Vocalismo e Consonantismo
Vocalismo e Consonantismo
Vocalismo e Consonantismo
VOCALISMO
ē ī ō ū – longas e fechadas
No latim vulgar, desapareceu a oposição quantitativa e as vogais passaram a se diferenciar apenas pelo
timbre, isto é, abertas ou fechadas. No entanto, em toda a România, o i aberto se confundiu com o e fechado, e
o u aberto se confundiu com o o fechado. Desse modo, as dez vogais do latim clássico (cinco breves e cinco
longas) se reduziram no latim vulgar a sete, conforme o quadro a seguir:
Latim clássico Latim vulgar
ă
a
ā
ĕ ɛ
ē
e
ĭ
ī i
ŏ ϲ
ō
o
ŭ
ū u
Como se pode perceber, o português conservou o mesmo quadro de vogais do latim vulgar, ao
contrário de outras línguas românicas, como o espanhol (que não tem as vogais abertas) e o francês (que
apresenta um quadro mais amplo do que esse, com a inclusão de vogais médias centrais como /y/, /ø/, /oe/).
Para o estudo do vocalismo, é fundamental a distinção entre vogais tônicas e átonas.
Vogais tônicas: sofreram apenas as alterações já apresentadas no quadro anterior. Elas se mantiveram,
na passagem do latim ao português, em virtude de sua tonicidade.
Latim clássico Latim vulgar Português
ăquam água
a
pācem paz
nĕbulam ɛ névoa
secrētum segredo
e
cĭsta cesta
rīvum i rio
rŏtam ϲ roda
sapōrem sabor
o
bŭccam boca
secūrum u seguro
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Vogais átonas: quanto a sua posição na palavra, são classificadas em pretônicas e postônicas,
conforme estejam antes ou depois da sílaba tônica. As vogais pretônicas podem ser iniciais ou mediais,
enquanto as postônicas são mediais ou finais:
MA TE MÁ TI CA
pretônica pretônica postônica postônica
tônica
inicial medial medial final
amicu > amigo acutu > agudo epíscopu > bispo acume > gume
As postônicas mediais adjacentes à tônica sofreram, em geral, síncope, devido à tendência dos
falantes de português a evitar (até hoje) as proparoxítonas:
víride > verde lépore > lebre ópera > obra régula > regra
a) i e u das palavras latinas passaram, respectivamente, a e e o: vivi > vive; vesti > veste; lupu > lobo;
libru > livro. Na língua medieval, essas vogais finais eram pronunciadas /e/ e /o/, mas no período
clássico da língua sofreram alçamento e passaram a ser pronunciadas /i/ e /u/, pronúncia que é
normal no português brasileiro.
b) a vogal e postônica final sofreu apócope quando precedida de consoante que podia formar sílaba
com a vogal anterior (l, n, r, s, z): male > mal; bene > bem; amare > amar; mense > mês; cruce >
cruze > cruz.
c) as vogais a e o postônicas finais não sofreram modificação: aqua > água; Cicero > Cícero.
Ditongos:
O latim clássico apresentava quatro ditongos: ae, au, oe e eu (muito raro). No latim vulgar, já havia a
tendência a reduzir esses ditongos a vogais simples. Na mudança do latim em português, tem-se:
ser monotongado em /o/ tanto no português europeu quanto no brasileiro, em todas as posições em que ocorre
e no vernáculo de todas as variedades, inclusive das urbanas mais prestigiadas.
Além desses dois ditongos, o português apresenta outros que são de origem românica, ou seja,
formados na fase evolutiva dos romances.
Diversas são as condições que levaram à formação dos ditongos da língua portuguesa:
(4) epêntese (de uma vogal para desfazer hiato): arena > area > areia
credo > creo > creio
O ditongo final ão /ãw/, tão característico do português moderno, representa a transformação das
formas arcaicas -am, -ã, -om, -õ, correspondentes às terminações latinas –anu, -ane, -one, -ine, -unt, -um, -on,
-ant, -a(d)unt:
Hiatos:
Desde a fase mais arcaica da língua, o português apresenta uma notável tendência à eliminação dos
hiatos. Os hiatos se desfizeram sob diferentes condições na história da língua:
CONSONANTISMO
O latim clássico apresentava as seguintes consoantes:
Como se pode notar, comparando esse quadro (em que se incluem também as semivogais /y/ e /w/)
com o das consoantes do português, o sistema consonantal do português é muito mais rico em fonemas
consonantais do que o do latim clássico. Faltavam ao latim todas as consoantes da série palatal, além das
fricativas sonoras /v/ e /z/. Por outro lado, as consoantes latinas podiam ser longas, caso em que eram grafadas
duplamente: ager (“campo”) se distinguia de agger (“materiais amontoados, montão de terra”). Na formação
dos romances, a distinção entre consoante simples e consoante dupla se perdeu, por ter pouco rendimento
fonológico (isto é, por não ser fundamental na distinção de palavras de sentido diferente). Somente o italiano e
o sardo conservam até hoje consoantes geminadas em seus sistemas fonêmicos: italiano note (notas) e notte
(noite).
No tocante à forma escrita, a letra V latina era simplesmente a forma minúscula de u e não a consoante
/v/, que o latim não possuía. A aspiração indicada pela letra H em latim, logo se perdeu, hoje ela sobrevive na
maioria das línguas românicas, como um indicador da etimologia da palavra. A letra C latina tinha sempre o
som de /k/ (Cicero [kikero]), e só na fase de formação dos romances ela sofreu influencia das vogais /e/ e /i/
subsequentes e passou por diversas etapas fonológicas até se tornar a sibilante que tal letra representa hoje em
português diante de /e/ e /i/, como no nome Cecília. O mesmo é possível dizer da letra G do latim, que era
sempre pronunciada /g/ e passou por diversas transformações, em português, até se transformar, diante de /e/ e
/i/, na palatal simples /ᴣ/, como na palavra gengibre.
Para representar algumas letras gregas que não existiam no latim, a escrita latina criou letras novas ou
adaptou algumas de suas letras:
a) ph, th, ch, rh: inicialmente não eram dígrafos, o h indicava uma aspiração que se seguia à primeira
consoante, fenômeno fonético inexistente em latim. Mais tarde é que a aspiração se fundiu com a
oclusão (caso do ph que passou a ser pronunciado [f] ou desapareceu; caso do th que passou a ser
pronunciado simplesmente [t]; do ch, pronunciado [k] e do rh, pronunciado [r]);
b) o y foi usado pelos latinos para transcrever palavras gregas que tinham a vogal central alta
arredondada, que se representa em francês como u e em alemão como ü. Posteriormente, essa
vogal passou a ser como um simples /i/.
c) o z representava a consoante grega pronunciada [dz]; na evolução do latim vulgar para as línguas
românicas, essa letra passou a representar a sibilante sonora [z] (português, francês), permaneceu
como [dz] em italiano (ou [tz] quando geminada: pizza [pitsa]).
Segundo a posição que ocupavam na palavra, as consoantes podem ser iniciais, mediais e finais.
Consoantes mediais:
1. As consoantes mediais surdas, em posição intervocálica, se transformaram em suas homorgânicas
sonoras:
p > b: lupo > lobo; sapere > saber
t > d: rota > roda; muta > muda
k > g: focu > fogo; pacare > pagar
f > v: profeitu > proveito; aurifice > ourives
s > z: acetu > azedo; vicinu > vizinho
2. As consoantes mediais sonoras sofreram síncope, permaneceram ou se alteraram:
b: passou a /v/ ou sofreu síncope: caballu > cavalo; ibam > ia;
d: sofreu síncope: sedere > ser > ser; fidele > fiel
g: sofreu síncope: regale > real; vocalizou-se: lege > lei; manteve-se: rogare > rogar
l: sofreu síncope: filu > fio
m: manteve-se: amicu > amigo
n: nasalizou a vogal anterior e depois desapareceu como consoante. Na maioria dos casos, a
ressonância nasal desapareceu: persona > pessõa > pessoa; vinu > vĩo > vinho.
Consoantes finais:
Em geral, sofreram apócope. Só se conservaram em português -m, -n, -r, -s:
-m: conservou-se nos monossílabos como simples ressonância nasal: cum > com.
-n: permaneceu como ressonância nasal, ora representada por til, ora por m: in > em; nom > não.
-r: permaneceu, mas passou para antes da vogal precedente, por metátese: inter > entre.
-s: permaneceu como marca de plural (aves > aves); em alguns nomes próprios (Marcus > Marcos);
nos advérbios (magis > mais) e nas desinências verbais (amas > amas).
Pela queda da vogal final -e, as consoantes -l, -r, e -s mediais se tornaram finais em português: fidele >
fiel; mare > mar; mense > mês.
Grupos consonantais
Os grupos consonantais homogêneos se reduziram a consoantes simples na formação do português:
sabbatu > sábado illa > ela
bucca > boca pannu > pano
Os grupos -rr e -ss se conservaram na ortografia, mas não correspondem a consoantes geminadas: em
português, são meros dígrafos.
Os grupos iniciais:
a) formados por oclusiva ou /f/ com a vibrante /r/ não se alteraram: braciu > braço; fructu > fruto
b) kl, fl, pl palatalizaram-se em /ᶴ/: clave > chave; flamma > chama; pluvia > chuva
c) bl e gl transformaram-se em br e gr ou se reduziram a l: glute > grude; blastemare > lastimar
Os grupos mediais:
a) formados por CONS + /r/, quando precedidos por consoantes, não se alteraram: membru >
membro; mostrare > mostrar
b) formados por CONS + /l/: cl, fl, pl palatalizaram-se: masculu > masclu > macho; macula > macla
> mancha
c) bl, gl, tl, palatalizaram-se quando antecedidos por vogal: tribulu > triblu > trilho; tegula > tegla >
telha
Alguns grupos impróprios:
a) iniciados por s- recebem um e protético: scutu > escudo; sponsa > esposa
b) iniciados por sc seguido de e ou i sofre aférese: sciencia > ciência
c) ps, rs e mm assimilam-se: ipse > esse; persicu > pêssego; autumnu > outono
d) ct e pt vocalizam-se: nocte > noite; octu > oito; acceptu > aceito
e) síncope do n nos grupos com ns: mensa > mesa; ansa > asa
Grupos de consoante mais semivogal /y/ (chamada iode):
filiu > filyo > filho; seniore > senyore > senhor; invidia > invidya > inveja