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Relato de Experiência

Rev. Fam., Ciclos Vida Saúde Contexto Soc.


http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/index
ISSN: 2318-8413 DOI: 10.18554/refacs.v10i2.6152
A terapia ocupacional na promoção da saúde mental de adolescentes de uma escola pública
Occupational therapy in the promotion of mental health of adolescents in a public school
La terapia ocupacional en la promoción de la salud mental de adolescentes en una escuela
pública
Thaís Thaler Souza1, Mayara Soler Ramos Mazak1, Marina Speranza1
Amanda Dourado Souza Akahosi Fernandes1, Maria Fernanda Barboza Cid1
Recebido: 24/06/2021 Aceito: 02/03/2022 Publicado: 29/06/2022
Objetivo: relatar uma experiência de ações de promoção à saúde mental de adolescentes no
contexto escolar com a atuação da terapia ocupacional. Método: atividade realizada numa
escola pública com alunos do ensino médio, no interior paulista em 2019, em cinco etapas
(Dinâmica inicial; Fatores de risco e de proteção; Sofrimento psíquico e estratégias de
enfrentamento; Dinâmica final; e Acolhimento). Os dados obtidos foram registrados em diários
de campo e a análise das falas. Resultados: participaram 79 adolescentes, com idades entre 15
a 18 anos, de três turmas diferentes, em três encontros. Os estudantes se envolveram de forma
interativa, identificando fatores que podem ser prejudiciais ou favoráveis à sua saúde mental,
e elencaram estratégias de enfrentamento diante das situações adversas em seus cotidianos.
Conclusão: a terapia ocupacional, à luz da atenção psicossocial, pôde auxiliar na promoção de
saúde mental de adolescentes, através de estratégias dialógicas e intersetoriais.
Descritores: Terapia ocupacional; Saúde mental; Promoção da saúde.
Objective: to report an experience of actions to promote mental health of adolescents in the
school context with the performance of occupational therapy. Methods: activity carried out in
a public school with high school students, in the interior of the state of São Paulo, Brazil in 2019,
in five stages (Initial dynamics; Risk and protection factors; Psychic distress and coping strategies;
Final dynamics; and Reception). The data obtained were recorded in field diaries and the
analysis of speeches. Results: 79 adolescents, aged between 15 and 18 years old, from three
different classes, participated in three meetings. The students got involved in an interactive
way, identifying factors that could be harmful or favorable to their mental health, and listed
coping strategies in the face of adverse situations in their daily lives. Conclusion: occupational
therapy, in the light of psychosocial care, could help to promote adolescent mental health
through dialogic and intersectoral strategies.
Descriptors: Occupational therapy; Mental health; Health promotion.
Objetivo: relatar una experiencia de acciones para promover la salud mental de adolescentes
en el contexto escolar con la actuación de la terapia ocupacional. Método: actividad realizada
en una escuela pública con estudiantes de la escuela secundaria del interior de São Paulo, Brasil
en 2019, en cinco etapas (Dinámica inicial; Factores de riesgo y protección; Sufrimiento psíquico
y estrategias de afrontamiento; Dinámica final; y Acogida). Los datos obtenidos se registraron
en diarios de campo y en el análisis de los discursos. Resultados: Participaron 79 adolescentes,
de entre 15 y 18 años, de tres clases diferentes, en tres encuentros. Los estudiantes participaron
de forma interactiva, identificando los factores que podían ser perjudiciales o favorables para
su salud mental, y enumeraron las estrategias de afrontamiento ante situaciones adversas en
su vida cotidiana. Conclusión: la terapia ocupacional, a la luz de la atención psicosocial, pudo
ayudar a promover la salud mental de los adolescentes mediante estrategias dialógicas e
intersectoriales.
Descriptores: Terapia ocupacional; Salud mental; Promoción de la salud.
Autor Correspondente: Thaís Thaler Souza - [email protected]

1. Programa de Pós Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP, Brasil.
REFACS (online) Abr/Jun 2022; 10(2) Relato de Experiência

INTRODUÇÃO

A
adolescência pode ser compreendida como uma fase de intensas transformações que
acontecem entre a infância e a vida adulta, contemplando modificações de ordem
física, psicológica e social, as quais são atravessadas pelos diferentes contextos
individuais, culturais e históricos, além de representar um processo de constantes
modificações1-2.
Pesquisas atuais apontam que, a nível mundial, cerca de 20 a 30% da população
infantojuvenil têm apresentado sofrimento psíquico3, fato que tem trazido preocupação no
âmbito da saúde mental, na medida em que as suas consequências podem ser devastadoras na
vida de crianças e adolescentes, pois geralmente estão vinculadas com a baixa participação e o
fracasso escolar, dificuldades socioemocionais, uso abusivo de álcool e outras drogas,
transtornos alimentares (que podem persistir até a vida adulta), além de tentativas de suicídio4.
Nesse sentido, a saúde mental infantojuvenil pode ser considerada como o resultado da
relação complexa entre recursos e habilidades pessoais, determinantes sociais e fatores
contextuais que estão implicados nas possibilidades de fruição, participação social, bem como
no reconhecimento e enfrentamento de desafios implicados no cotidiano. Diante disso, a saúde
mental dessa população está relacionada com a possibilidade de experimentação de prazer,
afeto, produtividade, frustração, motivação e aprendizados5.
No Brasil, no que se refere ao cuidado à saúde mental de crianças e adolescentes, destaca-
se a morosidade na proposição de políticas públicas e assistência junto a essa população, se
comparado ao cenário dos adultos6. Tratando-se especificamente dos adolescentes,
identificam-se alguns debates sobre a junção da “infância-adolescência”, de forma a ressaltar a
invisibilidade dos adolescentes, na medida em que as particularidades da infância são
destacadas em detrimento das especificidades do ser adolescente1,7.
Diante desse cenário, reforça-se que novas proposições de políticas públicas, assim como
a realização e efetivação de estratégias de intervenção ancoradas na promoção da saúde mental
e prevenção do sofrimento psíquico dos adolescentes se fazem necessárias e urgentes.
Atualmente, compreende-se que o cuidado à saúde mental desses indivíduos está pautado
na perspectiva teórico-prática da atenção psicossocial, tendo em vista algumas diretrizes de
cuidado, tais como: garantia de lugares autênticos de fala, a compreensão do sujeito a partir da
óptica da singularidade, acolhimento universal, encaminhamento implicado e corresponsável,
avaliação das demandas e a construção compartilhada das necessidades de saúde mental,
trabalho no território e a construção permanente da rede e da intersetorialidade6,8.

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No que tange especificamente o trabalho no território e a construção da rede e da


intersetorialidade, destaca-se o papel fundamental da escola no cuidado pautado no modo
psicossocial6, na medida em que se configura como um ambiente privilegiado para o
desenvolvimento de crianças e adolescentes tanto no sentido da promoção de fatores
protetivos quanto na detecção de riscos e na redução de danos psicossociais, possibilitando a
inclusão, participação social, autonomia e o direito a cidadania8-10.
Apesar da compreensão da escola enquanto contexto estratégico para a potencialização
do cuidado em saúde mental, há uma escassez de produções nacionais que enfatizam
intervenções de prevenção de agravos e promoção à saúde mental no contexto escolar9. Além
disso, os poucos estudos que abarcam essa dimensão apontam para algumas fragilidades, a
dificuldade em estabelecer parcerias efetivas e integração entre saúde e educação11.
Nessa direção, aponta-se que dentro da perspectiva da atenção psicossocial a articulação
de diferentes saberes e práticas é fundamental, de forma que nas últimas décadas tem-se
evidenciado a presença marcante da Terapia Ocupacional enquanto uma das disciplinas
elementares deste novo paradigma de cuidado em oposição ao modo asilar, que tem atuado em
ações que possibilitem e favoreçam reais possibilidades individuais e de participação coletiva
ativa na sociedade com enfoque à autonomia e independência12.
Destaca-se que a Terapia Ocupacional apresenta uma flexibilidade de interface com
diferentes setores e, considerando a saúde mental no contexto escolar, pode atuar em
atividades de inclusão, podendo mediar a interação do sujeito com seus responsáveis,
professores, monitores e colegas ou ainda oferecendo atenção especializada com vistas a
ofertar um cuidado mais efetivo e integral, favorecendo o bem-estar emocional10. Acrescenta-
se também, ações de caráter colaborativo a ser desenvolvido em parceria com educadores,
familiares, estudantes e demais pessoas que compõem a comunidade escolar, visando a
garantia de direito de acesso e inclusão9. Assim, o presente trabalho teve como objetivo relatar
uma experiência de ações de promoção à saúde mental de adolescentes no contexto escolar
com a atuação da terapia ocupacional.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência de uma das ações desenvolvidas dentro de um


Projeto de Extensão vinculado à Universidade Federal de São Carlos, sob o número de processo:
23112.0017661/2019-35. Esta ação foi elaborada a partir de uma solicitação feita pela diretora
e professores de uma escola estadual localizada no interior do estado de São Paulo à docente

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responsável pelo projeto de extensão, demandando apoio para abordar a temática de saúde
mental junto aos adolescentes que cursavam o ensino médio.
Criou-se então o projeto de extensão intitulado “Promoção à saúde mental infantojuvenil
em foco: oferecimento de suporte teórico-prático junto a equipes que assistem crianças e
adolescentes em diferentes setores”, vinculado ao Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental do
Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos.
Esta solicitação ocorreu por duas razões principais, sendo a primeira pelo fato do período
coincidir com o mês em que se visibilizam as ações do “Setembro Amarelo”, campanha lançada
pela Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina, que ocorre desde
2014 e visa a prevenção de casos de suicídio. A segunda razão refere-se à particularidade da
fase do ensino médio ser identificada pela equipe escolar como uma das mais complexas para
os adolescentes, repleta de descobertas, ansiedades, medos e angústias, fatores esses que
podem desencadear sofrimento psíquico.
As atividades foram previamente discutidas e planejadas em supervisão com a docente
responsável, buscando tratar o tema de forma leve, dinâmica e participativa junto aos
adolescentes. Além disso, houve a intenção de apresentar as diversas possibilidades
individuais, contextuais e ocupacionais que podem contribuir ou causar prejuízos à saúde
mental, estruturadas em cinco etapas (Figura 1), a saber:
Figura 1: Fluxograma das etapas realizadas com estudantes do ensino médio. São Carlos, 2019.

O local utilizado para o desenvolvimento da ação foi a sala de multimídia da escola, sendo
utilizado o retroprojetor com apresentações de slides cujo conteúdo, predominantemente
elaborado com imagens, disparava as discussões. Esta ação ocorreu no período de setembro a
outubro de 2019, sendo replicada em três turmas diferentes.
As informações, observações e reflexões coletadas foram registradas em diários de campo
pelas profissionais a cada encontro e, diante disso, foi possível sintetizar todos os aspectos
elencados. A análise ocorreu pelo conteúdo das falas, comportamentos e questionamentos dos
adolescentes em cada etapa, garantido o sigilo pela não identificação dos participantes.

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RESULTADOS

Participaram 79 adolescentes, com faixa etária entre 15 a 18 anos, de três turmas do


ensino médio, em três encontros. A ação foi replicada em dias diferentes, conforme
disponibilidade da instituição, tendo cada encontro duração de 1h 30 minutos e acompanhados
por uma professora da escola em questão.
A ação seguiu a mesma estrutura para todas as três turmas, no que se refere aos temas
abordados e dinâmicas propostas. Adotou-se uma abordagem dialogada, que permitia a
participação compartilhada com os adolescentes, vislumbrando uma postura mais reflexiva e
não só de exposição de conteúdo, preconizando um envolvimento maior, levante de ideias e
também respeitando a vontade de participação dos mesmos em relação às dinâmicas e
propostas da ação. Nos três encontros a disposição das carteiras dos estudantes foi em círculo
semiaberto, para favorecer o diálogo e a interação grupal. Nas cinco etapas propostas, destacou-
se:
- Etapa 1 - Dinâmica inicial: os adolescentes foram convidados a elencar em um papel, de forma
individual, o máximo de dificuldades que tinham e, em seguida, listar o máximo de qualidades,
isto em um minuto. Os adolescentes expressaram dificuldade em pensar sobre suas qualidades
e dificuldades, variando quanto ao número entre uma lista e outra. Das três turmas, duas
relataram maior dificuldade em listar suas qualidades. No momento de escreverem sobre suas
dificuldades, alguns adolescentes apontaram (em tom de ironia) que eram tantas as dificuldades
ao ponto de serem necessários mais papéis para a escrita;
- Etapa 2 - Fatores de risco e de proteção: discussões relacionadas a fatores que favorecessem a
saúde mental (rede de apoio social, realização de atividades prazerosas e reconhecimento das
próprias potências) e também de fatores que poderiam prejudicá-la (violência, bullying,
cyberbullying, isolamento social e baixa autoestima), buscando dialogar com os adolescentes e
buscar suas percepções e reflexões. A partir da mediação, os adolescentes conseguiram elencar
fatores que consideravam contribuir para a própria saúde mental, tais como: ouvir música,
frequentar algum ambiente religioso, experimentar alimentos saborosos, praticar esportes, ter
momentos de lazer com amigos e/ou familiares e andar de bicicleta. E os prejudiciais: relações
sociais conturbadas, não ser compreendido(a), receber muitas críticas, relações familiares
estressantes, sobrecarga emocional negativa através da mídia e redes sociais, cansaço e cobrança
em relação aos projetos de vida e ao momento, principalmente das turmas de terceiros anos, de
prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

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Também, vários alunos relataram que se percebiam e se classificavam como indivíduos


com dificuldade de aprendizagem, de atenção, e de compreensão do conteúdo das disciplinas
escolares, além de se sentirem cansados devido às atividades e exigências desse contexto. Para
eles, essas dificuldades/fatores produziam sofrimento e ansiedade, embora outros percebiam
a escola como tanto um local de experiências positivas e de proteção quanto de experiências
negativas que prejudicam a saúde mental. Boa parte dos alunos falou sobre o fato de não se
sentir pertencente ao espaço escolar, e que preferiria não ter que frequentá-lo, por dificuldades
no espaço físico, na falta de um ambiente mais colorido, com mais plantas, menos fechado e que
pudesse ter uma aparência mais acolhedora. Também sinalizaram o quanto seria importante a
possibilidade de terem acesso a outros espaços da escola, como a horta, e participarem de
atividades como jardinagem em seu cotidiano.
- Etapa 3 - Sofrimento psíquico e estratégias de enfrentamento: foi suscitado que em alguns
momentos o sofrimento faz parte da vida, contudo, quando persiste por muito tempo e causa
prejuízos na vida cotidiana (das atividades e relações) tanto dos adolescentes quanto de
pessoas à sua volta, o cuidado a esta situação é necessário. A partir disso, foram elencadas
algumas situações que os adolescentes identificaram como difíceis no cotidiano, como: brigas
recorrentes com suas famílias, situações de bullying na escola e relações conturbadas com os
pares.
De maneira geral, alguns alunos pontuaram a percepção de que quando um indivíduo está
em sofrimento psíquico permanece sem motivação para realizar atividades simples do
cotidiano, como: atividades de vida diária, de lazer, produtivas, e sociais, resultando em
isolamento social. Acrescentando, as profissionais abordaram a questão de que uma pessoa em
intenso sofrimento psíquico também pode vir a apresentar comportamentos de autoagressão,
ideação e tentativa de suicídio.
Nas estratégias de enfrentamento, pontuou-se: estratégias individuais, a partir da
identificação do sofrimento em si; redes de apoio e contextos próprios de cada adolescente,
contribuindo para a identificação do sofrimento psíquico nas demais pessoas presentes nos
seus cotidianos.
Foi trazido a debate que em situações de intenso sofrimento é necessário pedir ajuda,
acionando redes de apoio, alternativas na comunidade e serviços de saúde. Alguns adolescentes
disseram que costumam escrever sobre o que sentem, outros que quando percebem um
sofrimento intenso procuram se abrir com uma pessoa de confiança, como um professor,
mãe/pai ou um amigo. Contudo, muitos deles disseram guardar esse sentimento para si.

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- Etapa 4 - Dinâmica final: foram convidados a escrever um elogio ao colega do lado e entregar-
lhe, com posterior sugestão de que eles pensassem sobre as qualidades que elencaram para si
na primeira dinâmica e as relacionassem com a qualidade listada pelo colega. A intenção foi
trabalhar questões relativas à autoestima, autoimagem, autoconhecimento no sentido da
valorização das potências individuais como uma possibilidade de cuidado de si e da própria
saúde mental. Observou-se que, nas três salas, os adolescentes receberam de forma proativa e
afetiva tal atividade. Muitos se abraçaram ao dar ou receber os elogios e se emocionaram.
Alguns adolescentes se surpreenderam com os elogios, outros já reconheciam em si a qualidade
citada pelo colega. Ficou evidente a satisfação e a vivência num espaço de trocas e reflexões a
respeito da saúde mental e do sofrimento psíquico, bem como da possibilidade de maior
instrumentação para lidar com os desafios cotidianos.
- Etapa 5 - Acolhimento: pontual e individual das demandas e dúvidas no âmbito da saúde
mental – ao término da ação coletiva, as profissionais que conduziam colocaram-se à disposição
caso algum adolescente sentisse a necessidade de conversar, ou pedir ajuda, de modo que
alguns adolescentes trouxeram questões como: violência domiciliar, psicológica, dificuldades em
lidar com as pressões características dessa faixa etária, autogerenciamento e construções de
projetos de vida. Estas demandas foram acolhidas e indicadas para cuidado pela rede de atenção
à saúde mental do território.
Nos fechamentos, adolescentes e professores demandaram mais ações como a relatada no
contexto escolar, apontando a experiência como positiva. Ainda, outras demandas surgiram,
como: solicitação por parte dos professores por mais encontros relativos a essa temática não
apenas com os alunos, mas também com os pais e responsáveis, e sobre como lidar com o
sofrimento psíquico dos adolescentes na escola e, ainda, palestras de cunho motivacional,
focalizando a temática de vestibular e ENEM para os estudantes.

DISCUSSÃO

A Terapia Ocupacional no campo da saúde mental apresenta-se circunscrita no referencial


teórico-metodológico da atenção psicossocial13, de forma a fomentar a garantia dos direitos, a
autonomia, a participação social e a subjetividade do sujeito12. Algumas diretrizes
imprescindíveis para o cuidado à saúde mental infantojuvenil, como a intersetorialidade e o
trabalho no território6-8, sustentaram as ações desenvolvidas neste trabalho e, por meio da
articulação entre saúde e educação, foi possível a produção de cuidado.
As estratégias intersetoriais contribuem para a corresponsabilização de diferentes atores
no território, favorecendo a construção do cuidado integral da população infantojuvenil,

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tornando possível a produção de territórios mais vivos e participativos nos quais as políticas
sociais destinadas às crianças e adolescentes ganham força de sustentação7.
A escola possui papel fundamental e estratégico na rede intersetorial, uma vez que
contribui para a identificação e o reconhecimento das dificuldades das crianças e adolescentes,
que muitas vezes podem permanecer invisíveis em outros contextos. As dificuldades
apresentadas pelos adolescentes em acessarem os serviços de saúde, ainda mais quando se
trata da saúde mental5, torna relevante o desenvolvimento de estratégias de cuidado que
possibilitem o acolhimento e escuta qualificada para visibilidade desses sujeitos, em diferentes
contextos.
Nessa perspectiva, a Terapia Ocupacional, no contexto escolar, pode criar espaços que
favoreçam a escuta, a sociabilidade, a participação e a elaboração de estratégias didático-
pedagógicas que atendam às reais necessidades e demandas educacionais dos estudantes.
Durante a ação adotou-se esse modelo participativo de interação, pela qual os estudantes
foram convidados a pensar sobre as suas próprias estratégias de cuidado à saúde mental, o que
diz de uma relação de valorização das subjetividades, da instrumentalização dos sujeitos
visando maior autonomia e empoderamento, e de preconização do envolvimento ativo em seu
processo de cuidado8.
As relações sociais no contexto escolar acontecem de maneira positiva entre os
adolescentes e seus pares, professores e funcionários da escola e possibilitam sentimentos de
pertencimento, segurança, confiança e autoeficácia dos estudantes, podendo favorecer o bem-
estar nesse espaço, o desempenho acadêmico, a satisfação com a escola e o desenvolvimento da
autoestima14. Isto pôde ser observado em algumas falas, quando citaram o professor como uma
figura de suporte e escuta, ou ainda na relação estabelecida com os amigos, em que a troca de
elogios mostrou ser potente para promover saúde mental e autoestima. Em contrapartida,
também apontaram a escola como espaço de sofrimento psíquico, como ansiedade por não
atender às expectativas pedagógicas e falta de sentimento de pertencimento nesse contexto.
Nas potencialidades da instituição escolar, destaca-se a possibilidade de fortalecê-la por
meio de parcerias com outros setores, de forma a não gerar apenas um movimento de
encaminhamento das demandas de saúde mental aos serviços especializados e, sim, a
responsabilização pelo cuidado. Pelas fragilidades não debatidas e refletidas amplia-se os
problemas de saúde mental, transtornos e doenças, anulando a compreensão da vivência do
sofrimento em uma perspectiva ampliada e complexa das necessidades de saúde.
A Terapia Ocupacional em parceria com a escola pode desenvolver atividades/ações
destinadas aos adolescentes, assim como processos de educação permanente para a equipe

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escolar e a família, visando colaborar com uma maior compreensão sobre a adolescência e
sobre as questões no âmbito da saúde mental. A despeito disto, os funcionários da escola no
presente estudo (professores e coordenadores) solicitaram ajuda nesse sentido, reforçando o
quanto se sentem despreparados para lidar com as questões que perpassam a saúde mental,
como problemas de relacionamento, autoestima, e sofrimento psíquico.
A profissão apresenta um olhar ampliado, compreendendo a saúde para além dos
processos de adoecimento, além disso, leva em consideração os fatores políticos, sociais e
comunitários do indivíduo e de suas atividades, utilizando como pano de fundo a igualdade e a
justiça social para favorecer os processos de inclusão, qualidade de vida e autonomia, o que,
consequentemente, promove a saúde mental15.
A experiência relatada contribui para subsidiar e avançar nas reflexões acerca das
possibilidades da Terapia Ocupacional quanto à promoção à saúde mental de adolescentes no
contexto escolar, buscando efetivar a interface entre os campos da saúde e educação. A
profissão com sua especificidade traz contribuições importantes nos processos de cuidado das
pessoas que se encontram em situações de maior vulnerabilidade, como o próprio processo de
adolescer.

CONCLUSÃO

Apesar das dificuldades ainda existentes nesta rede intersetorial, mais fortemente
relacionada à saúde e educação, foi possível avançar nas proposições através desta ação
extensionista e identificar a forte potencialidade nas construções participativas, em
colaboração com a equipe escolar, sobretudo de forma horizontal entre os diferentes atores.
Acredita-se que Terapia Ocupacional, à luz dos princípios da atenção psicossocial,
contribuiu para esta prática visando autonomia, instrumentalização e respeito às
subjetividades destes adolescentes, possibilitando reflexões sobre o cuidado à saúde mental em
diferentes dimensões, tanto individuais quanto contextuais, sociais e ocupacionais.
Como limitações deste trabalho, enfatiza-se que esta foi uma ação pontual, numa única
escola, sendo assim, há a necessidade de continuação e investimento em mais práticas como
esta, bem como de sua documentação, visando maior disseminação de conhecimento frente à
temática. Por sua vez, a inserção da profissão na saúde escolar através da perspectiva
intersetorial se mostrou potente, de modo que em outras realidades a experiência possa ser
replicada.

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e Ocupação: Perspectivas da terapia ocupacional no campo da saúde mental. São Carlos:
Matsukura, Thelma Simões Salles, Mariana Moraes 2018. p. 13-35.

Editor Associado: Estefânia Maria Soares Pereira


Conflito de Interesses: os autores declararam que não há conflito de interesses.
Financiamento: não houve.

CONTRIBUIÇÕES
Thaís Thaler Souza, Mayara Soler Ramos Mazak e Marina Speranza colaboraram na
concepção, coleta e análise dos dados e redação. Amanda Dourado Souza Akahosi
Fernandes contribuiu na concepção, redação e revisão. Maria Fernanda Barboza Cid
atuou na análise de dados e revisão.
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Como citar este artigo (Vancouver)
Souza TS, Mazak MSR, Speranza M, Fernandes ADSA, Cid MFB. A terapia ocupacional na
promoção da saúde mental de adolescentes de uma escola pública. Rev. Fam., Ciclos Vida
Saúde Contexto Soc. [Internet]. 2022 [citado em inserir dia, mês e ano de acesso]; 10(2):388-
98. Disponível em: inserir link de acesso. DOI: inserir link do DOI.
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, T.S.; MAZAK, M.S.R.; SPERANZA, M.; FERNANDES, A.D.S.A.; CID, M. F. B. A terapia
ocupacional na promoção da saúde mental de adolescentes de uma escola pública. Rev.
Fam., Ciclos Vida Saúde Contexto Soc., Uberaba, MG, v. 10, n. 2, p. 383-398, 2022. DOI:
inserir link do DOI. Disponível em: inserir link de acesso. Acesso em: inserir dia, mês e ano de
acesso.
Como citar este artigo (APA)
Souza, T.S., Mazak, M.S.R., Speranza, M., Fernandes, A.D.S.A., & Cid, M.F.B. (2022). A terapia
ocupacional na promoção da saúde mental de adolescentes de uma escola pública. Rev. Fam.,
Ciclos Vida Saúde Contexto Soc., 10(2), 388-398. Recuperado em inserir dia, mês e ano de
acesso de inserir link de acesso. DOI: inserir link do DOI.

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398 Rev. Fam., Ciclos Vida Saúde Contexto Soc. Abr/Jun 2022; 10(2):388-398

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