Esistindo À Globalização S Acabeus Neuza Silveira de Souza Maria de Lourdes Augusta

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RESISTINDO À GLOBALIZAÇÃO:

OS MACABEUS
Neuza Silveira de Souza
Maria de Lourdes Augusta

Resumo
-

helenismo – se traduzem em reais melhorias para a vida das pessoas, es-

a esses projetos autoritários.


Palavras-chave:
Aliança.

Abstract

-
-

ISSN 1676-4951 Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, p. 435-457, out/dez 2013
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Keywords:

Introdução
Não é novidade para ninguém que, mundialmente, vivemos uma crise. Se
há consenso quanto ao diagnóstico, o mesmo não acontece no que diz respeito
às causas de tal crise e as possíveis alternativas de superação para a humanida-
de. Pela primeira vez na história, a abundância está em condições de vencer a

a miséria. A principal causa da pobreza, no mundo atual, está relacionada com


o modelo neoliberal globalizador. Neste contexto planetário, a América Latina
e o Caribe constituem a região que apresenta a maior desigualdade social do
mundo.

como contribuição
para não se iludir pela falsa alternativa da violência ou da inércia. Resistir é
lutar para se defender do sistema opressor e criar condições para se conseguir a
justiça e a paz. Neste sentido, a fé cristã nos provoca a sairmos da passividade
vida em todas as suas
dimensões.
Para o intento deste artigo, convidamos você, querido(a) leitor(a), a viajar
conosco até o período da história bíblica dos – período difícil e pouco
conhecido, porém fascinante por sua resposta teológica ao passado de Israel e
pelas provocações à fé nos dias de hoje: “Quem é o nosso Deus? Onde ele está?
O que ele quer?” E ainda por suas implicações éticas aos grupos sociais e parti-
dos políticos com seus interesses, ideologias, convicções e opções, de ontem e
de hoje. Assim sendo, ousamos propor uma leitura crítica de nossa história atual,
uma leitura com o espírito profético, cujo único critério de pensamento e de ação
é Javé e seu projeto.

1. Cenários de nossa Realidade

Se o processo de globalização é capaz de produzir efeitos muito positivos


para a sociedade, por que, então, levantar a bandeira da “resistência”, da “oposi-
ção”? Em outras palavras: por que pensar em alternativas, a partir da fé, para o
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tem alternativas reais e possíveis? A primeira questão que se nos apresenta, em
geral, é a confusão e ambiguidade do conceito de globalização com o processo

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de universalização que vivemos atualmente, em âmbito mundial. É um engano

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dos e à homogeneização da economia mundial, segundo o modelo capitalista de
desenvolvimento”1
expresso no enorme poder do capital transnacional, em nível mundial, pelo po-
deroso avanço de tecnologias. Tal fenômeno aprofunda o abismo entre ricos e
pobres, provocando a marginalização e a exclusão social para grande parte da

reúne grande concentração de dinheiro, enriquecendo poucos à custa da pobreza

produtivo.

Contemplando o cenário mundial, a situação encontrada na maioria dos paí-


ses é comum e preocupante: crescimento da população de rua, precariedade do
emprego, grande expansão do trabalho informal, aumento da desigualdade social,
serviços públicos de saúde e de educação em decadência. A causa principal da
pobreza e da exclusão está relacionada com o modelo neoliberal globalizador ao

qualidade de vida das pessoas2.


Cresce também, cada vez mais, a preocupação com o cuidado do Planeta
Terra, ameaçado pelas mudanças climáticas em consequência do aquecimento
global e da ação predatória do próprio homem. Sob o discurso de preservação da
natureza e do meio ambiente, começa a ser divulgada a chamada “economia ver-
-
dade mundial, porém a pretensão do capitalismo é a de transformar em mercado-
rias todos os bens naturais e serviços ambientais que até agora são bens comuns
de todos os seres vivos3. A “economia verde” se constitui numa verdadeira “ten-
tação” que bate à porta, sobretudo dos povos indígenas, dos povos tradicionais e

valores culturais e sua forma de vida, nos territórios em que habitam. Expande-se
na América Latina o agrobusiness que, aos poucos, vai expulsando dos campos
os camponeses tradicionais, os quais buscam refúgio nas cidades, aumentando

1. IRIARTE, G. A globalização neoliberal: absolutização do mercado que a tudo coloniza. In: SOTER; AMERÍN-
DIA (Org.).
2. Cf. IRIARTE, G. A globalização neoliberal, p. 27.
3. Cf. REED. Mercado de Carbono; Pagamento por Serviços Ambientais. O que são? O que fazer? Fórum
Mudanças Climáticas e Justiça Social. Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da
Paz. Conselho Indigenista Missionário (Org.). Brasília: CEBI, 2012, p. 3.

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o número de desempregados. “Para o agrobusiness não falta dinheiro, mas não


sobra nada para a reforma agrária”4.
Nas sociedades urbanas, a economia atual exige cada vez maior produtivi-
dade no trabalho. De um lado, a empresa exerce pressões crescentes para que o
trabalhador produza mais, de outro lado, reduz-se o número de trabalhadores e
estimula-se a competição entre eles. E, por falar em competição, não podemos
ignorar que estamos às vésperas de um megaevento esportivo – a Copa do Mun-
do (assim como as Olimpíadas de 2016) – que mobiliza todo o mercado, pois
gera muitas oportunidades e demandas de investimento. É relevante o impacto
na economia e na geração de empregos, dado que a FIFA exige o cumprimento
de diversas normas com relação aos estádios, o que requer boa infraestrutura das
cidades-sede. Resta saber: quem “ganha” e quem “perde” com os megaeventos?
Qual o maior trunfo de um evento desta natureza?

No cerne da cultura, constata-se o rompimento das novas gerações com as


instituições, os costumes, o modo de viver tradicional, os valores estabelecidos.
Em geral, os jovens vivem o momento presente e quase não se preocupam em
conhecer o passado. Com isso, acabam perdendo a conexão com os antepassados
e, por desconhecimento, perdem os valores da cultura tradicional, até mesmo os
valores religiosos.
A realidade virtual presente na sociedade brasileira tem provocado o surgi-
mento de novos hábitos, sobretudo entre as crianças e os jovens. A internet e as
novas tecnologias são usadas para o estudo, a pesquisa, o entretenimento e tam-
bém como recurso para o engajamento nas questões sociais, políticas e ambien-
tais. Dentro desta nova ambiência virtual, criam-se novos estilos de vida; novas
experiências e valores vão substituindo os existentes até então. Já não se trata
apenas de uma revolução tecnológica, mas humana e relacional.

igual e a internet e as redes sociais tornam-se, para muitos, o novo habitat. Por
outro lado, as novas gerações constituem grande força transformadora dos pro-
blemas da sociedade. A “JMJ Rio-2013”, por exemplo, foi um grande sinal de fé
e esperança da juventude comprometida com as novas possibilidades de mudança
e de resistência a um modelo social que descarta os mais jovens.

4. COMBLIN, J. Panorama da América Latina hoje. In: SOTER (Org.).


futuro da América Latina e do Caribe. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 8.

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Para nós, discípulos e discípulas de Jesus, vivendo no Continente Lati-

teológica quanto para o testemunho cristão. Compreendemos que a situação dos


milhões de empobrecidos do Continente é menos o resultado de um processo
econômico inevitável, independente de decisões e previsões humanas do que, de

e previsíveis da pobreza. A pobreza secular estrutural preexistente é reforçada e


agravada por meio da globalização.
Nesse contexto, a religião, muitas vezes, adquire um sentido imediato e
pragmático; cresce uma religiosidade eclética e difusa deslocando, em muitos
grupos, o foco comunitário e social da militância para o individual, subjetivo e
emocional. A religião apresenta-se como um grande “mercado religioso”, ou seja,
mais um produto do capitalismo. “Ante um mercado convertido à nova divindade
da globalização, o anúncio do Deus da vida continua sendo inseparável do com-
bate às idolatrias que provocam a morte”5.
No anúncio do Deus da vida, ousamos buscar nas páginas históricas da
Sagrada Escritura a inspiração e o testemunho de nossos antepassados na fé: tes-
temunho de resistência ao Imperialismo grego através da luta contra os “males”

na história é uma forma de alimentar a fé que sustenta a esperança no Deus da


vida que liberta e salva o seu povo também no presente, apesar de todo pecado e
violência de fora e de dentro.

2. Os Macabeus

Com o título de “Macabeus” existem quatro livros bastante diferentes. En-


quanto o judaísmo rabínico não incluiu nenhum desses livros em sua lista de
escritos sagrados, as Igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente sempre acolheram
os dois primeiros (1-2Mc) e os incluíram no índice canônico no Concílio de
Trento (1545-1563)6. Todos os quatro livros devem seu nome a Judas Macabeu,

selêucidas em 167 aC. O nome sobrenome de Judas (1Mc 2,4),


provavelmente deriva de uma forma hebraica -
signado por Deus”, ainda que alguns tradutores o interpretem como “martelo”

5. BONAVIA, P. Introdução. In: SOTER; AMERÍNDIA (Org.).


Caribe..., p. 14.
6. Cf. ZENGER, E. (ed.) et al. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 266.

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(que golpeia o inimigo) ou “mão de martelo” (se referindo a um defeito físico)7.


“Valente guerreiro desde a juventude” (1Mc 2,66), Judas Macabeu se torna líder
da “revolta” dos judeus.

O período histórico dos Macabeus, marcado pelas armas e pela guerra,


compreende o ano 167 até 134 aC, quando os herdeiros macedônios do impe-
rador Alexandre Magno – os selêucidas – dominaram os povos da Palestina. As
principais fontes para esse período (séc. II aC) são 1-2Mc, mas cada livro tem um
-
zes, até aparentemente contraditórios. Ambos não são totalmente paralelos, nem
plenamente complementares.
A é destacada, principalmente pelo 1º Macabeus, cujos
personagens principais são os irmãos: Judas, Jônatas e Simão, e tais batalhas con-
duzem à libertação do templo de Jerusalém. Por sua vez, o 2° Macabeus focaliza
a , que atenta contra a lei e o templo, salientando a resistência
ativa (Judas) e a passiva (os mártires), trazendo consigo também a libertação do
templo e sua nova dedicação.

dos Macabeus8 deve ser datado entre 134 e 63 aC, tempo da dinastia asmoneia,
que sucedeu os tempos heroicos dos macabeus. O resgate do judaísmo e a ascen-

sóbria com grande respeito aos eventos descritos, porém, o autor, muitas vezes, se
entusiasma (1Mc 2,48; 4,24; 5,63) e até revela os sentimentos mais profundos de
sua alma através da poesia (1Mc 1,26-28.36-40; 2,7-13.49c-68; 3,3-9.45.50b-53;
4,30-33.38; 7,17; 9,21.41; 14,4-15) realçando os pontos altos e baixos no curso
da história.
O 2º livro dos Macabeus9 é anterior ao 1º e foi escrito no Egito, tendo
como fonte primária os cinco volumes históricos de Jasão de Cirene, um judeu

7. Cf. FITZMYER, J.A. et al. Antigo Testamento. São Paulo: Aca-


demia Cristã; Paulus Editora, 2007, p. 835.
8. Cf. ZENGER, E. (ed.) et al. Introdução ao Antigo Testamento, -
servado em algum lugar o texto original hebraico do primeiro livro dos Macabeus, do qual Jerônimo ainda
dispunha (por volta de 400 dC)”.
9. Cf. Idem, p. 274. Comenta o autor que “o segundo livro dos Macabeus foi redigido desde já no grego -
literário, com exceção das duas cartas no início do livro, traduzidas do hebraico ou aramaico (1,1-10a e
1,10b–2,18)”.

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ortodoxo e hábil na arte helenista da narração retórica. Em tal coleção encon-


tra-se o relato de acontecimentos que datam de 180-160 aC10. O autor bíblico
resumiu o conteúdo desses cinco livros de Jasão em um só volume, provavel-
mente até o ano 124 aC, data encontrada na primeira carta que convida à festa
da Dedicação do Templo (2Mc 1,9). O alvo do epitomista (abreviador) não é
-
ção para os que pretendem apenas ler, facilidade para os que se interessam por

este livro” (2Mc 2,25).


Como o 2º Macabeus descrevia a luta passada numa chave mais triunfalis-
ta, pela ótica do Templo e da cidade, era necessário escrever de novo, recolher
outras memórias para se compreender a situação do povo pobre, sobretudo dos
camponeses, o povo da terra, oprimido e explorado, na época da redação do
1º Macabeus. Daí a razão de um novo livro (1Mc), redigido a partir do grupo
que liderou e animou a revolta popular, apontando não só os acontecimentos
gloriosos do passado, como também os erros da caminhada que os levaram, no
futuro, ao fracasso. É a “teologia da história”, contada pelos pequenos, com a
visão de fé do deuteronomismo profético11. “Efetivamente, o Deus invencível

-
nifestações, a saber, a dos mártires e a de Judas e seus soldados. Ambas são
12
.
-
mentos do presente; era preciso rever a história com um novo olhar, o olhar de
fé que nos permite ver, a partir de Deus. Essa constatação, tão atual, esconde
a força da mudança sonhada por tantas pessoas de boa vontade. Quando se
busca a limpidez da verdade dos acontecimentos, ainda que esse conhecimen-
to provoque dor, por causa dos erros e ambiguidades, é possível acreditar em
novos rumos e projetos para o mundo, para a vida social. A fé que faz brotar a
esperança também conduz para a concretização do amor, da fraternidade. Mas
é preciso vigilância para não se repetir os erros do passado, acreditar e fazer
acontecer a globalização da paz e do bem. Por ora, prossigamos nossa viagem,

macabeus (167-134 aC).

10. Cf. FITZMYER, J.A. et. al. p. 839.


11. Cf. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. autocrítica de um guerrilheiro. Petrópo-
lis: Vozes, São Leopoldo: Sinodal, 1993, p. 16-21.
12. LAMADRID, A.G. et al. São Paulo: Ave Maria, 2004, p. 317.

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3. A Reforma Helenística e o Projeto das Nações

A partir do ano 200 aC, a hegemonia do Oriente passa dos Ptolomeus ou


Lágidas (do Egito) aos Selêucidas (da Síria), herdeiros do macedônio Alexandre
Magno (†323 aC), e os povos da Palestina, mais uma vez, conhecem o infortúnio
da dominação. A dominação helênica (331-63 aC) dá continuidade a um tipo de
organização já instaurada pelos seus predecessores persas que, através da ima-
gem da tolerância com a cultura e as práticas religiosas dos povos subjugados,
escondem ações violentas e opressoras.
“De um lado, o grande lucro dos chefes e dos nobres que escravizam os

por meio da política de aliança e de “tolerância” imposta pelo império. E,


do outro, um grande contingente de empobrecidos, esperneando e gritando
contra os seus opressores”13.

Para o judaísmo de Jerusalém e da diáspora, a reforma helenística não traz gran-

e o helenismo:
“A cidade santa vivia na mais completa paz, e os mandamentos eram obser-
vados da melhor maneira possível, por causa da santidade do sumo sacer-

reis respeitavam o lugar santo e homenageavam o Templo com os mais


belos donativos” (2Mc 3,1).

Para o 2º Macabeus, o problema da helenização somente se faz sentir com a


chegada de Antíoco IV Epífanes (175-164 aC) e sua abusiva sede de poder. Antes
dele, tudo era bom.
O ponto de vista do 1º Macabeus, porém, é diferente: o princípio de todos
os “males” encontra-se desde a dominação de Alexandre (1Mc 1,1-9). São duas
análises da realidade sob óticas bem diferentes. Enquanto para o 2º Macabeus, da
cidade, o mal termina com o Templo livre e a nova legalização do judaísmo (2Mc
15,34-37), para o 1º Macabeus o mal
mesa farta (1Mc 14,8-15). Para se compreender, portanto, a razão da resistência
dos macabeus, é preciso entender a relação da reforma helenística, não tanto com
os grandes, mas com o povo pobre da terra, aqueles que desde épocas remotas
foram “as vítimas da política das monarquias de Judá e de Israel. Expulsos de

13. VASCONCELLOS, P.L.; SILVA, R.R. Memórias da Guerra: o Livro das


Batalhas e o Livro dos Testemunhos. São Paulo: Paulus, 2004, p. 9.

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suas terras, mão de obra barata nos campos dos latifundiários, obrigados a servir
nas milícias, e pesadamente tributados pelo estado”14.

nova forma de organização dos helenistas?15 Nesse novo sistema, toda a base
política e econômica provém da polis: uma cidade organizada de acordo com
a administração dos gregos, cujo ato de governar é alternado entre os cidadãos.
Nesta rotatividade inclui-se a concorrência pelo aluguel do direito de cobrar im-
postos. Com isso, aos poucos, a classe alta da sociedade, concretamente a elite
de Jerusalém, vai apropriando-se desse mecanismo que favorece a exploração
econômica do povo camponês. Essa prática econômica acaba atingindo o espa-
ço sagrado. Quem detém maior poder econômico adquire o direito de ser sumo
sacerdote. O Templo e a instituição sacerdotal conquistam grande importância
econômica. Na disputa para conquistar e conservar o poder, encontramos vários
exemplos de suborno, roubo, violação da lei e até assassinatos de inocentes (2Mc
4,7-8.23-24.32-34; 1Mc 7,4.9; 2Mc 14,3-4). Há um descalabro geral!
Outra característica importante para o entendimento do projeto helenizante
é a conquista dos mares. O comércio é a fonte de riqueza das cidades. O transpor-
te de enormes quantidades de mercadorias de uma cidade para outra, através das
frotas de navios, provoca grande revolução no modo de produção. Quem ganha?
Quem perde? Enquanto o camponês, o povo pobre da terra, é reduzido a produtor
escravizado (1Mc 3,41), a aristocracia leiga de Jerusalém chega até a conquistar
a isenção de impostos.
A materialização de Deus é outro agravante da reforma helenística. Apesar
de terem um Olimpo cheio de deuses, os gregos eram profundamente materialis-
tas. No teatro, os clássicos gregos manipulavam os deuses projetando-lhes senti-
mentos (amor, ódio, ciúme) e comportamentos humanos (casamentos, adultérios,
assassínios), conforme a própria vontade. A religião centralizada na “fatalidade”
e na “imutabilidade” reduzia a função do sacerdote à de meros adivinhos. E os
mitos gregos legitimavam a situação social, sem possibilidades de mudança. O
pensamento grego encontrava no “interior” do próprio homem – na tensão entre a

classe e outros. Assim, a ordem se mantinha quando o “melhor”, entre os dois,

14. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. , p. 18.


15. Cf. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 25-29; VASCONCELLOS, P.L.;
SILVA, R.R. p. 7-13.

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governava o outro: quando a alma governava o corpo, quando o homem gover-


nava a mulher, quando o senhor governava o escravo e assim por diante. Esse
modo de pensar, típico dos gregos, era largamente difundido em todas as formas
de educação, principalmente entre os jovens, nos esportes e nas efebias (2Mc
4,9-10.12.18; 1Mc 1,14)16 e também por meio do comércio e do serviço militar
(1Mc 10,36-37).

3.3.1 O novo dominador

-
to. Segundo a perspectiva deuteronomista, que relê os acontecimentos históricos
-
cunstâncias da vida pessoal, social, política e religiosa –, os dois polos são: Israel
e as Nações (Cap. 1 e 2). A narrativa histórica contada a partir do povo da terra,
explorado e oprimido, traz à memória o ponto de partida de todos os “males”, ou
seja, o momento em que o imperialismo grego derrota o poder dos persas e se
alastra sobre toda a terra (Mc 1,1). Qual é o objetivo do Imperador Alexandre?
Qual é a sua pretensão? O que está por trás de suas estratégias? Qual é, de fato,
o seu projeto?
O que Alexandre busca é o mesmo de todo imperialismo que, para se ex-
pandir, não hesita em “empreender numerosas guerras, apoderar-se de fortalezas,
eliminar reis, tomar despojos de uma multidão de povos” (1Mc 1,2-3a). “E a terra
silenciou diante dele” (1Mc 1,3b), diz o autor. Ou melhor, “E a terra foi silenciada
‘à força’ diante dele”. Alexandre faz calar multidões de povos. O narrador conti-

evidenciado o grande pecado de Alexandre, que segundo a Lei do Deuteronômio,


o rei jamais deveria cometer (Dt 17,20). O orgulho toma conta do coração do
imperador. Daí, o acúmulo de riquezas, a exploração, o derramamento de sangue,
a dominação do povo. Na pretensão de Alexandre, o Projeto das Nações! É exa-
tamente o oposto do “temor de Javé”, válido não somente para o rei (Dt 17,19),
mas para cada um de nós (Dt 8,6.11.14.19). Aquele que não teme a Javé perverte

relação social em ganância pelo poder e cobiça pela posse. Se, depois da luta ma-

porque não conseguiram dominar o orgulho do coração17.

16. Cf. DA SILVA, A.J. Paideia Grega e Apocalíptica Judaica. Petrópolis: Vozes, n. 113,
p. 7-22, 2012.
17. Cf. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 39.

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Alexandre morre ainda jovem, sem herdeiros para o trono. Depois de sua

de dominação, de exploração, cujo resultado é a “multiplicação dos males sobre


a terra” (1Mc1,9).
“Contra o parecer de todos os historiadores que consideram o helenismo
símbolo de progresso, de sabedoria, de democracia... contra a opinião de

expansão da civilização ocidental... contra tudo isso, este simples versícu-


lo. O mundo grego é a causa da ‘multiplicação dos males sobre a terra’”18.

Esse é o resultado da avaliação da história, à luz do Deuteronômio. Para o 2º


Macabeus, a fonte dos mesmos males são as brigas internas do sacerdócio judeu
pela disputa do cargo de sumo sacerdote (2Mc 4). O 1º Macabeus nos leva mais
além: a raiz dos males é o imperialismo!

3.3.2 Antíoco IV Epífanes: o “rebento ímpio”

Continuando nossa viagem pelo túnel do tempo chegamos ao ano 137 da era
grega (175 aC), quando começa a reinar Antíoco IV Epífanes, o “rebento ímpio”,
o “ramo perverso”, a “raiz pecadora”. Antíoco é um dos “males multiplicados
sobre a terra”, é fruto dos 137 anos do Imperialismo grego. É o grande inimi-
go do povo, cujo apelido de “Epífanes” (manifestação terrestre de Zeus) denota
mais um orgulhoso. Contudo, os “males” não estão apenas com os estrangeiros.

pessoas com suas palavras, na busca de aliança com as nações (1Mc 1,10-15).
cujo destino da cidade que hospeda tais pessoas é a
destruição, o anátema, a espada e o fogo (Dt 13,14-18). A proposta destes ímpios
é a de abandonar a aliança com Javé para se ligar às nações. É a total ausência de
perspectiva política.
Israel é um povo consagrado exclusivamente a Javé e se comprometeu com
Ele através de uma aliança. Por conseguinte, deve construir uma sociedade fun-
dada no direito e na justiça. E isso provoca ruptura com o modo de viver das ou-
São dois projetos diferentes. Inconciliáveis! Incompatíveis! Exclu-
dentes! O Projeto das Nações visa a riqueza, o acúmulo, a dominação. Bem outro
é o Projeto de Javé e de Israel que contempla a prática da justiça, da fraternidade
e da partilha.

18. Idem, p. 40-41.

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3.3.3 Opressão econômica, política e ideológica


Na contramão da Lei divina, muitos aderem à proposta do rei Antíoco IV
Epífanes facilitando a entrada dos costumes gregos até em Jerusalém, o centro
político e religioso, a cidade da paz! É a concretização da aliança de Israel com
as nações. A construção de um ginásio (praça de esportes) em Jerusalém é o sinal
da modernização. No ginásio, os jovens praticam esportes totalmente despidos e
isso provoca-lhes o sentimento de vergonha por causa da circuncisão. Essa situa-
ção de constrangimento leva-os à tentativa de apagar as marcas da circuncisão,
resultando no afastamento da Aliança Sagrada. Por isso, eles “associaram-se às
nações pagãs e se venderam para praticar o mal” (1Mc 1,15). São estas “na-
ções” que causam todo tipo de opressão que faz o Israel inteiro gemer e lamentar:
opressão econômica (1Mc 1,16-24); opressão política (1Mc 1,29-35); opressão
ideológico-religiosa (1Mc 1,41-59)19.
Antíoco Epífanes tem grande sede de poder. Seu grande projeto é dominar
o Egito e assim formar um grande império junto com a Síria. Depois de dominar
o Egito com exército imponente, invade Jerusalém e saqueia o Templo. Extrema
violência e arrogância, roubos e mortes são as marcas do impiedoso general se-
lêucida (1Mc 1,16-24). Dois anos depois... o ataque é contra a cidade. É a opres-
são política. O responsável desta ação é o cobrador de impostos enviado pelo rei,
com forte exército. Engana os habitantes de Jerusalém com falsa proposta de paz.
O resultado é cruel: roubo, saque, fogo, mortes, pilhagem, destruição. A Cidade
de Davi é transformada em fortaleza militar! Essa medida faz quebrar o controle
econômico que circulava ao redor do Templo (1Mc 1,29-35).
Para incrementar a política da helenização é preciso fragmentar a cultura
e os costumes dos povos dominados. São as ideias que revolucionam o mundo.
Por isso, o “rei” baixa um decreto, determinando que o “reino inteiro formasse
um só povo, e cada qual deixasse de lado seus costumes particulares” (1Mc 1,41-
59). A pretensão do rei é substituir a Deus tornando-se referência para todas as
nações. É o máximo da opressão ideológica que procura arrancar do coração de
Israel a memória de um Deus libertador e de um projeto igualitário ao agir contra
o santuário, as celebrações, festas e sacrifícios. É a tentativa de apagar o passado
glorioso do povo. É a ação contra a circuncisão, sinal da pertença a Javé, e dessa
forma proporcionar o abandono da identidade do povo, do seu presente. É a ação
contra a lei e as coisas justas para fazer esquecer o projeto de um futuro iguali-
tário, na justiça e sem rei20. E isso é imposto pela força, com a ameaça de morte
para os que não obedecem ao rei.
Além de tudo isso, o rei faz construir a (Dn
9,27) – altar para Baal-Shamem ou em cima do altar dos ho-

19. Cf. Idem, p. 36-54.


20. Cf. Idem, p. 53.

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locaustos (1Mc 1,54). É o cúmulo do absurdo! O culto imperial se alastra e as


tradicionais leis judaicas são suprimidas.
“E não se podia celebrar o sábado, nem guardar as festas dos antepassados,
nem simplesmente confessar que se era judeu. Eram arrastados com amarga
-
sário do rei. E, ao chegarem as festas dionisíacas, obrigavam-nos a acom-
panharem, coroados de hera, o cortejo em honra de Dioniso” (2Mc 6,6-7).

E ainda, eram destruídos os rolos da lei, as mulheres eram assassinadas

porcos, exatamente por serem animais impuros perante a lei (1Mc 1,41-63; 2Mc
6,6-11). As imposições das práticas e dos costumes gregos tendiam a suprimir o
judaísmo.

4. O Projeto de Israel e a Revolta Macabaica

Ante o projeto helenizante de Antíoco IV Epífanes (1Mc 1,10-62) que con-


templava a transformação de Jerusalém numa polis grega, o povo de Israel di-
vide-se em dois grupos: os que transgridem a Lei seguindo as ordens do rei e
adotam os costumes helenistas (1Mc 1,43-59) e os que resistem e permanecem

Depois de atingir Jerusalém e o Templo, a violência brutal do rei atinge o


-
liares (1Mc 1,60-61). Enquanto o rei ultrapassa os limites de sua autoridade polí-
tica, contradizendo as disposições do Deuteronômio (Dt 17,14-20) – segundo as
quais o rei devia representar os anseios populares e, junto com o povo, se colocar
a serviço da Lei –, essas mulheres, com a entrega de suas vidas, testemunham a

e no “prolongamento da vida nos próprios descendentes (Dt 30,19-20)”. Como


outrora, no Egito (Ex 1,17), é “a partir destas mulheres que preferem morrer a
obedecer à ordem do rei que nasce o movimento de resistência. Um movimento
que sabe resistir até ao martírio”21.
Ao contrário da geração de ímpios que renega a Aliança Sagrada (1Mc

que surgem os líderes da grande luta macabaica. É o povo pobre da terra, lá do


interior. Eles estavam entendendo muito bem que, para além das mudanças de
ordem cultural-religiosa, havia questões mais profundas de ordem econômi-

21. Idem, p. 56.

Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, p. 435-457, out/dez 2013


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co-política. É o que descreve, por exemplo, 2Mc 3,4: “Certo Simão, da estirpe
de Belga, investido no cargo de superintendente do Templo, entrou em desa-
com o sumo sacerdote a respeito da administração das mercadorias da
cidade”. Ou ainda a informação a respeito da oferta de 360 talentos de prata por
Jasão, irmão de Onias, ao rei Antíoco IV Epífanes para obter o cargo de sumo
sacerdote (2Mc 4,7-8). Tudo isso nos permite detectar a perversão a que se che-
gou para que Jerusalém fosse incrementada pelo comércio e entrasse no grande
mercado da civilização grega e, dessa forma, a aristocracia leiga e sacerdotal
enriquecesse ainda mais.
O povo pobre da terra prevê que, com esta atual situação, e, segundo a ma-
neira grega de pensar, eles seriam reduzidos a escravos. E tudo seria visto como
“natural”, “imutável”, especialmente para eles que, segundo o judaísmo, já eram
considerados “impuros”, incapazes de seguir a Lei. Este povo compreende que
o Deus dos Pais seria substituído pelas divindades gregas e o projeto da Aliança
com Javé, de construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária, seria engolido

e realizar a vontade de Javé (Dt 26,16-19) era inevitável arregaçar as mangas e ir


à luta pela libertação e vida de todos.
Em suma, o problema para o povo pobre da terra era menos a defesa do
judaísmo contra o helenismo, imposto à força por Antíoco IV Epífanes, do que
lutar contra a aliança enganadora da elite do Templo e a cidade grega. Nesse
momento de crise, em que os diversos grupos do judaísmo buscam, cada qual, os
próprios interesses políticos, econômicos e religiosos, ressurge a memória deute-
ronomista e sua mística alimenta a resistência. No coração do grupo de Matatias

-
jeto de uma sociedade nova baseada na fraternidade entre os homens e na partilha
de tudo o que Deus concedeu a todos. Por isso, o grupo dos macabeus resiste ao
helenismo. É em nome do Deus único, da terra livre e da vida para todos que os
macabeus iniciam a guerra.

4.2 A Resistência de Matatias: zelo pela Lei e pela aliança dos pais
Ao novo sistema social que produz opressores e oprimidos, ou seja, ao gran-
de Projeto das Nações concretizado desde Jerusalém, começa com Matatias uma
luta de resistência, um movimento de rebelião armada contra os gregos e seus
associados da aristocracia judaica. Aos olhos de Antíoco IV Epífanes, a resistên-
cia dos judeus piedosos assume as características de uma verdadeira revolta e de
uma oposição política perigosa. “O que é interpretado em termos de perseguição
pela literatura judaica pode ser compreendido pelo historiador como uma reação
contra a agitação que não parava de aumentar e a repressão de uma verdadeira

Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, p. 435-457, out/dez 2013


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revolta armada”22. Por trás do grupo de Matatias e de seus seguidores mais anti-
gos vigora o Projeto de Javé e de Israel, expresso através do “zelo pela Lei e pela
aliança dos pais”.
Embora apresentado como sacerdote, da descendência de Joiarib23
João e neto de Simeão, que se muda de Jerusalém para Modin, há quem levante
a hipótese de que “Matatias seja do campo, quem sabe um levita, o mentor, o
iniciador, o animador da luta do campesinato contra todos os ‘males’”24. Nas
montanhas de Modin vive Matatias ( ) -

da luta e resistência: João ( ) que tinha o apelido de Gadi


( ), Simão ( ), conhecido por Tasi (“zeloso”), Ju-
das ( ), chamado Macabeu (“martelo ou ),
Eleazar ( ), chamado Auarã ( ), e Jônatas (“dado por
), chamado Afus ( ou )25.
Diante dos absurdos que aconteciam em Judá e em Jerusalém, Matatias rea-
ge com lamento e penitência. O que provoca o lamento de Matatias? O que ele
vê? Matatias vê Jerusalém e o Templo nas mãos dos inimigos, saques, crianças
assassinadas nas praças e jovens mortos pela espada, a cidade livre tornada es-
crava e o santuário profanado. Tudo isso provoca-lhe um profundo grito de dor,
saído de suas entranhas: “Ai de mim! Por que nasci para ver a destruição do meu
povo e a destruição da cidade santa?” (1Mc 2,7.13). Seu grito é semelhante ao
de Jó (3,3) e ao de Jeremias (Jr 20,14). É o grito de quem se sente impotente.

serão inúteis, pois Deus sempre ouve o grito dos pobres e oprimidos (Ex 3,7-8).

Ainda que todo o povo, todas as outras nações abandonem os cultos e costumes

unidos e fortalecidos na fé. É do interior da “casa”, dos laços afetivos, familiares


-
ferentes situações de crise, tanto na caminhada pessoal quanto nas experiências

22. Citado por SILVA, A.J. da. Os Macabeus I: A Resistência. In: http:// www.airtonjo.com/
historia38.htm, acessado em 10/12/13.
23. Joiarib é, segundo Cr 24,7, o chefe da primeira das vinte e quatro classes sacerdotais que servem no Templo.
Porém, é possível que essa preeminência seja devida à reformulação do texto após as vitórias dos Macabeus e
seu acesso ao sumo sacerdócio.
24. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 67.
25. Cf. VASCONCELLOS, P.L.; SILVA, R.R. p. 41.

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comunitárias e da sociedade; tanto para os ídolos do imperialismo quanto para os


ídolos do sistema neoliberal globalizador.
À chegada dos emissários do rei em Modin, convocando a população para
-

mata também o emissário real (1Mc 2,23-24). É a “justa ira”, conforme a Lei do
-

E, a seguir, Matatias conclama em alta voz: “Todo o que zelar pela Lei e quiser
zelo que leva à luta. É
o amor pulsando forte no coração e transformando a fé em prática, coragem, cui-
dado! Fé e luta, Lei e Aliança: é a mística do povo pobre, oprimido sustentando a

Depois disso, Matatias foge com sua família para as montanhas. Começa a
grande luta contra os helenistas. E muitas outras famílias que “amavam a justiça
e o direito” se agregam à família de Matatias, indo para o deserto. Na busca da

exterminadas com suas famílias (1Mc 2,28-48). O martírio desses guerreiros leva
o grupo a um discernimento profundo de que “a escolha do martírio em defesa
da lei não é o caminho. Lutar é preciso. Lutar pela vida e pelas coisas justas”26. A
defesa da vida será maior que a lei do sábado.
O grupo de Matatias é acrescido com a adesão dos assideus27 e de todos
os que fugiam dos males (1Mc 2,42-44) constituindo o exército que combate
os judeus traidores, os “sem-lei”, em primeiro lugar. Eles percorrem o território
destruindo altares sacrílegos, circuncidando à força os meninos incircuncisos e
recuperando a Lei das mãos dos gentios (1Mc 2,45-48). Nesta luta, há uma coin-
cidência de interesses dos sacerdotes e levitas empobrecidos com os interesses
dos camponeses.
“Sacerdotes e levitas vivem da contribuição dos camponeses, pois o culto
e o sacerdócio não têm propriedades, excetuando-se, é claro, uns poucos
sacerdotes da nobreza. Os sacerdotes prestam serviços em Jerusalém só de
-
28
.

O interesse da classe sacerdotal, na verdade, é ter o controle público das ter-


ras e não a privatização da mesma como quer o direito do rei. Somente assim, eles

26. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 77.


27. Assideus é a forma grecizada do hebraico hassidim,

28. SILVA, A.J. da. Os Macabeus I: A Resistência. In: http:// www.airtonjo.com/historia38.htm


Acessado em 10/12/13.

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podem assegurar-se de que as contribuições para o Templo garantirão o sustento

Matatias morre no ano 166 aC, mas, antes de morrer, pronuncia o lindo tes-
tamento que, trazendo à memória a fé dos antepassados, revela a mística que deve
continuar animando a luta desses guerreiros (1Mc 2,49-70). É o convite à decisão
de “zelar pela Lei e dar a vida pela aliança dos pais”.

4.3.1 Judas: o Comandante

da luta (1Mc 3,1–9,22), desenvolvendo uma guerra de guerrilhas cada vez mais
ampla e vencendo um a um os generais selêucidas enviados para detê-lo. É preci-
so reconhecer, porém, o poderio das forças dos selêucidas para sufocar a rebelião
judaica. No entanto, Antíoco IV Epífanes, ocupado com a explosão de vários pro-
blemas em diversas partes do reino, não pode ocupar-se, de fato, com os judeus.
Isso, sem dúvida, favorece as vitórias de Judas e do grupo da guerrilha.
No início do relato de 1Mc 3,1-9, é tecido um belo elogio a este grande he-
rói popular e, neste poema, canta-se a glória do seu povo, celebra-se a libertação
alcançada e destaca-se sua capacidade de “reunir” os que estavam para morrer.
Aliás, este verbo “reunir” é o eixo de toda a narração, articulada literariamente
em três partes maiores, unidas entre si por duas partes menores. Tal narrativa não
é linear, mas concêntrica:
A – Judas, o Comandante (3,1–4,35)
B – O Templo libertado (4,36-61)
C – Judas, o Pastor (5)
B’ – A morte de Antíoco (6,1-7)
A’ – Judas, o Chefe (6,18–9,22)29.
A resistência ante o poder opressor não pode ser apenas passiva. Mas para o
êxito da luta é preciso uma liderança que organize o povo e o ensine a enfrentar
corajosamente o inimigo. O relato de 2Mc 8,1.5-7 nos conta as estratégias e táti-
cas de Judas na busca da libertação:
“Entretanto, Judas, também chamado Macabeu, e os seus companheiros,
iam introduzindo-se às ocultas nas aldeias. Chamando a si os coirmãos
-

29. Cf. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 30-32; 85.

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garam a reunir cerca de seis mil pessoas (...). Transformada a sua gente
em grupo organizado, o Macabeu começou a tornar-se irresistível para os
pagãos, tendo-se mudado em misericórdia a cólera do Senhor. Chegando
de improviso às cidades e aldeias, ateava-lhes fogo; e, apoderando-se dos
-
cursões, escolhia de preferência a noite como cúmplice. De resto, a fama
da sua valentia propagava-se por toda parte”.

A cada confronto com as tropas selêucidas, o grupo de Judas cresce e se tor-

da liberdade (1Mc 3,10–4,35). Nessa luta desigual, entre o exército armado e o

Apolônio (3,10-12); contra Seron (3,13-26); contra Górgias (3,27–4,27) e depois


contra Lísias (4,28-35) são lideradas pelo próprio Deus, embora não tenha dis-
pensado o discernimento humano.
Em dezembro de 164 aC, exatamente três anos após a profanação do san-

Templo:
“No dia vinte e cinco do nono mês – chamado Casleu – do ano cento e
quarenta e oito, eles se levantaram de manhã cedo e ofereceram um sacrifí-
cio, segundo as prescrições da Lei, sobre o novo altar dos holocaustos que
haviam construído. Exatamente no mês e no dia em que os pagãos o tinham
profanado, foi o altar novamente consagrado com cânticos e ao som de
cítaras, harpas e címbalos. O povo inteiro se prostrou com a face por terra
para adorar, elevando louvores ao Céu que os tinha tão bem conduzido até
ali. (...) Reinou, pois, extraordinária alegria entre o povo e assim foi cance-

assembleia de Israel, estabeleceu que os dias da dedicação do altar seriam


celebrados a seu tempo, cada ano, durante oito dias, a partir do dia vinte e
cinco do mês de Casleu, com júbilo e alegria” (1Mc 4,52-55.58-59).

Em comemoração a essa libertação do Templo é instituída a festa da Hanu-


isto é, da “Dedicação”, celebrada no dia 25 de Casleu (15 de dezembro). É
uma das mais recentes do calendário de Israel (Ex 23,14-19). Durante esta festa
cantam o Hallel (Sl 113–118), fazem procissão com palmas, ramos verdes e co-
locam lâmpadas acesas, símbolos da Lei, às portas e janelas das casas. Mesmo
após a destruição do Templo, a festa da continua e o ritual das lâmpadas
acesas assegura a manutenção e a popularidade da festa, também conhecida como
-
quência dos fatos é um pouco divergente em cada um dos livros dos Macabeus
dadas as perspectivas teológicas diferentes30.

30. Cf. FITZMYER, J.A. et al. p. 840-842; 851-854.

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4.3.2 Judas: o Pastor


Em nossa viagem histórica chegamos à estação central, ao porto decisivo.
Em outras palavras, chegamos ao coração da narrativa das façanhas de Judas em
que ele se destaca como “pastor” que “reúne”, convoca todos os que não têm
alternativas a não ser a morte, conforme já fora cantado pelo grupo da guerrilha

Moisés, Josué e os antigos juízes, sabe “reunir”.


O projeto de Judas Macabeu e do grupo da guerrilha vai bem além de al-
gumas reivindicações de autonomia religiosa, ou de liberdade de culto. Em con-
tinuidade ao projeto de Matatias, o de Judas também não é um projeto que bus-
ca autonomia política. Trata-se de um programa capaz de confrontar-se com o
sistema estatal opressor, de ontem e de qualquer época histórica. É o projeto do
pastor que quer conduzir as ovelhas para verdes pastagens (Sl 23): da paz, fartura,
liberdade, igualdade31. Esse é o sonho do povo oprimido, que está por trás da luta
de Judas: o ideal de uma sociedade sem opressores e sem oprimidos onde impera
o direito e a justiça; um mundo de irmãos.
A preocupação de Judas é a de salvar o povo de Israel que vive no meio das
“outras nações”, as quais decidiram exterminá-los (1Mc 5,1-3.9.15). Esses judeus
passam a ser perseguidos até à morte (2Mc 12,3.9). Sob o comando de Judas, o
grupo da guerrilha contra-ataca, voltando-se contra os gentios na Idumeia (1Mc
5,3-5), Amon (1Mc 5,6-8), Galaad (1Mc 5,9-13.24-54), Galileia (1Mc 5,14-23)

punição e defesa e não tentativas de libertação do jugo selêucida, mas as batalhas


logo se tornaram uma guerra por completa independência”32.
É importante perceber que, bem no centro da luta, destaca-se a grande proe-
za dos Macabeus: a luta pela libertação dos irmãos que se encontram no território
dos gregos (Simão na Galileia: 1Mc 5,21-23; Judas e Jônatas em Galaad: 1Mc
5,24-54). Simão combate muitas batalhas na Galileia. Depois da vitória, a grande

grande alegria (1Mc 5,21-28). “É um novo êxodo: da terra da opressão, do perigo,


da morte para a terra prometida, para a segurança e vida”33.
Judas Macabeu e Jônatas seu irmão atravessam o Jordão, andam três dias
pelo deserto e vão em direção às cidades gregas na região de Galaad. Eles são
informados que dentro das cidades gregas estão muitos judeus com a vida amea-
çada, pois os selêucidas atacariam as fortalezas no dia seguinte para tomá-las e
exterminar todos eles num só dia (1Mc 5,21-27). Esta decisão faz desencadear

31. Cf. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 89-90.


32. FITZMYER, J.A. et al. p. 851.
33. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 122.

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a guerra santa34. A vida do povo está nas mãos de Deus! As cidades gregas são
votadas ao anátema: fogo, espada, morte e saque.
Judas prossegue, destemido, no combate pelos irmãos (1Mc 5,32). É pela

nenhuma forma de escravidão. Quem rejeita seu projeto acaba sendo rejeitado.
“E Judas reuniu todo Israel...” (1Mc 5,45). Como no “grande acampamen-
to” rumo à terra prometida (Ex 12,41), Judas agora é o novo Moisés que reúne
todo o povo de Israel. É na liderança destas batalhas, de modo especial, que Judas
passa da função de “comandante” à missão de “pastor”, como se pode ler em
1Mc 5,53: “Judas vai reunindo os que estão atrasados e anima o povo por toda a
viagem, até chegar à terra de Judá”.
É “um Judas completamente diferente, cheio de preocupação, de carinho
com os últimos, com os mais fracos. Conforta o povo. Todos são “reuni-
dos” ao longo do caminho. Longe de ser o comandante militar, Judas assu-
me as feições mais carinhosas de Deus: o Pastor (cf. Is 40,11)”35.

Na ação de Judas se cumprem as promessas messiânicas de Jeremias (23,3-

onde tinham sido dispersados36. Libertado do jugo das “nações”, o povo de Israel
pode reconhecer que o Projeto de Javé, assumido por Judas, busca a liberdade e
a vida para todos. Não mais nas mãos do rei opressor nem do sacerdote a serviço
do imperialismo, mas nas mãos de quem se apropria do Projeto de Javé, realmen-
te colocando-se a serviço do povo, é que se torna possível a construção de uma
sociedade justa e fraterna.
Judas cumpriu sua missão, ao reunir os que estavam para morrer (1Mc 3,9).
É impossível não pensar no projeto de Jesus que veio para que toda a humanidade
tenha vida, e vida em abundância (Jo 10,10).

4.3.3 Judas: o líder político? Um novo discernimento


Oxalá tivesse terminado aqui a história dos Macabeus. Entretanto, “Judas
não se contentou em ser o pastor, mas quis ser o “chefe”37, o líder político. Com

34. A guerra santa ou “sagrada”, na qual povoados inteiros são massacrados (1Mc 5,28.34-35.51; 2Mc 12,13-
16), propõem-nos problemas teológicos de difícil solução. É importante considerar que: “A maioria das guerras
e dos relatos de aniquilação são provavelmente ampliação literária – na linha do Dt – de escaramuças ou lutas
reais, orientadas no sentido de garantir a segurança contra inimigos atuais ou potenciais. Em segundo lugar, é
preciso recordar que o povo judeu age nestes casos em defesa de sua própria identidade, das ‘tradições pátrias
e da lei’ (...). Finalmente, é preciso lembrar que estamos no Antigo Testamento e que essas atitudes não foram
sancionadas por Jesus”. LAMADRID, A.G. et al. p. 307.
35. GALLAZZI, S.; RUBEAUX, F. p. 128.
36. Idem, p. 128.
37. Idem, p. 32.

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certeza, o orgulho e a soberba também chegaram-lhe ao coração, pois, após o


louvor de todo o Israel e das nações, Judas sai com seus irmãos para combater,
sem ter sido provocado (1Mc 5,64-65).
Outrora, Matatias e seu grupo souberam discernir entre a defesa da vida
e a lei do sábado; na hora da luta, Judas foi capaz de julgar, com os seus, as
estratégias para melhor organizar os guerreiros para a batalha. Mas, naquele mo-
mento (1Mc 5,64-65), faltou a Judas um verdadeiro da situação.
A guerrilha iniciada com o objetivo de preservar a identidade cultural e religiosa
do povo se transformou em luta para reconquistar todo o território que, na época
de Salomão, pertenceu aos israelitas. É a busca política para refazer um Estado

dos “males”.
As quatro últimas batalhas de Judas contra: Lísias (1Mc 6,18-63); Báquides
(1Mc 7,1-24); Nicanor (1Mc 7,25-50) e Báquides (1Mc 9,1-22) rendem-lhe três
derrotas e apenas uma vitória. Judas perde seu poder de convocação (1Mc 6,54);
perde muitos combatentes pela morte ou dispersão (1Mc 6,42.54; 7,16.19; 9,2.6 )
e, depois de reconhecer “seu coração esmagado, pois não era mais a hora propí-
cia para reunir os seus” (1Mc 9, 7-10), combate até perder a própria vida (1Mc
9,17-19).
Depois da morte de Judas, o movimento revolucionário prossegue com os
irmãos: Jônatas (1Mc 9,23–12,53) e Simão (1Mc 13,1–16,24). Os judeus se tor-
nam alvo da cobiça dos poderosos, tanto gregos como romanos. Por falta de cla-
reza das situações e intenções, e por terem perdido o foco inicial da luta, ou seja,
a memória presente não mais foi regada pela mística e pelo sentido que sustentou
a luta passada, por isso o judaísmo se subdivide em diversos grupos, segundo
interesses diversos, e todos se tornam “joguete” nas mãos dos grandes.
A história dos macabeus deixa-nos, dentre outros, um ensinamento sempre

Não basta a perseverança na luta se já não existe também a mística que gera co-
munhão e integração, na defesa não dos interesses pessoais, mas do Projeto de
Javé. Atualmente, nossa sociedade também carece desse tipo de sabedoria, na
eleição de seus governantes: um verdadeiro que nos ajude
na escolha de pessoas que façam do Projeto de Javé o alicerce de seu próprio
projeto.

Conclusão
-
beus. Nas entrelinhas de nossa leitura, descobrimos o testemunho de coragem e
resistência desses nossos antepassados na fé à dominação helênica. Nesse percur-
so redescobrimos também o rosto libertador de Deus: o “Javé” do povo oprimido,

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de ontem, pelo Imperialismo grego, e de hoje, pelo sistema neoliberal globali-


zador. Reencontramos o Deus Pastor que cuida do rebanho e com seu braço o
reúne; não busca os próprios interesses, mas, ao contrário, coloca-se totalmente a
serviço das ovelhas frágeis e necessitadas de carinho e proteção.
Percebemos mais uma vez que o Projeto de Deus, que visa promover a
-
jeto das Nações que alicerça sua riqueza e poder sobre a violência, a exploração
e até mesmo a morte do povo.

impõe valores econômicos e tecnológicos que minam as bases do Projeto de Deus


destruindo valores essenciais para a construção de uma sociedade democrática,

origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com


a ambição desmedida de bens materiais, por um lado, e o empobrecimento
das relações interpessoais e comunitárias, por outro – impeliram muitas
pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no
lucro fora de toda a lógica duma economia saudável (...). As sucessivas
crises econômicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de
desenvolvimento econômico e a mudar os estilos de vida”38.

A leitura das façanhas da guerrilha macabaica suscitou em nós um olhar


crítico para o presente de nossa história despertando-nos para o de
nossas ações e atitudes. Essa capacidade de ver, por dentro e em profundidade,
situações e acontecimentos deve nos possibilitar a avaliação correta das circuns-
tâncias e iluminar nossas escolhas, quer no âmbito político, social, econômico.
Quem se apropria dos valores do Projeto de Deus se capacita para discernir na
fé a luta exigida por ele. Nós, discípulas e discípulos de Jesus, acreditamos que
somente a abertura para Deus pode possibilitar a todo ser humano tornar-se ins-

BONAVIA, P. Introdução. In: SOTER. AMERÍNDIA (org.). Caminhos da Igreja na

COMBLIN, J. Panorama da América Latina hoje. In: SOTER (org.). desa-

38. FRANCISCO. Mensagem do Santo Padre para a Celebração do XLVII Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro
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Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, p. 435-457, out/dez 2013


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Neuza Silveira de Souza


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Maria de Lourdes Augusta


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Estudos Bíblicos, vol. 30, n. 120, p. 435-457, out/dez 2013

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