Trabalho Completo Taísa Ferreira
Trabalho Completo Taísa Ferreira
Trabalho Completo Taísa Ferreira
Resumo: Apesar do sistema educativo brasileiro (e de outros lugares da diáspora) ser orientado
pelo paradigma eurocêntrico, é crescente a conscientização de professores (as) pretos (as) sobre o
legado africano e afrodiaspórico e, por conseguinte, a busca destes (as) por espaços coletivos de
formação para aprofundar conhecimentos e construir processos educativos centrados na
experiência de vida de africanos (as) do continente e diáspora. Baseando-nos nas ideias de Asante
(2014, 2016, 2019), Dove (2021), Pereira (2021), Nunez e Rios (2021), Evaristo (2021), entre outros
(as), este trabalho coloca em circulação as narrativas que professores (as) pretos (as) atuantes na
educação básica produziram por meio de encontros mensais realizados, em contexto pandêmico,
para discutir temas e experiências pedagógicas ligadas à educação afrocêntrica. Objetivamos
apresentar a compreensão de professores (as) pretos (as) sobre as políticas de conhecimento
produzidas nos espaços coletivos e autônomos de formação, a partir de suas narrativas de
experiências pedagógicas afrocêntricas. Ancorando-nos numa metodologia qualitativa, tomamos as
narrativas de professores (as) pretos (as) de diferentes lugares do Brasil como dispositivos de
investigação e espaço de produção de sentidos. Os resultados sugerem que as políticas de
conhecimento produzidas nos espaços coletivos e autônomos de formação contribuem para a
circulação de saberes sobre modos de educar inspirados pela educação afrocêntrica. Os (as)
professores (as) revelaram a emergência de um movimento de (re) conhecer-se, à medida que, por
meio dos encontros e das partilhas de experiência, identificam práticas (e angústias) em comum,
(re) conhecem a potencialidade dos seus saberes pedagógicos e dos (as) seus pares, demonstram
que a construção coletiva de saberes e o compartilhamento de experiências são potencialidades
pedagógicas fundamentais para seu fortalecimento e para aprendizagem de novas estratégias que
contribuem para a consolidação de pedagogias de (re) existência na educação pública orientadas
pela afrocentricidade.
DE ONDE SE FALA...
XII COPENE 2022• ST 03. Afrocentricidade e o Ensino de História das Africanas e Africanos do Continente e da
Diáspora
pedagógicas afrocêntricas na rede municipal de ensino de Salvador1, em andamento, realizada na
Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da professora doutora Jane Adriana Vasconcelos
Pacheco Rios. A referida pesquisa dedica-se a estudar a docência e as experiências afrocêntricas na
educação básica, tendo como objetivo compreender como são construídas as experiências
pedagógicas afrocêntricas de professores (as) da rede municipal de ensino de Salvador.
Nesse sentido, as discussões aqui tecidas se conectam ao movimento de construir
intercâmbios de saberes entre pares, os quais surgem da minha inquietude como professora e
pesquisadora no encontro com a afrocentricidade e com outros professores (as) que apostam em
viver à docência por modos que “expressem formas outras de relacionar-se consigo e com os
outros, frente demarcações socialmente estabelecidas” (FERREIRA, 2013, p.192)
consequentemente com a sociedade em sua conexão com as questões étnico-raciais.
Tais movimentos de intercâmbio de saberes e partilha de experiência ganharam novos
contornos com a instalação da pandemia em nossa vida diária, na medida em que viver em
isolamento social gerou um fluxo interessante e ao mesmo tempo assustador de oportunidades de
participação em eventos, lives, cursos. Foi nesse contexto que nasceu minha página profissional em
uma rede social2 onde inicialmente eram partilhadas fotos e vídeos de atividades desenvolvidas com
as turmas nas escolas da rede municipal de Salvador, e aos poucos foi se constituindo em um espaço
de compartilhamento de indicações literárias, reflexões sobre educação afrocêntrica, discussão
sobre educação de crianças pretas (parental e escolar), divulgação de atividades, compartilhamento
de projetos didáticos e orientações para práticas pedagógicas afrocêntricas em diferentes áreas do
conhecimento, além da partilha de vivências sobre o cotidiano na construção de uma família preta.
Esse movimento não me foi exclusivo, na medida em que, ao longo da pandemia, temos visto
muitos (as) professores (as) que se conectaram apesar do distanciamento social, e que aos poucos
foram constituindo espaços coletivos e autônomos de formação e de partilha. No meu caso, os
espaços coletivos têm se materializado por meio de duas ações: a criação de um grupo de
mensagens para partilha de materiais, troca de experiências, diálogos3, e a criação de ciclos de
estudos e partilhas, chamado Roda de Conexões. Contudo, para essa discussão nos interessa os
movimentos forjados na segunda ação citada.
Para tanto, a pergunta que orientou o olhar para as narrativas docentes consistiu nas
seguintes indagações: como os/as professores/as pretos/as compreendem a produção de políticas
de conhecimento nas Rodas de Conexões? De que forma as Rodas de Conexões têm contribuído
com os/as professores/as participantes? Nesse sentido, o objetivo deste artigo consiste em
apresentar as compreensões dos/as professores/as pretos/as sobre as políticas de conhecimento
produzidas nos espaços coletivos e autônomos de formação, a partir de experiências pedagógicas
afrocêntricas. Especificamente buscou-se identificar as motivações dos/as professores/as para
participar dos encontros promovidos pelos espaços coletivos e autônomos de formação, refletir
sobre a importância desses espaços para os/as professores/as e as contribuições das discussões
produzidas entre pares para seus exercícios de docência.
O trabalho se orienta a partir da afrocentricidade refletindo sobre movimentos circunscritos
dentro de pedagogias de (re) existências por meio das narrativas de professores (as) pretos (as)
atuantes na educação básica, conecta-se a uma perspectiva qualitativa de pesquisa e toma as
1
Estudo vinculado à pesquisa matricial Profissão docente na Educação Básica da Bahia, desenvolvida pelo grupo de
Pesquisa Docência, Narrativas e Diversidade na Educação Básica - DIVERSO, financiada pela Chamada Universal
MCTI/CNPq nº 28/2018.
2
A página no Instagram chama-se @profa.taisaferreira e a página do Facebook Mawakana experiências educativas
afrocêntricas - Prof. Taisa Ferreira
3
Grupo do Telegram Mawakana Experiências Educativas Afrocêntricas.
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Diáspora
narrativas de professores (as) pretos (as) de diferentes lugares do Brasil participantes das Rodas de
Conexões como dispositivos de investigação e espaço de produção de sentidos.
Para fins de produção de dados foram considerados lidos inicialmente formulários
preenchidos pelos/as professores para fins de inscrição e de avaliação das Rodas de Conexões. Os
formulários são compostos por doze perguntas que versam sobre identificação, identidade étnico-
racial, área de atuação profissional, localização geográfica, motivações para participação na
atividade, contribuições das discussões para cada participante. Na seleção dos/as colaboradores
considerando nosso interesse, foram escolhidos apenas as narrativas de professores/as pretos/as
respeitando ainda o critério de variedade em relação a localização geográfica e o teor das respostas
dos/as participantes em relação às questões que buscavam compreender suas motivações para
participar das Rodas de Conexões e as contribuições das discussões tecidas nesse espaço.
Após alguns movimentos de leitura foram considerados quinze formulários para fins de
sistematização das informações. Dessa forma, na sistematização os formulários de inscrição e de
avaliação foram organizados em quadros com identificação dos/as professores/as, localidade e
narrativas para melhor visualização e sistematização das informações. A cada professor/a foram
atribuídos nomes de cidades africanas, a fim de preservar sua verdadeira identidade.
As narrativas dos/as professores/as aparecem no texto tanto a partir dos sentidos
produzidos a partir de suas compreensões sobre as políticas de conhecimentos que emergem das
Rodas de Conexões quanto em sua inteireza para demonstrar aspectos percebidos pelos/as
participantes quanto a forma como esses espaços têm contribuído com sua formação e com seu
exercício docente.
CAMINHOS DE SUSTENTAÇÃO …
Sabemos que o sistema educativo nos diferentes níveis de ensino tem sido operado como
espaço que proporciona em muitas ocasiões situações de violência simbólica, psicológica,
intelectual, gerando fragilidades na aprendizagem e na percepção das próprias potencialidades,
favorecendo a desigualdade e o racismo em suas diferentes nuances. Contudo, apesar desse cenário,
os/as educadores/as têm sido provocados/as em suas interações com estudantes, famílias, e
colegas a produzir pedagogias orientadas a partir de pensamentos críticos e de construções
coletivas, que fomentam o protagonismo/agência dos sujeitos e tensionam as práticas
historicamente instituídas.
É nesse contexto que emergem os espaços coletivos e autônomos de formação e partilhas.
Aqui defino tais espaços como iniciativas formativas entre professores (as) que se constituem de
forma independente, por meio de seus interesses em conhecer mais sobre determinados assuntos
e ao mesmo tempo compartilhar suas experiências. Exemplos desse movimento são os grupos e
páginas em redes sociais (Facebook, Whatsapp, Telegram, Instagram, etc.), os quais há alguns anos tem
reunido profissionais que buscam fortalecer e transformar as pedagogias desenvolvidas em seus
espaços de atuação, bem como os encontros de estudo ou de partilhas de experiências presenciais
e/ou online - por meio de plataformas como Google Classroom, Meet, Zoom - com perspectiva
formativa e de ampliação das aprendizagens docentes. Tais espaços não têm necessariamente
vinculação a nenhuma instituição, grupo de pesquisa, nem implicam na emissão de certificados ou
títulos, mas tem se apresentado como espaços muito produtivos para aprendizagens e
compartilhamentos de saberes, angústias e fortalecimento entre profissionais da educação e famílias
de diferentes lugares do país.
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O movimento tecido por docentes pretos, orientado pela busca da produção de novas
experiências, novos cenários formativos e de partilha, conecta-se com a própria materialização das
pedagogias de (re) existências, que aqui são entendidas como um conjunto de práticas educativas
por meio das quais afirmam-se modos de habitar à docência e a escola, que assumem o desafio de
reinventar as concepções, o cotidiano, os modos de ensinar e aprender, de olhar para os corpos e
histórias que povoam a escola, de olhar para si mesmo, e de produzir novas narrativas. Nunez e
Rios (2021) salientam que estas pedagogias assumem que aprendizagem, (des) aprendizagem,
(re)aprendizagem, reflexão e ação se iniciam com oposição à condição de dominação e opressão
colonial. Tais pedagogias se opõem as estruturas sociais, políticas e epistêmicas racistas, sexistas,
LGBTfóbicas e neoliberais, as quais disseminam a reprodução, difusão e construção de hierarquias
de poder que subalternizam principalmente mulheres e homens negros. (NUNEZ e RIOS, 2021).
Particularmente no contexto pandêmico, as iniciativas formativas entre professores (as)
encontraram terreno fecundo, tanto pela necessidade dos/as docentes reinventarem suas práticas
pedagógicas em face do isolamento social e dos processos de ensino-aprendizagem mediados por
tecnologias digitais, quanto pelas oportunidades de conexão que o ambiente de conectividade
fomentou. As Rodas de Conexões são fruto desse movimento e se caracterizam como encontros
em que profissionais da educação integrantes do grupo Mawakana Experiências Educativas
Afrocêntricas, e demais interessados/as, se reúnem na plataforma digital Google Meet, para discutir
assuntos relacionados à docência em sua articulação com a afrocentricidade, compartilhar
experiências, estratégias e práticas pedagógicas, partilhar angústias, desafios, motivações, vivências
e experiências educativas no contexto de família preta construídas em sua articulação com a
Afrocentricidade, potencializando a disseminação de informações, vivências, teorias, reflexões,
práticas sobre a educação afrocêntrica.
Entre os assuntos já discutidos nos encontros registram-se: ancestralidade como forma de
pedagogia, construção de práticas pedagógicas afrocêntricas, organização do trabalho e do espaço
pedagógico em perspectiva étnico-racial, criação de estratégias para potencializar a leitura em
família a partir de perspectivas afrocêntricas, compartilhamento de experiências afrorreferenciadas
construídas entre universidade e instituições de educação básica, desafios da docência preta em
contextos educativos majoritariamente brancos, desafios das crianças e famílias pretas, em
contextos educativos majoritariamente brancos, construção de estratégias para fortalecimento da
docência preta nos diferentes espaços educativos, culturas, histórias e valores civilizatórios
africanos, currículo e práticas afrocêntricas na escola pública, formação docente e educação
afrocêntrica. A pluralidade e entrelace de narrativas, de experiências e de partilhas tem sido uma
característica constante nos encontros.
Considerando que as Rodas de Conexões são orientadas a partir dos princípios da
afrocentricidade e da educação afrocêntrica como campos de possibilidades para reinvenção dos
sentidos e das experiências que se fazem no interior da escola, na estruturação do currículo, nas
práticas educativas e nos processos formativos, parece ser pertinente situar que a Afrocentricidade
configura-se como um paradigma sistematizado por Molefi Kete Asante na década de 80, que visa
colocar as agências, experiências e localização das pessoas africanas (diaspóricas e continentais) na
centralidade dos processos socioculturais.
Nesse contexto, a Afrocentricidade não se propõe a ser uma versão negra do eurocentrismo
(ASANTE, 2019), mas como ideia articula uma poderosa visão contra-hegemônica que questiona
ideias epistemológicas que estão simplesmente enraizadas nas experiências culturais de uma Europa
particularista e patriarcal. (ASANTE, 2016). Essa é, portanto, uma abordagem que percebe os (as)
africanos (as) como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria imagem cultural e
de acordo com seus próprios interesses humanos, e contribui com o movimento de valorização
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epistêmica das experiências dos sujeitos. Dessa forma, procura estabelecer “o lugar psicológico do
povo africano na medida em que busca recuperar a originalidade epistêmica africana, apagada no
decurso dos séculos pela ascensão da cosmopercepção ocidental eurocêntrica” (REIS E
FERNANDES, 2018, p.109).
Por sua vez, a educação afrocêntrica é uma abordagem que partindo do paradigma da
Afrocentricidade, pauta-se em preceitos culturais, históricos, experiências, valores, perspectivas
africanas e afrodiaspóricos para resolver, orientar e entender o funcionamento humano em relação
ao processo educativo (MADHUBUTI E MADHUBUTI, 1990), desse modo orienta-se para a
promoção de contextos educativos em que pessoas pretas possa, aprender e entender a si mesmos
e ao mundo, sendo estimulados em seu desenvolvimento, em suas aspirações educacionais,
comunitárias, espirituais, e em seu engajamento cognitivo, e essa perspectiva parecia ser uma
possibilidade para enfrentar a realidade de desigualdades e descentramentos encontradas em seus
processos formativos. Nesse sentido, de acordo com Nah Dove (2021) educadores/as
orientados/as pela educação afrocêntrica são aqueles que entendem ou estão no processo de tentar
entender a história da África a partir de uma perspectiva afrocêntrica e colocar a África no centro
da história da humanidade, e serão importantes conexões no processo de fortalecimento e
recentramento das pessoas pretas, ao tempo que poderão contribuir para que pessoas não pretas
consigam compreender e respeitar as diferentes formas de existências e os diferentes legados na
estruturação das sociedades.
Sinalizam Soares e Oliveira (2021) que as tecnologias digitais por meio das redes sociais
tornaram mais acessíveis as trocas de experiências, que no ambiente presencial escolar, devido ao
dinamismo e demandas, não era possível estabelecer com tanta incidência. Nesse sentido,
argumentam a potencialidade e influência dessas na elaboração do planejamento, despertando a
criatividade e sensibilidade do/a docente ao buscar compreender as necessidades e interesses do
seu grupo, e ponderar se as práticas vistas nas mídias são úteis para a sua própria realidade.
Tal percepção pode ser vista nas narrativas dos/as professores/as participantes quando
estes/as refletem sobre como as diferentes discussões contribuem para a construção coletiva de
saberes e como o compartilhamento de experiências são percebidas como potencialidades
pedagógicas fundamentais para seu fortalecimento e para aprendizagem de novas estratégias que
contribuem para a consolidação de pedagogias de (re) existência na educação pública orientadas
pela afrocentricidade.
Cairo, professora residente na região Sul, destaca que as Rodas de Conexões mobilizam
muitos sentimentos de “empolgação” pela possibilidade das trocas entre pessoas de diferentes
localidades, e afirma “com certeza me ajudarão a refletir em minhas práticas pedagógicas”. Por sua
vez, a narrativa da professora Joanesburgo, também residente na região Sul, e que atua com
formação de professores/as para educação básica, nos move em direção à reflexão da importância
desse espaço que se faz mais acessível e ao mesmo tempo diverso quando destaca que “a
possibilidade de ouvir diferentes experiências, de diversos locais do Brasil, nos fortalece! Mostra
que as dificuldades, muitas vezes, são semelhantes e que podemos formar laços para a construção
de ações, práticas diferenciadas”. Corroborando com esse sentir, a professora Acra, residente na
região Sudeste pontua que tais ações promovem a compreensão de que não estamos sós,
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salientando que “as construções se dão de forma muito rica quando nos reunimos com pessoas
que têm olhares críticos e generosos”.
O professor Durban, residente na região Centro-Oeste salienta entre as motivações para
participar desses espaços o interesse em “aprender possibilidades de práticas afrocêntricas na
educação, especialmente a produção de materiais didáticos de apoio a essas experiências”. A
professora Kinshasa, que atua na região Nordeste, argumenta que sua participação em espaços
coletivos de formação e compartilhamento de experiências está ligada a busca de ferramentas para
ampliar o debate acerca da ancestralidade africana na sala de aula, e pontua que “com certeza essa
atividade será muito frutífera para pensar esses horizontes”.
Por sua vez, a professora Joanesburgo, afirma que os espaços coletivos de formação se
configuram como excelentes momentos para trocas e partilhas, salientando ainda de que forma tais
discussões serão incorporadas em seu cotidiano profissional “vou levar para minhas alunas tais
reflexões (...). São potentes para pensarmos nossa ação docente e as possibilidades para e com as
famílias”. Nessa mesma linha, a professora Rabate, residente na região Centro-Oeste e atuante em
uma secretaria de educação, afirma sobre os desdobramentos das discussões em seu cotidiano
profissional que servirão para que possa se “reaproximar da discussão e pensar formação
continuada de professores da nossa rede”, a professora destaca ainda que as discussões a motivaram
começar a construir propostas que consideram as experiências conhecidas entre os pares e as
culturas locais. A professora Acra, reflete que as discussões tecidas no encontro a ajudaram a
manter acesa a esperança e a certeza quanto a possibilidade de fazer educação de forma contra-
hegemônica, destacando que as trocas tanto contribuem para sua formação profissional enquanto
professora e estudante de licenciatura quanto como mãe e cidadã “ao permitir a troca de
experiências, olhares, ideias, estratégias e impressões”.
Pensando em como enriquecer as suas práticas educativas, a professora Sumbe, residente
na região Norte, aponta que participa das Rodas de Conexões por ter interesse em desenvolver
atividades envolvendo as temáticas que compõem o corpo de discussão dos encontros, salienta
ainda ao referir ao encontro em que discutiu-se sobre literatura, leitura e relação família e escola
partindo de uma perspectiva afrocêntrica, quanto a potencialidade das trocas destacando que
“ajudam na construção de sensibilidades, sobretudo na abordagem das famílias em relação por
parte da escola”. Também falando sobre o mesmo encontro, a professora Acra depõe que tais
espaços se constituíram em “riquíssimas trocas guiadas pela perspectiva do respeito pelas infâncias,
de ter o objetivo comprometido de trazer as crianças e suas famílias para a leitura tendo a humildade
e a sensibilidade de criar estratégias que aproximem e considerem todas as partes envolvidas: as
crianças, a equipe escolar e a família”.
Ao falar sobre suas motivações para participar de encontros em espaços autônomos de
formação e compartilhamento de experiências, a professora Maputo, residente na região Nordeste,
afirma que se interessa “por toda proposta educacional que valorize e reconheça nossas
potencialidades epistemológicas, científicas e ancestrais.” e ressalta que os conhecimentos
construídos ao longo dos encontros “me trazem o desafio de pensar afrocentricidade como prática
cotidiana”. A identidade também é aspecto destacado pela professora Adis Abeba, residente na
região Norte, ao apontar o que a motiva a estar nestes espaços, salienta “pela importância nos
avanços e trocas enquanto educadora negra”, ressalta ainda que os encontros a auxiliam a
“compreender mais amplamente as possibilidades de práticas pedagógicas afrocêntricas, bem como
refletir sobre princípios orientadores da educação afrocêntrica”. Corrobora ainda com essa
percepção a professora Maiduguri, residente na região Nordeste ao afirmar sua identidade e sua
localização como aspectos importantes, a professora argumenta que sua participação é motivada
“por ser professora da educação infantil, ser mulher preta, com estudantes majoritariamente
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pretos”, e ao refletir sobre como tais conhecimentos reverberam em seu cotidiano profissional
destaca que “me abriram os olhos para compreender melhor sobre a afrocentricidade e ne oferece
mais ideias para construção de caminhos didáticos na sala de aula”.
Professor Durban ao refletir sobre as diferentes discussões mobilizadas e as políticas de
conhecimento produzidas nas Rodas de Conexões, afirma que os processos de compartilhamento
“mostraram que estou no caminho, caminhando... ao mesmo tempo me possibilitaram refletir
sobre a origem das experiências e ideias partilhadas: o que está por trás? De onde vem radicalmente
esse potencial?”. Dentro dessa mesma discussão a professora Kinshasa salienta “a certeza de que
saber sobre ancestralidade negra salva e trata nossos fragmentos espirituais, mentais, físicos e
sociais. Traz mais lucidez, criatividade e otimismo, ação e outra forma de reagir. Um baita abraço
negro me foi dado com os processos formativos e de trocas”. Ainda sobre essa dimensão
“oportunizar o nosso fortalecimento mediante o racismo estrutural e institucional, assim como as
trocas fornecem elementos para elaborar estratégias que estão para além do profissional” é a
compreensão do professor Yaoundé, residente na região Norte quanto ao papel que os
conhecimentos produzidos por meio dos encontros têm ocupado no seu cotidiano.
As narrativas dos professores e das professoras entrelaçando diferentes dimensões que
emergem por meio de sua participação nas Rodas de Conexões nos conduzem a perceber que as
pedagogias de (re) existências se anunciam visibilizando os modos de afirmação, de reconfiguração,
de reconexão, de cuidado com outras formas possíveis de ser e estar na docência e na constituição
de transformações nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, tal como nos aponta
Evaristo (2021, p.45):
O que se percebe é que essas ações de (re) existência escapolem do que está
previsto pelo poder mandatário. E são ações que precisam ser vistas,
consideradas como fenômenos que interferem no entendimento da história,
mesmo quando ignoradas pelo relato oficial. (...) Ações de (re) existência, mesmo
que pensemos que são ações minúsculas, pois não conseguem atingir a estrutura
da organização da sociedade, são fundamentais para a vida de sujeitos e
comunidades subjugadas.
Tal sentido pode ser percebido nas narrativas dos/as professores/as. O professor Dakar,
residente na região Norte, ao refletir sobre a importância de um dos encontros, afirma que para ele
“foi um momento importante de conexão, acolhimento e aprendizagem”. A professora Tunis,
residente na região Sudeste, salienta que “toda iniciativa em prol de uma educação preta e
afrocentrada me interessa, fortalece estar em roda com irmãos e irmãs nessa construção”. Por sua
vez, a professora Alexandria, residente na região Sudeste, argumenta: “ações e reações! Precisamos
desta troca potente, unir forças em prol do nosso povo, principalmente nossas crianças”. Tanto as
narrativas apresentadas em sua inteireza, quanto outras narrativas que não puderam ser trazidas
dada a vastidão de material disponível, afirmam que maneira muito consistente a potencialidade
das trocas propiciadas nos encontros. Ainda argumentando sobre a importância dos espaços
coletivos e autônomos de formação, a professora Gizé, residente na região Nordeste, afirma que
se configuram como “proposta relevante para ampliar os conhecimentos acerca da perspectiva
afrocêntrica de ensino”.
Os/as professores/as revelam por meio de suas narrativas a emergência de um movimento
de (re) conhecer-se, à medida que, por meio dos encontros e das partilhas de experiência,
identificam práticas (e angústias) em comum, (re) conhecem a potencialidade dos seus saberes
pedagógicos e dos (as) seus pares, demonstram a curiosidade em conhecer outras realidades, em
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aprender e partilhar experiências e estratégias sobre conteúdos relacionados a história, cultura e
produção científica africana e afrodiaspórica, como ressalta a professora Cairo “quero estar aqui
pela vivência, para conhecer mais práticas educativas afrocêntricas, aprender mais sobre o meu
povo e desse modo poder me desenvolver como educadora”, nessa mesma linha a professora Gizé
pontua “tenho muito interesse em aprender mais sobre a minha própria cultura e entender por
meio das trocas como repassar aos meus alunos com propriedade”.
Algumas professoras associam a possibilidade de construção de conhecimentos que
permita enriquecer tanto sua prática como educadora nas instituições em que lecionam quanto sua
vivência da maternidade de crianças pretas e no fortalecimento de comunidades de pessoas pretas,
como destacado pela professora Zaria, residente na região Nordeste, que afirma “sou mãe e
educadora e procuro formações que possam me auxiliar nas práticas educativas afrocentradas com
as crianças em casa e na escola”. Gizé pontua: “acredito que os conhecimentos e as experiências
podem me ajudar nas minhas ações no ambiente escolar, bem como nas minhas ações em casa,
com meu filho”.
Emergem ainda das narrativas dos/as professores/as à disposição para construção de
experiências pedagógicas orientadas pela educação afrocêntrica e motivadas pela vivência nos
encontros. Professora Alexandria afirma “por acreditar na filosofia de Garvey, de que nós pessoas
pretas constituímos ou devemos nos constituir como um só povo com a perspectiva de um só
destino, tenho grande interesse na construção de práticas pedagógicas afrocentradas e os encontros
tem me ajudado a repensar a minha contribuição para um ensino de qualidade nas escolas da rede
pública”. Zaria pontua que os encontros a têm ajudado a valorizar o cotidiano de trabalho e de
pesquisa e ressalta que “as discussões contribuíram para me encorajar a tirar alguns projetos do
papel e agir com relação à participação das famílias. É preciso contar/visibilizar as nossas histórias
pretas”
ALINHAVES
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possam enriquecer as próprias ações em sala de aula e no cotidiano familiar. O movimento de
escuta e de partilhar permite que os/as professores/as conheçam novos modos de ensinar e
aprender, novos conteúdos e novas possibilidades. Tal contexto nos acena para o fato de que como
salientado por Evaristo (2021) quando as ações de (re) existência são repetidas e renovadas, além
de se tornarem paradigmáticas e didáticas, processualmente permitem que os sujeitos e as
coletividades envolvidas possam obter alguns resultados.
Nesse sentido, por meio das narrativas dos/as professores/as percebemos que elas próprias
se fazem como narrativas de (re) existência, as quais amparadas em memórias e histórias
possibilitam a construção de identidades culturais e políticas (PEREIRA, 2021), ouso a dizer ainda,
a construção de identidades de docências pretas que inspiradas pela afrocentricidade buscam
ressignificar a centralidade africana em suas vidas e em seus cotidianos profissionais.
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Informações da autora
Nome da autora: Taísa de Sousa Ferreira
Afiliação institucional: Prefeitura Municipal de Salvador / Universidade do Estado da Bahia
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4540-7010
Link Lattes: http://lattes.cnpq.br/7519690350463826
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XII COPENE 2022• ST 03. Afrocentricidade e o Ensino de História das Africanas e Africanos do Continente e da
Diáspora