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Libras

1. Trajetória Histórica da Educação de Surdos 4


Reflexão 7
Conceitos 7

2. Legislação e Surdez 9
Leis 12
Decretos 12
Portarias 13
Resoluções 13
Aviso 13
Documentos Internacio-nais 13
Reflexão 14

3. Políticas Sociais e Educacionais: da Exclusão


à Inclusão 16
LDB 9394/96 18

4. Modelos para Educação de Surdos 22


Oralismo 23
Leitura orofacial 25
O desenvolvimento da fala 25
O desenvolvimento da linguagem 25
Comunicação Total 26
Bilinguismo 27
Reflexões 28

5. Cultura, Identidade X Educação de Surdos 30


Modelo educacional 31
Conceitos 36

6. Referências Bibliográficas 38

02
03
APOSTILA DE LIBRAS

1. Trajetória Histórica da Educação de Surdos

C onsiderando que não há presente


sem passado não poderíamos
Na antiguidade, podemos falar
que os gregos e romanos não
deixar de conhecer, embora brevemente, consideravam os surdos como
a trajetória da educação de surdos para pessoas competentes. Ao contrário,
entender melhor as tendências que eles eram isolados da sociedade sob
atualmente são adotadas. o argumento de que, segundo
Os acontecimentos refletem Moura, 2000, p.16:
uma realidade social, política e
histórica que influenciaram a [...]o pensamento não
adoção de posições e se fizeram podia se desenvolver sem
sentir na formação da identidade linguagem e que esta não
dos surdos. se desenvolvia sem a fala.
No momento em que nos Desde que a fala não se
propomos a trazer uma visão geral desenvolvia sem a audição,
dessa história para tentar quem não ouvia, não falava
compreender como foram e não pensava, não
engendradas, estaremos resgatando podendo receber
parte dela. ensinamentos e, portanto,

4
APOSTILA DE LIBRAS

aprender. associado à leitura dos lábios e a


manipulação dos órgãos fonoarticu-
Na Idade Moderna, no século latórios e pelo ensino de diferentes
XVI, o médico italiano Girolamo posições para a emissão do som.
Cardamo, declara que os surdos A Idade Contemporânea
podiam receber instrução. Ele trouxe a visão clínica [...]
afirmava que essas pessoas podiam equivocada quanto aos seus
ser ensinadas a ler e escrever sem princípios, que procurava a todo
fala. Muitos outros educadores custo acabar com aquilo que não
procuraram criar condições para podia ser tratado, curado na maioria
que o surdo se comunicasse como foi das vezes (MOURA, 2000, p.26). A
o caso de Pedro Ponce de Leon, Juan única forma de “salvar” o surdo seria
Pablo Bonet, Abade L’ Epée dentre através do uso da fala, pela
outros. restauração da audição, pois se ela
A maioria desses educadores fosse restaurada, a fala também o
buscou alternativas para atender seria.
demandas da sociedade como foi o No entanto, os insucessos
caso de Ponce de Leon, por exemplo, obtidos através dessa proposta não
que ensinou surdos a falar, ler, foram suficientes para convencer a
escrever, rezar, etc. Nessa ocasião a maioria desses educadores oralistas.
pessoa “muda” não era reconhecida Apesar disso, o médico Jean Itard
perante a lei, pois no caso de serem após dezesseis anos de tentativas e
primogênitos perderiam o direito ao experiências frustradas de
título e a herança. Por conseguinte, oralização de surdos sem conseguir
a força do poder financeiro, e, dos atingir os objetivos desejados,
títulos se constituíram os grandes rendeu-se ao fato de que o surdo
impulsionadores do oralismo, na pode ser educado através da língua
época, pois era através da fala que o de sinais.
indivíduo tinha representação na O Congresso de Milão
sociedade. realizado em 1880 declarou a
Seguiu-se a essa proposta superioridade do método oral puro
aquelas que trouxeram os sinais sobre o uso de sinais o que provocou
como forma de comunicação, e, em uma grande polêmica entre
outros casos iriam representar os professores ouvintes e surdos (a
sons da fala de uma forma visível estes não foi permitido votar), em
através do que se chamou alfabeto defesa do oralismo e da língua de
digital, usado para ensinar a ler, sinais, tendo esta última sido batida

5
APOSTILA DE LIBRAS

na preferência da grande maioria de treinamento oral e se dedicando a


professores ouvintes. este aprendizado (GOLDFELD,
A partir desse evento que teve 1998). Estamos diante de uma
o maior impacto na educação, se perspectiva que destacava a visão
considerarmos os cem anos de sua clínica da surdez e através da
hegemonia, os surdos foram reabilitação da fala e treinamento
subjugados às práticas ouvintistas. auditivo buscavam “curar’ os surdos.
Ficou legitimado que apenas a Portanto, essa ideia deu
língua oral deveria ser aprendida origem ao modelo educacional
pelos surdos, sendo a língua de denominado oralismo que durante
sinais considerada como prejudicial um século se manteve como
para o desenvolvimento dessa proposta principal para a educação
criança. de surdos. Com a adoção desse
modelo educacional foram
abandonadas cultura e identidade
surdas. Desse modo, as ideias
pregadas pelo oralismo orientavam
que os surdos deveriam ter uma
identidade comum com os ouvintes,
ou seja, a língua.
O 2º, o 3º e 4º Congressos
Internacionais do Surdo realizados
em Chicago, Genève e em Paris, em
Um grande processo de 1893, 1896 e 1900, respectivamente,
mudança se desencadeou e foi logo decidiram-se a favor de um sistema
adotado pela maioria das escolas, combinado de instrução e/ou pelo
em oposição à educação do século oralismo puro, mantendo a situação
XVIII. Naquele momento preconizada pelo Congresso de
acreditava-se que o surdo poderia Milão.
desenvolver-se como os ouvintes No começo do século XX já se
aprendendo apenas a língua oral. ouvia falar dos insucessos do
Desse modo, a oralização passou a oralismo, trazendo consigo outras
ser o principal objetivo da educação conotações para os surdos, ou seja,
da criança surda e para que ela quando não progrediam na
pudesse dominar essa forma de oralidade, eram considerados
comunicação passava a maior parte deficientes mentais. Essa
de seu tempo recebendo constatação nos sugere que o

6
APOSTILA DE LIBRAS

problema da surdez e suas Podemos afirmar que os primeiros


consequências estava ligada ao movimentos de educação de surdos
próprio surdo. datam do século XVI. Eles saíram do
Somente a partir da década de isolamento que lhes era imposto e
60 deste século a língua de sinais participaram da vida das demais
começou a ser (re) conhecida pessoas. Com essa atitude
especialmente depois dos trabalhos desencadearam transformações que
de William Stokoe, linguista resultaram na legitimação do seu
americano, que retomou a questão direito em viver de acordo com suas
dos sinais e apresentou a língua de necessidades, ou seja, usar sua
sinais, como uma língua legítima, língua, manifestar sua identidade.
com estrutura própria.
O final do século XX e o início Conceitos
do século XXI parecem ter criado
novas oportunidades para a  Oralism: O ensino para
reconstrução da história cultural dos surdos baseado na
surdos, com a valorização da língua comunicação oral;
de sinais, com a possibilidade de  Visão clínica: Através da
construção da identidade surda, visão clínica os surdos são
decorrente do respeito às diferenças. categorizados pelos graus de
surdez e não pelas suas
identidades culturais. A fala
Reflexão seria a única possibilidade de
viver bem na sociedade. Ela vê
(em) os surdos como pacientes
que necessitam serem tratados
através de exercícios
terapêuticos (treinamento
auditivo, exercícios de
preparação dos órgãos do
aparelho fonador, etc.);
 Ouvintismo: (...)
conjunto de representações
dos ouvintes a partir do qual o
surdo está obrigado a olhar-se
e narrar-se como se fosse
A história da educação de ouvinte” (SKLIAR, 1998, p.15).
surdos mostra diversas mudanças
que ocorreram ao longo do tempo.

7
8
APOSTILA DE LIBRAS

2. Legislação e Surdez

A fase de ausência quase total de leis


que amparassem principalmente
os direitos linguísticos do surdo foi
através da garantia de acesso e
permanência desse aluno dentro das
escolas regulares de ensino, embora
amplamente modificada. Com o na prática nem sempre possamos
reconhecimento da Libras (língua identifica-las.
brasileira de sinais) no país, observou-se Portanto, a proposta de
uma intensa movimentação que inclusão de surdos nas escolas mais
culminou com determinações governa- próximas de suas residências
mentais expressa através de leis, decretos representou um primeiro passo para
que desse modo começaram a fazer parte o exercício de cidadania.
da vida de todos os cidadãos que A estruturação da educação de
frequentam a sociedade brasileira, surdos nos moldes propostos pelo
renovando planejamentos. modelo inclusivista, traz o bilin-
Os direitos linguísticos dos guismo como orientador das ações
surdos estão agora amparados pelas que devem se desdobrar daí,
políticas públicas que se manifestam marcaram mudanças radicais na

9
APOSTILA DE LIBRAS

vida do surdo e da escola que teve a foram publicados através do decreto


incumbência de implantar um governamental 5.626 de 22 de
trabalho pedagógico voltado para a dezembro de 2005, tornando
efetivação dessa proposta. obrigatório o uso da língua de sinais
A Lei 9394/96 no seu artigo 1º não somente para os surdos, mas
- passa a vigorar acrescida do art. também para os professores que
26-B que afirma “Será garantida às atendem esses alunos além de
pessoas surdas em todas as etapas e disciplinar a presença de intérpretes
modalidades da educação básica, de Libras.
nas redes públicas e privadas de Esse decreto provocou muitas
ensino, a oferta da Língua Brasileira mudanças especialmente nas
de Sinais – LIBRAS, na condição de instituições formadoras de
língua nativa das pessoas surdas”. professores que tendo de cumprir o
O MEC/SEESP promoveu que essa lei determinava, foi
reuniões e câmaras técnicas que trazendo a Libras para as
tiveram como produto o documento instituições de ensino superior,
“Diretrizes para a Educação de disseminando o seu uso, e
Surdos” que buscaram viabilizar a conhecendo-a cada vez mais através
proposta pedagógica que deveria ser da geração de pesquisas.
veiculada nas escolas. Esse decreto determinou a
inclusão da Libras como disciplina
curricular assim proposto:

Art. 3o - A Libras deve ser inserida


como disciplina curricular
obrigatória nos cursos de formação
de professores para o exercício do
magistério, em nível médio e
superior, e nos cursos de
Fonoaudiologia, de instituições de
ensino, públicas e privadas, do
sistema federal de ensino e dos
sistemas de ensino dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei Federal 10.436, de 24 de §2o - A Libras constituir-se-á em


abril de 2002, reconhece a língua de disciplina curricular optativa nos
sinais em todo o país. Ela foi demais cursos de educação superior
e na educação profissional, a partir
regulamentada e os fundamentos

10
APOSTILA DE LIBRAS

de um ano da publicação deste


Decreto. Parágrafo único. O processo de
inclusão da Libras como disciplina
Ainda neste decreto, no curricular deve iniciar-se nos cursos
capítulo III aparecem recomen- de Educação Especial, Fonoaudio-
dações sobre a formação do logia, Pedagogia e Letras,
ampliando-se progressivamente
professor de Libras e do instrutor de
para as demais licenciaturas.
Libras assim explicitadas:
A par dessas medidas que
Art. 4o - A formação de docentes determinavam orientações para a
para o ensino de Libras nas séries
educação, a Lei 10.098, de 19 de
finais do ensino fundamental, no
ensino médio e na educação dezembro de 2000, cria condições
superior deve ser realizada em nível de acessibilidade na comunicação.
superior, em curso de graduação de Ela se refere aos meios essenciais de
licenciatura plena em Letras/ Libras participação social.
ou em Letras: Libras/Língua
Portuguesa como segunda língua.

Art. 9o - A partir da publicação deste


Decreto, as instituições de ensino
médio que oferecem cursos de
formação para o magistério na
modalidade normal e as instituições
de educação superior que oferecem
cursos de Fonoaudiologia ou de
formação de professores devem
incluir Libras como disciplina
curricular, nos seguintes prazos e
percentuais mínimos: O artigo 17 desta lei explica
 até três anos, em vinte por sobre [...] a eliminação de barreiras
cento dos cursos da na comunicação e a criação de
instituição; mecanismos que tornem acessíveis
 até cinco anos, em sessenta os sistemas de comunicação para
por cento dos cursos da garantir o direito de acesso à
instituição; informação, à comunicação, ao
 até sete anos, em oitenta por
trabalho, à educação, ao transporte,
cento dos cursos da
instituição; e à cultura, ao esporte e ao lazer
 dez anos, em cem por cento (PERLIN e STROBEL, 2008, p.30).
dos cursos da instituição. Vale salientar ainda que a

11
APOSTILA DE LIBRAS

acessibilidade para surdos também Deficiência e de seu Protocolo


deve ser garantida pela presença do Facultativo, assinados em 30
intérprete de Libras que consta de março de 2007.
desta mesma lei no seu artigo 18.  Decreto nº 6.949 - Promulga a
Convenção Internacional
Outras leis e decretos
sobre os Direitos das Pessoas
complementam essa ação de com Deficiência e seu
garantia da acessibilidade tais como Protocolo Facultativo,
o decreto 5.626/2005, e certamente assinados em Nova York, em
surgirão novas possibilidades, na 30 de março de 2007.
medida em que as condições para a  Decreto Nº 6.094/07 - Dispõe
inserção cada vez mais ampla de sobre a implementação do
Plano de Metas Compromisso
surdos na sociedade determinarão à
Todos pela Educação.
necessidade de novas medidas que  Decreto Nº 6.215/07 - Institui
complementarão as que já existem. o Comitê Gestor de Políticas
de Inclusão das Pessoas com
Leis Deficiência – CGPD.
 Decreto Nº 6.571/08 - Dispõe
sobre o atendimento
 Lei 9394/96: Lei de Diretrizes
educacional especializado.
e Bases da Educação.
 Lei nº 8069/90: Estatuto da
Criança e do Adolescente - Para conhecer mais algumas
Educação Especial. leis, decretos, pareceres e
 Lei 10.098/94: Estabelece declarações vinculadas à questão
normas gerais e critérios dos direitos do surdo, podemos
básicos para a promoção da nomear: Decreto nº 5.626/05 -
acessibilidade das pessoas Regulamenta a Lei 10.436 que
portadoras de deficiência ou dispõe sobre a Língua Brasileira de
com mobilidade reduzida, e dá
outras providências. Sinais – LIBRAS
 Lei 10.436/02: Dispõe sobre a  Decreto nº 2.208/97 -
Língua Brasileira de Sinais! Regulamenta Lei 9.394 que
Libras e dá outras estabelece as diretrizes e bases
providências. da educação nacional
 Decreto nº 3.298/99 -
Regulamenta a Lei no 7.853,
Decretos de 24 de outubro de 1989,
dispõe sobre a Política
 Decreto Nº 186/08 -Aprova o Nacional para a Integração da
texto da Convenção sobre os Pessoa Portadora de
Direitos das Pessoas com Deficiência, consolida as

12
APOSTILA DE LIBRAS

normas de proteção, e dá complementar os currículos de


outras providências formação de docentes e outros
 Decreto nº 914/93 - Política profissionais que interagem com
Nacional para a Integração da portadores de necessidades
Pessoa Portadora de
especiais e dá outras providências
Deficiência.
 Decreto nº 3.952/01 – Portaria nº 3.284/03 - Dispõe
Conselho Nacional de sobre requisitos de acessibilidade de
Combate à Discriminação. pessoas portadoras de deficiências,
 Decreto nº 5.296/04 - para instruir os processos de
Regulamenta as Leis n° autorização e de reconhecimento de
10.048 e 10.098 com ênfase na cursos, e de credenciamento de
Promoção de Acessibilidade. instituições.
 Decreto nº 3.956/01 –
(Convenção da Guatemala)
Promulga a Convenção Resoluções
Interamericana para a
Eliminação de Todas as Resolução CNE/CEB nº 2/01
Formas de Discriminação
– Normal - Institui Diretrizes
contra as Pessoas Portadoras
de Deficiência. Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica.
Portarias Resolução CNE/CP nº 1/02 -
Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores.

Aviso

Aviso circular nº 277/96 -


Dirigido aos Reitores das IES
solicitando a execução adequada de
uma política educacional dirigida
aos portadores de necessidades
especiais.

Portaria nº 976/06 -
Documentos Internacio-
Determina critérios de
acessibilidade a eventos do MEC. nais
Portaria nº 1.793/94 - Dispõe
Convenção da ONU Sobre os
sobre a necessidade de

13
APOSTILA DE LIBRAS

Direitos das Pessoas com interferem. Precisa realimentar sua


Deficiência. estrutura, organização, seu projeto
 Carta para o Terceiro Milênio; político-pedagógico, seus recursos
 Declaração de Salamanca; didáticos, metodologias e estraté-
 Convenção da Guatemala; gias de ensino, bem como suas
 Declaração dos Direitos das práticas avaliativas. A proposta de
Pessoas Deficientes; educação inclusiva implica,
 Declaração Internacional de portanto, um processo de reestrutu-
Montreal sobre Inclusão.
ração de todos os aspectos
constitutivos da escola, envolvendo
a gestão de cada unidade e dos
próprios sistemas educacionais.
(GLAT, 2007, p.16 e 17.

Reflexão

A educação inclusiva significa


um novo modelo de escola em que é
possível o acesso e a permanência de
todos os alunos, e onde os
mecanismos de seleção e
discriminação, até então utilizados,
são substituídos por procedimentos
de identificação e remoção de
barreiras para a aprendizagem.
Para tornar-se inclusiva, a escola
precisa formar seus professores e
equipe de gestão, rever as formas de
interação vigentes entre todos os
segmentos que a compõem e nela

14
15
APOSTILA DE LIBRAS

3. Políticas Sociais e Educacionais: da Exclusão à


Inclusão

A s tendências adotadas pelo


movimento inclusivista vieram
no bojo das mudanças que foram
pouco da trajetória, pela qual,
pessoas com necessidades especiais
passaram ao longo dos séculos.
ocorrendo, ao longo dos tempos. Com os movimentos sociais,
Desde a Grécia se preconizava a embora ocorrendo paulatinamente,
eliminação sumária daqueles que algumas mudanças, foram sendo
não apresentavam condições físicas identificadas na história da
e mentais similares às demais humanidade que a seu modo, e no
pessoas, até chegar a uma seu tempo foram sendo desencadea-
reviravolta nessa concepção, na qual doras de novas formas de ver esses
se tenta valorizar, acreditar no ser indivíduos. Passamos da exclusão
humano capaz de superar os total para outras formas de
desafios de viver na sociedade. participação que na época, não
Vivemos no nosso país uma representaram o respeito ao direito
realidade que não pode ser de ser cidadão. Nessa ótica,
entendida se não conhecermos um podemos interpretar a exclusão

16
APOSTILA DE LIBRAS

como um processo dinâmico da para todos aqueles que vivem e


calar grupos sociais, total ou participam da sociedade condições
parcialmente. Portanto, trata-se de para superar limitações encontran-
aplicar políticas que determinam do novos caminhos.
“quem está dentro e quem está fora”
(FERNANDES, 2005, p.89).
Nessa trilha, a segregação foi
sendo imposta, trazendo para
aqueles de quem estamos falando a
possibilidade de sobreviver
fisicamente, mas sem a qualidade de
vida e participação esperada. Nesse
momento essas pessoas podiam
participar da sociedade embora
sendo sempre mobilizadas para
reunir-se ao grupo de pessoas que
como elas possuíam a mesma Essa mudança radical nas
dificuldade. propostas de uma sociedade para
Seguiu-se a esse movimento, a todos foi alavancada no ano de 1994,
integração que representou um quando representantes de oitenta
passo adiante nessa caminhada em países reunidos na Espanha,
direção a uma maior participação na elaboraram a assinaram a
sociedade. Nesse momento ainda se Declaração de Salamanca que trouxe
percebia que “estar juntos” não para a sociedade uma nova ordem
podia acontecer de forma plena. de participação dos seus membros.
Finalmente na segunda As recomendações contidas
metade do século XX, a ideia de nessa declaração trouxeram para as
reunião de todos começa a se escolas uma nova forma de
materializar através da inclusão combater a discriminação, trazendo
entendida como o direito de todos para elas responsabilidade extensiva
de participar da sociedade que deve a toda a sociedade. Se antes parecia
estar preparada para recebe-los. que a deficiência era um problema
Educação inclusiva se refere a individual agora muda de foco, ou
“educação para todos” e não apenas seja, aponta para uma responsabi-
para aqueles que apresentam algum lidade compartilhada por toda a
tipo de necessidade especial. A sociedade, tendo na escola um dos
inclusão supõe que sejam oferecidas seus principais representantes.

17
APOSTILA DE LIBRAS

Essa escola deve acolher todas educação especial.


as crianças, independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, §2º O atendimento educacional será
sociais, emocionais ou linguísticas feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em
(PERLIN e STROEBEL, 2008).
função das condições específicas dos
Na esteira dessas observações alunos, não for possível a sua
a LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e integração nas classes comuns de
Bases da Educação contempla a ensino regular.
maioria desses pontos.
§3º A oferta de educação especial,
dever constitucional do Estado, tem
início na faixa etária de zero a seis
anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino


assegurarão aos educandos com
necessidades especiais: currículos,
métodos, técnicas, recursos
educativos e organização
específicos, para atender às suas
necessidades;

 terminalidade específica para


LDB 9394/96 aqueles que não puderem
atingir o nível exigido para a
CAPÍTULO V conclusão do ensino
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL fundamental, em virtude de
suas deficiências, e aceleração
para concluir em menor tempo
Art. 58 Entende-se por educação o programa escolar para os
especial, para os efeitos desta Lei, a superdotados;
modalidade de educação escolar,
 professores com especializa-
oferecida preferencialmente na rede
ção adequada em nível médio
regular de ensino, para educandos
ou superior, para atendimento
portadores de necessidades espe-
especializado, bem como
ciais.
professores do ensino regular
capacitados para a integração
§1º Haverá, quando necessário, desses educandos nas classes
serviços de apoio especializado, na comuns;
escola regular, para atender as  educação especial para o
peculiaridades da clientela de trabalho, visando a sua efetiva

18
APOSTILA DE LIBRAS

integração na vida em considerarmos o capítulo de


sociedade, inclusive condições Educação Especial, destacando
adequadas para os que não principalmente a questão da
revelarem capacidade de
inserção dessas pessoas
inserção no trabalho
competitivo, mediante preferencialmente na rede regular
articulação com os órgãos de ensino, e a provisão de condições
oficiais afins, bem como para que precisam acontecer para que
aqueles que apresentam uma possamos falar de que possam ser
habilidade superior nas áreas supridas as necessidades de acesso e
artística, intelectual ou permanência de pessoas com
psicomotora;
necessidades especiais nas escolas.
 acesso igualitário aos
benefícios dos programas A não observância desses
sociais suplementares dispo- artigos alimenta a manutenção da
níveis para o respectivo nível intolerância, seja ela, religiosa,
do ensino regular. étnica, sexual, política,
socioeconômica. Um traço físico
Art. 60. Os órgãos normativos dos pode ser interpretado tanto como
sistemas de ensino estabelecerão uma questão cultural tanto quanto
critérios de caracterização das
uma questão médica. E, diante da
instituições privadas sem fins
lucrativos, especializadas e com diversidade de destinos que eles
atuação exclusiva em educação podem ter os que forem pegos nas
especial, para fins de apoio técnico e redes de significações culturais
financeiro pelo Poder Público. podem construir suas identificações
(CAMPELO, 2002).
Parágrafo único. O Poder Público No caso de os surdos serem
adotará, como alternativa incluídos nas redes de significações
preferencial, a ampliação do
patológicas, provavelmente, serão
atendimento aos educandos com
necessidades especiais na própria excluídos, discriminados e
rede pública regular de ensino, condenados a serem pessoas
independentemente do apoio às deficientes.
instituições previstas neste artigo. Na tentativa de neutralizar
essa perspectiva a escola deve
Diante dessas sugestões pautar suas ações nas diferenças
identificamos que a sociedade expressas pelo pertencimento a
através da escola não tem cumprido grupos culturais e étnicos, nas
as recomendações que essa lei crenças, ideias e ideologia, bem
sugere principalmente se como nas capacidades intelectuais e

19
APOSTILA DE LIBRAS

habilidades expressas pelos alunos. difíceis de serem superadas do que


Nesse caso impõe-se o exercício de as limitações podem levar aqueles
uma prática da diferença, que as apresentam.
reconhecendo desse modo, a O desvelamento de novas
complexidade humana. Em caso possibilidades para a educação do
contrário, estamos diante de um dos surdo, por exemplo, pode significar
mecanismos da intolerância que na perspectiva adotada pelo modelo
diante de outros diferentes, difunde- brasileiro não apenas uma questão
se a crença de que eles, ou não linguística. Para além da língua de
pensam, ou não sentem, ou não sinais e do português. Essa escola
reagem como nós. (CAMPELO, não pode ser traduzida como espaço
2001). monolíngue, ao contrário, o
Entendida assim como confronto se faz necessário para que
desviante, a tendência será sempre se constitua uma verdadeira
procurar nas crianças os sinais e educação: multilíngue e
sintomas do seu desvio. Ao multicultural. Nesse sentido as
contrário, se acreditarmos e políticas públicas devem não apenas
trabalharmos no sentido de projetar ações que possibilitem a
superação das dificuldades desse existência de uma estrutura que
aluno, estaremos descobrindo novas viabilize a participação desses
maneiras de realização. Portanto alunos nas salas de aula, mas devem
não é a presença física dessas ser impulsionadoras do seu
pessoas nas escolas/sociedade, que cumprimento.
representa o atendimento das suas
necessidades (sejam surdos, cegos,
surdocegos, deficientes mentais,
etc.).
É preciso ir mais além, pois
uma visão que mantenha restrições,
por algum motivo, de pessoas
diferentes, significa que talvez
estejamos “criando” barreiras mais

20
APOSTILA DE LIBRAS

4. Modelos para Educação de Surdos

A história de educação de surdos


mostra que sua trajetória foi
marcada por uma diversidade de
No entanto, os avanços da
ciência e a participação de pais e
amigos dessas pessoas foram
opiniões que ao longo desse tempo determinantes para que essa
foi se modificando. Sabemos que os percepção fosse mudando. A
surdos foram alvos desde o início da atuação dos médicos que foram se
Idade Moderna de dois tipos de interessando pela educação de
atenção: a médica e a religiosa. surdos foi marcada por uma prática
Naquela ocasião a chamada essencialmente pedagógica voltada
“surdo-mudez” se constituía, para que o surdo adquirisse algum
conforme cita Soares (1999) um tipo de conhecimento.
desafio para a medicina, pois estava Gerolamo Cardano, que era
ligada a anomalia orgânica. Por matemático, médico e astrólogo
outro lado, a ajuda para aqueles que italiano, desenvolveu investigações
não podiam ouvir, nem falar, fazia sobre a condutibilidade óssea, foi o
parte dos preceitos religiosos. primeiro educador de surdos.

22
APOSTILA DE LIBRAS

Segundo Soares (1999, p.17) congresso foi decidido por votação


afirmou “a mudez não se constituía dos professores (excetuando os
um impedimento para que o surdo professores surdos), segundo
adquirisse conhecimento”. Desse Goldfeld (1998) que apenas a língua
modo, começaram a serem oral deveria ser aprendida pelos
empregadas formas diversas para surdos e a língua de sinais naquela
trabalhar com o surdo. ocasião era considerada prejudicial
Segundo essa autora, apesar para o desenvolvimento da criança
das diferenças entre os motivos que surda.
encaminharam as ações educativas Essa concepção gerou uma
na Itália e na Espanha, no século mudança radical nas escolas do
XVI, e na Holanda, Inglaterra e mundo inteiro que abandonaram
Alemanha, no século XVII, e início qualquer expressão através de sinais
do século XVIII as práticas exercidas para concentrar-se na oralização,
por esses médicos e religiosos na principal objetivo da educação de
educação de surdos, são bastante crianças surdas.
semelhantes, no que diz respeito ao Para atingir esse fim, como já
ensino através da escrita. Nesse mencionamos, a maior parte do
sentido, a presença da escrita nos tempo previsto para o trabalho com
diferentes métodos utilizados pelo essas crianças era dedicado ao
oralismo teve como objetivo a treinamento oral, afim de que
aquisição da fala. pudessem dominar a língua na
A partir daí modificações modalidade oral. Essa opção foi
foram sendo introduzidas na dominante no mundo inteiro até a
educação de surdos e que podem ser década de 60, ocasião em que
resumidas nos seguintes modelos William Stokoe, linguística
educacionais: americano, demonstrou que a língua
 Oralismo de sinais era uma língua como
 Comunicação Total qualquer outra, com todas as
 Bilinguismo características das línguas orais e
que seriam adquiridas naturalmente
Oralismo pelo surdo.
Existem diversas metodolo-
O Congresso de Milão, em gias de oralização, entretanto, um
1880, representou o marco para a ponto comum entre elas é a
adoção do oralismo como a única via estimulação da audição residual,
de realização do surdo. Nesse detectada através de exames

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APOSTILA DE LIBRAS

audiológicos e trabalhada após a audiofonatório.


adaptação de aparelho de 2. Multissensorial: utiliza
amplificação sonora individual várias vias sensoriais como
(AASI). Esse aparelho amplifica os recursos a serem trabalhados
sons, possibilitando que o surdo para chegar a oralidade. Como
consiga melhorar sua capacidade de métodos que adotaram essa
escutar. perspectiva podemos citar:
O uso desses aparelhos vai aural, verbotonal.
depender da avaliação audiométrica
que classifica a surdez em diversos Esses métodos apostam no
graus: treinamento da audição como
 Leve principal recurso para atingir o
 Moderada objetivo de oralizar o surdo.
 Severa Mais recentemente podemos
 Profunda falar do implante coclear (chamado
popularmente de ouvido biônico)
Audiometria: é um exame que começa a fazer parte das opções
da audição realizado por meio de disponíveis para os surdos. Nesse
instrumentos de avaliação da caso, após a cirurgia o surdo passa a
capacidade para apreender os “ouvir” se toda a intervenção for
diferentes sons da fala e classificar a bem-sucedida.
surdez nos diversos graus acima As principais técnicas a serem
mencionados. trabalhadas nos métodos orais são:
Após essa avaliação os  Treinamento auditivo
profissionais adotavam um dos  Leitura orofacial
diversos métodos dentre os quais  Desenvolvimento da fala
passamos a citar:  Treinamento auditivo
Os métodos orais incluem
Propõe que através da
duas abordagens:
estimulação auditiva o surdo possa
1. Unissenssorial: prioriza a
reconhecer e discriminar ruídos,
audição como principal via
sons ambientais, sons da fala.
sensorial a ser estimulada e
Associado a esse trabalho é essencial
desse modo conseguir que o
a utilização de AASI e também dos
surdo oralize. Tendo em vista
aparelhos de amplificação de mesa
esta abordagem podemos
durante as sessões de atendimento
citar, dentre outros, dois
(GOLDFELD, 1998).
métodos: acupédico e

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APOSTILA DE LIBRAS

Leitura orofacial transformando essas produções em


autênticas fonações e em palavras
É a utilização de recursos (AGUDO; MANSO; MÈNDES y
visuais na fala como facilitadores do MUÑOZ,2001).
processo de comunicação
(GOLDFELD, 1998). Através da O desenvolvimento da
leitura orofacial é possível linguagem
identificar a palavra falada
produzida através de movimentos
articulatórios por parte do emissor.
Portanto, é um instrumento
necessário para o surdo, e, com ela
tenta-se que ele entenda a
mensagem do interlocutor a partir
da leitura que faça dos lábios, da
face, dos movimentos e posições dos
órgãos articulatórios.
É importante considerar que
não temos visibilidade de todos os
Paralelamente a todo esse
fonemas produzidos e desse modo
trabalho, a linguagem se mantém
muitos dos sons emitidos não são
nesse contexto como o elemento no
identificados claramente, portanto,
qual essas intervenções são
somente através do contexto do que
efetivadas. Por esse motivo alguns
é dito, pode-se fazer a
desses métodos sugerem estratégias
complementação da ideia.
específicas que identificaremos de
forma sucinta
O desenvolvimento da fala Dentro da perspectiva oralista,
Simonek e Lemes (1990) afirmam
São exercícios realizados para
que o desenvolvimento da lingua-
a mobilidade e tonicidade dos
gem tem início nos primeiros meses
órgãos fonoarticulatórios na fona-
de vida quando a criança começa a
ção, lábios, mandíbula, etc., além de
produzir as primeiras palavras,
exercícios de respiração e relaxa-
sempre auxiliada pelo AASI e pela
mento.
estimulação auditiva. Sua
Após a preparação dos órgãos
linguagem deve seguir as mesmas
fonatórios deve-se partir das
etapas da criança ouvinte.
produções espontâneas para irem se

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APOSTILA DE LIBRAS

Ainda segundo as autoras A sua utilização representou


acima mencionadas, que sugerem uma possibilidade de criar
na p. 78 (1990) “Assim estimuladas condições para que essa criança
as palavras-frase, frases de dois entendesse como a língua
elementos, verbos básicos e a portuguesa se estruturava. No
estrutura gramatical correta. entanto, nem mesmo seu emprego
Seguindo estas etapas, a criança conseguiu que os surdos chegassem
surda chegará a um rendimento a compreender como se organizam
linguístico satisfatório”. as frases na língua portuguesa de
Uma estratégia que perdurou forma clara.
durante os anos áureos do oralismo E, a partir da década de 60 do
foi a Chave de Fitzgerald, que se século XX, como já comentamos, a
propunha a organizar a linguagem língua de sinais começou a ganhar
ordenando os elementos que novo espaço na comunicação de
compunham a frase, colocadas em surdos especialmente nos Estados
um quadro, que dava a ideia de um Unidos com o surgimento da
esquema que teria de ser seguido, Comunicação Total que pretendeu
embora não incluísse a possibilidade promover antes de tudo, a
de que o aluno criasse novas comunicação - surdo x ouvinte.
estruturas.
Mais recentemente, outra Comunicação Total
forma utilizada por métodos orais,
dentro desse mesmo modelo foi o A Comunicação Total surgiu
Organograma da Linguagem que depois que a publicação de William
constitui-se de um conjunto de Stokoe comprovou que a língua de
símbolos (figuras geométricas) que sinais era uma língua legítima tal
representam a estrutura frasal. qual uma língua oral.
Segundo Goldfeld (1998, p.79) o Ela propõe uma maneira
círculo representa o núcleo do diferente de perceber o surdo, ou
sujeito; o quadrado simboliza o seja, como um indivíduo diferente,
predicado e o triângulo pode não deficiente e, a denominação
representar o complemento verbal “deficiente auditivo” usada pelos
ou complemento nominal. Dessa oralistas foi substituída por outra,
forma, a estrutura da língua vai “Surdo”.
sendo organizada partindo A Comunicação Total defende
inicialmente de associações com a utilização de qualquer recurso
essas figuras. linguístico, seja a língua de sinais, a

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APOSTILA DE LIBRAS

linguagem oral ou códigos manuais, bilíngue, ou seja, ele deve adquirir


para facilitar a comunicação como língua materna a língua de
(GOLDFELD, 2002). O aprendizado sinais, que é considerada a língua
de uma língua não é objetivo natural dos surdos e, como segunda
principal da Comunicação Total. língua, a língua a oficial de seu país
No Brasil a Comunicação na modalidade oral e/ou escrita.
Total, além da LIBRAS (Língua Autores como Sanches (1993)
Brasileira de Sinais) utiliza ainda a acredita ser necessário para o surdo
datilologia (alfabeto manual), o cued adquirir a língua de sinais e a língua
speech (sinais manuais que oficial do seu país apenas na
representam os sons da língua modalidade escrita e não oral.
portuguesa) o português sinalizado Skliar (1999) comenta que a
(língua artificial que utiliza o léxico educação bilíngue não pode ser
da língua de sinais com a estrutura neutra nem opaca. Ela deve se
sintática do português e alguns constituir como consciência política,
sinais inventados para representar para entender a educação dos
estruturas gramaticais do português surdos como uma prática de direitos
que não existem a língua de sinais); humanos concernentes aos surdos; a
o pidgin! (simplificação-da coerência ideológica para discutir as
gramática de duas línguas em assimetrias do poder e do saber
contato, no caso, o português e a entre surdos e ouvintes e a análise de
língua de sinais) (GOLDFELD, natureza epistemológica das
2002, p.40 e 41). representações colonialistas sobre
A Comunicação Total surdez e surdos.
recomenda o uso simultâneo destes Essas línguas não devem ser
códigos manuais com a língua oral. utilizadas simultaneamente para
Essa opção é denominada que suas estruturas sejam
bimodalismo e cria uma terceira preservadas.
modalidade, que emprega O surdo, para os bilinguistas
inadequadamente a língua de sinais, não precisa almejar uma vida
já que a mesma, tem gramática semelhante ao ouvinte, podendo
diferente da língua portuguesa. aceitar e assumir a surdez
(GOLDFELD, 2002).
Bilinguismo Um dos princípios mais
importantes desse modelo de ensino
O pressuposto que norteia esse é que os surdos formam uma
modelo é que o surdo deve ser comunidade, com cultura e língua

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APOSTILA DE LIBRAS

próprias. A língua de sinais deve ser surdos. Sabemos que esse modelo
aprendida em contato com adultos está ocupando um grande espaço no
fluentes. cenário científico mundial, em
Muitos fatores ainda países como EUA, Canadá, Suécia,
comprometem a adoção do Venezuela, Israel, entre outros
bilinguismo, ou seja, falta a países que desenvolvem muitas
estrutura recomendada para sua pesquisas sobre surdez e abordagem
utilização. A escola pública, bilíngue (GOLDFELD, 2002).
geralmente, ministra suas aulas em Considerando que no Brasil o
português, por professores ouvintes
ensino tardio da Libras, nas escolas
que na sua grande maioria não
acrescentam mais dificuldades à
domina a língua de sinais. Por outro
questão principal da perda auditiva.
lado, o número insuficiente de
Segundo Fernandes (2005) os
intérpretes que não estão presentes
surdos, em sua grande maioria,
em todas as salas de aula, durante
crescem em famílias de pais que
todo o tempo, assinala outra
dificuldade na viabilização dessa falam e ouvem o português e não
forma de promover o conhecimento adquirem esta língua precocemente.
nas salas de aula. Ao mesmo tempo Desse modo, frequentando escolas
temos de esclarecer que mesmo em que o ensino é realizado em
contando com essa presença do língua portuguesa, com
profissional intérprete, ela não pouquíssimos professores que
garante a apreensão do dominam a Libras, resultam em
conhecimento. aquisições mais tardias. Portanto, o
Para o bilinguismo o domínio não compartilhamento dessas duas
da língua de sinais é mais fácil para línguas desde a infância, não atende
que o surdo perceba estes aspectos as principais recomendações desse
na língua oral, já que tem exemplos modelo uma vez que a presença do
da língua de sinais para se guiar. intérprete de Libras não garante a
aprendizagem.
Reflexões

Dentre os modelos que foram


expostos acima, o bilinguismo
adotado nas últimas décadas parece
oferecer melhores condições para a
aquisição da comunicação por

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APOSTILA DE LIBRAS

5. Cultura, Identidade X Educação de Surdos

P ensar na educação de surdos


nos leva de pronto a refletir
sobre as peculiaridades que esse
para a surdez, considerando
questões políticas, culturais,
linguísticas, e de identidade. Elas
grupo de pessoas apresenta diante transmitem valores culturais que
da limitação auditiva que interfere motivam a troca de experiências
largamente na visão de mundo que sobre ser surdo, mostrando a
elas possuem. Não estamos tratando riqueza dessa cultura.
de uma questão resolvida quando Seguindo a sugestão de Perlin
falamos de identidade surda, como e Stroebel (2008) passamos a falar
afirma DORZIAT (2009). de concentrações de surdos,
Ainda segundo a autora, o principalmente, destacando suas
debate inócuo até então realizado principais características. As
orbitava em torno dos conceitos de diversas lutas encetadas por essas
deficiência e reabilitação que não comunidades sejam no seu lugar de
traziam questões que devem origem e/ou em outras localidades,
permear a intervenção educacional alavancaram os ganhos políticos

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APOSTILA DE LIBRAS

pelo respeito aos seus direitos. aprendizagem escolar


Sejam reunidos em família, tendo como pressuposto o
associações, em instituições religio- reconhecimento das
diferenças individuais de
sas, pequenos grupos de lazer,
qualquer origem.
trabalho, trouxeram conquistas até
bem pouco tempo não possíveis de Nessa ótica e diferindo do
imaginar. Desse modo cada grupo modelo médico, o modelo
foi se constituindo como educacional propunha o emprego de
comunidade surda distinta de recurso métodos de ensino mais
qualquer outra localidade. eficazes proporcionando às pessoas
Reunidos, eles foram se fortalecen- com deficiência, ainda como afirma
do e aos poucos foram ganhando Glat (2007), maiores condições de
espaço na sociedade hoje adaptação social, auxiliando-a a
representada pelos seus órgãos superar, pelo menos em parte, as
representativos, na esteira do dificuldades cotidianas.
movimento inclusivista que, com
maior divulgação começou a ser
Modelo educacional
objeto de reflexões em diversas
instâncias.
Capturando a influência da
inclusão escolar como citou Glat
(2007, p.16) “o reconhecimento
desse movimento como diretriz
educacional prioritária na maioria
dos países, dos quais o Brasil passou
a ser sentido”. Para tal fim, ela
afirma que:

[...] o respeito à
responsabilidade dos A ênfase não era mais na
governos e dos sistemas deficiência intrínseca do indivíduo,
escolares de cada país com mas sim nas condições do meio em
a qualificação de todas as
proporcionar recursos adequados
crianças e jovens no que se
refere aos conteúdos, que promovessem o desenvolvimen-
conceitos, valores e to e a aprendizagem.
experiências materializa- Deixamos, portanto, a lógica
das no processo de ensino- do binarismo, normal/anormal

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APOSTILA DE LIBRAS

criando movimentos que contri- que possa evitar a expressão do


buam para o apagamento da poder, estaremos na trilha para
diferença na medida em que os iniciar um processo de desvenda-
dispositivos clínicos sejam afasta- mento das sinuosidades do poder,
dos. A lógica global não auxilia desconstruindo a lógica existente
muito nesse processo. Ao contrário, para criar uma nova lógica de
o espaço das certezas, das regras e convivência social
das padronizações instigados pela Seguindo a ótica da autora, as
ideologia dominante, fixa as identidades ao invés de apagadas,
culturas locais em identidades são vistas no contexto complexo que
rígidas disseminando a ideia de envolve comportamentos, crenças,
culturas globais hegemônicas valores.
provocando desconforto frente aos Segundo Skliar (2003, p 47), a
diversos papéis a serem assumidos única opção possível para que a
pelos sujeitos na atualidade alteridade não fique aprisionada
(DORZIAT, 2009). entre a condição e o estado do ser ou
Algumas consequências são não ser deve ser a de uma
inevitáveis no cenário atual, como temporalidade denominada estar
mostra Hall (1997) a desintegração sendo.
do conceito de identidade única; Por apresentar dificuldades
reforçamento das identidades locais em se adequar a esse padrão
pela via da resistência à globalização baseado num ouvinte único, a
e a aceitação de um inevitável pessoa surda foi ao longo do tempo
hibridismo nas identidades. Desse patologizado, obrigado a se
modo reforçando as identidades submeter aos mais diferentes
locais é possível desmistificar a tratamentos terapêuticos, visando
imagem de unificação em torno do sua normalização. Terapias de fala,
modelo capitalista liberal. treinamentos de restos auditivos,
“No entanto, o contexto técnicas para adquirir a leitura
multifacetado coloca esses sujeitos orofacial são algumas das iniciativas
frente a situações muito para normalizar essas pessoas
diversificadas, exigindo deles a (DORZIAT, 2009).
incorporação de diferentes papéis Na contramão desse conceito,
sociais, o que demanda uma a adoção do modelo inclusivista
organização menos rígida” trouxe a possibilidade concreta de
(DORZIAT, 2009, p.18). Nesse aceitação da diferença pelas
sentido se adotamos um discurso políticas públicas. A possibilidade

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APOSTILA DE LIBRAS

de uso da língua de sinais foi sendo


paulatinamente inserida nas
escolas. Apesar dessa inserção ainda
detectamos contradições decor-
rentes da cultura majoritária, e,
nesse sentido a Libras toma corpo
apenas no aparato legal que mascara
a continuidade das políticas
homogêneas e unilaterais.
Incluir uma criança surda em Esse professor espera que o
salas regulares é um desafio aluno surdo possa dar conta da
particularmente difícil, devido ao comunicação em língua portuguesa,
que pode ser considerado como uma seja tentando articular lentamente
diferença linguística irrecuperável, para que o aluno surdo possa fazer a
em relação aos demais alunos. leitura orofacial e, desse modo
No sistema educacional compreender os aspectos do léxico e
brasileiro apesar de esforços já do semântico da língua portuguesa,
empreendidos, os programas de ou ainda deixando para que o
capacitação de professores para intérprete de Libras resolva essa
atuar junto aos surdos se revelaram questão. Nesse caso sem as
até o momento como ineficientes, se condições adequadas o surdo não
considerarmos, principalmente, a poderá obter desempenho acadê-
comunicação empregada por essas mico em níveis satisfatórios
crianças, a língua de sinais. (FERNANDES, 2005).
Sem as condições de fazer a A escola precisa ir adquirindo
leitura orofacial esperada pelos os padrões preconizados pelas
professores que por sua vez não políticas públicas e, deixar de
dominam os conhecimentos camuflar alguns dos padrões que
fundamentais para que possa tenta encobrir. Nesse sentido,
compreender o aprendizado de uma
criança com audição ausente. [...] as comunidades surdas
Estaremos assim diante de um devem propiciar um lugar
obstáculo que os sistemas escolares de afirmação de política, de
ainda não conseguiram eliminar, troca de experiências, que
pois em sala de aula os podem desfazer rótulos
que por si só contribuem
conhecimentos são transmitidos em
para a perpetuação de uma
língua portuguesa. visão circunstancial das

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APOSTILA DE LIBRAS

situações, mostradas nas escritos por surdos deve levar em


falas dos próprios surdos consideração o fato de que é um
(DORZIAT, 2009, p.25). aprendiz de segunda língua que
sofre a influência da primeira língua
A organização de processos em
especialmente quando se trata de
direção a uma verdadeira política da
uma língua visuo-espacial com
diferença, segundo Larrosa Skliar
características bem distintas da
(2001) desconstroi as ideias que
língua portuguesa. Não
vem do mundo ouvinte.
considerando essa perspectiva, de
Em sendo assim, a escola
um modo geral, a língua portuguesa
parece continuar negando a
é ensinada para surdos como se
existência da diferença, seja na
fosse para ouvintes, o que
forma de comunicação seja na forma
certamente vai provocar interpre-
de aquisição dos saberes, não
tações distorcidas sobre o texto
levando em consideração a cultura
escrito por ele. Apesar da presença
daquelas pessoas que mostram
do intérprete de Libras nas salas de
peculiaridades que certamente
aula essa situação ainda não foi
exigiriam dessa instituição uma
minimizada, pois diante do exercício
atenção especial para as
de um papel que não foi
necessidades desse aluno.
devidamente esclarecido, e por esse
A tarefa de ressignificação do
motivo gera expectativas
ato pedagógico não é fácil, porque
incoerentes com as possibilidades
requer uma renovação dos padrões
de sua atuação.
até então adotados, pois muitas
vezes conservando modelos
tradicionais, deixam de incorporar
estratégias que serviriam para que o
surdo avançasse no processo de
aquisição do conhecimento.
Como já comentamos
anteriormente, alguns aspectos
merecem destaque especial, pois
temos de considerar que, por
exemplo, no caso da Libras,
adquirida como primeira língua vai
Portanto, em um cenário onde
influenciar diretamente na
ainda não contamos com
aquisição da língua portuguesa.
profissionais em número sequer
Nesse caso, a avaliação de textos

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APOSTILA DE LIBRAS

razoável para atuar em todas as salas Para que as crianças surdas


de aula, sejam: intérpretes de possam compartilhar as práticas
Libras, professores bilíngues, culturais do contexto social dos
professores surdos, de fato não ouvintes cujos símbolos que
podemos falar de um contexto impregnam a cultura só vão se
inclusivista, na sua essência. revestir de significado para as
O desafio que nos colocamos crianças surdas se houver interações
consiste basicamente em buscar sociais e comunicativas significati-
outros parâmetros em que “as ações vas que possam decodificar
sejam reinventadas sob outra lógica” símbolos (FERNANDES, 2005,
que em nada contribuem para as p.92).
mudanças que são necessárias.
Portanto temos de substituir as
tendências tecnicistas na educação
de surdos por uma nova versão na
qual a língua de sinais alcança o
verdadeiro lugar que deve ocupar,
juntamente com profissionais que
possam influir definitivamente para
a concretização dos princípios
bilinguistas.
Estudos de muitos teóricos
tais como Quadros (1997, O sistema público brasileiro
k2006,2007,2008,2009); Karnopp reconhece a diferença linguística do
(2005); Fernandes (2005), Ferreira surdo como importante fator de
Brito, (1993) dentre outros, identidade cultural, valorizando a
mostram que os surdos podem língua de sinais, mas ainda busca
aprender a ler e escrever em estratégias eficazes para ensiná-la
português sem aprender a nas escolas, a exemplo de tantos
pronunciar esse idioma, da mesma outros países.
forma que se aprende uma língua A escola deve conhecer,
estrangeira escrita sem saber aceitar e valorizar essas diferenças,
pronunciar suas palavras. entendendo-as dentro do prisma
Desse modo, estaremos multicultural. Desse modo foi
defendendo o multiculturalismo, necessário eliminar práticas
como um real respeito à diversidade exclusivistas que operaram tanto
cultural dos surdos. tempo nas escolas, dentro da ótica

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APOSTILA DE LIBRAS

médico-clínica, e que utilizavam a (FERNANDES, 2005, P.91).


patologização individual do aluno Comunidades surdas – Não é
como uma maneira de segregação e somente composta por pessoas
adotar a participação desse ser surdas, há também sujeitos ouvintes
diferente com sua cultura, valores, e – membros da família, intérpretes,
peculiaridades para aprender, professores de surdos, amigos e
distintas daqueles que ouvem. outros que participam e
compartilham os mesmos interesses
Conceitos em comuns em uma determinada
localização (...) em que lugares?
Geralmente em associações de
surdos, federações de surdos, igrejas
e outros (STROEBEL, 2008, p.29).

Identidade cultural – é uma


forma de distinguir os diferentes
grupos sociais e culturais entre si. A
identidade cultural pode ser melhor
entendida se considerarmos a
produção da política da identidade,
que também dá origem a esta
metodologia da educação de surdos.
Multiculturalismo – é o
estabelecimento de níveis de
respeitabilidade e garantia de
igualdade de direitos humanos às
pessoas com diferentes origens,
crenças, etnias, gêneros; uma
convivência pacífica entre os
membros pertencentes a grupos
minoritários e os grupos
majoritários de uma comunidade
social sem qualquer discriminação

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37
APOSTILA DE LIBRAS

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