Identidade e Relações Sociais

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CAPÍTULO 10

GRUPO SOCIAL, RELAÇÕES


INTERGRUPAIS E IDENTIDADE SOCIAL

Ana Raquel Rosas Torres


Leoncio Camino
Khalil da Costa Silva

INTRODUÇÃO
Nosso objetivo, neste capítulo, é apresentar ao leitor o papel que o grupo possui na
Psicologia Social para a análise dos fenômenos sociais. Diferentemente com o que
ocorre com as visões mais frequentes sobre o grupo desenvolvidas no seio da discipli-
na, nós não falaremos apenas dos pequenos grupos, nos quais seus membros mantêm
relações face a face. Nossa ênfase será nos grandes grupos, ou categorias sociais, tema
que tem recebido pouca atenção da Psicologia Social, mas que é essencial para as in-
vestigações que concebem os fenômenos sociais como sendo produzidos nas relações
de poder estabelecidas entre os grupos que formam as sociedades.
Considerando-se que os grupos constituem um fenômeno fundamental na vida
social dos indivíduos, era de se esperar que desde sua origem a Psicologia Social tives-
se se orientado para o estudo desta forma particular de organização social. Mas, de
fato, por um conjunto de razões, a Psicologia Social demorará em colocar o grupo
como tema próprio (Camino et al., 2007). O objetivo deste capítulo é analisar, come-

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çando com uma revisão histórica, as principais teorias desenvolvidas na psicologia


que tratam das relações entre indivíduo e seus grupos de pertenças. A partir daí,
argumenta-se que, embora muitas vezes a psicologia social contemporânea tenha o
indivíduo como centro de suas análises, ela não deve colocar o grupo em um papel
secundário dos fenômenos sociais, pois corre o risco de desenvolver explicações ex-
tremamente reducionistas para fenômenos sociais complexos. Defende-se que, dada a
importância teórica dos processos grupais, uma maior articulação entre sociologia e
psicologia social é fundamental para o desenvolvimento desta disciplina.
Para alcançar esse objetivo, incialmente analisa-se o percurso histórico do desen-
volvimento do conceito de grupo, destacando-se que sua incorporação como objeto
de estudo encontrou resistência tanto por parte da Psicologia, a qual se estabeleceu
como disciplina primordialmente interessada em fenômenos individuais, como por
parte da Sociologia, dado que no âmbito desta disciplina o grupo possuía conotação
negativa, sendo associado a características, como irracionalidade ou descontrole. Em
seguida, discute-se a natureza dos grupos, destacando as consequências das diferentes
pertenças grupais. Concluímos o capítulo argumentando o papel de destaque que o
grupo possui na vida psicológica das pessoas, não só no nível individual, por exemplo,
no desenvolvimento de uma identidade social, mas também no nível societal, uma vez
que as pertenças grupais podem dar origem a fenômenos, como o preconceito e a
discriminação.

10.1 PRIMEIRAS IDEIAS SOBRE AS RELAÇÕES INDIVÍDUO-GRUPO


Os primeiros estudos da vida social realizados na perspectiva da Psicologia, e
publicados no final do século XIX e início do século XX, transmitiam uma visão bas-
tante negativa não só dos fenômenos sociais característicos deste período, como acon-
teceu com o movimento operário que emergia frente ao crescimento do capitalismo
industrial, mas também dos próprios fundamentos da vida grupal e institucional
como um todo. Como exemplos de trabalhos publicados naquele período temos o do
advogado italiano Sighele (1901) e o do jurista francês Gabriel Tarde (1890), que con-
cebiam as multidões como possuidoras de uma mente coletiva.
No entanto, o teórico mais importante desse período foi, sem dúvida, Gustave Le
Bon, cujo livro The Crowd tem sido reeditado sem interrupção desde a sua primeira
publicação, em 1896. Frente às ações da massa de trabalhadores, categoria social nova
que se constituía com a consolidação do capitalismo, o trabalho de Le Bon (1896),
denominado de Psicologia das Massas, considerava que os indivíduos, independente
de seu estilo de vida, caráter e inteligência, estariam propensos à manifestação de atos
de barbárie e à perda da racionalidade ao se integrarem a uma multidão. Para esse
autor, as massas são uma entidade psicológica supraindividual, caracterizadas por
dois processos: a sugestionabilidade excessiva e o contágio. Uma vez estando sob o
manto do anonimato fornecido pela multidão, o indivíduo estaria livre das pressões
sociais e daria vazão a seus instintos de destruição. Por conseguinte, o comportamen-
to das multidões seria sempre caracterizado pela violência e pela irracionalidade.

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A perspectiva de Le Bon (1986) estabelece, portanto, um contraste entre as mentes


individual e grupal. A primeira, qualificada como racional e civilizada; e a mente
grupal, como selvagem e irracional. A sugestionabilidade e o contágio seriam os fenô-
menos psicológicos responsáveis pela substituição da racionalidade individual e civi-
lizada pela mente grupal, selvagem e incontrolável. Cabe assinalar, desde agora, que a
obra de Le Bon expressa a forte oposição ideológica entre indivíduo e massa, também
presente nas ideias que autores desse período introduziram na reflexão psicológica
imediatamente posterior (Camino, 2004; Goethals, 2003).
Os primeiros manuais que utilizaram explicitamente o título de Psicologia Social
(McDougall, 1908; Ross, 1908) não dedicaram espaço próprio ao estudo dos grupos.
Edward Ross (1866-1951), que era sociólogo, por exemplo, discutia o papel da opinião
pública, dos costumes e cerimônias para a manutenção da estabilidade social. Já
William McDougall (1871-1938), que era psicólogo, defendia que todo comportamen-
to humano, incluindo as relações sociais, poderia ser explicado pelos instintos, que
seriam relacionados com as emoções primárias (ver Capítulo 5 sobre Emoções). As-
sim, o sociólogo falava sobre a sociedade e o psicólogo falava sobre o indivíduo, res-
peitando-se desta maneira à tradição fundada por Émile Durkheim (1895/2007), que
em Regras do Método Sociológico (1895/2007) reservava o estudo de grupos e institui-
ções à Sociologia e o estudo dos indivíduos à Psicologia, como vimos no capítulo
primeiro deste livro. Para esse autor, a vida em coletividade seria o último estágio da
evolução psíquica da raça humana, sendo o social aqui concebido como uma espécie
de hiperpsiquismo, irredutível ao aspecto meramente psicológico. Assim, para ele, a
Psicologia só poderia ser individual, nunca social, sendo esta última o objeto maior da
Sociologia.
Nesse contexto em que a Sociologia e a Psicologia são disciplinas concebidas a
partir de uma noção dicotômica de indivíduo e sociedade, a Psicologia Social
começou a ser delineada como o campo de estudo acerca da maneira que o compor-
tamento de um indivíduo é influenciado por outros indivíduos. Tal perspectiva foi
apresentada por McDougall (1920) em seu livro The Group Mind, que defendia que o
comportamento social era de natureza instintiva, devendo ser estudado como produ-
to das forças mentais que seriam, por sua vez, objeto de estudo dos psicólogos sociais.
Tais forças seriam constituídas pelos instintos, conceito adotado para caracterizar
uma disposição inata que determina a forma de perceber, experimentar reações emo-
cionais e atuar frente a diversos eventos.
A consolidação da Psicologia Social como disciplina independente, tal como ocor-
re com os demais saberes científicos, foi moldada por fatores de ordem sócio-históri-
ca. O cenário político que caracterizava a Europa no início do século XX era marcado
pelo fortalecimento de organizações que aglutinavam trabalhadores das mais diversas
categorias. Nesse contexto, demandava-se do saber psicológico a compreensão dos
diversos fenômenos coletivos. Coube a Sigmund Freud (1856-1939) a tarefa de expli-
car os laços sociais que caracterizavam as massas.
Freud, diferentemente de Gabriel Tarde, pretendia explicar não só os fenômenos
de irracionalidade e emotividade já atribuídos aos participantes de uma massa, mas

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também os laços de solidariedade existentes entre seus membros. Em Psicologia de


grupo e análise do ego (1921), ele parte do que denomina de “massa artificial”, concep-
ção que lembra a noção de corporação de Tarde (1890),1 para estabelecer a natureza
desses laços. Os indivíduos que formam uma massa se identificam todos com uma
mesma pessoa: o chefe. Eles o amam, mas, justamente por serem muitos, não podem
ser amados por ele de modo recíproco. Então, os impulsos libidinais inibidos quanto
a seu objeto irradiam-se horizontalmente entre os membros do grupo. Estabelece-se,
assim, um duplo jogo de identificações: todos os membros da massa se identificam
verticalmente (introjetivamente) com o chefe, que se torna o ideal do ego de cada um
deles. Ao mesmo tempo, se identificam horizontalmente (libidinosamente) entre si. O
exemplo paradigmático desta situação se encontra na descrição freudiana da horda
primitiva em Totem e Tabu (Freud, 1913/1971). Para melhor entendermos o conceito
da “horda primitiva”, temos que ter em mente a noção de pai. Para Freud, o Pai Pri-
mevo, da horda primitiva, seria aquele que teria acesso a todas as mulheres e, conse-
quentemente, o único a ter o poder do gozo. Assim, para os membros terem acesso às
mulheres e ao gozo, teriam que matar o pai ou o Totem. Ao matá-lo, no entanto, dois
processos ocorreriam simultaneamente: os membros poriam fim à autoridade pa-
triarcal, mas, ao devorar o pai, se identificariam com ele. Para Freud, como essa ana-
logia debatia a relação entre natureza e cultura, pois, para ele, seria justamente para
evitar a barbárie do assassinato do Totem, o homem teria que civilizar-se por meio
das leis (os Tabus).
Como vimos no Capítulo 1, as ideias de Freud levaram a uma mudança de foco nos
estudos sobre os grupos. Os seus antecessores estavam mais preocupados com a influ-
ência do grupo sobre o indivíduo, ao passo que ele compreende a identificação com a
figura do líder como o mecanismo de inserção do sujeito num grupo e numa cultura.
(Guimarães & Celes, 2007). O interesse central de Freud, portanto, não está no estudo
dos grupos sociais e de suas características em si, mas no estudo da maneira como se
constroem as instâncias da personalidade humana na vida social, particularmente na
vida em família (Saraiva & Camino, 2007). Ademais, ao analisar a relação entre o
grupo e seu líder, a obra de Freud introduz na Psicologia Social o estudo acerca da
influência do indivíduo sobre o grupo (Godoi, Cargnin, & Uchôa, 2017; Saraiva &
Camino, 2007). Aqui é importante ressaltar que o interesse em analisar a figura de
um líder sobre o grupo não surge num vácuo social, mas coincide com a ascensão do
nazismo na Europa.
Tomados em conjunto, os trabalhos dos autores discutidos até agora apontam que,
desde suas origens, as fronteiras entre a Psicologia Social, voltada para o estudo das
interações entre indivíduos e a psicologia individual, preocupada com fenômenos
como os instintos e os processos mentais estabeleciam campos de saber distintos. Da
mesma forma, os campos de atuação de sociólogos e psicólogos sociais se localizavam
em esferas diferentes. Aos primeiros, cabia o estudo das sociedades como um todo.
Aos segundos, o social era muito mais um adjetivo de processos considerados pura-
mente psicológicos, do que o próprio objeto substantivo de análise.

1 Para Tarde, as corporações seriam grupos sociais organizados, com normas e leis próprias.

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A questão básica que se colocava naquela época e que, de certa forma, ainda é atu-
al, é se o social produz as disposições psicológicas individuais ou se, ao contrário, são
as disposições psicológicas individuais que produzem as instituições sociais. Dito de
outra forma, seria o social redutível ao individual? Para F. Allport (1924), a resposta
seria positiva, pois, para ele “não existe uma psicologia dos grupos que não seja essen-
cialmente e inteiramente uma psicologia dos indivíduos” (p. 6). Posição rebatida por
Tajfel (1978), que defendia que os fenômenos sociais não poderiam ser explicados a
partir de processos individuais: eles seriam de naturezas diferentes e como tais,
necessitariam de explicações teóricas de níveis diferentes das relativas aos fenômenos
individuais.
Em meio a posições contraditórias acerca da relação entre indivíduo e sociedade, o
estudo do grupo só se desenvolverá fortemente nos anos 1950, após a Segunda Guerra
Mundial. Essa grande difusão deveu-se, em grande parte, aos esforços pioneiros de
Kurt Lewin. Sua importância para a aceitação do grupo enquanto objeto de análise
dos psicólogos sociais foi ressaltada desde cedo. Por exemplo, Deutsch (1968, p. 466)
afirma que “uma das maiores contribuições de Lewin foi ajudar a converter a noção
de grupo mais aceitável aos psicólogos levando-os a aceitar a ideia de que os grupos
além de ter características em si, influenciam fortemente os indivíduos”.
Como cientista, Lewin foi um dos primeiros a salientar a importância do estudo
dos grupos não só para a compreensão dos fenômenos sociais, mas também para o
desenvolvimento de técnicas capazes de administrar problemas do cotidiano e solu-
cionar conflitos sociais (Wennberg & Hane, 2005). Distinguindo-se de teóricos ante-
riores como Tarde e Le Bon, os quais compreendiam a vida coletiva como resultado,
respectivamente, de processos de imitação e sugestionabilidade, Lewin propôs uma
psicologia dos grupos que levava em consideração, ao mesmo tempo, o aspecto de
dinamicidade, para ele inerente à vida coletiva, e o aspecto das configurações das re-
lações, que se desenvolvem nos e pelos grupos, e que estaria intrinsecamente ligado ao
primeiro. Lewin ajudou na futura popularização do conceito de dinâmica de grupo
não só com suas contribuições teóricas e empíricas, consolidadas em 1945 com a cria-
ção da primeira organização dedicada ao estudo do Grupo (The Research Center for
Group Dynamics, no Massachusetts Institute of Technology – M.I.T.), mas também
com sua intervenção direta, via a noção de pesquisa-ação, nos problemas sociais que
afligiam a sociedade norte-americana da época. Essa noção tem como princípio o
convite ao repensar a experimentação em psicologia social.
Em oposição ao uso impessoal dos experimentos, cujas condições e manipulações
beiravam a preocupação de assepsia das ciências da saúde, Lewin foi um dos pioneiros
a propor que a investigação produtiva dos fenômenos grupais deveria ser levada a
cabo no próprio campo psicológico em que eles se inserem. Em outras palavras, a
pesquisa-ação propunha que a identificação e manipulação das variáveis grupais de-
veriam acontecer no próprio grupo. Para ele, a pesquisa em psicologia social deveria
se converter primordialmente em uma ação social, na qual o pesquisador deveria ini-
cialmente tentar perceber os fenômenos de grupo como gestalts para, depois, empre-
ender a tarefa de reestruturá-los, facilitando assim suas transformações.

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Aqui é importante ressaltar que essas ideias de Lewin, na época em que


começaram a ser publicadas (meados dos anos 1940 e, postumamente, nos anos 1950),
representaram também uma posição política, em que os psicólogos sociais se viram
convidados a investigar os sérios problemas raciais dos Estados Unidos onde eles re-
almente aconteciam: na própria sociedade. Por outro lado, elas representam também
uma forma diferente de se pensar a intervenção psicológica. No lugar de intervenções
cujo modus operandis era baseado no modelo médico de atendimento individual,
Lewin propôs que os psicólogos sociais se misturassem à sociedade e, a partir daí,
planejassem intervenções que objetivassem a mudança social e não a mera adaptação
do indivíduo ao seu meio.
A contribuição de Lewin para o estudo dos grupos sociais deu-se, principalmente,
por meio de três aspectos: a) a definição de grupo; b) a maneira como as relações entre
indivíduo e grupo são concebidas; e c) a forma de inserir os grupos num sistema
social.
Para Lewin (1952), o grupo é uma totalidade diferente da soma dos indivíduos que
o compõe. Isso equivale a afirmar que o grupo possui sua própria estrutura, seus pró-
prios objetivos, suas próprias relações sociais. Evidentemente que Lewin não propõe
uma entidade diferente, independente dos membros do grupo no sentido do incons-
ciente coletivo de Jung (1995) ou das representações coletivas de Durkheim (1898).
Para ele, a essência do grupo está nos seus membros, na qualidade destes. Mas não se
trata de alguma característica em comum que os membros possuem, não é a seme-
lhança deles que determina a unidade do grupo.
A essência do grupo estaria na interdependência, ou seja, no sentimento de um
destino em comum, que seus membros possuem entre si: qualquer mudança em uma
das partes afeta as outras partes do grupo. Cabe também assinalar que para Lewin
(1948), o grau de interdependência entre os membros de um grupo pode variar desde
uma menor interdependência, que caracteriza as categorias sociais, a uma interde-
pendência mais estreita, própria dos pequenos grupos formais.
Outro grande contributo teórico de Lewin está na maneira como as relações entre
indivíduo e grupo são concebidas. Para poder entender melhor essa análise devemos
considerar o conceito de “Espaço Vital”, que se refere à totalidade dos fatos que deter-
minam o comportamento de um indivíduo em determinado momento. Isso equivale
a afirmar que o comportamento é função do Espaço Vital. Esse espaço, ou Campo
Psicológico, é resultante das interações entre a Pessoa e seu Meio Ambiente. Lewin
(1952) afirma que os grupos fazem parte do Espaço Vital onde o indivíduo se movi-
menta. Conceber os grupos como parte do Espaço Vital implica em considerá-los
como parte constitutiva da vida psicológica do indivíduo. Para Lewin, ingressar em
grupos, reforçar sua posição ou status neles, ser aceito por seus membros são objetivos
vitais dos indivíduos. O comportamento, portanto, não seria resultado de “traços psi-
cológicos”, mas um processo dinâmico decorrente da interação de diversos fatores
presentes na relação entre indivíduo e grupo, a exemplo da posição ocupada no grupo
e das características partilhadas entre seus membros.

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Lewin (1952) introduz também uma imagem um pouco diferente da atribuída ao


espaço vital quando se refere aos grupos como o solo em que a pessoa se sustenta. Ele
ilustra essa concepção a partir da Psicologia da Percepção, que em diversos experi-
mentos mostra a importância do contexto ou fundo para qualquer percepção. De ma-
neira análoga, Lewin (1935) afirma que todas as ações se baseiam no terreno em que
a pessoa se situa e um dos elementos mais importantes deste terreno em que atua o
indivíduo é o grupo social a que pertence. A firmeza das ações de uma pessoa e a cla-
reza de suas decisões dependem em grande parte desse terreno, embora a própria
pessoa possa nem ter consciência desta situação.
Finalmente, talvez a maior contribuição de Kurt Lewin esteja na sua maneira de
conceber a sociedade como uma rede constituída de grupos. Essa situação teria uma
série de consequências para o indivíduo. Para ele, uma pessoa não age apenas como
um indivíduo, mas como membro de um grupo social. Uma das características bási-
cas da participação social é que o mesmo indivíduo pertence, geralmente, a muitos
grupos. Mas dependendo das circunstâncias, esses grupos não são todos igualmente
importantes. Geralmente, em cada situação a pessoa parece saber a que grupo perten-
ce e a que grupo não pertence. Mas existem ocasiões em que é duvidosa ou não muito
clara para o indivíduo sua participação em um grupo. Essas experiências são típicas
tanto das pessoas em situações de mudanças sociais (passagem de um grupo para
outro), como dos membros de grupos minoritários frente aos grupos majoritários.
A existência dessas experiências pessoais não reduz os grupos a um campo pura-
mente psicológico. Assim, Lewin (1948), analisando um conjunto de pesquisas de sua
época, conclui que as ideologias e estereótipos que regulam as relações intergrupais
não devem ser considerados como traços individuais de caráter. Ao contrário, fun-
dem-se em padrões culturais, sendo que sua estabilidade e mudança dependem em
grande parte de acontecimentos de grupos enquanto grupos. Por exemplo, Lewin foi
um dos primeiros a analisar o fenômeno da autodepreciação entre judeus, compreen-
dendo que a expressão de estereótipos negativos contra o próprio grupo seria
resultado da interação com grupos de alto status, a qual levava à internalização de
percepções negativas de outros grupos em relação ao seu próprio grupo. Fenômeno
também observado entre outras minorias, a exemplo dos negros e dos imigrantes
europeus (Burkley & Blanton, 2008).
A obra de Lewin tornou-se ainda referência para a compreensão dos processos de
mudança social. Tomando como ponto de partida o princípio de que o comportamen-
to de uma pessoa é resultado das condições objetivas em que se situa e dos grupos com
os quais interage, suas investigações elucidam que o processo de mudança social en-
volve ciclos de ação e reflexão, nos quais os participantes modificam a si mesmos e aos
sistemas em que eles transitam (Coghlan & Jacobs, 2005). Para que essa mudança
social ocorra, por conseguinte, é necessária a construção de novos modelos de relacio-
namentos e de exercício do poder no interior da situação social concreta.
Tomadas em conjunto, as ideias discutidas até aqui e que viriam a formar os pila-
res da psicologia social moderna, desde o início já apontavam a importância do grupo
para a vida psicológica das pessoas. Ou seja, o cerne das ideias de Kurt Lewin reside

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no aspecto fundamental do grupo para os indivíduos. Assim, seu equilíbrio ou dese-


quilíbrio psicológico, sua adaptação ou não, teriam que ser entendidos a partir de suas
condições de vida concreta: sua classe social, suas redes de relações interpessoais, sua
escolaridade etc.
O que faltava então para que o grupo encontrasse seu lugar de honra na Psicologia
Social? Ou em outras palavras, qual era a resistência que o grupo encontrava para se
converter no tópico fundamental da Psicologia Social? Alguns autores defendem fre-
quentemente, como causa dessa situação, as influências ideológicas recebidas pela Psi-
cologia desde sua origem.
Não negaríamos nunca a influência da esfera do ideológico na construção e desen-
volvimento de uma ciência. Mas pensamos, primeiramente, que a ideologia é muito
mais complexa e menos homogênea do que as afirmações anteriores permitem supor
(Camino, Lima, & Torres, 1997). A própria existência dessas denúncias permite
comprovar a heterogeneidade dessas influências. Segundo, não adianta muito a pura
denúncia da influência ideológica. É necessário, também, descrever como atuam as
tendências ideológicas na construção de conceitos e na utilização de métodos de
pesquisa.
Acreditamos que boa parte da resistência em converter o grupo em um objeto
privilegiado de estudo na Psicologia se origina na própria definição que se dá à Psico-
logia ou, mais exatamente, do objeto formal que se atribuía a ela. Seja qual for o obje-
to do estudo da Psicologia: a consciência, o comportamento, o inconsciente etc., a
unidade de análise destes fenômenos é o indivíduo. Concepções como “Representa-
ções Coletivas” (Durkheim, 1898), “Mente Grupal” (McDougall, 1920) e outras deste
tipo, foram fortemente questionadas pela maioria dos psicólogos. É exemplar, a esse
respeito, a posição de F. Allport (1924) citada anteriormente.
Pode-se compreender o dilema da psicologia desse período em relação à perspec-
tiva que se deveria adotar para estudar o grupo. Por um lado, achava-se descabido
postular entidades psicológicas, como mente grupal, inconsciente coletivo etc., sepa-
radas dos indivíduos que as constituiriam. Por outro, adotar o grupo como unidade
de análise implicaria em adotar uma perspectiva sociológica. Devemos lembrar que
nesse período predominava a concepção durkheiniana da Sociologia como estudo das
instituições sociais.
Como veremos mais à frente, muitos elementos desse velho dilema continuam pre-
sentes na Psicologia Social. Acreditamos, no entanto, que um dos primeiros passos
para sua solução seria definir o que a psicologia social concebe como “grupo”.

10.2 NATUREZA E CLASSES DE GRUPOS


Pode-se reunir pessoas em conjuntos com base em uma ou várias características
comuns. Assim, pode-se falar do conjunto de pessoas que possuem a mesma data de
aniversário, ou de pessoas cujo nome começa com a letra “R”. Trata-se de “classes” ou
“categorias” de indivíduos que inicialmente não parecem interessar à Psicologia, na

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medida em que fica difícil se fazer alguma pergunta científica, desde a perspectiva da
psicologia, sobre o simples fato dessas pessoas possuírem iniciais ou datas de
aniversários comuns. Perguntas como: por que essas pessoas têm a mesma data de
aniversário ou que características específicas de comportamento podem ser espera-
das de pessoas com inicial “R”, são claramente descabidas. Esse tipo de grupo não
mereceria o nome de “grupo psicológico”.
Mas certos conjuntos ou categorias de pessoas são constituídos por critérios
menos arbitrários ou mais primários, como raça, gênero, nacionalidade etc. Esses
agrupamentos são denominados, geralmente, de “categorias sociais”. Uma série de
investigações apontam que a tendência a perceber as pessoas como membros de deter-
minadas categorias é automática, o que traz consequências para os processos de for-
mação de julgamentos e tomada de decisão (Devine, 1958; Fiske & Neuberg, 1990;
Weisman, 2015). Embora não faça muito sentido se perguntar, desde a perspectiva da
Psicologia, qual a origem de categorias sociais, como gênero ou raça, pode-se analisar
como as categorias sociais guiam nossos pensamentos, crenças e interações sociais
(Sprott, 1958; Liberman, Woodward, & Kinler, 2017). As categorias sociais, portanto,
são objeto de estudo da Psicologia Social, mas não suficientes para qualificar os gru-
pos psicológicos.
É possível, também, imaginar conjuntos de pessoas, pertencentes a categorias ar-
bitrárias que fazem fila, seja em um banco para receber o FGTS, seja para se inscrever
em um Congresso Científico (o caso das pessoas com a mesma inicial). Essas duas
categorias, em que as pessoas possuem inicialmente um elemento comum bastante
extrínseco, passam agora a ser denominadas de “agregados” na medida em que em
cada fila as pessoas, além de estarem fisicamente próximas, possuem um interesse
comum (Olmsted, 1959; Milgram & Toch, 1969).
Podemos constatar que ambos agregados oferecem temas para pesquisa psicológi-
ca na medida em que é possível levantar hipóteses sobre o comportamento das
pessoas nesses agregados. Assim, por exemplo, é bastante provável que as pessoas que
fazem fila na Secretaria do Congresso Científico estabeleçam um maior número de
interações entre si que os candidatos a recuperar o FGTS. Já estes manifestarão mais
hostilidade frente a qualquer interrupção na entrega do dinheiro esperado. Apesar
dessas possibilidades, várias das abordagens psicológicas, por exemplo todas as que só
consideram a interação face a face como fator primordial para a definição do que é um
grupo, negariam o status de grupo psicológico a estes conjuntos, particularmente ao
agregado formado por pessoas em uma fila do banco.
Mas imaginemos que o gerente do banco comunique ao público da fila que o Go-
verno não pagará o FGTS. Não seria surpreendente que essas pessoas reagissem, pro-
testando no interior do banco com maior ou menor violência. Poderíamos esperar
também que saíssem na rua, que se juntassem aos outros correntistas do FGTS, igual-
mente frustrados, e que, finalmente organizassem uma passeata barulhenta até a sede
do Governo. Trata-se de “ações de massa” ou “ações coletivas” que tradicionalmente
têm sido objeto do estudo da Psicologia (Milgram & Toch, 1969; Moscovici, 1976).
Essas formas de organização nem sempre têm sido consideradas como grupos
psicológicos.

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Mas voltemos à calma do Congresso Científico e à sua bem-comportada fila de


inscrição. Entre os “R” que faziam a fila, vários saíram juntos após a inscrição e for-
maram uma turma que se manteve unida durante todo o Congresso. Esse conjunto de
pessoas que durante o Encontro mantiveram relações interpessoais frequentes carac-
teriza o que, tradicionalmente, é considerado ser o objeto clássico de estudo da Psico-
logia Social: “O Pequeno Grupo”. Por que se juntam? O que os mantêm unidos? Como
se influenciam mutuamente? São algumas das perguntas que podem ser feitas a res-
peito desse tipo de organização social.
No entanto, se na linguagem cotidiana emprega-se a palavra grupo como signifi-
cados de diversas formas de organização social, na Psicologia Social existe uma
tendência a limitar o uso do termo “grupo psicológico” a algumas formas de agrupa-
mento mais restritas, em função de certas perspectivas teóricas. Não necessariamente
todos os autores concordariam nem com as distinções anteriormente citadas nem
com a exclusão delas do conceito de grupo. Mas essas distinções e exclusões mostram
as dificuldades que têm acompanhado a elaboração de uma definição psicológica de
grupo.
Para qualificar de grupo um conjunto de pessoas, a primeira condição é que elas
mantenham uma relação específica entre elas. Temos já observado que agrupamentos
de pessoas feitos na base de critérios arbitrários como iniciais, datas de aniversário
etc., não justificam a utilização do conceito “grupo” dado que estes critérios não per-
mitem estabelecer nenhum tipo de relação psicológica entre os indivíduos. Mas diver-
sas formas de relação entre os membros de um agrupamento podem ser pensadas.
Todo o problema está em estabelecer o tipo de relação que permita falar da existência
de um grupo no nível psicológico.
No início das teorizações psicossociais sobre grupo, a relação colocada com maior
frequência como essencial na definição de um grupo era a “interação face a face” (Ba-
les, 1950; Homans, 1950). Diversas razões podem ser acrescentadas para justificar a
preponderância adquirida por essa definição nos anos 1950. A primeira, que ela ca-
racterizava bem a distinção entre as abordagens psicológicas e sociológicas do grupo.
Se a Psicologia lidava com o indivíduo, em contraposição à Sociologia, que lidava com
a Sociedade como um todo, era evidente que ao estudar o grupo ela o fizesse a partir
da ótica do individual e, portanto, escolhesse como elemento fundamental do grupo
as relações “face a face”. A segunda considera que, dada a influência tanto da perspec-
tiva comportamental como da metodologia experimental na Psicologia Social, era de
se esperar que a atenção se dirigisse particularmente as “interações” entre os mem-
bros do grupo, ou seja, no aspecto que é diretamente observável: o comportamento.
Para os defensores dessa abordagem, a interação direta seria a base da construção
de diversas estruturas do grupo como normas sociais (Sherif, 1935, 1966), padrões de
comunicação (Bales, 1950). Já outros autores colocaram como base da definição
de grupo, as consequências psicológicas do grupo nos indivíduos. Para Freud (1921),
por exemplo, o grupo psicológico é constituído por duas ou mais pessoas que pos-
suem o mesmo objeto ou ideal como parte do superego. Na tradição psicanalítica o
que constitui a característica fundamental do grupo é a construção de uma norma

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Psicologia social: temas e teorias 345

comum, as formas de interação são consequências dessas normas profundas. Nessa


linha de raciocínio alguns autores colocaram como fundamental na noção de grupo a
satisfação que os membros obtêm dele (Bass & Norton, 1951; Zimerman, 2007).
De fato, as definições baseadas nas consequências do grupo não cumprem uma
função fenomenológica (descrever o fenômeno em questão), mas uma função teórica
à medida que descrevem o que é considerado a natureza do grupo. Mas é possível uma
análise puramente descritiva? Como já vimos anteriormente, para distinguir um gru-
po de um agrupamento se precisa, de alguma maneira, explicitar o tipo de relação que
os membros de um grupo mantêm entre si. Dificilmente essa explicitação não conterá
alguma perspectiva do que se considera próprio da “natureza psicológica”.
Cientes dessa dificuldade, Cartwright e Zander (1968) propuseram uma definição
ampla, que englobasse todos os tipos de grupos. Partindo da concepção de Lewin
(1935) de que os grupos são totalidades sociológicas que podem ser definidas
operacionalmente, ou caracterizadas pelas formas concretas de interdependência das
partes, Cartwright e Zander (1968, p. 46) definem o grupo como “o conjunto de
indivíduos que possuem um tipo de relação entre eles que faz com que se sintam in-
terdependentes”. Mas, quais seriam as consequências psicológicas dessas pertenças
grupais?
Uma das mais importantes e nefastas consequências seria a Diferenciação Grupal,
processo psicológico pelo qual tendemos a manifestar favoritismo endogrupal em de-
trimento do exogrupo. O primeiro fenômeno consiste na avaliação positiva de nosso
próprio grupo (endogrupo), ao passo que o segundo é caracterizado por atitudes ne-
gativas contra o grupo do outro (exogrupo). Esses processos de diferenciação grupal
são essenciais no campo de investigação denominado “Relações Intergrupais” (Brewer,
2016; Stephan, 1985). Para entender melhor esse processo faremos, primeiramente,
uma breve apresentação histórica de como tem sido estudado esse conceito para, em
seguida, analisar mais detalhadamente a teoria da Identidade Social.

10.3 A DIFERENCIAÇÃO GRUPAL: BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA


O fenômeno de diferenciação grupal foi descrito já há bastante tempo por Summer
(1906) sob o conceito de “Etnocentrismo”, conceito que descrevia a maneira pela qual
os povos se consideravam o centro de todas as coisas. O Etnocentrismo leva os povos
a exagerarem e intensificarem as características que lhes são peculiares e que os
diferenciam dos outros. Numa perspectiva evolucionista, compreende-se que o etno-
centrismo é um fenômeno universal que favoreceu a coesão endogrupal e, por conse-
guinte, assegurou a sobrevivência de diferentes sociedades (Hammond & Axelrod,
2006). Se por um lado o etnocentrismo é apontando como base para a cooperação
entre membros de um mesmo grupo, por outro há uma grande diversidade de pers-
pectivas teóricas que situam o etnocentrismo como o cerne dos fenômenos de precon-
ceito e discriminação (Bizumic, 2015).

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346 Grupo social, relações intergrupais e identidade social

Na Psicologia, as primeiras teorias desenvolvidas sobre etnocentrismo partiam da


abordagem psicodinâmica. Aqui pode ser incluída a grande maioria dos estudos sobre
o preconceito, discutidos mais detalhadamente no Capítulo 12 deste livro), baseados
na teoria psicanalítica, por exemplo, o clássico estudo de Adorno et al. (1950) sobre a
Personalidade Autoritária. Partindo de estudos sobre o antissemitismo, esses autores
construíram uma escala de Etnocentrismo que incluía tanto atitudes negativas em
relação às minorias étnicas como atitudes de exaltação e de fidelidade à sua própria
identidade cultural. Eles pretendiam demonstrar que o etnocentrismo era caracterís-
tico de um traço de personalidade, desenvolvido em decorrência de pais autoritários.
A educação autoritária e a repressão da agressão levariam a sentimentos de hostilida-
de reprimidos, que seriam posteriormente deslocados em direção a outros grupos.
Também inspirada nos conceitos psicanalíticos de deslocamento está a concepção
do “bode expiatório”. Dollard et al. (1939) formularam essa concepção no contexto da
Teoria da Frustração-Agressão, onde a diferenciação intergrupal seria fruto do deslo-
camento da hostilidade produzida pelas frustrações inerentes à vida, sobre categorias
sociais que, pelo seu status na sociedade, não podem revidar adequadamente.
Aqui é importante ressaltarmos que tanto o trabalho de Adorno et al. (1950) como
o trabalho de Dollard et al. (1939) representam explicações que colocam como centro
dos fenômenos sociais e coletivos certas características individuais. Ou seja, embora
tratando de fenômenos coletivos, o objeto de análise continuava sendo o indivíduo.
A partir de uma perspectiva diferente, a clássica pesquisa de Muzafer Sherif e co-
legas (Sherif et al., 1961; Sherif & Sherif, 1969) é uma perfeita demonstração de que o
processo psicológico de diferenciação grupal decorre do contexto normativo onde se
dão as relações entre os grupos. Como ponto de partida teórico, Sherif pressupõe que
as atitudes e condutas de um grupo em relação ao outro traduzem a situação objetiva
de possíveis interesses em conflito entre os dois grupos.
Os experimentos de Sherif e colaboradores mostram claramente que a hostilidade
existente entre grupos não pode ser atribuída exclusivamente a traços de personalida-
de, como proposto por Adorno et al. (1950), mas às características objetivas que a
relação intergrupal possui, particularmente às condições de competição entre os gru-
pos. Pode-se, pois, concluir a partir dos trabalhos de Sherif e colegas que o fenômeno
de diferenciação grupal começou a ser concebido como estando inexoravelmente liga-
do à existência de conflitos intergrupais. De fato, observando numerosos gerentes da
indústria e do comércio em programas de treinamento, Blake e Mouton (1962) e Bass
e Norton (1951) puderam constatar que grupos de administradores colocados em
competição com outros grupos manifestavam frequentemente o fenômeno de dife-
renciação grupal.
Ao longo de décadas, o pressuposto de Sherif de que a competição por recursos
produz diferenciação e conflito intergrupal tem recebido suporte empírico de diver-
sas investigações, as quais evidenciam que a manifestação de atitudes hostis contra
determinados grupos, a exemplo dos imigrantes, está relacionada à percepção de que
os mesmos acentuam a disputa por recursos econômicos (Stephan et al., 2005; Ste-
phan, 2014). Mas, que tipo de relação existe entre conflitos e diferenciação grupal?

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Psicologia social: temas e teorias 347

Podemos afirmar, seguindo Brewer (1979), que as pesquisas de Sherif et al. (1961) e de
Blake e Mouton (1962) são mais uma demonstração da existência de processos de di-
ferenciação grupal em situações de conflito intergrupal do que um teste da relação
causal entre conflito e diferenciação. Observar-se-ia o fenômeno de diferenciação
grupal fora de um contexto competitivo ou conflituoso?
Comentários efetuados por Sherif et al. (1961) sobre a reação negativa dos jovens
ao saber da existência de outros grupos, mesmo antes de começar os jogos competiti-
vos, parecem indicar que o fenômeno de diferenciação grupal pode acontecer fora do
contexto conflituoso. Será que a antecipação da interação competitiva já é suficiente
para causar esse fenômeno? Várias pesquisas tentaram responder a essa questão con-
trolando sistematicamente a possível antecipação de interações competitivas. Rabbie
e Horowitz (1969), por exemplo, dividiram seus sujeitos arbitrariamente em dois gru-
pos (azuis e verdes) e lhes pediram, sem maiores explicações, para avaliar traços das
pessoas dos outros grupos e do próprio grupo. Esses autores não observaram nenhu-
ma diferença entre as duas avaliações. Mas, podemos nos perguntar se a divisão arbi-
trária em “azuis” e “verdes” constitui uma verdadeira categorização social?
É a partir da análise do que significa uma categorização social que Tajfel et al.
(1971) desenvolveram um paradigma experimental que permitia estudar a situação do
grupo mínimo. Os indivíduos eram separados em dois grupos com base em um crité-
rio arbitrário, por exemplo, a preferência por um determinado pintor. Nessa situação,
não havia nenhum tipo de interação entre os participantes ou entre os grupos, e as
pertenças sociais eram anônimas, ou seja, os participantes não sabiam quem eram os
membros do seu grupo ou do outro grupo.
Nessa situação completamente sem sentido social, a tarefa fundamental destinada
aos participantes consistia em distribuir recompensas para um membro de seu grupo
(endogrupo) e para um membro do outro grupo (exogrupo). Para tanto, eram utiliza-
das matrizes inspiradas na teoria dos jogos, que eram concebidas de tal maneira que
exigiam uma alocação conjunta de recursos, o que permitia estudar, em um contexto
intergrupal, a estratégia de distribuição que cada sujeito empregava (Figura 1). As
instruções deixavam bem claro que a escolha das recompensas era feita simultanea-
mente para o membro do endogrupo e do exogrupo.
Sujeito “A” –

Preferiu as pinturas de Klee 18 17 16 15 14 13 12 11 10 09 08

(endogrupo)
Sujeito “B” –

Preferiu as pinturas de Kadinsky 23 21 19 17 15 13 11 09 07 05 03


(exogrupo)

Figura 1 - Exemplo de matriz utilizada por Tajfel et al. (1971).

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348 Grupo social, relações intergrupais e identidade social

Essas matrizes permitiam estudar a estratégia usada pela pessoa para distribuir
conjuntamente prêmios ou recompensas a membros de seu grupo e a membros do
outro grupo. O uso de diversos tipos de matrizes tem permitido, até agora, estudar
quatro tipos de estratégias:
a. Maximização da recompensa dada ao próprio grupo (alternativa 18/23 da
Figura 1);
b. Maximização conjunta das recompensas dadas aos dois grupos (de novo a
alternativa 18/23);
c. Maximização da igualdade das recompensas dadas aos dois grupos
(alternativa 13/13);
d. Maximização da diferença a favor do próprio grupo (alternativa 08/03).
Tajfel et al. (1971) observaram, em três experimentos realizados com esse paradig-
ma, que as estratégias mais utilizadas foram a primeira, maior benefício absoluto, e a
última, maior benefício relativo, embora percebessem também nos participantes,
uma certa tendência à distribuição igualitária. Eles concluíram que em uma situação
de grupo mínimo, as pessoas embora procurem maximizar os ganhos do
próprio grupo, tentam superar ao máximo o outro grupo, mesmo em detrimento ao
obtido para o próprio. Esses dados confirmam a existência da diferenciação grupal
mesmo nas situações onde só existe categorização social sem nenhuma interação nem
real nem antecipada entre os dois grupos. Mas como explicar este fenômeno?
Tajfel et al. (1971) lançam mão do conceito de “Identidade Social”, que se refere
tanto à consciência que o indivíduo possui de pertencer a um determinado grupo
social, como à carga afetiva e emocional que esta pertença traz para o sujeito. O pres-
suposto fundamental dessa concepção é de que os indivíduos procuram alcançar um
tipo de identidade social que contribui para obter uma autoimagem positiva. Essa
imagem seria obtida por meio da diferenciação positiva do endogrupo em contraste
com os demais grupos durante o processo de comparação social. Uma das consequ-
ências desse pressuposto é que quanto maior é o sentimento de pertença a um grupo,
maior será a tendência a diferenciar, de uma maneira favorável, seu próprio grupo
(endogrupo) dos outros grupos (exogrupo).
Para entender tanto o impacto dessa teoria na Psicologia Social contemporânea
como seu potencial em se aplicar a uma dinâmica social, caracterizada pela ruptura
de estruturas sociais, pela imigração global, pelo surgimento de relações virtuais, en-
tre outros fenômenos que resultam em crise e inconstância (Giddens, 2000), devemos
examinar seus três pressupostos fundamentais. O primeiro pressuposto refere-se à
natureza do comportamento social. Esse se situa num continuum em que se distingue,
em um extremo, o comportamento interpessoal, constituído pela interação entre duas
ou mais pessoas e que é totalmente determinada pelas características individuais dos
participantes e pela própria relação. No outro extremo situa-se o comportamento in-
tergrupal, constituído pela interação entre dois ou mais indivíduos ou grupos, e deter-
minado totalmente pelas respectivas pertenças sociais dos participantes na interação.
É evidente que se trata de um continuum teórico, à medida que seria impossível en-

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Psicologia social: temas e teorias 349

contrar nas relações sociais situações puras de um ou outro extremo (Tajfel, 1981;
Turner & Giles, 1981).
Essa diferenciação nos níveis da interação social pode ser relacionada igualmente
aos diferentes níveis de explicação que podem ser oferecidos para os fenômenos so-
ciais (Lorenzi-Cioldi & Doise, 1990). Assim, como vimos no Capítulo 1, as diversas
explicações em Psicologia Social, podem ser classificadas de intraindividuais, inter-
pessoais, intergrupais a ideológicas. A possibilidade de existirem diversos níveis de
explicação está ligada à complexidade e dinamismo dos fenômenos sociais.
Situa-se aqui o segundo pressuposto da teoria que defende que a Identidade Social
não é um ato, mas um processo social, que toma lugar não só no interior do indivíduo
(fatores intrapsíquicos) ou no espaço das relações individuais (fatores interindividu-
ais), mas se desenvolve no nível social e institucional (fatores intergrupais). Essa abor-
dagem psicossocial pressupõe que o processo da identidade social é dialético à medida
que a identidade modifica o sujeito, facilitando a incorporação de valores e normas do
grupo social e, ao mesmo tempo, esse processo implica em uma participação ativa dos
sujeitos na construção da identidade do grupo (ver Capítulo 6 sobre Valores).
Finalmente, o terceiro pressuposto amplia o caráter dialético do processo ao con-
junto do sistema social. Segundo Tajfel (1972), o processo de identidade social não
ocorre no vazio social, mas em determinado contexto histórico onde os diversos gru-
pos mantêm relações concretas entre si, relações que são igualmente mediadas pelos
processos de identidade social. Para entender o tipo de relações intergrupais que po-
dem ocorrer (basicamente fusões ou conflitos intergrupais), a teoria pressupõe que o
processo de identidade social media a maneira em que indivíduos e grupos percebem
a organização da sociedade, sua estrutura, estabilidade e legitimidade.
Essa percepção, segundo Tajfel e Turner (1979), pode ser situada em um continuum
de crenças sociais. Em um extremo situa-se o que eles denominam de “Sistema de
Crenças na Mobilidade Social”, que descreve a crença em uma sociedade flexível e
permeável na qual os sujeitos não satisfeitos com as condições oferecidas pelos seus
grupos de pertença podem transferir-se, individualmente, a outros grupos. No outro
extremo encontra-se o “Sistema de Crenças na Mudança Social”, em que a sociedade
é considerada como estratificada e totalmente impermeável às tentativas de mudança
individual.
Tajfel e Turner (1979) afirmam que esses sistemas de crenças não devem ser con-
fundidos com a perspectiva sociológica, que estuda os diversos níveis de estratificação
e permeabilidade social que as formações sociais concretas podem ter. Referem-se,
expressamente, a sistemas de crenças que influenciam o comportamento das pessoas
e dos grupos. Assim, as crenças na mobilidade social, abrindo perspectivas de ascen-
são social individual, estimulariam estratégias individualistas de ação (comporta-
mentos interindividuais), enquanto que as crenças na mudança social favoreceriam
estratégias coletivas (comportamentos intergrupais).
Em ambos os casos, a relação entre crenças e ação estaria mediada pelos processos
de identidade social e diferenciação grupal: sujeitos de alta crença na mobilidade so-

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350 Grupo social, relações intergrupais e identidade social

cial avaliando negativamente seu próprio grupo, se esforçariam para pertencer ao


grupo positivamente avaliado; já sujeitos fortemente identificados com seu próprio
grupo procurariam ações coletivas, com objetivo de mudar coletivamente as suas
condições de vida.
A identidade social pressupõe dois processos básicos. Primeiro, os sujeitos procu-
rariam manter identidades sociais positivas (Tajfel & Turner, 1979), tentando estabe-
lecer formas de comparação social que sustentassem essa imagem positiva. Segundo
Festinger (1954), existiria no organismo humano uma forte tendência a avaliar suas
habilidades e opiniões. Essa avaliação se faria através da comparação com outras pes-
soas e grupos, de uma maneira que não ameaçasse a autoestima do sujeito. O segundo
processo básico refere-se à categorização social, que permite aos sujeitos dividirem o
mundo social em duas categorias fundamentais: o seu próprio grupo e os grupos dos
outros.
Podemos agora tentar sintetizar a Teoria da Identidade Social. Essa teoria se desen-
volve a partir de uma noção de identidade que traduz a consciência que o sujeito
possui de pertencer a uma categoria ou grupo social concreto, junto com o significado
emocional dessa pertença. Postula que os indivíduos são motivados a conseguir uma
identidade social positiva que contribua em sua própria autoestima e que, para tanto
estabelecem comparações sociais nas quais procuram diferenciar-se positivamente
dos outros grupos. Conclui que, quanto mais forte seja a identidade do sujeito com
um grupo, maior será sua tendência de supervalorizar seu grupo e desvalorizar outros
grupos. Assim, os processos psicológicos que acontecem com e no indivíduo se da-
riam a partir do jogo das relações de poder entre os grupos que formam uma deter-
minada sociedade, em um determinado momento histórico.
Um último aspecto da Teoria da Identidade Social merece ainda ser ressaltado.
Henri Tajfel morreu relativamente jovem, em 1982 aos 62 anos. No entanto, passados
40 anos de sua morte, a influência de suas ideias na psicologia social mundial ainda
pode ser percebida. A busca das citações de sua obra feita na Web of Sciense em maio
de 2022 resultou em 6.045 artigos que, de alguma forma, citam seu trabalho. Especi-
ficamente, o capítulo publicado em 1979 juntamente com John C. Turner intitulado
“An integrative theory of intergroup conflict” foi citado 4.259 vezes. Finalmente, como
Brown (2020) tão bem esclarece, é importante notar que a grande maioria dessas cita-
ções, principalmente as mais recentes, ressaltam três aspectos da TIS que são conside-
rados suas maiores contribuições, a saber: a) a ideia de que as pessoas constroem uma
identidade social a partir dos grupos aos quais ela pertence; b) em contextos nos quais
essa identidade é enfatizada elas vão agir em termos de suas pertenças grupais ao in-
vés de agirem como indivíduos; e c) a análise de fenômenos grupais, por exemplo, o
preconceito e a discriminação, devem levar em consideração tanto os aspectos estru-
turais de uma dada sociedade em um determinado momento histórico como também
os processos de identificação com os diversos grupos de formam essa sociedade. Dito
de outra forma, a originalidade do pensamento de Henri Tajfel residiria na proposta
inequívoca de articular o indivíduo a seus grupos de pertença.

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Psicologia social: temas e teorias 351

SUMÁRIO E CONCLUSÕES
Diante do exposto, parece-nos claro, portanto, o papel de destaque que o grupo
possui na vida psicológica das pessoas, não só no nível individual, por exemplo, no
desenvolvimento de uma identidade social, mas também no nível societal, uma vez
que as pertenças grupais podem dar origem a fenômenos, como o preconceito e a
discriminação. Mas, por que, mesmo assim, as análises sobre os grupos têm ficado em
segundo plano tanto na psicologia como um todo, como na psicologia social, em
particular?
Como dito anteriormente, atribuir o papel secundário do grupo na psicologia so-
cial unicamente à distinção feita por Émile Durkheim (1895/2007) entre a psicologia
e a sociologia ou ao papel preponderante que o Positivismo teve na consolidação des-
ta disciplina não nos parece suficiente. Ressalte-se que, dentro da psicologia social
contemporânea se desenvolvem perspectivas, por exemplo, os estudos sobre a subjeti-
vidade (e.g., Rey, 2005), que dificilmente seriam considerados positivistas, mas que
possuem como característica primordial a ênfase no indivíduo como objeto de
análise.
Acreditamos que um dos principais empecilhos para a aceitação do grupo enquan-
to objeto de análise da psicologia social reside no processo de individualização que o
mundo atual vem sofrendo, onde as necessidades individuais são colocadas à frente
da coletividade. Não estamos defendendo uma relação puramente causal entre ideo-
logia e ciência e, sim, um jogo de mútua influência no qual a primeira justifica a se-
gunda, e esta dá argumentos de sustentação à outra.
Por outro lado, diante do discutido até aqui, fica claro que as explicações para fe-
nômenos societais que partem de processos puramente psicológicos geram, também,
intervenções que colocam no indivíduo, isoladamente, a responsabilidade pelas mu-
danças sociais. Tomemos, mais uma vez, o exemplo do preconceito e da discrimina-
ção dele decorrente. Explicações que privilegiam as características idiossincráticas do
indivíduo preconceituoso, ou do indivíduo vítima do preconceito, tendem a gerar
também intervenções que colocam em segundo plano a necessidade de mudanças
sociais. O “problema” estaria nos indivíduos e não nas relações de poder existentes
entre seus respectivos grupos de pertença. Consequentemente, sua “solução” residiria,
por exemplo, no desenvolvimento, do lado da vítima do preconceito, de estratégias de
enfrentamento de situações adversas. Do lado do perpetrador, as intervenções seriam
planejadas a partir do desenvolvimento de atitudes tolerantes para com o diferente.
Em ambos os casos, entretanto, o status quo continuaria o mesmo.

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352 Grupo social, relações intergrupais e identidade social

Glossário
Categorização Representação cognitiva da estrutura social em termos de categorias, permitindo
Social segmentar, classificar e ordenar o ambiente social e, ao mesmo tempo, definir o
lugar do indivíduo na sociedade.
Comparação Conceito desenvolvido por Festinger (1954), parte do princípio de que os sujeitos
Social realizam avaliações sobre si mesmos a partir da comparação com os demais.
Diferenciação Processo psicológico pelo qual tendemos a manifestar favoritismo pelo nosso
Grupal próprio grupo de pertença e hostilidade contra os demais grupos.
Endogrupo Grupo com o qual se estabelece um sentimento de pertença ou identificação.
Exogrupo Grupo com o qual não há relação de pertença ou identificação.
Grupo Mínimo Metodologia experimental criada por Tajfel (1971), na qual os grupos são estabe-
lecidos pela total ausência de interação ente os participantes, sendo criados com
a finalidade de identificar condições mínimas para a diferenciação grupal.
Identidade Conceito desenvolvido por Tajfel et al. (1971) que consiste na consciência que o
Social sujeito possui de pertencer a um grupo social concreto, junto com o significado
emocional desta pertença.
Mobilidade Crença numa sociedade flexível e permeável na qual os sujeitos não satisfeitos
Social com as condições oferecidas pelos seus grupos de pertença podem transferir-se,
individualmente, a outros grupos.
Mudança Social Crença numa sociedade como estratificada e totalmente impermeável às tentati-
vas de mudança individual, demandando-se estratégias coletivas.

MATERIAL COMPLEMENTAR
Filme: Filhos da Guerra/Europa Europa
Ano: 1990
Diretora: Agnieszka Holland
Duração: 107 min
O filme é baseado na história real de Solomon Perel, judeu que, durante a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), disfarçou-se de soldado da SS e auxiliou a capturar o
filho de Stalin. No filme, Solomon é um adolescente que, devido à perseguição nazis-
ta, é obrigado a fugir da Alemanha para Polônia com toda sua família. Após nova
invasão de tropas alemãs, ele é separado de sua família e vê-se obrigado a viver num
orfanato soviético por dois anos. Porém, quando as tropas nazistas invadem a Rússia,
Solomon oculta sua origem judaica e convence a todos que é um ariano legítimo,
unindo-se à Juventude Hitlerista. Adotando como cenário a violência da guerra e a
sucessão de fatos que acompanham o drama do protagonista em esconder sua verda-
deira identidade para garantir sua própria sobrevivência, o filme ilustra como os pro-
cessos identitários são inseparáveis das questões de ordem sociopolítica que ocorrem
num dado momento histórico, ao mesmo tempo que retrata como o conflito de inte-
resses, a pertença grupal e a adesão a ideologias contribuem para a manifestação de

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Psicologia social: temas e teorias 353

favoritismo endogrupal e hostilidade contra o exogrupo. Destaque para a cena em que


professor nazista examina as características de Solomon diante da classe e o declara
como um legítimo “exemplar da raça ariana”, uma ilustração surreal de como ideolo-
gias racistas utilizam aspectos físicos externos para criar processos de hierarquização
e discriminação entre os grupos sociais.

Filme: Hotel Rwanda


Ano: 2004
Diretor: Terry George
Duração: 120 min
Em Ruanda, a categorização da população nativa em Hutu e Tutsi, feita arbitraria-
mente pelos belgas, está enraizada na mentalidade do país, apesar de sua independên-
cia. Até o início da colonização, as duas etnias viviam em relativa harmonia. O filme
se passa em 1994 e é ambientado no Hotel Des Milles Collines, na capital Kigali. O
hotel é da Companhia área belga Sabena, é um hotel 4 estrelas e que hospeda
basicamente turistas e homens de negócio brancos europeus os estadunidenses. Paul
Rusesabagina, um Hutu Casado com uma Tutsi, Tatiana Rusesabagina, é o gerente do
Paul, que conhece muito bem as engrenagens do funcionamento do hotel e tem muito
orgulho porque os hóspedes brancos o tratam com respeito. Depois de um incidente
específico, a calma relativa entre as guerrilhas Tutsi e o governo liderado pelos Hutu
termina. Paul acredita que a população nativa que não estava diretamente envolvida
com o conflito seria protegida já que as forças de paz da ONU e, consequentemente o
mundo está acompanhando. Mas isso não acontece, pois só foram evacuados os euro-
peus e estadunidenses e os nativos foram deixados à própria sorte. E esse foi o início
do genocídio da população Tutsi.

Filme: Um reino unido


Ano: 2016
Diretora: Amma Asante
Duração: 120min
O filme é baseado na história verdadeira do herdeiro do trono do país africano
Bechuanaland, atual Botsuana, que foi para Londres logo depois de Segunda Guerra
Mundial para estudar Direito. Lá ele conhece uma mulher inglesa (branca), por quem
se apaixona e com quem casa, apesar dos protestos das duas famílias e da forte oposi-
ção do governo britânico, que estava preocupado com as relações diplomáticas com a
África do Sul, cujo regime do Apartheid proibia casamentos inter-raciais. Então, o
que deveria ser apenas um casamento entre um homem e uma mulher se torna um
grande problema diplomático.

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Você também pode gostar