Impactos de Mudanças No Financiamento Eleitoral Na Subrepresentação de Mulheres e Pessoas Negras
Impactos de Mudanças No Financiamento Eleitoral Na Subrepresentação de Mulheres e Pessoas Negras
Impactos de Mudanças No Financiamento Eleitoral Na Subrepresentação de Mulheres e Pessoas Negras
O país, que costumava ter campanhas entre as mais caras do mundo, transformou o
perfil do financiamento eleitoral, depois que denúncias de corrupção ligadas ao investimento
corporativo em campanhas levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a vedá-lo. O perfil
1
https://www.camara.leg.br/noticias/997047-pedidos-de-vista-adiam-a-votacao-da-pec-que-anistia-
partidos-por-descumprirem-cota-
feminina/#:~:text=Um%20pedido%20de%20vista%20coletivo,ra%C3%A7a%20nas%20elei%C3%A7%
C3%B5es%20de%202022., consultado em 18/09/2023
se transformou, de essencialmente privado e corporativo, para majoritariamente público.
Essa mudança acirrou a disputa por recursos financeiros, agora mais escassos.
Ainda que a fonte agora fosse o partido, o perfil de candidatos que conseguiam
acessá-las não parece ter se alterado. Mulheres, negros e outros grupos minoritários
permaneceram subfinanciados. Somente após as eleições de 2018, novas decisões emanadas
pelo próprio STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinaram que os recursos
financeiros aplicáveis às campanhas fossem distribuídos pelos partidos de forma
proporcional, considerando-se recortes de gênero e de raça.
Tentando responder esta pergunta, este trabalho conduz uma análise quantitativa de
diferenças-em-diferenças considerando resultados de eleições para deputado federal
realizadas entre 2014 e 2022, período que compreende eleições antes e depois das medidas
que impactaram o financiamento de campanha de candidaturas femininas e negras. Os
resultados indicam haver evidências empíricas de que a mudança já produziu efeitos positivos
na probabilidade de candidaturas femininas terem sucesso eleitoral. Não há evidências
estatísticas até o momento deste mesmo efeito com relação às mudanças com recorte de
raça, que ocorreram posteriormente.
Após esta introdução, o artigo apresenta uma breve revisão da literatura dedicada à
pesquisa sobre a relação entre financiamento eleitoral e a sub-representação descritiva de
grupos sociais. A seguir, são descritas as principais mudanças normativas que impactaram o
financiamento de campanhas no Brasil no período após 2014 e analisados os dados
descritivos sobre os resultados eleitorais no período considerado. A seção seguinte apresenta
a metodologia empregada e analisa os resultados do modelo de diferenças-em-diferenças.
Por fim, os resultados são discutidos à luz das hipóteses levantadas. A conclusão encerra o
artigo apresentando limites do trabalho realizado e indicando caminhos para pesquisas
futuras no tema.
A RELAÇÃO ENTRE SUB-REPRESENÇÃO E FINANCIAMENTO
ELEITORAL
A maneira pela qual o poder político se organiza numa sociedade tem efeitos diretos
sobre quem tem acesso a ocupar tais posições. O caso brasileiro é o de um sistema muito
centrado na figura do candidato, pessoalmente, em oposição a sistemas em que os partidos
políticos têm relevância central. O sistema eleitoral proporcional de lista aberta implica numa
forte competição entre candidatos de um mesmo partido pela preferência do eleitor, já que
a ordem de votação obtida individualmente será determinante para a definição de quais
candidatos serão contemplados pelas vagas a serem obtidas pelo partido de forma
proporcional (Calvo et al, 2015). O próprio ato do voto é centrado no candidato
individualmente, já que depende de o eleitor ter consigo o número do candidato para digitar
na urna eletrônica, ao invés de escolher um entre uma lista de candidatos apresentada, como
ocorre em outros países.
Cabe ressaltar que os resultados obtidos pelos pesquisadores que usaram dados
observacionais das eleições brasileiras se referem às eleições legislativas municipais de 2012,
quando a principal fonte de financiamento para campanhas era a doação privada de caráter
corporativo. As mudanças normativas que viriam adiante alterariam este cenário, ao menos
em parte. Até 2015, o financiamento de campanhas políticas no Brasil tinha como fonte
predominante doações privadas corporativas – doações estas que ora eram destinadas aos
partidos, cujas direções definiam a alocação de recursos entre candidaturas, ora diretamente
aos candidatos. Em qualquer uma das opções, os maiores beneficiários das doações privadas
eram os candidatos homens, incumbentes, ligados ao poder partidário ou econômico
(Nicolau, 2019).
MUDANÇAS RECENTES NO FINANCIAMENTO ELEITORAL
A principal mudança, que levou à inversão dos padrões de financiamento eleitoral no
Brasil, não foi fruto de iniciativa legislativa, mas conduzida por uma decisão do STF. A
Suprema Corte considerou as doações empresariais para campanhas inconstitucionais em
2015. A decisão de 2015 veio provocada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.650,
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que questionou a
constitucionalidade das doações corporativas a campanhas eleitorais no formato previsto na
Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) e na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95). O
julgamento da ADI 4.6502 durou mais de dois anos e a tese que preponderou foi a da vedação
à tal modalidade de financiamento, por infringir o caráter republicano da Constituição
Federal.
2
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4136819
3
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=748354101
Janeiro, eleita em 2016 com a quinta candidatura mais votada, dando maior simbologia à
conquista.
METODOLOGIA E DADOS
Esta seção pretende descrever qual foi a estratégia de identificação causal dos efeitos
de mudanças legais na sistemática do financiamento eleitoral brasileiro sobre a representação
política de pessoas negras e mulheres e analisar seus resultados. Pretende-se, assim, estimar
o efeito causado pela mudança institucional promovida na interpretação da legislação
aplicável ao financiamento de campanha sobre a chance de sucesso de candidaturas negras e
femininas. Foram consideradas as eleições para o cargo de deputado federal realizadas em
2014, 2018 e 2022, de tal forma que haja pela menos uma eleição anterior à mudança
normativa que impactou o financiamento eleitoral para candidaturas de mulheres e de
pessoas negras. Os dados aqui empregados foram coletados diretamente no site do Tribunal
Superior Eleitoral5.
Dados
4
https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/pesquisa-nos-e-as-
desigualdades/pesquisa-nos-e-as-desigualdades-
2022/?gclid=Cj0KCQjwqoibBhDUARIsAH2OpWgB5GW1AN3Nm0wSErJptQFtX2UzOTBWhrrOFhZ
2C6TiHDlwBj7a7KkaAvzLEALw_wcB
5
https://www.tse.jus.br/eleicoes/resultados-eleicoes, consultado em 10/09/2022
contingente muito mais próximo da sua representação na população brasileira como um
todo.
O acesso aos recursos partidários para campanha eleitoral também mudou ao longo
do tempo sob as perspectivas de gênero e raça. As figuras 3 e 4 ilustram a trajetória da
proporção de recursos partidários distribuídas entre mulheres e homens, assim como entre
pessoas negras ou não, entre 2014 e 2022.
Figura 5: Percentual médio de eleitos antes das Figura 6: Percentual médio de eleitos depois das
mudanças normativas por gênero. mudanças normativas por gênero.
Figura 7: Percentual médio de eleitos antes das Figura 8: Percentual médio de eleitos depois das
mudanças normativas por raça. mudanças normativas por raça.
Figura 11: Ideologia de candidaturas por Figura 12: Ideologia de candidaturas eleitas por
raça. raça.
Metodologia
RESULTADOS
O efeito causal estimado no modelo de diferenças em diferenças corresponde ao
coeficiente relativo à interação entre o grupo considerado, no caso, candidaturas femininas,
e o período “pós-tratamento”, aqui abrangido pelas eleições de 2018 e de 2022, quando a
nova regra de financiamento eleitoral, que exigia proporcionalidade de aplicação de recursos
de acordo com o contingente de candidatas, foi implementada. No caso das candidaturas de
pessoas negras, o período “pós-tratamento” considerado foi somente 2022, em função da
mudança específica da regulamentação eleitoral determinada para aquele período para este
grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou contribuir para identificar os impactos das mudanças
recentemente implantadas na legislação referente ao financiamento de campanha no Brasil.
Para isso, foi conduzida uma análise de diferenças em diferenças considerando como os
novos mecanismos de obrigatoriedade do financiamento de candidaturas minoritárias
contribuiu para promover para promover uma representação política mais equânime,
considerando-se gênero e raça, no Brasil.
Resultados como os produzidos por este trabalho poderiam servir de subsídio para a
avaliação do mecanismo de financiamento de forma a subsidiar a decisão política em torno
das reformas necessárias ao sistema eleitoral nacional. A despeito das evidências favoráveis,
o Congresso Federal deve alterar nas próximas semanas as regras consideradas aqui como
favoráveis à promoção da equidade de gênero e raça na representação política. A resistência
da elite política em aceitar mecanismos de promoção de uma democracia efetivamente
representativa indica que mulheres, negros e outros grupos minorizados seguirão de fora
dessa elite ainda por muito tempo.
REFERÊNCIAS
Campos, Luiz A. e Machado, Carlos. (2015). A cor dos eleitos: determinantes da sub-
representação política dos não brancos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, nº
16. Brasília, pp. 121-151
Janusz, Andrew. (2016). Candidate Race and Legislative Elections in Brazil.
http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2616821
Nicolau, Jairo. (2019). O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro
em 2018. Rio de Janeiro: Zahar
Rios, Flavia e Paz, Huri. (2021). Representação política nas cidades brasileiras: gênero, raça
e etnicidade nas eleições de 2020. Em Cadernos Hadenauer XXII, nº 1
Sacchet, Teresa, & Speck, Bruno Wilhelm. (2012). Financiamento eleitoral, representação
política e gênero: uma análise das eleições de 2006. Opinião Pública, 18(1), 177-197
Samuels, David. Money, Elections, and Democracy in Brazil. (2001) Latin American
Politics and Society, v. 43, n. 2, p. 27–48.
Valdini, Melody. (2013). Electoral Institutions and the Manifestation of Bias: The Effect of
the Personal Vote on the Representation of Women. Politics & Gender, 9 , 76 –92.
doi:10.1017/S1743923X12000700
Zucco, Cesar; Power, Timothy J., (2019). "Replication Data for: Fragmentation Without
Cleavages? Endogenous Fractionalization in the Brazilian Party System",
https://doi.org/10.7910/DVN/G2RADZ, Harvard Dataverse, V4,
UNF:6:gymWmfV/2EJXqVZCxyVa2w== [fileUNF]
Todo o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo foi publicado no artigo e na
seção "Materiais suplementares".
FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES)
CONTRIBUIÇÃO DA AUTORA:
Não se aplica.