Relatório de Pesquisa II

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

Instituto de Artes - Curso de Teatro

Urgências Contemporâneas: a sexualidade[s] em cena.


A composição em uma investigação criação.

Lara dos Santos Pires

Orientador: Narciso Telles

11511TET005
Uberlândia, MG
INTRODUÇÃO:
Diante da possibilidade de criar um trabalho original, vi uma grande necessidade de me
colocar diante do vazio para permitir que as manifestações do espaço e do trabalho me
afetassem de maneira criativa. É preciso se colocar diante do vazio para praticar o exercício de
selecionar e arranjar componentes que, separados da linguagem teatral nos permitem acessar
outro campo que vou chamar de campo compositor.
A investigação criação nos coloca em ação e o processo de composição, baseado nos
estudos dos viewpoints nos revelam e destacam nossos pensamentos e sentimentos que ecoam
no inicial vazio. Mas porque é tão importante nos colocar diante do vazio e valorizar as
manifestações do espaço e do trabalho em ação?
Há uma incipiente pressão dentro do processo de criação onde encontramos uma
pressão contínua em gerar, forçando nossa criatividade e não nos permitindo a entrega
verdadeira e sincera para o trabalho de composição, é preciso confiar que há algo a ser
descoberto, outras coisas que vão além do ego e da imaginação, prontas para nos captar. É
preciso deixar acontecer e entender que a fonte da ação e a invenção vem até nós a partir dos
outros e do mundo físico ao nosso redor.
É preciso reconhecer nossas limitações e nos colocar em prática, as possibilidade não se
manifestam diante de uma mente parada e de um corpo fora de prática. É preciso compreender
que não há uma presumida autoridade absoluta diante da criação e sim uma mente organizadora.
Não há, necessariamente bom ou mau, certo ou errado e sim possibilidades e escolhas.
É preciso compreender que em um processo de criação não há tempo certo de trabalho,
momento certo de organizar ideias, é preciso compreender a liberdade e estar sempre em estado
de atenção. O estado de atenção nos permite observar, testas e organizar as possiblidades que
futuramente se tornam escolhas e as escolhas são eróticas e violentas. É preciso se libertar das
amarras da limitação e se dispor á liberdade.
Para que isso aconteça, é necessário um bom espaço de trabalho que nos permite
praticar e testar novas ideias e possibilidades, é preciso estar sempre em prática para que o
processo evolua e não retroceda. Um processo de composição desperta todos os nossos sentidos
e se torna um teste pessoal, medidor de suas próprias forças e fraquezas. É a atentividade que
nos oferece essa possibilidade de mudar e crescer.
Dentro dessa imersão compositiva pude perceber um comportamento domesticado por
formas que me mostravam aquiescência e aceitação, automaticamente enxerguei a necessidade
do risco, as ideias compunham cada passo do exercício de criação e era preciso desconstruir
para reconstruir. A energia horizontal como uma energia que nos conectava, nós criadores, fazia
com que tudo fosse tendencioso, era preciso também reenergizar, transformando a energia
horizontal em uma energia vertical, que nos conectasse com á natureza, o universo e as nossas
urgências contemporâneas.
Uma época extremamente marcada por manchas sociais como a corrupção, o
desemprego, a censura, o preconceito e o medo, fez com que fosse necessário também uma
conexão pesada, incontrolável, visível e não refinada, que transformasse nossas criações e
pensamentos, transformando também o trabalho em uma crítica pessoal que atravessasse o
produto e transformasse a nossa disposição em verdadeira vitalidade.
A necessidade do trabalho estar vivo era evidente, assim, as construções começavam a
tomar forma, a forma invocava o treinamento e o treinamento transformava o trabalho,
evidenciando a primeira estrutura construída diante desse vazio que transformava o trabalho e o
atuante, fosse ele criador, auxiliar ou observador. Quebramos a barreira da polidez e dos medos
individuais, encorajando cada indivíduo a transformar ainda mais o trabalho.
A estrutura dramatúrgica apresentava uma grande possibilidade de jogo, as cenas eram
então separadas e transformadas constantemente, a ligação entre uma e outra era descoberta em
jogo, transformando os ensaios em uma distração de descobertas constantes, mudanças
inconstantes e fazendo com que o trabalho fosse parte numerosa dos pensamentos diários.
Alguns dos exercícios de construção que quero destacar são: não deixar nossos desejos
desassistido; não nos preocupar com a coerência entre uma parte ou outra (o que aparta todo o
trabalho é o fato de que estamos construindo e fazendo); compartilhar com as pessoas o que era
construído.
A evolução era constante e rapidamente começamos a nos encontrar com alguns
resultados, alguns nos contentavam outros eram descartados ou transformados. Em um trabalho
de criação é preciso uma boa relação com o desapego, uma boa relação com o desvio de ideias e
abertura para novos resultados, mas uma pergunta nos assombrava, onde vamos chegar?
A distância e assimetria são ingredientes secretos da criatividade, quando saímos da sala
de ensaio, a sala continuava a mesma, mas algo em nossa mente mudava e isso alterava tudo.
Era preciso não estar na sala de ensaio por algum momento. Não pode deixar que nossos
pensamentos sobre o trabalho fiquem em um estado de conforto, é preciso constantemente se
questionar e deixa-los desconfortáveis. Estamos aprendendo incessantemente, uns com os
outros. Onde vamos chegar?

A execução:
Foram organizados componentes separados da linguagem teatral, destacando a
hibridez do fazer teatral com intuito de compor algo coeso para o palco. A composição é
uma prática metodológica que gera, define e desenvolve um vocabulário teatral, uma
investigação corporal individual, a descoberta dos limites e a descoberta sensorial, o
entendimento de um trabalho organizado em grupo, criando fragmentos e transformando-
os, revelando os pensamentos e sentimentos acerca do esboço de material que surgia a
cada encontro.
Os encontros então foram divididos em três fases complementares. Cada fase
subdividida em três etapas. A primeira fase esteve relacionada diretamente com o
trabalho corporal, focando em práticas exaustivas, meditativas e sensoriais, suas etapas
foram compostas por laboratórios de ações (exaustão, investigação corporal, exploração
de partituras físicas, práticas de yoga, meditações ativas e guiadas); laboratórios de
criação ( jogos de improvisação, exercícios de construção de arquétipos e personagens,
exercícios imaginativos); e laboratórios técnicos ( viewpoints de tempo: andamento,
duração, resposta cinestésica e repetição; viewpoints de espaço: forma, gesto, gesto
comportamental, gesto expressivo, luz e som).
Na segunda fase começamos a desenvolver o trabalho de composição, as
investigações começaram a tomar uma direção específica. O objetivo era transformar
nossa prática em fragmentos que começariam a ser usados para a construção do trabalho
coeso para o palco. As três etapas da segunda fase eram: a construção da dramaturgia (a
dramaturgia foi construída a partir de questões que apareceram no processo de criação,
afetada pelas urgências contemporâneas e pelo tema principal da oficina ofertada, a
dramaturgia mistura questões políticas, afetivas, sexuais e ideológicas); meditação ativa
(exercício de escrita que partem da meditação guiada, eram usados os temas acima
citados); e a estruturação do exercício cênico (escolha da sonoplastia, manutenção da
dramaturgia, estruturação das cenas a partir dos exercícios repetidos da primeira fase).
A terceira e última fase tinha como objetivo fechar a estrutura do exercício cênico.
Composta por três etapas: apresentação do roteiro e da estrutura final do texto
dramatúrgico (organizado e já definido); ensaios e manutenção das cenas (eram
discutidos em grupo a estrutura das cenas, buscando sempre anexar o que já tínhamos
trabalhado durante o processo procurando absorver e transmitir a essência de cada etapa
já concluída); apresentação do exercício com portas abertas.

A dramaturgia:
Era essencial que houvesse ali uma escrita, a cada olhar ganho e perdido no
espaço, a cada suspiro de cansaço, a cada movimento sistemático, um pedido
essencialmente trágico. Na memória de uns e outros, as palavras se misturavam em
uníssono. Reparo, amparo, compreendo e recomendo, repete!
As palavras se misturavam feito moléculas em estado de agitação, aforismos e
frases célebres apareciam como vultos inevitáveis. Era possível identificar a necessidade
da comicidade em tantas memórias expostas, estonteantemente entontecedor.
Como um jogo de xadrez era preciso ter estratégia, a cada movimento uma
repentina consequência, solitária e violenta, a decisão. Compreenda cara leitora, a poética
da solidão. Consciência, responsabilidade docente, indecente impressão de que tudo se
esvai das mãos, do corpo, do troco dessa moeda de troca. Eles ensinam sobre constância
e eu, autoritária influência intelectual, sistematizava toda criação oferecida a preço de
feira no final do dia.
Eles questionaram, alguns foram embora, outros permaneceram, uns rotineiros
responsáveis, outros, surpresas desagradáveis e os olhares eram todos meus. Sobre
preparo, quase quatro anos de preclaro:
“Docente indecente inventou de escrever um texto dramático que mostra o passo para
trás que o Brasil deu, ouvi dizer que também deixa por dizer que amor é tristeza que se
concede junto, que sexo é espetáculo e que o povo ta apático com esse capitalismo
simpático, oferecido a preço de banana prata amassada em dia de quarta. Sabe o que eu
acho? Que o povo tem que ver essa balburdia na universidade, entrar lá e assistir sobre si
mesmo, questionar um pouco os atos para depois o panelaço a gente poder entender. Eu
mesmo disso não quero saber, mas se você for ver me manda uma mensagem, quem sabe
em um momento de vaidade, eu vou ai ver!” – Disse um deles.

O processo:
Era preciso se reconhecer, conhecer o outro e o espaço. A proposta perpassava
diversas vezes por questões íntimas e poéticas do indivíduo, mesclado com os exercícios
sobre tempo e espaço. Corpos diferentes espalhados, uns mais dispostos que outros, era
preciso transformar os exercícios, essa era a primeira tarefa, essencial para a construção
de uma autoridade intelectual e sensível.
A estrutura dos encontros acontecia em três momentos, o primeiro momento era
física, exercícios de alongamento, aquecimento; o segundo momento sensorial, onde
transformávamos o cansaço e a exaustão em sensibilidade e encontro com o outro. Os
corpos se encontravam, sem relacionava e com isso era criada e construída a intimidade
do grupo. O terceiro momento eram exercícios que no início do processo eram voltados
para improvisação e de acordo com as fases propostas no plano se modificavam em
ensaios e construção de cena.
Com a evolução do processo, nós, já compartilhando um desejo comum para
alcançar o objetivo comum, começamos a olhar para o trabalho com um olhar mais
pontual, investigando o que seria nossa questão diante dos temas. A questão era o
indivíduo social, partindo dessa perspectiva do eu e dos nós sociais, começamos a
investigar o que seria nossa âncora do processo, o que nos levaria até a questão, qual seria
nosso veículo de acesso? A narrativa.
Depois de encontrar a questão, o indivíduo social e a âncora do nosso processo, o
trabalho com a narrativa, de maneira intuitiva foi construindo a estrutura, onde todo
exercício se sustentaria. Usando a coralidade, as quebras dramatúrgicas (estrutura de
roteiro onde não existe uma continuidade lógica, tratando de assuntos divergentes que se
complementam ao olhar para estrutura como um todo), músicas como dispositivo de ação,
diferentes andamentos em diferentes velocidades, níveis e desníveis, conseguimos
compor o que vou chamar de produto final.

A Conclusão:
O trabalho do artista docente é um trabalho sensível. O olhar, a solidão, o desejo,
o compartilhamento e o objetivo foram essenciais para que nesse processo de composição,
eu, assim como eles, conseguíssemos alcançar o produto final. O produto final não é
apenas um resultado e sim uma tradução do que foi vivido, desejado, abandonado e
almejado durante um trabalho transformador.
Eu estava presente em cada milímetro de mudança, em cada frustração
compartilhada e em cada vitória comemorada. Estava em um lugar de destaque e de
alicerce, a autoridade intelectual, como eles chamaram, foi essencialmente didática, onde
eu procurava transpassar todo conhecimento e embasamento a cada orientação, a cada
opinião reforçada. Eles aprenderam, reproduziram e transformaram.
Muitas dificuldades surgiram durante o processo, caminhos tortuosos e situações
não pretendidas. Era preciso cuidar do ambiente, era preciso transpassar tranquilidade e
calma, e porque? Nós somos o que vivemos, transformados no que absorvemos e nessa
caminhada pela licenciatura, onde amei, odiei, pude perceber que a genialidade existe em
cada um de nós. É preciso se manter insistentemente forte para criar.
Éramos apenas dezesseis integrantes, prontos para mostrar o que construímos juntos,
prontos para contar que permanecemos juntos no intuito de compartilhar o quão grandioso
foi esse processo. O teatro.

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