Cap 11
Cap 11
Cap 11
1. Introdução
Os peixes são seres sencientes, o que significa ter a capacidade de sentir dor.
Independente do método adotado para proceder ao abate do pescado, o bem estar
animal deve ser sempre considerado. Sendo assim, o uso de métodos eficazes de
insensibilização, etapa precedente ao abate, é imprescindível para reduzir o estresse
antemortem.
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
2. Despesca
A despesca marca o fim do cultivo e o início de uma das fases mais importantes
de toda a atividade: a comercialização. É nela que o produtor será remunerado por
todo o seu trabalho. Se esta etapa não for bem sucedida, a produção estará fadada
ao insucesso. Para não comprometer a comercialização, a despesca deve primar
pela preservação da qualidade do pescado, observando alguns aspectos primordiais,
tais como: jejum prévio dos peixes, preparo dos equipamentos e maquinário, horário,
transporte, quantidade e qualidade de gelo, além de características da indústria
processadora. Caso haja algum problema em uma dessas etapas, o pescado terá sua
qualidade comprometida e, por consequência, menor valor de mercado. Para facilitar o
entendimento, as etapas da despesca serão abordadas na sequência.
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Despesca e abate de peixes
2.1. Planejamento
Para a manutenção do bem estar animal, o peixe deve ser mantido em seu
habitat, no tanque ou viveiro, até que todo o material e equipamentos da despesca
estejam prontos para serem utilizados. Alguns pontos devem ser considerados nessa
fase:
- Equipamentos: verificar a quantidade de rede e puçás necessários, caixas
plásticas para transporte do pescado, caixas de isopor, pá para gelo,
etc. Todos esses itens devem ser previamente higienizados e avaliados
quanto ao estado de conservação;
- Gelo: em relação a esse item, três pontos devem ser observados: (i)
quantidade: deve ser capaz de manter a temperatura a 5ºC, medida no
ponto mais central do peixe (Figura 1A). Na prática, a quantidade de
gelo necessária é em média 2 kg de gelo/kg de peixe, podendo variar de
acordo com a temperatura ambiente e corporal dos peixes no momento
da despesca; (ii) qualidade: a água de fabricação do gelo deve ser
potável, para que não seja fonte de contaminação para o pescado; (iii)
granulometria: deve ser tal que não provoque injúrias, perfurações ou
lesão por compressão, sendo o ideal o formato em escamas ou lascas
(Figura 1B);
A B
Figura 1. (A) Aferição da temperatura no ponto mais central do peixe; (B) gelo
em escama. Fotos: Jefferson Christofoletti.
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
- Tempo de operação: deve ser o menor possível e, para que isso ocorra,
o planejamento se torna imprescindível, na medida em que todos os
equipamentos, maquinário, mão de obra, gelo etc., estejam prontamente
disponíveis para uso;
- Quantidade, estado de saúde e peso corporal dos peixes: são itens que
merecem a atenção do produtor, para que não seja surpreendido no
momento da despesca e tenha que fornecer ao cliente uma quantidade
aquém da solicitada, além de não atender aos padrões de qualidade
exigidos, tais como tamanho, peso e condições sanitárias. Esta avaliação
é feita com a biometria de uma amostra de peixes antes da despesca.
A prática de jejum é bastante eficiente para peixes carnívoros e pode ser feita
no viveiro de produção, desde que não haja ali outras espécies de peixes forrageiras,
insetos e crustáceos que possam servir de alimento. Para os filtradores, a simples
retirada do alimento artificial (jejum) não resulta em esvaziamento completo do trato
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Despesca e abate de peixes
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
A despesca deve ser orientada por biometrias, nas quais o criador poderá
acompanhar o tamanho dos peixes e saber exatamente o momento de realizar sua
retirada, ou seja, quando o peso comercial é atingido. Para o procedimento, podem-
se utilizar redes de arrasto (as mais usadas), tarrafas ou anzóis. No uso de rede de
arrasto, o número de operários para arrastá-la no viveiro depende de sua largura e,
por isso, não é interessante se trabalhar com viveiros muito largos (vide Capítulo de
Implantação de pisciculturas em viveiros escavados e tanques-rede).
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Despesca e abate de peixes
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2.4. Transporte
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Despesca e abate de peixes
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Recomendações técnicas
1. Todos os procedimentos devem buscar a promoção do bem estar animal, uma vez que o
estresse causado aos peixes, ao manuseá-los nas etapas que antecedem ao abate, bem como
no momento do abate, influencia diretamente a qualidade do pescado;
3. Recomenda-se a prática do jejum, anterior a despesca, para que haja a redução do risco de
contaminação do pescado pelas fezes por ocasião do processamento e para que haja diminuição
no consumo de oxigênio e na excreção de amônia na água de transporte;
4. A prática do jejum, associada à depuração, é recomendada para reduzir o off flavor no pescado;
5. A qualidade da água e a quantidade de matéria orgânica nela contida durante o cultivo devem
ser controladas de forma sistemática, para evitar a presença de off flavor;
6. O transporte de peixes vivos das propriedades até os entrepostos de pescado deve ser
feito observando alguns cuidados tais como suprimento de oxigênio na água, realização prévia
de jejum/depuração, adição de sal à água, densidade de peixes na unidade de transporte,
temperatura da água e disponibilidade de equipamentos apropriados para este fim;
7. O transporte de peixes já abatidos deve ser feito em caixas plásticas (monoblocos), dotadas de
gelo em escamas, disposto em camadas alternadas de peixes e gelo, de forma que a temperatura
do peixe permaneça em torno de 5ºC.
O termo abate de peixes para muitos ainda é desconhecido, uma vez que
permanece a crença em que a retirada do peixe da água é o suficiente para o seu
sacrifício. A realização do abate controlado, seguindo recomendações técnicas e
sanitárias, é de grande importância, uma vez que está diretamente relacionado à
preservação da sua qualidade e à redução de contaminação do produto final e de
perdas por injúrias ou lesões.
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Despesca e abate de peixes
mercado. Esse conjunto de práticas, quando adotado desde a despesca até a indústria, é
chamado de abate humanitário. A legislação brasileira estabelece a sua obrigatoriedade
apenas para animais de açougue. Entre os citados estão bovinos, equinos, suínos,
ovinos, caprinos, coelhos, aves domésticas e os silvestres criados em cativeiro, que
são abatidos em estabelecimentos sob inspeção sanitária oficial. No que diz respeito
ao abate humanitário de peixes, a lei é omissa, o que, consequentemente, obriga
técnicos e profissionais da área a utilizarem resultados de pesquisas, muitas vezes
ainda incipientes, e o conhecimento empírico, para realizarem esse processamento.
Entretanto, a ausência de conhecimento não exime o setor da responsabilidade de
reconhecer os peixes como sensíveis à dor e buscar difundir tecnologias que atentem
para essas questões.
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
Figura 4. Peixes abatidos por asfixia com aspecto cianótico. Vide coloração
avermelhada da cabeça e corpo. Foto: Leandro K. F. de Lima.
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Despesca e abate de peixes
Métodos para
insensibilização Princípios Vantagens Desvantagens
e abate
- Dependendo da corrente
elétrica aplicada, apenas
- Corrente elétrica - Menor estresse insensibiliza o peixe,
em meio fluido para o peixe; sendo necessária a
Atordoamento elétrico secção de grandes vasos
e salinizado - Não há
(choque elétrico ou após a insensibilização;
que promove a necessidade da
eletronarcose)
insensibilização e retirada do peixe do - Inexistência de
abate do pescado. ambiente aquático. padronização do método
para todas as espécies
nativas.
- Dependendo da
intensidade do golpe,
- Com um martelo ou apenas insensibiliza o
outro utensílio similar, peixe, sendo necessária
promove-se uma a secção imediata
- Baixo custo;
pressão mecânica dos grandes vasos ou
Atordoamento por sobre a cabeça do - Não interfere na choque térmico após a
golpe (percussão) na animal, causando qualidade da carne; insensibilização;
cabeça insensibilização ou
- Insensibilização - Processo que demanda
insensibilização e
quase imediata. muito tempo para abater
morte, dependendo
peixes pequenos;
da intensidade do
golpe. - Apropriado apenas para
peixes maiores e em
pequeno número.
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
- Em caso de utilização
do método somente para
- Colocação dos insensibilizar o peixe,
peixes em um - Possibilidade de é necessária a secção
tanque com água insensibilizar e imediata de grandes vasos
Choque térmico e gelo fundente na abater um grande para promover o abate;
proporção de 1:1, número de peixes;
- Maior sofrimento animal;
para insensibilizar e - Baixo custo.
abater. - Apropriado apenas
para peixes de tamanho
pequeno a médio.
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Despesca e abate de peixes
b. Atordoamento cerebral
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
Esta forma de abate causa dano físico ao cérebro, portanto, se este peixe for
vendido inteiro, não é recomendável sua aplicação, por razões visuais do produto final,
o que não seria problema caso o peixe fosse descabeçado. A vantagem desse método
é o baixo custo e, como preserva o nível adequado de ATP no músculo, pouco afeta a
qualidade da carne. Atualmente, também não há estudos científicos que comprovem
lesões musculares e alterações na textura da carne do pescado com este tipo de
atordoamento. Para pescados pequenos, este método torna-se moroso e deverá ter
sua utilização avaliada.
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Despesca e abate de peixes
d. Choque térmico
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Piscicultura de água doce - Multiplicando conhecimentos
Figura 7. Choque térmico (tanque em aço inox com água e gelo fundente). Foto:
Leandro K. F. de Lima.
Figura 8. Secção da guelra com auxílio de uma faca. Foto: Leandro K. F. de Lima.
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Despesca e abate de peixes
Recomendações técnicas
3. A adoção de práticas que promovam o bem estar animal pode contribuir para a obtenção de
um produto de melhor qualidade e aceitabilidade no mercado.
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