMPLIAÇÃO DE CAPITAL
CULTURAL: EM ESTUDO O CURSO DE
PEDAGOGIA EM DUAS UNIVERSIDADES
PÚBLICAS DE MATO GROSSO DE SUL
Introdução
274
sores, especificamente no espaço das universidades públicas, as quais
historicamente têm sido consideradas como lócus privilegiado de pro-
dução de conhecimento científico.
275
[...] o currículo está longe de ser uma unidade cons-
truída desapaixonadamente e é, de facto, um terreno
de grande contestação, fragmentação e mudança. A
disciplina escolar é construída social e politicamente
e os atores envolvidos empregam uma gama de re-
cursos ideológicos e materiais para levarem a cabo as
suas missões individuais e coletivas.
276
Brasil. Conforme Nader (2018), o RUF empregou na última avaliação
realizada cinco indicadores: pesquisa científica (42%), qualidade do en-
sino (32%), mercado de trabalho (18%), internacionalização (4%) e ino-
vação (4%) para avaliar 195 universidades públicas e privadas.
277
Currículo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
45
A Resolução COUN n. 18, de 21 de março de 2017, extinguiu o Centro de Ciências
Humanas e Sociais (CCHS), dando origem a três Faculdades: a Faculdade de Artes, Letras
e Comunicação (FAALC), a Faculdade de Educação (FAED) e a Faculdade de Ciências
Humanas (FACH).
278
mento e Diversificação de Estudos (22 disciplinas); Núcleo de Estudos
Integradores (5 disciplinas de Práticas Pedagógicas; Atividades Com-
plementares; Atividades Teórico-práticas e Trabalho de Conclusão de
Curso) e Núcleos de Aprofundamento (Educação de Jovens e Adultos,
Educação e Trabalho, Educação Especial e Gestão de Instituições Edu-
cativas), cada um com três disciplinas teóricas e uma disciplina de está-
gio supervisionado. Além do currículo, o curso consta com pesquisa e
extensão e programas como PIBIC e PIBID, que ampliam ainda mais a
vivência dos acadêmicos.
279
ação de Humanidades da USP, desenvolvido por Renato Janine Ribei-
ro – passa a contemplar as orientações da Resolução CNE/CP n. 1,
de 15 de maio de 2006, a qual preconizava que os currículos deveriam
ser subdivididos em núcleos de estudo. De acordo com o PPC (UEMS,
2012), o curso divide-se em 04 (quatro) Módulos, assim distribuídos: 1.
Educação e Civilização; 2. Educação e Diversidade; 3. Organização do
Trabalho Didático; 4. Organização e Gestão do Trabalho Pedagógico.
280
As histórias de vida, como metodologia de pesquisa, possibilitam
conhecer e entender o processo histórico e social do narrador, que, ao
narrar o vivido, ressignifica os acontecimentos e a experiência partilha-
da, pois,
[…] trabalhar com a história de vida é se inserir
no campo da história oral híbrida, que deve ser
entendida como uma metodologia capaz de pro-
duzir interpretações sobre processos históricos
referidos a um passado recente, o qual, muitas ve-
zes, só é dado a conhecer por intermédio de pes-
soas que participaram ou testemunharam algum
tipo de acontecimento. Quando uma pessoa pas-
sa a relatar suas lembranças, transmite emoções
e vivências que podem e devem ser partilhadas,
transformando-as em experiência, para fugirem
do esquecimento. (ASSIS, 2019, p. 108).
281
Quadro 1 – Perfil dos participantes da pesquisa e seus projetos
EGRESSOS DA UFMS
Pseudônimo INFORMAÇÕES PESSOAIS INFORMAÇÕES ACADÊMICAS
escolhido pelo Sexo Idade Estado civil Possui Período Atividades extracurriculares de
agente filhos? que que participou durante a
realizou o graduação
curso
Raquel F 32 Solteira Não 2009- Grupo de pesquisa Pibic –
2012 voluntária
Pibic - bolsista CNPq Pibid –
bolsista Capes
Enzo M 30 Solteiro Não 2010- Pibic – bolsista CNPq Pibid –
2013 bolsista Capes
Maju F 27 Casada Não 2011- Pibid – bolsista Capes
2014
Marina F 27 Solteira Não 2011- Grupo de Pesquisa Pibic –
2014 bolsista CNPq
EGRESSOS DA UEMS
Beija-flor F 28 Casada Não 2010- Nenhum
2013
Orquídea F 48 Casada Sim, dois 2010- Pibid – bolsista Capes Monitoria
2013 – bolsista
Poliana F 37 Casada Sim, um 2012- Pibid – bolsista Capes Monitoria
casal 2015 – voluntária
Ana F 27 Casada Sim, uma 2012- Pibid – bolsista Capes
2015
282
Por mais que Beija-Flor tenha alcançado o privilégio dentro de
sua estrutura social de chegar ao nível superior de uma instituição pú-
blica, as suas condições de subsistência a excluem de alcançar o êxito
escolar, sendo esse fato desfavorável tanto para seu habitus estudantil
acadêmico quanto para seu habitus professoral em relação aos seus com-
panheiros de curso. De fato, conforme defende Bourdieu (2011, p. 209),
“[...] o capital não encontra as condições de sua plena realização se não
com o surgimento do sistema escolar que atribui títulos que consagram
de maneira durável a posição ocupada na estrutura da distribuição do
capital cultural.”
Raquel narra que na graduação fez “[...] viagens por conta das
apresentações de trabalho.” (Raquel, entrevista, 2019). Maju, por sua
283
vez, recorda-se de ter cumprido como requisito de disciplina uma vi-
sitação ao museu Dom Bosco. Já Marina tem como destaque em sua
narrativa um intercâmbio realizado entre UFMS e UFMG, que lhe pro-
porcionou uma vivência acadêmica diferenciada.
284
que me surpreendeu muito foi Rio de Janeiro e Ni-
terói, você anda na rua e tem mais gente na livraria
do que nas lojas, e o povo na rua fala mais sobre livro
do que novela, isso me surpreendeu bastante. Então
isso é algo cultural que a gente observa e adquire na
viagem, e isso é muito interessante. (Orquídea, en-
trevista, 2019).
285
[...] na prevalência conferida a arte de agradar, isto
é, a arte de adaptar a diversidade das conversações
e dos encontros de sociedade na atenção dispensada
aos imponderáveis e nuança onde se perpetua a tra-
dição mundana do refinamento, e que se exprime na
subordinação da cultura científica à cultura literária
e dessa à cultura artística ainda mais adequada para
autorizar os desdobramentos indefinidos dos jogos
da distinção.
286
Sob essa ótica, a memória narrada por meio das histórias de vida
é essencial para compreender o movimento do habitus dentro da estru-
tura, ou seja, as reconstruções de si, que, no caso da presente pesquisa,
se referem à passagem de acadêmico de um curso de Pedagogia a um
profissional iniciante. Analisar essa movimentação na estrutura auxilia
a compreensão das questões inerentes à formação inicial dos docentes e
à sua atuação na educação básica.
Considerações Finais
287
mos que as reestruturações propostas pelo Ministério da Educação e
Conselho Nacional de Educação, bem como a exigência de que os PPCs
dos cursos de licenciatura sejam alinhados à Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), podem levar à perda da autonomia das universida-
des e à instituição de uma formação baseada em competências e não em
conceitos teóricos-metodológicos. Esse, portanto, é um tema que fica
como sugestão para futuras investigações científicas, uma vez que, em-
bora esteja indiretamente relacionado com a discussão aqui proposta,
extrapola, neste momento, os limites desta pesquisa.
288
REFERÊNCIAS
ASSIS, J. H. V. P. Operar com Pierre Bourdieu na leitura de narrativas de egres-
sos do Pibid. In: SILVA, F. O.; RIOS, J. A.V. P. Iniciação à Docência na Edu-
cação Básica: experiências formativas no Pibid. Salvador: Eduneb, 2019.
289
A FORMAÇÃO DO HABITUS LEITOR COM
BEBÊS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Introdução
290
das relações estabelecidas e das incontáveis fontes de aprendizagem, que
são determinadas pelas estruturas sociais e pelas condições socioeconô-
micas dos sujeitos.
291
as Práticas de leitura e escrita nas salas de bebês e isso nos leva a indagar:
Como podemos formar habitus de leitores desde a primeira infância?
Pensamos que essa abordagem é possível se compreendemos a prática
com base em uma perspectiva bourdieusiana, alicerçada nas interações
e nas relações vivenciadas e nos habitus estruturados, pois a leitura e a
escrita se caracterizam como interlocutoras de todas as ações direciona-
das às crianças, pois, por meio dela, informamos, registramos e criamos
momentos de interação e inserção e nos apresentamos ao mundo social.
292
Estruturas objetivas, independentes da consciência
e da vontade dos agentes, as quais são capazes de
orientar ou coagir suas práticas e representações.
Por construtivismo, quero dizer que há, de um lado,
uma gênese social dos esquemas de percepção, pen-
samento e ação que são constitutivos do que chamo
de habitus e, de outro, das estruturas sociais, em
particular do que chamo de campos e grupos, e par-
ticularmente do que se costuma chamar de classes
sociais. (BOURDIEU. 1990, p. 149).
293
Buscando elucidar como são compreendidas e abordadas as prá-
ticas de leitura na primeira infância, buscamos fundamentação nos se-
guintes autores: Bourdieu (1990; 1989), Mello (2012), Kramer (2002),
dentre outros. O presente trabalho está organizado em duas partes: na
primeira abordamos a questão do educar e cuidar, trazendo as especifi-
cidades da Educação Infantil e a formação do habitus leitor na primeira
infância, enfatizando a leitura como forma de apropriação do conheci-
mento. Nesse sentido, destacamos a importância de criar e incentivar
nas instituições educativas a imersão no mundo das práticas de leitura e
da escrita como práticas recorrentes.
294
entender a necessidade de leitura sendo relação material, concreta, do
leitor e seu objeto de leitura, constituída por meio do valor social que o
objeto obtém em um determinado meio social.
295
A Educação Infantil inicia na primeira infância com as relações
estabelecidas entre a criança com o saber formal e com outras experi-
ências significativas no desenvolvimento infantil, que é permeado de
interações e brincadeiras, segundo dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional em seu artigo 29:
A educação infantil, primeira etapa da educação bási-
ca, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complemen-
tando a ação da família e da comunidade. (BRASIL,
1996, p. 23).
296
A perspectiva do cuidar e o educar não se desvincula nas práticas
da Educação Infantil, assim podemos incluir a formação da atitude lei-
tora como sinônimo de incentivar o uso da linguagem e de suas varia-
ções dentro dos espaços educacionais. Mello (2012, p. 76) observa que:
“Nessa perspectiva, formar nas crianças uma atitude leitora e produtora
de textos diz muito mais da tarefa colocada para a educação infantil – de
inserção das crianças pequenas no universo da cultura escrita. ”
297
favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progres-
sivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual,
verbal, plástica, dramática e musical.” (BRASIL, 2010, p. 4).
298
Bebês leitores: notas de pesquisa
299
Ler não é decifrar palavras. A leitura é um processo
em que o leitor realiza um trabalho ativo de cons-
trução do significado do texto, apoiando-se em di-
ferentes estratégias, como seu conhecimento sobre
o assunto, sobre o autor e de tudo o que sabe sobre a
linguagem escrita e o gênero em questão. (BRASIL/
RCNEI, 1998, p. 144).
300
Considerações Finais
301
ram experimentar e vivenciar situações de leitura, produzindo senti-
dos a respeito das experiências às quais foram submetidas. Portanto, o
incentivo para a criação de um habitus leitor, desde a primeira infância,
deve sempre estar presente, contribuindo para a formação das atitudes
e criação de hábitos de leitura.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394/96, de
20 de dezembro de 1996.
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SOBRE OS AUTORES
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Loren Katiuscia Paiva da Silva
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(2019). Cursando Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (2020). Pesquisadora no Grupo de Estudo e Pesquisa em Antro-
pologia e Sociologia da Educação (GEPASE/UFMS/CNPq). Atua como profes-
sora na educação básica na Escola Materna Berçário. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/5066428882188363.
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Stephanie Amaya
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Professora da Rede
Municipal de Campo Grande – MS. Pesquisadora no Grupo de Estudo e Pesqui-
sa em Antropologia e Sociologia da Educação (GEPASE/UFMS/CNPq). OR-
CID ID: https://orcid.org/0000-0001-5386-0846. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/1656745319869213.
306
Letícia Casagrande Oliveira
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(2013), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (2016) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (2020). Pesquisadora no Grupo de Estudo e Pesquisa em Antropologia
e Sociologia da Educação (GEPASE/UFMS/CNPq). Tem experiência na área
de Educação com ênfase em Sociologia da Educação, atua nos seguintes temas:
relação família e escola e estado laico. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-
2779-806X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0778262324223105.
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Clementina de Souza Almeida
Possui graduação em Normal Superior pela Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul (2010). Cursou pós-graduação a nível de especialização em Do-
cência na Educação Infantil na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
bem como especialização em Educação no Campo na mesma universidade.
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Pesquisadora no Grupo de Estudo e Pesquisa em Antropologia e Sociologia da
Educação (GEPASE/UFMS/CNPq). Atuou como professora de Educação In-
fantil (2013 a 2016). Atuou como gestora de Escola de Educação Infantil em
2016. Atualmente está Coordenadora Pedagógica em Escola Municipal de Edu-
cação Infantil da Prefeitura Municipal de Campo Grande-MS. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil e Coordenação Peda-
gógica na Educação Infantil. ORCID ID: 0000-0001-6908-1767. Lattes: http://
lattes.cnpq.br/4868499999369696.
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Este livro foi editorado com as fontes Crimson Text e Montserrat.
Publicado on-line em: https://repositorio.ufms.br
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GEPASE/CNPq/UFMS
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