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Interação fármaco-nutrição enteral Artigo de Revisão

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INTERAÇÃO FÁRMACO - NUTRIÇÃO ENTERAL: UMA REVISÃO PARA


FUNDAMENTAR O CUIDADO PRESTADO PELO ENFERMEIRO

DRUG INTERACTION – ENTERAL NUTRITION: A REVIEW FOR NURSE CARE SUPPORT


INTERACCIÓN ENTRE FÁRMACOS Y NUTRICIÓN ENTERAL: UNA REVISIÓN PARA
EMBASAR EL CUIDADO PRESTADO POR EL ENFERMERO

Lolita Dopico da SilvaI


Vivian SchutzII
Bárbara Francisco Mariano PraçaIII
Maiana Eloí Ribeiro dos SantosIV

RESUMO: Este artigo trata da interação entre fármacos e nutrição enteral quando ambos são administrados por sondas. O
objetivo foi identificar publicações sobre o tema. A metodologia foi uma revisão em quatro bases eletrônicas compreendendo
o período de 1997 a 2007. Foram encontrados 62 artigos e selecionados sete, mostrando que as classes farmacológicas dos
antiepiléticos, antibióticos e anticoagulantes apresentaram maiores índices de interação. A classe com maior risco de interagir
com a nutrição enteral foi a dos antiepiléticos. Entre os antibióticos, somente o ciprofloxacino teve decréscimos significativos
nos níveis séricos e a warfarina, único anticoagulante mencionado, apresentou interação com a nutrição enteral. Na
conclusão, destaca-se a importância de iniciativas, como o hábito de lavar a sonda e interromper a dieta para prevenir e
monitorar possíveis interações entre fármacos e nutrição enteral.
Palavras-Chave: Medicamentos; nutrição enteral; enfermagem; interações alimento-droga.

ABSTRACT
ABSTRACT:: This article is about the interaction between pharmaceuticals and enteral nutrition when both are dispensed by
probe used for nutrition support. It aimed at identifying the available publications on the subject. Methodology resorted to
bibliographic review in four databases comprehending the span between 1997 and 2007. Sixty-two articles were found and
seven were selected as showing that the pharmacological classes of the antiepileptic drugs, antibiotics, and anticoagulants
presented higher interaction index. Antiepileptic drugs were found to be those with highest risk of interaction with enteral
nutrition. Among the antibiotics, only the ciprofloxacin had significant decreases on serum levels and Warfarin, the only anticoagulant
mentioned, also presented interaction risk. Conclusions show the relevance of initiatives, such as the cleaning of the probe and the
interruption of the diet to monitor lab tests and to prevent possible interaction between drugs and enteral nutrition.
Keywords: Drugs; enteral nutrition; nursing; drug-food interactions.

RESUMEN: Este artículo se refiere a la administración concomitante de fármacos por sondas junto con la nutrição enteral.
El objetivo fue identificar publicaciones acerca de la interacción entre fármacos y nutrición enteral administrados por sonda.
La metodología fue una revisión que uso datos de bases electrónicas en el período de 1997 a 2007, habiendo encontrado 62
artículos y seleccionados siete, en los cuales se muestra que las clases farmacológicas encontradas de antiepiléticos, antibi-
óticos y anticoagulantes son las que tienen mayor índice de interacción. La clase que más demostró riesgo de interacción con
la nutrición enteral fue la de los antiepilépticos, principalmente la fenitoína. Los antibióticos no demostraron significativos
decréscimos en los niveles séricos y la warfarina, único anticoagulante mencionado, también presentó riesgo de interacción
con la nutrición enteral. Como conclusión, se hace necesario iniciativas como el hábito de lavar la sonda, interromper la
nutrição enteral y monitorizar exámenes laboratoriais para prevenir posibles interacciones entre fármacos y la nutrición.
Palabras Clave: Drogas; nutrición enteral; enfermería; interacciones alimento-droga.

INTRODUÇÃO
Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), é fre- terapêuticos dos agentes combinados em relação ao
quente a combinação de medicamentos, sendo uma uso isolado do fármaco. Define-se medicamento como
estratégia útil que visa potencializar os efeitos produto farmacêutico tecnicamente obtido, ou elabo-

I
Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação e Coordenadora do Curso
de Especialização em Enfermagem Intensivista da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
[email protected].
II
Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
III
Enfermeira. Aluna do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Enfermagem Intensivista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Brasil. E-mail: [email protected].
IV
Enfermeira. Aluna do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Enfermagem Intensivista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Brasil. E-mail: [email protected].

p.304 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):304-10. Recebido em: 22.06.2009 – Aprovado em: 18.12.2009
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rado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou cinética como a descrição quantitativa de um medica-
diagnóstica1, e fármaco como substância ativa enten- mento ou sua disposição, o que inclui a absorção, dis-
dida como o princípio ativo do medicamento1. A ava- tribuição, metabolismo e excreção. Já a dinâmica ca-
liação de todos os fatores que podem modificar a res- racteriza-se pelo efeito clínico ou fisiológico do medi-
posta farmacológica esperada exige conhe-cimento das camento6. Um exemplo de interação é a fenitoína, pois
fontes de variabilidade, para que as interações entre os alimentos podem reduzir sua biodisponibilidade,
medicamentos e nutrientes sejam identificadas. tornando necessária a alteração do horário de admi-
Já o suporte nutricional é parte vital da terapia na nistração ou ajuste de dosagem, a fim de evitar o uso de
maioria dos pacientes da UTI, tendo benefícios reco- doses subterapêuticas. Há quatro tipos de interações,
nhecidos como a diminuição da morbimortalidade, re- categorizadas pela natureza de seus mecanismos.
dução do tempo de hospitalização, queda na taxa de in- Interação do tipo I ou bioinativação ex-vivo refe-
fecção e uma melhora na imunidade destes pacientes2. re-se às interações entre o medicamento e o nutriente
Esta pesquisa estuda a interação entre fármacos por meio de reações bioquímicas ou físicas. Alguns
e nutrição enteral (NE) quando a enfermagem admi- exemplos deste tipo de interação envolvem hidrólise,
nistra ambos através de sondas usadas para o suporte oxidação, neutralização, precipitação e formação de
nutricional enteral1. O objetivo foi descrever a pro- complexos. Essas reações frequentemente ocorrem
dução científica acerca da interação fármaco-nutri- quando os agentes estão em contato físico direto, o
ção enteral a partir dos enfoques em relação aos me- que geralmente se dá antes de os nutrientes ou medi-
dicamentos abordados na produção rastreada. O en- camentos serem introduzidos no organismo, na pre-
fermeiro3 é quem supervisiona ou realiza a adminis- paração para a administração6.
tração de medicamentos e de nutrição enteral, por- As do tipo II são interações que afetam a absor-
tanto, deve conhecer os fármacos cuja velocidade de ção de medicamentos e nutrientes administrados via
absorção e quantidade absorvida possam ser afetadas, oral ou enteral, causando aumento ou diminuição da
ou não, na presença de alimentos4,5. Saber as questões biodisponibilidade.Em alguns casos os agentes
envolvidos na interação fármaco-nutriente garanti-
precipitantes podem modificar as funções de uma
rá uma avaliação e controle dos resultados do cuida-
enzima (interação tipo A) ou o mecanismo de trans-
do de enfermagem aos pacientes que recebem medi-
camentos e nutrição enteral, contribuindo para se porte ativo (interação tipo B) do nutriente ou medica-
evitar aspectos que podem comprometer os resulta- mento antes que este chegue à circulação.Além desses
dos da terapia medicamentosa. Também pode forne- tipos, em alguns casos, a formação de complexos e /ou
cer subsídios para o desenvolvimento de protocolos processos de desativação podem ocorrer no trato
a partir de grupos medicamentosos, o que contribui- gastrointestinal (interação tipo C)6.
rá para a melhoria no cuidado aos pacientes a partir Do tipo III são as que se caracterizam por inte-
dos avanços tecnológicos existentes. rações que afetam disposições sistêmicas/fisiológicas
e que ocorrem após a droga ou nutriente terem sido
REFERENCIAL TEÓRICO absorvidos no trato gastrointestinal (TGI) e pene-
trado na circulação sistêmica.Os mecanismos envol-
A nutrição enteral, sempre que possível, deve vem alterações na distribuição celular ou tecidual,
ser a primeira escolha do suporte nutricional, pois metabolismo sistêmico ou transporte, ou ainda en-
oferece muitas vantagens sobre a nutrição parenteral, trada do medicamento ou nutriente em órgão/tecido
entre elas diminuir a chance de translocação específico.
bacteriana, ser mais fisiológica e barata, ter menor Finalmente, as do tipo IV são interações que afe-
probabilidade de contaminação, composição variá- tam a eliminação ou depuração de drogas ou nutrien-
vel para cada paciente, e é formulada a partir do esta- tes, o que pode envolver a modulação, antagonismo ou
do clínico, nutricional e da necessidade de reposição impedimento da eliminação renal ou enterohepática6.
protéico-calórica de cada paciente2. A via de administração, dose e tempo de admi-
É comum cuidar de um grande número de paci- nistração dos medicamentos em relação à NE assim
entes que recebem, através de sondas, nutrição enteral como a suas características físico-químicas e forma
e medicamentos que podem interagir com a nutri- de apresentação podem ser determinantes da
ção, o que pode alterar os níveis séricos do medica- interação. Por exemplo, interações do tipo II ocor-
mento, sua absorção ou ainda obstruir a sonda3. rem exclusivamente quando o alimento é adminis-
Uma interação fármaco-nutriente é definida trado por via oral ou enteral, e podem ser evitadas
como uma alteração da cinética ou dinâmica de um com administração de medicamentos por via
medicamento ou nutriente, ou ainda, o comprometi- endovenosa. Reações do tipo IIc (complexação no
mento do estado nutricional como resultado de admi- trato gastrointestinal) podem ser evitadas pelo sim-
nistração de um medicamento, compreendendo-se a ples espaçamento entre a refeição e o medicamento.

Recebido em: 22.06.2009 – Aprovado em: 18.12.2009 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):304-10. • p.305
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Por outro lado, soluções e suspensões são menos sus- terrompida por uma hora após a dose da fenitoína e no
ceptíveis de interagir com os alimentos devido à sua outro, não. O estudo concluiu que interromper por
natureza difusa e sua maior mobilidade no trato uma hora a nutrição enteral, depois de administrada a
gastrointestinal6. dose de fenitoína, aumenta os seus níveis séricos em
Os pacientes em NE necessitam, frequentemen- quase 90%, e ajuda a manter o nível terapêutico.
te, de terapia medicamentosa adicional, o que aumen- Em estudo9 realizado com 25 pacientes que rece-
ta o risco de interações entre medicamentos e nutri- biam nutrição enteral por sonda foram observados 123
entes. Fórmulas de NE estão envolvidas em interações medicamentos administrados junto com a nutrição
fármaco-nutriente, primariamente do tipo 1 e 2. As enteral. Em 9(36%)casos, foi necessário trocar a fór-
reações de bionativação ex vivo (tipo I) frequentemen- mula farmacêutica sólida para líquida disponível. Em
te ocorrem na mistura direta de fármacos na NE. Como outros 4(16%) pacientes houve manipulação incorre-
resultado, reações biofísicas ou bioquímicas ocorrem e ta de fórmulas sólidas retard ou entéricas, sendo reco-
o fármaco ou o nutriente podem ser inativados. mendado a troca da apresentação do medicamento.
Em 2(8%) se orientou a administração do fármaco com
METODOLOGIA um tempo de distanciamento da dieta e por último,
devido à interação entre almagato e ciprofloxacino,
Foi realizada revisão bibliográfica com a seguinte foi recomendado não misturá-los durante o preparo e
questão norteadora: qual a produção científica sobre o nem durante a administração pela sonda.
tema interação fármaco-nutriente em pacientes Em outra pesquisa10, realizada em 440 pacien-
adultos?A identificação do objeto de estudo incluiu as tes, foram identificados 33(7,5%) casos de interação
bases MedLine, Lilacs , Scielo, ScienceDirect, assim como a fármaco-nutriente. Em 11(2,5%), o fármaco mencio-
base de dados secundaria da OVID, visando atender à nado foi a fenitoína. Concluiu-se que há interação
recomendação de que se busquem diferentes fontes para deste fármaco com a nutrição enteral quando admi-
o levantamento de publicações7. Os critérios de seleção nistrado concomitante por sonda, tendo seus níveis
foram artigos publicados em português, inglês e espa- séricos diminuídos.
nhol com os resumos disponíveis nas bases de dados já
citadas; indexadas pelos termos medicamentos/drugs/ Categoria dos Antibióticos
fármacos; nutrição enteral/enteral nutrition/nutrición Um estudo11 sobre o efeito da nutrição enteral
enteral; publicados entre 1997 a 2007; referirem-se à na farmacocinética e tolerância ao moxifloxacino foi
população adulta; tratarem de pesquisa de campo; abor- realizado com 12 voluntários divididos em três gru-
darem o tema administração de fármacos por sonda; pos com quatro sujeitos cada. O grupo A recebeu o
tratarem da interação fármaco-nutriente . As estratégi- medicamento íntegro via oral com água; o grupo B
as utilizadas para o levantamento dos artigos foram adap- triturado com água pela sonda nasogástrica e o C re-
tadas para cada uma das bases de dados, de acordo com cebeu triturado pela sonda nasogástrica concomitante
suas especificidades de acesso, tendo como eixo norteador à administração de nutrição enteral. Concluiu-se que
a questão e os critérios de seleção. O levantamento foi a biodisponibilidade do moxifloxacino, quando ad-
realizado entre os meses de março a julho de 2008. Fo- ministrado por sonda nasogástrica com água ou jun-
ram encontradas 62 publicações e selecionadas sete que to à nutrição enteral, não é afetada, porém, a concen-
foram solicitadas na íntegra através de serviço oferecido tração sérica máxima do moxifloxacino no grupo B
pela biblioteca da unidade. Os resultados foram agrupa- diminuiu em 5% e no grupo C, em 12%.
dos por categorias definidas a partir dos medicamentos Outra publicação12 abordou a biodisponibilidade
predominantes na amostra. do ciprofloxacino administrado por via endovenosa e
por sonda nasogástrica, em 12 pacientes críticos que
RESULTADOS também recebiam nutrição enteral pela sonda através
de mensurações seriadas de seus níveis séricos. Os re-
As publicações foram agrupadas nas catego- sultados mostraram que a concentração sérica máxi-
rias dos antiepiléticos 8-10, dos antibióticos 11-13 e ma do fármaco foi 44% inferior quando administrada
anticoagulantes 14 . pela sonda, porém, sua concentração sérica mínima
foi similar pelas duas vias, concluindo que é possível a
Categoria dos Antiepiléticos continuidade de um tratamento com ciprofloxacino
Um estudo8 investigou o nível sérico da fenitoína via sonda nasogástrica. O estudo sugere um aumento
em 22 pacientes hospitalizados que faziam uso deste da dose em três vezes a da dose por via endovenosa.
medicamento administrado por sonda concomitante Autores13 investigaram a biodisponibilidade do
à nutrição enteral. Estes indivíduos foram separados gatifloxacino quando administrado via endovenosa
em dois grupos. Num grupo, a nutrição enteral era in- e, depois, via sonda enteral, em 16 pacientes críticos

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que recebiam nutrição pela sonda. Estes sujeitos fo- considerada como de índice ou faixa terapêutica estrei-
ram separados em dois grupos, em que um recebia ta quando a relação entre a concentração tóxica mais
este fármaco pela sonda com a interrupção da nutri- baixa, na qual comumente ocorre toxicidade clínica, e a
ção enteral uma hora antes e uma depois e outro que concentração que provê efeito terapêutico é = 2. Exem-
recebia sem a interrupção da nutrição. Concluiu-se plos dessas drogas são a fenitoína [IT = concentração
que a biodisponibilidade do gatifloxacino foi de 98,5% tóxica mínima (20 mg/l)/concentração efetiva (10 mg/
e 100% respectivamente. l) = 2]; a carbamazepina [IT = concentração tóxica
mínima (8 mg/l)/concentração efetiva (4 mg/l) = 2] e o
Categoria dos Anticoagulantes valproato [IT = concentração tóxica mínima (100 mg/
Uma pesquisa14 foi realizada sobre a administra- l)/concentração efetiva (50 mg/l) = 2].
ção concomitante de warfarina e nutrição por sonda As diferentes formulações de fenitoína diferem
enteral em seis pacientes por 10 dias consecutivos, e com relação a vários fatores: forma do sal (sal sódico
com seus valores de razão normalizada internacional ou ácido livre), forma (comprimido, cápsula, suspen-
(RNI) acompanhados. Num período de 3 dias conse- são), conteúdo de fenitoína, tamanho e forma das
cutivos, a nutrição enteral era interrompida uma hora partículas, outras características da formulação
antes e uma hora depois para administrar a warfarina (aglutinantes, excipientes, lubrificantes), tempo de
e, em outro período de 3 dias consecutivos, não houve desintegração e taxa de dissolução, entre outros. To-
essa interrupção. Concluiu-se que, quando a nutrição das essas características afetam a biodisponibilidade
enteral não foi interrompida para a administração do das formulações da fenitoína e deveriam ser conside-
fármaco, o RNI diminuiu em 73%, comparado ao perí- radas a cada troca de uma formulação por outra15.
odo em que foi interrompido, confirmando que houve Vários mecanismos podem ocorrer entre a fenitoína
interação entre warfarina e nutrição enteral. e a NE, como acontecer quelação entre a fenitoína e
cátions divalentes da fórmula enteral, bioinativação e
incompatibilidade entre o fármaco e a fórmula enteral,
DISCUSSÃO mudança do pH gástrico e intestinal causado por alimen-
tação enteral com o aumento de quantidade de forma
Categoria dos Antiepiléticos ionizada não absorvível de fenitoína, alteração do trânsi-
Alguns autores5, ao falarem sobre interação to gástrico causado pela NE, ligação da fenitoína à caseína
fármaco-nutriente, afirmam que, apesar de a maioria ou outros derivados protéicos na mistura no trato
dos estudos focar o efeito do fármaco sobre a nutrição gastrintestinal ou, ainda, ligação da fenitoína à parede da
enteral, o mais relevante seria o efeito do produto sonda, um processo denominado adsorção, resultando em
enteral sobre a biodisponibilidade do fármaco e rela- perda da biodisponibilidade16.
tam o caso da interação da fenitoína com a nutrição O nível terapêutico ideal de fenitoína é em tor-
enteral. Três estudos8-10 mostraram esta interação, no de 10 a 20mg/lmg/l para a maioria dos pacientes.
referindo o cuidado de interromper a nutrição enteral Os valores de pico normalmente aparecem entre a 4a
por pelo menos uma hora antes e após sua adminis- e 5a hora após a dose administrada, portanto, é im-
tração. As drogas antiepilépticas (DAE) tradicionais portante que a coleta de sangue para exames
apresentam características que dificultam a sua subs- laboratoriais seja realizada antes da próxima dose e
tituição, representadas pelo índice terapêutico estreito, em pacientes que já possuam em média 7 dias de tra-
pouca solubilidade em água e cinética não linear.Neste tamento17. Dessa forma, o enfermeiro pode ajudar no
padrão se encontra a fenitoína. Para a compreensão controle das crises convulsivas estando atento ao re-
do que significa índice terapêutico estreito, é neces- sultado deste exame.
sário apresentar seu conceito. Índice terapêutico (IT)
é a razão da concentração da droga efetiva para 50% Categoria dos Antibióticos
dos indivíduos (ED50) e a concentração tóxica para Estudo sobre o ciprofloxacino12 referiu uma que-
50% destes (TD50)6 portanto, IT = ED50/TD50. da de 44% no nível sérico deste medicamento ao pas-
Algumas DAE apresentam uma faixa estreita na sar da via endovenosa para enteral por sonda, justifi-
qual as crises são controladas sem toxicidade. A faixa cando assim o cuidado do enfermeiro em interrom-
terapêutica de uma DAE é uma tentativa de transferir o per a nutrição enteral antes e após a administração
conceito experimental de IT para a clínica. Sua utiliza- destes, além de irrigar a sonda.
ção na prática clínica é limitada e pode ser errônea em O antibiótico ciprofloxacino é bem absorvido
pacientes individuais. Muitos podem tolerar e neces- oralmente. A biodisponibilidade é muito menor e ex-
sitar concentrações séricas acima da faixa terapêutica tremamente variável quando os comprimidos são tri-
usual, enquanto outros alcançarão o controle das cri- turados e administrados via tubo nasogástrico a paci-
ses ou apresentarão eventos adversos em concentra- entes em condições críticas recebendo NE1. É prová-
ções menores aos seus limites inferiores. Uma droga é vel que o ciprofloxacino forme quelato insolúvel com

Recebido em: 22.06.2009 – Aprovado em: 18.12.2009 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):304-10. • p.307
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os constituintes da alimentação enteral. A adminis- vamente, e quadros de hipoalbuminemia acarretam


tração da forma IV é preferida em alguns pacientes, a níveis altos destas drogas no sangue levando ao risco
menos que seja possível o monitoramento da concen- de sangramento, no caso da warfarina, e de toxidade,
tração plasmática do ciprofloxacino no paciente17. no caso da fenitoína17.
No tratamento com antibióticos, deve-se Portanto, vários medicamentos podem ter sua
monitorar e avaliar o leucograma, através do qual se biodisponibidade afetada entre outros aspectos, sen-
realiza a contagem total dos leucócitos (em adultos do unanimidade a necessária interrupção da NE por
de 4 a 11 milhões) e a contagem diferencial destes 30minutos antes de administrar o medicamento. No
(neutrófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e entanto, estas interrupções, dependendo da quanti-
monócitos), permitindo assim o acompanhamento dade de medicamentos prescritos e das doses, podem
da efetividade da antibioticoterapia17. O quadro clí- afetar o prazo de validade para a infusão da nutrição
nico de um paciente em uso de antibiótico deve ser enteral e, consequentemente, diminuir o aporte
observado, pois sintomas como febre persistente, pre- nutricional ao paciente. Para que não haja desperdí-
sença de secreções pulmonares podem indicar a ine- cio da dieta e o paciente não deixe de receber os nu-
ficácia da terapia implementada16,17. trientes necessários para sua recuperação, o enfer-
meiro deve recalcular a velocidade de infusão da die-
Categoria dos Anticoagulantes ta. Quando o método for contínuo, a sonda estiver
O mesmo cuidado deve ser dispensado à warfarina localizada no estômago e houver peristalse normal, a
que demonstrou uma relevância clínica e estatística velocidade de infusão pode ser aumentada
satisfatória na resposta do RNI ao se interromper a nu- gradativamente até o máximo de 100 a 125ml/h, pois
trição enteral antes e após a administração deste o estômago tolera um volume maior. Com a sonda no
fármaco14. Sabe-se, ainda, que a warfarina reduz a pro- duodeno, a velocidade de infusão deverá ser em até
dução de quatro fatores de coagulação dependentes da 60ml/h, pois o duodeno tem menor complacência.
vitamina K, ou seja, significa que em um paciente fazen- Para estas alterações, deve-se observar a tolerância
do uso de terapia anticoagulante com warfarina deve do paciente e o seu quadro clínico15,18.
haver uma ingestão de vitamina K adequada de forma a Na administração de medicamento por sonda,
manter o equilíbrio da anticoagulação. Nas terapias com o enfermeiro deve considerar a apresentação do mes-
warfarina, o tempo de atividade da protrombina (TAP) mo, pois determina seu local de ação e seu modo de
é o parâmetro de escolha para que o enfermeiro possa
preparo, devendo saber se pode ser macerado ou não
acompanhar a ação do fármaco no paciente. Porém, para
e em qual substância poderá ser diluído.
uniformização de seus resultados, o valor do TAP en-
contrado na amostra do paciente é dividido pelo resul- As apresentações dos medicamentos por via
tado do TAP de um pool de plasmas normais e elevados enteral são cápsulas, pastilhas, comprimidos, elixires,
ao índice de sensibilidade internacional (ISI), cujo valor emulsões, suspensões e xaropes. A administração de
varia somente de acordo com o lote de tromboplastina cápsulas e comprimidos por sondas enterais não é
produzido e informado pelo fabricante. O RNI ideal va- recomendada, pois a necessidade de macerar o pro-
ria de acordo com a proposta terapêutica. Para a profilaxia duto para que seja diluído e infundido pela sonda pode
e tratamento da doença trombolítica, o RNI ideal é de 2 destruir princípios ativos da droga, interferindo, as-
a 3. Em pacientes com algum tipo de valva cardíaca arti- sim, em sua atividade terapêutica17,18.
ficial, recomenda-se uma faixa de 2,5 a 3,5; e para recidi- Não se recomenda a alteração da estrutura física
vas de trombose venosa profunda ou de embolia pul- de nenhum medicamento, principalmente os compri-
monar um RNI de 3 a 416,17. midos de revestimento entérico e de cápsulas de libe-
As interações mais graves com a warfarina são ração prolongada. Dos medicamentos pesquisados, os
aquelas que aumentam o seu efeito e o risco de que possuem apresentação em comprimido são: a
sangramento, porém, a diminuição de sua concen- fenitoína, warfarina, ciprofloxacino, gatifloxacino e
tração plasmática e consequente diminuição de seu moxifloxacino; sendo que a fenitoína possui, também,
efeito terapêutico também pode acarretar complica- a apresentação em cápsula15.
ções para o paciente16,17. A opção de ter revestimento entérico e de que a
O enfermeiro deve avaliar o tempo de cápsula seja de liberação prolongada varia conforme
protrombina, na primeira semana, a cada dois dias ou cada laboratório, sendo necessário ao enfermeiro o
diariamente e na segunda semana, a cada três dias. domínio desta informação. Um comprimido é reves-
Quando atingida a dose de manutenção, mensurar tido para protegê-lo do pH ácido do estômago, o que
mensalmente. Deve - se manter o tempo de permite a liberação do medicamento no sítio certo e
protrombina por volta de 25%18. previne a irritação gástrica16. Não se recomenda que
A warfarina e a fenitoína se ligam à proteína seja triturado. Nesses casos deve-se solicitar ao mé-
sérica num percentual de 99,9% e de 90%, respecti- dico a substituição da forma sólida pela injetável ou

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líquida. Porém, não havendo possibilidades destas destes estudos foi realizado em indivíduos saudáveis.
alternativas, as apresentações em cápsulas ou com- Quanto à warfarina, ela também apresentou risco de
primidos deverão ser maceradas e diluídas em 30 ml interação com a nutrição enteral.
de água, irrigando a sonda com pelo menos 30 ml de A interação entre fármaco e nutrição enteral
água antes e após a administração do medicamento17. tem impacto na assistência de enfermagem. As partí-
Outro cuidado relacionado à administração de culas dos precipitados podem causar obstruções das
medicamentos por sonda na forma de suspensão é sondas, o que obriga à troca das mesmas. Pode tam-
considerar sua localização para que se possa realizar a bém haver a degradação do fármaco resultando em
devida regulação da osmolaridade. O estômago su- ineficácia terapêutica. Desse modo, a interação pro-
porta formulações de osmolaridade elevada, desde que voca custos diretos e indiretos. Há necessidade de
em pequena quantidade, o que não acontece com o trocar a sonda, interromper a nutrição enteral, admi-
intestino delgado, havendo o risco da ocorrência de nistrar nova dose de medicamento, originando atra-
diarréia hiperosmolar, vômito ou espasmo abdomi- sos na terapia e trabalho adicional da equipe de en-
nal. As drogas devem ser diluídas de forma a atingir fermagem, consequências todas negativas para a qua-
uma osmolaridade entre 500 e 600 mOsm/kg17, haja lidade do cuidado de enfermagem, além de transtor-
vista que a osmolaridade dos fluidos gastrointestinais nos ao paciente.
fica em torno de 100 a 400 mOsm/kg18. Como o enfermeiro possui a responsabilidade
Finalmente, com a intenção de diminuir a possi- do aprazamento, preparo e administração de fármacos
bilidade de interação fármaco-nutriente, o enfermeiro e, também, do processo de terapia nutricional faz-se
deve realizar a irrigação da sonda antes e após a adminis- necessário o conhecimento acerca das ações
tração de fármacos retirando resíduos de nutrição e farmacológicas e nutricionais e suas possíveis
medicamentos, prevenindo interações farmacológicas interações de forma que ambas não sejam prejudica-
e físicas como granulação e formação de gel que pode das ou suprimidas, uma em detrimento da outra, a
obstruir a sonda19 e expor o paciente à necessidade de fim de se garantir um tratamento efetivo a que o pa-
repassá-la, atrasando a oferta nutricional. ciente tem direito.
Em relação à substância e ao volume utilizado Há que se realizar estudos experimentais que uti-
nesta irrigação, recomenda-se a utilização de 15 a 30 lizem misturas de fármacos com nutrição enteral no
ml de água, cabendo ao enfermeiro a moderação des- intuito de aumentar a margem de segurança dos cuida-
te volume nos pacientes que se encontram sob restri- dos de enfermagem no âmbito medicamentoso, garan-
ção hídrica. Antes e após a irrigação da sonda, a dieta tindo a eficácia da terapia enteral e farmacológica.
deve ser interrompida para que se possa administrar
os medicamentos. Sugere-se que esta interrupção seja REFERÊNCIAS
de 30 minutos para todos os medicamentos admi-
nistrados por sonda enteral20. O manejo de fármacos 1.Agência Nacional de Vigilância Sanitária. ANVISA.[on
e nutrição enteral com segurança representa um de- line]. [citado em 18 mar 2008]. Disponível em: URL http:/
safio para a equipe de enfermagem, considerando que /www.anvisa.gov.br/medicamentos/conceito.htm#3.2.
estes são os profissionais diretamente envolvidos no 2.Jiménez NVT, Merino MS, Ordovás JPB, Casabó VGA.
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Para a interação em questão, cinco estudos foram 4.Gomes AMT, Oliveira DC. A enfermagem entre os avan-
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conclusivos, sendo três referentes à classe dos antiepi-
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léticos (fenitoína), um relacionado à ciprofloxacina e
5.Clayton BD, Stock YN. Farmacologia na prática de en-
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que referiam a interação da nutrição enteral com os 9.Sanz HM, González EHP, Alcaraz MJT, Luque RI,
antibióticos concluíram que não há problema em Requena TC. Seguimiento de la administración de medi-
administrá-los juntos, porém, cabe considerar que um camentos por sonda nasogástrica: elaboración de una guía

Recebido em: 22.06.2009 – Aprovado em: 18.12.2009 Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010 abr/jun; 18(2):304-10. • p.309
Interação fármaco-nutrição enteral Artigo de Revisão
Review Article
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