Luiz Gonzaga de Carvalho As Religioes Do Mundo I Aula 05 Transcricao
Luiz Gonzaga de Carvalho As Religioes Do Mundo I Aula 05 Transcricao
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Religiões do Mundo I
Introdução à Religião Comparada
Aula 05
Introdução ao Hinduísmo e Budismo.
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Religiões do Mundo I
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Segundo os hindus, cada coisa, cada objeto, cada ser tem um dharma,
ou seja, tem uma ordem intrínseca que o apóia na realidade. Na medida em que
aquele ser se desvia daquele dharma, ele perde a sua identidade própria, e passa
a ser um mero efeito de outros seres. Por exemplo, o hindu diz que, se um
indivíduo humano particular não segue o seu dharma, o seu comportamento
será determinado pelo quê?
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São Francisco Xavier chega à Índia para pregar o Cristianismo. Ele começa a
pregar e converte algumas pessoas; quando essas pessoas convertidas são em
número suficiente [relevante], esse grupo chama a atenção dos sacerdotes
hindus: “uma nova religião está sendo pregada aqui no território hindu; o que
iremos fazer?”. Reuniram um grupo de sacerdotes [brâhmanes] e chamaram
São Francisco Xavier para explicar a sua religião para eles; ficaram três dias
reunidos, e São Francisco Xavier foi explicando, até que uma hora eles falaram:
“isso aí é sanatana dharma. Você pode pregar essa religião dentro do nosso
território”. Aí São Francisco Xavier falou: “então, já que essa aqui é a religião,
vocês não vão se converter?”, e os sacerdotes hindus responderam: “não, claro
que não. Como nós iremos nos converter? Não dá para se converter do
sanatana dharma para o sanatana dharma. Nós continuaremos fazendo
exatamente o que sempre fizemos, mas você pode pregar isso para as pessoas, e
a maior parte das pessoas que não são sacerdotes irá se converter, porque esse é
mais um caminho”. Essa foi uma visão que espantou São Francisco Xavier. Nas
suas cartas para Santo Inácio de Loyola, que era o seu superior na Ordem [dos
Jesuítas], ele descreve isso, e percebe-se o seu espanto, porque foi a primeira
vez que ele viu uma reação desse tipo. A Ordem à qual ele pertencia era uma
Ordem fundamentalmente missionária, os jesuítas eram fundamentalmente
missionários, e em todos os lugares nos quais eles iam pregar era assim: ou as
pessoas se convertiam, ou os matavam [matavam os missionários jesuítas] –
não tinha meio-termo. De repente aparece um grupo que fala: “não, está
perfeito, isso aí está ótimo, pode pregar, mas nós não iremos nos converter”. Se
olharmos a sucessão das suas cartas, percebemos que é uma sucessão de
tentativas para enquadrar isso nos seus conceitos, ou seja, para criar conceitos
para tentar entender o que era um sacerdote hindu e qual era a visão que um
sacerdote hindu tinha do mundo.
Esse trabalho que foi iniciado com São Francisco Xavier, para tentar
entender os hindus do ponto de vista cristão, começou no século XVI e continua
até hoje. No século XX, o padre “Beda Grift” [???] foi para a Índia fazer a mesma
coisa que São Francisco Xavier, e viu que aconteceu exatamente a mesma coisa,
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Professor: não, eles tratam essas diferenças como sendo uma expressão
natural da infinitude do real. Do mesmo modo que Deus faz pessoas diferentes,
Ele faz caminhos diferentes para essas pessoas chegarem até Ele. Porém – esse é
um ponto sutil do Hinduísmo –, eles não professam uma liberdade de religião,
não é isso que eles professam. Eles falam: “para você, para cada indivíduo
concreto há apenas um caminho concreto, que é o seu dharma, e você tem que
descobrir o seu dharma; você não é livre para escolher o seu dharma. Você tem
que investigar até descobrir qual é o seu dharma”. Então quando eles aceitam a
existência de diversas religiões, eles não estão aceitando a liberdade de você
passar de uma religião para outra. Isso não está sujeito ao seu arbítrio; está
sujeito à sua consciência, mas não ao seu arbítrio. Essa é uma pequena distinção
que o Concílio Vaticano II também fez quanto às religiões, e que é muito sutil.
Não é a sua vontade que deve decidir para qual religião você vai, é a sua
consciência, ao olhar todo o seu ser. Esse é um pensamento hindu tradicional, e,
embora seja um pensamento cristão tradicional, ele só se explicitou no século
XX, no Concílio Vaticano II. Encontramos referências a esse pensamento nos
santos padres, mas ele não está elaborado e não está explicitado. Por exemplo,
Santo Agostinho tem um conceito muito semelhante ao sanatana dharma, que
é o conceito de vera religione, de verdadeira religião. Ele fala: “a verdadeira
religião sempre existiu, evidentemente. A verdadeira religião existe desde Adão,
desde que existe ser humano, e agora ela passou a se chamar Cristianismo”. Ou
seja, ele admite que o Cristianismo é uma expressão de uma verdadeira religião,
que é historicamente anterior. Esse pensamento nunca foi muito desenvolvido
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Religiões do Mundo I
Professor: essa tensão existe porque toda religião tem uma origem
histórica: houve um momento em que não existia aquela religião, e depois
daquele momento passou a existir. Por outro lado, todas as religiões afirmam:
“isto aqui é um negócio eterno e necessário para o ser humano”. Como você
resolve o conflito entre essas duas premissas? Se é eterno, por que surgiu num
determinado momento do tempo? Se é necessário, por que Deus não fez todo
mundo [fazer parte] dessa religião desde o começo? Essa tensão surge em todas
as religiões, de um jeito ou de outro. A única religião em que não surge essa
tensão é o Judaísmo, porque ele se afirma como uma lei que surgiu num
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momento histórico; é por isso que o senso de história é mais forte entre os
judeus do que entre qualquer outro povo. Eles falam: “a nossa religião é a nossa
história, e a nossa história é a nossa religião”.
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Para quem tem interesse em saber detalhes sobre o Jnana Yôga, você
pode ler os escritos do Ramana Maharshi, que foi um grande jnani do século
XX, foi um sujeito que atingiu a realização espiritual por meio do Jnana Yôga.
Ele era de família brâhmane, mas uma família muito relaxada; durante a
infância e adolescência ele não recebeu nenhuma educação religiosa. Ele fala:
“na minha família só se falava em dinheiro, em casa só se falava em dinheiro.
Nunca ouvi uma palavra sobre religião. A primeira idéia que eu tive do que era
religião foi um dia em que chegou à minha casa um sujeito vestido de laranja, e
me falaram que ele era meu tio”. Era um tio dele que havia virado monge
mendicante. Ele perguntou: “tio, por que que você vive assim?”. Aí o tio contou
uma história sobre a família dele: “na nossa família, tantas gerações atrás,
aconteceu o seguinte: um dia veio um sujeito na nossa porta, veio um pária na
nossa porta e pediu uma esmola, e o nosso antepassado o mandou embora a
chute. Só que aquele sujeito lá era o grande santo não sei o quê, e ele botou uma
maldição na nossa família, dizendo que, a cada geração na nossa família, uma
pessoa ou se tornará um monge mendicante em busca da santidade, ou ficará
louco e virará mendigo, em toda geração. Na geração anterior à minha foi o tio-
avô fulano que ficou louco. Quando eu era novo, eu fiquei sabendo dessa
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história, e pensei: ‘eu não quero que ninguém na minha família fique louco,
então virarei monge mendicante’”.
Um dia, indo para a escola, ele sentiu uma atração pelo templo, e
começou a frequentá-lo e fazer muitas orações – fez isso acho que durante dois
ou três meses. Depois desse tempo, ele decidiu: “eu preciso descobrir quem é o
eu”; voltou do templo para casa – a família dele já estava começando a ficar
preocupada, porque ele estava indo demais ao templo –, pegou o dinheiro que
havia num pote, e que era destinado às despesas domésticas, foi para a estação
de trem, deu o dinheiro e perguntou: “para onde esse dinheiro me leva?”. “Esse
dinheiro te leva a tal lugar”. “Então me dê uma passagem para esse lugar”.
Chegou lá, era uma vila perto da qual havia uma montanha especialmente
sagrada para os hindus, o Monte Arunachala. Aí ele decidiu: “vou até o pé do
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O quê aconteceu? Esse sujeito que limpava o templo falou para outras
pessoas: “olha, tem um grande santo em meditação no templo tal”. Várias
pessoas começaram a ir lá, prostrando-se diante dele, fazendo orações pedindo
milagres etc. Uma hora o Maharshi despertou da sua meditação, viu que tinha
um monte de gente lá, dormindo – já era noite –, e pensou: “tem gente demais
aqui, vai me atrapalhar”, saiu de lá e foi pro meio do mato, no mesmo monte,
continuando o mesmo processo.
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o eu. Normalmente, mesmo um jnani não faz isso; ele segue um caminho de
investigação que é suportado por uma série de outras práticas: ele continua
trabalhando, reza, dá esmola, faz todas as outras coisas que as outras pessoas
fazem, mas todas essas coisas estão subordinadas e centradas na pergunta
“quem sou eu?”. Mas um sujeito jnani puro é muito raro, e quando acontece [de
aparecer alguém assim], ele simplesmente vai lá e investiga o que é o “eu”.
Como existe muito da vida do Ramana Maharshi registrado, é um caso
interessante para quem se interessa em saber o que é o Jnana Yôga.
Outro livro que vocês podem ler sobre Jnana Yôga – esse existe em
Português, numa tradução razoável – é A jóia suprema do discernimento. Este
livro é de autoria de Shankara, que foi talvez um dos maiores jnanis da história
do Hinduísmo, e fundou, lá pelo ano 900 d.C., um mosteiro para a prática do
Jnana Yôga, que existe até hoje, ou seja, é fundador de um mosteiro que já tem
mais de 1000 anos de história. Até hoje os monges desse mosteiro que ele
fundou são uma referência entre os hindus, no ensino da doutrina hindu.
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Os hindus dizem que, para você chegar a Deus por meio da sua ação,
bastam duas coisas, dois princípios fundamentais do Kharma Yôga. Um deles é
que você tenha uma espécie de Bhakti Yôga menor, ou Jnana Yôga menor, ou
seja, ou você precisa estudar muito bem a doutrina da sua religião, ou você
precisa rezar bastante – uma parte do que você está fazendo é rezar –, e você
complementará isso com o seguinte: em tudo o que você fizer, você abster-se-á
dos resultados, abster-se-á de buscar resultados. Por exemplo, você leva o seu
carro no mecânico, para ele consertar – é uma ação. Qual é o seu propósito?
Que o carro esteja consertado no final. Uma hora o mecânico lhe devolve o carro
e este está funcionando. Se o mecânico lhe devolve o carro e ele está
funcionando, a sua reação sentimental é uma, a sua emoção é uma; se ele lhe
devolve e não está funcionando, a sua reação sentimental é outra; se a conta do
mecânico é baixa, sua emoção é uma; se a conta é alta, sua emoção é outra. Pois
bem, o Kharma Yôga consiste em desprezar todas essas reações emocionais ao
resultado. O único jeito de isso acontecer é que, desde o começo, na ação, você já
tenha renunciado ao resultado. Você tem um propósito lógico para a ação,
evidente – toda ação tem um propósito –, mas você, desde o início, tem de ter
renunciado a todos os resultados.
Eles falam: “a única coisa que você precisa fazer é, desde o início, em
cada ação particular, renunciar aos resultados”. É assim: você planeja a ação,
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direitinho, do jeito que ela tem que ser planejada, para que ela chegue ao fim ao
qual ela tem que chegar, mas ao final você renuncia [à expectativa do resultado],
você pensa: ‘se não acontecer assim, se acontecer tal coisa e der tudo errado,
não faz mal, porque eu [ênfase no “eu”] não queria para mim esses resultados’.
Você tem que ir, de pouquinho em pouquinho, em cada ação, destruindo as suas
expectativas temporais. O propósito do Kharma Yôga é conduzir o indivíduo a
uma realização que muda o mínimo possível da sua vida. O Jnana Yôga e o
Bhakti Yôga conduzem o sujeito a vidas bastante incomuns; o Kharma Yôga
não. Se você era um sujeito honesto, que não fazia nada de desonesto, ao chegar
ao final do caminho do Kharma Yôga você muito provavelmente levará
exatamente a mesma vida que já levava, exteriormente, no começo. O quê que
mudará? Mudará o interior: o primeiro resultado de um ou dois anos de
Kharma Yôga é uma serenidade interior inabalável.
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Esse é um tipo humano difícil de entender quando nós não somos desse
tipo, é difícil perceber que existem pessoas que são assim, porque desde
pequeno eles se treinam pra não mostrar demais isso, uma vez que o mero
voltar a sua atenção para isso tornar-se-ia um hábito patológico. Mas, sendo
essa a força psicológica, ou psíquica, mais relevante na psique de um indivíduo
humano, também essa força psíquica pode ser usada como um instrumento
espiritual, ou como base para um Yôga. Para essas pessoas existe o Raja Yôga.
Raja significa “o que é relacionado aos reis”, significa “real”, mas no sentido de
ligado à realeza, porque o instrumento do Raja Yôga, o método do Raja Yôga é
obter um domínio sobre os seus processos psicológicos e fisiológicos.
Professor: sim, ele passou por tudo isso, ele praticou de tudo um pouco.
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INTERVALO
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Tudo que você pode expressar claramente e literalmente, está sob o seu
domínio, mas o próprio Deus não está sob o seu domínio, então você não pode
expressá-Lo tal como Ele é; toda expressão já é uma adaptação. Os Vedas,
partindo dessa premissa, apresentam várias descrições de Deus, várias
descrições do Absoluto.
Outra questão que levantaram [no intervalo] é: “os hindus são pacíficos,
e eles não ficam matando uns aos outros”. Então eu disse: “isso não é bem
verdade, os hindus não são tão pacíficos assim”. Aliás, um dos grandes clássicos
da literatura hindu é justamente sobre uma guerra de um sujeito contra seus
próprios parentes. A história hindu é cheia de assassínios e massacres, como a
história de todos os outros povos. O hindu não é mais tolerante do que os
outros, isso é só uma visão mítica que nós temos, nós que, não estando na Índia,
não tendo vivido a história da Índia, temos essa impressão. Quando um
sacerdote hindu diz: “algumas pessoas chegam a Deus pelo Cristianismo, outras
chegam pelo Vishnuísmo, e outras chegam pelo Islamismo”, dizer isso é uma
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coisa; botar todas essas pessoas para conviver na sociedade, em paz, é outra
completamente diferente, e o próprio Hinduísmo já tem um mecanismo que fala
que não é possível botar todas essas pessoas para conviver em paz. Por quê?
Porque a ordem social é uma expressão simbólica do sanatana dharma. Se ela é
simbólica, significa o quê? Uma ordem simbólica é uma ordem que implica
necessariamente em algum elemento de desordem. Eles mesmos sabem que não
é possível uma paz absoluta no terreno da ordem social, no campo da ordem
social – isso é impossível. O que os Vedas oferecem? Isso é uma característica
especial dos Vedas: eles oferecem, explicitamente, o princípio fundamental da
ordem social, e nesse sentido a sociedade hindu é mais pacífica. Eles dizem:
“existem quatro categorias hierárquicas de funções sociais, e a ordem social
depende, em última análise, da hierarquia correta dessas funções”. Essas
funções são as quatro castas. Mas, novamente: dizer isso não é solucionar todo e
qualquer problema de desordem social, é simplesmente dar um princípio de
otimização da ordem social.
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Aluno: esse “se você puder” funciona como uma cláusula de abertura.
As diferenças que são propostas desde o início em uma religião são mais
maleáveis no começo, ou menos definidas no começo, e mais formais no final.
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Por exemplo, como se faz hoje para definir quem é bispo e quem não é na
Igreja? Existe uma série de critérios formais, critérios estes que o Cristo não
explicitou quando estava selecionando alguns bispos. No entanto, Ele tinha
algum critério pra selecionar. Na Bíblia fala: “Ele escolheu 72 discípulos e falou:
‘vocês pregarão para todo lugar’”. Segundo a tradição, esses 72 eram o que hoje
nós chamamos de bispo, mas na hora Ele não falou: “você é bispo, e para virar
bispo tem que fazer isso, isso e isso”. A formalização dos critérios é necessária
na medida em que cresce a população daquela religião. É certo que no período
de revelação dos hinos védicos eles tinham critérios para decidir quem era
brâhmane, shudra, vaishya e kshatrya, mas esses critérios eram intuitivos, e
não expressos. No decorrer das gerações teve-se que ir formalizando. Quando se
formalizam os critérios, eles não se aplicam a determinadas categorias de
pessoas. Deste modo, existe um problema concreto. A possibilidade de ser hindu
ou não se torna, na prática, uma questão étnica: “você é de família indiana ou
não?”, do mesmo modo que, na prática, ser judeu ou não é uma questão étnica.
Não é que em princípio é só uma questão étnica, não: em princípio pode haver
conversões, mas, concretamente, será muito difícil, conversões para essas duas
religiões são muito difíceis.
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Aluno: e a maçonaria?
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Professor: não, porque a primeira coisa que o Buda fez foi falar: “o
sistema de castas não vale nada!” [risos]
Professor: o cristão indiano que vive na Índia tem que aceitar o sistema
de castas. Recentemente essas coisas estão mudando, porque a própria Índia
está mudando. Um problema que surgiu no Hinduísmo é que justamente os dois
últimos grandes santos hindus aboliram, na prática, o sistema de castas. O
Rama Krishna e o Ramana Maharshi falaram: “o sistema de castas é
perfeitamente válido, mas não é ele que está acontecendo aqui na Índia. Os
indivíduos que todo mundo está chamando de brâhmanes não são brâhmanes,
e os indivíduos que todo mundo está chamando de shudra não são shudra. O
sistema de castas é válido, mas ele já não existe mais”. Talvez isto esteja
ocasionando muitas conversões ao Budismo.
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maior, de budistas, se impor sobre eles, eles não podem aplicar o sistema de
castas, então isso é muito complicado de saber. Os próprios hindus não se
incomodam com isso, porque, para eles, é como eu falei: “a nossa religião é o
sanatana dharma, ela é eterna; se mudarem as formas de expressão, mudaram
as formas de expressão”. É claro que com a perda de uma forma de expressão,
algo se perdeu humanamente, mas esse algo é substituído por outro.
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Professor: não. Eu sei que hoje em dia isso é difícil de entender, porque
atualmente, aqui no Ocidente, as pessoas não têm a religião com a mesma
intensidade que todo mundo sempre teve, mas vamos pensar o seguinte:
substitua religião por comida; ao invés de usar a palavra religião, use a palavra
comida, alimento. Então você trabalha, ganha dinheiro, e compra um alimento
para os seus filhos. O que acontecerá se você estiver numa vila na qual só a sua
casa tem alimento (todas as outras não têm)?
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Aluno diz que a reação cristã foi tardia, no caso das cruzadas.
Professor: sim, porque antes eles olhavam e falavam: “isso ainda não é
uma questão de sobrevivência da religião, não precisa fazer isso agora”. Só no
momento em que eles viram: “opa, isso aí está ameaçando a unidade do nosso
mundo religioso”. O que isso significa? Na prática, os mundos religiosos
precisam de fronteiras. Assim como o mundo econômico e o mundo político
precisam de fronteiras, o mundo religioso também precisa de fronteiras, precisa
de um território, onde aquilo possa se exercer livremente, sem coerção
contrária, sem perigo de contaminação. Isso está sempre no começo de toda
religião; está lá, se não me engano, em São Timóteo: “preservai o depósito da fé,
guardai o depósito da fé”, ou seja: “vocês receberam um negócio, agora não
deixem isso se perder, não dissipem esse tesouro”. Toda pessoa que tem uma
religião sabe que aquela religião é um tesouro que ela tem que preservar.
Professor: aí você descobriu que você pertence àquela religião. Você não
descobriu que ela é melhor, você descobriu que você pertence a ela. Uma
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conversão não é um juízo sobre a religião, é um juízo sobre você. Você não tem
como provar que uma religião verdadeira é negativa em relação a outra, e dizer:
“o Hinduísmo é mais rico do que o Cristianismo”, você não tem como fazer isso.
Você tem como perceber, por exemplo: “no Hinduísmo, eu tenho mais religião
do que no Cristianismo; eu [ênfase no “eu”] pego mais da religião nessa aqui do
que na outra”. Isso significa que as fronteiras religiões existirão, primeiro, como
uma necessidade prática, e, segundo, que elas serão determinadas pela
necessidade prática.
Qual é a religião que tem mais adeptos? Aquela que mais pessoas
percebem como a sua religião – simples.
Professor: eu não posso esperar, eu nem sei se ela viverá lá pra frente.
Isso é a mesma coisa que: vou esperar que a necessidade de comida surja mais
pra frente na criança. Ótimo, às três da manhã ela acordará te pedindo comida,
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te pedindo almoço. Como você acha que ficará a saúde dessa criança se você
fizer isso durante dois anos pra ela? Você destruiu a saúde dela.
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