O Desenvolvimento de Competências Na Formação de Guia de Turismo

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O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE

GUIA DE TURISMO A PARTIR DA PERCEPÇÃO DE


PROFISSIONAIS FORMADOS NO RIO GRANDE DO SUL

Carina Vasconcellos Abreu 1

RESUMO

O presente artigo buscou analisar a percepção de guias de turismo do estado do Rio


Grande do Sul sobre o desenvolvimento de suas competências ao final do curso técnico.
A metodologia utilizada foi a quantitativa e a coleta foi realizada a partir de questionário
on-line, obtendo 117 respondentes. A análise revelou que das 31 competências
avaliadas, 24 foram consideradas pelos Guias de Turismo ao egressar o curso como
plenamente preparados, 06 como parcialmente preparados e 1 como insuficientemente
preparados. Parte das competências que demonstraram índices mais baixos são pouco
relacionadas a atividade de guia de turismo, e voltadas a função de agentes de viagens.
Destas ainda, duas são relacionadas a comunicação em inglês e espanhol, que
demonstram ser as maiores deficiências da formação.

PALAVRAS-CHAVE: GUIA DE TURISMO. CURRÍCULO. COMPETÊNCIAS. CURSO


TÉCNICO.

1Docente de cursos de formação profissional, técnico, graduação e pós-graduação nas áreas de Turismo,
Hotelaria e Sustentabilidade na Faculdade Senac Porto Alegre. Possui graduação em Turismo pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005) e pós-graduação em Arquitetura e
Patrimônio Arquitetônico no Brasil também pela PUCRS (2006), além de Especialização em Docência do
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Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (2010) e Especialização em Dinâmica de Grupos pela
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Sociedade Brasileira da Dinâmica de Grupos. Mestre em Educação pela PUCRS, na linha de Pesquisa
Teorias e Culturas em Educação. Em 2012 iniciou Doutorado em Educação pela PUCRS, na linha de
Pesquisa Teorias e Culturas em Educação. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Dentre as diversas atividades do sistema turístico, está a do guia de turismo, que


atua no fim da cadeia produtiva, já que cabe a ele a execução do roteiro criado pela
operadora turística e vendido por uma agência de viagens. O profissional atua na viagem
propriamente dita e é sua responsabilidade a qualidade desta execução. A função exige
que o profissional lide com todos os aspectos administrativos da execução da viagem,
além de também atuar como mediador cultural entre visitante e local visitado. Os
primeiros cursos técnicos de guia de turismo no Brasil surgiram na década de 1960 e a
regulamentação da profissão ocorreu em 1993, entretanto, há ainda no mercado um
grande número de profissionais sem habilitação atuando livremente, já que a
fiscalização é praticamente nula.
A profissão de guia de turismo foi reconhecida em 1986 e regulamentada pela Lei
nº 8.623/93. A partir de janeiro de 1993, os guias foram convocados, por publicação no
Diário Oficial da União, a comparecerem na Embratur e oficializarem seu cadastramento
de acordo com a regulamentação. Foi dado prazo de dois anos para esse
recadastramento, e, após, só foram aceitos cadastros de profissionais que haviam
realizado cursos de formação profissional oferecidos por instituições previamente
autorizadas e cadastradas. No Brasil, a formação que qualifica um profissional a se
registrar como guia de turismo é o curso técnico em guia de turismo, com carga horária
mínima de 800h.
O Decreto do mesmo ano, nº 946/93, define a profissão da seguinte forma:

Art.1º - É considerado Guia de Turismo o profissional que, devidamente


cadastrado na Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo, nos termos da Lei nº
8.623, de 28 de janeiro de 1993, exerça as atividades de acompanhamento,
orientação e transmissão de informações a pessoas ou grupos, em visitas,
excursões urbanas, municipais, estaduais, interestaduais, internacionais ou
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especializadas. (BRASIL, 1993, p. 01).2


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2 Com a criação do Ministério do Turismo em 2003, as funções de cadastro e registro profissional foram
transferidas da Embratur ao MTur, por meio do Sistema de Cadastro de pessoas físicas e jurídicas que

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O mesmo decreto de 1993, no artigo 4º, apresenta as classes em que os guias
devem ser cadastrados, conforme a especialidade de sua formação profissional: guia
regional, quando suas atividades forem realizadas em itinerários ou roteiros locais ou
intermunicipais de uma determinada unidade da federação; guia de excursão nacional,
quando suas atividades forem de âmbito nacional ou realizada na América do Sul; e guia
de excursão internacional para os demais países do mundo. Esta última não faz parte da
formação técnica mínima exigida e é considerada como uma especialização realizada
após o curso técnico. É pouco oferecida no mercado em função de seus altos custos com
viagens internacionais.
A Deliberação Normativa nº 426, de 04 de outubro de 2001, estabelece a
necessidade de formação profissional específica conforme segue:

Art. 3º O requerente será cadastrado na classe de Guia de Turismo para a qual


estiver habilitado, desde que comprovada esta condição, mediante
apresentação de certificado de conclusão de curso específico de educação
profissional de nível técnico, cujo plano de curso tenha sido previamente
aprovado pelo órgão próprio do respectivo Sistema de Ensino, inserido no
Cadastro Nacional de cursos de Nível Técnico administrado pelo MEC, e
apreciado pela EMBRATUR. (BRASIL, 2001, p. 01).

Esta deliberação é logo seguida por outra, no mesmo dia, a de nº 427, que
estabelece os critérios para aprovação dos planos de curso a serem apresentados para
esta formação. Em seus anexos esta Deliberação estabelece as competências e
habilidades necessárias a profissão; sugestão das disciplinas, seus conhecimentos,
cargas horárias correspondentes; o perfil docente para cada disciplina; a quantidade de
viagens técnicas e procedimentos que devem conter. Por fim, apresenta inclusive um
roteiro para o estabelecimento de plano de curso para aprovação. Assim, as instituições
de ensino que desejem ofertar esta formação devem elaborar seu plano de curso e
apresentá-lo ao MEC para aprovação.
Passado mais de uma década da elaboração deste documento norteador do MEC é
possível questionar se as competências estabelecidas pelo documento são de fato
desenvolvidas em sua plenitude pelas instituições de ensino. Assim, o objetivo da
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atuam no setor do turismo, o CADASTUR. O cadastro do guia de turismo é obrigatório para o exercício
legal da profissão no Brasil.

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presente pesquisa é analisar a percepção de egressos dos cursos técnicos em guia de
turismo do Rio Grande do Sul sobre o desenvolvimento de suas competências durante o
mesmo.
A metodologia escolhida foi a abordagem quantitativa buscando analisar um
volume de dados mais expressivo, com caráter exploratório, considerando-se que não
foram realizadas pesquisas anteriores neste viés. O procedimento foi o levantamento de
dados a partir de questionário virtual. Optou-se por um formulário de pesquisa on-line,
a partir da plataforma Jotform3, que permite a construção de formulários
completamente personalizados. O acesso por parte do pesquisado é feito por um link,
após o preenchimento, cada formulário preenchido fica armazenado na plataforma.
Após a coleta ter sido concluída, a plataforma permite importar os dados completos,
organizados em planilha, ou seja, elimina toda a etapa de tabulação das informações e
previne possíveis problemas de preenchimento ou digitação.
O questionário apresentou o seguinte enunciado: “Analise cada uma das
competências do Guia de Turismo abaixo listadas e avalie o seu nível de preparo em
cada uma delas ao concluir seu curso de formação”. Foram listadas trinta e uma
competências com o texto na íntegra retiradas de um plano de curso, datado de 2012, de
uma instituição de ensino de grande porte localizada em Porto Alegre4. Para cada uma
das competências, o respondente marcou uma das seguintes opções: plenamente
preparado, parcialmente preparado ou insuficientemente preparado.
Foram selecionados para esta coleta os guias de turismo registrados no RS com
cadastro ativo no site do Cadastur do Ministério do Turismo, sistema de cadastro de
pessoas físicas e jurídicas que atuam na cadeia produtiva do turismo. O cadastro na
categoria de guia de turismo é obrigatório e o próprio MTur emite a credencial
profissional, que deve ser renovada a cada cinco anos. É importante ressaltar que o
Ministério do Turismo exige documentação comprobatória de todos estes dados e o guia
assina um termo de autorização de divulgação de seus dados de contato.
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3 Disponível em:<www.jotform.com>.
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4 Os dados aqui apresentados são parte da tese da autora em desenvolvimento e com previsão de defesa
em dezembro de 2015. Um dos objetivos da tese consiste em analisar o Plano de Curso aqui citado, e para
isso, foi necessário analisar a mesma formação no estado, de forma a contextualizar os dados obtidos.

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A consulta foi realizada em 20 de janeiro de 2015 e resultou em 859 cadastros
encontrados, e destes, foi colhido o e-mail de contato. O e-mail com apresentação do
trabalho e link do questionário virtual foi enviado em duas datas, 21 de janeiro e 30 de
janeiro, e a coleta se estendeu até 23 de março do mesmo ano. No total, foram
preenchidos 117 questionários, aqui analisados.
A primeira seção trará referencial teórico sobre currículo e desenvolvimento de
competências, para em seguida analisar os resultados encontrados em comparação com
a literatura a respeito da formação de guia de turismo, concluindo com sugestões de
alterações ou melhorias a serem pensadas.

CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS

O currículo é cotidianamente tratado como sinônimo de conhecimento,


entretanto é bem mais complexo que isso. Moreira (1997) considera que há dois
sentidos mais usuais da definição de currículo: conhecimento escolar e experiência de
aprendizagem. No primeiro sentido, o currículo é visto como o conhecimento tratado de
maneira pedagógica e didática pela escola e que deve ser aprendido e aplicado pelo
aluno. O segundo sentido, de experiência de aprendizagem, surge no século XVIII, e tem
uma maior preocupação com a atividade do aluno, ao invés de focar no conhecimento. O
currículo nesta perspectiva será o conjunto de experiências a serem vividas por este
aluno sob orientação da escola.
O currículo é sempre o resultado de uma seleção, “de um universo mais amplo de
conhecimentos e saberes [...] seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente,
o currículo”. (SILVA, 2011, p. 15). Para o autor, o currículo está vitalmente envolvido
naquilo que somos e naquilo no que nos tornamos, na nossa identidade e subjetividade.
O currículo busca modificar pessoas, já que pensa além do que será ensinado, mas
no que a pessoa formada deve se tornar. Ou seja, a partir do que a pessoa deve ser para
ser considerada o profissional ideal, é que se define o que ela deve saber ou ser
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ensinada, assim formando o currículo. Além de uma questão de conhecimento, o


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currículo é uma questão de identidade. Selecionar uma ou outra identidade como ideal
pressupõe uma operação de poder, dentro de um contexto histórico, social e cultural.
Esta visão trabalha com três perspectivas de currículo: o formal, o em ação e o
oculto. O primeiro está relativo aos planos, propostas registradas, ou seja, os textos
referidos por Moreira. O segundo se refere ao que de fato acontece nas escolas e nas
salas de aula, por isso considerado em ação. Ou seja, é o que ocorre a partir da
interpretação e escolha dos docentes e coordenação a partir do currículo escrito. Estas
escolhas de execução podem implicar em seleções provenientes de suas próprias
experiências do que é ou não prioridade na formação ou até mesmo em função de
domínio de conteúdo do docente.
O currículo oculto irá abarcar as normas e regras não explicitadas no currículo
formal e nem pela sua forma de execução, mas que governam as relações que se
estabelecem em sala de aula a partir da cultura da instituição, que se muitas vezes se
perpetuam sem serem discutidas.
Em última instância, podemos resumir as considerações sobre currículo da
seguinte forma:

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão


desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações
de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o
currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não
é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a
formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.
(MOREIRA; TADEU, 1994, p. 14).

As funções do currículo são explicitar o projeto, ou seja, as intenções e o plano de


ação, que preside as atividades educativas. Deve levar em conta as condições reais em
que vai ser aplicado para servir como guia aos docentes que irão utilizá-lo. É um projeto
formado de intenções, princípios e orientações gerais, além das práticas pedagógicas.
Ressalta que os objetivos gerais de um plano constituem um marco de referência que
deve ser útil, e por isso mesmo, não pode ser demasiadamente abstrato ou ambíguo
(COLL, 1997). Ramos (2002) considera que o recorte feito para cada curso por vezes
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pode ser muito amplo, formando um curso generalista demais, e, em outros casos, o
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recorte pode ser estreito demais limitando sua evolução ou atualização.

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As competências profissionais específicas de uma formação são estabelecidas no
currículo formando três níveis de documentação. No primeiro estão as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico, que delimitam o que é
mandatório no perfil de competências acompanhado das cargas horárias mínimas.
Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (2012), o eixo turismo,
hospitalidade e lazer prevê os seguintes cursos: Técnico em Agenciamento de Viagem;
Técnico em Cozinha; Técnico em Eventos; Técnico em Guia de Turismo; Técnico em
Hospedagem; Técnico em Lazer; Técnico em Serviços de Restaurante e Bar. A descrição
relativa a formação de guia de turismo segue no quadro abaixo.

QUADRO 1 - Técnico em Guia de Turismo


Descrição das atividades Possibilidades de Possibilidades
temas de atuação:
Orienta, assiste e conduz pessoas ou grupos durante Geografia, cartografia, Agências de
traslados, passeios, visitas, viagens, com ética profissional legislação, história e viagem e
e respeito ao ambiente, à cultura e à legislação. Informa museologia, sistemas operadoras,
sobre aspectos socioculturais, históricos, ambientais, de informação, artes e organismos
geográficos e outros de interesse do turista. Apresenta ao cultura, transporte e turísticos públicos
visitante opções de roteiros e itinerários turísticos hospedagem, ou privados e de
disponíveis e, quando for o caso, concebe-os considerando guiamento no forma autônoma.
as expectativas ou necessidade do visitante. Utiliza contexto regional e
instrumento de comunicação, localização, técnicas de nacional.
condução, de interpretação ambiental e cultural.
Fonte: (MEC, 2012, p. 142 – 145).

No nível intermediário estão os Referenciais Curriculares Nacionais que


apresentam as matrizes referenciais de competências em detalhes com o propósito de
subsidiar instituições de ensino no planejamento e elaboração de cursos (RAMOS, 2002).
Relativo a área de Turismo e Hospitalidade, as competências profissionais gerais do
técnico da área são as seguintes:

- Conceber, organizar e viabilizar produtos e serviços turísticos e de


hospitalidade adequados aos interesses, hábitos, atitudes e expectativas da
clientela.
- Organizar eventos, programas, roteiros, itinerários turísticos, atividades de
lazer, articulando os meios para sua realização com prestadores de serviços e
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provedores de infraestrutura e apoio.


- Organizar espaços físicos de hospedagem e de alimentação, prevendo seus
ambientes, uso e articulação funcional e fluxos de trabalho e de pessoas.
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- Operacionalizar política comercial, realizando prospecção mercadológica,


identificação e captação de clientes e adequação dos produtos e serviços.

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- Operar a comercialização de produtos e serviços turísticos e de hospitalidade,
com direcionamento de ações de venda para suas clientelas.
- Avaliar a qualidade dos produtos, serviços e atendimentos realizados.
- Executar atividades de gerenciamento econômico, técnico e administrativo
dos núcleos de trabalho, articulando os setores internos e coordenando os
recursos.
- Executar atividades de gerenciamento do pessoal envolvido na oferta dos
produtos e na prestação dos serviços.
- Executar atividades de gerenciamento dos recursos tecnológicos,
supervisionando a utilização de máquinas, equipamentos e meios
informatizados.
- Realizar a manutenção do empreendimento, dos produtos e dos serviços
adequando-os às variações da demanda.
- Comunicar-se efetivamente com o cliente, expressando-se em idioma de
comum entendimento. (MEC, 2000, p. 135-136)

A seção do documento encerra informando que cada formação técnica poderá


definir ainda competências específicas, além destas mais generalistas. No último nível
considerado estão os planos de curso das próprias instituições, elaborado de forma a
constar: justificativa e objetivos, requisitos de acesso, perfil profissional de conclusão,
organização curricular, critérios de aproveitamento de competências, critérios de
avaliação, recursos físicos e humanos, certificados, etc. Na presente pesquisa, será
analisada a percepção dos egressos do curso sobre os seus níveis de desenvolvimento
das competências apontadas no plano em questão.
A competência é inseparável da ação, refere-se aos recursos que um indivíduo
tem para assumir uma determinada função ou atividade. Os conhecimentos, capacidades
e aptidões que habilitam a tomada de decisão e a execução em tudo relativo ao ofício em
questão só poderão ser apreciados e avaliados em ação, ou seja, em uma situação dada,
real ou simulada. Segundo Ropé e Tanguy (1997) a noção de competência tem caráter
polimorfo, pois é usado com conceitos cruzados conforme os diferentes lugares e os
diferentes interesses envolvidos.
As Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional de Nível Técnico no Brasil
definem que competências “são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor,
ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos,
situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer” (BRASIL, 1999). Esta
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perspectiva coloca a competência no plano da cognição. As competências seriam assim


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os esquemas mentais responsáveis pela interação entre os saberes prévios de um

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indivíduo e os saberes formalizados. Os primeiros são construídos a partir das
experiências de vida, e os saberes formalizados seriam aqueles advindos da escola ou
cursos formais.
Ropé e Tanguy (1997) defendem que a principal mudança proposta relativa a
formatos anteriores, diz respeito à seleção de currículo, ao invés de baseado em
conteúdos e ciências, seria baseado na seleção de práticas ou condutas esperadas. Ou
seja, seria o desenvolvimento das competências que gerenciariam os conhecimentos
disciplinares. Para o autor a aprendizagem ocorreria por meio do pensamento reflexivo,
que se instaura quando o sujeito desenvolve respostas originais para resolver
problemas novos. Nesta situação, o pensamento reflexivo seria a tomada de consciência
do obstáculo e do limite dos conhecimentos que se tem até então, e a necessidade de
novas construções de conhecimento para enfrentar o desafio.
Nesta perspectiva, os conhecimentos assumem o papel de recursos para
identificar e resolver problemas, preparar e tomar decisões, adquirindo um sentido
intimamente ligado às competências desenvolvidas. Ropé e Tanguy (1997) afirmam que
o padrão de descrição do plano de curso inicia pela competência global visada, seguido
pelas capacidades implicadas nessa competência global. Após, as capacidades e
competências terminais, e, por último, os saberes associados. Na próxima seção serão
apresentadas e analisadas as trinta e uma competências contidas no plano de curso e a
percepção de um grupo de guias de turismo sobre o seu desenvolvimento durante o
curso.

ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Os 117 questionários foram extraídos da plataforma Jotform já tabulados,


exportados na ferramenta Excel. Foram então contabilizados em números absolutos e
posteriormente foi calculada a porcentagem do total que cada número representava. A
análise revelou que, de forma geral, das 31 competências, 24 foram consideradas pelos
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Guias de Turismo como plenamente preparados, 06 como parcialmente preparados e 1


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como insuficientemente preparados, conforme é possível observar no gráfico abaixo:

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Gráfico 1: Visão Geral das Competências

Visão Geral das Competências


30
24
25
20
15
10 6
5 1
0
Plenamente Preparado Parcialmente Preparado Insuficientemente
Preparado

Fonte: elaborado pelo autor.

Os dados demonstram que em sua maioria, 77,41% das competências foram


avaliadas como plenamente desenvolvidas pelos cursos de guia de turismo, 19,35%
foram consideradas parcialmente desenvolvidas e 3,22% consideradas
insuficientemente desenvolvidas.
Neste primeiro grupo de competências consideradas pela maioria como
plenamente desenvolvidas, é possível observar diferentes níveis de avaliação. Para
aprofundar a análise, elas serão divididas em quatro grupos por volume de
porcentagem. Nenhuma competência foi avaliada com mais de 90% de desenvolvimento
pleno, o que representa que em cada uma, mesmo que pequena, há uma margem de
possível melhoria.
No primeiro grupo, estão 9 competências (29,03% do total), avaliadas pelos guias
como plenamente satisfatórias entre 70% e 89%, conforme quadro abaixo.
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Quadro 2: Competências com desenvolvimento entre 70% e 89%.
Competências Plenamente Parcialmente Insuficientemente
Preparado Preparado Preparado
13 - Relacionar–se com diferentes públicos e 88,03% 9,40% 2,56%
adotar postura adequada, utilizando-se de
princípios éticos nas relações de trabalho;
31 - Acompanhar os turistas durante suas 86,32% 8,54% 5,12%
viagens e city tours, bem como cumprir o
programa estabelecido pela agência ou
operadora, contratando e supervisionando a
qualidade dos serviços de terceiros;
30 - Receber, orientar e conduzir turistas nos 82,05% 12,82% 5,12%
âmbitos local e regional, aplicando princípios
éticos e técnicos no exercício do trabalho;
16 - Aplicar os princípios e fundamentos da 81,19% 16,23% 2,56%
sustentabilidade no seu exercício profissional,
bem como na condução dos grupos, respeitando
e preservando os destinos e comunidades que
estão recebendo o turismo;
19 - Prestar informações históricas do contexto 78,63% 17,94% 3,41%
local e regional de cada destino, com
transparência e confiabilidade aos turistas;
12 - Prestar informações referentes aos serviços 77,77% 20,51% 1,70%
turísticos e informações gerais da localidade,
bem como utilizar a gramática e fluência verbal
para cada situação;
20 - Investigar e selecionar informações 76,92% 18,80% 4,27%
geográficas, históricas, artísticas, recreativas,
folclóricas, artesanais, gastronômicas, de
transporte e hospedagem no contexto local e
regional de cada destino;
6 - Avaliar a qualidade de produtos, serviços e 76,06% 18,80% 5,12%
atendimentos realizados;
17 - Reconhecer a cadeia produtiva do turismo, 72,64% 23,07% 4,27%
identificando a importância do relacionamento
dos serviços turísticos, bem como as
características específicas de cada segmento;
Fonte: Elaborado pelo autor.

Percebe-se que as competências em que os egressos sentiram-se mais seguros ao


concluir o curso podem ser categorizadas em três tipos, o primeiro relativo ao
atendimento ao turista, seu tratamento adequado e ético, a condução dos grupos e
acompanhamento em roteiros, respeitando as características locais e a necessidade de
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sustentabilidade. Na segunda categoria, encontram-se aspectos relativos a pesquisa e


escolha de informações diversas no âmbito regional e a prestação de informações sobre
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o histórico local/regional. A terceira categoria está voltada para o mercado da área, com

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o reconhecimento da cadeia produtiva, a avaliação de produtos e serviços desta cadeia, e
a prestação de informações sobre serviços.
É possível observar que este bloco de 9 competências possui porcentagens
pequenas de avaliações de desenvolvimento parcial e insuficiente, podendo ser
consideradas as competências que as instituições de ensino de Guia de Turismo têm o
maior sucesso.
O segundo grupo é composto por 11 competências (35% do total) avaliadas entre
50% e 69% como plenamente desenvolvidas.

Quadro 3: Competências com desenvolvimento entre 50% e 69%.


Competências Plenamente Parcialmente Insuficientemente
Preparado Preparado Preparado
18 - Identificar o zoneamento turístico regional e 69,23% 26,49% 4,27%
selecionar informações geográficas, gastronômicas,
de transporte e hospedagem no contexto local e
regional;
11 - Comunicar-se efetivamente com o cliente, 66,66% 29,05% 4,27%
expressando-se em idioma de comum entendimento.
21 - Identificar as manifestações, artísticas e culturais 66,66% 29,05% 4,27%
de grupos e comunidades do RS, selecionando
alternativas adequadas aos diferentes perfis de
turistas.
25 - Pesquisar e selecionar informações históricas no 64,95% 25,64% 9,40%
contexto nacional e sul-americano reconhecendo os
valores históricos e culturais de cada destino;
26 - Investigar e selecionar informações artísticas, 62,39% 28,20% 9,40%
recreativas, folclóricas, artesanais no contexto
nacional e sul-americano apresentando aos turistas
os aspectos históricos e culturais do destino visitado;
24 - Investigar e selecionar informações geográficas, 60,68% 30,76% 8,54%
gastronômicas, de transporte e hospedagem no
contexto nacional e sul-americano apresentando aos
turistas as características locais do destino visitado;
15 - Interpretar e aplicar a legislação turística para 59,82% 33,33% 6,83%
resguardar a integridade do Guia de Turismo e a
representatividade de seu contratante na prestação
de serviço;
23 - Elaborar cronogramas de viagem no Estado do 59,82% 32,47% 7,69%
Rio Grande do Sul, como também articular e
coordenar os diversos setores envolvidos nas etapas
que compõem o roteiro, garantindo seu
cumprimento.
17

1 - Conceber, organizar e viabilizar produtos e 58,90% 33,33% 7,69%


serviços turísticos e de hospitalidade adequados aos
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interesses, hábitos, atitudes e expectativas da


clientela;

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27 - Identificar as manifestações artísticas, históricas, 57,26% 34,18% 8,54%
geográficas e culturais de grupos e comunidades do
Brasil e América do Sul, selecionando alternativas
adequadas aos diferentes perfis de turistas;
2 - Organizar eventos, programas, roteiros, 55,55% 35,04% 9,40%
itinerários turísticos e atividades de lazer,
articulando os meios para sua realização como
prestadores de serviços e provedores de infra-
estrutura e apoio;
Fonte: Elaborado pelo autor.

Percebe-se que neste grupo já temos um volume maior de avaliações enquanto


parcialmente preparados e insuficientemente preparados, o que demonstra que a
formação tem limitações. Pode ser organizada em três categorias, a primeira refere-se a
comunicação em idioma de comum entendimento. Esta competência pode pressupor a
transposição de regionalismos no idioma português ou conhecimento de idioma
diferente do mesmo, é portanto uma competência ambígua, o que pode ter impactado na
avaliação do respondente, já a comunicação no atendimento ao turista foi bem avaliada
no grupo anterior.
A segunda categoria refere-se a elaboração de novos produtos, elaboração de
cronogramas e organização de programas de serviços, além da aplicação da legislação
apropriada. Esta é uma limitação que pode comprometer a inserção do guia no mercado
de trabalho, considerando que esta é uma profissão prioritariamente autônoma. O guia
com dificuldades em elaborar novos produtos ficará limitado a executar produtos
prontos e pode ter menos autonomia na resolução de problemas.
A terceira categoria aqui é relativa a identificação e pesquisa em aspectos
geográficos e de manifestações da cultura nos contextos regional, nacional e América
Latina, e também a pesquisa de aspectos históricos no contexto nacional e da América
Latina. Esta categoria pode estar assim avaliada em função do grande volume de
conteúdo que representa. Entretanto, se considerarmos que a competência deveria estar
associada aos mecanismos de como pesquisar, a hipótese é que a ênfase dos cursos pode
ser no conteúdo e não na competência de pesquisador. Ressalta-se que a mesma
pesquisa relativa a aspectos históricos no contexto regional foi melhor avaliada e
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encontra-se no grupo anterior, assim, pode-se considerar também que há uma


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diferenciação de ênfase que impacta na percepção de desenvolvimento de competências
dos egressos.
O terceiro grupo analisado ainda entre os avaliados como plenamente
preparados são as 4 competências (12,90% do total) restantes, que tem menos que 50%
de avaliação como plenamente desenvolvidas. São as competências limítrofes que
demonstram muito equilíbrio entre os volumes registrados como plenamente e
parcialmente preparados, que se somados, seriam índices maiores que 80%.

Quadro 4: Competências com desenvolvimento menor que 50%.


Competências Plenamente Parcialmente Insuficientemente
Preparado Preparado Preparado
3 - Organizar espaços físicos de hospedagem e de 47,00% 38,46% 14,52%
alimentação, prevendo seus ambientes, uso e
articulação funcional e fluxos de trabalho e de
pessoas;
14 - Realizar procedimentos de primeiros socorros 46,15% 40,17% 13,67%
em caso de acidentes ou mal súbito, identificando os
recursos médico-hospitalares disponíveis na
localidade, e providenciar a vinda de socorro
especializado;
29 - Elaborar cronogramas de viagem no Brasil e na 44,44% 39,31% 16,23%
América do Sul, como também articular e coordenar
os diversos setores envolvidos nas etapas que
compõem o roteiro, garantindo seu cumprimento;
5 - Operar a comercialização de produtos e serviços 41,02% 37,60% 21,36%
turísticos e de hospitalidade, com direcionamento de
ações de venda para suas clientelas;
Fonte: Elaborado pelo autor.

O quarto e último grupo, da mesma forma que os anteriores, pode ser


categorizado. A primeira é relativa a dificuldade demonstrada no grupo anterior sobre a
elaboração de cronogramas de viagens, aqui em roteiros nacionais e na América do Sul.
É compreensível que se encontre uma maior dificuldade considerando a extensão do
território envolvido. Na maioria dos técnicos, o território nacional e da América Latina
são trabalhados juntos em um semestre letivo. Há que se avaliar se a carga-horária de
um curso técnico de forma geral é condizente com este volume de especificidades e se
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essa competência é viável de ser desenvolvida em um prazo tão curto.


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A segunda categoria selecionada neste grupo diz respeito aos primeiros socorros
e pode também ser questionada em relação ao tempo viável de sua execução. Os cursos

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não formam socorristas, apenas oferecem noções de primeiros socorros em uma carga
horária bastante limitada, e a diversidade de necessidades de atuação é bastante grande.
É também uma unidade curricular voltada a atender imprevistos e situações difíceis, que
não fazem parte da rotina do guia, o que também dificulta que o aluno a experiencie
antes de atuar realmente. Esta competência aparece isolada de outras relativas ao
atendimento ao turista ou grupo, e a hipótese da autora é que seja também ministrada
de forma isolada, o que também pode diminuir a vivência do aluno e o desenvolvimento
de sua competência.
A última categoria deste grupo engloba duas competências que são bastante
debatidas no mercado turístico por não serem consideradas funções do profissional guia
de turismo. São as competências relativas a organizar espaços físicos de hospedagem e
de alimentação, e operar a comercialização de produtos e serviços turísticos, funções
essas do hoteleiro e do agente de viagens, respectivamente. A hipótese aqui é que há
problemas em sua escrita, que denotam competências mais complexas do que devem ser
desenvolvidas pelo guia de turismo.
Considera-se que o profissional aqui analisado deve compreender e reconhecer o
funcionamento dos serviços de hospedagem e operação para poder trabalhar em
parceria e avaliá-los, mas não é seu papel desenvolver ou executar estes serviços. São
atividades que tem inclusive seu próprio desenho de cursos técnicos previstos pelo MEC.
São casos em que a forma escrita pode implicar em interpretações incorretas por parte
de quem irá executar este currículo, dessa forma, é natural que os guias avaliem de
forma que o fizeram.
Terminada a primeira parte da análise, em que foram contempladas as 24
competências avaliadas como plenamente desenvolvidas, passamos ao exame das 6
competências que tiveram o maior volume de guias de turismo as avaliando como
parcialmente desenvolvidas, o que corresponde a 19,35% do total de competências
propostas na formação.
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Quadro 5: Competências consideradas parcialmente desenvolvidas.
Competências Plenamente Parcialmente Insuficientemente
Preparado Preparado Preparado
9 - Executar atividades de gerenciamento de 29,91% 51,28% 18,80%
recursos tecnológicos, supervisionando a
utilização de máquinas, equipamentos e meios
informatizados;
8 - Executar atividades de gerenciamento do 41,02% 47,86% 11,11%
pessoal envolvido na oferta dos produtos e na
prestação dos serviços;
22 - Utilizar terminologia técnica e habilidades de 28,20% 47,86% 23,93%
conversação em Espanhol no contexto turístico.
4 - Operacionalizar política comercial, realizando 22,22% 47,86% 29,91%
prospecção mercadológica, identificação e
captação de clientes e adequação de produtos e
serviços;
10 - Realizar a manutenção do empreendimento, 35,04% 44,44% 20,51%
dos produtos e dos serviços, adequando-os às
variações da demanda;
7 - Executar atividades de gerenciamento 32,47% 43,58% 23,93%
econômico, técnico e administrativo dos núcleos
de trabalho, articulando setores e coordenando
recursos;
Fonte: Elaborado pelo autor.

Percebe-se que com exceção da competência relativa à conversação em Espanhol,


que será analisada a seguir, as outras 5 competências não estão adequadas a atividade
profissional do guia de turismo, embora possam se aproximar de outras competências
do eixo de hospitalidade e turismo. São competências com texto demasiadamente
genérico relativas possivelmente ao gerenciamento de operação de viagens, seus
recursos materiais, serviços e pessoal, dessa forma, pode-se analisar que são
inadequadas a formação.
Durante muitos anos, as viagens foram utilizadas como incentivo ou premiação
aos melhores vendedores das agências e operadoras, e os premiados assumiam o papel
de guia. Os primeiros cursos de formação dos chamados tour leaders ou tour conductors,
como eram chamados os guias de turismo, surgiram oferecidos pelas próprias agências,
ministrados por guias mais experientes, antes da formalização dos cursos (CARVALHO,
2005). Esta sobreposição de funções entre agente de viagens e guia de turismo talvez
21

ainda esteja representada nestas competências.


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Quanto a análise que os respondentes fizeram do desenvolvimento destas
competências, a hipótese é que por seu caráter focado em operação e agenciamento, os
próprios docentes ao fazer a interpretação e priorização de competências, ofereçam
pouca ênfase a elas em seu planejamento docente.
Quanto a competência relativa à conversação em Espanhol, percebe-se como uma
real necessidade do trabalho do guia de turismo, entretanto há que se avaliar se tem o
espaço adequado nos cursos técnicos. Para ingresso no técnico em guia não costuma ser
exigido conhecimento prévio de idiomas, e durante o curso técnico, a maioria das
instituições oferece apenas uma unidade do idioma espanhol com carga horária
limitada, o que dificilmente irá desenvolver a competência de conversação no idioma.
Devido a limitação de carga horária total do curso, talvez a alternativa fosse que esta
competência se limitasse a desenvolver noções de termos técnicos em Espanhol relativo
ao turismo, e busca da conversação fosse realizada em curso próprio do idioma.
Esta última competência está diretamente ligada a única competência que foi
avaliada como insuficientemente desenvolvida relativa ao idioma inglês, embora o
espanhol tenha ainda uma boa diferença na porcentagem. É possível que em função da
proximidade geográfica do Rio Grande do Sul com países de língua espanhola como
Uruguai e Argentina ofereçam maior facilidade para o desenvolvimento deste idioma do
que o inglês.

Quadro 6: Competência considerada insuficientemente desenvolvida.


Competências Plenamente Parcialmente Insuficientemente
Preparado Preparado Preparado
28 - Utilizar terminologia técnica e habilidades de 21,36% 35,89% 42,73%
conversação em Inglês no contexto turístico.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Como pode-se perceber nas porcentagens acima, a conversação em inglês foi a


competência com pior avaliação dentre todas as 31, embora esse seja considerado um
dos idiomas mais utilizados no mundo para conversação em âmbito comercial. O
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documento norteador do MEC para a elaboração de planos de curso sugere apenas


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“vocabulário instrumental em Língua Portuguesa e Inglesa” em sua listagem das

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competências e habilidades, e sequer cita o espanhol. Em seu roteiro sugerido de
disciplinas e cargas horárias o ensino de idiomas não é mencionado.
Apesar de o MEC não exigir o ensino de idiomas no curso, o Cadastur diferencia
os profissionais conforme os idiomas em que estão habilitados. Conforme mencionado
anteriormente, o Cadastur exige documentação comprobatória para realizar o registro
do guia, inclusive de habilitação em idiomas. Esta habilitação fica representada com as
respectivas bandeiras na credencial do guia e constam do seu cadastro no site. Inclusive,
ao pesquisar contatos de guias de turismo, um dos filtros que podem ser utilizados é a
escolha de idiomas.
A documentação comprobatória da habilitação em idiomas solicitada para o
cadastramento é a seguinte:

Cópia de Diploma de Curso de Idioma, ou comprovante de Exame de


Proficiência ou Atestado de Fluência, em pelo menos uma língua estrangeira
para os que pretendam o cadastramento na categoria de Guia de Turismo
Excursão Internacional, fornecidos por Instituição de Ensino reconhecida pela
autoridade competente. O mesmo é exigido para os que pretendam incluir
Idioma em qualquer categoria de Guia de Turismo; [...] (CADASTUR, 2015b).

Percebe-se que o diploma ou certificado de curso aceito não delimita a carga


horária ou a descrição de nível de fluência, tal como é exigida no exame de proficiência
ou atestado. Assim, o Cadastur aceita o próprio certificado técnico de guia de turismo
que contenha idiomas como habilitação, independentemente da carga-horária prevista.
A carga-horária de idiomas limitada nos planos de curso oferecidos por parte das
instituições de ensino, podem justamente vislumbrar esta lacuna, ofertando aos alunos
um certificado aceito para o cadastro como diferencial comercial, sem oferecer a
formação a altura das expectativas geradas pelo aluno.
A partir dos dados aqui pontuados, é possível apontar algumas competências com
descrição inadequada ou não condizentes com a função de guia de turismo, além das
relativas a idiomas, que poderiam ser retiradas e ofertadas em formato e carga-horária
adequadas como curso paralelo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente artigo foi analisar a percepção de guias de turismo


atuantes no Rio Grande do Sul sobre o desenvolvimento de competências ao final de sua
formação técnica. Foi possível registrar que a maioria das competências teve o maior
índice de avaliação como plenamente desenvolvidas, ainda que com diferentes níveis de
avaliação. A análise da percepção dos guias também evidenciou que há competências
parcialmente desenvolvidas e insatisfatoriamente desenvolvidas.
Destas foi possível perceber competências que apresentam sobreposição da
função do guia de turismo com o trabalho de agentes de viagens e até mesmo hoteleiros.
Esta sobreposição poderia ser eliminada com adaptação do texto que descreve as
competências, deixando claro que o guia não tem a responsabilidade de substituir
outros profissionais da cadeia produtiva, mas compreender como ocorre seu trabalho,
de forma a melhor atuar em parceria. Foi possível apreender também que competências
com a escrita generalista voltadas a gestão de empresas, suprimentos e pessoas foram
analisadas pelos guias como pouco desenvolvidas. É possível questionar, considerando o
caráter autônomo da profissão, se são de fato necessárias a formação ou se poderiam ser
substituídas por competências voltadas ao empreendedorismo, inovação ou elaboração
de projetos, o que poderia empoderar o profissional a desenvolver novos produtos e
serviços em sua área.
É possível ressaltar ainda a baixa avaliação que os guias registraram relativas a
comunicação em língua espanhola e inglesa, consideradas necessárias ao exercício da
profissão. Pode-se questionar a validade de se manter tais disciplinas, que poderiam ser
desenvolvidas em formações paralelas, com carga horária mais apropriada à
necessidade de conversação, ou ainda, incluídas no curso, mas atendendo aos requisitos
mínimos de desenvolvimento de conversação.
De forma geral, este estudo pode demonstrar a percepção de guias sobre sua
formação, oferecendo subsídios para a análise da seleção e descrição de competências
24

desenvolvidas nos cursos técnicos. Seria interessante também replicar a pesquisa em


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outros estados de forma a comparar dados entre diferentes regiões. Esta análise poderia

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ser complementada em novos estudos a partir da percepção de docentes e de
pesquisadores na área de educação, além dos próprios clientes atendidos, de forma a
cruzar dados e buscar melhorias para readequar os atuais cursos técnicos.
Este tema de pesquisa que pode ser mais aprofundado, pois a tanto a profissão
quanto a formação são ainda carentes de maiores estudos, enquanto já se encontra
maior volume de produções a respeito de formações em turismo em nível tecnológico e
de graduação, por exemplo.

THE COMPETENCIES DEVELOPMENT IN TOURISM GUIDE COURSE FROM THE PERCEPTION


OF PROFESSIONALS GRADUATED IN RIO GRANDE DO SUL/BRAZIL

ABSTRACT

This paper aims to analyze the perception of tourism guides from Rio Grande do Sul state on
developing their competencies at the end of the technical course. The methodology used was
quantitative and the sample was collected from online survey, obtaining 117 respondents. The
analysis revealed that of the 31 assessed competencies, 24 were considered by Tour Guides at
the end of the course as fully prepared, 06 as partially prepared and one as insufficiently
prepared. Some of the competencies that have shown lower rates are very little related to tour
guiding, and focus at travel agents function. There were also two competencies related to
communication in English and Spanish, which prove to be the greatest shortcomings of the
courses.

KEYWORDS: TOURIST GUIDE. CURRICULUM. COMPETENCIES. TECHNICAL COURSE.

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Cronologia do Processo Editorial
Recebido em: 13. maio. 2015
Aprovação Final: 26. jun. 2015

Referência (NBR 6023/2002)

ABREU, Carina Vasconcellos. O desenvolvimento de competências na formação de guia de


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Estudos & Práticas (RTEP/UERN), Mossoró/RN, vol. 4, n. 1, p. 06-27, jan./jun. 2015.
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