Revista Portuguesa de Pneumología 0873-2159: Issn: Sppneumologia@mail - Telepac.pt
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ISSN: 0873-2159
[email protected]
Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Portugal
Laizo, Artur
Doença pulmonar obstrutiva crónica - Uma revisão
Revista Portuguesa de Pneumología, vol. XV, núm. 6, noviembre-diciembre, 2009, pp. 1157-1166
Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Lisboa, Portugal
Resumo Abstract
A DPOC é uma doença prevenível e tratável ocasio- COPD is a preventable and treatable disease caused
nada pela exposição ao tabagismo e gases tóxicos. A by exposure to tobacco smoke and poisonous gases. It
sua característica é a obstrução progressiva ao fluxo is characterised by progressive obstruction of the air-
aéreo de irreversível depois de ocorrerem as lesões no flow, irreversible once lesions occur in the parenchy-
parênquima. O objectivo do trabalho é uma revisão ma. This article aims to systematically review the dis-
sistemática da doença e da forma de tratamento. Dis- ease and its treatment.
cussão: o tabagismo é a maior causa de DPOC e leva Discussion: Smoking is the main cause of COPD and
a não só uma diminuição da oxigenação por hiperin- leads to decreased oxygenation via lung hyperinflation
suflação pulmonar com redução do fluxo aéreo como with reduced airflow as a systemic inflammatory pro-
a um processo inflamatório sistémico, reduzindo a cess. This reduces resistance to fatigue of the skeletal
resistência à fadiga da musculatura esquelética produ- musculature, leading to hypoxemia, decreased periph-
zindo hipoxemia, diminuição do fluxo sanguíneo pe- eral blood flow and also miscarriages and premature
riférico, levando inclusive a abortos espontâneos e births. Inflammatory markers such as interleukins and
partos prematuros. Marcadores inflamatórios como TNF-alpha maintain the systemic picture. While
as interleucinas e o TNF-alfa mantêm o quadro sisté- smoking cessation improves hypoxemia and exercise
mico. A cessação do tabagismo melhora a hipoxemia, intolerance, it does not repair damaged tissue. COPD
a intolerância ao exercício, porém não recupera o te- is a serious disease which can be avoided by a wider
cido lesado. A DPOC é uma doença grave que pode understanding by the population of the harm smok-
ser evitada se houver uma consciencialização maior ing causes.
da população a respeito dos malefícios do cigarro.
Rev Port Pneumol 2009; XV (6): 1157-1166
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1 Mestre em Cirurgia Geral pela UFMG, intensivista, coordenador do Grupo de Estudos Sobre DPOC (GEDPOC), professor nas disciplinas Primeiros Socorros,
Farmacologia e Fundamentos de Pneumologia, dos cursos da área de saúde da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – campus VI, Juiz de Fora – MG.
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caras de O2, Ventilação mecânica não inva- O tabagismo é a maior doença comunitária
siva (vmni) e ventilação mecânica invasiva no mundo. Estima-se que, em 2025, 75%
(VMI)1,2,8,15,27,29,30,32. das mortes sejam causadas por doenças pul-
O objectivo deste trabalho é fazer uma revi- monares relacionadas com o tabagismo.
são bibliográfica sobre a doença e as possí- Cresce o número de fumadores entre mulhe-
veis estratégias de tratamento do DPOC. res e um terço da população acima de 15 anos
é fumadora habitual21,24. A cessação do taba-
gismo é a melhor forma de evitar a instalação
Material da DPOC e melhorar a qualidade de vida
Foi feita uma revisão bibliográfica qualitati- dos já portadores da doença2,5,8,19,20,21,22,24.
va e randomizada entre os meses de Agosto Fazer o diagnóstico de DPOC nas fases sub-
de 2008 e Fevereiro de 2009, onde se busca- clínicas é um grande problema, já que mui-
ram artigos científicos em revistas especiali- tos doentes procuram o médico por outros
zadas e sites na Internet, a saber, Scielo, Pub factores respiratórios, como tosse persistente
Med e Google Científico. e produtiva, afecções respiratórias constantes
Foi feito ainda contacto por e-mail em di- onde não se suspeitará de DPOC. 24 O
versos países do mundo com autores de arti- doente, na fase inicial da doença, muitas ve-
gos científicos na área, que prontamente zes associa a tosse ou a diminuição da capa-
enviaram os artigos recém-publicados na ín- cidade aeróbica ou mesmo o cansaço cons-
tegra para o pesquisador. tante ao acto de fumar, mas não acredita que
Buscaram-se ainda artigos sobre a doença esteja com alguma doença respiratória, já
nos bancos de dados do laboratório Roche que consegue respirar bem, consegue realizar
de medicamentos. as suas funções e, na maioria das vezes, deixa
Esses artigos foram lidos e seleccionados de de realizar outras actividades físicas alegando
acordo com a revisão proposta. idade ou falta de preparação física2,3,5,11,15,24.
A tosse é o principal sintoma e o mais co-
mum. Pode ser seca, diária ou intermiten-
Discussão te, e produtiva nos estádios mais avança-
A DPOC é uma doença de possível preven- dos da doença e nos quadros de agudização.
ção e tratável, que se caracteriza pela obstru- A tosse produtiva ocorre em mais de 50%
ção crónica das vias respiratórias limitando dos fumadores. Define-se como bronquite
o fluxo aéreo e que não é totalmente reversí- crónica a exposição ao cigarro e tosse pro-
vel. Essa obstrução é progressiva e está asso- dutiva até três meses em dois anos conse-
ciada a um processo inflamatório anormal cutivos3,35.
devido à inalação de partículas ou gases tó- A dispneia é progressiva e leva ao aumento
xicos causada primariamente pelo tabagis- da ansiedade que reduz a actividade física,
mo3,4,9,10,14,27,28,33. O processo inflamatório gerando depressão como resposta psicológi-
crónico pode produzir alterações dos brôn- ca desse quadro9,14,27,36. O índice de dispneia
quios (bronquite crónica), bronquíolos do Medical Research Council (MRC) apre-
(bronquiolite obstrutiva) e parênquima pul- senta boa relação com a progressão da doen-
monar (enfisema pulmonar)2,3,6,7,24,25,34,35. ça4,7,12,16,17,25,26 (Quadro I).
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Quadro I – Índice de dispneia modificado do MRC A DPOC acarreta prejuízo na mecânica pul-
monar e na musculatura periférica. A mecâ-
0 Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso
nica pulmonar altera-se pela obstrução brôn-
1 Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou
quica que acarreta o deslocamento do ponto
subo escadas ou ladeiras
2 Preciso de parar algumas vezes quando ando no de igual pressão para as vias aéreas que não
meu passo, ou ando mais devagar que outras pes- possuem cartilagem, favorecendo o aprisio-
soas da minha idade namento de ar, levando à hiperinsuflação que
3 Preciso de parar muitas vezes devido a falta de ar diminuirá a capacidade respiratória aos gran-
quando ando perto de 100 metros ou poucos minu- des esforços e depois ao repouso16,21,27,28,33.
tos de caminhada no plano Segundo o consenso de DPOC o estadia-
4 Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou preci-
mento da doença dá-se em quatro estádios
so de ajuda para me vestir ou tomar banho sozinho
(Quadro II).
Modificado de Ferrer M, Alonso J, Moreira J, et al. Chronic obstru- Além do quadro respiratório inflamatório,
tive pulmonary disease and health related quality of life. Ann Intern
Med 1997; 127:1072-1079 foram diagnosticadas células inflamatórias e
citocinas na corrente circulatória que junta-
A espirometria com obtenção de curva volu- mente com o stress oxidativo contribuem
me-tempo é obrigatória no diagnóstico, deven- para as disfunções nutricionais e musculoes-
do ser realizada na fase estável da doença antes queléticas nesses doentes que apresentam
e depois do uso de broncodilatadores. Os pon- intolerância a exercícios físicos, principal-
tos mais importantes observados são a capaci- mente na fase moderada a grave4,37. A dis-
dade vital forçada (CVF), o volume expiratório função da musculatura periférica dá-se por
forçado no primeiro segundo (VEF1) e a rela- diversos mecanismos, entre eles o descondi-
ção VEF1/CVF, onde a limitação do fluxo aé- cionamento pelo desuso18,32,36, as citocinas
reo é definida quando se encontra abaixo de pró-inflamatórias (TNFα, interleucinas 6 e
0,7 pós-broncodilatador2,3,7,11,15,16,17. 8), a diminuição de hormonas anabólicas
O exame radiológico pode não sofrer altera- (testosterona), hipoxemia ou hipercapnia,
ções em fases iniciais da doença, mas apesar desnutrição e uso prolongado de corticói-
disso deve ser considerado como o exame de de25. O doente com DPOC apresenta perda
rotina para se afastar outros diagnósticos, de peso significativa, fraqueza dos músculos
como neoplasias pulmonares, bolhas, e para respiratórios, redução da força dos MMSS e
observação de agudização da doença com evidente diminuição de força e endurance na
presença de infecções pulmonares como musculatura do quadricípite femoral, o que
pneumonia e tuberculose3,14. contribui para a baixa qualidade de vida e
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que pode ser utilizado é o tiotrópio. O uso exercício; encorajar o gasto de energia de
de esteróides inalados reduz a exacerbação, forma eficiente; proporcionar sessões educa-
mas os efeitos adversos acabam por dimi- tivas a doentes, familiares e outras pessoas
nuir a sua utilização. Mucolíticos são con- relacionadas; reduzir os sintomas e melhorar
siderados em doentes com tosse crónica a QV9,10,27,28,36.
produtiva5,8,15,18,26. Na fisioterapia, inúmeros programas de
As xantinas continuam a ser usadas em larga exercícios físicos para reabilitação de doen-
escala, apesar de o seu efeito broncodilata- tes com DPOC têm sido propostos na lite-
dor ser menor do que os demais fármacos e ratura e muito ainda se tem que estudar so-
apresentou maiores efeitos colaterais. A bre a doença e seu tratamento, o que
aminofillina, a bamifililna e a teofilina são justifica a necessidade de pesquisas, estudos
xantinas utilizadas. Há estudos mostrando e publicações sobre a doença, o tratamento
que esses fármacos não apresentam acção e a reabilitação pulmonar4,7,16.
satisfatória no DPOC. A literatura diz que
deveriam ser usados na DPOC como últi-
ma opção3,12. Conclusão
O oxigénio (O2) é usado em doentes com A DPOC é uma doença pulmonar grave,
DPOC visando manter a oxiemoglobina com repercussão sistémica causada princi-
acima de 90%. Observou-se que o uso de palmente por uma exposição constante e
O2 melhora a tolerância ao exercício físico, a prolongada ao tabagismo. De início pulmo-
oxigenação do indivíduo e a qualidade de nar, o processo inflamatório actua na mus-
vida (QV)28. O uso de O2 domiciliar melho- culatura esquelética, hipotrofiando a fibra e
ra a QV do doente, apesar de ser um trata- causando intolerância ao exercício físico.
mento caro e nem sempre acessível44, pode Outros componentes do tabaco levam a al-
aumentar a sobrevida, tem impacto sobre a teração da mioglobina e da hemoglobina,
hemodinâmica, amplia a função neuropsi- causando hipóxia sistémica. Podem ocorrer
cológica, além de melhorar as actividades de ainda doenças associadas, como IAM, AVE,
vida diárias40. Os doentes internados em cancro pulmonar, abortos espontâneos e
EADPOC com grave insuficiência respira- partos prematuros, além de alterações psico-
tória podem ser submetidos a VMNI ou à lógicas, como ansiedade, depressão e disfun-
VMI em casos mais graves, ou onde não há ção sexual.
adaptação ou aceitação à VMNI32. A cessação do tabagismo é o melhor caminho
A reabilitação pulmonar (RP) é recomenda- na busca pela melhoria da qualidade de vida
da com uma boa resposta, porém há áreas do doente porque, diminuindo a incapacida-
pulmonares onde não existe possibilidade de física, a hipoxemia, e revertendo a intole-
de regeneração e, nas áreas passíveis de rege- rância ao exercício, reintegra o indivíduo na
neração, apenas 9% responderá à reabilita- sociedade e na sua vida independente.
ção24. Os objectivos da RP são: maximizar a Há necessidade de se investir em campanhas
independência funcional do indivíduo em antitabágicas para diminuir o consumo do
actividades de vida diárias; avaliar e iniciar o tabaco e o grande número de portadores de
treino físico para aumentar a tolerância ao DPOC.
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