Marxismo e Questao Racial Silvio Almeida Fichamento
Marxismo e Questao Racial Silvio Almeida Fichamento
Marxismo e Questao Racial Silvio Almeida Fichamento
E QUESTAO
RACIAL
E OUESTAO
RACIAL
DOSSIÊ MARGEM ESQUERDA
SILVIO
ALMEIDA (ORG.)
Este livreto foi produzido a partir do dossic ele c.i ti:i tf:i i-i lig :i i › i i. 27 ‹1:i
Margem Hquerda — revista da Baitempa, ptibliciula i›i i|'i niilu n-ni e ‹-n i
outubro de 2016.
Equipe de apoio
Camila Nakazone, Carolina Mercüs, 1Jélitirii ltti‹lrigtl‹'.s, 1'.lii i lic ltiirnos,
Frederico Indiani, Higor Alves, lvaiu t Jlivcii.i, |és.sit.i Suii res, 14 im lã‹iria,
Luciana Capelli, Marcos Duarte, M*u ina Valeriiino, Miirissol l(ohles,
Marlene Baptista, Maurício i3arbosa, Pedro Davoglio, Raí Alves, Tulio Candiotto
ISBN 978-65-5717-060-1
BOITEMPO
Jinkings Editores A.s.sociacl‹›s I .i t1:i.
Rna Pereir:i I.ciic, .17.1
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SUMÁRIO
Apresentaçâo 7
SILVIO LUIZ DE ALMEIDA
Sobre os autores 63
Apresentação
Silvio Luiz de Almeida
' 4 David Harvey, 0s limited do cdpiiaf (trad. Magda Lopes, Sao Paulo,
Boitempo, 2013), p. 92.
“A falsa oposigao entre a luta
antirracista e a luta anticapitalista
promove o enfraquecimento teorico
em sua medida epistemologica e
politica, bloqueando a convergencia
de seus potenciais de mobilizagao
que nao precisam estar vinculados
a homogeneizagao da classe
trabalhadora.”
Alessandra Devulsky
Dilemas da luta contra
o racismo no Brasil
Dennis de Oliveira
Dennis de Oliveira
Pensamento social
e reiaçóes raciais
no Brasil: a anãlise
marxista de
Clóvis Moura
Marcio Farias
2
Idem.
“preconceito de cor”, também estava presente no ima-
ginário dos setores populares.
Quando posicionamos este trabalho diante do con-
junto da obra de Clóvis Moura, percebe-se que há
aperfeiçoamento qualitativo de sua pesquisa. Essa in-
flexão permite ao autor, a partir de vários instrumen-
tos e materiais, ter acesso a conteúdos mais específicos
sobre as singularidades das relaçóes raciais no Brasil,
de maneira a entender e refletir a presença do racismo
entre a classe trabalhadora.
Em Sociologia de la prãxis — lançado no Mdxico em
1976 e traduzido para o português dois anos depois,
com o título Sociologia pOSta em questão —, temos uma
obra circunscrita no campo da teoria do conhecimento.
Nela, Clóvis Moura sustenta a impossibilidade de uma
sociologia crítica voltada às demandas da classe trabalha-
dora nos meios universitários daquele período. Segundo
o autor, todo cientista social comprometido com a
transformação do sistema social do capital, por conta
dos entraves acadêmicos, deveria ser um pensador autó-
nomo, vinculado apenas aos movimentos sociais.
Ainda do período das décadas de 1960-1970, Sacco
e Vanzetti.- o protesto brasileiro ( 1978) e Diãrio da guer-
rilha do Araguaia (1 979) são textos que destoam, em
alguma medida, da linha de estudos que Moura de-
senvolvia. Por outro lado, o autor sempre se manteve
comprometido com as lutas contra injustiças, opres-
sóes e negligencias perpetradas pelo sistema do capital,
apontando a centralidade da díade “raça e classe” para
40
Clóvis Moura, Sociologia do negro brasileiro (Sáo Paulo, Ática, 1988), p. 48.
Ibidem, p. 14.
desdobramento das grandes navegações e do primeiro es-
tágio do capitalismo, o mercantilismo. Segundo, devido
à continuação e ao desenvolvimento interno da socie-
dade colonial nos moldes em que se realizava sua evolu-
ção desde a chegada dos colonizadores portugueses’.
A escravidão no Brasil e em outras partes do mundo
a partir do século XVI será uma das molas propulsoras
para o capitalismo e o desenvolvimento industrial da
Europa. Devido a esse aparato económico envolvido no
tráfico de pessoas, as grandes metrópoles europeias in-
termediavam o negócio, até o momento em que ele vi-
rou exclusividade da Inglaterra, que obteve o monopólio
da venda de humanos‘.
No Brasil, a medida inicial para por fim ao tráfico de
africanos ocorre nas primeiras décadas do século XIX,
tendo sua implementação efetiva somente em 1 850. A
crise do escravismo golpeou fortemente as entranhas
desse regime económico baseado no trabalho compul-
sório, pois, com o fim do abastecimento de escravos,
os senhores não teriam mais meios de garantir por
muitos anos a escravidão. Com o fim da escravidão e
inserido o trabalho assalariado, a situação se renova,
mantendo traços do regime anterior7. Todavia, Moura
descreve o modo como, nesse processo “complexo e ao
mesmo tempo contraditório da passagem da escravidão
para o trabalho livre, o negro é logrado socialmente e
Idem.
Idem.
7
Ibidem, p. 23.
apresentado, sistematicamente, como sendo incapaz de
trabalhar como assalariado”’.
Para o autor, o período exposto é o auge da ideolo-
gia de branqueamento, sendo o Estado conivente com a
exclusão do negro ao incentivar a vinda do trabalhador
branco europeu.
Segundo Moura, diante desses processos, a população
negra no Brasil sempre se organizou em novos grupos
ou se envolveu em grupos ja existentes no intuito de se
preservar, manter sua cultura, tentar encontrar momen-
tos de lazer entre os pequenos períodos de descanso da
labuta, preservar padrões africanos e resistir ao regime de
opressão durante a escravidão. No pós-abolição, diante
da sociedade competitiva e da marginalização a que a
população negra foi exposta deliberadamente, coube
ao negro novamente se organizar em espaços e grupos.
“Podemos dizer, por isso, [...] que o negro brasileiro,
tanto durante a escravidão como posteriormente, orga-
nizou-se de diversas formas, no sentido de se autopre-
servar tanto na situação de escravo como de elemento
marginal após o 13 de Maio”°.
Esses grupos variam em relação aos objetivos, que
são os mais diversos, e Moura propõe que essas orga-
nizaçóes, independentemente do motivo pelo qual se
aglutinavam, podem ser compreendidas por grupos di-
ferenciados e grupos específicos.
Ibidem, p. 65.
Ibidem, p. 112.
4t
3 Ibidem, p. 120.
Em linhas gerias, Sociologia do negro brasileiro é um
livro que tem como função ser um instrumento de qua-
lificação de uma militància negra e anticapitalista in-
serida no contexto das lutas pela redemocratização do
país. No entanto, a desertificação neoliberal da década
de 1990 colocou novos desafios analíticos no horizonte
dos militantes sociais ligados a classe trabalhadora.
É nesse contexto que Clóvis Moura escreve sua obra
mais importante, Dialética radical do Brasil negro, que
volta a ter o caráter hermético de outros momentos. O
livro busca reencontrar as frestas para a abertura da janela
histórica para a revolução brasileira. Ainda que atualize
categorias de anííises que já haviam surgido na década de
1980, há nesse momento indiscutivelmente um estudos
minucioso da formação do Brasil, elevando as categorias
que outrora subsidiaram suas pesquisa a um grau teórico
rico e sofisticado.
Em linhas gerais, a interpretação de Clóvis Moura
sobre a formação do Brasil tem os seguintes eixos
conceituais: no Brasil colónia, ainda que esteja apre-
sentado o papel de empreendimento comercial de
extração de recursos naturais, na fase do capitalismo co-
mercial que possibilitou a acumulação primitiva do ca-
pital na Europa, existe um eixo dinâmico interno na so-
ciedade constituída por escravizados e senhores. Como a
revolta do escravizado na condição de objeto é constante,
entende-se essa açáo permanente como “quilombagem”,
que dinamiza o período do escravismo pleno. Por sua
vez, as mudanças externas e internas na configuração do
capital internacional consolidar uma nova perspectiva
em relação ao processo de exploração da força. Ou seja,
há uma pressão para transição do trabalho escravo para o
trabalho assalariado. A burguesia nacional enfrentou essa
pressão de maneira distinta, transitou de um regime po-
lítico colonial para um regime monárquico, mantendo
a escravidão. Por outro lado, setores ligados ideologica-
mente ao capital inglés assumem a postura abolicionista
com fim de modernizar o Estado brasileiro, que era es-
trangulado pela escravidão. Ainda que a ação do escra-
vizado em relação a superação de sua condição de cativo
permaneça ativa — vale pensar nas revoltas baianas na pri-
meira metade do século XIX, motins, fugas e demais ações
nos centros urbanos do Rio de Janeiro e de São Paulo,
sobretudo nas fugas em massa das fazendas de café —,
o abolicionismo no Brasil do ponto de vista legal foi cons-
tituído majoritariamente por brancos da classe média que
queriam acabar com a escravidão, mas náo tinham, em
geral, nenhum projeto efetivo para a população negra pós
-liberdade. A esse último período Clóvis Moura deu o
nome de escravismo tardio.
Na transição para o trabalho livre assalariado, a socie-
dade brasileira se torna mais complexa, em especial no
que tange ao racismo, que, elaborado pela elite branca
brasileira, penetrou como ideário no seio da classe tra-
balhadora. Portanto, diante de uma sociedade classista
e racista, cabe ao negro o papel potencialmente revolu-
cionário de explicitar uma das mais efetivas contradições
da modernidade brasileira: o mito da democracia racial.
“Diante de uma sociedade classista
e racista, cabe ao negro o papel
potencialmente revolucionario de
explicitar uma das mais efetivas
contradições da modernidade
brasileira: o mito da democracia racial.”
Marcio Farias
Feminismos negros e
marxismo: quem deve
a quem?
Rosane Borges
— Andre Lorde
1
De acordo com a pensadora Danièle Kergoat, conhecida como aquela que
aparentemente opóe teoria da interseccionalidade à da consubstancialidade,
a relaçăo social é dinámica, é uma tensáo em torno da qual se criam grupos
(eles náo estáo dados de irrício), enquanto categoria é apenas um marcador
descritivo. Para falar em relaçäo social, ainda segundo Kergoat, é preciso
que esta domine, oprima e explore.
51
Michelle Alexander
Escr/oS fJ0lltifi0S
Frantz Fanon
“Ao contrario do que apregoam as
leituras liberals, racismo nao e apenas
um problema etico, uma categoria
juridica ou um dado psicologico.
Racismo e uma relagao social, que se
estrutura politica e economicamente.”