Loureiro Heitor de Andrade (2022!03!23 23-57-41 UTC)

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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Heitor de Andrade Carvalho Loureiro

PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A


CAUSA ARMÊNIA (1912-1922)

Franca

2016
HEITOR DE ANDRADE CARVALHO LOUREIRO

PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A


CAUSA ARMÊNIA (1912-1922)

Tese apresentada à Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como exigência parcial para
Obtenção do grau de Doutor em História
Área de concentração: História e Cultura Política
Agência financiadora: CAPES
Orientadora: Profª. Drª. Teresa Maria Malatian
Coorientador: Dr. Vahan Ter-Ghevondian

Franca
2016
Loureiro, Heitor de Andrade Carvalho.
Pragmatismo e humanitarismo: a política externa brasileira e a
causa armênia (1912-1922) / Heitor de Andrade Carvalho Loureiro
– Franca : [s.n.], 2016.

230 f.

Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual


Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.
Orientador: Teresa Maria Malatian
Coorientador: Vahan Ter-Ghevondian

1. Armênia - História. 2. Política externa. 3. Pessoa, Epitácio


- História e crítica. 4. Política e governo - Brasil. I. Título.
CDD – 939.55
Heitor de Andrade Carvalho Loureiro

PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A


CAUSA ARMÊNIA (1912-1922)

Esta tese foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Doutor em História no Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista

Franca, novembro de 2016

_________________________________________________________
Profª. Drª. Teresa Maria Malatian (orientadora)
Professora livre-docente, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca,
Universidade Estadual Paulista.

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________

_________________________________________________________
A Carlos Daghlian, in memoriam, professor emérito do Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas, campus da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” em São José do Rio Preto.
AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade


de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
aos meus colegas de pós-graduação, servidores técnico-administrativos e professores, em
especial à minha orientadora, Teresa Maria Malatian, por acolher o projeto de pesquisa que
deu origem a este trabalho e dar todas as condições necessárias para sua consecução. Estendo
meus agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pela concessão de bolsas de Demanda Social e do Programa Doutorado Sanduíche
no Exterior.

Eu agradeço também à minha família, especialmente aos meus pais e irmã, pelo
apoio e amor desde o início. Abaixo, eu reconheço o papel de diversas pessoas que foram
cruciais para o desenrolar desta pesquisa, seja pela amizade e inspiração ou por fornecerem
informações que abriram novas perspectivas neste trabalho: Ana Carolina Viotti, Anna
Aleksanyan, Antonio Henrique Campolina Martins, Ara Sanjian, Aram Adjemian, Archavir
Donelian, Arda e Doris Melkonian, Armen Kevork Pamboukdjian, Artsvi Bakhchinyan, Artur
Attarian, Athena Madan, Boghos Levon, Zekiyan, Cafer Sarikaya, Carlos Antaramián, Carlos
Daghlian, Carlos Luis Hassassian, Daniela Boudakian, Daniel Ohanian, Diran Avedian,
Eustáquio Donizete, Família Chahinian, Família Moreira Dias, Flávio de Leão Bastos Pereira,
Giovane Oliveira, Helenice Moreira Dias, Georges-Henri Ruyssen, Hagop Kechichian, Hakob
Matevosyan, Hayk Sahakyan, James Onnig Tamdjian, Khachig Tölölyan, João José Reis, Laís
Azeredo, Leandro Pereira Gonçalves, Leo Fernandes, Luiz César de Sá Júnior, Mateus França
Holmo “Poha”, Marcelo Mirzeian, Monique Sochaczewski Goldfeld, Naira Meliksetyan,
Nareg Seferian, Nittina Bianchi, Paulo Knauss, Pedro Bogossian Porto, Pedro Russo, Philipe
Arapian, Rafael Bara Alves, Renata Summa, Richard G. Hovannisian, Rodrigo Medina Zagni,
Rosirene Medina, Shant Melkonian, Simon Petrosyan, Sona Baloyan, Tamar M. Boyadjian,
Tatiana Medina Boudakian, Vahan Agopyan, Vahan Ter-Ghevondian, Vahe Sahakyan,
Vartan Matiossian, Vartan Waldir Boghossian, Victor Coutinho Lage, Victor “Triantopoulos”
Martins e Victor “Pino” Santos.

Instituições: Armenian Research Center da University of Michigan, Arquivo


Histórico do Itamaraty, Arquivo Nacional, Arquivo Nacional da República da Armênia,
Biblioteca Nacional, Charents Museum of Literature and Arts, Fundação Calouste
Gulbenkian, Fundación Luisa Hairabedian, Grupo de Pesquisa Conflitos Armados, Massacres
e Genocídios na Era Contemporânea da Universidade Federal de São Paulo, Institute for
Contemporary Arts of Yerevan, International Association of Genocide Scholars, Mesrop
Mashtots Institute of Ancient Manuscripts (Matenadaran) e Zoryan Institute.

Finalmente, agradeço a Serj, Daron, Shavo e John.


“Se o que procuram é uma pátria, um céu a abrir vocês e seus entes
queridos vão para o Brasil, terra generosa, que a tantos já acolheu e os
acolherá de braços abertos”.

Rui Barbosa em mensagem endereçada a armênios em 1920.


Folha de São Paulo, 20 de abril de 1966.

“Eu tenho a honra de informar Vossa Excelência que o governo do Brasil


está pronto para contribuir, individualmente ou em conjunto com outras
potências, para pôr termo à situação de sofrimento da Armênia”.

Azevedo Marques, Ministro de Relações Exteriores do Brasil,


em mensagem ao presidente do Conselho da Liga das
Nações, em 30 de novembro de 1920.

“O Brasil, a convite do Conselho Executivo da Liga das Nações, aceitou o


encargo de, juntamente com os Estados Unidos da América e a Espanha,
servir de mediador na luta entre os armênios e os nacionalistas turcos”

Epitácio Pessoa, Presidente da República, em mensagem ao


Congresso brasileiro em 1920.
RESUMO

Nos anos 1910, a causa armênia aportou no Brasil por meio do trabalho do intelectual Etienne
Brasil na imprensa e em sociedades científicas no Rio de Janeiro que retratou os armênios
como um povo cristão do Oriente, alvo de toda sorte de perseguições por parte dos turcos
muçulmanos no Império Otomano. Lançando mão do discurso orientalista largamente
difundido no pensamento ocidental no seu tempo, Etienne Brasil buscou sensibilizar o
público-leitor e os tomadores de decisão brasileiros a apoiarem os armênios na luta pela
criação da República Armênia, cuja independência aconteceu, por fim, em 1918. Assim,
Etienne Brasil tornou-se representante diplomático da nova república no Brasil, o que deu a
ele o ensejo para dirigir-se ao Catete e ao Itamaraty em busca do reconhecimento oficial
brasileiro ao novo Estado e de apoio para sustentar a frágil república e sua população
composta, majoritariamente, por refugiados, sobreviventes do genocídio executado pelo
governo otomano a partir de 1915. O objetivo desta pesquisa é examinar como a chamada
“causa armênia” – conjunto de reivindicações jurídicas do povo armênio no sistema
internacional – chegou ao Brasil e tornou-se ponto de pauta na política externa brasileira.
Interessa compreender como as demandas armênias foram inseridas nessa agenda por um
grupo de interesse de tamanho reduzido, que conseguiu ter acesso aos tomadores de decisão
por meio de conexões pessoais, intensa propaganda na imprensa e uma leitura da política
internacional que indicava que o Brasil tentava se reposicionar no sistema internacional como
um ator de primeiro escalão após a Grande Guerra. Nesse contexto, a causa armênia foi
apresentada por Etienne Brasil e seus aliados como uma oportunidade para o governo Epitácio
Pessoa mostrar às Potências que o país estava pronto para lidar com desafios no cenário
global e era, portanto, merecedor do lugar de destaque que recebeu na Conferência de Paz de
Paris em 1919 e na Liga das Nações. A hipótese sustentada é que o apoio brasileiro à causa
armênia foi um ato pragmático do governo Epitácio Pessoa que buscava, por meio de uma
pauta humanitarista, angariar prestígio para o Brasil no sistema internacional. Todavia, isso
não se deu de maneira proativa. O governo brasileiro reagiu às pressões desse grupo de
armênios radicados no Rio de Janeiro e aos movimentos dos EUA no cenário internacional.
Desse modo, é crucial compreender como esse grupo funcionou como parte de uma diáspora,
atuando como uma força transnacional e que conseguiu aproveitar a permeabilidade do
sistema político brasileiro para inserir suas demandas. A metodologia consiste na análise de
arquivos no Brasil e exterior a fim de reconstituir a negociação entre armênios e brasileiros
para que esses últimos apoiassem as reivindicações dos primeiros nos fóruns internacionais,
além da leitura minuciosa da imprensa carioca nos anos 1910-1920, instrumento de
sensibilização da opinião pública para pressionar o Brasil a intervir. No final de 1920, o
governo brasileiro aceitou, finalmente, atuar como mediador na pacificação da Armênia,
balizado pelas ideias do humanitarismo moderno, mas guiado pelo pragmatismo, em busca de
prestígio no sistema internacional.

Palavras-chave: Armênia. Política externa brasileira. Causa armênia. Epitácio Pessoa.


Etienne Brasil.
ABSTRACT

In the 1910s, Brazilian audience heard, for the first time, about the ‘Armenian Cause’ through
the work of the intellectual Etienne Brasil. At that time, Brasil published several articles
through the press and scientific societies in Rio de Janeiro, in which he portrayed the
Armenians as Christian people from the East which had suffered all types of persecutions by
the hands of the Turk-Muslims within the Ottoman Empire. Brasil’s reports were Orientalist
in nature, largely spread in western thought at the time as a way of appealing to the Brazilian
readership and decision-makers in order to support Armenians to create the Armenian
Republic. When Armenia became independent, in 1918, Etienne Brasil became the first
Armenian diplomatic representative in South America, which provided him an opportunity to
address his appeals to the Brazilian presidency and to the Minister of External Relations in
search of support to sustain the fragile republic whose population was majority composed by
refugees, and survivors of the genocide perpetrated by the Ottoman government after 1915.

This research aims to examine how the “Armenian cause” – range of juridical demands of the
Armenian people within the international system – arrived in Brazil and became part of the
Brazilian foreign policy agenda. Armenian demands were incorporated on this policy agenda
by a small interest group that had been able to obtain access to decision-makers through
personal connections and intensive press propaganda. Brazil was trying to realign itself within
the international system as a key player after the Great War. In this context, the Armenian
cause was presented by Etienne Brasil as an opportunity to show to the Powers that Brazil
was ready to deal with challenges in that new global scenario and, therefore, deserved the
prominent place that it had received at the Paris Peace Conference in 1919 and at the League
of Nations. The hypothesis is that Brazilian support towards the Armenian Cause was a
Pessoa administration’s pragmatic act that sought, through a humanitarian agenda, to gain
prestige at the global level. However, this did not happen proactively. The Brazilian
government responded to the pressure of this group of Armenians living in Rio de Janeiro and
the American moves at the international arena. As such, this group worked as part of a
diaspora acting as a transnational power, which could take advantage of the Brazilian political
system’s porosity to influence Brazil’s agenda.

The methodology consisted in analyzing files and documents from archives in Brazil and
abroad to reconstitute the negotiations between Armenians and Brazilians in order to get the
latter to support the former at the international fora, as well as analyzing the Rio de Janeiro’s
press in the 1910-20s, which were a tool to sensitize public opinion to push Brazil to take
action. In the late 1920, the Brazilian government finally accepted to act as mediator in the
conflict between Armenians and Turks imbued with the modern humanitarianism ideas, but
guided by the pragmatism and desire for prestige in the international system.

Keywords: Armenia. Brazilian foreign policy. Armenian Cause. Epitácio Pessoa. Etienne
Brasil.
ՍԵՂՄԱԳԻՐ

Հայկական հարցի մասին Բրազիլիայի հանրությունն առաջին անգամ


տեղեկացել է 1910-ականներին` մտավորական Էթիէն Պրազիլի աշխատանքների
միջոցով: Նշված ժամանակհատվածում Բրազիլը հրատարակել է մի շարք հոդվածներ
Ռիո դե Ժանեյրոյի պարբերական մամուլի և գիտական հանրության միջոցով,
որոնցում նա նկարագել է հայերին որպես Արևելքի քրիստոնյաների, ովքեր տառապել
են բոլոր տեսակի հալածանքներից` Օսմանյան կայսրության թուրք մուսուլմանների
ձեռքին: Բրազիլի հրապարակումներն իրենց էությամբ օրիենտալիստական էին, ինչը
լայնորեն տարածված էր այդ շրջանում արևմտյան մտածողության մեջ` իբրև միջոց
ազդելու Բրազիլիայի ընթերցողների և որոշում կայացնողների վրա, որպեսզի
վերջիններս օգնեն հայերին հիմնելու Հայաստանի Հանրապետություն: Երբ 1918
թվականին Հայաստանն անկախացավ, Էթիէն Պրազիլը դարձավ առաջին հայ
դիվանագիտական ներկայացուցիչն Հարավային Ամերիկայում, ինչն էլ իրեն
հնարավորություն ընձեռեց իր խնդրագրերն հասցեագրել Բրազիլիայի
նախագահությանն ու Արտաքին գործերի նախարարությանը` փնտրելով նրանց
աջակցությունը սատարելու փխրուն հանրապետությանը, որի բնակչության
մեծամասնությունը փախստականներ էին և 1915 թվականից հետո Օսմանյան
կառավարության իրականացրած ցեղասպանությունից փրկվածներ:

Սույն ուսումնասիրությունը նպատակ ունի քննելու թե ինչպես “Հայկական


Հարցը”, որպես միջազգային համակարգում հայերի իրավական պահանջ, հասել էր
Բրազիլիա և մտել Բրազիլիայի արտաքին քաղաքականության օրակարգ: Հայկական
պահանջները քաղաքական օրակարգ էին ընդգրկվել [հարցով] հետաքրքրված մի փոքր
խմբի միջոցով, ովքեր անձնական կապերի և մամուլի ինտենսիվ քարոզչության շնորհիվ
հասանելիություն էին ձեռք բերել դեպի որոշում կայացնողները: Առաջին
աշխարհամարտից հետո Բրազիլիան փորձում էր իր տեղը վերահաստատել
միջազգային համակարգում որպես գլխավոր խաղացող: Այս համատեքստում Էթիէն
Պրազիլի կողմից Հայկական հարցը ներկայացվում էր որպես հնարավորություն` ցույց
տալու մեծ տերություններին, որ Բրազիլիան պատրաստ էր դիմակայելու ստեծված
համաշխարհային նոր սցենարի մարտահրավերներին, և, հետևաբար, արժանի էր այն
կարևոր տեղին, որին արժանացել էր 1919 թվականի Փարիզի խաղաղության
վեհաժողովում և Ազգերի Լիգայում: Վարկածը կայանում է նրանում, որ Բրազիլական
աջակցությունը Հայկական հարցին Պեսոայի վարչակազմի պրագմատիկ քայլն էր`
համաշխարհային հեղինակություն շահելու համար օրակարգ բերելով
մարդասիրություը: Սակայն սա տեղի չէր ունենում նախաձեռնողաբար: Բրազիլական
կառավարությունը պատասխանել է Ռիո դե Ժանեյրոյում ապրող այս հայերի խմբի
ճնշումներին և միջազգային ասպարեզում ամերիկյան քայլերին: Որպես այդպիսին, այս
խումբն աշխատել է իբրև սփյուռքի մի մաս` գործելով որպես համահայկական ուժ, որը
օգտվելով Բրազիլիայի քաղաքական ծակոտկենությունից, ազդեցություն է ունեցել
քաղաքական օրակարգի վրա:

Մեթոդաբանությունը բաղկացած է Բրազիլիայում և արտասահմանում գտնվող


ֆայլերի և փաստաթղթերի վերլուծության միջոցով վերականգնելով հայերի և
բրազիլացիների միջև եղած բանակցությունները` հասկանալ վերջինիս աջակցությունը
միջազգային ամբիոններում, ինչպես նաև վերլուծության ենթարկել 1910-20-ականների
Ռիո դե Ժանեյրոյի մամուլը, որը մի գործիք էր հանրային կարծիքը զգայունացնելու
միջոցով մղել Բրազիլիային միջոցներ ձեռնարկել: 1920-ականների վերջին Բրազիլիան
վերջապես ընդունում է հայերի և թուրքերի հակամարտության միջնորդի դերը`
համակված ժամանակակից մարդասիրական գաղափարներով, սակայն
առաջնորդվելով պրագմատիզմով և միջազգային համակարգում հեղինակություն ձեռք
բերելու բաղձանքով:

Բանալի բառեր. Հայաստան, Բրազիլիայի արտաքին քաղաքականություն, Հայկական


հարց, Էպիտասիո Պեսոա, Էթիէն Պրազիլ
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHI = Arquivo Histórico do Itamaraty


AN = Arquivo Nacional
ARFA = Armenian Revolutionary Federation Archives
CPDOC = Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CUP = Comitê União e Progresso
Dashnak = Federação Revolucionária Armênia, Hay Heghap‘okhakan Dashnakts‘ut‘yun
IHGB = Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IHGF = Instituto Histórico e Geográfico Fluminense
HDB/BN = Hemeroteca Digital Brasileira/Biblioteca Nacional
Hnchakyan = Partido Socialdemocrata Hnchakyan
IEB/USP = Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo
MLA/RA = Museum of Literature and Art after Yeghishe Charents
NAA/RA = National Armenian Archives/Republic of Armenia
ONU = Organização das Nações Unidas
PMDB = Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PRP = Partido Republicano Paulista
PSDB = Partido da Social Democracia Brasileira
PT = Partido dos Trabalhadores
UGAB = União Geral Armênia de Beneficência
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16
2 GENOCÍDIO, DIÁSPORA E A REPÚBLICA DE 1918-1920 ............................................ 40
2.1 O crepúsculo otomano e a questão das minorias ........................................................ 40
2.2 A questão armênia no sistema internacional .............................................................. 44
2.3 Os Jovens Turcos........................................................................................................ 48
2.4 A Grande Guerra e o Genocídio ................................................................................. 52
2.5 A República Armênia (1918-1920) ............................................................................ 59
3 A CHEGADA DA CAUSA ARMÊNIA AO BRASIL ......................................................... 71
3.1 Do sacerdócio à pena: a formação do intelectual ....................................................... 72
3.2 Orientalismo e a causa armênia .................................................................................. 83
3.3 O Povo Armênio ....................................................................................................... 107
4 DAS PALAVRAS À AÇÃO: ETIENNE BRASIL E A LEGAÇÃO ARMÊNIA NO
BRASIL .................................................................................................................................. 115
4.1 A causa armênia no Brasil pós-Grande Guerra ........................................................ 115
4.2 A institucionalização das relações armênio-brasileiras ............................................ 124
4.3 A esperança do mandato brasileiro sobre a Armênia ............................................... 139
4.4 O reconhecimento brasileiro da independência da República Armênia................... 144
4.4.1 Leilão de Almas ................................................................................................ 146
4.4.2 As repercussões de Sèvres ................................................................................ 151
4.4.3 A efetivação do reconhecimento ...................................................................... 154
4.5 A ocupação bolchevique e o fim da Legação Armênia no Brasil ............................ 157
5 A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO CONTEXTO DO MULTILATERALISMO
NAS DÉCADAS DE 1910-1920............................................................................................ 169
5.1 O Brasil na Grande Guerra ....................................................................................... 169
5.2 A participação brasileira na Conferência de Paz de Paris e na Liga das Nações ..... 172
5.3 A causa armênia na Liga das Nações ....................................................................... 179
5.4 A “missão humanitária” na Armênia e a “ilusão de poder” brasileira ..................... 182
6 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 202
Fontes listadas por arquivos consultados............................................................................ 207
Referências bibliográficas .................................................................................................. 212
Teses e dissertações ........................................................................................................ 212
Livros .............................................................................................................................. 213
Artigos e capítulos de livros ........................................................................................... 218
ANEXO .................................................................................................................................. 222
16

1 INTRODUÇÃO

No dia 29 de maio de 2015, pouco mais de um mês após os eventos de


rememoração de cem anos do início do genocídio armênio, a imprensa em Yerevan1 – capital
da República da Armênia – noticiou com empolgação que o Brasil teria reconhecido os
massacres dos armênios otomanos iniciados em 1915 como genocídio, seguindo assim, com
décadas de atraso, o que muitos países já haviam feito, incluindo os vizinhos Argentina e
Uruguai. Apesar da notícia ter sido divulgada pelo Ministério de Relações Exteriores da
República da Armênia, replicando informação da Embaixada do país em Brasília, nem a
imprensa brasileira, tampouco a Embaixada do Brasil em Yerevan confirmavam o
reconhecimento. Após alguma confusão, descobriu-se que aquilo que a Embaixada da
Armênia considerava como o reconhecimento brasileiro era, em realidade, a aprovação de
uma “Moção de Solidariedade ao povo armênio pelo transcurso do Centenário da Campanha
de extermínio de sua população”, primeiro no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional do Senado Federal e depois pelo plenário da Casa.

A notícia foi recebida com entusiasmo pela comunidade armênia no país que há
décadas buscava atingir esse objetivo e despertou a ira da República da Turquia, que chamou
o embaixador brasileiro em Ancara para prestar esclarecimentos e convocou o seu diplomata
em Brasília para consultas. Ao Itamaraty, que se viu entre uma decisão legítima do Senado
Federal e os protestos de uma nação soberana, coube lamentar a atitude de Ancara e reafirmar
o princípio da independência de poderes, numa tentativa de convencer a Turquia que as
relações bilaterais não haviam mudado desde a aproximação entre os dois países em 2009,
quando Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), fez a primeira visita
oficial de um Presidente da República Federativa do Brasil2 ao país situado entre Europa e
Ásia. Relações essas que foram definitivamente seladas no ano seguinte, quando Turquia e
Brasil sentaram-se à mesa de negociações com o Irã para discutir o programa nuclear desse

1
Em armênio Երեւան, comumente transliterado como Erevan ou Ierevan em português. Neste texto,
optou-se por usar a forma Yerevan considerando a ampla difusão que essa grafia possui na literatura e
que ela representa adequadamente a fonética da palavra no idioma armênio.
2
Em outubro de 1876, o imperador do Brasil D. Pedro II visitou o sultão Abdul-Hamid II em
Constantinopla, capital do Império Otomano. GOLDFELD, Monique Sochaczewski. O Brasil, o
Império Otomano e a Sociedade Internacional: contrastes e conexões (1850-1919). Rio de Janeiro:
Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC) como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em História, Política e Bens
Culturais, 2012, p. 151.
17

último, à revelia da política de sanções econômicas ao país dos aiatolás, defendida por
Washington e seus aliados.

De fato, restou ao governo brasileiro, encabeçado pelo PT, gerenciar a crise


diplomática causada pela moção aprovada no Senado Federal, originalmente proposta e
assinada pelos senadores paulistas Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, ambos do
oposicionista Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), aliado de primeira hora da
dinâmica coletividade armênia estabelecida, sobretudo, em São Paulo. Essa coletividade,
organizada em um eficiente grupo de pressão no ano de rememoração do centenário do
genocídio, conseguiu unificar as entidades comunitárias há muito existentes. Representados,
de um lado, por clubes, igrejas, associações beneficentes e agremiações políticas –
tradicionalmente amalgamadas pelo Consulado Geral Honorário da República da Armênia em
São Paulo – e, por outro, pela Embaixada da República da Armênia no Brasil – criada em
2010 – representante dos interesses de Yerevan no país, a comunidade pôde acionar aliados
políticos para a consecução da aprovação de um texto de alcance nacional que reconhecesse
os massacres contra a população armênia otomana a partir de 1915 como um genocídio3.

O fato de o Senado Federal tomar posição, por meio de dois parlamentares de


oposição, sobre uma questão de relações internacionais, colocando o Executivo em situação
delicada, mostra o quanto as esferas da política interna e externa estão interligadas –
sobretudo em curto-prazo – ainda que não se possa toma-las como uma só4. A comunidade
armênia possui relações de primeira hora com o PSDB desde a primeira metade dos anos
1980, quando os armênios radicados em São Paulo iniciaram um trabalho para alterar o nome
de uma estação de metrô da cidade para “Armênia”. A iniciativa sedimentou uma articulação
política que dura até os dias atuais, iniciada sobretudo com o então governador do estado de
São Paulo, Franco Montoro, do Movimento Democrático Brasileiro – mais tarde PMDB – e
alguns de seus aliados, como Fernando Gasparian, que depois viriam a fundar o PSDB,
principal aliado político dos armênios do Brasil. Esse partido governaria o país entre 1994 e
2002 com Fernando Henrique Cardoso, que nomeou o banqueiro Varujan Burmaian o

3
Os massacres de armênios promovidos pelo sultão Abdul-Hamid II nos anos 1890 e os ocorridos na
região de Adana em 1909 – cf. Capítulo I – não são considerados pela maior parte da historiografia
como parte do genocídio armênio, que usualmente tem seu marco temporal inicial em 1915.
4
MILZA, Pierre. “Política interna e política externa”. In: RÉMOND, René (org.) Por uma História
Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, 2ª ed., p. 381.
18

primeiro embaixador do Brasil na Armênia, em 20015. Serra e Nunes, dois ex-ministros de


FHC, souberam aproveitar a efeméride do centenário do genocídio e o canal aberto de diálogo
que possuem com os armênios de São Paulo para a aprovação da moção de reconhecimento,
afagando assim as lideranças comunitárias que esperavam uma decisão nesse sentido desde os
anos 1990, além de desgastar a imagem do governo do Partido dos Trabalhadores, no tocante
à política externa, sobretudo no segundo mandato de Dilma Rousseff, iniciado em janeiro de
2015. Com o processo de impeachment movido contra a presidente a partir do primeiro
semestre de 2016, que culminou no seu afastamento e na posse do vice-presidente Michel
Temer (PMDB), José Serra assumiu, em maio daquele ano, o Ministério de Relações
Exteriores, menos de um ano depois da aprovação da moção que ele ajudou a redigir. Não
obstante a esperança dos armênios que a chegada de Serra ao Itamaraty pudesse levar o
Brasil, enfim, ao reconhecimento do genocídio armênio pelo Executivo, nenhum movimento
nesse sentido foi feito. Em suma, a mudança do cenário político brasileiro colocou as
demandas armênias mais uma vez na fila de espera.

Não foi a primeira vez que os armênios do Brasil organizados em um grupo de


pressão tentaram tirar proveito do cenário político local em prol de suas reivindicações. Na
década de 1910, um pequeno grupo de imigrantes radicados no Rio de Janeiro liderados por
um ex-padre pressionou o governo brasileiro a defender os interesses de seu povo, que
almejava a criação de um Estado independente em territórios que englobavam o decadente
Império Otomano e a agitada Rússia bolchevique. Para o intelectual, ex-sacerdote da Igreja
Católica e primeiro representante diplomático da Armênia na América do Sul, nomeado em
1919, que atendia pelo nome de Etienne Brasil, o reconhecimento por parte do governo
brasileiro da pequena recém-independente República Armênia e o apoio do Brasil às
reivindicações territoriais daquele país equivaleriam ao reconhecimento dos muitos mortos
nos massacres perpetrados pelo governo otomano a partir de 1915. Por meio de uma intensa
ofensiva na imprensa e nos palácios do Itamaraty e do Catete, os armênios liderados por
Etienne Brasil lançavam mão da imagem de uma Armênia cristã martirizada por “bárbaros”
turcos muçulmanos para mobilizar tanto a opinião púbica do país quanto os tomadores de
decisão a intervirem em prol deles no contexto do pós-guerra, inicialmente na Conferência de
Paz de Paris em 1919 e, em seguida, na recém-criada Liga das Nações. Aos armênios,
interessava acreditar na imagem propagandeada pelo governo brasileiro do país como uma

5
Em 2011, a viúva de Varujan Burmaian, Hilda Diruhy Burmaian, foi designada Cônsul-geral
honorária da República da Armênia em São Paulo.
19

potência emersa após 1918, que se colocava no cenário internacional como líder dos países
latino-americanos ou até como locomotiva das nações americanas, quando os Estados Unidos
da América não preenchiam tal espaço. Assim, a consecução do apoio brasileiro à causa dos
armênios poderia ser celebrada pela pequena comunidade armênia do Brasil e, sobretudo, por
suas lideranças, como uma grande vitória político-diplomática.

O governo Epitácio Pessoa, embora receptivo às visitas e missivas de Etienne


Brasil e seus aliados, deu atenção moderada aos clamores dos armênios até o final de 1920,
quando a questão se tornou o principal ponto de pauta das Potências durante um esforço da
Liga das Nações e do presidente norte-americano Woodrow Wilson de frear as animosidades
entre armênios e turcos e estabelecer as fronteiras de ambos os países e a paz na região. Foi
então que o Brasil resolveu, lançando mão de um discurso humanitarista, por reconhecer a
independência da República Armênia e aceitou o convite da Liga das Nações e de Wilson,
para compor uma coalização que iria “pôr termo à situação de sofrimento da Armênia”, nas
palavras do Ministro de Relações Exteriores de Epitácio Pessoa. Todavia, a ocupação
bolchevique da pequena república no Cáucaso poucas semanas depois, na virada de novembro
para dezembro de 1920, inviabilizou a concretização dos planos da Liga e a participação
brasileira, que Etienne acreditava que pudesse se transformar num mandato do Brasil sobre a
Armênia, com a chancela de Genebra e Washington. A partir de então, restou ao diplomata de
uma nação ocupada pelo Exército Vermelho vociferar, sem sucesso, contra os bolcheviques e
articular para que o Brasil recebesse os refugiados armênios que se acumulavam aos milhares
no Levante.

Esta pesquisa tem como finalidade examinar como a chamada “causa armênia” –
conjunto de reivindicações jurídicas do povo armênio no sistema internacional6 – chegou ao
Brasil, ocupando um espaço nas páginas dos principais jornais do país nos anos 1910 e
reverberando na agenda da política externa brasileira, sobretudo no pós-guerra. Interessa,
principalmente, compreender como as demandas armênias foram inseridas nessa agenda a
partir de um grupo de interesse de tamanho reduzido, mas que logrou êxito em ter acesso aos
corredores dos palácios do Catete e Itamaraty por meio de conexões pessoais, intensa
propaganda na imprensa e uma leitura da política internacional que indicava que o Brasil
tentava se reposicionar no sistema internacional como um ator de primeiro escalão,

6
OHANIAN, Pascual Carlos. La Cuestión Armenia y las Relaciones Internacionales. Buenos
Aires/Yerevan: Academia Nacional de Ciencias de la Republica de Armenia, 2005, tomo V - 1919, p.
23.
20

aproveitando a crise europeia após quatro anos de guerra e o crescimento do poder dos EUA,
importante aliado desde o advento da República. Nesse contexto, a causa armênia era
apresentada por Etienne Brasil e seus aliados como uma oportunidade para o governo de
Epitácio Pessoa mostrar às Potências que o país estava pronto para lidar com assuntos
delicados no cenário global – abandonando a América do Sul como área de atuação por
excelência da política externa brasileira – e, portanto, merecedor do lugar de destaque que o
Brasil recebeu na Conferência de Paz de Paris em 1919 e na Liga das Nações. A hipótese aqui
sustentada é que o apoio brasileiro à causa armênia foi um ato pragmático do governo
Epitácio Pessoa que buscava, por meio de uma pauta humanitarista, angariar prestígio para o
Brasil no sistema internacional. Todavia, isso não se deu de maneira proativa. O governo
brasileiro reagiu às pressões desse grupo formado por poucas dezenas de armênios radicados
no Rio de Janeiro – e aos acenos de Woodrow Wilson no cenário internacional. Desse modo,
é crucial compreender como esse grupo funcionou como parte de uma diáspora interconectada
em diferentes partes do globo, atuando como uma força transnacional e que conseguiu
aproveitar a permeabilidade do sistema político brasileiro na Primeira República para inserir
suas demandas.

O recorte temporal da pesquisa inicia-se em 1912, quando Rio Branco deixou o


Ministério das Relações Exteriores do Brasil, marcando o fim de uma gestão que selou a
aproximação pragmática com os EUA, e termina em 1922, quando o mandato de Epitácio
Pessoa – iniciado em 1919 – se encerra, assim como o ápice das relações entre Brasil e EUA
na Primeira República, relações essas que foram decisivas no envolvimento brasileiro na
Grande Guerra do lado dos Aliados. Por outro lado, o recorte temporal também possui uma
razão de ser intrínseca às fontes analisadas: entre 1912 e 1922, Etienne Brasil trabalhou para
difundir a causa armênia, escrevendo inúmeros artigos para a imprensa, proferindo palestras,
publicando livros e exercendo atividade diplomática junto ao governo brasileiro. Essas
atividades podem ser rastreadas a partir de arquivos no Brasil, EUA e Armênia, desde seu
primeiro artigo publicado sobre os armênios em 1912 até suas últimas tentativas de fazer com
que o Brasil recebesse refugiados em 1922.

Décadas mais tarde, a causa armênia receberia mais um ponto para a sua vasta
pauta de reivindicações: o reconhecimento por parte da República da Turquia e da
comunidade internacional dos massacres ocorridos entre 1915 e 1923 contra a população
armênia otomana como um genocídio, termo que embora tenha uso corrente nos dias de hoje,
não surgiu antes dos anos 1940. Em 1944, o jurista judeu-polonês Raphael Lemkin publicou
21

sua obra O Domínio do Eixo na Europa Ocupada7, cujo capítulo IX intitulado Genocídio
apresentava ao mundo essa palavra que une o antepositivo grego génos – raça ou tribo, na
tradução de Lemkin – ao pospositivo latino -cidĭum – ação de matar – para gerar um termo
que expressasse o que Winston Churchill chamou alguns anos antes de “crime sem nome” 8.
Após a II Guerra Mundial, com intenso e obstinado trabalho de bastidores na recém-criada
Organização das Nações Unidas, Lemkin conseguiu que a entidade aprovasse a “Convenção
para a prevenção e a repressão do crime de Genocídio” em 9 de dezembro de 1948, que
definiu genocídio como um crime pelo direito internacional.

Embora alguns intelectuais armênios – e o próprio Lemkin – já usassem o termo


“genocídio” para se referir ao massacre de armênios pelo governo otomano, foi a partir de
1965, com o 50º aniversário do genocídio sendo rememorado por meio de uma manifestação
com dezenas de milhares de pessoas em Yerevan, capital da República Socialista Soviética da
Armênia, que armênios de todo o mundo inseriram definitivamente o vocábulo em seu léxico
político, jurídico e acadêmico, pedindo uma solução à “questão armênia”, isto é, a anexação
dos territórios orientais da República da Turquia tal como previsto pelo Tratado de Sèvres de
19209. Os sucessivos governos da Turquia, desde Mustafá Kemal – posteriormente alcunhado
de Atatürk – receiam os clamores armênios e refutam as alegações de um extermínio
sistemático daquela população pelo governo otomano – do qual a moderna República da
Turquia é sucessora –, temerosos que as reivindicações colocassem em risco sua integridade
territorial e, no limite, sua própria existência. Essa postura negacionista pode ser explicada,
em parte, pela política de expropriação econômica dos armênios do Império Otomano levada
a cabo na década de 1910, que transferiu propriedades e fontes de renda dessa comunidade à
população muçulmana que havia sido expulsa dos Bálcãs no contexto de independência dessa
região, enquanto os antigos donos desses bens eram deportados ou eram mantidos em campos
de refugiados10. Em suma, reconhecer que o genocídio foi parte de uma política de

7
LEMKIN, Raphael. El Dominio del Eje en la Europa Ocupada. Buenos Aires: Prometeo Libros;
Eduntref, 2009.
8
POWER, Samantha. Genocídio: a retórica norte-americana em questão. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004, p. 54.
9
BLOXHAM, Donald. The Great Game of Genocide: imperialism, nationalism, and the destruction of
the Ottoman Armenians. Nova York: Oxford University Press, 2005, p. 215.
10
Cf. ÜNGÖR, Ugur Ümit; POLATEL, Mehmet. Confiscation and Destruction: The Young Turk
seizure of Armenian Property. Nova York/Londres: Continuum, 2011.
22

“redistribuição forçada de renda”11 seria assumir os riscos de arcar com uma política
compensatória que ameaçaria a burguesia nacional que impulsionava o nacionalismo turco no
apagar das luzes do Império e no raiar da República12. A negação do genocídio está, portanto,
no cerne da identidade nacional turca.

Desde a publicação da obra de Lemkin em 1944 e a convenção da ONU em 1948,


muitos acadêmicos propuseram interpretações diferentes daquela do criador da palavra ou do
conceito “onusiano”, assim chamado por Jacques Sémelin13. A convenção da ONU define
genocídio como atos “[...] cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um
grupo nacional, étnico, racial ou religioso” 14, excluindo grupos políticos do rol de grupos-
alvo da violência genocida e dando demasiada ênfase na intencionalidade do perpetrador, ao
invés de considerar “a estrutura de conflito dentro da qual se desenvolvem as tentativas de
destruir populações e grupos”15. A natureza restritiva do conceito onusiano foi aprofundada
por alguns genocide scholars, que fragmentaram a palavra de Lemkin em outros conceitos
como “limpeza étnica”, “generocídio” ou “politicídio”. Diante desse cenário, pesquisadores
como o sociólogo britânico Martin Shaw têm proposto retomar as ideias de Raphael Lemkin
para erigir um conceito de genocídio para as ciências sociais que recupere sua capacidade
descritiva e explicativa, evitando que seja esvaziado por outros conceitos propostos por
acadêmicos que entendem, balizados pelo entendimento onusiano, que genocídio é um termo
demasiadamente restritivo, ou que seja, por outro lado, tão amplo a ponto de se tornar
sinônimo de mortes em massa.

Nesse sentido, para Martin Shaw genocídio é:

uma forma de conflito social violento ou guerra entre organizações de poder


armadas e grupos sociais civis, que leva a destruição desses grupos e de
outros atores que resistam a essa destruição. [...] O conceito de ação
genocida [...] pode ser definido como a ação na qual as organizações de
poder armado tratam os grupos civis como inimigos e levam a destruir seu

11
DADRIAN, Vahakn N. “Configuración de los genocidios del siglo veinte”. In: FEIERSTEIN,
Daniel (org.). Genocidio: la administración de la muerte en la modernidad. Buenos Aires: Eduntref,
2005, pp. 94-95.
12
BLOXHAM, D. op. cit., p. 14.
13
Cf. SÉMELIN, Jacques. Purificar e Destruir: usos políticos dos massacres e dos genocídios. Rio de
Janeiro: Difel, 2009.
14
Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio (1948)”. In: ISHAY, Micheline R. (org.). Direitos Humanos: uma antologia –
principais escritos políticos, ensaios, discursos e documentos desde a Bíblia até o presente. São Paulo:
Edusp, 2013.
15
SHAW, Martin. ¿Qué es el genocidio? Buenos Aires: Prometeo Libros/Eduntref, 2013, p. 17.
23

poder social real ou putativo por meio de matança, violência e coerção


contra indivíduos que consideram como membros do grupo.
Portanto, genocídio é um tipo de conflito social desigual entre dois conjuntos
de atores que é definido primariamente pelo tipo de ação levada a cabo pelo
lado mais poderoso16.

Assim, Shaw reconhece, ao mesmo tempo, a desigualdade de forças existente


entre perpetradores e grupo-alvo, sem, todavia, transformar o processo genocida em um
fenômeno unilateral, retirando do último qualquer tipo de capacidade de resistência e
transformando seus membros simplesmente em vítimas. Além disso, ao considerar genocídio
um conflito, ele acompanha o também sociólogo Zygmunt Bauman e normaliza o fenômeno,
sem tratá-lo como um hiato, como uma “ferida ou doença de nossa civilização”, mas como
“seu horrendo mas legítimo produto”17. Considera-se valiosa a definição de Shaw pois ela
“propõe restaurar o conceito de genocídio como uma categoria geral, capaz de servir como
um marco para a interpretação da ação violenta contra populações civis”, na medida em que o
foco não está na intenção de destruir um grupo no todo ou em parte por meio de certas ações
de violência – como prevê o conceito onusiano –, mas em “um tipo geral de ação social,
caracterizado pela combinação de objetivos destrutivo-sociais e modalidades violentas e
coercitivas, que estabelece um tipo especial de conflito social violento”18 (grifos do autor).
Tais objetivos destrutivo-sociais, é necessário dizer, não se referem somente ao extermínio
físico de pessoas, mas também a “destruir o poder social dos grupos no sentido econômico,
político e cultural”19.

Ainda que haja debates políticos e jurídicos acerca da aplicabilidade do conceito


de genocídio ao caso armênio20, do ponto de vista das ciências sociais não se trata mais de
provar se ocorreu ou não genocídio contra a população armênia otomana. Afora alguns

16
“[…] una forma de conflicto social violento o guerra, entre organizaciones de poder armadas que
apuntan a destruir grupos sociales civiles y esos grupos y otros actores que resisten esta destrucción.
[…] el concepto de acción genocida puede ser definido como acción en la que organizaciones de
poder armado tratan a los grupos sociales civiles como enemigos y apuntan a destruir su poder social
real o putativo, por medio de matanza, violencia y coerción contra individuos a los que consideran
como miembros del grupo.
Por tanto, el genocidio es un tipo de conflicto social desigual entre dos conjuntos de actores, que es
definido primariamente por el tipo de acción llevada a cabo por el lado más poderoso”. Ibid., p. 247.
17
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 14.
18
“[…] un tipo general de acción social, caracterizado por la combinación de objetivos destuctivo-
sociales y modalidades violentas y coercitivas, que establece un tipo especial de conflicto social
violento”. SHAW, M. op. cit., p. 248.
19
“[...] destruir el poder social de los grupos en el sentido económico, político y cultural”. Ibid., p.
249
20
Cf. LOUREIRO, Heitor. “Diálogos entre História e Direito: o conceito de genocídio e o caso
armênio” In: Revista Fórum de Ciências Criminais. Belo Horizonte: Fórum, v. 1, 2015, pp. 161-182.
24

poucos acadêmicos que se arriscam a relativizar o que eles chamam de “acontecimentos de


1915”, a literatura atual sobre o tema não está debatendo se o genocídio ocorreu, mas como e
porque ocorreu, e, principalmente, quais foram as suas consequências. Nas palavras do
historiador Donald Bloxham, “o assassinato orquestrado dos armênios é tomado como um
dado, um ponto de partida para a discussão e não o ponto de chegada”21. Para Richard G.
Hovannisian:

O que ainda está em discussão é se o genocídio foi premeditado antes do


início da I Guerra Mundial em 1914 ou se as políticas da “guerra total”
simplesmente se desenrolaram de forma natural depois da entrada da
Turquia no conflito e logo as coisas pioraram por causa das distintas
medidas repressivas, e a decisão de deportar a maior parte da população
armênia foi se deteriorando ou se radicalizando até chegar às formas mais
extremas de perseguição e alcançar um ponto que não havia mais volta: o
genocídio22.

Com isso em mente, cabe a advertência que esta pesquisa não se enquadra nos
chamados genocide studies, pois não há a pretensão de discutir pormenorizadamente o
genocídio armênio que também aqui é tomado como dado. O que está em tela é a diáspora
armênia que é, enquanto tal, consequência direta do genocídio, o que faz com que haja um
diálogo permanente com os estudos do genocídio, mas sempre em direção aos estudos da
diáspora de forma a compreender a relação existente entre pátria-mãe, país receptor e agentes
da diáspora. Dessa forma, importa entender os pontos de contato entre a política interna e
externa do Brasil, sobretudo no governo Epitácio Pessoa, além de compreender como uma
realidade estrangeira foi compreendida por uma coletividade nacional, isto é, a elite política
brasileira da virada dos anos 1910-192023.

Assim como genocídio, o conceito de diáspora também adquiriu uso corrente,


ocultando suas origens e diluindo seu poder de conceito explicativo nas Ciências Sociais. É
comum encontrarmos usos dessa palavra designando toda uma variedade de dispersões e
migrações, nem sempre contando com uma elaboração teórica para estabelecer o que de fato
entende-se por tal. Um exemplo desse uso é o livro “Uma Diáspora descontente: os nipo-
21
BLOXHAM, D. op. cit., p. 20.
22
“Lo que aún está a discusión es si el genocidio fue premeditado antes del estallido de la Primera
Guerra Mundial en 1914 o si las políticas de la ‘guerra total’ simplemente se desarrollaron de forma
natural después de la entrada de Turquía en el conflicto y las cosas logo empeoraron a causa de las
distintas medidas represivas, y la decisión de deportar a la mayor parte de la población armenia fue
deteriorándose o radicalizándose hasta llegar a las formas más extremas de persecución y alcanzar el
punto de no retorno: el genocidio”. HOVANNISIAN, Richard G. “El genocidio armenio,
radicalización bélica o proceso continuo premeditado? In: Istor: revista de história internacional.
Cidade do México: Cide, ano xv, número 62, 2015, pp. 48-49.
23
MILZA, P. op. cit., p. 366.
25

brasileiros e os significados da militância étnica”24, do historiador norte-americano Jeffrey


Lesser, no qual o termo “diáspora” está presente no título, mas paira sobre a obra sem uma
ancoragem teórica que faça dele mais do que um sinônimo geral de dispersão ou migração.
Outros usos mais inadvertidos podem ser mencionados, como os que falam de uma “diáspora
do Katrina”, isto é, uma dispersão temporária causada por um desastre climático, ou até
mesmo de uma “diáspora gay”, ou seja, um grupo de pessoas espalhadas pelo mundo que
partilham de uma característica em comum e, ocasionalmente, se articulam em torno das
mesmas pautas políticas. Para Khachig Tölölyan “diáspora” é um conceito em disputa, em
necessidade permanente de discussão e reconstrução. Para o autor, é um erro utilizar a ideia
de diáspora para qualquer tipo de dispersão, uma vez que esse último conceito é mais
abrangente do que o primeiro25.

O conceito de diáspora aplicado às Ciências Sociais é de uso recente, mas isso não
quer dizer que o fenômeno seja algo novo na História. Em realidade, para Tölölyan, as
diásporas são mais antigas do que o Estado-nação. As diásporas judaica, armênia e grega
existem a mais tempo do que os Estados de Israel, Armênia e Grécia, mencionando apenas as
três diásporas chamadas por ele de “clássicas” 26.

Diáspora contém o radical proto-indoeuropeu “spr”, também presente em palavras


como dispersão, espalhar e esperma – ou ainda na palavra inglesa spread ou no equivalente
armênio: spyurk – termos que designam algo de uma origem única que, por um determinado
motivo, se propaga27. Antes dos anos 1960, a palavra encontrava sinônimos em termos como
dispersão, grupos exilados, comunidades do além-mar, minorias raciais ou étnicas, dentre
outros, enquanto as três “diásporas clássicas” mantinham uma ideia em comum: a de serem
formações sociais originadas de um fenômeno de violência que culminou na expulsão de um
determinado território entendido por eles como “terra natal”. Após emigrarem, esses grupos
de pessoas mantêm laços comuns de identidade que os ligam à terra natal – que pode ser um
Estado nacional de fato ou uma entidade imaginada – e os diferenciam na sociedade
receptora. Esse conceito de diáspora atrelado aos tipos clássicos, requer um senso de

24
LESSER, Jeffrey. Uma Diáspora descontente: os nipo-brasileiros e os significados da militância
étnica 1960-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
25
TÖLÖLYAN, Khachig. “The contemporary discourse of Diaspora Studies” In: Comparative Studies
of South Asia, Africa and the Middle East. Duke University Press, vol. 27, n. 3, 2007, p. 644.
26
Idem. “Rethinking Diaspora(s): Stateless Power in the Transnational moment. In: Diaspora: 5:1,
1996, p. 3.
27
Ibid., p. 10.
26

identificação entre seus membros, sejam entre os que estão em sociedades receptoras, sejam
entre os que estão na região de origem28.

Porém, essa definição eliminava algumas comunidades, sobretudo africanas.


Então, por volta de 1965, intelectuais negros começaram a defender a existência de uma
diáspora africana, pois eles também emigraram após um fenômeno de violência sem
precedentes – a escravidão – e a experiência do racismo os uniria enquanto uma
comunidade29. Há, assim, um novo entendimento de diáspora que o distancia da ideia de
dispersão. Para erigir esse conceito, é necessário observar os pontos que distinguem ambas as
ideias: 1) uma diáspora é originada num evento catastrófico, o que envolve trauma, memória,
comemoração e luto; 2) grupos diaspóricos têm uma identidade cultural coletiva que
intenciona preservar elementos como língua, práticas culturais ou religiosas, de forma que
permaneçam intactas ou se integrem de forma parcial na sociedade receptora, criando o
fenômeno que é mais comumente conhecido como hibridismo; 3) os grupos diaspóricos
possuem uma forte ideia de retorno, sobretudo aquelas diásporas oriundas de catástrofes como
genocídios. Esse retorno nem sempre é físico, mas também pode se dar na forma de envio de
remessas financeiras, viagens turísticas ou culturais e lobbying na sociedade receptora para
beneficiar de alguma forma a terra natal e, finalmente; 4) uma diáspora, ao contrário de uma
dispersão, não entraria, necessariamente, em colapso após algumas gerações porque seus
membros deixariam de se sentirem parte de algo externo e se considerariam completamente
integrados à sociedade receptora. Os membros da diáspora permanecem com a sua identidade
híbrida, valorizando ambos os pertencimentos30 e criando etnicidades hifenizadas, na
expressão de Lesser31.

Temos que pensar diáspora para além de um conceito em si mesmo e como pode
ser aplicado às ciências sociais, sobretudo com enfoque para as análises de relações
internacionais, observando como grupos diaspóricos podem atuar como forças transnacionais,
influenciando na ação de Estados nacionais e organismos interestatais. Inserir o conceito de
diáspora na análise significa contribuir para a construção de abordagens mais complexas que
visem a apreensão de atores sociais para além da esfera de Estados e instituições. Em trabalho
seminal, Yossi Shain e Aharon Barth discutem como o estudo das diásporas deve fazer parte

28
TÖLÖLYAN, K. op. cit., 2007, p. 642.
29
Ibid.
30
Ibid., pp. 648-9.
31
LESSER, Jeffrey. A Negociação da Identidade Nacional: imigrantes, minorias e a luta pela
etnicidade no Brasil. São Paulo: Unesp, 2001.
27

da teoria das Relações Internacionais. Para eles, as diásporas exercem uma função ímpar ao
influenciarem no funcionamento da terra natal a partir de ações praticadas nas sociedades
receptoras32. Contudo, a definição dos autores difere um pouco da formulação interdisciplinar
oriunda dos Estudos Culturais de Khachig Tölölyan. Para Shain e Barth, a ideia do trauma
fundador não está presente, tampouco o retorno. Mesmo assim, os pesquisadores abordam
como a diáspora age enquanto força transnacional para influenciar as decisões políticas na
terra natal. Nesse sentido, destacam a motivação principal para que um grupo diaspórico
intervenha nos assuntos da pátria-mãe, isto é, a impressão de que as decisões tomadas por lá
afetam todo o povo e não apenas os residentes. Não raramente, as diásporas têm relações
internacionais próprias que divergem daquelas da pátria-mãe.

Nesta pesquisa interessa observar como as diásporas podem agir não para
influenciar a pátria-mãe ou terra natal, mas a sociedade receptora e seus tomadores de
decisão, em prol de uma política externa que beneficie de alguma maneira o país de origem.
Essa capacidade depende da coesão interna do grupo étnico e do trânsito que possuem nas
esferas decisórias do país onde estão radicados33. Bons exemplos são os trabalhos das frações
diaspóricas armênias ao redor do mundo para obterem o reconhecimento do genocídio
armênio, ou ainda o lobby judaico nos EUA para manter o apoio norte-americano ao Estado
de Israel. Portanto, não podemos obliterar o papel que essas pessoas exercem nas relações
internacionais quando conseguem se reorganizar em comunidades em todos os cantos do
planeta. Uma vez estabelecidas e tendo condições materiais, essas comunidades de imigrantes
iniciam um trabalho de reconstrução das redes de sociabilidade, evoluindo rapidamente para a
criação de uma pauta política que, frequentemente, se volta contra os causadores da violência
em massa responsável pela dispersão.

Aqui, é necessário fazer uma diferenciação entre os termos pátria-mãe e terra


natal, tendo em vista as peculiaridades da ideia de nação para os armênios. Para a maior parte
dos armênios dispersos nos anos 1910 e 1920, a terra natal imaginada – no sentido de local de
nascimento – não era a república proclamada em 1918, tampouco a Armênia Soviética, a
partir de 1920. Para eles, dispersados pela violência genocida do governo otomano entre a
última década do século XIX e as primeiras do século XX, a terra natal imaginada eram as

32
SHAIN, Yossi & BARTH, Aharon. “Diasporas and International Relations Theory” In:
International Organization. Cambridge: the IO Foundation, n. 57, 2003, p. 451.
33
Cf. OGELMAN, Nedim; MONEY, Jeannette; MARTIN, Philip L. “Immigrant cohesion and
political access in influencing host country foreign policy”. In: SAIS Review. Baltimore: The Johns
Hopkins University Press, Vol. 22, n. 2, 2002.
28

vilas e cidades do Império Otomano. Até a segunda metade dos oitocentos, a ideia de uma
“nação” armênia no Império era restrita a noção de uma comunidade religiosa – conhecida
pela denominação em turco-otomano millet – cuja autoridade máxima era o patriarca da
Igreja. A partir de 1848, estudantes armênios radicados em Veneza e Paris foram os
propulsores de um movimento literário que arraigou tanto a língua armênia quanto as ideias
de pátria ou nação, criando espaços alternativos de pertença nacional fora dos limites da Igreja
e permitindo que armênios na Europa, Anatólia e Cáucaso compartilhassem ou disputassem
visões de nação. Essa possibilidade de imaginar a nação armênia emergiu justamente,
seguindo Benedict Anderson, quando essa elite intelectual que pendulava entre cidades
europeias e a terra natal – seja no Império Otomano ou Russo – logrou êxito em quebrar o
predomínio da Igreja no acesso à verdade ontológica por meio da escrita e na naturalização da
verticalidade social – na qual o patriarca da Igreja Apostólica Armênia seria o líder da nação,
pois assim definia as leis e costumes otomanos34. Após grade disputa entre diferentes grupos
de interesses dentro do millet e tensões com a Sublime Porta, o governo otomano aceitou em
1863 um texto laico que regulava direitos e deveres dos armênios no Império, conhecido pelo
nome de “constituição nacional armênia”, que garantia a eles certa autonomia cultural e
religiosa35. A partir desse momento começou a existir a construção de uma ideia de nação
para além dos limites de uma comunidade religiosa dentro do Império Otomano e passava a
tomar forma a ideia de Armênia enquanto Estado-nação independente, com fronteiras,
símbolos e tradições próprias, distintas daquelas dos impérios Otomano, Russo e Persa, onde
os armênios eram autóctones, e, portanto, tinham como terra natal, mas já não como pátria.
Há, então, a invenção da Armênia enquanto pátria-mãe de todos os armênios, ainda que suas
fronteiras físicas e mentais sejam fluidas. Essa fluidez fica clara quando da independência da
pequena República Armênia em 1918. Algumas lideranças armênias na diáspora, como
Boghos Nubar, se recusaram por algum tempo de chamar o país na Transcaucásia de
“Armênia” – assim como fariam os anticomunistas quando da existência da Armênia
Soviética alguns anos mais tarde – pois esse não abrangia os territórios pleiteados junto ao
Império Otomano nos fóruns internacionais, sobretudo as províncias orientais e a Cilícia, terra
natal para a maior parte dos armênios na diáspora. Dessa forma, quando nos referimos aqui a
pátria-mãe pela qual Etienne Brasil, diplomata armênio no Rio de Janeiro, trabalhava para ser
(re)conhecida e amparada pelo seu país receptor, temos em mente uma nação imaginada como

34
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a expansão do
nacionalismo. Edições 70: Lisboa, 2012, pp. 56-57.
35
TERNON, Yves. Les Arméniens: histoire d’un génocide. Paris: Seuil, 1996, 2ª ed., pp. 50-53.
29

o lar nacional de todos os armênios, ainda que, na realidade, aqueles territórios, bandeira e
idioma36 fossem estranhos para a maior parte deles.

Nas sociedades receptoras, as comunidades diaspóricas se organizam em grupos


de interesse em busca de “pontos de acesso” nos governos locais para inserirem suas pautas e
influenciarem os tomadores de decisão, tornando-se assim grupos de pressão. As táticas para
atingir seus objetivos podem variar de acordo com as características do grupo de pressão, mas
genericamente são delineadas por investidas pessoais, ações coletivas – como uma
manifestação, por exemplo – propaganda e mobilização da opinião pública local para o apoio
às reivindicações feitas37. Para Alexandre Sanson:

A análise dos grupos de interesse – atores coletivos representativos da


diversidade setorial em sociedades complexas, que espelham, quando
albergados por um ordenamento jurídico, o pluralismo de modos de vivência
necessário aos regimes democráticos, com cenário de ação específico e cujos
fins originais possam ser não-políticos –; introduz a discussão nas camadas
intermediais entre indivíduo e Estado, sendo organismos por meio dos quais
seus membros, em virtude de característica, atividade ou necessidade
comum, buscam a consecução de resultado inalcançável isoladamente,
podendo, inclusive, limitar seus esforços estritamente a um assunto (single-
issue). Trata-se, inegavelmente, de forças sociais que não monopolizam
todas as ações humanas, havendo um campo decisório íntimo, mas, em
coletividades gradualmente maiores – macrocosmos de múltiplos
agrupamentos –, concentram, concomitantemente, grande parte das distintas
facetas conviventes na pessoa (e.g. profissional, espiritual, ideológico)38.

No caso em tela, a análise é feita a partir da ação de Etienne Brasil e um pequeno


grupo de armênios radicados no Rio de Janeiro, que formaram de maneira espontânea um
grupo de interesse buscando oferecer à sociedade receptora informações sobre os armênios e o
tratamento dado a esse povo no Império Otomano, retomando a imagem de um povo cristão

36
A língua armênia tem dois dialetos principais: o armênio ocidental, então falado no Império
Otomano, que era, grosso modo, o dialeto usado pela comunidade armênia em Constantinopla e
elevado ao status de dialeto “padrão” pelos intelectuais armênios na capital otomana no século XIX; e
o armênio oriental, alavancado ao status de língua literária também no século XIX pela
intelectualidade armênia baseada em Tiflis, falado na Armênia Russa e Pérsia. Para além das
subdivisões da língua armênia – inclua-se ainda o grapar, ou armênio clássico, utilizado pela Igreja –
deve-se ter em consideração que a língua franca para os armênios otomanos era o turco-otomano,
idioma que, não raramente, era o único falado por armênios em algumas regiões, o que parece ser o
caso de Etienne Brasil. Cf. KARAPETIAN, Shushan. How Do I Teach My Kids My Broken
Armenian?: A Study of Eastern Armenian Heritage Language Speakers in Los Angeles. Los Angeles:
Ph.D., Near Eastern Languages & Cultures, 2014.
37
RODRIGUES, Leda Boechat. “Grupos de pressão e grupos de interesse”. In: Curso de Introdução à
Ciência Política. Brasília: Centro de documentação política e relações internacionais da Universidade
de Brasília, 1974, p. 146.
38
SANSON, Alexandre. Dos Grupos de Pressão na Democracia Representativa: os limites jurídicos.
São Paulo: Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como requisito para
obtenção do título de Doutor em Direito do Estado, 2013, pp. 93-94.
30

oprimido por muçulmanos e que, por isso, mereciam apoio do mundo ocidental “civilizado”,
na luta contra a “barbárie”. A partir de 1918 e o estabelecimento da República Armênia, esse
grupo de interesse se converteu em um grupo de pressão, quando Etienne Brasil coordenou
investidas pessoais e coletivas nos pontos de acesso aos tomadores de decisão do governo
brasileiro – sobretudo no Itamaraty, mas também no Catete durante o governo Epitácio Pessoa
– a fim de envolver o Brasil no esforço costurado nos bastidores da Conferência de Paz de
Paris para garantir aos armênios um Estado independente com as dimensões territoriais
historicamente almejadas, dilapidando assim a porção oriental do recém-derrotado Império
Otomano. O auge da pressão dos armênios no Brasil ocorreu quando Etienne obteve
permissão para representar diplomaticamente o país junto ao governo brasileiro. Utilizando
conexões pessoais construídas ao longo de anos de trabalho no Rio de Janeiro como
sacerdote, professor, jornalista e membro de diversas instituições educacionais e intelectuais,
Etienne identificou os pontos de acesso, conseguindo assim interpelar diretamente o
Presidente da República Epitácio Pessoa – numa quebra do protocolo diplomático – desejoso
que o Brasil reconhecesse a independência da Armênia e tomasse partido o mais rápido
possível em um esforço internacional coordenado pela Liga das Nações para garantir a
estabilidade do país e afastar a ameaça turca sobre os territórios prometidos aos armênios.

Contudo, por mais habilidoso e audaz que fosse Etienne Brasil no seu papel de
convencimento e por mais eficazes que fossem seus contatos e estratégias para ser recebido e
ouvido no Itamaraty e Catete, suas investidas precisavam ter lastro moral, político e
econômico para que as reivindicações de um pequeno e longínquo país fizesse sentido no
Brasil da virada dos anos 1910-1920. Para tanto, o intelectual apostou no binômio
pragmatismo x humanitarismo para convencer a sociedade receptora e tomadores de decisão
de que apoiar a causa armênia seria do interesse brasileiro.

Por pragmatismo, Etienne Brasil e seus compatriotas propagandeavam as


vantagens comerciais que o Brasil teria ao reconhecer a República Armênia, para onde
poderia vender café e demais produtos agrícolas, comprar azeite, tapetes e outros produtos
orientais, além de poder utilizar os serviços de comerciantes armênios estabelecidos nos
principais portos do Oriente Médio para a troca de mercadorias. Além disso, o intelectual e
diplomata lembrava que o governo brasileiro, ao apoiar e ajudar os armênios, se colocaria
entre as nações de vanguarda no sistema internacional ao mostrar às demais nações – e
principalmente aos EUA – que o país figurava no rol das Potências no pós-guerra.
31

No campo humanitário, o intelectual fazia questão de ressaltar, sempre que tinha


oportunidade, a herança cristã dos armênios e os esforços que esse povo fez em prol dos
aliados durante a Guerra e o alto preço pago em vidas humanas, seja em baixas no front de
batalha, seja em massacres organizados pelo governo otomano. Não era raro apresentar, nas
narrativas de armênios e apoiadores, seja no Brasil, no América do Norte ou na Europa, a
Armênia enquanto último bastião cristão no Oriente, cujo papel seria crucial na defesa do
cristianismo e civilização contra a barbárie muçulmana39. A estratégia era criar uma
“compaixão organizada” no Ocidente para o sofrimento armênio, o que o historiador norte-
americano Keith David Watenpaugh identifica como a origem do “humanitarismo moderno”.
Segundo ele, a Guerra e o genocídio armênio causaram um número nunca antes visto de
refugiados e minorias perseguidas, o que gerou mobilização na Europa e Américas para
ajudar os que se encontravam em dificuldade no chamado Mediterrâneo Oriental. Estima-se
que, ao final da Grande Guerra, existiam 300 mil refugiados armênios, dos quais 285 mil
estavam provisoriamente assentados em territórios do Oriente Médio, sobretudo no Levante40.
A Guerra deu ensejo à criação do humanitarismo que superou o modelo de ajuda de grupos de
missionários por um tipo secular41.

O humanitarismo moderno tem, segundo Watenpaugh, quatro componentes-


chave: primeiro, uma definição de sofrimento que vai além de fome ou morte e inclui aspectos
sociais, políticos, legais e culturais; segundo, o uso da História e das Ciências Sociais para
categorizar tal sofrimento; terceiro, ele mescla as ideias de civilização e humanidade e
equipara uma noção ecumênica de cristianismo à de “civilização”; e por último, o uso de uma
linguagem reformista em termos políticos e sociais e o que era chamado na época de
“filantropismo científico” para encaminhar a assistência aos que sofrem42. Assim, “[…] o
humanitarismo dá mais do que apenas uma resposta ao sofrimento físico; ele personifica um
esforço burocraticamente organizado e um conhecimento especializado para corrigir os seres

39
LAYCOCK, Jo. Imagining Armenia: Orientalism, ambiguity and intervention. Manchester:
Manchester University Press, 2009, p. 113.
40
Ibid., pp. 146-147.
41
WATENPAUGH, Keith David. Bread from Stones: the Middle East and the making of Modern
Humanitarianism. Oakland: University of California Press, 2015, p. 32.
42
Ibid., pp. 59-60.
32

humanos, reconectá-los com suas comunidades e devolvê-los à humanidade”43. Nesse sentido,


ideias como “neutralidade”, “seletividade” e “não governamentabilidade” são centrais.

Embora seja sabido que a pretensa “neutralidade” é inexistente e que toda “ajuda
humanitária” endereçada estava intrinsicamente ligada a uma lógica colonial e nacional,
Watenpaugh chama atenção para o fato de que os envolvidos acreditavam que suas ações
eram altruístas e isentas de interesses outros além da compaixão. O historiador também
destaca como essa ideia de “neutralidade” no humanitarismo moderno foi transplantada para o
conceito de direitos humanos, assumindo um caráter de que esse último estaria “para além da
política”44. Jo Laycock observa a mesma ideia presente nos apoiadores da causa armênia na
Grã-Bretanha, onde “muitos armenófilos estavam empenhados em enfatizar a natureza ‘não
partidária’ de seus interesses na causa”45. A “seletividade” do humanitarismo moderno
também interessa, na medida em que a ajuda enviada pelo Ocidente era endereçada não para
todos os que precisavam, mas especificamente para os cristãos que eram alvo de perseguição
do Império Otomano, sobretudo armênios, embora houvesse milhares de muçulmanos e
outras minorias não cristãs em condições degradantes na região. Refletindo, por exemplo,
sobre a ajuda da Grã-Bretanha aos armênios, Watenpaugh afirma que “[…] a ação britânica
foi motivada não por uma noção universal de direitos humanos, mas por uma identificação
transitória da utilidade dos armênios para finalidades geopolíticas e como um ato de
solidariedade cristã para uma ‘nação’ cristã em risco.”46 Em outras palavras: “[…] durante a
Grande Guerra no Oriente Médio, algumas emergências humanitárias ensejaram uma resposta
humanitárias. Outras não”47. Nesse sentido, o humanitarismo moderno se distingue da ideia
contemporânea de direitos humanos, na medida em que o primeiro é particularista, enquanto o
último é universalista48. Também é importante notar como a imagem dos armênios como
“povo necessitado” foi forjada pela comunidade internacional e pela Liga das Nações após a
emergência da República da Turquia e a falência de um projeto de um Estado-nacional para

43
“[…] the humanitarianism addressed more than just a response to their bodily suffering; it
embodied a bureaucratically organized and expert knowledge-driven effort to repair their human
being, reconnect them to their communities, and restore them to humanity”. Ibid., p. 15.
44
Ibid., p. 20.
45
“Many Armenophiles were keen to stress the 'non-party' nature of their interest in the cause”.
LAYCOCK, J. op. cit., p. 25.
46
WATENPAUGH , K. op. cit., 2015, p. 21.
47
“[…] during the Great War in the Middle East, some humanitarian emergencies prompted a
humanitarian response. Some did not”. Ibid., p. 32.
48
Ibid., p. 137.
33

os armênios49, como forma de aplacar a opinião pública ocidental após anos de pressão dos
apoiadores dos armênios que defendiam a importância de garantir àquele povo um torrão
nacional. Nas palavras de Richard Hovannisian, “se a questão [armênia] era uma questão de
sobrevivência física e política para o povo armênio, era igualmente um problema de
comprometimento moral e honra para o mundo civilizado” 50.

Essa imagem foi, em grande parte, construída por meio de ações de organizações
não vinculadas a governos, como as diversas missões protestantes norte-americanas e
europeias que estavam no Império Otomano desde o final do século XIX na tentativa de
converter os chamados “cristãos primitivos” às diversas ramificações do protestantismo. Esses
grupos de missionários atuavam em pequenas vilas e cidades otomanas, oferecendo
infraestrutura básica de saúde e educação para as populações que lá viviam, criando uma
estrutura semissecular, o que permitia a colaboração com a sociedade otomana51. Muitos
desses missionários escreviam relatórios, artigos e livros sobre as experiências que
vivenciaram no interior do Império Otomano, sobretudo durante a Grande Guerra e o
genocídio, mas também sobre as dificuldades do pós-guerra. Esses escritos criaram um novo
gênero na literatura norte-americana, cujas histórias de sofrimento e superação davam a tônica
das narrativas e ajudavam a criar empatia entre o povo norte-americano e os armênios em
dificuldade na Anatólia e Levante.52 Por outro lado, esses mesmos textos aprofundavam a
imagem do Ocidente acerca do Império Otomano e do Oriente, como uma terra de selvageria
e barbárie onde haveria de acontecer uma “missão civilizadora”, cuja humanização e
modernização seria o “fardo do homem branco”53, para lembrar o célebre poema de Rudyard
Kipling escrito em 1899. Watenpaugh assim resume a criação de uma imaginação humanitária
entre o “sujeito” – Ocidente – e o “objeto” – o “oriental” – da ação, levando em consideração
o surgimento de grupos de interesse e o estabelecimento de pontos de contato entre as duas
partes, gerando empatia através de um discurso que valoriza narrativas civilizatórias que, ao
fim, desagua nas pragmáticas necessidades políticas e morais ocidentais para com o grupo-
alvo da ação humanitária:

49
Ibid., p. 28.
50
“if that [Armenian] question was a matter of physical and political survival for the Armenian
people, it was equally a matter of moral commitment and honor for the civilized world”.
HOVANNISIAN, Richard G. The Republic of Armenia: from London to Sèvres, February-August
1920. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1996, vol. III, p. 372.
51
WATENPAUGH, D. op. cit., 2015, pp. 17-18.
52
Ibid., p. 26.
53
Ibid., p. 5.
34

Criar, ou talvez, se tornar um objeto do humanitarismo foi um ato gradativo


que derivou não só da severidade da necessidade, mas também do jeito que
os indivíduos e grupos necessitados foram inscritos no imaginário
humanitário. Nesse sentido, o imaginário humanitário é o princípio
organizado da compaixão organizada: é definido pelos encontros históricos
entre os sujeitos e os objetos do humanitarismo; pela existência de grupos
constitutivos, defensores e diásporas; pelo predomínio da lógica das
narrativas civilizacionais; e por quão bem-sucedida é a criação e a
manutenção de empatia. O imaginário humanitário é também moldado pela
forma como a salvação dos que estão em perigo vai ao encontro da
necessidade política e moral do sujeito do humanitarismo, e se os que
recebem ajuda são avaliados como merecedores ou não dessa ajuda. A
característica mais importante do imaginário humanitário é, todavia, como a
emergência é formulada e depois entendida como um problema para a
humanidade porque é um problema da humanidade. [...] é uma resposta
emocional e intelectual criada mais do que no reconhecimento da
humanidade do objeto; é formada por meio da narrativa, imagética
fotográfica e identificação formal em um ato de solidariedade de classe,
social ou religiosa54. (grifos do autor)

Por meio de artigos publicados na imprensa, Etienne tentou criar no Brasil a


mesma comoção que existia na América do Norte para com os armênios, utilizando da
situação periclitante daquele povo e da imagem estereotipada do Império Otomano para
comover a opinião pública e os tomadores de decisão da importância de apoiar suas
reivindicações no pós-Guerra, no contexto da Conferência de Paz de Paris de 1919 e nos
fóruns da recém-criada Liga das Nações. Nas páginas seguintes, veremos como esse
intelectual e seu pequeno grupo de apoiadores, conseguiu ser o elo entre a elite política
armênia no mundo – seja na República Armênia a partir de 1918, seja na diáspora – e a elite
política brasileira, trabalhando para inserir os interesses armênios na agenda da política
externa brasileira. Em suma, Etienne Brasil foi um dos primeiros vetores de difusão das ideias
do humanitarismo moderno no Brasil – com toda a carga colonialista e orientalista que isso

54
“Creating or perhaps becoming an object of humanitarianism was an accretive act that derived not
just from the severity of need but also from the way groups and individuals in need became inscribed
in the humanitarian imagination. In this sense, the humanitarian imagination is the organizing
principle of organized compassion: it is defined by historical encounters between the subjects and
objects of humanitarianism; by the existence of constituencies, advocacy groups, and diasporas; by
the prevailing logics of civilizations narratives; and by how successfully empathy is created and then
sustained. The humanitarian imagination is additionally shaped by how the salvation of those in
danger meets the political and moral needs of the humanitarian subject, and whether or not those
helped are gauged to be deserving of that help. The most critical feature of the humanitarian
imagination, however, is how the emergency is formulated and then understood as a problem for
humanity because it is a problem of humanity. […] it is an emotional and intellectual response that is
built on more than an acknowledgement of the humanity of the object, but is formed through narrative,
photographic imagery, and formal identification in an act of class, social, or religious solidarity.”
Ibid., pp. 33-34.
35

possui – trazendo para o debate na imprensa e nos círculos políticos a necessidade moral e o
dever civilizatório do povo e do governo brasileiro em apoiar os armênios.

Aqui, as formulações de Edward Said sobre a representação ocidental acerca do


Oriente e as relações de poder daí decorrentes são particularmente úteis na medida em que os
escritos de Etienne Brasil sobre a relação de turcos e armênios exploravam o máximo possível
a ideia de uma nação cristã – cujos padrões civilizatórios seriam dignos da cultura europeia –
martirizada ante a “ferocidade dos turcos, bárbaros osmanlis”, nos termos desse intelectual.
Todavia, a visão orientalista da relação entre armênios e turcos também recai sobre os
primeiros, uma vez que esses, apesar dos esforços de armênios e armenófilos para trazê-los
para perto da chamada civilização ocidental, ainda permaneciam geográfica e mentalmente
distantes dos habitantes de cidades como Londres, Paris, Nova York e Rio de Janeiro. Os
armênios, afinal, não figuravam entre as grandes civilizações do Oriente Próximo, que seriam
as fundações da cultura ocidental, tais como os gregos, egípcios, hebreus e mesopotâmios.
Porém, eram cristãos, cuja ancestralidade religiosa remetia aos tempos do Velho Testamento e
passava pela chancela de acontecimentos como o fato de ter sido um reino armênio o primeiro
a proclamar o cristianismo como religião oficial e o apoio armênio ao Ocidente durante as
Cruzadas. A arquitetura e demais expressões artísticas também eram consideradas à altura de
serem rotuladas como “civilizadas”.

Por ser um povo de fronteira, um espaço “entrelugares”55, como destaca a


historiadora britânica Jo Laycock, as representações da Armênia no Ocidente desafiam a ideia
de Said sobre o Orientalismo56. “Ao invés disso”, nas palavras da autora, “imagens da
Armênia têm sido caracterizadas pela ambiguidade e fluidez”57, ainda que o intelectual
palestino-americano tenha arrolado os armênios ao lado de outras minorias as quais a Europa
tinha planos para execução de suas “políticas orientais”58, abrigando os “orientais” sob um
mesmo teto e reforçando o Orientalismo como um discurso que implica em oposição,
enquanto a análise para os armênios – e outros povos, como os balcânicos – deve ser feita

55
In-between spaces, no original.
56
LAYCOCK, J. op. cit., p. 19
57
“Instead images of Armenia have been characterised by ambiguity and fluidity”. Ibid., p. 11.
58
“[...] muito próxima ao centro de toda a política européia no Leste, estava a questão das minorias,
cujos 'interesses' as Potências, cada uma a seu modo, afirmavam proteger e representar. Judeus,
ortodoxos gregos e russos, drusos, circassianos, armênios, curdos, as várias pequenas seitas cristãs:
todos esses eram objeto de estudos, planos e projetos das Potências Européias, que improvisavam e
construíam a sua política oriental”. SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do
ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 265.
36

com base em um discurso de “ambiguidade imputada”59. Portanto, os aportes de Laycock


servem como uma necessária atualização e importante complemento às formulações de Said
para a análise da representação dos armênios no Ocidente, o que inclui os textos de Etienne
Brasil no Rio de Janeiro do começo do século XX.

A vinculação entre pragmatismo e humanitarismo não foi a estratégia utilizada


apenas pelos armênios para alcançar o governo brasileiro. O Catete e o Itamaraty também
lançaram mão das mesmas ideias para projetar o Brasil no sistema internacional do final dos
anos 1910 e início dos anos 1920. Veremos como a “ilusão de poder” do Brasil no cenário
pós-Grande Guerra fez com que os tomadores de decisão apostassem na ideia do país como
uma potência global, cujos interesses deveriam ir além das questões hemisféricas. Assim, a
imagem de um povo cristão em perigo, cujo Estado nacional só poderia ser garantido se uma
potência o tutelasse, soou como uma oportunidade para que o governo Epitácio Pessoa
mostrasse a capacidade brasileira em se envolver em assuntos internacionais, sobretudo
aqueles que eram de interesse direto dos EUA de Woodrow Wilson, de quem Pessoa era
admirador.

A ideia inicial para esta pesquisa nasceu do contato com arquivos particulares de
famílias de imigrantes armênios em São Paulo, bem como com as bibliotecas e arquivos das
entidades comunitárias, onde há um grande número de jornais, revistas, panfletos e livros
produzidos pelos armênios em São Paulo desde os anos 1920. Durante essas incursões, surgiu
a figura de Etienne Brasil, mencionado en passant em alguns textos e publicações
comunitárias60 como o primeiro diplomata da Armênia no Brasil, sem maiores detalhes sobre
sua biografia ou trajetória profissional. Causava estranheza a falta de informações sobre esse
indivíduo de nome peculiar que foi o primeiro representante diplomático da efêmera
República Armênia (1918-1920) no Rio de Janeiro, onde havia poucos armênios e quase
nenhum traço de uma vida comunitária. Pairava no ar a dúvida de como e porque uma
representação diplomática armênia foi estabelecida na então capital federal nos anos 1910 e,
sobretudo, qual teria sido a sua ação junto ao Catete e ao Itamaraty.

Tais questionamentos começaram a se tornar menos turvos quando a historiadora


Monique Sochaczewski Goldfeld mencionou a existência de uma pasta da “Legação Armênia
no Brasil” no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, que contém algumas cartas

59
LAYCOCK, J. op. cit., p. 33.
60
Cf. VARTANIAN, Yeznig. Brazilioh Hay Kaghuthë: Badmagan Degheguthiunner ev
Jamanagakruthiun 1860-ên mintchev 1947-i Vertchë. Buenos Aires: Siphan, 1948.
37

enviadas por Etienne Brasil ao Ministério de Relações Exteriores e à Presidência da


República, tentando obter junto ao governo brasileiro sua acreditação como diplomata e,
posteriormente, o reconhecimento brasileiro da independência da República Armênia
proclamada em 28 de maio de 191861. Essa documentação é desconhecida da historiografia
armênia, seja na República, seja na diáspora. Mesmo historiadores que mencionam Etienne
Brasil como Richard Hovannisian, Vartan Matiossian, Narciso Binayán Carmona e Pascual
Carlos Ohanian, não tiveram acesso aos documentos do Itamaraty. Também aos historiadores
da política externa brasileira é estranha a história de Etienne e sua ação junto ao governo do
Brasil.

Com a leitura das cartas de Etienne Brasil depositadas no Arquivo Histórico do


Itamaraty é possível encontrar menções feitas pelo então diplomata a artigos publicados por
ele mesmo na imprensa fluminense ao longo dos anos, o que deixou clara a necessidade de
explorar outros arquivos além dos diplomáticos. Para tanto, foi de fundamental importância a
utilização da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. Etienne Brasil escreveu,
desde 1908, quando chegou ao país, até o início dos anos 1920, mais de trezentos artigos,
afora livros e material didático. A maioria desses textos trata, total ou parcialmente, da
história dos armênios e da reivindicação do povo armênio por liberdade e autonomia no
Império Otomano, ou ainda versa sobre o Império Otomano e o povo turco, em análises
marcadas pelo Orientalismo e uma visão estereotipada do Islã e do Oriente.

Assim, para além de uma história da política externa brasileira vis-à-vis a causa
armênia que pode ser apreendida por meio dos documentos diplomáticos, podemos analisar
como a retórica de Etienne Brasil – apresentando os armênios como um povo cristão oprimido
e ameaçado pelo poder imperial otomano muçulmano – ajudou a lançar as bases do
humanitarismo moderno no Brasil. Movimento semelhante pode ser observado na Europa e
nos EUA, sobretudo com relação à questão latente de como lidar com milhares de
sobreviventes que não tinham pátria nem terra e se acumulavam em campos de refugiados no
Oriente Médio.

Mesmo com o cotejamento da documentação diplomática depositada com o


material publicado na imprensa fluminense, o corpus documental ainda estava incompleto. No
Arquivo Histórico do Itamaraty, somente se pode encontrar as cartas enviadas por Etienne

61
Tais documentos foram citados pela historiadora em sua tese de doutorado. Cf. GOLDFELD,
Monique Sochaczewski. op. cit.
38

Brasil ao Ministério de Relações Exteriores. Nesse fundo não há as cartas recebidas por
Etienne desde o Itamaraty, tampouco as missivas enviadas pelo governo armênio dando
instruções de como ele deveria proceder enquanto representante diplomático – esses
documentos provavelmente se perderam, pois não havia à época uma instituição armênia no
Brasil para custodiá-los. Contudo, ainda há outra parte desse corpus que pode ser consultado:
são as cartas enviadas por Etienne Brasil à Delegação da República Armênia em Paris, que
comandava de fato a política externa do país entre 1918 e 1920, depositadas nos arquivos da
Federação Revolucionária Armênia em Massachusetts, EUA, cuja consulta não é permitida
devido a questões logísticas e estratégicas. Entretanto, alguns pesquisadores que tiveram a
chance de trabalhar nesses arquivos antes deles serem definitivamente fechados conseguiram
fazer cópias em microfilme de uma parte do acervo e assim, contando com a colaboração
desses, foi possível consultar as cartas de Etienne Brasil aos seus superiores.

A República da Armênia também possui documentos importantes para esta


pesquisa. Nos arquivos de Yerevan, foram descobertas algumas cartas de Etienne Brasil a
Archag Tchobanian, intelectual e político armênio radicado na França no início dos anos
1910. Nessas missivas, Etienne discutia, anos antes da independência da Armênia e de sua
nomeação como diplomata, o futuro do povo armênio e quais seriam os caminhos para criar
uma nação livre. Tais documentos ajudaram a preencher uma lacuna na trajetória do
intelectual e diplomata, uma vez que as informações sobre suas ações antes de 1915 são
escassas. Além disso, no Arquivo Nacional da República da Armênia foi encontrada
documentação concernente à questão armênia na Liga das Nações, incluindo o
posicionamento do Brasil sobre essa matéria, além de correspondências entre autoridades
armênias no mundo cogitando a possibilidade de incentivar a imigração de refugiados para
território brasileiro.

É evidente a importância da pesquisa multiarquivos no caso de análises de história


diplomática e das relações internacionais. Entretanto, no contexto desta pesquisa, a urgência é
ainda mais latente, na medida em que não é uma análise de uma relação bilateral, ou da ação
de um único ator em um determinado contexto multilateral, mas a interação entre um país
receptor, um povo diaspórico com múltiplos centros decisórios e organizações
intergovernamentais. Evidentemente, há desafios metodológicos, sobretudo no trato com
fontes de naturezas distintas, muitas vezes apresentando informações contraditórias. Esses
desafios devem ser superados com cuidado redobrado por parte do pesquisador, que precisa
estar atento para o movimento dos atores sobre uma determinada pauta em espaços distintos,
39

tentando sempre apreender as nuances de discursos quando o público receptor é o interno ou o


externo, um par ou um superior, um leigo ou um perito, etc.

No capítulo I, discutiremos brevemente a situação dos armênios no Império


Otomano, sobretudo durante a Grande Guerra, e suas aspirações após a independência da
pequena República Armênia em 1918. No capítulo II, apresentaremos a chegada da causa
armênia no Brasil e a ação de Etienne Brasil como intelectual diaspórico na função de
divulgador da história do povo armênio e das reivindicações históricas deste na sociedade
receptora. No capítulo III, será o trabalho diplomático de Etienne Brasil junto ao governo
brasileiro o foco da análise, mostrando como ele construiu um grupo de interesses no Rio de
Janeiro da virada dos anos 1910-1920 para tentar influenciar as decisões de política externa da
sociedade receptora. No capítulo IV, analisaremos o Brasil no contexto do multilateralismo no
pós-guerra e como os tomadores de decisão utilizaram as demandas armênias de acordo com
o interesse das elites políticas brasileiras.
40

2 GENOCÍDIO, DIÁSPORA E A REPÚBLICA DE 1918-1920

No cair da noite do domingo de Páscoa de 24 de abril de 1915, cerca de 250


armênios residentes em Constantinopla62 receberam a visita indesejada de soldados a serviço
da cúpula do Comitê União e Progresso63 – também conhecido como o partido dos Jovens
Turcos – grupo político que logrou êxito em alcançar o poder em uma revolução em 1908,
destituindo do trono o sultão Abdul-Hamid II com um discurso de modernização do Império
Otomano e recuperação do prestígio do país avariado por anos de guerra nos Bálcãs e a perda
de um terço do território imperial e de 20% de sua população64.

Os armênios abordados pelas forças de segurança otomanas foram detidos e


deportados para o interior do Império e eram, em sua maioria, lideranças e figuras de relevo
na comunidade armênia otomana, como Krikor Zohrab, membro do recém-operante
parlamento otomano, o poeta Daniel Varoujan, o musicólogo e padre Komitas e o religioso
Grigoris Balakian, personagens com entrada nos círculos culturais e políticos europeus e que
poderiam tentar frear, por meio de suas conexões e contatos, o plano do governo otomano de
extermínio dos armênios cuja grandeza ficou evidente na noite de 24 de abril de 1915.
Contudo, a perseguição aos súditos cristãos – que incluía também gregos, assírios e outras
minorias – não havia começado naquela noite, mas anos antes, sendo uma dentre muitas
consequências do processo de desmantelamento do Império Otomano cujo desfecho seria
trágico para todos os habitantes.

2.1 O crepúsculo otomano e a questão das minorias

É difícil tratar da “crise” do Império Otomano, situando-a em uma época entre o


final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, tendo em vista que mesmo em
seu ápice territorial, no século XVI, sob o sultanato de Selim I, o Império já mostrava
rachaduras em sua estrutura65. Por isso, Monique Sochaczewski Goldfeld defende que é mais
coerente pensar nas dinâmicas que o Império Otomano criou para continuar a existir ao longo
62
Em 1914, a população cristã de Constantinopla girava em torno de 390 mil pessoas, numa
população total de 910 mil (ou seja, cerca de 43%). McMEEKIN, S. op. cit., p. 87, nota *.
63
Em turco, İttihat ve Terakki Cemiyeti, muitas vezes referido na literatura especializada simplesmente
como Ittihad.
64
BLOXHAM, D. op. cit., p. 31.
65
Ibid., p. 29.
41

dos séculos do que rotular de “declínio” ou “crise” um período que começaria em 1683,
quando o exército otomano falhou na conquista de Viena, até 1922, com a proclamação da
República da Turquia, intervalo temporal que é, a rigor, mais extenso do que o apogeu do
Império Britânico66. Indubitavelmente, foi nos Oitocentos que o que a historiadora chama de
“fase final otomana” obteve contornos dramáticos. Para os armênios, povo que naquela altura
estava dividido entre os domínios dos impérios otomano e russo, a crise otomana aparecia
como a oportunidade de reivindicar maior autonomia e direitos junto à Sublime Porta67, que
se encontrava pressionada pelas Potências europeias, desejosas de maior capilaridade nos
negócios otomanos. A questão das minorias no Império foi, então, instrumentalizada por
atores como o Império Russo e a Grã-Bretanha para interferir nos assuntos otomanos em
nome da proteção dos súditos cristãos do sultão que viviam há muito com status diferenciado
dos turcos e outros grupos muçulmanos, não obstante tentativas malfadadas de reformas como
os decretos conhecidos como Tanzimat, que preconizavam o otomanismo, isto é, a ideia de
que todos os habitantes do Império seriam iguais pelo fato de serem todos otomanos, numa
tentativa de secularização e modernização da estrutura teocrática turca que proibia os cristãos
ascensão na burocracia otomana ou taxava-os suplementarmente68.

O período do Tanzimat – que é mais comumente situado entre 1839 e 1876 – foi
profícuo na proposição de alterações na estrutura burocrática e fiscal do Império Otomano
com vistas à sua reestruturação numa tonalidade mais ocidental, mas pouco efetivo de fato. A
finalidade última, de acordo com Alan Palmer, era a reorganização do exército, que não seria
possível sem um novo sistema tributário que fosse capaz de arrecadar mais e de forma mais
eficiente69. Para Donald Quataert, “o objetivo das reformas era, por um lado, suprimir os
privilégios legais dos muçulmanos e, por outro, levar a que os cristãos sob os auspícios da
proteção europeia voltassem a submeter-se à jurisdição do Estado otomano e ao seu sistema
judicial”70. Outras medidas também estavam na alça de mira dos idealizadores da
reestruturação, como o desenvolvimento de um sistema educacional secular, a garantia do
direito à propriedade e igualdade religiosa, propostas que tiveram alcance reduzido. O

66
GOLDFELD, Monique Sochaczewski. “O Império Otomano e a Grande Guerra”. In: Revista
Brasileira de Estudos Estratégicos. Rio de Janeiro: Luzes/Instituto de Estudos Estratégicos (UFF), nº
5, vol. I, 2015, p. 242.
67
Sublime Porta (Bab-i Ali) ou simplesmente Porta, alcunha dada ao governo otomano.
68
BLOXHAM, D. op. cit., p. 31.
69
PALMER, Alan. Declínio e Queda do Império Otomano. São Paulo: Globo Livros, 2013, pp 110-
111.
70
QUATAERT, Donald. O Império Otomano: das origens ao século XX. Lisboa: edições 70, 2008,
pp. 88-89.
42

impacto maior do Tanzimat foi sentido em 1856, quando por pressão ocidental na esteira do
armistício entre otomanos e russos que pôs fim à Guerra da Crimeia, o então sultão
Abdülmecid emitiu dois éditos que garantiriam a igualdade entre muçulmanos e não
muçulmanos e a modernização do sistema de recolhimento de impostos que tiraria das mãos
de líderes locais a arrecadação, centralizando-a71. Contudo, nos confins do Império Otomano,
como na Anatólia ou na Bósnia-Herzegovina, as reformas do Tanzimat foram recebidas pelas
elites muçulmanas locais com resistência e hostilidade, que não abriram mão de seus
privilégios como a arrecadação de impostos, o que significou para os não muçulmanos –
armênios, inclusive – na prática, uma dupla taxação: uma pelas autoridades locais, outra pelos
agentes da Sublime Porta.

Ainda que fossem uma minoria numerosa – cerca de dois milhões – no Império
Otomano, os armênios não constituíam maioria demográfica que pudesse servir de base para
um território nacional autônomo – ao contrário do que acontecia com os gregos nos Bálcãs,
por exemplo – e estavam espalhados pela Anatólia Oriental – ou Armênia Ocidental,
composta pelas províncias de Van, Erzurum, Bitlis, Diyarbakir, Harput e Sivas, onde
armênios e curdos eram os grupos majoritários – e pela Cilícia – outrora um reino armênio,
também chamado de “Armênia Menor”, onde os armênios eram entre 20-25% da população
local no século XIX72. Embora a maior parte da população armênia fosse composta de
camponeses, havia uma dinâmica elite urbana ligada a atividades comerciais e burocráticas
em grandes cidades como a capital do Império, Constantinopla, e Esmirna – hoje İzmir – que
estavam em contato permanente com outros armênios residentes em outros centros urbanos
importantes da região como Tiflis – hoje Tblissi, capital da atual República da Geórgia – e
Baku – capital da atual República do Azerbaijão – além de outros que estavam integrados à
alta sociedade de cidades europeias como Londres, Paris e Genebra. A prosperidade de alguns
homens de negócios armênios somada à piora da condição de vida de toda a população do
interior do Império Otomano ajudou a criar, entre os muçulmanos, um estereótipo do cristão
bem-sucedido que lucrava enquanto os demais pagavam as contas. Nas palavras do
historiador britânico Donald Bloxham:

[…] o estereótipo anticristão foi criado com base em mercadores urbanos,


agiotas, comerciantes rurais e intermediários; com base em certas regiões,
principalmente na Cilícia, nos elementos da economia agrária; e em
associação do sucesso armênio com a ocidentalização e influências

71
Ibid., p. 127.
72
Ibid., p. 39.
43

estrangeiras por conta das redes de negócios armênias. A proeminência de


alguns armênios dos benefícios da capitulação parecia confirmar a imagem
de cristãos que não somavam esforços com os muçulmanos em prol do
interesse do Estado cujo território eles habitavam73.

Essa elite armênio-otomana buscava dar educação europeia aos seus filhos,
incialmente em escolas francesas, inglesas e norte-americanas, estabelecidas no Império numa
espécie de efeito colateral das malfadadas reformas do Tanzimat, que lograram, contudo, abrir
o Império Otomano a uma maior penetração econômica e social do Ocidente, seja por meio
do capital financeiro, seja por meio de missões religiosas que fundaram instituições de ensino
e filantropia no país. Os filhos das elites buscavam seus diplomas superiores em universidades
da Grã-Bretanha, França, Império Alemão ou Russo, ajudando a forjar uma identidade
nacional secular74. A influência da cultura política ocidental somou-se ao que Bloxham chama
de renascimento cultural armênio no século XIX, quando uma literatura em idioma vernáculo
se desenvolveu e lançou as bases para o protonacionalismo desse povo, que iria desabrochar
de fato com a eclosão da chamada “questão oriental” depois da Guerra Russo-Turca de 1877-
78, ou seja, a questão de autonomia e garantia de direitos aos povos não muçulmanos do
Império Otomano75. Nos termos de Benedict Anderson, “A juventude era, sobretudo, a
primeira geração a adquirir uma educação europeia em número significativo, o que a
demarcava linguística e culturalmente da geração dos seus pais, bem como da vasta multidão
dos colonizados da mesma classe etária”76.

Outro processo importante foi a mudança no sistema de millet nos anos 1850. Um
millet era uma comunidade – seja ela armênia, grega, judia, católica ou protestante – chefiada
pelo líder religioso máximo de cada grupo que tinha poderes civis, fiscais, educacionais e
penais sobre seus fiéis, ainda que ele estivesse em última instância subordinado ao sultão
otomano. No caso do millet armênio, o chefe era o patriarca da Igreja Apostólica Armênia –
posteriormente os millets armênios católico e protestante foram criados – e em 1863 logrou

73
“[...] the anti-Christian stereotype was founded upon urban merchants, moneylenders, and
‘middlemen’ and rural traders; upon certain regions and elements of the agricultural economy,
notably in Cilicia; and upon the association of Armenian success with Westernalization and foreign
influences, because of the Armenian trade networks. The prominence of some individual Armenians of
capitulatory benefits seemed to confirm a picture of Christians not pulling together with the Muslim
population in the interests of the state on whose territory they dwelled.” Ibid., p. 41.
74
SAHAKYAN, Vahe. Between Host-Countries and Homeland: Institutions, Politics and Identities in
the Post-Genocide Armenian Diaspora (1920s to 1980s). Ann Arbor: A dissertation submitted in
partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy (Near Eastern Studies) in
the University of Michigan, 2015, p. 37,
75
BLOXHAM, D. op. cit., pp. 44-45.
76
ANDERSON, B. op. cit., p. 163.
44

estabelecer a chamada “constituição nacional armênia” que reconhecia direitos e deveres


daquela população no Império Otomano77. Esse movimento “constitucional” alimentou e foi
alimentado pelo nacionalismo secular armênio influenciado pela cultura política ocidental,
minando aos poucos a primazia da Igreja na condução da política armênio-otomana e
semeando o que seria a origem dos partidos políticos armênios, ainda que essa vanguarda não
gozasse, ao contrário da Igreja, da mesma capilaridade no interior do Império junto à
população campesina, cada vez mais pressionada, seja por uma sobreposição de impostos,
seja pelos ataques frequentes de muçulmanos seminômades como os curdos ou outros povos
oriundos de deportações no Império Russo78 ou nos Bálcãs.

2.2 A questão armênia no sistema internacional

A questão armênia atingiu a esfera internacional com a vitória das tropas tsaristas
na Guerra Russo-Turca em 1878 e a solicitação armênia para que a Rússia colocasse na pauta
dos tratados pós-guerra a autonomia e proteção desse povo. Apesar do aceite russo – que
contou com armênios em suas fileiras durante os combates contra o Império Otomano,
inclusive em postos de comando do exército tsarista – a autonomia dos armênios nas
províncias orientais do Império Otomano foi vetada pelos representantes britânicos que
temiam a ampliação da influência russa naquela região, sendo substituída por uma menção
vaga a um compromisso da Sublime Porta em garantir a segurança dos armênios ante os
assaltos curdos e circassianos, no artigo 16 do Tratado de San Stefano em 3 de março de
187879. A discordância entre as Potências ocidentais e os beligerantes fez com que o Tratado
fosse revogado e um congresso fosse realizado em Berlim, entre junho e julho do mesmo ano,
afiançado por Bismark. Nessa ocasião, algumas pautas da questão oriental avançaram e
Sérvia, Montenegro e Romênia garantiram suas independências, ainda que a Bulgária não
tenha tido a mesma sorte. Os armênios enviaram uma delegação mista, formada por religiosos
e leigos, chefiada por Mkrtich Khrimian, ex-patriarca armênio de Constantinopla (1869-73) e

77
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 38.
78
Como os circassianos, que hoje reivindicam que foram alvo de um processo genocida nos anos
1850-60. Cf. KREITEN, Irma. “A colonial experiment in cleansing the Russian conquest of Western
Caucasus, 1856-65”. In: Journal of Genocide Research. Routledge, 11:2, 2009.
79
TERNON, Y. op. cit., pp. 63-65.
45

figura central na construção do discurso de criação de uma pátria armênia nas províncias
orientais da Anatólia80.

Munida de um memorando a ser entregue aos demais delegados no qual


reivindicava que as províncias orientais da Anatólia fossem controladas por um armênio
nomeado pelo Sultão e sediado em Erzerum – distanciando-se assim de um projeto separatista
– a delegação armênia é frustrada pela tenaz oposição da Sublime Porta a qualquer autonomia
dos armênios, o que faz com que o Tratado de Berlim revisite, em seu artigo 61, o artigo 16
de San Stefano com uma notória modificação: a omissão da palavra “Armênia”81. A derrota
político-diplomática dos armênios irritou Khrimian, que atribui o revés aos métodos
fracassados e pacíficos de negociação adotados vis-à-vis o sucesso obtido pelos povos
balcânicos que empregaram largamente a luta armada como estratégia de libertação
nacional82. Ao retornar à Constantinopla, o religioso dirigiu aos seus compatriotas um célebre
discurso no qual ele compara as negociações em Berlim com um banquete no qual as
Potências enchem seus pratos com um ensopado utilizando uma concha de ferro, enquanto os
armênios tentavam fazer o mesmo com um utensílio de papel, acrescentando que “não há
espaço para súplicas ou pedidos quando assuntos são decididos pelas armas”83. O “sermão da
espada” – como ficou conhecido o discurso de Khrimian – é tido por alguns pesquisadores
como o nascimento do movimento revolucionário armênio e o sacerdote tornou-se símbolo do
nacionalismo armênio até os dias de hoje (anexo: Figura 1).

Apesar da derrota armênia, a questão estava definitivamente posta na pauta das


relações internacionais do final do século XIX. Na esteira de Berlim, intelectuais armênios
elevaram o tom do discurso nacionalista voltado à ação e as primeiras agremiações políticas
foram organizadas, como o Armenakan, fundado pelo professor e jornalista Mkrtich’
P’ortugalian com o apoio de Khrimian na cidade otomana de Van em 1885 e o Hnchakyan –
posteriormente convertido em um partido socialdemocrata – criado em Genebra por
intelectuais armênios do Império Russo, em 1887, profundamente influenciados pelo
marxismo e também pela experiência de P’ortugalian, que recusou a proposta dos primeiros
de criar um partido único84. O Hnchakyan – do armênio Hnchak, “sino” – defendia a
libertação nacional por meio do socialismo com um discurso que, ao mesmo tempo que atraía

80
SAHAKYAN, V. op. cit., pp. 38-39.
81
TERNON, Y. op. cit., p. 69.
82
BLOXHAM, D. op. cit., p. 45.
83
SAHAKYAN, V. op. cit., pp. 42-43.
84
Ibid., pp. 45-47.
46

as classes médias armênias intelectualizadas de Constantinopla e Tiflis e tinha alguma


reverberação nas populações campesinas da Anatólia e Transcaucásia, afastava os armênios
abastados.

Não obstante, manifestações organizadas pelo partido em Constantinopla


entusiasmaram armênios dentro e fora do Império Otomano, o que levou um grupo em Tiflis,
na Transcaucásia, a criar a Federação dos Revolucionários Armênios, em 1890, de forma a
unificar o Hnchakyan e diversas células revolucionárias independentes no que Vahe Sahakyan
chama de uma “organização guarda-chuva”85. Contudo, a aliança entre os grupos políticos
não durou muito tempo devido a diferenças operacionais, mas, sobretudo, ideológicas. No I
Congresso Geral da Federação, em junho de 1892, em Tiflis, a agremiação adotou o nome de
Federação Revolucionária Armênia – em armênio, Hay Heghap‘okhakan Dashnakts‘ut‘yun,
ou simplesmente Dashnak86. Em poucos anos, o Dashnak se tornaria a força política mais
importante dos armênios nos Impérios Otomano, Russo, Persa e Europa. Donald Bloxham
sumariza nos seguintes termos as diferenças ideológicas entre os dois partidos:
Conforme desenvolviam o equilíbrio de suas doutrinas, tanto para Hnchaks
quanto para Dahsnaks o nacionalismo predominou sobre o socialismo. O
objetivo do Hnchak era a criação de uma Armênia socialista independente; o
do Dashnak era, pelo menos em um primeiro momento, uma Armênia
autônoma sob suserania otomana87.

Internamente, o principal adversário dos partidos políticos armênios era o Sultão


Abdul-Hamid II – ou Abdülhamid II – que ascendeu ao trono em 1876 com uma proposta
reformista e de certa maneira modernizadora para o Império – ainda que tenha revogado a
recém-promulgada Constituição Otomana e fechado o parlamento com a eclosão da Guerra
Russo-Turca88. Durante seu sultanato, a infraestrutura imperial foi modernizada, sobretudo
estradas de ferro, serviços de comunicações e informações, que se mostrariam especialmente
úteis para a violência que ele patrocinaria nos anos 1890 contra os armênios. Quando do
planejamento da rota da pretensiosa ferrovia Berlim-Bagdá, Abdul-Hamid II insistia com seus
parceiros alemães que os trilhos deveriam passar pelas províncias orientais densamente

85
Ibid., p. 48.
86
Ibid., pp. 48-49.
87
“As they worked out the balance of their doctrine, for both the Hnchaks and the ARF [Dashnak]
nationalism came to predominate over socialism. The Hnchak goal was the creation of an independent
socialist Armenia; the ARF’s was, as a first stage at least, an autonomous Armenia under Ottoman
suzerainty”. BLOXHAM, D. op. cit. p. 49.
88
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 54.
47

povoadas por armênios e fronteiriças ao Império Russo “a fim de acelerar o transporte de


tropas até lá, tanto para enfrentar uma rebelião dos armênios como uma invasão dos russos”89.

A pressão estrangeira por reformas, aliada ao esfacelamento da porção europeia


do Império Otomano e o receio que os grupos políticos armênios fossem catalisadores de um
movimento separatista na Anatólia fez com que Abdul-Hamid II lançasse mão da burocracia
imperial e de alianças com grupos curdos e circassianos para atacar províncias com grande
concentração populacional de armênios em uma série de massacres que matou cerca de 100
mil pessoas entre os anos de 1894-9690. A reação armênia viria na forma de protestos e
atentados em Constantinopla, como um grande ato em 1895 organizado pelo Hnchakyan e o
conhecido assalto do Dasnhak ao Banco Otomano em 1896, quando um grupo ameaçou
explodir o banco que simbolizava a força do capital europeu no país91, caso as exigências de
autonomia para as seis províncias orientais otomanas massivamente povoadas por armênios e
o fim das perseguições não fossem atendidas. A reação de Abdul-Hamid II passou longe da
ponderação necessária ao negociar com um grupo de assalto que se trancafiou no interior de
um prédio ameaçando explodi-lo com os reféns e tudo o que havia dentro: ele ordenou que
suas tropas cercassem o Banco com artilharia de poder de fogo suficiente para destruir o
prédio tão rápido quanto os armênios e suas dinamites instaladas em todos os andares. Foi a
intervenção da diplomacia britânica, que ameaçou bombardear o palácio do sultão caso ele
disparasse contra o Banco, que dissuadiu Abdul-Hamid II de mandar pelos ares os cerca de 20
armênios, 150 reféns e milhões de liras em papeis e títulos. O impasse terminou com a
libertação dos reféns e dos assaltantes – intermediada por Edgar Vincent, o britânico
encarregado do Banco – que fugiram de Constantinopla rumo a Marselha a bordo de uma
embarcação grega92.

Apesar do sucesso das ações no âmbito da propaganda da questão armênia no


Ocidente, com o aumento da pressão ocidental por reformas no Império e pelo fim da
violência contra os armênios93, a retaliação das autoridades otomanas veio na forma da
intensificação das perseguições, nas quais 6 mil armênios perderam a vida94. Ademais, “entre

89
McMEEKIN, Sean. O Expresso Berlim-Bagdá: o Império Otomano e a tentativa da Alemanha de
conquistar o poder mundial, 1898-1918. São Paulo: Globo, 2011, p. 57.
90
BLOXHAM, D. op. cit, p. 51.
91
O Banco Otomano foi fundado com capital anglo-francês em 1863. PALMER, A. op. cit., p. 137.
92
BOGOSIAN, Eric. Operation Nemesis: The assassination plot that avenged the Armenian Genocide.
Nova York: Little, Brown, 2015, pp. 55-56.
93
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 51.
94
BLOXHAM, D. op. cit., p. 53.
48

1870 e 1910, cerca de 100 mil armênios emigraram e entre 1890 e 1910 pelo menos 741 mil
hectares de propriedades armênias foram ilegalmente tomadas ou confiscadas por
representantes do Estado” 95.

Algumas vilas e cidades, como Sassun, Van e Zeytun, conseguiram resistir às


investidas das forças de Abdul-Hamid II – notoriamente grupamentos paramilitares curdos
avalizados pelo Sultão para assaltarem localidades armênias – graças a liderança dos partidos
políticos que promoveram o armamento e treinamento da população civil. A resistência
armênia permitiu, todavia, que Abdul-Hamid II caracterizasse interna e externamente os
armênios como um povo otomano em rebelião contra o seu próprio governo, tentando
legitimar assim ações violentas de suas forças96. Não obstante, o massacre de cristãos
armênios por grupos muçulmanos incitados pelo Sultão – que reivindicava a posição de califa,
isto é, chefe máximo do Islã sunita – chegou rapidamente ao Ocidente, estampando capas de
revistas e manchetes de jornais, rendendo a Abdul-Hamid II a alcunha de “Sultão
Vermelho”97 (anexo: Figura 2).

2.3 Os Jovens Turcos

Enquanto o Dashnak voltava suas atividades para a Transcaucásia para escapar da


repressão das forças de Abdul-Hamid II, surgia em 1896 em Salônica, cidade balcânica ainda
sob controle otomano, um grupo de educação europeia – residentes, sobretudo, em Paris e
Genebra – jovens oficiais do exército imperial e membros da burocracia otomana que
defendiam a modernização e secularização do Império Otomano para salvá-lo do colapso,
numa postura que Bloxham chamou de “liberal até certo ponto”, pois preconizava interesses
nacionalistas turcos e muçulmanos em detrimento das minorias cristãs que viviam no país98.
Esse grupo se organizou no chamado Comitê União e Progresso (CUP) cujas lideranças

95
“Between 1870 and 1910 some 100,000 Armenians emigrated, and between 1890 and 1910 at least
741,000 hectares of Armenian property were illegally taken or confiscated by representatives of the
state”. Ibid., p. 48.
96
Ibid., p. 55.
97
Cf. DEMOYAN, Hayk (org.). Armenian Genocide: Frontpage Coverage in the World Press.
Yerevan: Armenian Genocide Museum-Institute, 2014.
98
BLOXHAM, D. op. cit., p. 58.
49

oriundas das bordas do Império – onde era mais sensível a fragmentação do país99 –
defendiam o panturquismo para que o território otomano recuperasse seu tamanho de outrora
e que os milhares de muçulmanos refugiados após os conflitos com o Império Russo e as
guerras nos Bálcãs pudessem ser reassentados100. Para Eric Hobsbawm, o grupo

[...] que tomou o poder em 1908 na esteira da Revolução Russa, desejava


implantar um patriotismo que abarcasse todos os otomanos, passando por
cima de divisões étnicas, linguísticas e religiosas e baseado nas verdades
seculares do Iluminismo (francês) do século XVIII. A versão do Iluminismo
que mais lhe agravada se inspirava no positivismo de Auguste Comte, que
combinava uma fé cega na ciência e na modernização inevitável com o
equivalente secular da religião, o progresso não democrático (“ordem e
progresso”, para citar o lema positivista) e um planejamento social de cima
para baixo. Por motivos óbvios, essa ideologia seduziu as ínfimas elites
modernizadoras no poder em países atrasados e tradicionalistas, que elas
tentaram arrastar à força para o século XX. [...]
Nesse sentido, como em outros, a revolução turca de 1908 fracassou101.

Ansiosos por mudanças, as minorias viam com bons olhos a ascensão dos
chamados Jovens Turcos, o que fez com que o Dashnak apoiasse o grupo na tentativa de
restringir constitucionalmente o poder de Abdul-Hamid II e, assim, dar mais autonomia aos
armênios otomanos102. Logo, o partido desmobilizou parte de seus grupamentos armados que
haviam sido organizados para a autodefesa contra as investidas das tropas do sultão, num giro
em direção ao constitucionalismo e à política parlamentar. O Hnchakyan, embora também
tenha defendido a via parlamentar logo após a ascensão do CUP, refutou qualquer
possibilidade de aliança com os Jovens Turcos por entender que a política para as minorias
desse grupo intencionava, no limite, a assimilação aos valores turcos por meio do rótulo
homogeneizante do “otomanismo”103.

Contando também com o apoio de boa parte das forças armadas e de grupos
muçulmanos descontentes com a crise econômica e política que tomava conta do Império há
décadas, o Comitê União e Progresso assumiu de fato o poder em 1908, sem depor Abdul-
Hamid II, que permaneceria como peça figurativa até o ano seguinte, quando uma tentativa de

99
“[...] foi na Turquia Europeia que a interferência externa foi mais incômoda e a autoridade imperial
foi mais fortemente questionada”. MAZOWER, Mark. Salônica: cidade de fantasmas: cristãos,
muçulmanos e judeus – 1430-1950. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 283.
100
BLOXHAM, D. op. cit., p. 59.
101
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2003, 8ª ed., pp. 393-
394.
102
O mesmo aconteceu com os gregos. MAZOWER, M. op. cit., p. 290. O historiador norte-
americano Sean McMeekin afirma que em 1896 o Dashnak se aliou ao CUP para preparar a derrubada
do sultão, num putsch debelado pelos serviços de inteligência da Porta. McMEEKIN, S. op. cit., p. 75.
103
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 54.
50

contragolpe orquestrada por forças leais ao sultão fez com que ele fosse exilado para Salônica,
sendo seu irmão entronado em seu lugar. A constituição otomana suspensa por Abdul-Hamid
II foi restaurada e Enver, principal líder do movimento, anunciou ao chegar vitorioso em
Salônica: “Cidadãos! Hoje o soberano arbitrário desapareceu, o governo ruim não mais existe.
Somos todos irmãos. Não há mais búlgaros, gregos, sérvios, romenos, judeus, muçulmanos
[omite-se os armênios] – sob o mesmo céu azul, somos todos iguais, orgulhamo-nos todos de
ser otomanos!”104. Entretanto, a queda do sultão e a restauração da ordem constitucional não
foram suficientes para estancar a crise política, cuja principal fonte era a fragmentação da
porção otomana nos Bálcãs, onde nações cristãs buscavam independência num movimento
que dilapidava o que Perry Anderson definiu como “centro nevrálgico” do Império105 ao
mesmo tempo em que criava um fluxo de refugiados muçulmanos que foram reassentados
pela Porta ao longo das estradas de ferro que cortavam a Anatólia e as províncias orientais,
densamente povoadas por armênios. Bloxham estima que a região recebeu 400 mil imigrantes
muçulmanos, num território que até meados do século XIX tinha aproximadamente 56% de
população não muçulmana106.

O aumento do sentimento anticristão e as tensões provocadas pelo contato entre


recém-chegados muçulmanos na condição de refugiados e cristãos – armênios, gregos e
assírios – já estabelecidos desencadeou uma série de perseguições na região em 1909,
sobretudo na cidade de Adana, mas que atingiu cerca de 200 vilas e cidades da região da
Cilícia, num processo que provocou a morte de 20 mil armênios e mostrou às suas lideranças
que a troca de governo em Constantinopla não significaria uma melhora no tratamento
dispensado às minorias. Durante esses confrontos, algumas localidades armênias conseguiram
improvisar uma resistência armada que impediu uma escalada nas cifras de vítimas e causou a
morte de cerca de dois mil muçulmanos, seja em combates seja em ataques de retaliação107. A
resistência envolvia todos os habitantes das vilas e cidades aptos a manusear em armas, o que
incluía até mesmo clérigos. Na cidade de Sis, um dos líderes do movimento de autodefesa foi

104
“Mais tarde”, continua Mazower sobre Enver, “viria a decisão desastrosa de ingressar na Grande
Guerra do lado da Alemanha, a subsequente campanha militar no Cáucaso, o genocídio armênio e sua
fuga e morte nos campos de batalha da Ásia Central durante a guerra civil russa”. MAZOWER, M. op.
cit., pp. 285-286.
105
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1989, 2ª ed., p. 383.
106
BLOXHAM, D. op. cit., p. 63.
107
Ibid., p. 60.
51

o bispo Kud Mekhitarian que nos anos 1920 chegaria em São Paulo e se tornaria um dos
principais organizadores da nascente comunidade armênia na cidade108.

A radicalização dos Jovens Turcos atingiu contornos ainda mais dramáticos nos
primeiros anos da década de 1910, quando revoltas em Damasco e no Iêmen, mas sobretudo a
perda da região de Trípoli para a Itália em 1911 e a derrota na Guerra dos Bálcãs entre 1912-
13 (anexo: Figura 3) deram espaço para a ascensão dentro do Comitê União e Progresso de
um grupo mais radical liderado pelos três paxás: Ismail Enver, Mehmet Talât109 e Ahmed
Cemal110, numa espécie de golpe dentro do golpe consumado em janeiro de 1913111. Os três
ocuparam os principais postos do governo otomano e amplificaram para todo o país a retórica
turcófila e anticristã, com a defesa da homogeneização do Império Otomano pautada pelo
nacionalismo turco e pelo Islã. Boicotes de negócios gregos e armênios foram organizados e
incentivados pelos Jovens Turcos, nunca tentativa de enfraquecer o poder econômico dos
cristãos ao mesmo tempo em que fortalecia os dos muçulmanos a fim de criar uma “burguesia
turco-muçulmana”, nos termos de Donald Bloxham, e uma economia nacional dominada por
“cidadãos confiáveis”112. A Guerra nos Bálcãs e a deterioração das relações turco-armênias
fizeram com que os grupos armênios que ainda mantinham algum tipo de diálogo com o CUP
deixassem de apoiá-lo, retomando a negociação com as Potências europeias e com o Império
Russo para que esses tomassem parte na questão das minorias otomanas, o que resultou num
plano de reformas esboçado pelos russos com o apoio do patriarca armênio em Echmiadzin –
localidade na chamada “Armênia Russa”, isto é, fora das fronteiras otomanas – que foi
rapidamente condenado pelos alemães que viam na proposta uma tentativa tsarista de
promover a autonomia armênia para anexar em momento oportuno as províncias otomanas
ocupadas por aquele povo. Para Talât e os líderes do CUP, o pedido de intervenção das
lideranças armênias em um momento que a fragmentação imperial era dramática foi a gota
d’água. Na visão da cúpula do Comitê, ou a questão armênia encontrava uma solução “para os
próximos 50 anos”, ou o Império Otomano perderia a Anatólia assim como havia perdido os
Bálcãs113.

108
MEKHITARIAN, Kud. Husher yev Veryishumner. Antilias, Líbano: Patriarcado Armênio da
Cilícia, 1937, p. 97.
109
Ou Talaat, como é lido.
110
Frequentemente grafado como Djemal, conforme pronúncia da letra C na língua turca.
111
BLOXHAM, D. op. cit., p. 60.
112
Ibid., pp. 63-64.
113
Ibid., p. 65.
52

2.4 A Grande Guerra e o Genocídio

Quando a Grande Guerra eclodiu em 1914 nas franjas do Império Otomano114 a


entrada de Constantinopla no conflito ao lado dos Impérios Alemão e Austro-Húngaro – os
mesmos que se aproveitavam da fragilidade da Porta nos Bálcãs para expandir sua influência
na região – apareceu como uma oportunidade para que o CUP recuperasse os territórios
perdidos ao longo das últimas décadas, lançando o país em um conflito contra os velhos
inimigos russos, além de França e Império Britânico, potências europeias que estavam no
imaginário das lideranças otomanas como demasiado intervencionistas nos assuntos do país,
ainda que algumas de suas lideranças tivessem simpatia pela cultura e way of life nos dois
lados do Canal da Mancha. Desde 1815, com o estabelecimento do chamado Concerto
Europeu, franceses e britânicos se reuniam para discutir a dívida otomana ou prescrever
medidas que acelerariam a penetração do capital europeu no país que era considerado o
“doente da Europa”. Tendo decretado falência em 1875, O Império Otomano precisou aceitar
que o capital europeu administrasse sua dívida pública a partir de 1881, o que passou para as
mãos das Potências os lucros alfandegários e os impostos sobre monopólios e comércio115.
Por sua vez, o Império Russo, que a partir de 1880 foi o lugar de modernização e
desenvolvimento comparável somente com o dos EUA nas décadas seguintes, ansiava por
ampliar seu domínio no Cáucaso esticando-o em direção à Anatólia e Oriente Médio, bem
como por evitar que alguma outra potência controlasse a navegação no estreito de Bósforo
que corta Constantinopla e por onde passava 40% de suas exportações em 1912116. O Império
Alemão, por outro lado, era visto com mais simpatia pela elite otomana. O Kaiser Guilherme
II fez visitas oficiais a Abdul-Hamid II nos últimos anos do século XIX, em busca de
concessões que beneficiassem os interesses alemães naquela parte do mundo, principalmente
para a construção de ferrovias como a Berlim-Bagdá, “que naquela época era um meio
indiscutível de ampliar a influência política”117. Ademais, alguns dos Jovens Turcos –
incluindo Enver, líder carismático do CUP e nomeado ministro da Guerra em janeiro de 1914,
com apenas 32 anos118 – receberam educação militar prussiana e esses consideravam que estar
do lado alemão aumentaria as chances de vitória, ainda que houvessem partidários de uma

114
A Bósnia-Herzegovina havia sido província otomana até os anos 1908-09, quando foi anexada pelo
Império Austro-Húngaro. MACMILLAN, M. op. cit., 2014, pp. 404-438.
115
McMEEKIN, S. op. cit., p. 55.
116
MACMILLAN, M. op. cit., 2014, p. 408.
117
Ibid., p. 404 e 420. Cf. também McMEEKIN, S. op. cit.
118
McMEEKIN, S. op. cit., p. 134.
53

aliança com os britânicos ou de manter a neutralidade119. O Kaiser tinha dimensão da


importância dos otomanos no sistema internacional, menos pelo seu poder e mais pela sua
fraqueza e pela disputa europeia para controlar o espólio de um vasto país que se fragmentava
rapidamente. Para Margaret MacMillan:

O Kaiser Wilhelm [...] previu que outras nações aproveitariam o momento


de fraqueza do Império Otomano para reabrir a questão do controle dos
Estreitos e a questão dos Bálcãs, a fim de se apossar de mais territórios.
Temia que fosse ‘o começo de uma guerra mundial, com todas as suas
consequências’. A primeira prova de que estava certo surgiu no ano seguinte
[1912], quando as nações balcânicas se uniram contra o Império Otomano120.

Apesar das expectativas da cúpula do CUP, os primeiros meses de conflito não


foram favoráveis ao Império Otomano. De 2 de novembro de 1914, quando o Tsar declarou
guerra ao sultão manipulado pelo CUP, até abril de 1915, o Império Otomano e seus aliados
em Berlim e Viena acumularam derrotas fragorosas. A proclamação da jihad por
Constantinopla – ostensivamente incentivada pelos alemães, que esperavam uma rebelião em
massa dos súditos muçulmanos britânicos e franceses – se mostrou inócua. A tentativa de
tomada do Canal de Suez pelo IV Exército comandado por uma das principais lideranças do
CUP, Ahmed Cemal, foi facilmente rechaçada pelas tropas britânicas. Enquanto isso, no front
oriental, Enver conduziu o III Exército para a batalha mais desastrosa para os turcos, em
Sarikamish, durante o inverno caucasiano, na qual metade dos quase 100 mil soldados
otomanos morreram121. A propósito das derrotas otomanas nos primeiros anos da Guerra, o
historiador norte-americano Sean McMeekin afirma:

Após o colapso da posição turco-alemã na Arábia, no Cáucaso, na Pérsia e


no Sinai, em 1916, era óbvio para todos em Constantinopla que a meta turca
de recuperar as antigas fronteiras otomanas, sem falar da expansão do
império, era um castelo no ar. [...]
Para amentar a sensação de crise havia o fato de que a Turquia, ao contrário
dos demais beligerantes, estava guerreando, de um jeito ou de outro, desde
1911. Quando as grandes potências estavam iniciando um doloroso terceiro
ano de mobilização e carnificinas no verão de 1916, o Império Otomano
entrava no sexto ano de sua própria guerra de sobrevivência122.

A sorte otomana parecia ter virado em abril de 1915, quando as forças turco-
germânicas do V Exército derrotaram a marinha britânica que tentava atravessar os estreitos
que dividem a Europa da Ásia – e cortam a capital otomana no meio – considerados a

119
BLOXHAM, D. op. cit., p. 66.
120
MACMILLAN, M. op. cit., 2014, p. 465.
121
McMEEKIN, S. op. cit., p. 210.
122
Ibid., p. 339.
54

“traqueia da Eurásia” e principal rota de entrada e saída de mercadorias da Rússia. Em


setembro de 1914, Enver ordenou o fechamento dos estreitos, o que precipitou a declaração
de guerra por parte do Império Russo. Na virada de 1914 para 1915, os britânicos tentavam
furar o bloqueio turco-germânico com a frota mais poderosa dos mares que levavam um corpo
do exército composto por neozelandeses e australianos – o chamado Anzac – mas foram
detidos por minas instaladas no estreito de Dardanelos que afundaram três navios. Apesar da
opinião do Primeiro Lorde do Almirantado Winston Churchill de que as minas poderiam ser
caçadas e evitadas – ainda que custasse mais baixas no lado aliado – o comando britânico
optou pelo desembarque das tropas em terra firme, na península de Galípoli ocorrido em 25
de abril de 1915. Na batalha ali travada, brilhou a estrela de Mustafá Kemal, que conseguiu
manter as posições turcas a despeito da superioridade numérica e bélica da Anzac, o que
rendeu a ele mais do que a condecoração da Cruz de Ferro alemã e a promoção ao posto de
coronel, rendeu uma aura de herói que ele saberia reivindicar ao final da Guerra. Nas palavras
de Sean McMeekin, “as sementes da lenda de Atatürk tinham sido bem plantadas em
Galípoli”123.

Simultaneamente à batalha de Galípoli e tendo a Guerra como véu que embaçava


a visão externa sobre o que acontecia no interior do Império, o Comitê União e Progresso
levava a cabo o extermínio da população armênia otomana – o desembarque da Anzac ocorreu
algumas horas depois da prisão da elite armênia de Constantinopla – eliminando qualquer
possibilidade de uma Armênia independente na Anatólia e indo além com o plano de
homogeneização étnico-econômica do Império, precedida por uma série de leis e decretos que
tornavam legal a deportação dos armênios e a expropriação de seus bens deixados para trás124.
Para Donald Bloxham: “[...] a guerra foi usada como uma forma de encobrir o genocídio, no
entanto, se o crime não podia forçosamente ter sido planejado diante de um futuro incerto,
esse planejamento deve ter sido desenvolvido após a declaração de guerra” [...]125. Em janeiro
de 1915, lançando mão da abolição em 1909 da isenção do serviço militar para os cristãos, os
homens armênios aptos a combater foram convocados a se apresentarem às guarnições mais
próximas para trabalharem, não no front, mas em obras de estradas e ferrovias, o que serviu a
múltiplos propostos: modernização da infraestrutura de transportes que seria necessária para

123
Ibid., p. 220.
124
AKÇAM, Taner. The Young Turks’ Crime Against Humanity: the Armenian Genocide and ethnic
cleansing in the Ottoman Empire. Princeton: Princeton University Press, 2012, pp. 341-371.
125
“[…] the war was used as a cover for the genocide, yet it the crime could not perforce have been
planned against an unsure future, such planning as there was must have developed after the
declaration of war” BLOXHAM, D. op. cit., pp. 66-67.
55

maior mobilidade de tropas otomanas através do país; desmobilização de qualquer tipo de


defesa de localidades armênias que seriam varridas poucos meses depois por forças oficiais e
paramilitares que organizavam as deportações; e extermínio gradual desses trabalhadores126.

A política genocida do governo otomano ficou mais perceptível, contudo, a partir


de abril de 1915, quando os intelectuais armênios foram presos na noite de Páscoa do dia 24 e
deportados para o interior do país. Poucos dias antes, os armênios de Van – histórico reduto
Dashnak, onde o partido armou e treinou homens durante 1914127 – se revoltaram contra a
tentativa de conscrição e desarmamento de sua população masculina, num evento reprimido
pelas forças do CUP que duraria até o final de maio e serviria – assim como aconteceu
durante os massacres hamidianos no final do século XIX – à retórica da Sublime Porta ao
afirmar que as ações contra os armênios eram medidas tomadas contra súditos rebeldes. A
existência de uma população armênia no Cáucaso sob a égide do Império Russo e a
proximidade de algumas de suas lideranças com o Tsar também ajudaram a compor a imagem
dos armênios como o inimigo interno a ser combatido, pois, do contrário, eles poderiam
formar uma espécie de quinta coluna no interior do Império Otomano em prol dos russos128.
Tanto o engajamento de armênios em tropas russas quanto a resistência armada desses às
investidas de grupos paramilitares de curdos ou do exército otomano são discutidas pela
historiografia em um debate – muitas vezes mais político do que acadêmico – sobre o que é
causa e o que é consequência do genocídio. O historiador norte-americano Sean McMeekin –
com experiência docente na Universidade Bilkent, na capital turca Ancara, que não usa a
palavra genocídio para descrever os acontecimentos iniciados em 1915 – assim resume a
relação entre armênios e russos, o confronto em Van e os reflexos desses acontecimentos na
historiografia:

[...] havia um consenso a respeito das atrocidades cometidas durante as


deportações de armênios de 1915 de âmbito sem precedentes e ultrapassando
em muito os níveis de violência vistos em 1894-96 e em 1909. Os
historiadores turcos, embora reconhecendo que milhares de inocentes
houvesse morrido ao longo das deportações, tendiam a enfatizar supostas
traições dos armênios em Sarıkamış, Van, Cilícia e outras localidades,

126
Sobre o trabalho (compulsório ou não) de armênios na construção de ferrovias como a lendária
Berlim-Bagdá, Sean McMeekin frisa, em diversas oportunidades em seu livro, como a deportação de
armênios atrapalhou os planos de finalizar a estrada de ferro planejada pelos alemães. McMEEKIN, S.
op. cit., passim.
127
BLOXHAM, D. op. cit., p. 77.
128
HOLQUIST, Peter. “The politics and practice of the Russian occupation of Armenia, 1915-
February 1917”. In: SUNY, Ronald Grigor; GÖÇEK, Fatma Müge & NAIMARK, Norman M. A
Question of Genocide: Armenians and Turks at the end of the Ottoman Empire. Nova York: Oxford
University Press, 2011, p. 151.
56

convencendo o governo do CUP que tinha uma quinta-coluna nas mãos. Por
seu lado, os autores armênios, embora concordando que alguns concidadãos
haviam se envolvido em atividades guerrilheiras, argumentavam que tinham
somente fornecido ao governo otomano um pretexto conveniente para o que,
na realidade, fora um ato deliberado e premeditado de genocídio129.

A distinção de McMeekin entre historiadores armênios e turcos é demasiada


simplificadora, querendo estabelecer uma dicotomia que vai além de pertencimentos
nacionais ou étnicos. Ele ignora que há historiadores turcos como Taner Akçam, Fatma
Göçek, ou não armênios como Ronald Suny e Donald Bloxham que concordam que o que
houve com a população armênia-otomana foi genocídio e nem por isso são “autores
armênios”. Da mesma forma que Justin McCarthy e Bernard Lewis são famosos por suas
posições contrárias a categorizar o massacre de armênios como genocídio e não podem ser
rotulados como “autores turcos”. O próprio McMeekin tenta manter-se num delicado
equilíbrio entre as duas linhas historiográficas que ele mesmo configurou, vez ou outra
carregando mais nas tintas para o envolvimento dos dashnaks e outros grupos políticos
armênios com os russos e o perigo que isso poderia representar para o esforço de guerra
otomano – o que, em certa medida, legitimaria a realocação dos armênios, mas não o
extermínio. Feitas essas ressalvas, o historiador norte-americano pondera adequadamente
sobre Van:

Quer (como insistem há muito tempo os historiadores armênios) a rebelião


de abril fosse uma espécie de “levante de Varsóvia” preventivo em
autodefesa contra os planos turcos de iminentes assassinatos ou expurgos em
massa, ou quer (como dizem os turcos), essa rebelião tenha sido em si
mesma a causa da campanha seguinte de deportações, a situação foi, sem
sombra de dúvida, um banho de sangue do começo ao fim130.

Para além dos 1-1,5 milhão de mortos131, centenas de milhares de refugiados em


campos no Oriente Médio132 – além de tantos outros que conseguiram permanecer no Império

129
McMEEKIN, S. op. cit., p. 275.
130
Ibid., p. 281. Porém, praticamente culpando os armênios pelo que viria, ele conclui: “Os armênios
tinham todos os móvitos possíveis para se armar e a fim de se proteger e buscar a ajuda dos russos e
seus armamentos, mas, com isso, inevitavelmente provocaram a própria repressão que temiam”. Ibid.,
p. 281.
131
Eric Hobsbawm afirma genericamente que “A Primeira Guerra Mundial produziu a morte de um
incontável número de armênios pela Turquia – a cifra mais aceita é de 1,5 milhão – o que pode ser
considerada como a primeira tentativa moderna de eliminar toda uma população”. HOBSBAWM,
Eric. The Age of Extremes. Nova York: First Vintage Books, 1996, p. 50. Donald Bloxham trabalha,
por sua vez, com a estimativa de um milhão de armênios otomanos mortos, avalizado por pesquisas
demográficas sobre o período da Grande Guerra.
132
Que iriam compor o que alguns chamam de grande diáspora armênia, diferenciando assim
migrações forçadas que aconteceram em outros períodos da história desse povo. SAHAKYAN, V. op.
cit., p. 1.
57

Otomano, escondidos por famílias muçulmanas e, muitas vezes, adotando a religião – e a


expropriação econômica das propriedades e negócios que os armênios conduziam133, o
genocídio armênio deu uma nova dimensão à causa armênia, dotando-a de novas pautas:
inicialmente, a questão de ajuda aos milhares de cristãos armênios que estavam em situação
de risco nos arredores de cidades como Aleppo, Damasco e Beirute, ou às jovens que haviam
sido recolhidas por famílias turcas e curdas e viviam como muçulmanas na Anatólia, ou ainda
aos milhares de órfãos que haviam perdido seus pais durante as deportações e haviam sido
separados de seus familiares sobreviventes; mais tarde, após o fim da Grande Guerra e
durante a República Armênia de 1918-20, a causa armênia se tornou sinônimo de
reivindicação territorial das províncias otomanas orientais na Anatólia de onde os armênios
haviam sido deportados; a partir dos anos 1960, à causa foi acrescida de um novo significado,
qual seja, o reconhecimento dos massacres iniciados em 1915 enquanto crime de genocídio,
tal qual tipificado pela Convenção da ONU.

A extensão dos massacres foi rapidamente conhecida pelo Ocidente, que era
inundado por relatórios de diplomatas, missionários e correspondentes internacionais sobre o
que acontecia com os armênios no interior do Império Otomano. Em maio de 1915, França,
Grã-Bretanha e Império Russo – por pressão desse último – emitiram uma declaração
conjunta acusando o Império Otomano de ser responsável por “crimes contra a humanidade –
e civilização” cometidos contra os armênios134. Originalmente, os aliados cogitaram declarar
o governo otomano culpado por crimes contra a humanidade e “cristandade”, mas esse último
termo foi substituído pela ideia de civilização, ilustrando o que Keith David Watenpaugh
afirma ser um dos componentes-chave do humanitarismo moderno: a fusão – e, algumas
vezes, confusão – das ideias de civilização e humanidade e a equalização de um conceito
ecumênico – embora marcado pela matriz protestante – de cristandade com civilização135.

Enquanto isso, a leste das fronteiras otomanas, nos territórios ocupados por
armênios na Transcaucásia – comumente chamados de Armênia Russa, resultado da expansão
tsarista no início do século XIX no Cáucaso – alguns milhares de armênios que haviam
conseguido fugir do Império Otomano em direção ao Leste se juntaram a outros tantos que
haviam permanecido do lado russo no front de batalha, sob a liderança dos Dashnaks e de

133
Cf. ÜNGÖR, U. & POLATEL, M. op. cit.
134
POWER, S. op. cit., p. 29. Cf. também HOLQUIST, Peter. The Russian Empire as a “Civilized
State”: International Law as Principle and Practice in Imperial Russia, 1874-1878. Washington, D.C.:
The National Council for Eurasian and East European Research, 2004.
135
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, pp. 59-60.
58

outros grupos políticos, aproveitaram a fragmentação do Império Russo após a Revolução de


Outubro e se juntaram a georgianos e azerbaijanos na efêmera República Federativa
Democrática da Transcaucásia, de caráter antibolchevista, cuja existência desagradava os
revolucionários russos que não viam com bons olhos o surgimento de nações independentes
no território que consideravam sua área de influência. A tentativa da Transcaucásia de
promulgar uma constituição a partir de uma assembleia eleita para essa finalidade foi
frustrada pela intervenção militar bolchevique, o que faz aumentar o descontentamento dos
cidadãos do Cáucaso Sul.

Não obstante, a existência da República Federativa agradava de certa maneira os


interesses europeus, que esperavam que o país – sobretudo os armênios, principais
interlocutores do Ocidente na região – bloqueasse tanto o avanço bolchevique na
Transcaucásia e a expansão panturquista rumo aos campos de petróleo de Baku. Franceses e
britânicos enviaram missões militares a Tiflis, centro político da jovem República, com a
missão de recrutar voluntários para comporem as forças de defesa transcaucasianas. Para as
fronteiras armênias, eles esperavam recrutar seis regimentos compostos de armênios russos e
da diáspora, aos moldes do que havia sido feito no final de 1916 com a criação da Legião do
Oriente. O principal desafio era manter uma força militar relativamente pequena – menos de
20 mil homens mal treinados e indisciplinados – para defender uma fronteira que se estendia
do Mar Negro até a Pérsia, contra o exército otomano que, apesar dos revezes na Grande
Guerra, ainda tinha poderio o suficiente para avançar sobre a República da Transcaucásia,
anexando o porto de Batumi na Geórgia e grande parte do já diminuto território armênio136.

Assim aconteceu em dezembro de 1917, quando Enver mobilizou o III Exército


otomano – com 10 mil homens – para avançar sobre os territórios de Kars, Ardahan e Batum
que haviam sido ocupados pelos russos e pelos transcaucasianos. Ao mesmo tempo, o Império
Alemão conseguiu a assinatura bolchevique no Tratado de Brest-Litovsk, em 3 de março de
1918, no qual os russos concordavam em desocupar Polônia, Ucrânia, os países bálticos,
Finlândia, a perda da Bielorrússia e devolver ao Império Otomano as três províncias
supracitadas. Os turcos, incentivados pelos aliados alemães, procuram a República da
Transcaucásia para tentar um acordo em separado, que poderia conservar as três províncias
disputadas, mas renunciaria à chamada “Armênia Turca”. Enquanto georgianos e azerbaijanos
se inclinaram a aceitar a oferta, os armênios protestaram e receberam a garantia que esses

136
TER MINASSIAN, Anahide. La République d’Arménie. 1918-1920. Bruxelas: Editions Complexe,
1989, pp. 49-51.
59

territórios seriam discutidos em uma futura conferência, sediada em Trebizonda em 14 de


março, que terminou sem acordo137. Os georgianos, temerosos de perdas de posições
estratégicas como o porto de Batum, desistiram de resistir aos avanços turcos e procuraram os
alemães para intermediar um acordo com Constantinopla. Na porção oriental da
Transcaucásia, os azerbaijanos não intencionavam entrar em confronto com os turcos, com
quem compartilhavam religião e tinham uma proximidade cultural e linguística. Em 26 de
maio, os georgianos anunciaram sua retirada da República Federativa e proclamaram a
independência da República Democrática da Geórgia, sob proteção do Império Alemão que
estava de olho no oleoduto que ligava os campos de petróleo do Mar Cáspio ao porto de
Batum, no Mar Negro. Um dia depois, os azerbaijanos fazem o mesmo com apoio turco para
libertar Baku – polo petrolífero e cidade mais industrial da Transcaucásia – das tropas
bolcheviques apoiadas por grupos armênios. Os armênios, isolados, proclamaram sua
independência em 28 de maio de 1918 desde Tiflis – então capital da independente Geórgia –
e, com isso, o fim da República da Transcaucásia.

2.5 A República Armênia (1918-1920)

A independência da Armênia, embora formalmente proclamada, ainda precisava


ser conquistada de fato nos campos de batalha e diplomático. Enquanto delegados do
Conselho Nacional Armênio viajavam até Batum para negociar uma trégua com o Império
Otomano, o frágil exército armênio conseguiu evitar o avanço das tropas turcas que
intencionavam chegar a Yerevan, onde um quarto da população era muçulmano138. Armênios
e turcos chegaram a um acordo no Tratado de Batum, em 4 de junho, no qual os primeiros
renunciaram às pretensões territoriais sobre a chamada “Armênia Turca”, isto é, as províncias
orientais otomanas nas quais viviam a maioria da população armênia do Império. Ademais,
Armênia não conseguiu garantir uma saída ao mar. Em contrapartida, os turcos reconheciam a
independência armênia e as fronteiras acordadas. Muitos armênios consideraram o tratado
uma derrota e lideranças como o General Antranik não reconheciam a legitimidade do tratado

137
Ibid., pp. 54-56.
138
Ibid., p. 72.
60

e nem mesmo do governo armênio e mantiveram suas tropas mobilizadas que entravam em
confronto com turcos e azerbaijanos na região sul da Transcaucásia139.

A independência de 1918 marcava a primeira vez desde o século XIV que os


armênios possuíam a soberania de um território. Não obstante o êxito em obter a autonomia
nacional, os trinta meses de duração da república armênia foram marcados por desafios e
adversidades. Embora a independência tenha sido proclamada em maio, foi somente em
meados julho que o governo nacional se mudou de Tiflis para Yerevan, após pressão do
governo georgiano para que os líderes armênios deixassem a capital daquele país. A
assembleia legislativa iniciou seus trabalhos em agosto, mas a república só começou a
funcionar de fato em dezembro de 1918, quando a Grande Guerra chegou ao fim e os
conflitos na região diminuíram140. Hovhannes Katchaznouni, primeiro chefe da república,
definiu nos seguintes termos a condição do recém-nascido país:

Meu governo não tem qualquer precedente sobre o qual possa se apoiar. Ele
não beneficia de qualquer herança do governo anterior. Nem mesmo herda
reservas constituídas pelo poder central. Ele deve começar tudo do início.
Ele deve estabelecer um organismo viável e funcional a partir de um caos
informe e de um monte de ruínas. Por outro lado, o governo vê o país em um
estado que só pode ser qualificado por uma palavra: catastrófico!141

Além das dificuldades internas – como, por exemplo, dar asilo a 450 mil
refugiados, combater epidemias de cólera e tifo e crises de abastecimento – os armênios
precisavam se afirmar no cenário internacional, aproveitando o final da Guerra para tentar
garantir territórios que haviam sido perdidos para os vizinhos nos meses anteriores. Com
efeito, grupos armados armênios conseguiram recuperar alguns territórios do derrotado
Império Otomano, enquanto disputavam outros com a Geórgia. Simultaneamente,
representantes armênios pressionavam as Potências na Conferência de Paz de Paris em 1919.
Essa representação era composta por duas figuras principais.

A primeira era Boghos Nubar, abastado homem de negócios cuja fortuna familiar
teve origem no Cairo, onde ele fundou e presidiu a União Geral Armênia de Beneficência
(UGAB) em 1906, instituição filantrópica para ajuda dos armênios atingidos pelas
139
Ibid., pp. 83-86.
140
Ibid., pp. 112-116.
141
« Mon gouvernement n’a aucun précédent sur lequel il puisse s’appuyer. Il ne recueille aucun
héritage du gouvernement antérieur. Il n’hérite même pas de réserves constituées par le pouvoir
central. Il doit tout commencer depuis le début. D’un chaos informe et d’un monceau de ruines, il doit
tirer un organisme viable et fonctionnel. D’autre part, le gouvernement trouve le pays dans un état qui
ne peut être qualifié que d’un seul mot : catastrophique! » Hovhannes Katchaznouni, 3 de agosto de
1918 apud TER MINASSIAN, A. op. cit., pp. 114-115.
61

perseguições no Império Otomano. Boghos Nubar foi indicado como “representante do povo
armênio na Europa” no contexto do final da Guerra dos Bálcãs pelo patriarcado armênio142 e
usava todo seu prestígio e redes de contatos para ter acesso aos tomadores de decisão das
Potências. Orbitavam em torno de Boghos Nubar indivíduos como Archag Tchobanian, poeta
radicado em Paris e líder do partido democrata liberal armênio, que seria um dos primeiros
contatos que o então padre Etienne Brasil teria com lideranças armênias de relevo mundial,
ainda no ano de 1913. O filantropo foi também o responsável, após negociações com Paris e
Londres, pela criação da Legião do Oriente, divisão militar estrangeira, incorporada ao
exército francês em 1916, composta por voluntários armênios de diversas partes do mundo e
por combatentes independentes com o intuito de libertar a região da Cilícia do Império
Otomano. De acordo com o pesquisador Narciso Binayán, somente da Argentina cerca de 170
homens deixaram o porto do Rio da Prata rumo à Marselha com o objetivo de ingressar na
Legião143. Esses combatentes ocupariam a Cilícia sob supervisão francesa ao final da Grande
Guerra – cumprindo o acordo de Sykes-Picot – e ali permaneceriam até Paris reconhecer a
soberania turca em 1920 e retirar seus contingentes da região, promovendo uma nova onda de
perseguições aos cerca de 150 mil armênios que haviam retornado a cidades como Marash e
Adana contando com a segurança oferecida pelas tropas francesas144. Não obstante, a Legião
do Oriente foi uma das bases para formação do exército da recém-proclamada república145.

A segunda figura que compunha o grupo de pressão no ocidente era Avetis


Aharonian, membro do Dashnak e representante do governo da República Armênia na
Europa. Aharonian não contava com a experiência, prestígio ou networking de Boghos Nubar
e ainda precisava lidar com a hostilidade do filantropo para com ele e seus correligionários,
que não reconheciam a delegação chefiada por Aharonian, tampouco a república a qual eles
recusavam a chamar de “Armênia” e se referiam como “república araratiana”146. O delegado
republicano havia recebido a missão de pleitear junto as Potências reunidas em Paris o
alargamento das fronteiras da Armênia com a anexação das seis províncias orientais otomanas
e um corredor que desse acesso ao Mar Negro passando pela província de Trebizonda. A
demanda de Boghos Nubar e seus delegados, por sua vez, bem mais ambiciosa, era por um

142
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 57.
143
CARMONA, Narciso Binayán. Entre el Pasado y el Futuro: los armenios en Argentina. Buenos
Aires: Editorial Armerias, 1996, p. 91.
144
TER MINASSIAN, A. op. cit., p. 172.
145
Cf. VARNAVA, Andrekos. “French and British Post-War Imperial Agendas and Forging an
Armenian Homeland after the Genocide: The Formation of the Légion d’Orient in October 1916” In:
The Historical Journal, 57, pp. 997-1025.
146
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 58.
62

território que ligasse a “república araratiana” à Cilícia, o que fez com que Aharonian ajustasse
o foco de suas reivindicações e encampasse a agenda do filantropo147. A aproximação foi
consolidada em dois congressos no começo de 1919, nos quais houve o consenso de que
haveria de acontecer um esforço de união em nome de uma “Armênia livre e independente”, o
que durou pouco tempo, pois o Dashnak, partido da situação na república, clamava para si e
seu governo o direito a autoridade executiva e legislativa sobre os assuntos armênios148. O
cisma fez com que ambas as delegações frequentassem os fóruns internacionais
independentemente, mas foi o grupo de Aharonian o reconhecido pela comunidade
internacional como representante legítimo da República Armênia. De acordo com Richard
Hovannisian “os Aliados podiam ter muito mais respeito e confiança em Boghos Nubar, mas
foi Avetis Aharonian o convidado a apor a assinatura no Tratado de Sèvres”149. Foi ele quem
nomeou Etienne Brasil o representante diplomático armênio no Brasil e se tornou o principal
interlocutor do intelectual radicado no Rio de Janeiro durante o seu período em ofício. Para
Ter Minassian, todavia, as diferenças políticas não impediam que ambos os representantes
trabalhassem pela causa armênia, ainda que adotando estratégias e discursos distintos150. Na
prática, Boghos Nubar representava os interesses e anseios dos armênios ocidentais, oriundos
do Império Otomano – o que incluía bem-sucedidos homens de negócios otomanos que
mesmo antes do genocídio viviam em grandes centros europeus – enquanto Aharonian, com
o seu mandato assegurado pela República Armênia e pelo Dashnak, ficou associado com os
chamados outrora de “armênios russos”, isto é, aqueles que habitavam a Transcaucásia e seus
principais centros, como Tiflis e Baku. O desafio dos líderes de ambos os grupos era a
consecução da unificação armênia, com os territórios otomanos e caucasianos, abarcando,
assim, o interesse de todos. As tensões se tornavam mais visíveis quando, por exemplo,
durante a barganha geopolítica, Aharonian e o governo da república aceitaram abrir mão de
determinados territórios na Anatólia visando a manutenção de outros na Transcaucásia, o que
enfurecia sobremaneira Boghos Nubar e os armênios ocidentais.

147
TER MINASSIAN, A. op. cit., pp. 158-159.
148
SAHAKYAN, V. op. cit., pp. 59-60.
149
“Allied officials might have far more respect for and confidence in Boghos Nubar, but it was Avetis
Aharonian whom they were to invite to affix his signature to the Treaty of Sèvres”. HOVANNISIAN,
R. op. cit., 1996, p. 372.
150
“Separados ou unidos, Boghos Nubar e Avedis Aharonian buscaram o reconhecimento da
República armênia, a obtenção do repatriamento dos refugiados armênios na Turquia, a garantia de sua
realocação por uma força de ocupação aliada e a encontrar um poder mandatário”. TER MINASSIAN,
A. op. cit., p. 168.
63

Com os olhos do mundo voltados para as decisões que líderes tomariam sobre os
rumos da Europa, jornais brasileiros enviaram correspondentes especiais para cobrirem as
negociações. Um desses periódicos, o carioca A Epoca, deu amplo espaço às informações
enviadas pelo seu correspondente sobre a “questão armênia” no âmbito da Conferência151.
Segundo o correspondente, nenhuma delegação havia recebido uma recepção tão calorosa dos
demais delegados quanto a armênia, especialmente por parte dos ingleses, norte-americanos,
mas também dos franceses – de fato, segundo Robert Suny, a conferência teve em seus
primeiros momentos uma atmosfera pró-Armênia152. Para o jornalista, era com “natural
constrangimento” de quem poderia ter evitado que os armênios fossem perseguidos no
Império Otomano, mas não o fizeram, que as Potências recebiam com “alegria” suas
reivindicações, as quais estariam em plenas condições de atender. Porém, a vasta extensão
territorial requisitada dificilmente seria aceita pelas Potências, incluindo a França, que tinha
interesse na cidade portuária de Alexandreta, que os armênios também incluíam em suas
aspirações. Além disso, a incorporação dos referidos territórios a um Estado armênio faria
com que esse país tivesse uma população majoritariamente não armênia, uma vez que os
massacres alteraram a demografia das províncias litigiosas que tinham agora predominância
populacional turca e curda. À guisa de conclusão, o jornalista afirmou que, embora inviável,
negar os territórios seria “sancionar a política turca de perseguições e massacres...”. Embora
houvesse um descompasso entre as aspirações armênias e a disposição das Potências em
atendê-las, a Conferência de Paz de Paris parecia ser o momento em que a autodeterminação
sairia da imaginação de nacionalistas românticos e tomaria forma sob o auspício moral de
Woodrow Wilson:

[…] grupos que aspiravam a autodeterminação formaram delegações,


selecionaram representantes, formularam demandas, lançaram campanhas e
mobilizaram público para apoiá-los. Elaboraram e circularam uma enxurrada
de declarações, petições e memorandos direcionados aos líderes mundiais
reunidos em Paris e à opinião pública em todo o mundo. Muito dos
requerentes adotaram a retórica de Wilson de autodeterminação e equidade
das nações para formular suas demandas e justificar suas aspirações, seja
porque eles achavam a linguagem atraente, ou, principalmente, porque
acreditavam que ela seria efetiva na promoção de suas causas153.

151
A Epoca. Rio de Janeiro: 10 de abril de 1919, p. 1 (HDB/BN).
152
SUNY, Robert. Apud LAYCOCK, J. op. cit., p. 196.
153
“[…] groups aspiring to self-determination formed delegations, selected representatives,
formulated demands, launched campaigns, and mobilized publics behind them. They composed and
circulated a flood of declarations, petitions, and memoranda directed at the world leaders assembled
in Paris and directed at public opinion across the world. Many of the petitioners adopted Wilson’s
rhetoric of self-determination and the equality of nations to formulate their demands and justify their
64

Sem embargo, dentre os líderes mundiais reunidos em Paris, era o mandatário


norte-americano que nutria maior simpatia pelas reivindicações armênias – e também por
outras “nações mais fracas” da Europa como checos, poloneses e belgas154. Acadêmico – ex-
reitor de Princeton – e marcadamente influenciado pela moralidade presbiteriana –
denominação protestante responsável por alguns orfanatos que acolheram crianças
armênias155 – Wilson foi um dos muitos norte-americanos tocados pela imagem elaborada de
uma Armênia cristã martirizada por muçulmanos em terras bíblicas, no “berço da
civilização”, onde muitos compatriotas protestantes estavam em missão, administrando
hospitais, orfanatos e campos de refugiados povoados por sobreviventes do genocídio. Nesse
sentido, a delegação dos EUA comandada pelo próprio Wilson tinha entendimento
semelhante ao dos representantes armênios, isto é, a criação de uma Armênia independente
que reunisse os territórios do Cáucaso, Anatólia e Cilícia cuja existência deveria ser tutelada
por uma nação mandatária no contexto de uma sociedade internacional de nações156. Apesar
desse plano não ter saído do papel – o Congresso dos EUA não ratificou o Tratado de
Versalhes, tampouco permitiu o mandato sobre a Armênia, o que Bertrand Badie definiu
como uma derrota de Wilson pelo próprio Congresso157 – o esforço dos delegados armênios e
a simpatia dos norte-americanos garantiram que muitas demandas estivessem contempladas
no Tratado de Sèvres, assinado pelos Aliados e pelo derrotado Império Otomano em agosto de
1920, cujo texto previa, em seus artigos 88 e 89, o reconhecimento turco da existência da
independência armênia com fronteiras traçadas pelo próprio Wilson, num desenho que ficou
conhecido como a “Armênia Wilsoniana”. Esse mapa seria utilizado pela diáspora armênia
por muitos anos como símbolo de suas reivindicações e como lembrete da “traição” mundial –
nos termos de Watenpaugh158 – ante as promessas territoriais feitas em Sèvres e nunca
cumpridas. Nos anos 1940, foi divulgado no Brasil por Agop Kaisserlian o “Memorando
sobre a Questão Armênia”, panfleto que trazia na sua capa o mapa armênio acorrentado com a

aspirations, both because they found his language appealing and, more importantly, because they
believed it would be effective in advancing their cause”. MANELA, Erez. The Wilsonian Moment:
self-determination and the international origins of anticolonial nationalism. Nova York: Oxford
University Press, 2007, pp. 4-5.
154
Ibid., p. 17.
155
WATENPAUGH, K. op. cit,, 2015, p. 73.
156
HOVANNISIAN, Richard. “The Armenian Genocide and US post-war commissions” In:
WINTER, Jay (org.). America and the Armenian Genocide of 1915. Nova York: Cambridge
University Press, 2003, p. 259.
157
BADIE, Bertrand. O Diplomata e o Intruso: a entrada das sociedades na arena internacional.
Salvador: Edufba, 2009, p. 39.
158
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, p. 182.
65

imagem de Wilson de punho cerrado e os dizeres “essas terras pertencem à Armênia”159


(anexo: Figura 4).

Simultaneamente, os armênios intensificaram as atividades diplomáticas com o


objetivo de obter o reconhecimento internacional à independência e autonomia do país. Em
maio de 1919, o primeiro aniversário da independência da república foi celebrado com alarde
em importantes centros armênios como Tiflis, Baku, Constantinopla, mas também em cidades
dos EUA e Europa, para divulgar a imagem do país no Ocidente. Corpos diplomáticos foram
instalados nas principais capitais europeias e em Washington, além de localidades na África,
Ásia e América do Sul. Segundo Pascual Carlos Ohanian, consistia em prática comum
permitir que as comunidades diaspóricas que tivessem condições materiais abrissem
representações diplomáticas pelo mundo a fim de defender os interesses armênios160. Se por
um lado essa política resultava em grande representatividade diplomática em importantes
capitais a custo zero para a paupérrima República Armênia – o número de representações
chegou a 36 em 1920161 – gerava, por outro lado, um grande número de quadros diplomáticos
sem nenhum tipo de conhecimento ou experiência para exercerem essas funções e que eram
desconhecidos do governo em Yerevan:

[...] o governo da República da Armênia não podia ser totalmente soberano


em suas relações exteriores [...]. Quando a comunidade armênia apresentava
a candidatura de alguma pessoa, o governo da Armênia não tinha
possibilidade de conhecer a idoneidade dessa pessoa, suas características de
aptidões, seus pontos de vista políticos, tendo em conta a elevada
responsabilidade que assumiria ao representar o Estado ante governos
estrangeiros. Às vezes, para ocupar esses cargos, se designavam pessoas que
não estavam totalmente preparadas para cumprir a finalidade de defender os
interesses armênios162.

Frequentemente, o inexperiente Etienne Brasil se via em situações delicadas


causadas pelo pouco traquejo que tinha com o ofício que constituía, nas palavras de Teresa
Malatian, seguindo as formulações de Norbert Elias sobre a sociedade de corte, “uma
ocupação reservada à nobreza, exigindo pertença ou relações sociais adequadas. Ela
[diplomacia] exige”, continua Malatian, “certos traços distintivos dessa sociabilidade, tais
como ‘a adequação perfeita das atitudes, dos gestos judiciosamente calculados, das frases com

159
Memorandum sobre a Questão Armênia: apresentado ao conselho dos ministros das relações
exteriores. Nova York: Conselho Nacional Armênio da América, 07 de março de 1947.
160
OHANIAN, Pascual Carlos. La Cuestión Armenia y las Relaciones Internacionales. Buenos
Aires/Yerevan: Academia Nacional de Ciencias de la Republica de Armenia, 2010, tomo VI, pp. 317-
318.
161
Ibid., p. 59.
162
Ibid., p. 318.
66

vários sentidos’”163. Richard Hovannisian sumariza as adversidades enfrentadas pela


diplomacia armênia ao redor do mundo, ressaltando a carência de informações básicas que
enfrentavam os recém-nomeados – e muitas vezes não reconhecidos pelos países receptores –
diplomatas armênios:

O governo armênio não tinha moeda forte para estabelecer e manter postos
diplomáticos; faltava pessoal diplomático profissionalmente treinado; e
frequentemente se via no meio de rixas arraigadas e conflitos pessoais nas
diferentes comunidades armênias. Os representes diplomáticos armênios, por
sua vez, eram repetidamente exasperados pelos longos atrasos no
recebimento do essencial para suas funções, incluindo credenciais
apropriadas e informações básicas sobre a República Armênia, órgãos
governamentais, líderes, regulações para passaportes e vistos, hino, moeda,
selos, regulações sobre investimentos estrangeiros, etc.164

Apesar dos desafios, a questão armênia aparentava caminhar para uma resolução
no começo de 1920. Em 19 de janeiro, o Conselho Supremo das Potências Aliadas e
Associadas – composto pelos mandatários de Grã-Bretanha, França e Itália – reconheceu o
poder instituído na Armênia como um governo de facto, ainda que restasse as questões
fronteiriças a serem resolvidas. Em 23 de abril, os EUA seguiram a mesma decisão do
Conselho. Poucos dias depois, o Conselho Supremo reunido em San Remo – acrescido de um
representante japonês – requisitou que os norte-americanos assumissem o mandato sobre a
Armênia e que Woodrow Wilson ficasse responsável por arbitrar as contendas territoriais
entre turcos e armênios. Embora o mandato nunca tenha se concretizado, Wilson aceitou a
tarefa de produzir o laudo arbitral que era visto como crucial para a paz no Oriente
Próximo165. As fronteiras de Wilson garantiriam à Armênia um território de mais de 155 mil
km²,166 uma população a princípio estimada de três milhões de pessoas – da qual 50% seria
composta armênios residentes na região e refugiados regressos; 40% por turcos, curdos e
tártaros; e o restante por gregos, yezidis, russos, assírios, dentre outros – e acesso ao mar

163
MALATIAN, Teresa. Oliveira Lima e a Construção da Nacionalidade. Bauru: Edusc, 2001, p. 16.
164
“The Armenian government had no hard currency to establish and maintain diplomatic posts; it
lacked professionally trained diplomatic personnel; and it was often caught in the middle of deep-
seated rifts and personality conflicts within the various Armenian communities. The Armenian
diplomatic representatives, in turn, were repeatedly exasperated by the long delays in receiving the
Essentials of their position, including proper credentials and basic information about the Armenian
republic, its governing organs, its leaders, its passport and visa regulations, its national hymn, Money,
and postage, its regulations regarding foreign investment, and so forth”. HOVANNISIAN, R. op. cit.,
1996, p. 386.
165
PAPIAN, Ara (org.) Arbitral Award of the President of the United States of America Woodrow
Wilson: full report of the Committee upon the arbitration of the boundary between Turkey and
Armenia. Washington, November 22nd, 1920. Yerevan: Modus Vivendi, 2011, pp. ii-iii.
166
À guisa de comparação, a Armênia Soviética possuía menos de 30 mil km²
67

através da província otomana de Trebizonda167. Apesar da exclusão de alguns territórios


reivindicados pelas lideranças armênias e a composição demográfica heterogênea, o novo
Estado reconhecido pela comunidade internacional possivelmente sob mandato estrangeiro
parecia a solução para um povo que tentava reconstruir o tecido social após anos de
genocídio, dispersão e guerras. Ainda nas palavras de Hovannisian:

Armênios por todo o mundo fervorosamente esperavam que sua antiga pátria
fosse restaurada em um Estado-nação moderno sob tutela e proteção do
Ocidente. Os Aliados tinham os recursos militares e econômicos, a
autoridade política e o prestígio moral para fazer da livre e independente
Armênia uma realidade168.

Contudo, os planos das Potências para o espólio otomano ajudaram a reagrupar


grupos nacionalistas turcos que haviam perdido força com a derrota na Guerra. A ocupação
estrangeira de Constantinopla, as reivindicações das minorias para criar Estados
independentes no território otomano e a ocupação grega de Esmirna em maio de 1919
catalisaram o nacionalismo turco, que encontrou no general Mustafá Kemal seu líder.
Ademais, a negativa do congresso norte-americano em aceitar o mandato sobre a Armênia
permitiu, na opinião de Archag Tchobanian, a reorganização dos turcófilos na Europa,
mitigando o apoio à causa armênia169.

O chamado movimento kemalista reuniu militares leais ao general e parcelas da


sociedade turco-muçulmana contra o desmembramento do território otomano e a criação de
um “lar nacional turco” na Ásia Menor, em locais onde armênios e gregos desejavam anexar
aos seus Estados. Rebelado contra o governo em Constantinopla, Kemal e seus aliados criam
na cidade de Angora – hoje Ancara, atual capital turca – a “Grande Assembleia Nacional da
Turquia” que reivindicava para si a autoridade nacional. Logo, Angora iniciou conversas com
Moscou para a criação de uma espécie de eixo anti-imperialismo ocidental naquela parte do
mundo. Assim, ambos identificavam no governo da República Armênia um agente ocidental
incrustrado no Cáucaso que deveria ser derrubado. Com o apoio kemalista e de comunistas
turcos, os bolcheviques anexaram o Azerbaijão em abril de 1920 e com isso retiraram os
campos de petróleo de Baku da alça de mira do Ocidente. Ademais, a presença bolchevique

167
Full report of the committee upon the arbitration of the boundary between Turkey and Armenia. In:
PAPIAN, A. op. cit., pp. 69-73.
168
“Armenians around the world fervently hoped that their ancient homeland would be called back
into being as a modern nation-state under the guidance and protection of the West. The Allies had the
military and economic resources, the political authority, and the moral prestige to make a free and
united Armenia a reality.” HOVANNISIAN, R. op. cit., 1996, p. 1.
169
Ibid., p. 374.
68

no Azerbaijão era garantida por 70 mil homens do Exército Vermelho no Cáucaso, que seriam
utilizados para pressionar Geórgia e Armênia a seguirem o mesmo caminho170. Ao mesmo
tempo, os bolcheviques armênios que criticavam os rumos que o governo dashnak dava ao
país – o qual definiam como “pequeno-burguês” – se fortaleciam com a presença vermelha na
região171.

Em agosto de 1920, o Tratado de Sèvres foi assinado entre os Aliados e o governo


de Constantinopla. O texto previa a divisão da Anatólia em zonas de influências de Itália e
França, além de dar aos gregos o controle da Trácia e de Esmirna, colocar os estreitos sob
tutela de uma comissão internacional e de criar de um Estado armênio independente172 – com
a aquiescência de turcos e armênios em ter Wilson como árbitro da contenda – o que foi
prontamente condenado por Mustafá Kemal e seus apoiadores que já marchavam na Anatólia
para recuperar Kars e ocupar as demais províncias que o Tratado reconhecia como território
armênio. Em setembro, Kemal enviou seu principal general, Karim Karabekir, para iniciar
uma ofensiva contra a Armênia, no que ficou conhecida como guerra armênio-turca. Nessa
altura, o exército armênio estava dividido entre favoráveis e contrários à sovietização, o que
diminuiu o poder de defesa do país contra os avanços dos motivados soldados turcos. Em 30
de outubro, os armênios perderam Kars e grupos turcos pilharam vilas na região. Em
novembro, os turcos conquistaram Alexandropol – atual Gyumri – a mais importante cidade
armênia onde os comunistas ganhavam cada vez mais espaço. Enquanto isso, os diplomatas
armênios ao redor do mudo tentavam obter apoio da comunidade internacional para condenar
os avanços turcos e reconhecer a soberania da Armênia. Internamente, os líderes armênios
discutiam se o cenário menos pior seria a sovietização ou um acordo com os kemalistas.
Pressionados pelos turcos, eles concordaram em renunciar às resoluções de Sèvres no Tratado
de Alexandropol. Em 29 de novembro de 1920, um grupo de comunistas desde Baku
demandaram a intervenção do Exército Vermelho no país e proclamaram a sovietização da
Armênia. No dia 2 de dezembro, armênios e russos assinaram um acordo que transformou o
país numa república dentro da estrutura bolchevique. Poucos dias depois, o Exército
Vermelho entrava em Yerevan sem encontrar resistência. Com a anexação bolchevique, o
Tratado de Alexandropol foi anulado e em 1921 foi celebrado um novo acordo entre armênios
soviéticos – com a presença de delegados soviéticos da Geórgia e Azerbaijão – e Turquia, que
deu à Armênia os contornos fronteiriços que têm até os dias de hoje. Dois anos mais tarde,

170
Ibid., pp. 200-201.
171
Ibid., p. 208.
172
LAYCOCK, J. op. cit., p. 198.
69

seria assinado na cidade suíça de Lausanne o tratado que acabaria de vez com as pretensões
armênias sobre as províncias orientais da Anatólia. O Tratado de Lausanne de 1923
reconhecia a recém-proclamada República da Turquia, bem como suas fronteiras naquele
momento, ignorando Sèvres e não fazendo menção alguma aos armênios. Na opinião de Vahe
Sahakyan173 e Keith David Watenpaugh174, Kars e Lausanne selaram a questão armênia que
ficou relegada por décadas a uma questão da burocracia soviética. Nas palavras de Alan
Palmer:

As reivindicações dos armênios e dos curdos foram praticamente ignoradas


na Conferência [de Lausanne]. Não se ouviu mais falar de uma Armênia
independente e tampouco de um Curdistão autônomo. Foram apresentadas
propostas para a criação de um “Lar Nacional” armênio, mas os turcos se
recusaram a discutir o assunto, que não mais foi ventilado por franceses e
ingleses. Assim, os armênios continuaram um povo dividido, alguns na
União Soviética, muito se estabelecendo na Síria e no Líbano, e outros
vivendo submissos na cidade agora conhecida como Istambul175.

No último mês de 1920, enquanto as Potências e países como Brasil e Espanha


discutiam nos fóruns da Liga das Nações como impedir a escalada de violência entre turcos e
armênios, a bolchevização já era uma realidade para os habitantes do Cáucaso e as questões
fronteiriças da Armênia, seja com a Turquia, seja com o Azerbaijão – com quem disputava os
territórios de Nagorno-Karabakh, Nakhichevan e Zangezur – passassem a ser discutidos por
Moscou e não pelos dashnaks, que passaram a atuar como se fossem representante de um
legítimo governo armênio, não reconhecendo a sovietização. Em 1921, os dashnaks tentaram
um contragolpe, mas logo foram sufocados pelo Exército Vermelho. Desse ponto em diante,
ocorreu uma polarização em toda a diáspora entre armênios entusiastas e contrários à Armênia
Soviética. Para os primeiros, que encontravam expressão política no partido socialdemocrata
Hnchakyan, no liberal Ramkavar e na União Geral Armênia de Beneficência, a Armênia
sovietizada, ainda que não fosse a Armênia livre e independente com as fronteiras traçadas
por Wilson, era a república possível, onde viviam armênios e a língua materna era falada, não
obstante o esforço bolchevique para a russificação do Cáucaso. Em outras palavras, a
sovietização foi encarada como o mal menor. Para os autointitulados socialistas
revolucionários dashnaks, por outro lado, a sovietização da Armênia marcava mais um dos
muitos jugos que esse país teve que enfrentar ao longo da sua história e não representava uma
nação armênia, cujos representantes como Avetis Aharonian viam a si próprios como uma

173
SAHAKYAN, V. op. cit., p. 61.
174
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, p. 89.
175
PALMER, A. op. cit., p. 264.
70

espécie de “governo no exílio” que lutaria a partir da diáspora para que o Tratado de Sèvres
fosse respeitado e para que a Armênia se libertasse da ocupação bolchevique. Essa
polarização na diáspora aumentou após a II Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, quando,
não raramente, desavenças entre armênios de diferentes grupos políticos terminavam em
debates acalorados, agressões físicas, prisões e, eventualmente, mortes.

Mais do que diferenças políticas, a existência da Armênia Soviética e a


manutenção das seis províncias orientais da Anatólia e da Cilícia sob controle da República
da Turquia criavam distintas percepções de pátria para armênios na diáspora. A maioria dos
sobreviventes que então se reagrupava em comunidades no Oriente Médio, Europa e
Américas não era oriunda das vilas e cidades que faziam parte da Armênia Soviética e não
tinha a percepção de pertencimento pátrio àquele país. Por outro lado, suas localidades de
origem estavam dentro das internacionalmente reconhecidas fronteiras da República da
Turquia, cuja modernização nacionalista capitaneada por Mustafá Kemal não daria espaço
para as demandas de minorias como armênios, gregos e curdos. Restava, portanto, construir
uma nação imaginada a partir da dispersão onde se organizariam em torno de entidades como
igrejas, partidos políticos e associações de compatriotas de uma determinada cidade otomana,
como Marash, Zeytun ou Hadjin, ressignificando o “ser armênio” e a chamada “armenidade”
em diáspora.
71

3 A CHEGADA DA CAUSA ARMÊNIA AO BRASIL

Analisar-se-á neste capítulo como o conjunto de reivindicações territoriais,


políticas e morais dos armênios – a chamada causa armênia – chegou ao Brasil e se
institucionalizou por meio, principalmente, da ação de um intelectual radicado no Rio de
Janeiro. O recorte temporal é balizado entre o início da década de 1910, quando Etienne
Brasil chegou à capital federal, até o começo nos anos 1920, quando a sovietização da
Armênia era uma realidade irreversível e a representação diplomática da república armênia
independente foi dissolvida. Assim, interessa compreender, sobretudo, como o governo
brasileiro reagiu aos desafios lançados pelo representante diplomático armênio no Rio de
Janeiro, incorporando, em alguma medida, suas reivindicações à pauta da política externa
brasileira naquele período.

Contudo, a análise não deve se restringir ao escopo tradicional dos estudos das
Relações Internacionais nos quais os atores estão circunscritos aos Estados ou às grandes
instituições não estatais como, por exemplo, a Liga das Nações. Há que se pensar na ação de
uma diáspora como uma força transnacional cujos atores operam, em maior ou menor grau, de
maneira independente, ainda que suas ações sejam pautadas por um ou mais centros
decisórios de onde emanam algumas diretrizes. Esses atores, os quais Khachig Tölölyan
chama de “elites da diáspora”176, não agem exatamente como agentes “táticos”, que executam
as políticas formuladas pelos agentes “estratégicos”, conforme entendimento de Jean-Baptiste
Duroselle177. Não raramente, as elites da diáspora, que atuam como representantes de países
não reconhecidos, exercem tanto as tarefas estratégicas quanto as táticas, pois a conexão com
a pátria-mãe é por vezes falha ou inexistente, não sendo possível que as decisões aos desafios
urgentes postos nas sociedades receptoras sejam sempre homologadas por um governo central
ou esfera correlata. Para Tölölyan:
As elites que dominam, financiam e compõem as organizações diaspóricas,
sustentam suas conexões com a pátria-mãe e mobilizam os armênios étnicos
são constituídas por clérigos, ricos filantropos e inúmeros pequenos
doadores que financiam as principais instituições; os empregados
politicamente mobilizados e voluntários que compõem suas organizações; e
por último, mas não menos importante, pelos acadêmicos, intelectuais,

176
TÖLÖLYAN, Khachig. “The Armenian Diaspora as a transnational actor and as a potential
contributor to conflict resolution”. In: Capacity Building for Peace and Development: roles of
diaspora. Toronto: University for Peace/United Nations, High level expert forum, booklet 1, 2006.
177
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império Perecerá: teoria das relações internacionais.
Brasília/São Paulo: UnB/Imprensa Oficial, 2000, pp. 101-102.
72

jornalistas e artistas que se engajam na produção cultural diaspórica e tanto


recorrem quanto interveem na cultura e nos debates da sociedade
receptora178.

No caso de Etienne Brasil, personagem responsável pela inserção das


reivindicações armênias na sociedade e na política brasileira dos anos 1910-20, algumas
dessas características se sobrepõem. Como intelectual, oriundo dos seminários da Igreja
Católica e dos bancos da universidade, ele lançava mão de seus conhecimentos e do status de
doutor para angariar atenção às demandas de seu povo, auxiliado pelo filantropismo de outros
armênios residentes no país. O desafio maior desse intelectual, elite da diáspora, era, todavia,
fazer com que suas reivindicações fizessem algum sentido para a elite da sociedade
receptora179, a fim de criar empatia entre armênios e brasileiros para que o Brasil agisse em
prol daqueles nos fóruns multilaterais do pós-guerra. Assim, Etienne pode ser definido como
um intelectual nos moldes da definição de Teresa Malatian – com base nas reflexões de
Ângela de Castro Gomes – para quem “o conceito de intelectual [...] possui o significado
restrito de produtor de bens simbólicos, ligado à arena política direta ou indiretamente. Mais
especificamente de intérprete da realidade social e de construtor/divulgador de visões de
mundo”180.

3.1 Do sacerdócio à pena: a formação do intelectual

A biografia de Etienne Brasil não é clara e as poucas pistas que existem são
dúbias, mas é possível rastrear sua trajetória graças aos seus artigos na imprensa brasileira e
armênia, aos prefácios que ele escrevia às suas próprias obras e às poucas pesquisas que
abordaram tangencialmente a trajetória desse intelectual. Embora tenha chegado ao Brasil
oriundo da França, ele nasceu em 25 de dezembro de 1882 em alguma parte do Império
Otomano181. Em um jornal carioca de junho de 1911, há uma nota que informa sobre a

178
“The elites that dominate, fund, and staff diasporic organizations, sustain their links with the
homeland, and mobilize ethnic Armenians are constituted by the interlocking personnel of the clergy;
the wealthy philanthropists and the numerous smaller donors who fund major institutions; the
politically mobilized employees and volunteers who staff those organizations; and, last but not least,
the scholars, intellectuals, journalists and artists who engage in diasporic cultural production and
both draw from and intervene in the culture and debates of the homeland”. TÖLÖLYAN, K. op. cit.,
2006, pp. 24-25.
179
Idem, 1996, p. 19.
180
MALATIAN, T. op. cit., pp. 14-15.
181
O ano de nascimento é avalizado pelo banco de dados da Biblioteca Nacional, onde alguns livros de
sua autoria estão depositados, assim como pelos documentos de seu processo de naturalização
73

naturalização de estrangeiros oficializada naquela data. Na lista de quatro nomes, há três


padres, sendo que um deles é “o turco Etienne Ignace Brasil, padre, residente nesta capital”182.
O rótulo de “turco” era comumente utilizado para definir aqueles que nasciam em diferentes
regiões do Império Otomano e emigravam com o passaporte otomano para a Europa e
Américas e homogeneíza uma série de povos que viviam dentro das fronteiras imperiais tais
como turcos, armênios, gregos, judeus, sírios, assírios, etc. Em artigo publicado em 1912,
Etienne rejeita o rótulo de “turco” e afirma efusivamente sua condição de armênio183. Em
carta para o poeta Archag Tchobanian, datada de 1916, ele reclamou do pouco conhecimento
do povo brasileiro sobre o Oriente, o que faz com que todos que venham daquela região sejam
chamados de “turcos”184. Em outra oportunidade, um periódico se refere ao “Dr. Etienne
Brasil, natural da Armênia”185, que não era uma nação independente naquela altura, o que não
o impedia de se autodeclarar armênio. O que se sabe de fato é que ele emigrou para a França a
fim de obter o diploma universitário, após ter completado o ensino secundário no liceu francês
Saint-Benoît, em Constantinopla. Na Europa, ele se tornou padre da Igreja Católica, recebeu
diploma de graduação em Farmácia e de doutorado em Filosofia. Em prefácio ao seu
Compendio de Philosophia, o intelectual afirma que “durante longos anos” frequentou a École
des Hautes Études e a Universidade Católica de Paris186 (anexo: Figura 4).

Nem mesmo as razões pelas quais Etienne Brasil teria abandonado seu nome de
batismo e adotado o pseudônimo que ele carregaria pelo resto da vida são claras. As fontes e a
bibliografia não convergem sobre qual seria o nome verdadeiro do intelectual. Para Vartan
Matiossian, baseado em informações fornecidas por Richard Hovannisian187, o nome de
batismo de Etienne Brasil seria Iknadios Etian, que teria sido convertido na versão francófona
Ignace Etienne. Contudo, as fontes indicam que essa informação é imprecisa. Há no livro de
matrícula do liceu francês Saint-Benoît em Istambul – onde Etienne afirma ter estudado188 – o
registro de um estudante chamado “Et. Iknadossian”, de religião católica, que teria estudado

depositados no Arquivo Nacional. O dia e o mês constam na coluna social do jornal Gazeta de
Notícias de 25 de dezembro de 1915, com votos de feliz aniversário. Gazeta de Notícias. Rio de
Janeiro: 25 de dezembro de 1915, p. 5. (HDB/BN).
182
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 06 de junho de 1911, p. 2 (HDB/BN). Um ano depois, a
naturalização foi decretada sem efeito. Idem. Rio de Janeiro: 12 de maio de 1912, p. 2 (HDB/BN).
183
A Época. Rio de Janeiro: 30 de novembro de 1912, p. 3 (HDB/BN).
184
Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 15 de setembro de 1916, III-800, p. 12, Museum of Literature
and Art after Yeghishe Charents, República da Armênia (MLA/RA).
185
A Rua. Rio de Janeiro: 26 de fevereiro de 1916, p. 1 (HDB/BN).
186
BRASIL, Etienne. Compendio de Philosophia: lógica, psychologia, historia da philosophia. Rio de
Janeiro: Leite Ribeiro & Maurillo, Editores, 1917, p. XIV.
187
HOVANNISIAN, R. op. cit., p. 430.
188
BRASIL, Etienne. La France au Brésil. Rio de Janeiro: Besnard Frères, 1920, p. IX.
74

no estabelecimento de 1896 a 1901. O nome – ainda que abreviado –, a anotação sobre a


religião e as datas indicam que o registro seja de fato de Etienne Brasil. Na única
oportunidade que ele tratou do assunto, no prefácio do livro La France au Brésil, ele afirmou
que não se tratava de um pseudônimo, mas de um autônimo. De acordo com o autor, a troca
de nome foi motivada pela necessidade que havia de proteger seus pais – que ainda viviam no
Império Otomano – da “ferocidade dos turcos”, após ele ter publicado 342 artigos na
imprensa brasileira sobre os “bárbaros osmanlis”189. O ato foi ancorado na tradição armênia.
Lembrando Antranik e Tro, líderes militares armênios na resistência ao genocídio e durante a
República Armênia, ele afirmou que muitos líderes de seu povo haviam lançado mão do
mesmo artifício. A escolha do sobrenome “Brasil” teria sido motivada pela tradição oriental
de adotar como sobrenome o local de origem. Mesmo depois da Armênia ter sido “salva” – no
momento que Etienne escreveu o prefácio, 10 de agosto de 1920, a Armênia ainda vivia um
breve período de independência – o autor afirmou que havia decidido manter o nome adotivo
como uma homenagem ao país que o acolheu e também porque abandonar um nome após
doze anos de uso não poderia ocorrer sem grandes prejuízos.

Há algumas incongruências na história contada por Etienne. Primeiro, se em 1920


ele alegava que estava utilizando o pseudônimo havia doze anos, isso remonta a 1908, data da
chegada do religioso ao Brasil. Nesse ano, ele publicou um artigo na revista Antrophos, de
Viena, assinando como “abade Ignace Etienne, professor do Grande Seminário da Bahia”190.
O intelectual publicaria mais quatro artigos no mesmo periódico, sempre assinando com o
mesmo nome. Ou seja, a informação dada por Etienne em seu prefácio de 1920 é apenas
parcialmente correta. Em 1908, ele ainda não havia incorporado o “Brasil”, tampouco havia
invertido a ordem de seus nomes e ainda mantinha uma alcunha afrancesada. Também não faz
muito sentido a justificativa dada pelo intelectual para a troca do nome. Em 1908, Etienne
ainda não havia publicado nenhum dos alegados 342 artigos sobre a situação dos armênios no
Império Otomano. A identidade de seus pais também é nebulosa. Em pedido de naturalização
feito em 1925, ele forneceu às autoridades brasileiras os nomes de Nicolao Ignace e Maria
Ignace como sendo de seus pais191, alcunhas essas que não sugerem ascendência armênia –
diferentemente de Iknadossian – para justificar uma mudança de nome para evitar eventuais
perseguições. O fato é que ele adotou três formas diferentes de seu nome: Ignace Etienne,
quando chegou ao Brasil; Etienne Ignace Brasil, por um curto período, logo quando chegou

189
BRASIL, E. op. cit., 1920, p. XI.
190
Idem. “Le fétichisme des nègres du Brésil”. In: Anthropos. Viena: Bd. 3, H. 5/6, 1908, p. 881.
191
Base de Dados Nacionalidades, Arquivo Nacional, nº processo E.3.925, código 24391 (AH).
75

ao Rio de Janeiro; e, por fim, Etienne Brasil, nome com o qual assinou a maior parte de seus
artigos e livros e que apresentou às autoridades brasileiras para efetuar seu pedido de
naturalização. Há ainda pelo menos uma ocorrência de um artigo na imprensa em língua
armênia – no Hayrenik de 4 de abril de 1919, publicado em Boston – no qual o nome do
intelectual aparece como “Dr. Stepan Brazil, professor do Liceu Francês”192, lançando mão
assim do equivalente em armênio – Stepan – de Etienne. Não se sabe, todavia, se a mudança
foi feita pelo próprio intelectual ou se foi uma escolha dos editores do periódico.

É seguro afirmar que Etienne pertencesse a uma família armênia otomana de


recursos, parte da minoria armênia católica193 francófila que habitava o Império Otomano,
para quem a educação francesa era altamente desejável. Se os armênios “apostólicos”, isto é,
fiéis da Igreja Apostólica Armênia, tinham no seu patriarca em Constantinopla a autoridade
máxima do millet armêno reconhecido pela Sublime Porta, os fiéis da Igreja Católica Armênia
eram vistos com desconfiança pelo sultão. Em 1828, 20 mil armênios católicos foram
expulsos de Constantinopla acusados de serem agentes franceses no país. As perseguições
atingiram a Anatólia, onde mais deportações foram anunciadas e bens da Igreja Católica
Armênia foram confiscados, gerando protestos da França, que pressionou para que a Porta
instituísse um millet católico unificando os fiéis das diversas igrejas orientais subordinadas ao
Vaticano – melquitas, maronitas, caldeus, armênios e siríacos que viviam nas fronteiras do
Império194. Embora não tenhamos maiores informações sobre a filiação de Etienne Brasil –
Nicolao e Maria Ignace também são pseudônimos – ele mencionou en passant, em
correspondência enviada ao governo brasileiro, que seria sobrinho de Paul Petros XIII
Terzian, Patriarca Católico Armênio da Cilícia entre 1910-1931195. Também não é possível
confirmar o parentesco pelas fontes documentais ou bibliográficas e parece prudente
desconfiar dos alegados laços familiares, pois, em 1958, o colunista Guilherme Figueiredo,
em texto no Diário da Noite, afirmou ter conhecido o então advogado Etienne Brasil que
afirmava ser irmão do Cardeal Grégoire-Pierre Agagianian – também Patriarca Católico

192
Hayrenik (Հայրենիք). Boston: 4 de abril de 1919, p. 1.
193
A Igreja Católica Armênia não deve ser confundida com a Igreja Apostólica Armênia – ou
gregoriana, em alusão a Gregório, “o Iluminador”, seu fundador – sendo essa última autocéfala desde
o Concílio da Calcedônia em 451, cuja autonomia precede a divisão entre católicos e ortodoxos, não
sendo ela parte de nenhuma das duas denominações. Os armênios católicos, por outro lado, embora
tenham um patriarcado próprio reconhecido por Roma, são subordinados ao Vaticano desde o século
XVIII e possuem rito distinto de sua co-irmã gregoriana. Cf. SAPSEZIAN, Aharon. Cristianismo
Armênio. São Paulo: Bentivegna Editora, 1997.
194
TERNON, Y. op. cit., pp. 48-49.
195
Legação Armênia no Brasil, 25 de janeiro de 1921, AHI, 281/2/4.
76

Armênio e um dos papabili no conclave que escolheu o substituto do Papa Pio XII naquele
ano. Na coluna, Figueiredo comenta, em tom de deboche, que quando algum indivíduo ganha
projeção internacional não tardava a aparecer parentes no Brasil196. Sem entrar no mérito da
veracidade da afirmação de Etienne Brasil ao colunista, é fato que Terzian era uma das
lideranças religiosas armênias mais proeminentes no cenário internacional no início da década
de 1920. Ao mencionar, em correspondência ao diretor de negócios diplomáticos do
Itamaraty, que o “[...] chefe dos armênio-católicos, o cardeal Terzian, meu tio [...]”197 havia
proibido padres armênios de esmolarem Etienne pode ter aproveitado o ensejo da
comunicação diplomática para mencionar que era próximo de um influente líder armênio da
época e, assim, agregar prestígio à sua própria imagem. Contudo, a veracidade da informação
é posta em dúvida quando se observa que Terzian nunca ocupou o posto de cardeal da Igreja
Católica, ao contrário do que mencionou Etienne Brasil. Poderia ser apenas um ato falho, se
não fosse cometido por um ex-sacerdote que dizia ser sobrinho de uma das mais altas
autoridades eclesiásticas de seu tempo, ou apenas uma “promoção” concedida por ele ao seu
alegado tio a fim de impressionar seu interlocutor. Não obstante tal interrogação, Vartan
Matiossian, citando um periódico armênio de Marselha de 1917, não parece ter dúvidas sobre
o parentesco entre Etienne e Terzian198. Em 1920, em seu livro, Etienne Brasil reafirmou ser
sobrinho “do patriarca supremo da Igreja Armênia, Mgr. Terzian, e parente próximo de outras
personalidades”199.

Por “outras personalidades”, pode-se inferir que o intelectual se referia ao


diplomata Bernard Ignace, alegadamente seu irmão, nomeado, por decreto de 6 de janeiro de
1921, cônsul brasileiro sem vencimentos em Sófia, Bulgária200. A biografia de Bernard é
ainda mais obscura do que a de Etienne. Em março de 1923, seu nome aparece nos jornais
como correspondente da Agência Americana nos Bálcãs, quando Etienne solicitou a sua
inclusão no quadro de correspondentes da Associação Brasileira de Imprensa. Ele é tratado
como “jornalista armênio” pela ata da referida associação201. Foram poucas as vezes que
Etienne mencionou a existência do irmão diplomata: em carta a Avetis Aharonian em
dezembro de 1920, quando ofereceu os serviços de Bernard – e também de Georges, outro

196
Diário da Noite. Sexta-feira, 7 de novembro de 1958, p. 4 (HDB/BN).
197
Legação Armênia no Brasil, 25 de janeiro de 1921, AHI, 281/2/4.
198
MATIOSSIAN, V. op. cit. A informação do periódico franco-armênio foi reproduzida pelo
Kotchnak (Կոչնակ). Boston: 15 de setembro de 1917, p. 1123 (MATENADARAN/RA).
199
BRASIL, E. op. cit., 1920, p. IX.
200
Diário Oficial da União. Rio de Janeiro: 13 de janeiro de 1921, p. 3.
201
O Paiz. Rio de Janeiro: 23 de janeiro de 1923, p. 7 (HDB/BN).
77

alegado irmão – em Sófia202; a um jornal armênio de Istambul em 1923203, possivelmente por


conta da intervenção de Bernard junto ao governo búlgaro em prol do patriarca armênio de
Constantinopla Zaven I Der Yeghiayan, conforme Etienne mencionou ao político Mikayel
Varandian204; e durante o seu processo de naturalização como cidadão brasileiro em 1925,
quando, segundo Etienne, seu irmão ocupava o cargo de cônsul do Brasil na Bélgica205. As
poucas referências encontradas na imprensa brasileira sobre Bernard Ignace são elogiosas
com relação ao seu trabalho como diplomata na Bulgária. Em 1922, o jornal O Paiz noticiou a
decisão búlgara de enviar uma delegação especial à exposição internacional organizada no
contexto das comemorações do centenário da independência do Brasil, atribuindo o fato à
“ativa e inteligente propaganda aqui [Sófia] realizada, a favor do Brasil pelo seu cônsul, nessa
capital, senhor Bernard Ignace”206. Entretanto, a pequena nota n’O Paiz tem como fonte a
Agência Americana e seu correspondente em Sófia, que era o próprio Bernard Ignace, ou seja,
o diplomata e jornalista foi o autor do elogio ao seu próprio trabalho. Em maio de 1924, O
Imparcial reporta a visita de Bernard ao Brasil para uma série de conferências sobre a
situação nos Bálcãs e para estudar a possibilidade de enviar imigrantes búlgaros ao estado de
São Paulo, numa abordagem muito semelhante àquela do então diplomata Etienne Brasil no
final dos anos 1910207.

Também é desconhecido o motivo exato da vinda de Etienne Brasil ao país. É


sabido, contudo, que a primeira parada do sacerdote foi o Rio de Janeiro, por um curto
período de tempo, em 1907, antes de rumar para Salvador, Bahia, por volta de 1908, onde
permaneceu por cerca de um ano antes de retornar para o Rio de Janeiro208. Nesse tempo, ele
assinava seus artigos como professor, ora do Grande Seminário da Bahia, ora do Seminário
Episcopal da Bahia209. No tempo que permaneceu naquele estado, o intelectual se dedicou ao
estudo da religiosidade dos africanos e afrodescendentes e dos costumes dos indígenas locais,
publicando os resultados de suas pesquisas na Antrophos, sendo dois desses artigos

202
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1920 (ARFA).
203
Verdjin Lur. Istambul: 23 de maio de 1922, p. 4 apud: MATIOSSIAN, V. op. cit.
204
Etienne Brasil a Mikayel Varandian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1923 (ARFA).
205
Naturalização de Etienne Ignace Brasil ou Etienne Brasil. NE 3.925, ano 1925, código 24391, not.
713, fl 3/30.
206
O Paiz. Rio de Janeiro: 4 de agosto de 1922, p. 1 (HDB/BN).
207
O Imparcial. Rio de Janeiro: 2 de maio de 1924, p. 2 (HDB/BN).
208
Naturalização de Etienne Ignace Brasil ou Etienne Brasil. NE 3.925 ano 1925, código 24391, not.
713, fl. 4/30 (AH).
209
BRASIL, E. op. cit., 1908; BRASIL, Etienne. “La Secte musulmane des Malès du Brésil et leur
révolte en 1835”. In: Anthropos. Viena: Bd. 4, H. 1, 1909.
78

republicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, assinando como


Etienne Ignace Brasil.

O primeiro desses artigos, intitulado Os Malês, foi publicado em 1909 e trazia


muitos elementos orientalistas e anti-islâmicos que Etienne Brasil iria apresentar em dezenas
de outros textos durante a década de 1910. Em prefácio à edição brasileira, ao problematizar a
revolta dos malês na Bahia, o intelectual afirma que sublevações violentas são características
dos muçulmanos e faz uma referência aos massacres de armênios no Império Otomano a fim
de comprovar a sua hipótese. Essa é a primeira menção conhecida feita por Etienne aos
armênios em uma publicação brasileira:

Ainda há breves meses, pereceram em Adana alcance de 30.000 cristãos,


sacrificados pela cimitarra muçulmana às exigências do feroz Allah, sem se
falar da carnificina de 300.000 armênios, nos anos de 1895 e 1896.
Após fatos tais, não é custoso acreditar que a população branca da Bahia
escapasse destarte a uma horrorosa matança210.

Em estudo sobre como os armênios foram imaginados e representados na Grã-


Bretanha na virada do século XIX para o XX, a historiadora Jo Laycock afirma que era
comum a menção de massacres cometidos pelos turcos contra as minorias cristãs de modo a
servir como chave de explicação para a “natureza degenerada” do Império Otomano e do Islã
e angariar simpatia à causa dos armênios:

Massacres anteriores de armênios e outras minorias cristãs no Império


Otomano foram frequentemente explicados tendo como referência as
características particulares do império ou a natureza do “turco”. Explicações
foram formuladas em termos de diferença racial, conflito religioso,
degeneração, a natureza do Estado Otomano ou o conflito entre “Oriente” e
“Ocidente”. Essas explicações, ainda que frequentemente retratadas como
“científicas” ou objetivas, não foram utilizadas de uma maneira lógica ou
sistemática; foram misturadas ou manipuladas quase que arbitrariamente de
forma a criar um estereótipo negativo do “turco” e uma imagem simpática
dos armênios. Era comum a todos os setores da opinião pública britânica
aceitar que o Império Otomano, principalmente nos territórios fronteiriços,
era propenso à violência por motivos mínimos211.

210
BRASIL, E. op. cit., 1909, p. 70. Todas as citações foram adaptadas para o português atual.
211
“Previous massacres of Armenians and other Christian minorities in the Ottoman Empire had
usually been explained in reference to the particular characteristics of the empire or the nature of 'the
Turk'. Explanations were couched in terms of racial difference, religious conflict, degeneracy and the
nature of the Ottoman state or the conflict between 'East' and 'West'. These explanations, though often
portrayed as 'scientific' or objective, were not used in a systematic or logical manner; they were
conflated or manipulated almost at will in order to create a negative stereotype of 'the Turk' and a
sympathetic image of the Armenians. Common to all sectors of British public opinion was an
acceptance that the Ottoman Empire, particularly its borderlands, was prone to descend into violence
at the slightest cause”. LAYCOCK, J. op. cit., p. 109.
79

O que Etienne Brasil faz no prefácio à edição brasileira do seu artigo sobre a
revolta dos malês é, porém, distinto: ele lança mão de um acontecimento presente – o
massacre de armênios em Adana – para explicar a “ferocidade” muçulmana que fez com que a
“população branca da Bahia” experimentasse uma “horrorosa matança” nos anos 1830. Nesse
sentido, ele não parece se esforçar para ser “científico” ou “objetivo”, nos termos de Laycock,
mas, ao contrário, não esconde a subjetividade de seu convencimento de que a violência é
algo inerente ao Islã, não importando a época ou o lugar.

Esse artigo repercutiu por muito tempo nos meios intelectuais brasileiros. Em
1933, o estudo sobre os malês foi enviado por Luísa Gallet – viúva do compositor Luciano
Gallet – a Mário de Andrade, após encontrar “por sorte” a revista na qual foi publicado e se
lembrar de que o assunto interessava ao escritor paulistano212. Em obra célebre sobre a revolta
dos malês publicada nos anos 2000, João José Reis cita algumas vezes o trabalho do “jesuíta
Etienne Brazil” como fundador de uma interpretação da rebelião como uma espécie de guerra
santa empreendida pelos negros muçulmanos na Bahia, tese essa que “tem sido desde então
repetida por inúmeros autores, com maior ou menor grau de sofisticação”213. Em outra
passagem, Reis pondera algumas inferências feitas por Etienne:

Numa curta passagem de seu artigo de 1901 [sic] sobre os malês, Etienne
Brasil escreveu: “o fim primordial da conspiração era aclamar uma rainha,
depois do extermínio da raça branca”. Convenhamos que, num texto de 57
páginas, o autor foi brevíssimo sobre o que considerava o objetivo principal
do movimento de 1835. Não sei onde Brazil foi buscar essa ideia, um tanto
extravagante, de que homens muçulmanos se dariam ao exaustivo trabalho
de exterminar a raça branca para colocar no poder uma mulher, aliás pagã
[...]214.

As centenas de textos publicados pelo intelectual na imprensa brasileira durante


os anos 1910-1920 deixam claro de “onde Brazil foi buscar essa ideia” de uma conspiração
muçulmana para exterminar a “raça branca”: no pensamento orientalista e anti-islâmico
vigente na Europa da virada do século XIX para o XX. Em artigo do final dos anos 1980, Reis
não deixa escapar o pertencimento do padre intelectual:

O extremado ressentimento que permeia o estudo de Etienne Brazil é em


parte explicável por sua biografia de imigrante armênio, jesuíta e professor
do Seminário Episcopal da Bahia. Como armênio e ideólogo do cristianismo

212
Carta de Luísa Gallet a Mário de Andrade. 6 de agosto de 1933. Série Correspondências, acervo
Mário de Andrade, MA-C-CPL3423. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP).
213
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, edição revisada e ampliada, p. 272.
214
Ibid., p. 301.
80

ele execrava duplamente os muçulmanos, devido aos massacres por eles


perpetrados contra os cristãos de seu país de origem215.

Outro artigo, “O fetichismo dos negros no Brasil”, publicado dois anos depois,
também foi bastante difundido216, embora não tenha tido a mesma repercussão do anterior. Há
uma referência a esse texto em um caderno de anotações da professora e crítica literária
Marlyse Madeleine Meyer relacionado à pesquisa que ela realizava sobre a influência turca
em terreiros de umbanda na cidade de Codó, Maranhão217.

Ao se mudar para o Rio de Janeiro, Etienne Brasil se tornou o capelão responsável


pela capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Niterói218. Enquanto isso, ele dividia as
atividades clericais com as reuniões do Instituto Histórico e Geográfico Fluminense219 (IHGF)
e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro220, expandindo, assim, seus espaços de
sociabilidade221. As atividades e reuniões do Instituto foram fartamente cobertas por alguns
periódicos fluminenses, por meio dos quais é possível observar a atuação do intelectual na
organização da entidade, bem como na produção de pesquisas e textos sobre assuntos
variados que, frequentemente, eram lidos nas reuniões e encontros222. O IHGF223 foi criado
em Niterói224 entre 1909 e 1910 como uma reação à apagada participação fluminense em um
evento na Praia Vermelha que comemorava os cem anos da chegada da Família Real. A
fundação do IHGF contou com a presença de membros do congênere nacional, o IHGB, com
políticos como Nilo Peçanha – sócio do Instituto recém-criado – e Quintino Bocaiúva e teve

215
Idem. “Um balanço dos estudos sobre as revoltas escravas da Bahia” In: ______ (org.) Escravidão
e Invenção da Liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, p. 91.
216
BRASIL, Etienne. “O fetichismo dos negros no Brasil”. In: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: T. 74, v. 124, pp. 193-260, 1911
217
Anotações de Marlyse Madeleine Meyer. Sem data. Acervo. Marlyse Madeleine Meyer. MMM-
CAD096-002 (IEB/USP).
218
O Paiz. Rio de Janeiro: 26 de julho de 1910, p. 12 (HDB/BN).
219
O Seculo. Rio de Janeiro: 23 de novembro de 1909, p. 3 (HDB/BN).
220
Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: tomo XVI, [referente ao]
ano de 1903, 1912, p. 5 (HDB/BN).
221
Em seu currículo, Etienne Brasil afirma ser membro, além das entidades já mencionadas, do Museu
Nacional, da Sociedade Geográfica de Lisboa, dos Institutos Histórico e Geográfico de Pará, São
Paulo e Bahia Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro: 4 de outubro de 1919 (ARFA).
222
Cf., por exemplo, Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 24 de outubro de 1911 (HDB/BN).
223
Não confundir com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, fundado em 1957.
224
Rui Aniceto Nascimento Fernandes pincela o cenário intelectual niteroiense dos anos 1910-20 no
qual Etienne Brasil se integrou quando chegou ao Rio de Janeiro. Cf. FERNANDES, Rui Aniceto
Nascimento. Historiografia e a identidade fluminense: A escrita da história e os usos do passado no
Estado do Rio de Janeiro entre as décadas de 1930 e 1950. Rio de Janeiro: Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da PUC-Rio como parte dos requisitos
parciais para obtenção do título de Doutor em História, 2009, pp. 58-59.
81

como paraninfo e presidente honorário o Barão do Rio Branco. Etienne Brasil compôs a
primeira diretoria na condição de Primeiro Secretário225.

Em 1912, com bastante trânsito nos círculos intelectuais de Niterói e Rio de


Janeiro, Etienne Brasil começou a publicar artigos na imprensa sobre os mais variados temas,
assinando como padre, doutor e também como professor de algumas instituições de ensino,
como o Atheneu Fluminense – do qual era também diretor, em Niterói226 – do Curso Anexo
de Ensino Secundário da Faculdade de Direito227 e da Faculdade de Farmácia e Odontologia
do Estado do Rio, também sediada em Niterói228 – em currículo enviado para Avetis
Aharonian em 1919, Etienne se apresenta como fundador e ex-diretor das duas entidades229.
Em mais de uma oportunidade, o padre publicou artigos na imprensa tratando do “feminismo
no Brasil” e o papel da mulher na sociedade em um tom razoavelmente progressista para um
religioso do início dos anos 1910, não obstante a sua franca oposição ao “feminismo
revolucionário” que desarticularia a família e seus valores230.

No ano seguinte, alegando estar demasiado atarefado e cansado, o intelectual


pediu afastamento das suas funções como primeiro secretário do Instituto Histórico e
Geográfico Fluminense, apesar de manter-se sócio da entidade, de acordo com artigo do
jornal O Seculo, principal veículo de divulgação das atividades do Instituto231. A partir de
então, suas participações ficaram limitadas à apresentação esporádica de estudos sobre a
história do Rio de Janeiro e do Brasil que frequentemente eram adaptados e publicados nos
jornais cariocas. Não obstante, o Instituto havia servido para Etienne ser aceito pelo mundo
das letras fluminense e da Primeira República, que era

um campo social em que predominavam as coteries e igrejinhas literárias,


caracterizadas pelas atitudes de apoio mútuo e choques entre grupos rivais,
pela dinâmica do ‘fogo cruzado dos elogios mútuos dentro do mesmo grupo
e de ataques também cruzados dirigidos aos grupos rivais’ [...] Era o mundo
da polêmica literária, que abrigava quase sempre razões políticas, veiculada
pelos jornais em elogios derramados aos amigos e justiçamento brandido

225
WEHRS, Carlos. “Instituto Histórico e Geográfico Fluminense – sua fundação”. In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IHGRJ, 1994-1995, po. 106-109.
226
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 24 de maio de 1912, p. 2 (HDB/BN).
227
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 4 de julho de 1911 (HDB/BN).
228
O Malho. Rio de Janeiro: nº 604, ano XII, 11 de abril de 1914, p. 23 (HDB/BN).
229
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro: 4 de outubro de 1919 (ARFA).
230
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 24 de maio de 1912, p. 2 (HDB/BN).
231
O Seculo. Rio de Janeiro: 25 de novembro de 1913, p. 3 (HDB/BN).
82

contra os inimigos, em artigos em prosa e verso que usavam dos mais


variados pretextos para o tiroteio232.

Em periódico de abril de 1915, há um chamado para os exames de admissão para


a Faculdade de Direito Teixeira de Freitas no qual consta o nome do padre entre os candidatos
a futuros advogados233, profissão que exerceria dos anos 1920 até a sua morte, em 1955.
Conforme noticiado pelo jornal A Razão – em uma coluna especialmente destinada à colônia
sírio-libanesa – Etienne Brasil teria apresentado desempenho acima da média nos exames
exigidos para a graduação em Direito:
o fiscal do governo [...] declarou publicamente [...] que aluno nenhum, desde
a fundação da Escola, tinha apresentado um trabalho tão perfeito. É um
sucesso consolador para a inteligente raça armênia e uma prova
significativa para a colônia síria, a quem o hábil advogado pretende
oferecer os seus serviços profissionais234.

A associação com os sírios era usada de maneira instrumental por Etienne e outros
compatriotas, como Levon Apelian que figurava, frequentemente, na diretoria de entidades
sírias do Rio de Janeiro e batizou seu negócio de importação e exportação de tecidos de “Casa
Libanesa”235. Em carta a Avetis Aharonian em 1919, Etienne Brasil afirma que, na
reorganização do Centro Armênio do Rio de Janeiro, Levon Apelian iria ocupar a cadeira da
presidência, pois “era um negociante muito rico que estava no meio dos sírios (que são mais
de 120.000 no Brasil!), tendo sido eleito presidente desses”236. Assim, Etienne usa o prestígio
de Apelian junto aos sírios do Brasil para convencer Aharonian que sua rede de contatos tem
influência o suficiente no país para trabalhar em prol dos interesses armênios. Por outro lado,
em alguns momentos a preferência de alguns pela identidade síria irritou o ex-padre. Em
novembro de 1920, Etienne rompeu com um de seus aliados, David Boghossian, quando esse
último solicitou passaporte armênio, cujo aceite foi condicionado pelo representante
diplomático da República Armênia na América do Sul a uma declaração oficial renunciando à
sua identidade síria, o que foi recusado pelo solicitante237. Com o passar dos anos, os
armênios do Brasil procurariam se distanciar da imagem dos árabes. Nas palavras de Jeffrey
Lesser, “os líderes da comunidade armênia [...] formada em fins do século XIX, definiam seu

232
MALATIAN, T. op. cit., pp. 21-22.
233
O Imparcial. Rio de Janeiro: 8 de abril de 1915, p. 9 (HDB/BN).
234
A Razão. Rio de Janeiro: 5 de abril de 1921, p. 4 (HDB/BN). Grifos nossos.
235
Dentre cargos que ocupou em entidades como a Cruz Vermelha Sírio-Brasileira, Apelian foi eleito
presidente do Club Syrio Brasileiro em 1918, instituição a qual ele era também o principal
patrocinador. O Paiz. Rio de Janeiro: 19 de abril de 1918, p. 10 (HDB/BN); para a “Casa Libaneza”,
cf. A Epoca. Rio de Janeiro: 31 de julho de 1918, p. 28 (HDB/BN).
236
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1919 (ARFA).
237
Idem, 4 de novembro de 1920 (ARFA).
83

lugar de forma ainda mais agressiva, tentando separar-se dos imigrantes ‘árabes’. Eles
insistiam em que os armênios eram brancos, e ‘uma etnia legítima e heroicamente
ocidental’”238.

Embora o período posterior a 1915 seja o mais fértil de Etienne Brasil como
articulista, após o chamado para o exame admissional da faculdade não é mais possível
encontrar textos assinados pelo intelectual na condição de padre. Mesmo que alguns jornais
ainda o apresentasse assim239, dali em diante o tratamento dado ao ex-religioso seria de
“doutor”, “senhor” ou “professor”240. Isso nos leva a acreditar que o início dos estudos de
Direito e o abandono da batina sejam acontecimentos interligados, ainda que, a exemplo do
que ocorre com outros acontecimentos de sua vida, o motivo e o momento exatos do
abandono do sacerdócio não sejam totalmente conhecidos241. Pode-se especular que uma das
razões tenha sido de cunho afetivo: no processo de naturalização de Etienne Brasil, consta que
ele se casou com a portuguesa Maria Emília Gonçalves da Mota em 25 de junho de 1918242,
com quem viveu até 1944, quando a mesma morreu. Alguns anos antes, em 1916, o jornal A
Lanterna, a fim de ironizar o editorial de outro periódico, lança mão de um chiste atribuído a
Etienne Brasil que dizia “[...] entre nós, a única [classe] casta é a dos sacerdotes e assim
mesmo, como diz o Dr. Etienne Brazil, quando não são tentados pelas comadres...”243.

3.2 Orientalismo e a causa armênia

O primeiro artigo assinado pelo intelectual que versa sobre temas do Oriente data
de 30 de novembro de 1912 e foi publicado no A Epoca. Trata-se de uma carta aberta ao

238
LESSER, J. op. cit., 2001, p. 110.
239
Talvez por desinformação, um periódico juizforano ainda se referia a Etienne Brasil como padre
muitos anos depois dele ter abandonado o sacerdócio. O Pharol. Juiz de Fora: 9 de fevereiro de 1919,
p. 2.
240
Em abril de 1916, a Gazeta de Notícias publicou artigo assinado por José N. Daher no qual o aturo
se refere a Etienne Brasil como ex-padre, o que indica que a essa altura sua renúncia ao sacerdócio já
fosse conhecida no Rio de Janeiro. Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 10 de abril de 1916, p. 4.
(HDB/BN).
241
Curiosamente, em 1918 há uma nota no jornal O Imparcial informando da aprovação de Etienne
Brasil em todas as cadeiras referentes ao primeiro ano da graduação em Direito. Provavelmente ele
postergou o começo do seu novo bacharelado até esse ano. O Imparcial. Rio de Janeiro: 10 de março
de 1918, p. 7 (HDB/BN).
242
Naturalização de Etienne Ignace Brasil ou Etienne Brasil. NE 3.925 ano 1925, código 24391, not.
713, fl. 13v. (AN)
243
A Lanterna. Rio de Janeiro: 19 de dezembro de 1916, p. 1 (HDB/BN).
84

cônsul do Império Otomano em São Paulo, Munir Sureyya Bey, intitulada Não somos turcos!
Carta aberta ao Exmo. Munir Suraya Bey: cônsul som jurisdicionados [sic]244. Em um texto
agressivo, repleto de sarcasmo e linguagem pouco usual a um sacerdote, Etienne Brasil ataca
ferozmente a representação diplomática do Império Otomano no Brasil, questionando a
legitimidade do representante do sultão no país.

As relações entre Brasil e Império Otomano eram bastante peculiares e ganharam


contornos mais visíveis a partir das duas visitas feitas à região pelo então Imperador D. Pedro
II, a primeira em 1871, ao Egito, e a segunda, essa mais profícua, em 1876, quando visitou
Constantinopla e se reuniu com o Sultão Abdul-Hamid II com quem se correspondeu de
forma esporádica até o final da vida245. Contudo, foi apenas na República que missões
diplomáticas otomanas foram estabelecidas no Brasil com o intuito de zelar pelos interesses
dos cidadãos que emigraram para o país em quantidade significativa na última década do
século XIX e que muitas vezes eram vítimas de crimes ou morriam sem deixar herdeiros em
solo brasileiro e precisavam de assistência oficial de Constantinopla. Nesse contexto, Munir
Sureyya Bey foi nomeado cônsul em São Paulo e recebeu a permissão para exercer a função
junto ao governo brasileiro em outubro de 1912, quando desembarcou no Rio de Janeiro
prestigiado por uma recepção na qual compareceu o Presidente da República, alguns de seus
ministros, dentre outras autoridades246.

Foi contra o abrigo diplomático dos representantes turcos no Brasil que Etienne se
insurgiu. Depois de “pôr um grande ponto de interrogação sobre o [...] título de cônsul”, o
autor argumenta que até caberia a Sureya Bey defender os interesses dos “Osmanlis”, mas
esses, “por um sentimento sobejamente justificado de medo ou de vergonha, jamais ousariam
profanar estas terras de luz e progresso”. Dito isso, Etienne Brasil usa o pronome “nós” para
se referir às minorias que viviam dentro das fronteiras otomanas e rechaçar o rótulo de
“turcos”: “Quanto a nós – Sírios, Armênios, Gregos etc... – não somos turcos. Energicamente
repelimos esse título ominoso que nos seria, além de tudo, sobremodo injurioso”. Em seguida,
o padre utiliza uma série de adjetivos para qualificar o Império Otomano ao seu modo:
O império turco, para nós, é uma execrável praga e flagelo de cerastas que
assola, desde poucos séculos, o nosso pulquérrimo país; o crescente e o
alcorão (“horresco reirens”) são as duas serpentes de Laocoon, torturando
nos seus “orbes” [...] os dois filhos do Sol Nascente, o balcânico e o
anatólico; o sultanato dos Osmanlis é o polvo parasita, monstrum horrendum

244
A Epoca. Rio de Janeiro: 30 de novembro de 1912, p. 3 (HDB/BN).
245
GOLDFELD, M. S. op. cit., pp. 148-155.
246
Ibid., pp. 179-183.
85

[...] Terminantemente dispensamos a duvidosa e traiçoeira proteção que o


império dos turbantes venha a nos oferecer. Nós somos os povos mais
importantes da humanidade; temos mais de quatro mil anos de gloriosas
tradições; vós tendes apenas quatro séculos de existência, quatro séculos
somente de crimes.

Com essas palavras, Etienne Brasil se aproximava do tom dos armênios e


armenófilos espalhados por importantes cidades ocidentais a divulgar a questão armênia e a
tornar conhecido o tratamento dispensado pelo governo otomano às minorias não
muçulmanas. Segundo Jo Laycock:

Em oposição à imagem dos armênios como vítimas inocentes, os turcos


eram retratados como a personificação da barbárie. Antigos estereótipos
orientalistas dos turcos como bárbaros, luxuriosos e fanáticos religiosos
perpetradores de atrocidades uma vez mais vieram à tona. Relatos de
massacres associados aos turcos com atos específicos de violência, incluindo
estupro, mutilação e o assassinato de mulheres e crianças inocentes.
Retratavam os turcos como sádicos, deleitados com a violência e proviam
relatos sinistros de torturas que eles haviam infligido às vítimas247.

O motivo da insurgência de Etienne Brasil foi a convocação feita pelo cônsul


otomano aos súditos residentes no Brasil a enviarem fundos para Constantinopla a fim de
financiar o exército do sultão que combatia nos Bálcãs. Depois de desfilar seus argumentos
contrários ao envio de recursos da “colônia oriental do Brasil” para o Império Otomano, o
padre afirma que o diplomata deveria aproveitar sua estada no país para “o estudo das leis e
dos costumes desta República de progresso e luz” com a qual os turcos deveriam aprender,
pois “nas ruas de Constantinopla [...] existem menos garantia do que de noite nas florestas do
Brasil no meio dos índios e das onças”. O artigo é concluído vaticinando que em pouco tempo
o decadente Império iria pedir perdão aos súditos cristãos que, por ora, eram oprimidos e se
encerra com a frase: “eu vol-o [vos] garanto, palavra de Armênio”.

Não foi possível encontrar uma resposta pública de Munir Sureyya Bey aos
ataques lançados pelo padre Etienne Brasil, mas a historiadora Monique Sochaczewski
Goldfeld afirma que o cônsul temia o alcance que os artigos de cunho nacionalista publicados
por armênios e libaneses na imprensa brasileira poderiam ter248. Porém, não são apenas com

247
“In opposition to the image of Armenians as innocent victims the Turks were portrayed as the
embodiment of barbarism. Longstanding orientalist stereotypes of the Turks as the barbaric, lustful
and fanatically religious perpetrators of atrocity once again came to the fore. Accounts of the
massacres associated the Turks with particular acts of violence, including rape, mutilation and the
murder of innocent women and children. They depicted the Turks as sadistic, delighting in violence,
and provided grim accounts of the tortures they had devised for their victims.” LAYCOCK, J. op. cit.,
pp. 81-82.
248
GOLDFELD, M. op. cit., p. 185.
86

argumentos nacionalistas que Etienne Brasil sustenta seu discurso, e sim com concepções
prévias e estereótipos sobre o chamado “Oriente” que permeavam o imaginário do “Ocidente”
da época. Cabe aqui analisar o discurso “orientalista” de Etienne Brasil, pois o mesmo está
presente durante toda a sua trajetória intelectual como articulista e diplomata e é definidor de
algumas estratégias retóricas utilizadas tanto na imprensa quanto nas missivas diplomáticas
para convencer o leitor da urgência de suas reivindicações. Em suma, o orientalismo foi a
saída encontrada pelo intelectual para fazer com que suas demandas alcançassem o público
brasileiro, superando assim o desafio definido por Tölölyan acerca de como as elites da
diáspora inserem suas pautas na sociedade receptora249.

Não restam dúvidas que o autor se expressa a partir de um lugar de poder.


Homem, letrado, de educação francesa, poliglota, graduado em Farmácia, doutor em Filosofia
e membro da Igreja Católica, Etienne Brasil preenchia todos os pré-requisitos necessários para
ser tratado como uma autoridade do saber no Rio de Janeiro dos anos 1910-20. Seu status de
homem de letras é homologado pelo pertencimento a entidades como o Instituto Histórico e
Geográfico Fluminense e a Sociedade de Geografia e pelos cargos que ocupa em instituições
de ensino no Rio de Janeiro e em Niterói. Assim, não tardou para que a imprensa o tratasse
como um “conhecido orientalista”, convidando-o a escrever artigos que traduzissem ao leitor
“o oriente, tão desconhecido de nosso público”250, motivada pelas credenciais acadêmico-
intelectuais que o autor apresentava, mas também por ter nascido no Oriente sobre o qual ele
pretendia escrever. Etienne se situava entre diversas fronteiras identitárias e enfatizava-as
conforme a situação exigisse: era francês ao oferecer seus serviços educacionais, brasileiro ao
pedir naturalização e ao se dirigir ao governo, e armênio/oriental ao analisar e criticar o
Império Otomano, sintetizando assim o circunstancialismo da etnicidade no Brasil tal qual
trabalhado por Jeffrey Lesser:

As etnicidades trazidas e construídas por esses imigrantes eram situacionais,


e não ‘identidades primordiais imutáveis’. Em diversos momentos, os
imigrantes e seus descendentes puderam abraçar sua ‘niponicidade’ ou sua
‘libanicidade’, tanto quanto sua ‘brasilidade’. A etnicidade muitas vezes
cruzava com o nacionalismo (brasileiro ou não), tornando extremamente
flexíveis essas identidades251.

A mentalidade orientalista de Etienne Brasil é distinta daquela trabalhada por


Edward Said. Ao invés de colocar os chamados povos orientais sob um mesmo rótulo, como

249
TÖLÖLYAN, K. op. cit., 1996, p. 19.
250
A Rua. Rio de Janeiro: 3 de dezembro de 1914, p. 2 (HDB/BN).
251
LESSER, J., op. cit., 2001, p. 27.
87

era comum nos discursos coloniais, de forma que aquilo que era aplicável para o Egito
poderia ser usado indistintamente na Síria, Palestina ou Índia252, Etienne afirma que “O
oriental, durante dezenas de séculos, deu provas exuberantes de sua inteligência fecunda e de
sua pujante vitalidade. O turco de verdade, pelo contrário, traz na sua testa, marcados a
ferro, os estigmas do selvagem: a preguiça e o instinto de destruição”253. Ou seja,
diferentemente do que pensava lorde Cromer – encarregado inglês para o Egito entre 1882 e
1907 – para quem “a mente do oriental [...] é eminentemente carente de simetria. Seu
raciocínio é dos mais descuidados”254, Etienne Brasil reforça as virtudes intelectuais do
oriental não muçulmano e relega ao turco o papel de incapaz que usualmente era dado a todos
os não europeus pelas mentes coloniais.

Há uma segmentação da figura do “oriental” largamente difundida nos anos 1910


que define “sírio” como sinônimo de árabe cristão e “turco” como a univocação de
“islâmico”. Mesmo no Império Otomano da época, a ideia do “ser turco” não era clara e
estava em disputa, sobretudo após a ascensão do CUP. Nas palavras de Mark Mazower:
Embora os europeus viessem falando sobre os “turcos” por séculos, o termo
não era muito empregado dentro do império. A língua predominante era um
amálgama de turco, árabe e persa, com umas tinturas de grego, línguas
eslavas e italiano. Sua classe dominante – como todas as classes dominantes
imperiais – incluía indivíduos de um número espantoso de origens
diferentes: albaneses, franceses, venezianos, árabes, judeus e circassianos.
[...] Se “turco” significasse simplesmente muçulmano, então, só nos Bálcãs,
havia muçulmanos albaneses, cretenses, bósnios, búlgaros, judeus e outros
[...]255.

Quando Etienne Brasil se refere ao turco, ele está se referindo tanto ao grupo
étnico majoritário e dominante no Império Otomano – que por vezes ele chama de osmanli,
em alusão ao fundador da dinastia otomana – quanto a todo e qualquer muçulmano. Isso é
perceptível no artigo Não Somos Turcos! quando ele afirma que um “verdadeiro turco (de
raça e de religião)” dificilmente aportaria no Brasil. Ao atacar o Islã, comparando-o com
serpentes mitológicas, Etienne Brasil lança mão da imagem corrente dessa religião como uma
ameaça real da civilização europeia e anexa a esse imaginário os turcos e o Império Otomano,
fundindo-os em um só corpo que seria a institucionalização do mal, uma “execrável praga e
flagelo de cerastas”, em suas próprias palavras. Quando intitula o Império Otomano como

252
SAID, E. op. cit., p. 70.
253
A Rua. Rio de Janeiro: 10 de janeiro de 1914, p. 5 (HDB/BN). Grifos nossos.
254
SAID, E. op. cit., p. 71.
255
MAZOWER, M. op. cit., pp. 290-291.
88

“império dos turbantes”, o então religioso explora a imagem que se tem sobre o Oriente turco-
muçulmano. Edward Said sumariza a questão nos seguintes termos:
[...] não é preciso procurar uma correspondência entre a linguagem usada
para retratar o Oriente e o próprio Oriente, não tanto porque a linguagem
seja imprecisa, mas porque nem está tentando ser precisa. O que está
tentando fazer [...] é ao mesmo tempo caracterizar o Oriente como estranho e
incorporá-lo esquematicamente num palco teatral cujo público, gerente e
atores estão voltados para a Europa, e apenas para a Europa256.

Ao promover a valorização do oriental, Etienne Brasil tem como propósito


valorizar a sua própria identidade armênia – “anatólico” – assim como dos gregos –
“balcânico” – que vivem ameaçados pelo “polvo parasita” cujos tentáculos esgotam as
energias do “Grande Oriente”. Por outro lado, essa estratégia argumentativa vai no caminho
contrário da retórica armênia no Ocidente, que visava ao distanciamento desse povo das
questões do Leste, tratando-o como um povo europeu entre os orientais, seja pela sua língua
indo-europeia, seja pela adoção do cristianismo, dentre outros elementos. O mesmo Etienne
Brasil lançaria mão de tal estratégia em outros escritos ao longo dos anos 1910-20. Nesse
sentido, é sintomática uma passagem do texto na qual o autor menciona a França, em clara
reverência ao país europeu: “Quanto tempo não conseguirmos a nossa independência
definitiva, ficaremos debaixo da égide da gloriosa e querida França, protetora desvelada e
segunda pátria de todos os orientais”. Apesar de se tratar mais de um desejo do que de uma
realidade, o apoio francês à causa armênia foi recorrentemente evocado por lideranças
armênias ao redor do mundo na expectativa de que a aspiração se concretizasse e a suposta
vigilância francesa desencorajasse o governo otomano a praticar algum tipo de ação violenta
contra os armênios. Essa estratégia foi amplamente explorada, sobretudo após a Grande
Guerra e na Conferência de Paz de Paris em 1919, quando se discutia as fronteiras da
Armênia e que país seria responsável por monitorar o cumprimento dos tratados
internacionais.

O ano de 1913 não registra o envolvimento de Etienne Brasil em polêmicas na


imprensa envolvendo assuntos sobre a região que hoje é conhecida como Oriente Médio. Com
exceção da recepção organizada por ele em sua casa a Chucri Curi, “diretor do jornal de
combate em língua árabe, ‘Sphynge’, que se edita em S. Paulo”, quando foi içada a bandeira
da República dos “Estados Unidos do Oriente”257, as demais atividades do religioso registrada
nas páginas do jornal envolvem suas obrigações como sacerdote, professor ou membro do

256
SAID, E. op. cit., pp. 113. Grifos do autor.
257
A Epoca. Rio de Janeiro: 14 de maio de 1913, p. 7 (HDB/BN).
89

Instituto Histórico e Geográfico Fluminense. Se a aparente calmaria do articulista nesse ano


pudesse sugerir que a repercussão ao seu artigo endereçado ao cônsul otomano em São Paulo
tivesse sido negativa de tal maneira que tivesse desencorajado-o a escrever sobre as temáticas
orientais, a sua correspondência particular dissipa essa ideia.

Em 4 agosto de 1913, Etienne enviou uma carta ao poeta e político armênio


radicado na França Archag Tchobanian em um envelope e papel timbrado do “Centro
Oriental: união e liberdade!”, assinando como “Dr. Etienne Brasil, armênio”. Nessa primeira
missiva, escrita em francês, o padre se dirigiu ao “compatriota” a fim de apresentar a entidade
criada por ele no Rio de Janeiro “para a defesa dos interesses políticos e racionais de todos os
povos do oriente (armênios, sírios, árabes, judeus, caldeus, curdos e gregos da Ásia)”,
trabalho esse que, no limite, culminaria na independência da região, por meio de uma união
de todos esses povos, a exemplo do que aconteceu nos Bálcãs, e na “expulsão dos turcos”258.
Para intensificar seus trabalhos no Brasil, o padre solicitou ao poeta que escrevesse acerca das
lideranças do movimento armênio em Paris de maneira que ele pudesse ter mais informações
sobre os povos do Oriente a fim de publicar artigos na imprensa brasileira e em periódicos em
língua árabe no Rio de Janeiro. Assim, Etienne listou sete perguntas a Tchobanian, numa
espécie de entrevista, para que o poeta pudesse provê-lo com informações gerais sobre o povo
armênio, tais como, o número de armênios no mundo, quem são os líderes do movimento de
independência, quais são os principais órgãos de imprensa etc.

Alguns meses depois, o padre enviou uma nova carta a Tchobanian com muita
deferência e empolgação, o que indica que a sua primeira missiva foi respondida e seus
pedidos foram atendidos. Nessa correspondência de novembro de 1913, Etienne afirma que
estava cuidando da publicação de uma série de artigos, da proferição de algumas conferências
sobre a Armênia no Rio de Janeiro e também da tradução e publicação de poemas do próprio
poeta em português259, o que só viria a acontecer um ano mais tarde260. Para Etienne, os povos
oprimidos da Ásia Menor conseguiriam derrotar os turcos, pois “a união faz a força”. Assim,
seria necessário amplificar os trabalhos do Centro Oriental, emitindo um chamado a todos os
“patriotas” que desejam a independência para que se engajem nesse movimento. No mesmo
documento, o padre destaca a importância de uma aliança com os búlgaros para o controle da

258
Provavelmente era a Carta de Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 4 de agosto de 1913, III-797,
pp. 1-2 (MLA/RA).
259
Carta de Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 16 de novembro 1913, III-798, pp. 3-4 (MLA/RA).
260
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 6 de dezembro de 1914, p. 2 (HDB/BN).
90

Trácia e que assim que sua missão estivesse terminada no Brasil, ele transferiria as atividades
do Centro Oriental para Paris, o que nunca ocorreu.

Em abril de 1914, Etienne Brasil voltou a publicar na imprensa um artigo sobre os


povos do Oriente e a criticar os turcos. Intitulado “Psicologia do turco: preguiça e
vandalismo”261, o intelectual mostra que suas concepções sobre o Império Otomano e o povo
turco se tornaram mais agressivas. O autor inicia o texto afirmando que os orientais e os
turcos haviam dado provas ao mundo, os primeiros de sua inteligência e os últimos de sua
preguiça e instinto de destruição. Porém, Etienne se abstém de continuar a argumentação
baseado em suas próprias impressões porque “[...] como a palavra de um armênio pode
parecer suspeita, invocarei o testemunho indiscutível de escritores e viajantes dos mais
fidedignos. Ainda mais: citarei somente nomes anteriores a 1896”, ano do massacre de
armênios pelo Sultão Abdul-Hamid II. Assim, citando viajantes franceses, alemães, ingleses e
italianos, o autor alega que os turcos nada constroem e apenas destroem, desconhecem todo
tipo de arte e que as igrejas convertidas pelos turcos em mesquitas se encontravam em
péssimo estado de conservação. Esse povo odiaria a agricultura, sendo essa atividade
monopolizada por armênios e gregos. Por fim, como argumento capital, Etienne Brasil atesta
que até mesmo os historiadores turcos reconhecem que seu povo é “guerreiro, destruidor e
ladrão”, características que o “progresso” não teria conseguido nada além do que apenas
abrandar. O autor realiza, assim, uma operação que pretende legitimar seu ponto de vista,
promovendo o diálogo com autores europeus, ou seja, que não foram alvos diretos das
perseguições do governo otomano, e por isso, insuspeitos ao seu ver. Mas, ao recorrer aos
relatos de viajantes para solucionar a questão moral, ele encontra exatamente os elementos
que desejava para validar suas premissas, refutando aqueles que por ventura não servissem ao
seu argumento, reproduzindo a prática do orientalista que viaja rumo ao território que estuda e
se recusa a apreender aquilo que não serve às suas “verdades”262. Isso mostra também que as
concepções que Etienne Brasil tinha sobre o Oriente eram concebidas a partir de uma tradição
que o conectava com uma corrente de pensamento cujos primórdios datam da invasão de
Napoleão do Egito no final do século XVIII. Para Said: “[...] os textos existem em contextos,
que há uma intertextualidade, que as pressões das convenções, dos predecessores e dos estilos

261
A Rua. Rio de Janeiro: 1 de abril de 1914 (HDB/BN).
262
SAID, E. op. cit., p. 89.
91

retóricos limitam aquilo que Walter Benjamin certa vez chamou de [...] princípio da
‘criatividade’”263.

O tom áspero contra os turcos, muçulmanos e o Império Otomano não diminuiu o


prestígio que o padre e articulista tinha junto à imprensa carioca. Pelo contrário: em dezembro
de 1914, o diário A Rua anunciou que “[...] o conhecido orientalista, reverendo Etienne Brasil
[...]” foi procurado pelo jornal a fim de contar com seus artigos sobre o Oriente para
incrementar as páginas destinadas à Guerra264. A solução encontrada pelo jornal foi, portanto,
contratar alguém que pudesse traduzir o Oriente para o leitor – por meio do filtro da cultura
letrada europeia – mesmo que isso fosse, de forma consciente ou não, “[...] uma encenação
altamente artificial de algo que um não oriental transformou num símbolo de todo o
Oriente”265. A peculiaridade era que, no caso de Etienne, ele mesmo era um oriental que, uma
vez educado como um francês, verteu seu conhecimento sobre a sua própria terra em códigos
inteligíveis para o Ocidente e estaria apto a compartilhá-lo com o público de um país distante.
Em suma, era um autóctone “convertido”, cujo testemunho agregava credibilidade ao discurso
do Outro.

O primeiro artigo dessa série que o orientalista escreveu para o A Rua é intitulado
“Os drusos e os metualis”266. Nesse texto, Etienne Brasil divide o Líbano, “que é a flor da
Síria” em três povos principais: os libaneses “propriamente ditos” cristãos, os drusos pagãos e
os metualis267 muçulmanos. Detendo-se apenas nos dois últimos, o autor afirma que em
algum momento da história ambos se uniram contra o avanço otomano, mas que, em 1860, os
drusos, incitados pelo sultão otomano, massacraram a população maronita, criando uma
rivalidade entre esses e os libaneses. Ao fornecer mais detalhes sobre os dois grupos, Etienne
Brasil escreve: “Quanto á religião dos nossos drusos, peço um minuto de espera a fim de
poder virar sete vezes a língua na minha boca [...] Quanto aos metualis, eles são muçulmanos,
semisselvagens e não excedem de poucos milhares”. Embora carregado de estereótipos, o
parágrafo final é mais revelador: “N.B. Felizmente para o imortal Oriente, esses turcos, drusos
e outros ‘ejusdem farinoc’ serão varridos nesta guerra. Nunca poderiam, aliás, embaçar a
gloria dos Armênios, dos Sírios e dos Árabes”. Esse e outros artigos foram reunidos e

263
Ibid., p. 41.
264
A Rua. Rio de Janeiro: 3 de dezembro de 1914 (HDB/BN).
265
SAID, E. op. cit., p. 51.
266
A Rua. Rio de Janeiro: 6 de janeiro de 1915 (HDB/BN).
267
Em um livro sobre a Síria, Etienne Brasil (1918, p. 23) define os metualis como “[...] muçulmanos
xiitas, partidários de Ali. Carregam consigo um pouco de terra persa por toda parte. Evitam o contato
com os cristãos e as outras seitas, além de não serem poluídos!”
92

enviados por Etienne a Archag Tchobanian na França, a fim de mostrar que “a imprensa do
país, graças a campanha que eu comecei, começa a se inteirar sobre a sorte dos pobres
armênios”268.

Poucos meses depois, as publicações de Etienne Brasil atingem um novo patamar.


Em março, dessa vez n’O Imparcial – cuja tiragem chegava a 25 mil exemplares269 – o
intelectual – que a essa altura tinha largado a batina e se mudado de Niterói para o Rio de
Janeiro – publicou uma “Descoberta arqueológica”270. Segundo o autor, havia sido descoberto
no Egito um antigo papiro que parecia ser uma página perdida da Bíblia cuja autenticidade
fora comprovada por dois expertos alemães, ainda que uma comissão do Vaticano tenha se
recusado a aceitar o texto apócrifo. Julgando-se incapaz de emitir um parecer, Etienne Brasil
transcreveu na íntegra o texto em questão para que os leitores pudessem decidir por si sós
sobre a genuinidade do documento. Assim, seguem-se inúmeras linhas em latim com diversas
referências aos feitos malévolos dos turcos e muçulmanos, com referências aos sultões do
Império Otomano, inclusive a Abdul-Hamid II, cujo sultanato data do século XIX e ficou
marcado pelas perseguições aos cristãos. Se parecia improvável que um manuscrito original
perdido da Bíblia estivesse escrito em latim, o fato de fazer referência ao Islã e ao Império
Otomano – cujos surgimentos datam dos séculos VII e XIII respectivamente – eliminam as
chances do texto pertencer a alguns dos Evangelhos. A publicação não tem nenhum lastro
histórico, sendo oriunda da mente de Etienne Brasil em um ato de propaganda contra o
Império Otomano com o qual ele travava uma batalha. Ao publicar o texto em latim, o
intelectual buscava dar ares sacros àquelas linhas, ao mesmo tempo em que distanciava o
conteúdo do texto do leitor não letrado nessa língua – ainda que ter conhecimento de latim
não fosse incomum no início do século XX – que iria ficar restrito às palavras em português
escritas pelo autor, bem como às poucas palavras latinas inteligíveis como diaboli,
infanticidam, trucidatorem e pestiferatissimum, todas elas, evidentemente, como adjetivos dos
sultões otomanos listados pelo autor.

Ainda que o articulista continuasse a escrever sobre as temáticas a que se dedicava


quando ainda era padre e sobre a história de celebrações religiosas como a Páscoa271, os
artigos destinados a mostrar a situação no Império Otomano ocupavam definitivamente o

268
Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 28 de fevereiro de 1915, III-800, pp. 9-10 (MLA/RA).
269
COMPAGNON, Olivier. O Adeus à Europa: a América Latina e a Grande Guerra. Rio de Janeiro:
Rocco, 2014, p. 70.
270
O Imparcial. Rio de Janeiro: 20 de março de 1915, p. 9 (HDB/BN).
271
A Noite. Rio de Janeiro: 3 de abril de 1915, p. 2 (HDB/BN).
93

centro de suas atenções. Em 5 de abril de 1915, foi publicado o artigo “os armênios
revoltaram-se”, com os subtítulos: “que é Zeitun?” e “o Daschnak e o Droschak em ação”272.
Nas linhas seguintes, Etienne Brasil noticia a resistência dos armênios da cidade de Zeytun,
na Cilícia, organizada por dois partidos revolucionários armênios: o Daschnak e o Droschak,
nos quais “todo bom armênio está inscrito [...] e contribui, pelo menos pecuniariamente, para
a obra benemérita da independência nacional.” Além dos tradicionais exageros do autor –
como, por exemplo, afirmar que a resistência poderia ser “fatal” para os turcos, ou que
existam 10 milhões de armênios no mundo – esse artigo contém equívocos basilares de
entendimento da política armênia. Com efeito, o Dashnak era o maior partido político dos
armênios e teve papel crucial na resistência de algumas vilas e cidades às investidas
genocidas. Contudo, nunca existiu um partido denominado Droschak – “bandeira”, em
armênio – sendo esse o nome dado ao jornal dashnak que circulava por várias cidades da
Europa e Oriente Médio a partir dos anos 1890. Provavelmente, Etienne Brasil confundiu o
órgão dashnak com outro partido socialista armênio, o Hnchakyan, também organizador da
resistência armênia. Após cantar as glórias da “Tróia armênia” – conforme o autor se refere à
Zeytun – o intelectual afirma que os armênios serão essenciais para os aliados vencerem a
guerra no Cáucaso e Ásia Menor. Em suas palavras: “Os soldados saíram dos seus redutos; as
mulheres zeituniotas (essas belas e fortes criaturas) pegarão em armas. A alma nacional
armênia acordou como de uma profunda letargia. Desta vez a turcalhada será mesmo varrida”.
Há aqui uma subversão da relação de gênero que frequentemente povoava a narrativa dos
massacres armênios que circulavam no Ocidente, na qual o homem era descrito como o
soldado responsável pela defesa da pátria, do território e das mulheres, enquanto essas últimas
eram retratadas através do prisma de uma “vitimização passiva”273. Etienne, ao contrário, dá
certo protagonismo às mulheres de Zeytun, afirmando que elas combateriam o inimigo com
sua força – sem, contudo, deixar de mencionar a beleza.

Ainda em abril de 1915, em artigo publicado apenas dois dias antes da data que
simboliza o início da perseguição dos armênios otomanos, Etienne Brasil disserta sobre os
saques à cidade portuária de Esmirna274, localidade otomana banhada pelo Mar Egeu, de
grande influência e presença grega. Após apresentar a cidade ao leitor, destacando sua
população de 200 mil habitantes dividida igualmente entre cristãos e turcos, o rico legado

272
Idem, 5 de abril de 1915, p. 4 (HDB/BN).
273
LAYCOCK, J. op. cit., p. 132.
274
O nome turco dessa cidade é Izmir. Etienne Brasil grafou originalmente como “Smyrna”. A Noite.
Rio de Janeiro: 22 de abril de 1915, p. 2 (HDB/BN).
94

grego, a qualidade dos tapetes armênios e das frutas ali produzidas, bem como da descoberta
do “túmulo da mãe de Jesus” nos arredores, o autor denuncia os sucessivos saques que vem
ocorrendo, promovidos por “voluntários osmanlis” e por “uma tribo muçulmana [...]
semisselvagens, de vestuário esquisito, desordeiros renitentes e muito temidos, que
aproveitam todas as oportunidades para os seus atos de vandalismo” contra os quais as
autoridades otomanas nada fazem.

Depois desse artigo, afora alguns textos isolados sobre História do Brasil e outros
assuntos, há um longo período de silêncio do fecundo articulista. A partir do dia 20 de maio
de 1915, é possível encontrar anúncios diários de Etienne Brasil no A Rua oferecendo seus
serviços como professor de latim, lógica e matemática275. Em julho, há uma nota na Gazeta de
Notícias que afirma que o intelectual havia conseguido isolar um elemento extraído da
pitangueira que poderia substituir a anilina, em falta no mercado276. Nesse ínterim, a
necessidade de intensificar suas atividades profissionais pode ter arrefecido o orientalista. A
exceção é um artigo publicado no jornal Pacotilha de São Luís do Maranhão em 13 de julho
de 1915, intitulado “Duas pátrias, não!”, no qual Etienne Brasil mostra descontentamento com
a legislação brasileira que define a nacionalidade de crianças nascidas no país cujos pais são
europeus277. Para ele, o conflito das leis brasileiras com as europeias criava indivíduos “[...]
anfíbios e dupla pátria. [...] Durante a presente guerra europeia, todos eles são naturalmente
brasileiros! Mas amanhã, quando o Brasil os chamar às armas, todos eles correrão a buscar
certidões nos consulados estrangeiros”. A preocupação de Etienne residia especialmente nos
“[...] perigosos e tão falados focos germânicos de Santa Catarina278”. Com o desenrolar da
guerra e a deterioração da situação dos armênios no Império Otomano, os alemães seriam
unidos aos turcos no discurso do intelectual como causadores de todos os males. Nas palavras
de Antônio dos Reis Carvalho, intelectual contemporâneo a Etienne Brasil, “Os alemães, que
são a alma desta tríplice, nefasta e híbrida aliança teuto-austro-turca, cometem hoje os crimes
pavorosos dos conquistadores mais cruéis de todos os tempos”279. No discurso de Etienne e de

275
A Rua. Rio de Janeiro: 20 de maio de 1915, p. 2 (HDB/BN).
276
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 14 de julho de 1915, p. 4 (HDB/BN).
277
A legislação brasileira vigente na época definia os filhos de alemães nascidos no Brasil como
brasileiros, por conta do princípio do jus soli, enquanto a legislação alemã definia os mesmos como
alemães pelo princípio do jus sanguinis. COMPAGNON, O. op. cit., p. 109.
278
Pacotilha. São Luís do Maranhão: 13 de julho de 1915 (HDB/BN).
279
Apud COMPAGNON, O. op. cit., p. 77.
95

outros armenófilos, a Armênia era a Bélgica da Ásia e os alemães eram os turcos da


Europa280.

O hiato de Etienne Brasil não significa que os leitores de jornais estivessem


desprovidos de informações sobre o que acontecia com os armênios no Oriente. A imprensa
nacional publicava as notícias que chegavam do Império Otomano por meio das agências de
notícias internacionais, “[...] veículos essenciais da propaganda da Entente já nos primeiros
meses de guerra”281. Sob o título “Atrocidades dos turcos na Armênia”, o carioca A Epoca
relata, com informações de um correspondente do jornal britânico The Times no Cairo, os
acontecimentos que àquela altura eram conhecidos em toda a Europa e América. De acordo
com o jornalista, é sabido que os crimes cometidos contra os armênios foram planejados em
Constantinopla e executados após a derrota de Enver para os russos na frente do Cáucaso.
Segundo o Comitê União e Progresso, os armênios teriam se aliado às tropas russas e foram
os principais responsáveis pela derrota militar otomana. Assim, Talât teria ordenado
represálias à população armênia da Ásia Menor cujos atos de resistência às ordens de
evacuação resultaram na justificativa necessária para empreender a política de deportação. Em
seguida, o jornalista escreve que nem as lideranças armênias no Império que ocuparam cargos
políticos importantes no parlamento e nos ministérios foram poupadas da política de
extermínio, que funcionava graças à burocracia otomana nas províncias orientais, que
executavam as ordens provenientes da capital. Há relatos detalhados das deportações e das
estratégias utilizadas para matar os armênios deportados – adjetivados por palavras como
“cruel”, “bárbaro” e “indigno” – assim como a denúncia do envolvimento de oficiais alemães
nas ações. Por fim, o jornalista menciona a fuga dos armênios de Musa Dagh – cuja
resistência se tornou célebre por meio da novela do escritor tcheco Franz Werfel282 – e cita
Talât, que teria afirmado que após a execução de tais políticas, não haveria “questão armênia”
pelos próximos cinquenta anos283.

Com o aparente interesse crescente dos leitores brasileiros sobre a situação dos
armênios, Etienne Brasil voltou a tratar do tema publicamente em dezembro do mesmo ano,
não pelas vias jornalísticas, mas por meio de uma conferência promovida pela Associação
Cristã de Moços – conhecida mundialmente pela sigla YMCA. No dia 16 daquele mês, o
intelectual proferiu a conferência “o povo armênio” em sessão presidida pelo embaixador dos

280
LAYCOCK J. op. cit., p. 119.
281
COMPAGNON, O. op. cit, p. 71.
282
WERFEL, Franz. Os Quarenta Dias de Musa Dagh. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
283
A Epoca. Rio de Janeiro: 2 de outubro de 1915, p. 2 (HDB/BN).
96

EUA no Rio de Janeiro, “cujo governo”, de acordo com a nota, “tem manifestado muito
interesse pela sorte do heroico povo, que combateu os turcos nos três Caucásios (russo, turco
e persa)”284. Essa foi a primeira investida conhecida de Etienne Brasil junto a um diplomata
em favor da “causa armênia”, uma prática que se tornaria rotineira a partir de então. A
palestra foi adicionada por Etienne Brasil ao seu currículo na seção “serviços prestados à
Armênia” que seria enviado em 1919 a Avetis Aharonian para persuadir o político acerca das
suas credenciais intelectuais para ser o representante da República Armênia na América do
Sul285.

A conferência marcou a retomada de Etienne Brasil dos artigos sobre o Oriente.


Em fevereiro de 1916, o jornal A Rua publicou texto intitulado “A Armênia está quase
libertada do jugo turco”286. Entusiasmado por retumbantes derrotas otomanas no front do
Cáucaso, Etienne Brasil afirma que os armênios foram cruciais para as batalhas na região
serem decididas a favor dos russos, por isso “os turcos, furiosos por esse fracasso,
principiaram a perseguir atrozmente os armênios residentes na Turquia”. Em reação, as
lideranças armênias, por meio dos partidos revolucionários – nesse texto, o autor cita,
acertadamente, o partido Hnchakyan – convocaram a população a resistir, e afirma que
armênios do mundo todo estão regressando para engrossar as fileiras de combatentes: 10 mil
“súditos norte-americanos”, além de estudantes armênios da França, Inglaterra e 500
“patriotas” de Buenos Aires teriam se dirigido para interior do Império Otomano287. Diante de
tal esforço, os “russo-armênios” conseguiram conquistar a cidade de Erzurum e avançavam
sobre Trebizonda e Bitlis. Ainda que latente, a independência da Armênia não teria sido ainda
consolidada por conta da oposição russa, que espalharia notícias falsas sobre massacres de
armênios. Nas palavras do articulista: “Não, não houve extermínio! Russos e turcos sabem de
sobra que o povo armênio não se extermina tão facilmente”. Ainda que o mesmo admita
mortes eventuais, ele afirma que “[...] os que caíram, defenderam-se como leões. As mesmas
mulheres e crianças venderam caro a sua pele. [...] numa palavra, a Armênia está de pé e está
gloriosamente lutando”.

284
O Paiz. Rio de Janeiro: 16 de dezembro de 1915, p. 5 (HDB/BN).
285
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1919 (ARFA).
286
A Rua. Rio de Janeiro: 26 de fevereiro de 1916, p. 1 (HDB/BN).
287
Embora o número de voluntários armênios da Argentina engajados nas fileiras da Legião do
Oriente tenha sido estimado por Narciso Binayán entre 115 e 170 homens. BINAYAN, N. op. cit., p.
91.
97

Nessa altura, Etienne Brasil alimentava a esperança de que o Império Otomano


estivesse perdendo a Guerra e que os armênios organizados pelos partidos revolucionários
resistiam e infligiam fragorosas derrotas às tropas comandadas por Ismail Enver. Ignorava ou
desconhecia o fato de que eram raras as cidades armênias que resistiram às investidas
otomanas e lograram sair ilesas. Por fim, negar as notícias amplamente divulgadas pela
imprensa e conhecidas pormenorizadamente pelos corpos diplomáticos em Constantinopla,
isto é, de que os armênios eram alvo de atos de extermínio, era consequência de uma leitura
da situação que encarava o genocídio em curso como uma derrota política para os armênios,
cujo sofrimento diante do plano otomano de deportação deveria ser sobreposto pelo orgulho
das vitórias russas na frente do Cáucaso, com auxílio capital dos armênios. Ao fazê-lo,
Etienne Brasil corroborava o principal argumento do governo otomano para emitir as ordens
de deportação, que perdura até os dias de hoje no discurso oficial de negação do genocídio por
parte da República da Turquia: “o restabelecimento da ordem na nova zona de guerra por
medidas militares, tornadas necessárias devido à conivência do inimigo, à traição e à afluência
armada da população”288. Apesar de Etienne negar, em 1916, que os armênios estivessem
sendo mortos, estima-se que em julho de 1915, 200 mil homens armênios haviam sido
eliminados na tentativa do governo de desarticular qualquer tipo de reação armênia às
deportações. Em 1917, calcula-se que entre 50 e 75% da população armênia otomana já
tivesse sido exterminada289. As grandes proporções do massacre ganharam ampla repercussão.
Somente em 1915, o jornal The New York Times publicou 145 artigos sobre o assunto, numa
média de um a cada dois dias e meio290.

De fato, o genocídio colocava a existência de uma república armênia


independente englobando territórios otomanos em uma encruzilhada: os massacres dizimaram
populações inteiras de vilas e cidades em regiões que os armênios constituíam maioria
populacional, tornando pouco coerente a aspiração das elites armênias sobre territórios então
despovoados de compatriotas; por outro lado, ganhava força o discurso do direito armênio
àqueles territórios, bem como da necessidade deles para a “sobrevivência nacional” e para

288
Apud BRUNETEAU, Bernard. O Século dos Genocídios: violências, massacres e processos
genocidários da Arménia ao Ruanda. Lisboa: Instituto Piaget, 2004, p. 68.
289
JONES, Adam. Genocide: a comprehensive introduction. Londres e Nova York: Routledge, 2011,
2ª ed., pp. 155-161.
290
BALAKIAN, Peter. The Burning Tigris: the Armenian Genocide and America’s response. Nova
York: Harper Perennial, 2003, p. 282.
98

assentar milhares de refugiados que estavam em condições degradantes no Levante e


Transcaucásia291.

Ciente desse paradoxo, no mesmo A Rua, Etienne Brasil continuava seus esforços
para comprovar que os armênios eram expressivos numericamente o suficiente para
constituírem uma república independente. No dia 6 de março foi publicado o artigo “O povo
armênio – quantos indivíduos pertencem à raça haigana?”292 no qual o autor apresenta uma
tabela com estatísticas de quantas pessoas – e de que povos – habitavam as províncias
orientais do Império Otomano na ocasião do Congresso de Berlim em 1878. Segundo esses
dados, havia cerca de 1,1 milhão de armênios nessas províncias, o que faria desse povo o mais
numeroso na região, à frente inclusive dos turcos e curdos. Nos dados contemporâneos
apresentados por Etienne, aparece a cifra de 1,5 milhão de armênios por toda a “Turquia”, que
somados aos 2,5 milhões da Rússia, 700 mil da Pérsia e 1,5 milhão da “dispersão”,
totalizavam 6,2 milhões de armênios no mundo293. Ou seja, segundo as estimativas
apresentadas, de 1878 para 1916, período que presenciou dois processos genocidas, a
população armênia teria crescido ao invés de encolher. O próprio Etienne Brasil reconhece, no
mesmo artigo, que, durante o sultanato de Abdul-Hamid II na última década do século XIX,
cerca de 800 mil armênios teriam morrido294. Apesar dos constantes exageros, o autor
apresenta o número de 300 imigrantes armênios no Brasil, o que parece, em cotejamento com
a literatura sobre o assunto295, um número aceitável para o ano de 1916. Nessa época, não
interessava ao autor superestimar o número de armênios residentes no Brasil, como a
comunidade armênia faria por muitas vezes ao longo do século XX ao pressionar os políticos
brasileiros a assumirem uma postura de defesa da causa armênia nas diferentes esferas de
poder.

Não obstante as informações desconexas, esse artigo contém um dado


significativo para os estudos diaspóricos. Ainda que na maior parte das vezes Etienne Brasil
se refira aos armênios que vivem espalhados pelo mundo como membros de uma “dispersão”,
no texto supracitado ele se refere a eles em duas oportunidades como diáspora, conceito que

291
LAYCOCK, J. op. cit., p. 182.
292
A Rua. Rio de Janeiro: 6 de março de 1916, p. 1 (HDB/BN).
293
Ainda que o somatório apresentado por Etienne Brasil desses mesmos números tenha sido 5,7
milhões.
294
Apesar dos números mais aceitos girarem entre 80 e 200 mil. JONES, A. op. cit., p. 153.
295
KECHICHIAN, Hagop. Os Sobreviventes do Genocídio: imigração e integração armênia no Brasil,
um estudo introdutório. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, FFLCH/USP, 2000, pp.
313-32.
99

só viria a ser largamente utilizado no final dos anos 1960, justamente em substituição à ideia
de “dispersão”. Em livro publicado em 1918, Etienne Brasil também se refere às colônias
sírias pelo mundo como diáspora296, usando essa palavra como sinônimo intercambiável de
“dispersão”.

Em artigo do dia 9 de março, Etienne Brasil volta a dissertar sobre a resistência de


Zeytun, “[...] a santa montanha, a Troia armênia, terra clássica da resistência haigana [...]”,
que, mesmo derrotada, segundo o autor, proveu as vilas e cidades próximas de soldados que
espalharam a resistência pela região e retornaram após dois meses “[...] a vingar o massacre
de seus patrícios de Zeitun, matando os turcos, já instalados nas suas casas”297. Esse artigo é
um exemplo do humanitarismo seletivo de Etienne Brasil, que era compartilhado por muitos
intelectuais de sua geração: a resistência de um povo oprimido que promove a morte do outro
não é condenada, mas celebrada. Fenômeno semelhante aconteceria nos anos 1920, quando
grupos organizados pela Liga das Nações foram ao Oriente Médio resgatar mulheres e
crianças armênias que viviam aprisionadas em famílias turcas, mas nada fizeram em relação
às curdas que estavam na mesma situação. Afinal de contas, nas palavras de uma missionária
dinamarquesa e comissária da Liga em Aleppo: “O padrão de civilização dos armênios... está
em um nível acima daqueles com os quais seus jovens são forçados a viver”298.

A grande notícia do dia 13 de março de 1916 foi a entrada de Portugal na Grande


Guerra ao lado dos aliados. O acontecimento causou furor no Rio de Janeiro, cidade de grande
concentração de imigrantes portugueses, e muitas manifestações de apoio foram enviadas ao
diplomata lusitano residente na capital. Dentre elas, chama a atenção a seguinte: “Centro
Armênio, reunido em sessão manifesta a sua simpatia e solidariedade ao glorioso Portugal,
desejando o triunfo da civilização contra a barbaria turco-alemã – Presidente, Etienne Brasil;
secretário, Arbach”299. Etienne Brasil, que até então não havia reivindicado publicamente ser
representante de algum tipo de entidade ou organização exclusivamente armênia, surgia como
presidente de um Centro cuja dinâmica de funcionamento incluía, alegadamente, sessões para

296
“Infelizmente, os limites estreitos deste opúsculo não me permitem a descrição pormenorizada das
colônias sírias da diáspora, verdadeiras colmeias de operosidade”. BRASIL, Etienne. Os Syrios. Rio
de Janeiro: Besnard Frères, 1918, p. 61.
297
A Epoca. Rio de Janeiro: 9 de março de 1916, p. 4 (HDB/BN).
298
“The standard of civilization of the Armenians . . . is on a higher level than that of those beings with
whom the young people are forced to associate.” Karen Jeppe apud: WATENPAUGH, Keith David.
“Between communal survival and national aspirations: Armenian Genocide refugees, the League of
Nations, and the Practices of interwar humanitarianism”. In: Humanity: an international journal of
Human Rights, Humanitarianism, and Development. Vol. 5, n., 2, 2014, pp. 166-167.
299
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 13 de março de 1916, p. 1 (HDB/BN).
100

deliberar sobre assuntos como a moção de apoio a Portugal, contando, inclusive, com um
secretário. Esse telegrama destinado ao diplomata português marca a inauguração de uma
nova etapa da estratégia do intelectual na tentativa de angariar apoio à causa armênia: a
fundação de uma entidade que representasse interesses em nome do povo armênio. De acordo
com o pesquisador Vartan Matiossian, o Centro foi criado com a ajuda de Mihran Latif e
outros imigrantes com a finalidade de organizar os armênios no Rio de Janeiro, arrecadar
fundos e apoio político para auxiliar os compatriotas perseguidos no Império Otomano300.
Após algum tempo, o Centro tornou-se inoperante, sendo reativado por Etienne em 1919301
provavelmente para provê-lo de algum abrigo institucional comunitário, a fim de que ele
pudesse dirigir-se a Avetis Aharonian e outras autoridades, apresentando assim certo respaldo
da coletividade a qual pertenceria.

Um dos artigos mais agressivos escritos por Etienne Brasil sobre os turcos é o
intitulado “Que farão os Estados Unidos? Os turcos queimaram vivos dois americanos”,
publicado em A Epoca de 19 de março de 1916302. O texto narra que dois missionários norte-
americanos, que acompanhavam as deportações dos armênios, foram queimados, e conta com
detalhes das localidades onde os assassinatos teriam ocorrido, bem como das circunstâncias e
dos nomes das vítimas. Novamente, o que chama a atenção para além da notícia é o discurso
do autor ao relatar o acontecido: “os osmanlis, que sempre foram canibalescamente ferozes e
cruéis, parecem ter levado ao paroxismo os seus instintos de suínos e de chacais, na presente
guerra, mercê da influência dos exemplos bárbaros da Germânia”. Em seguida, ele afirma que
os turcos matam – além dos armênios – indistintamente todos os não muçulmanos, pois “o
turco boçal, com efeito, não sabe distinguir entre as várias nações. Para ele, fora de sua odiada
e abjeta nação, somente existem ‘guiáws”, isto é, “infiéis”. Na conclusão, o autor faz votos
pela eliminação dos turcos: “os osmanlis, que já estavam no último degrau da civilização,
acabam de passar ao nível das feras e dos brutos mais imundos. Resta, agora, serem tratados
como merecem”.

Foi somente em abril de 1916 que houve uma reação aos artigos de Etienne Brasil
na imprensa fluminense. A Gazeta de Notícias, órgão que também publicava textos e notas do

300
MATIOSSIAN, Vartan. Haravayin Koghmn Ashkharhi: Hayere Latin Amerikayi mej skizben
minchev 1950. Antelias, Líbano: Patriarcado Armênio da Cilícia, 2005. [“O confim austral da Terra:
os armênios na América Latina desde as origens até 1950”, em tradução livre do armênio].
301
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1919 (ARFA).
302
A Epoca. Rio de Janeiro: 19 de março de 1916, p. 9 (HDB/BN).
101

autor em suas páginas, com tiragem de 25 mil exemplares303, fez uma entrevista com José N.
Daher, diretor do jornal Al Barid, a fim de fornecer um contraponto a uma carta que Etienne
Brasil havia publicado dias antes no mesmo periódico, classificando as diferentes raças
otomanas304. Daher – que, segundo o jornal, era “sírio legítimo, pois nasceu no Líbano, e
adota a religião cristã” – condenou categoricamente as afirmações do articulista armênio. Para
o sírio, “o Dr. Etienne Brasil, que conhece tanto as cousas da Síria como eu as da Islândia, faz
afirmações só pela vontade de fazê-las”. O intuito principal era desmontar a tipificação do
armênio que define como sírios os cristãos orientais e turcos os muçulmanos. Para ele, o fato
da maioria dos sírios residentes no Brasil serem cristãos não quer dizer que o cristianismo seja
a religião predominante na Síria, pois, com exceção do Líbano, a maior parte do povo sírio é
muçulmano. Assim sendo, quando Etienne Brasil ataca a “colônia turca” brasileira, ele está
atacando os sírios, pois são esses que constituem a maior parcela dessa comunidade. Daher dá
a entender que Etienne credita aos turcos os problemas da colônia síria do Rio de Janeiro, o
que é refutado pelo sírio. Em sua opinião, Etienne Brasil, “para dar extração ‘aos seus
conhecimentos das cousas do Oriente’”, distorceu a verdade para validar seus argumentos.

A mesma Gazeta de Noticias abriu espaço, seis dias depois da entrevista do sírio,
para a publicação de um ofício do armênio endereçado à “Grande Comissão Portuguesa Pró-
Pátria” sob o título “Boicotem os turcos! Mas não persigam os sírios”305. Esse texto instala
definitivamente o debate entre Etienne e Daher. O articulista argumenta que o boicote
português à Alemanha deveria ser estendido aos aliados desse país, principalmente ao Império
Otomano, “que são os homens mais selvagens do globo terrestre”. Em seguida, Etienne alerta
para o perigo dos alemães residentes no Brasil promoverem um “boicote ao boicote”
português, e por isso o apoio da colônia árabe seria indispensável. Para tanto, seria necessário
distinguir a heterogênea colônia em seus três grupos: “os sírios verdadeiros, oriundos de raça
nobre; [...] os sírios degenerados ou traidores que por ignorância, ou banditismo esqueceram o
seu título de orientais, só “turcaram” e se fizeram propagandistas da peste osmanli; os turcos
verdadeiros, todos eles mulçumanos e pestiferados”. São os “sírios verdadeiros”, de acordo
com Etienne, protegidos e admiradores da França e Rússia, que devem ser poupados do
boicote. Entretanto, a fim de saber quem são os verdadeiros, os portugueses deveriam
consultar um “libanês de confiança”, não o cônsul da Turquia, tampouco o diretor do “’Al-
Balid’ [sic], (papelucho de três leitores e meio!) [que] se venderam aos turcos por duzentos e

303
COMPAGNON, O. op. cit., p. 70.
304
Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 3 de abril de 1916, p. 2 (HDB/BN).
305
Idem, 8 de abril de 1916, p. 1 (HDB/BN).
102

vinte e dois réis e fazem propaganda pró-Germânia”. As linhas finais do artigo mantêm o tom
tradicional: “Basta de hipocrisias e de ambiguidades. Ou turcos ou sírios; precisamos saber
quem é sírio, quem é turco, a fim de dar a cada um o tratamento que merece”.

A reação de José Daher não tardaria e viria dois dias depois pelas páginas do
mesmo jornal306. O sírio acusa Etienne de “crime de lesa história” e afirma que dará ao rival
“[...] lições de história síria e religiosa em que pretende passar por entendido como orientalista
[...]”. O primeiro ponto que Daher se ateve foi, novamente, na questão étnico/religiosa que
Etienne Brasil explora recorrentemente. Para ele, Etienne não sabe “distinguir nacionalidades
e ensinar história religiosa e geografia política” e questiona em que obra o armênio teria
extraído a informação que o sírio “verdadeiro” seria cristão. Na sequência, questiona as datas
e os acontecimentos narrados pelo armênio, sobretudo acerca dos conflitos entre drusos e
libaneses. O tom irônico do sírio aumenta ao comentar que Etienne Brasil se julga conhecedor
da história dos sírios “tanto na Síria como no Brasil e na Argentina (perdão, ele, segundo
disseram-me, chamou-se lá Etienne Argentina)”. Sempre se referindo ao armênio como
“ilustre conhecedor das cousas do Oriente”, Daher põe em dúvida as cifras de libaneses que
imigraram para a França, delatando o suposto exagero de Etienne e termina criticando a
atitude do intelectual que teve “audácia ao ponto de intrigar os sírios com a colônia
portuguesa no Brasil”. Contudo, para o sírio, a tentativa do armênio não funcionou, pois
“Portugueses e sírios se conhecem e todos têm nítida concepção do que é Pátria” e conclui
afirmando que: “[...] O Sr. cônsul do Império Otomano e o diretor do jornal sírio ‘Al-Barid’,
que a sua boa educação quis denominar de papelucho, estão inteirados dos seus deveres de
otomanos e de patriotas.”

Após a contenda, alguns meses se passariam até que Etienne Brasil publicasse
outro artigo sobre assuntos orientais. Mas, se as suas atividades como articulistas estavam
adormecidas, seu empenho em articular politicamente apoio à causa armênia era cada vez
maior. Em 30 de junho de 1916, surgiu em um jornal carioca a transcrição de uma mensagem
do secretário particular do embaixador dos EUA no Rio de Janeiro afirmando que, conforme
havia sido acordado durante reunião, o diplomata concordava em participar de uma campanha
para arrecadar fundos para os armênios em necessidade e se empenhar para que a quantia
fosse enviada para Nova York e de lá para Etchmiadzin – Santa Sé da Igreja Apostólica

306
Idem, 10 de abril de 1916, p. 4 (HDB/BN).
103

Armênia, no Cáucaso – ou para a embaixada norte-americana em Constantinopla307 que,


àquela altura, era comandada por Henry Morgenthau – cujas inúmeras tentativas de
intervenção junto ao governo otomano para parar as políticas de extermínio ficaram
conhecidas quando da publicação da primeira edição de seu livro de memórias308.

No segundo semestre do mesmo ano, Etienne Brasil voltou a publicar artigos


sobre as questões orientais, embora o que veio a público no dia 12 de agosto tenha um tom
mais moderado. Em texto publicado no A Rua, o orientalista refutou as notícias oriundas de
Boston, que afirmavam que haviam sido registrados casos de antropofagia na Ásia Menor.
Segundo Etienne, isso seria impossível, pois a Armênia estaria libertada – em uma tentativa
de afirmar que onde os armênios estavam tal prática jamais seria praticada – e os turcos
“chacais fanatizados por uma religião que prega o ódio e o extermínio dos cristãos, nunca
desceriam ao canibalismo: o Alcorão que promete o céu aos massacradores dos cristãos,
proíbe a carne humana... a carne dos porcos também”309. A seu ver, portanto, os turcos seriam
incapazes de se alimentarem de seres humanos, não porque tinham dimensão do Outro, mas
porque o fanatismo religioso era de tal modo exacerbado que a proibição corânica e o temor
da justiça divina compeliam seus instintos de “chacais”. O lampejo de alteridade do
orientalista encontra, então, suas limitações. Etienne Brasil retoma o discurso mais radical em
artigo de dezembro de 1916, intitulado “Oceano de Crimes”, no qual lista os diversos
massacres que os turcos, que “têm a fama de ser os piores bárbaros da terra” haviam cometido
até então310. Em meio a esses relatos, o autor garante que “dizer, portanto, que nesses últimos
cinquenta anos foram massacrados dois milhões de armênios não é exagerar” e que a soma
total dos mortos pelos turcos durante o último século chegaria a dez milhões. A solução para
interromper a escalada da violência no Império Otomano seria uma só. Nas palavras de
Etienne:
Quando é que enfim o mundo civilizado se levantará para pôr um fim a um
império tão bárbaro que desonra a humanidade? O imortal Gladstone já tinha
indicado a única solução para esse caso: ‘os turcos façam desaparecer com
os seus abusos, da única maneira possível, isto é, desaparecendo eles
próprios.

Também no segundo semestre de 1916, Etienne começou a articular politicamente


para que a causa armênia chegasse diretamente a alguns tomadores de decisão da política

307
O Imparcial. Rio de Janeiro: 30 de junho de 1916, p. 7 (HDB/BN).
308
MORGENTHAU, Henry. A História do Embaixador Morgenthau: o depoimento pessoal sobre um
dos maiores genocídios do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
309
A Rua. Rio de Janeiro: 12 de agosto de 1916, p. 2 (HDB/BN).
310
A Lanterna. Rio de Janeiro: 3 de dezembro de 1916, p. 1 (HDB/BN).
104

brasileira, para além das páginas dos jornais. Em carta a Archag Tchobanian em setembro de
1916, Etienne chama sua atenção para a presença de Rui Barbosa em Paris, “o homem que
mais tem influência no Brasil [a quem] o povo tem uma verdadeira adoração”. Na opinião do
intelectual, se Tchobanian conseguisse uma audiência com Rui Barbosa, o jurista brasileiro
mostraria interesse pelos armênios e tornaria o Brasil simpático à causa desse povo,
proferindo discursos nesse sentido, o que seria uma grande vitória para a pequena coletividade
do Rio de Janeiro, onde “nós não somos mais que sete armênios”311. Ademais, angariar a
simpatia de Rui Barbosa e, consequentemente, da sociedade brasileira, iria resultar no mesmo
efeito nas demais repúblicas da América Latina. Etienne encerra a missiva ao poeta clamando
para que o compatriota “não deixe passar essa bela ocasião de servir fortemente à nossa
pátria”.

O ano de 1917 foi mais dedicado às atividades como professor e escritor de livros
didáticos do que ao ativismo político. Mesmo assim, a contribuição para os jornais acerca dos
assuntos orientais, embora tenha sido reduzida, não cessou. Em fevereiro desse ano, Etienne
Brasil publicou texto sobre a restauração do califado árabe pelas mãos do xarife de Meca,
Hussein idn Ali el-Aun, que reivindicava a sucessão de Maomé, fazendo dele a autoridade
máxima do Islã. O califado era unificado ao sultanato otomano, sendo o monarca de
Constantinopla tanto uma autoridade política quanto religiosa. Assim, para o orientalista “a
recente restauração do califado árabe foi, para o mundo muçulmano, o acontecimento mais
notável da presente guerra. Ela, sem dúvida alguma, precipitará a queda do trono já bem
carcomido do sultão dos turcos”312. Contudo, Etienne se equivocou nos fatos que expôs: o que
Hussein proclamou em 1916 foi o Reino de Hejaz – na porção oriental da península arábica,
onde está a cidade de Meca – e se revoltou contra a Porta, lutando ao lado dos britânicos na
Palestina e Síria313. O califado só seria reivindicado de fato por Hussein em 1924, quando a
Assembleia Nacional da Turquia aboliu oficialmente a instituição314, ainda que a Grã-
Bretanha tenha incentivado líderes do Islã na península arábica a reivindicá-lo durante a

311
Etienne Brasil somente contabilizava como armênio aqueles compatriotas que trabalhavam consigo
em prol da causa. Carta de Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 15 de setembro de 1916, III-800, pp.
11-12 (MLA/RA).
312
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 25 de fevereiro de 1917, p. 5 (HDB/BN).
313
HOURANI, Albert. Uma História do Povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 2ª
ed., pp. 319-320.
314
PALMER, A. op. cit., p. 265.
105

Grande Guerra, a fim de enfraquecer a autoridade que o inimigo otomano poderia ter sobre
100 milhões muçulmanos súditos da coroa britânica315.

Em abril, Etienne foi aos jornais denunciar “indivíduos maltrapilhos, metidos em


batinas sebentas e carregando no queixo repelentíssimas barbas” que esmolavam pelas ruas de
algumas cidades do país alegando serem padres armênios em necessidade316. Temendo o dano
que os alegados religiosos poderiam causar à imagem dos armênios no Brasil, o articulista
afirma que nunca havia sido enviado nenhum clérigo armênio para o país, e que ele mesmo
havia interrogado um desses homens na delegacia, que teria confirmado não saber o idioma
armênio e que seria, na verdade, caldeu. Apesar da aparente frivolidade do caso, a aparição de
supostos padres armênios mendicantes se deu em vários momentos dos anos 1910-20 e em
diversos países, tirando vantagem da imagem de povo necessitado dos armênios ao redor do
mundo. Nos EUA, segundo Peter Balakian, essa imagem era tão arraigada que crianças
gastavam o tempo livre para vender limonadas e tortas a fim de arrecadar dinheiro para enviar
aos armênios. Lembrar que em algum lugar do mundo havia uma criança armênia faminta era
a estratégia utilizada por algumas mães para convencer seus filhos a comerem toda a porção
ofertada sem desperdício317. Em janeiro de 1920, Etienne disse a Aharonian que havia
solicitado que a polícia prendesse um “árabe suspeito” que era acompanhado de duas jovens
que se diziam turcas, mas ele suspeitava que poderiam ser “armênias que foram vendidas
durante a guerra”318.

Em artigo publicado em 12 de junho, Etienne Brasil retomou as suas narrativas


epopeicas sobre a resistência armênia aos ataques do governo otomano, dessa vez na cidade
de Urfa, não muito distante de Zeytun319. O autor acusa, novamente, “o czarismo podre e
desleal, que pretendia anexar todas as Armênias” de espalhar falsas notícias sobre o massacre
de armênios no Cáucaso. Apesar de refutar tal informação, pela primeira vez Etienne assume
que muitos armênios haviam morrido nas perseguições patrocinadas pelos turcos, mas não
sem antes resistirem. Citando uma missionária norte-americana que estaria na cidade, o autor
disserta sobre como a população de Urfa organizou uma resistência às investidas turcas que
mobilizou homens, mulheres, crianças e idosos, por cerca de um mês, até a chegada de
reforços da artilharia comandados por oficiais alemães. Assim, as tropas turcas conseguiram

315
McMEEKIN, S. op. cit., p. 85.
316
A Rua. Rio de Janeiro: 7 de abril de 1917, p. 2 (HDB/BN).
317
BALAKIAN, P. op. cit., pp. 291-292.
318
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1920 (ARFA).
319
A Epoca. Rio de Janeiro: 12 de junho de 1917, p. 4 (HDB/BN).
106

avançar sobre a cidade em ruínas, praticamente desguarnecida de homens, e se lançaram sobre


as mulheres e crianças que restavam. Sobre uma jovem, o autor relata:
Uma delas aluna da escola de Harpet retirando o punhal que tinha ocultado
debaixo de sua veste virginal, mergulhou-o no corpo lubrico do cervejento
coronel alemão, que a tentava desonrar. Por isso, a santa menina foi
imediatamente trucidada. É assim que morrem os filhos de Haig.

Ou seja, se a negação do extermínio dos armênios não era mais sustentável em


meio às inúmeras notícias procedentes das agências internacionais, a saída encontrada pelo
intelectual foi narrar a “homérica resistência de Orfa [sic]” de forma que os armênios fossem
descritos como mártires cristãos, conforme o uso do adjetivo “santa” para descrever a menina
sugere, ao mesmo tempo em que os dotava de honra e glória por terem tombado em uma
batalha na qual provaram o valor que tinham como guerreiros, merecendo assim a “bela” e
“gloriosa morte”320, aos moldes de Homero na Ilíada. Não por acaso Etienne se referia à
cidade de Zeytun como a “Troia armênia”. A sorte das mulheres armênias tal como a menina
mencionada por Etienne tem significado particular nas narrativas do genocídio publicadas no
Ocidente. Nas palavras de Jo Laycock:

As mulheres armênias foram representadas como cristãs devotas e inocentes


sob constante ameaça de sequestro, “ultraje” e escravidão nos haréns turcos.
Transbordavam relatos de mulheres que haviam cometido suicídio de forma
a “proteger a honra”. Essas mulheres foram louvadas por seus atos e
retratadas como mártires por sua fé321.

O artigo sobre Urfa foi um dos últimos escritos pelo autor em 1917. Por outro
lado, as suas incursões político-diplomáticas aumentaram no mesmo período. No dia 1º de
novembro, uma semana após o Brasil ter declarado guerra contra a Alemanha, Etienne Brasil
endereçou telegrama ao Ministro de Relações Exteriores congratulando-o pela atitude
brasileira e colocando-se à disposição do chanceler: “O nome do Brasil irá eletrizar de
esperança os oprimidos do Cáucaso. A Armênia cultíssima e eterna mártir implora um gesto
enfim salvador da maior República sul-americana. Aceitai, Sr. ministro, os serviços
incondicionais da pequena colônia armênia do Rio”322. A entrada do Brasil na Grande Guerra

320
Kalos thanatos – bela morte – e euklees thanatos – gloriosa morte – são os conceitos gregos para
esse tipo de construção realizada por Homero. VERNANT, Jean-Pierre. “A ‘Beautiful Death’ and the
disfigured corpse in Homeric Epic”. In: ______. Mortals and Immortals: Collected Essays. Princeton:
Princeton University Press, 1991, pp. 50-51).
321
“Armenian women were represented as devout, innocent Christians under constant threat of
abduction, 'outrage' and slavery in a Turkish harem. Reports of women who committed suicide in
order to 'protect their honour' abounded. These women were praised for their actions and portrayed
as martyrs for their faith”. LAYCOCK, J. op. cit., p. 83.
322
O Imparcial. Rio de Janeiro: 1 de novembro de 1917, p. 5 (HDB/BN).
107

deu o ensejo para Etienne usar da influência e notoriedade que havia obtido em anos como
articulista e professor – tendo trabalhado, segundo Richard Hovannisian, como tutor de filhos
de diplomatas estrangeiros e altos funcionários do governo brasileiro323 – para obter inserção
junto ao Itamaraty no intuito de angariar apoio à causa armênia. Esse telegrama marca o
primeiro de muitos contatos que o intelectual faria com o governo brasileiro em busca da
simpatia da Presidência da República e da Chancelaria.

3.3 O Povo Armênio

No mesmo mês, a Gazeta de Noticia publicou uma resenha do livreto O Povo


Armênio que Etienne Brasil havia acabado de lançar. Em linhas bastante receptivas, o autor da
resenha afirma que a causa armênia tem apoiadores em diversos países e que a história desse
povo é uma prova de como uma nação pode lutar para não se deixar contaminar por
“influências estranhas”. “Em luta contra o turco”, continua o texto, “o armênio tem sido um
defensor irredutível dos seus princípios, dos seus costumes, da sua raça, da sua religião”324.
Sobre o livro, a resenha reconhece que “não é um trabalho completo e nem o autor teve esta
pretensão [...] é, porém, um trabalho inspirado sobretudo em alto espírito de justiça, e nele são
expostos em síntese, a situação moral e a civilização armênia”. Tentando convencer o leitor
da importância da publicação para o público brasileiro, o texto é concluído: “O Brasil deve
olhar para a Armênia com interesse e com simpatia, pois, de futuro, ela representará para nós
um país com quem poderemos manter as mais estreitas relações de comércio e de
confraternidade”.

Com efeito, a preocupação do autor da resenha em esclarecer sobre o fôlego do


trabalho é justificada pelo fato da publicação ter apenas 22 páginas de texto, além de quatro
de fotografias e um poema anexo ao final325. Segundo Vartan Matiossian, o livreto foi
financiado por alguns armênios abastados326 e os exemplares seriam distribuídos

323
HOVANNISIAN, R. op. cit., 1996, p. 430.
324
Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro: 12 de novembro de 1917, p. 3 (HDB/BN).
325
O mesmo poema, “Meu Pesar”, de autoria de Bedros Turian e tradução de Alberto de Oliveira, foi
publicado no Correio da Manhã naquele ano. Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 10 de dezembro de
1917, p. 2 (HDB/BN). Em carta para Archag Tchobanian três anos antes, Etienne Brasil já havia
submetido uma tradução de Bedros Turian feita por Alberto de Oliveira, “o príncipe dos poetas”, em
suas palavras, para a apreciação do colega francês. Provavelmente trata-se do mesmo poema. Carta de
Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 9 de fevereiro de 1914, III-799, p. 5 (MLA/RA).
326
MATIOSSIAN, V. op. cit.
108

gratuitamente, como forma de propaganda da causa armênia, sistematizando em um só texto


as ideias desenvolvidas ao longo dos anos pelo autor, que resultaram em vários artigos para a
imprensa. Mais tarde, quando assume a representação armênia no Brasil, o livreto ganha o
327
sentido de uma “história de uso diplomático” , para construir uma imagem da “Armênia
mártir” no Brasil, do milenar país cristão dilacerado por um império muçulmano. O padre
Yesnig Vartanian afirma que a publicação “[...] foi a primeira e uma das melhores iniciativas
em solo brasileiro, planejado e executado por uma única pessoa, visando revelar os armênios
para os brasileiros”328. Não há informações sobre a tiragem e são desconhecidas outras cópias
disponíveis além das que estão depositadas na Biblioteca Nacional, na Casa de Rui Barbosa,
ambas no Rio de Janeiro e a que foi consultada para esta pesquisa329.

A capa do livreto mostra os picos do Monte Ararat com uma estrela de cinco
pontas a emanar luz do cume (anexo: Figura 5). O Ararat é uma figura frequentemente
evocada por armênios e armenófilos para dotar a história desse povo de uma ancestralidade
que remonta aos tempos do Velho Testamento, quando a Arca de Noé teria encalhado na
montanha após o dilúvio bíblico330. Dessa forma, utilizar o Ararat como símbolo da nação
armênia reforça a ideia da intrínseca ligação desse povo com o cristianismo, associando-o
com a “civilização” europeia e tornando-o mais próximo do público ocidental que tinha pouca
familiaridade com a história dos armênios, mas poderia facilmente encontrar a referência à
montanha matriz desse povo em qualquer bíblia ao alcance das mãos. Cria-se, assim, uma
“paisagem mental” que auxilia a angariar apoio ocidental: “Armênios morreram em terras
bíblicas. Monte Ararat, Tarsus e Constantinopla eram nomes que eram parte de uma tradição
sagrada comum para americanos católicos, protestantes e judeus”331. A afirmação também é
verdadeira para os brasileiros. Na capa do livreto, logo abaixo do cume da montanha, há a
didática inserção da inscrição “Ararat” e a representação de uma figura feminina cujo corpo
está voltado para a sua esquerda e a cabeça para a direita, mirando o horizonte. A mulher,
simbolizando a Armênia está vestida com capacete, armadura que envolve seu busto e braços
e uma longa saia, carregando um escudo na mão esquerda e uma espada na mão direita,

327
MALATIAN, T. op. cit., p. 100.
328
VARTANIAN, Y. op. cit.
329
A cópia que tivemos acesso é, na realidade, uma fotocópia oriunda do acervo do historiador Dr.
Hagop Kechichian.
330
“e, no décimo sétimo dia do sétimo mês, a arca encalhou sobre as montanhas de Ararate.” Gênesis
8:4.
331
LEONARD, Thomas C. apud LAYCOCK, J. op. cit., pp. 122-123.
109

ambos abaixados. Há ainda grilhões quebrados próximo ao pé direito, sugerindo que a batalha
de libertação do país foi vencida.

Na introdução, Etienne Brasil apresenta a Armênia e os seis milhões de armênios


ao leitor por meio de suas características ímpares, como a língua, religião e cultura, mas,
principalmente, por meio das similaridades que esse país teria com as nações europeias:
A nação aludida é uma Polônia, pela sua situação política tripartida; uma
Suíça, pelo pitoresco de suas alterosas montanhas; uma Bélgica, (ou antes
mil Bélgicas!) pelos crudelíssimos martírios que sofreu; uma França, pelas
glorias invejáveis de sua história e pelo seu papel civilizador entre as
populações orientais.
Este povo é o armênio. E ao povo armênio prende-se uma questão
armênia332.

A estratégia que o escritor lançou mão no livreto é semelhante àquela utilizada


anteriormente na imprensa. Não é negada a condição de nação oriental à Armênia. Pelo
contrário, a ela é atribuída o status de um enclave da cultura europeia no Oriente cuja missão
civilizadora seria semelhante à da França. A comparação com nações europeias, mais
familiares ao leitor, é uma tentativa de criar empatia nos brasileiros. Ao afirmar que a
Armênia equivale a “mil Bélgicas”, Etienne se apropria da retórica dos defensores da causa
armênia na Europa, como Arnold Toynbee e James Bryce, que frequentemente comparavam a
destruição desse país pela ocupação alemã durante a guerra à sorte dos armênios do Império
Otomano. O político e intelectual italiano Antonio Gramsci foi outro que indagou, em artigo
publicado em um semanário socialista, as razões da comoção em torno da ocupação da
Bélgica e da apatia ante o massacre de armênios pelos turcos333. O incêndio da cidade belga
de Louvain permaneceria no imaginário europeu por muitos anos. Segundo Margaret
MacMillan, “[...] Louvain transformou-se no símbolo da destruição sem propósito, do dano
causado aos europeus por eles mesmos naquela que fora a parte ais próspera e poderosa do
mundo, e dos ódios irracionais e incontroláveis entre povos que tinham tanto em comum”334.
Na Grã-Bretanha, de acordo com Jo Laycock, armenófilos incluíam o massacre de armênios
no mesmo rol de “atrocidades” que a invasão da Bélgica, o afundamento do Lusitânia e o
ataques de Zepelim. Todos esses atos seriam atentados à civilização e valores britânicos335. A
imprensa canadense não hesitou em publicar que dentre os horrores ocorridos na Bélgica,

332
BRASIL, Etienne. O Povo Armenio. Rio de Janeiro: edição do autor, 1917, p. 1. Grifos do autor.
333
GRAMSCI, Antonio. “Armenia – Grido del Popolo, 11 de março de 1916”. In: CAPRIOGLIO,
Sergio (org.). Antonio Gramsci: cronache torinesi, 1913-1917. Turim: Einaudi, 1980, pp. 184-185.
334
MACMILLAN, Margaret. A Primeira Guerra Mundial. São Paulo: Globo livros, 2014, p. xx.
335
LAYCOCK, J. op. cit., pp. 109-112.
110

Polônia, Sérvia, “a tragédia mais impronunciável é a Armênia”336. Assim era construída a


noção de uma “nação vítima” e o massacre de armênios era definido – décadas antes da
criação da palavra “genocídio” como o “extermínio de uma nação”337.

Para Etienne Brasil, a questão armênia nasceu com a queda do Reino Armênio da
Cilícia – ou Armênia Menor – no século XIV e o consequente fim da última unidade
administrativa autônoma que os armênios teriam até 1918, se intensificando após o Congresso
de Berlim em 1878 quando as Potências discutiram as fronteiras otomanas após uma série de
conflitos entre esses últimos e os russos. Assim, fica claro que para Etienne a questão armênia
era uma questão nacional e territorial, cujo significado prático seria a autonomia da Armênia,
muito distinto de outros entendimentos da “questão” que preconizavam direitos para os
armênios no Império Otomano.

Mesmo o livro sendo publicado em 1917, quando o genocídio era amplamente


conhecido, o autor insiste na ideia que a Guerra assinalava a “hora da morte” para os turcos,
na qual os armênios, com o sentimento nacional despertado por conta dos massacres, teriam
papel crucial338. Nas palavras do autor, os turcos “[...] traçaram, com letras cruentas, o
chirographo de seu suicídio, na última e derradeira pagina de seus anais, todos eles escritos
com lama e sangue”. Do outro lado estaria o “abutre czarista” que divulgava informações
falsas sobre o desaparecimento dos armênios para assim justificar uma ocupação daquele
território. Na opinião de Etienne, as imprensas britânica e norte-americana estariam atentas a
essas falsificações e protestavam nas páginas dos jornais.

Apesar de celebrar a bravura e tenacidade do povo armênio, as esperanças de


Etienne Brasil estão sempre depositadas no auxílio que viria da Europa e dos EUA. Ele estava
certo de que os ingleses subiam o Eufrates, a Grécia de Venizelos atacava a partir dos Bálcãs
e os EUA mobilizavam tropas para salvar os armênios. O primeiro-ministro britânico Lloyd
George, por sua vez, teria garantido a libertação da Cilícia. Por tais razões, o autor afirma que
os aliados haviam assumido um compromisso “perante a história” com os armênios e fariam o
necessário para cumprir a palavra. Contudo, ele faz uma pausa no seu otimismo para lembrar
o dever ético e moral do Ocidente em ajudar o seu povo:

336
“[...] and the most unspeakable tragedy is Armenia.” The Globe, 2 de dezembro de 1915, p. 4 apud:
ADJEMIAN, Aram. The Call from Armenia: Canada’s response to the Armenian Genocide. Montreal:
Corridor Books, 2015, p. 40.
337
Ibid., pp. 116-119.
338
BRASIL, E. op. cit., 1917, pp. 1-2.
111

Mas se, para atender a conveniências egoístas ou imposições dos impérios


centrais, eles desmentirem todas as esperanças, eles perpetrarão a mais negra
injustiça. Neste caso, será preciso apagar de todos os vocabulários, as
palavras de direito, de liberdade e de lealdade.
Aliados! Vede e dizei.
Por que motivo o povo armênio tanto sofreu nesta guerra? Por ódio de quem
as crianças foram arrancadas ao peito das mães e tiveram as suas carnes
rasgadas? Por que as virgens santas foram desonradas e poluídas? Por que
milhares de aldeias foram incendiadas no Cáucaso?
É por vossa causa.
Os armênios cumpriram estoica e lealmente o seu dever.
Cumpri agora o vosso!339.

Terminada a súplica, Etienne passa a descrever a história dos armênios desde o


dilúvio bíblico até os seus dias340. Para tanto, o autor afirma que os “historiógrafos”
costumam descrever psicologicamente um povo por meio da análise do habitat no qual vive e,
por isso, ele procederia da mesma forma – seguindo a cartilha positivista – tendo em vista ser
dispensável dissertar acerca dos atributos físicos do povo armênio, “considerado por todos
como o tipo da raça branca”, sobretudo das mulheres, famosas por sua estética.

As páginas subsequentes não fogem do estilo apresentado pelo autor nos artigos
escritos para a imprensa, exaltando a Armênia por suas maravilhas naturais e o povo por sua
tenacidade, a qual os turcos puderam testemunhar durante as tentativas de assalto às cidades
armênias que se entrincheiraram e resistiram:

[...] em Zeitun, na montanha santa, os turcos aprenderam, às suas custas, de


que é capaz a energia armênia [...] As próprias mulheres possuem uma
altivez e uma coragem cavalheiresca: sirvam de exemplo as mulheres de
Karput que, em 1895, se lançaram nas chamas para evitarem o opróbrio dos
muçulmanos; lembrem-se também as matronas de Sassun que, empunhando
machados, expulsaram, em 1902, os soldados turcos [...]341.

Na maior parte do livreto, Etienne Brasil analisa a língua, religião, literatura, arte,
indústria e comércio dos armênios, elementos esses que seriam essenciais para “avaliar o grau
de adiantamento de uma raça”342. Dessa forma, o autor se esforça para mostrar domínio do
tema, enumerando datas, acontecimentos, elencando nomes de personalidades da história
armênia ao longo dos séculos, e se esquiva de assuntos pantanosos como, por exemplo, a
língua armênia, sobre a qual se limitou apenas a dar características gerais, justificando-se:
“não me cabe aqui fazer uma exposição completa da gramática haigana”. Ao que tudo indica,
o autor não dominava a língua armênia. Segundo Vartan Matiossian, ainda na infância

339
Ibid., pp. 3-4. Grifos do autor.
340
Ibid., p. 6.
341
Ibid., p. 7.
342
Ibid., 1917, p. 8.
112

Etienne Brasil teria deixado de falar armênio343. A informação é oriunda do periódico armênio
Kotchnak, de Boston, em 1917, no qual consta que ele teria esquecido o idioma materno344.
Suas limitações nessa língua, embora não admitidas por ele, são visíveis no livreto. É
sintomática a afirmação de que o Dachnaktsutun – teria alternado seu nome para
Daschnakzagan345, quando, na realidade, a primeira palavra é um substantivo que significa
“Federação” e serve como alcunha para a Federação Revolucionária Armênia, a última é um
adjetivo – “federado” – e designa os membros desse partido. A falta de domínio do idioma
não seria relevante se o próprio Etienne Brasil não tentasse esconder o desconhecimento
daquela que deveria ser, aos olhos da sociedade receptora, sua língua materna. No debate
supracitado entre o escritor e o jornalista José Daher, o sírio coloca um ponto de interrogação
na alegação de Etienne de ter: “estudado com afinco toda a Turquia, conhecendo várias
línguas (?) da região”346. Curiosamente, há algumas cartas enviadas por Etienne a Avetis
Aharonian entre junho e julho de 1920 que estão em armênio – ainda que a maior parte da
correspondência trocada entre os dois tenha sido em francês –, mas que provavelmente foram
escritas por outrem e apenas firmadas pelo intelectual347. Enfim, na sua autoavaliação,
reconhecer suas limitações no idioma era o mesmo que demonstrar uma fraqueza perante seus
adversários, como político e como intelectual. Contudo, o domínio da língua não era regra
entre os armênios otomanos, principalmente aqueles que viviam na Cilícia, próximo ao Mar
Mediterrâneo. Segundo Keith David Watenpaugh, muitas crianças sobreviventes do genocídio
oriundas de Marash e Aintab falavam um dialeto turco mesclado com palavras armênias e
foram aprender o armênio ocidental tal qual falado pelas elites intelectuais armênias de
Constantinopla nos orfanatos e escolas mantidos pela Near East Relief em Aleppo348.

Na conclusão de seu texto, o autor enumera os aliados dos armênios ao redor do


mundo, explorando as conexões e simpatias que seu povo teria entre as Potências. Apesar de
mencionar as nações mais poderosas da Europa, Etienne Brasil enfatiza o papel dos EUA na
questão armênia. Se a Europa dá a fundamentação cultural para justificar a importância da
autonomia da Armênia, é o poder emergente dos norte-americanos que poderia consolidar as
aspirações nacionais de seu povo:

343
MATIOSSIAN, V. op. cit.
344
Kotchnak (Կոչնակ). Boston: 15 de setembro de 1917, p. 1123 (MATENADARAN/RA).
345
BRASIL, E. op. cit., 1917, p. 20.
346
Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 10 de abril de 1916, p. 4 (HDB/BN). O ponto de interrogação
está presente no texto original.
347
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 30 de junho de 1920 e 26 de julho de 1920
(documentos em armênio, ARFA).
348
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, p. 115.
113

Mas, acima de tudo, os Armênios contam com a amizade e a simpatia


inequívoca do povo cujo território é o mais extenso, se considerarmos os
outros países sem as suas colônias; eles têm a proteção do país que produz
atualmente mais ouro, mais prata, mais algodão, mais trigo, mais petróleo,
mais hulha; do país que possui o maior porto do mundo, a maior
prosperidade, a mais perfeita civilização; numa palavra da maior nação do
globo terrestre: a república dos E. Unidos da América do Norte349.

Aparentemente, o livreto não teve grande repercussão nos círculos intelectuais do


Rio de Janeiro, pois não foi possível encontrar novas resenhas sobre a publicação nos jornais
cariocas, ao contrário do que ocorria com os livros didáticos e técnicos escritos por Etienne
Brasil no mesmo período. Entretanto, O Povo Armênio merece destaque por ter sido a
primeira publicação voltada para o leitor brasileiro sobre a história dos armênios e, ao lado de
Atrocidades Armênias: o extermínio de uma nação – cuja primeira edição em português foi
publicada em Londres em 1916, obra de autoria do jovem historiador Arnold J. Toynbee350,
que, àquela altura, servia a Coroa britânica, e se tornou um trabalho que marcou a cooperação
entre o governo britânico, a diáspora armênia e seus apoiadores no país e no exterior351 –,
comporia material para divulgar as reivindicações armênias no Brasil e pressionar políticos e
diplomatas do país a intervirem em prol da causa na virada dos anos 1910-20352. Etienne
exercia assim a função do “propagandista”, conforme definida por Duroselle, agindo sobre a
opinião pública da sociedade receptora para convencê-la das qualidades de seu país353.

As intervenções na imprensa foram pontuais ao longo de 1918, quase sempre


destinadas a explorar algum ponto sobre a Síria ou para desmentir o que ele alegava serem
boatos sobre o que se passava na Armênia. Nesse sentido, o intelectual ganhou um novo
adversário nas páginas dos jornais: a Revolução Russa, que em 1917 destituiu o tsarismo que
ele sempre classificou como inimigo dos armênios e instituiu os bolchevistas, cuja ascensão o
intelectual também não viu com bons olhos.

O primeiro artigo sobre a situação dos armênios em 1918 foi publicado em 20 de


maio daquele ano, destinado a refutar as “mentiras calvas, espalhadas pela turcaria”354. Nesse
texto, Etienne Brasil desmente que haja matanças de armênios no Cáucaso e que a região se
encontrava independente desde novembro do ano anterior – quando foi proclamada a

349
BRASIL, E. op. cit., 1917, p. 22.
350
TOYNBEE, Arnold J. Atrocidades Turcas na Armênia. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
351
LAYCOCK, J. op. cit., p. 105.
352
Data também do mesmo período a tradução para o português de “A supressão dos armênios:
método alemão, trabalho turco”, de René Pinon.
353
DUROSELLE, J. op. cit., pp. 113-114.
354
O Imparcial. Rio de Janeiro: 20 de maio de 1918, p. 3 (HDB/BN).
114

República Federativa Democrática da Transcaucásia, unificando Armênia, Geórgia e


Azerbaijão. Segundo o autor, o experiente e vitorioso exército armênio estava em condições
de marchar até Constantinopla e ocupar a cidade em até três meses, se recebessem apoio
bélico e logístico dos EUA e França. No dia seguinte, outro artigo é publicado, desta vez n’O
Combate, jornal operário de São Paulo, para desmentir que, uma vez independentes dos
turcos, os armênios iriam imediatamente para a área de influência bolchevique355. Uma
semana depois de reafirmar nos periódicos sua confiança na república transcaucasiana,
Geórgia e Azerbaijão deixaram a federação e os armênios, isolados, se viram sem opções a
não ser proclamar a independência do país em 28 de maio de 1918. Dali em diante, Etienne
Brasil desempenharia papel fundamental para o reconhecimento da nova república pelas
nações sul-americanas e angariaria apoio para ajudar os armênios em situação de crise
humanitária.

355
O Combate. São Paulo: 21 de maio de 1918, p. 1 (HDB/BN).
115

4 DAS PALAVRAS À AÇÃO: ETIENNE BRASIL E A LEGAÇÃO


ARMÊNIA NO BRASIL

Findada a Grande Guerra em novembro de 1918, restava às nações beligerantes


reorganizar a Europa devastada por quatro anos de conflitos e, aos vencedores, projetar seus
interesses e necessidade sobre os vencidos. A Conferência de Paz de Paris em 1919 foi o
fórum no qual as nações vencedoras se reuniram para retraçar fronteiras, discutir as
indenizações cabíveis às partes e arquitetar uma entidade supranacional que pudesse evitar
que um novo conflito generalizado tomasse conta do mundo. Esse cenário será
pormenorizadamente analisado no capítulo seguinte. Por ora, a análise se restringirá à
institucionalização da causa armênia no Brasil por meio de ações individuais que foram
posteriormente encampadas pelos representantes da recém-proclamada República Armênia
radicados na Europa, em uma das primeiras interferências de uma diáspora junto ao governo
brasileiro.

4.1 A causa armênia no Brasil pós-Grande Guerra

Por ter sido o único país sul-americano a enviar tropas para a Europa a fim de
combater ao lado dos aliados durante a Guerra, o Brasil teve direito a enviar três delegados
para a Conferência de Paz em Paris. O prestígio do Brasil na Conferência, que prometia
alterar a ordem mundial como era concebida, fez com que Etienne enxergasse uma
possibilidade de inserção para a causa armênia na esfera multilateral a partir dos
representantes brasileiros que iriam à Paris. Na expectativa que o país se juntasse às Potências
em defesa da Armênia, conforme sua leitura da política internacional inferia, em dezembro de
1918, Etienne Brasil recebeu dois emissários da comunidade armênia que começava a se
organizar em São Paulo – Elian Naccach356 e Lázaro “Ghazar” Nazarian357 – que se juntaram
a ele, Levon Apelian e Mihran Latif a fim de pedirem aos delegados brasileiros que
intervissem em prol da causa armênia nos fóruns da Conferência de Paz em 1919358. A
escolha dos nomes não foi aleatória. Naccach (1876-1963) e Nazarian, radicados em São

356
Também grafado como Elia ou Elias.
357
Tesoureiro do ramo do Partido Socialdemocrata Hnchakyan em São Paulo nos anos 1930.
VARTANIAN, Y. op. cit., p. 246.
358
Correio Paulistano. São Paulo: 18 de dezembro de 1918, p. 4 (HDB/BN).
116

Paulo, davam um caráter nacional às reivindicações capitaneadas por Etienne Brasil. Do lado
fluminense, Levon Apelian – definido por um jornal carioca como “um dos mais ricos
comerciantes desta praça”359 – se mostraria sempre ativo nas atividades propostas pelo ex-
padre; por sua vez, Mihran Latif exercia uma função essencial para garantir a inserção dos
interesses do grupo de armênios no governo e no Itamaraty.

Latif nasceu em Constantinopla no ano de 1856 e estudou na Bélgica, graduando-


se em Engenharia pela Universidade de Ghent. Segundo texto publicado pelo Correio da
Manhã do dia 21 de maio de 1929, por ocasião da sua morte360, seu desempenho como
acadêmico rendeu um convite de D. Pedro II em 1879 a fim de trabalhar na construção de
ferrovias no Brasil361. Uma vez no país, casou-se com uma “jovem brasileira da família
Monteiro de Barros”, cujo nome é ignorado pelo periódico. O jornal afirma que, com a
ascensão de um tio, Dadian Paxá, como “primeiro ministro do sultão”, havia decidido
regressar à Constantinopla com a sua esposa para se enveredar na política otomana. Embora o
historiador Hagop Kechichian362 tenha reproduzido as afirmações feitas pelo jornal, a também
historiadora Monique Sochaczewski Goldfeld apurou que Artin Paxá Dadian serviu, na
realidade, como subsecretário de Estado do Ministério das Relações Exteriores do Império
Otomano em diferentes momentos, tendo alcançado, eventualmente, postos mais importantes,
mas nunca foi “primeiro ministro” – ou Grão-Vizir, conforme nomenclatura otomana – do
sultão363. O retorno de Latif ao Brasil teria se dado, segundo o jornal, porque sua “índole
liberal [...] não podia se afeiçoar à índole bárbara do sultão. E com as primeiras violências
contra os armênios, não hesitou um instante em renunciar à vida política, que se lhe abria,
cheia de promessas e regressar ao Brasil [...]”. Ao retornar, Latif voltou a se dedicar à
construção de estradas de ferro nos últimos anos do Império, sendo condecorado pelo
Imperador pelos serviços prestados. A proclamação da República fez com que o engenheiro
partisse para a Europa, de onde regressaria a convite do governo federal para expandir as

359
A Epoca. Rio de Janeiro: 1 de agosto de 1918, p. 2 (HDB/BN).
360
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 21 de maio de 1929, p. 3 (HDB/BN).
361
Mihran Latif não foi o único engenheiro armênio que foi trazido das universidades europeias para a
construção de obras no Brasil. Nos anos 1890, um conterrâneo de Latif chamado Gregório Hovian –
ou Howyan – foi o responsável pelo projeto de captação de águas pluviais e esgoto da cidade mineira
de Juiz de Fora, após ter trabalhado em obras semelhantes na capital francesa. O plano não foi
aprovado pelas autoridades do município, mas a complexidade do projeto chamou a atenção por
muitos anos e ainda hoje é citado em textos de engenharia. Em 2004, a empresa de saneamento e
abastecimento de água da cidade publicou o fac-símile do projeto de Hovian. HOWYAN, G.
Saneamento e expansão da cidade de Juiz de Fora: águas e esgotos; retificação de rios, drenagem.
Trad. Walquíria Corrêa de Araújo C. Vale. Juiz de Fora: Funalfa Edições. 2004.
362
KECHICHIAN, H. op. cit., p. 37.
363
GOLDFELD, M. op. cit., p. 171, nota 185.
117

ferrovias no Nordeste e no interior do Sudeste, bem como para tomar parte na reforma
urbanística de Pereira Passos no Rio de Janeiro, sendo o responsável pela “Avenida Beira
Mar”. Ele ainda foi responsável por usinas hidroelétricas nos estados do Rio de Janeiro e São
Paulo, além de manter negócios na mineração em Minas Gerais364. Sua filha casou-se com
Alberto Betim Paes Leme, catedrático de Mineralogia do Museu Nacional e da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, filho de Luís Betim Pais Leme, com quem Latif havia
trabalhado na Estrada de Ferro Leopoldina365. O armênio manteve relações com políticos por
toda a sua vida. Em 1940, o então ex-presidente Artur Bernardes, vivendo na Suíça, serviu-se
do amigo Brás Velloso como “ajudante de ordens” para fazer chegar até as mãos de Mihran
Latif uma carta de agradecimento366. O armênio tinha ainda como advogado Rui Barbosa367.

O engenheiro também seria sobrinho, de acordo com o jornal, de Boghos Nubar.


Apesar da afirmação do jornal e da corroboração de Kechichian, não foi possível confirmar o
parentesco entre os dois. Seria inusitado que as duas figuras mais ativas na defesa da causa
armênia no Brasil fossem sobrinhos de duas das mais importantes lideranças dos armênios no
mundo – já que Etienne Brasil alegava ser sobrinho do Patriarca Terzian368. Se as informações
procederem, causa estranheza a falta de manifestações de Boghos Nubar e Paul Petros Terzian
em prol de seus parentes no Brasil para fazê-los reconhecidos pelo governo brasileiro
enquanto representante dos interesses armênios no país. Nesse ínterim, há de se cogitar se a
reivindicação do parentesco com homens influentes não seria conveniente em um momento
no qual Etienne Brasil, principalmente, buscava reconhecimento de sua posição de
representante diplomático da República Armênia junto ao Itamaraty.

Se pairam dúvidas sobre os laços familiares de ambos, o que há de concreto são as


conexões pessoais de Etienne Brasil e como ele utilizava a influência de Mihran Latif junto ao
governo brasileiro para conseguir audiências com o Presidente da República e com altos
funcionários do Itamaraty, conforme ele mesmo admite em correspondência com seus

364
Tribuna Armênia. São Paulo: Outubro, novembro, dezembro de 1965, p. 2.
365
Etienne Brasil afirma em missiva a Avetis Aharonian que a “Senhora Betim Paes Leme, filha de
Mihran Latin” doou 1.500 francos em prol dos órfãos armênios. O armênio afirma que “o Dr. Paes
Leme nos ajudou muito e ainda poderá fazer mais” e pede que Aharonian envie uma carta de
agradecimento ao engenheiro e que solicite ao governo armênio uma condecoração ou título ao
doador, assim como a Levon Apelian. Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 18 de julho
de 1920 (ARFA).
366
Washington Luis a Brás Velloso, Seção de Manuscritos, Cofre 50.5.-30 – Coleção Marília Velloso
Pinto (BN).
367
Mihran Latif a Rui Barbosa, 14 de fevereiro de 1887, Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
368
BRASIL, E. op. cit., 1920, p. IX.
118

superiores na França. Além da supracitada ida dos armênios ao Catete para pressionar a
delegação brasileira a intervir junto às Potências pela causa armênia, em outra reunião, um
ano mais tarde, Mihran Latif – a quem o jornal se referiu como banqueiro – fez questão de
pedir ao jornalista que cobria o encontro que publicasse que a sua ida ao Catete era
exclusivamente para tratar das questões concernentes à Armênia, “não se tratando de nenhum
outro assunto”369, o que demonstra que era notório que ele possuía outros interesses junto ao
governo federal. Em carta a Archag Tchobanian em fevereiro de 1919, Etienne Brasil afirma
que Epitácio Pessoa, então chefe da delegação brasileira na Conferência de Paz de Paris,
conhecia as reivindicações armênias graças as boas relações que tinha com Mihran Latif370. O
próprio Latif escreveu ao amigo Rui Barbosa um ano antes, quando o nome desse último era
cogitado para ser o chefe da delegação brasileira na Conferência – posto o qual ele recusaria
em 3 de dezembro – pedindo apoio à causa armênia:

No momento em que a nação brasileira em peso aclama o nome de V. E.


como o de seu delegado à mais importante reunião de homens desde que
existe a humanidade, tomo a liberdade, como cidadão brasileiro de origem
armênia, de apresentar uma súplica a V. E., que foi sempre simpáticos aos
fracos e protegeu os desamparados, a favor da mais infeliz, mais desgraçada
e mais abandonada das nações oprimidas. Os pobres armênios que
escaparam dos hediondos massacres de 1915, que vitimaram mais de um
milhão de inocentes criaturas, estão continuando a ser exterminados. A fome
está completando a obra sinistra dos soldados do sultão. Se os aliados não
agirem imediatamente, a paz que vão estabelecer será a do cemitério para a
região outrora habitada por aquele povo operoso, vítima de sua fidelidade à
religião de seus antepassados.
A Europa que consentiu que o sultão vermelho [Abdul-Hamid II],
executando os massacres dos armênios em 1895 e 1896, até na sua própria
capital, transformasse impunemente em farrapos de papel o solene Tratado
de Berlim, deve sentir algum acanhamento em tornar públicos os horrores do
extermínio de uma raça narrada nos arquivos de suas chancelarias julgando
se até certo ponto responsável pelos crimes praticados. Compete, pois a
Armênia mostrar que a importância geográfica dos países ocupados pelos
povos oprimidos não deve ser o critério regulador do grau de proteção e de
justiça que eles merecem.
Compete-lhes reclamar para os sobreviventes dos massacres armênios a
mesma justiça e o mesmo direito que serão garantidos a outros povos
oprimidos e obter para eles as mesmas restituições e as mesmas indenizações
que serão exigidas para as outras vítimas da barbárie.
Tenho fé que a voz americana que há de se fazer ouvir no Congresso de Paz
em defesa da sagrada causa armênia será a do grande e magnânimo
brasileiro que foi sempre em sua pátria o defensor desinteressado dos fracos
e dos desprotegidos371.

369
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 12 de outubro de 1919, p. 2 (HDB/BN).
370
Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 4 de fevereiro de 1919, III-800, p. 13 (MLA/RA).
371
Mihran Latif a Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1918, CR 762 (11) (FCRB).
119

Nessa missiva, Latif adota o mesmo discurso da Armênia mártir proferido por
Etienne Brasil ao longo de sua carreira intelectual, atribuindo ainda à religião o papel causal
do genocídio. Também está claro a desilusão do engenheiro com as Potências europeias que
não tomaram as medidas necessárias para pôr em execução os termos do Tratado de Berlim e
a esperança que seria da América – mais precisamente do Brasil e de Rui Barbosa – que sairia
uma nação capaz de defender os interesses armênios na arena internacional.

Um mês antes de Barbosa receber a carta de Latif, Etienne também se dirigiu ao


jurista por telegrama, agradecendo-o por pronunciamentos que ele havia dado em defesa dos
armênios:

Os armênios do Brasil comovidos e reconhecidos pelas declarações que


fizestes nos vossos últimos discursos contra a barbárie turca e a favor da
nossa independência apresentam neste dia suas homenagens de veneração.
A vossa atitude não nos espantou porque sempre fostes defensor dos
oprimidos porque também vossa fulgurante erudição conhece a grandeza de
nossa nação.
Vos nos desvanecestes porque sois voz autorizada da alma brasileira liberal e
generosa.
Excelência, vosso nome ficará querido entre os filhos de Haig. A memória
de um povo de quatro mil anos é eterna372.

Mil novecentos e dezenove foi um ano agitado na agenda de Etienne Brasil, pois,
além de suas funções costumeiras, ele intensificou suas ações como líder de um grupo de
interesses junto aos governos brasileiro e armênio. Logo na primeira quinzena do ano, o ex-
padre foi aos jornais desmentir um telegrama enviado pela agência Reuters que relatava uma
suposta vitória dos georgianos sobre os armênios. Segundo o intelectual, a informação dada
sobre o Cáucaso por um correspondente localizado na Mesopotâmia fazia tanto sentido
quanto uma notícia sobre o Rio de Janeiro enviada por um jornalista em Buenos Aires373.

Em fevereiro, Etienne Brasil enviou a primeira missiva ao Ministério de Relações


Exteriores do Brasil, protocolado pela administração do Itamaraty. Em francês, o intelectual
escreveu ao chanceler Domício da Gama para protestar contra as pretensões do delegado sírio
na Suíça que reivindicava a região da Cilícia para o seu país, afirmando a ancestralidade da
presença armênia na região e que separá-la da Armênia seria criar uma “Alsácia-Lorena”374,

372
Etienne Brasil a Rui Barbosa, Rio de Janeiro 5 de novembro de 1918, CR 235/1 (4) (FCRB).
373
O Paiz. Rio de Janeiro: 12 de janeiro de 1919, p. 7 (HDB/BN).
374
“Centre Arménien du Brésil a son excellence monsieur Domício da Gama, Ministre de affaires
étrangères du Brésil”. In: Legação Armênia no Brasil. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1919.
Arquivo Histórico do Itamaraty 281/2/4 (AHI).
120

fazendo coro assim às pretensões de Boghos Nubar e de outros membros da elite da diáspora
armênia que esperavam unificar a região com a república na Transcaucásia.

No papel timbrado pelo “Centro Armênio”, assina como “primeiros-delegados”,


juntamente com Etienne, Agop Kaisserlian, cujo perfil foi publicado por um jornal no mesmo
ano, definindo-o como advogado, jornalista e político “em missão de propaganda da causa
armênia” no Brasil375, o que levaria o leitor a inferir que Kaisserlian fora enviado da Europa
para ajudar Etienne Brasil a cooptar apoio para a causa armênia na América do Sul. Curioso,
porém, é pensar que Kaisserlian chegou ao Brasil vindo de Genebra, berço do partido
Hnchakyan, que a essa altura tinha fortes divergências do governo dashnak da República
Armênia. Assim, é pouco provável que os líderes armênios enviassem para o Rio de Janeiro
um delegado próximo a um grupo político rival376, o que nos faz pensar que sua vinda para o
Brasil pode ter sido motivada menos pelo engajamento na causa armênia nos anos 1910 do
que pelo desejo de viver no país, onde permaneceu mesmo após o final de sua “missão de
propaganda”. Com efeito, o jornal carioca A Rua revela, ao publicar entrevista feita com
Kaisserlian acerca do “jugo da Turquia” sobre os armênios, que ele se casou em Genebra com
uma brasileira – ignora-se o nome – sobrinha do Marechal Roberto Trompowsky377, adido
militar em legações brasileiras na Grã-Bretanha, Suíça e Itália na primeira década do
Novecentos.

Como Mihran Latif tinha apenas função honorífica, seria Kaisserlian o principal
aliado do ex-padre na divulgação da causa na imprensa e nos círculos políticos da sociedade
receptora. Mais tarde naquele mesmo ano, Etienne informaria a Aharonian que Kaisserlian
fora designado pelo Centro Armênio do Rio de Janeiro o representante dos armênios do Brasil
junto à Delegação em Paris378, nomeação essa que não parece ter sido solicitada pelo chefe
dos armênios na França. Em janeiro de 1920, a sugestão de Etienne era de que seu amigo
fosse indicado como alto comissário de comércio da Armênia no Brasil379, no contexto da
reorganização consular que ele tentava convencer Paris a fazer, e em junho daquele ano, o ex-
padre foi ainda mais incisivo ao oferecer os serviços de Kaisserlian380. Contudo, algo abalou a

375
A Noite. Rio de Janeiro: 8 de março de 1919, p. 2 (HDB/BN).
376
No final dos anos 1940, Kaisserlian aparece como diretor responsável do periódico Hayastani
Dzayn – “Voz da Armênia” – editado por Yervant Mekitarian, principal liderança dos
socialdemocratas Hnchaks em São Paulo. VARTANIAN, Y. op. cit., p. 537.
377
A Rua. Rio de Janeiro: 14 de março de 1919, p. 2 (HDB/BN).
378
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 10 de setembro de 1919 (ARFA).
379
Idem, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
380
Idem, 23 de junho de 1920 (ARFA).
121

relação dos dois. Etienne escreveu a Aharonian, em outubro de 1920, exclusivamente para
tratar do compatriota. O intelectual afirma que “Apesar da nossa boa impressão no começo,
esse senhor novo no Brasil buscou atrapalhar a vida da colônia, razão pela qual nossos
compatriotas isolaram-no”. Segundo Etienne, Kaisserlian teria se passado por representante
de cooperativas de negociantes armênios no Brasil e, dessa forma, teria obtido, junto a
companhias armênias na Europa, uma grande remessa de mercadorias, fugindo em seguida
para o Velho Continente – possivelmente para Paris, acredita o remetente – causando assim
“grandes prejuízos aos nossos compatriotas e ao bom nome do comércio armênio no
Brasil”381. Poucos dias depois, Etienne volta a escrever a seu chefe, dizendo que Kaisserlian
era partidário de Boghos Nubar, que havia sido expulso do Dashnak de Genebra e que
mantivera relações amigáveis com os turcos durante a Guerra, tentando tornar seu compatriota
persona non grata em todas as esferas possíveis. Etienne encerra a carta afirmando que “a
Armênia não precisa de maus elementos” 382.

Ainda em fevereiro de 1919, jornais de diversos estados deram ampla cobertura a


uma carta que Etienne Brasil – apresentado como professor e delegado dos armênios no país –
enviou ao Rei Alberto da Bélgica, a quem pedia apoio à causa armênia nas negociações que se
desdobravam na Europa, “porque a Bélgica foi a Armênia da Europa”383. Em correspondência
a Archag Tchonanian, Etienne informou que tinha enviado a carta ao Rei Alberto por meio da
rainha, com quem tinha contato384. A resposta viria em junho do mesmo ano, subscrita pelo
chefe do gabinete do rei, que alegava que os monarcas não eram indiferentes ao sofrimento
dos armênios e haviam estendido aos armênios os direitos que qualquer cidadão dos países
aliados tinha no país385. Aparentemente, a atitude de Etienne Brasil foi um gesto autônomo e
não orquestrado internacionalmente com os delegados armênios na França. O rei belga, que se
tornaria conhecido no Brasil em 1920 quando visitou o país a convite de Epitácio Pessoa,
parece ter sido acionado por Etienne de fato por conta da impressão que o armênio tinha sobre
as semelhanças entre a pequena nação europeia e a seu país386. Uma missiva com conteúdo
similar foi enviada no ano seguinte ao primeiro-ministro britânico Lloyd George e assinada
por Mihran Latif, “presidente das colônias armênias do Brasil”. Nessa carta, há o pedido para

381
Idem, 9 de outubro de 1920 (ARFA).
382
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1920 (ARFA).
383
A Epoca. Rio de Janeiro: 8 de fevereiro de 1919, p. 8 (HDB/BN).
384
Carta de Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 4 de fevereiro de 1919, III-800, p. 13 (MLA/RA).
385
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 12 de junho de 1919, p. 1 (HDB/BN).
386
Durante a Guerra, Etienne organizou uma festa “dos pequenos aliados”, em homenagem a
Armênia, Bélgica e Sérvia. Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1919
(ARFA).
122

que os territórios armênios que estavam sob controle turco fossem restituídos e que a
indenização correspondente seria assumida pelos “armênios trabalhadores e ativos”387. Por
mais abastado que fosse Latif ou qualquer outro armênio no mundo, não havia condições
materiais para que tal proposta fosse concretizada e não há registros de que ela sequer foi
cogitada. O conteúdo das cartas endereçadas aos dirigentes de algumas nações do mundo era,
portanto, fruto de uma postura proativa de Etienne Brasil, ao invés de uma reação às ordens
emitidas pelos centros decisórios da causa, seja em Paris ou no Cáucaso. Isso pode ser
comprovado por meio de correspondência enviada por Etienne a Aharonian em 4 de janeiro
de 1920 na qual, dentre outras observações, o recém-nomeado representante diplomático da
República Armênia no Brasil informa aos seus superiores em Paris sobre a carta de Latif388,
intencionando demonstrar assim iniciativa de ação dos armênios brasileiros em prol da causa.

Uma carta de Etienne Brasil a Tchobanian resume a estratégia dos armênios para
ganhar terreno no Brasil. Ao poeta, ele afirmou estar “fazendo tudo que era possível para a
propaganda de nosso país”, tendo ele próprio publicado 263 artigos sobre “a Armênia e seus
direitos” na imprensa brasileira até então389. Ademais, Etienne se preocupava com a
articulação política para ganhar adeptos no alto escalão da política brasileira. Ao mesmo
tempo em que recomendava a Tchobanian se aproximar de Epitácio Pessoa, que estava na
França com a delegação brasileira na Conferência de Paz, por esse ser um conhecedor da
causa armênia graças à influência de Mihran Latif, o ex-padre planejava enviar uma carta às
delegações presentes na Conferência com a assinatura de diversos intelectuais e políticos
brasileiros a fim de pedir a “independência integral da Armênia”390. O redator da missiva,
segundo Etienne, deveria ser Rui Barbosa que seria, na sua avaliação, provavelmente eleito o
novo presidente da república nas eleições de 13 de abril de 1919. Contava a favor dos
armênios a “amizade íntima” entre Barbosa e Mihran Latif, descrito como “um armênio muito
rico, patriota, engenheiro notável, muito estimado nos meios financeiros, políticos, bem como
na alta sociedade das famílias”, a quem ele indicaria para ser o “Ministro da Armênia para a
América do Sul”. Simultaneamente, Etienne articulava para contar com o apoio de Rui
Barbosa. Em carta enviada ao jurista em 24 de fevereiro, escrita em francês e assinada por ele

387
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 4 de janeiro de 1920, p. 1 (HDB/BN).
388
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
389
Etienne Brasil a Archag Tchobanian, 4 de fevereiro de 1919, III-800, p. 13 (MLA/RA).
390
Ibid., p. 14.
123

e Agop Kaisserlian, há a solicitação para que Barbosa receba-os em entrevista para firmar a
carta que estaria pronta assim que Mihran Latif estivesse curado de uma enfermidade391.

No plano internacional, a estratégia do delegado dos armênios no Brasil consistia


em aproximar da causa as nações que poderiam pender a balança para o lado dos armênios
nas negociações multilaterais. Países como França e EUA eram considerados por ele aliados
de primeira hora dos armênios, e não precisariam ser cortejados com a mesma intensidade de
países como a Bélgica ou as nações sul-americanas. Com efeito, Etienne Brasil antecipou
aquilo que seria uma diretiva das lideranças armênias no mundo após a Conferência de San
Remo, em 1920, quando foi decidido que a propaganda pró-Armênia deveria ser intensificada
em países-chave a partir de contatos pré-estabelecidos por Paul Petros Terzian na França e
Bélgica e, seu colega, Dom Jean Naslian, na Itália392. Isso não quer dizer que os armênios não
utilizassem seus canais pessoais e institucionais para pressionar líderes pelo mundo antes de
San Remo: três dias depois de Etienne Brasil enviar carta ao Rei Alberto da Bélgica, Terzian
– seu alegado tio – dirigiu-se ao presidente francês393. O Patriarca reivindicava junto àquele
governo, que exercia um mandato sobre as regiões da Cilícia e Levante – mas que se retiraria
daquela em 1922 após a “guerra pela salvação nacional” lançada pelas tropas turcas
comandadas por Mustafa Kemal –, proteção para o Patriarcado Católico Armênio na Cilícia e
aos fiéis espalhados pelo Império Otomano e Armênia, bem como para que estabelecessem
nas regiões armênias instituições educacionais e civis do mesmo modo que acontecia no
Levante394. Apesar do plano do religioso nunca ter sido executado pelos franceses, esses se
empenharam em melhorar a situação dos refugiados armênios que se acumulavam nas
periferias de cidades do Levante como Aleppo e Beirute, urbanizando esses locais,
construindo casas e se dedicando para que os armênios se transformassem numa dinâmica
classe média francófila e resistentes à assimilação árabe395.

Em março de 1919, os jornais divulgaram telegrama recebido por Etienne Brasil


remetido por Boghos Nubar desde Paris, no qual era relatada a situação crítica dos armênios
deportados das províncias orientais do Império Otomano que chegavam vivos a cidades da

391
Etienne Brasil e Agop Kaisserlian a Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1919, CR
235/1 (4) (FCRB).
392
NASLIAN, Jean. Les Memoires de Mgr. Jean Naslian: eveque de Trebizonde, sur les événements
político-religieux en proche-orient de 1914 à 1928. Beirute: Patriarcado da Cilícia dos Armênios
Católicos, 2009, vol. 1 e 2, p. 582.
393
Ibid., p. 943.
394
Ibid., pp. 581-582.
395
WATENPAUGH, K. op. cit., 2014, pp. 173-175.
124

Síria396. Por conta disso, o “presidente da delegação nacional” armênia pedia que campanhas
de arrecadação de fundos fossem iniciadas pelo mundo a fim de ajudar os refugiados, “Em
nome das viúvas e órfãos dos nossos mártires e heróis; em nome dos deportados, que ainda
padecem nos desertos do desterro, a delegação nacional faz apelo aos armênios de todos os
países e conta com seu patriotismo”. Segundo Kechichian, não seria a primeira vez que
dinheiro era arrecadado no Brasil e destinado à Boghos Nubar. Em 1917, Elian Naccach – um
dos enviados de São Paulo para se encontrar com os delegados brasileiros no Rio – à frente da
“Sociedade Armênia de Beneficência”397, teria enviado 25 mil francos ao político armênio na
França, atitude repetida no ano seguinte398, embora as informações de periódicos armênios –
do francês Armênia e do Kotchnak, de Boston – dão conta de 15 mil francos399. Merece
destaque ainda a introdução que Etienne faz antes de transcrever o telegrama, dando como
certo que a Liga das Nações havia determinado que os EUA exercessem um mandato sobre a
Armênia, garantindo, assim, a independência.

4.2 A institucionalização das relações armênio-brasileiras

As discussões sobre o futuro da Armênia prosseguiam na Europa e eram


acompanhadas com atenção por Etienne Brasil. Alarmado por alguma sinalização de Paris,
que indicava que a Armênia teria que considerar a hipótese de ter cidadãos turcos dentro de
seu Estado, o presidente do Centro Armênio do Brasil protestou junto ao Itamaraty, em 26 de
maio de 1919, contra essa possibilidade, esperando que a delegação brasileira se posicionasse
ao lado dos armênios400. Para Etienne, a história teria ensinado que a paz não seria
reestabelecida no Ocidente enquanto o “cancro turco” não fosse extirpado, e que os armênios
acatariam a resolução da Conferência de Paz que previa a criação de um mandato sobre a
Armênia, o qual poderia ser exercido por qualquer povo, “até mesmo os hotentotes”, desde
que repelisse a influência dos “selvagens turcos”. Essa carta mostra que, apesar de se dirigir a
ministros de Estados e, eventualmente, ao próprio Presidente da República, Etienne Brasil não
abandonou o discurso orientalista, carregado de estereótipos que caracterizavam uma espécie

396
A Noite. Rio de Janeiro: 6 de março de 1919, p. 4 (HDB/BN).
397
Não confundir com a União Geral Armênia de Beneficência (UGAB), fundada no Cairo em 1906
pelo mesmo Boghos Nubar Paxá, mas que só teria filial no Brasil nos anos 1960.
398
KECHICHIAN, H. op. cit., pp. 40-41.
399
Kotchnak (Կոչնակ). Boston: 15 de setembro de 1917, p. 1123 (MATENADARAN/RA).
400
“Centre Arménien du Brésil a Ministre de affaires étrangères du Brésil”. Rio de Janeiro, 26 de
maio de 1919, 281/2/4 (AHI)
125

de turcofobia, que o acompanhou durante anos como articulista e escritor. Mesmo com a
pretensão de atuar como um diplomata, ofício que tem seus códigos, etiquetas e jargões, o
intelectual não abre mão da linguagem propagandística baseada na missão civilizatória
ocidental. A falta de traquejo renderia, mais tarde, reclamações por parte do Itamaraty, que
reclamava em anotações anexas às cartas de Etienne Brasil que o armênio quebrava os
protocolos ao se dirigir diretamente ao Presidente da República, ignorando os trâmites
diplomáticos, algo que nem os ministros plenipotenciários tinham autorização para fazer401.

Em agosto, Etienne enviou a primeira carta conhecida para Avetis Aharonian,


representante oficial do governo armênio em Paris. Não se sabe como o ex-padre conseguiu
estabelecer um contato com o político armênio, mas ele pode ter usado o canal que tinha com
Tchobanian para conseguir a atenção de Aharonian. Nessa primeira missiva, escrita em um
simples papel pautado com um carimbo do Comitê Armênio, Etienne agradece ao político
armênio por “encarregá-lo junto a Epitácio Pessoa”, mas não deixa claro que tipo de função
ele teria ante o presidente brasileiro. Na mesma carta, ele informa Paris acerca de debates
travados por ele na imprensa carioca e menciona a publicação de um artigo de João do Rio
sobre Pierre Loti, oficial da Marinha francesa e orientalista de renome nos anos 1910,
conhecido, sobretudo, por sua crítica às interferências ocidentais no Império Otomano, onde
havia residido402. Etienne informa ainda sobre o seu próximo livro, La France au Brésil, que
teria “consumido cinco anos de pesquisa e que foi patrocinado pelo Sr. Ministro de Relações
Exteriores do Brasil, Sr. Azevedo Marques”, sem mencionar que tipo de patrocínio teria sido
esse, o que é curioso, pois nos anos de 1919 e 1920, ele acusaria diversas vezes Azevedo
Marques de não colaborar com os pedidos armênios de reconhecimento da república no
Cáucaso. De qualquer maneira, Etienne tentava convencer Aharonian que seus serviços foram
úteis aos franceses e brasileiros no contexto da missão militar francesa no país e poderiam
também sê-lo para a Armênia se a delegação em Paris o apoiasse. Ainda nessa primeira
correspondência, Etienne solicita informações básicas sobre o país que intencionava
representar no Rio de Janeiro, como qual seria a bandeira nacional e qual teria sido o
resultado da missão militar norte-americana que visitaria a Armênia naquele ano403.

401
“Directoria Geral dos Negocios Diplomaticos e Consulares ao Ministro de Relações Exteriores”.
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1920, 281/2/4 (AHI).
402
Pierre Loti foi publicado no Brasil em 1913. Cf. LOTI, Pierre. A Turquia Agonisante. Rio de
Janeiro: Casa A. Moura, 1913.
403
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1919 (ARFA).
126

No mês seguinte, o intelectual informou Paris que ele e “outros bons elementos da
colônia” estavam reorganizando o Centro Armênio na capital brasileira cuja presidência seria
ocupada por Levon Apelian, tendo Agop Kaisserlian como vice e ele próprio como secretário-
geral. A “presidência geral de todos os armênios do Brasil” continuaria a ser exercida por
Mihran Latif, em um movimento político de Etienne que garantiria, em teoria, a liderança de
seu aliado mais poderoso sobre todas as organizações armênias do Brasil, o que incluiria as de
São Paulo, onde meses mais tarde alguns armênios questionariam as posições políticas do ex-
padre e colocariam em questão sua autoridade como articulador político da diáspora armênia
no Brasil404. A assinatura do remetente ao final da carta já está acompanhada de sua nova
função, “secretário-geral do Centro Armênio”, posto que garantiria a Etienne a direção da
entidade – e do grupo de interesses o qual lidera – sem qualquer ônus econômico ou político,
os quais eram arcados por Latif e Apelian.
Em outubro, Etienne Brasil escreveu a Aharonian para tratar do comércio entre
Brasil e Armênia. Ele afirmou que havia conseguido reunir um grupo de “capitalistas” que
estariam dispostos a exportar “para o Oriente e a Armênia, café, cacau, mate (chá brasileiro),
manganês e outros artigos sob demanda”405. Em troca, os comerciantes esperavam receber
seda, tapetes, frutas secas e outros artigos que Etienne garantiu que os armênios poderiam
prover. O governo brasileiro estaria inclinado a providenciar um navio que transportaria as
mercadorias em questão – além de alguns víveres como farinha e feijão – caso o governo
armênio apresentasse garantias por meio de um banco. O navio poderia ser enviado a Batumi,
Trebizonda, Esmirna, Constantinopla, Cilícia ou Egito e os negociantes armênios da França
ou Armênia que desejassem participar da transação deveriam procurá-lo. Para caminhar com
as negociações, Etienne afirma da “urgência” do assunto, pressionando Aharonian para que o
governo armênio providenciasse as garantias bancárias necessárias, o que nunca aconteceria.
Etienne parece querer justificar tanto no Brasil quanto na Armênia as vantagens comerciais
que poderiam existir a partir do reconhecimento brasileiro da pequena república do Cáucaso,
além de garantir aos armênios – e outros imigrantes – que tinham negócios no Rio de Janeiro
que fossem financeiramente beneficiados em troca de apoio às demandas que Etienne fazia
junto ao Catete e a Paris.
Em 11 de outubro, Etienne novamente reuniu uma comitiva de armênios do Rio
de Janeiro e São Paulo para visitar o presidente Epitácio Pessoa e agradecê-lo pelo papel do
Brasil na Conferência de Paz de Paris em prol das reivindicações armênias, embora ele não

404
Idem, Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1919 (ARFA).
405
Idem, Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1919 (ARFA).
127

mencione que papel teria sido esse. Contudo, em carta enviada dias mais tarde a Aharonian
para informá-lo dos resultados da reunião com o presidente, Etienne afirma que Pessoa teria
respondido da seguinte forma o agradecimento armênio:
O Brasil não fez mais que seu dever de justiça. Quanto a mim, nutro uma
grande simpatia por vossa nação; durante meu governo eu farei todo o
possível para estabelecer boas relações políticas e comerciais com a
Armênia406.

Na reunião, uma carta foi lida pelos representantes armênios que se pronunciavam
em nome de Boghos Nubar, Avetis Aharonian e todas as comunidades armênias da
“dispersão”, que felicitavam e agradeciam a intervenção brasileira. De acordo com o
documento, “as vossas notabilidades inscreveram os seus nomes ao lado dos de Gladstone,
James Bryce, Wilson, Clemenceau e outros defensores da Armênia”. Como recompensa, urgia
o início do intercâmbio comercial entre Brasil e Armênia, no qual “primorosos tapetes e
sedas, os nossos deliciosos azeites e frutas da Cilicia poderão pagar o café e demais
preciosidades de vossa terra”. Porém, o trecho mais revelador é a conclusão da missiva:
Diante do papel preponderante que os Estados Unidos terão na assistência à
Armênia, liames especiais ligar-nos-ão ao continente americano. Eis aí por
que solicitamos o auxílio do vosso governo nesta hora suprema em que se
está decidindo a sorte definitiva da Armênia gloriosa e mártir407.

Ou seja, além da alta expectativa que havia sobre o mandato norte-americano


sobre a Armênia, a estratégia da política externa brasileira de aproximação dos EUA e
envolvimento em questões que iam além do hemisfério ocidental mostrava algum fôlego. É
plausível que o presidente brasileiro tivesse alguma simpatia pela causa armênia – conforme
sugerem as palavras que teriam sido ditas por Pessoa a Etienne, transcritas na missiva a
Aharonian – na medida em que a política externa brasileira estava próxima daquela
preconizada por Woodrow Wilson, notório entusiasta das reivindicações armênias. Como
único país sul-americano a se engajar na Grande Guerra, a imagem do Brasil foi promovida
como a nação protagonista na América e líder do continente no âmbito da Liga das Nações,
sobretudo após a recusa dos EUA de participar da entidade idealizada pelo seu mandatário. O
investimento de Etienne e seus companheiros em aproximar o Brasil da causa armênia com a
aquiescência da delegação em Paris indica que as lideranças armênias acreditavam na
autopropaganda do Brasil como país protagonista no cenário internacional pós-guerra.
Incentivados pelas informações de Etienne Brasil, que, indubitavelmente, via na questão uma

406
Idem, Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1919 (ARFA).
407
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 12 de outubro de 1919, p. 2 (HDB/BN).
128

oportunidade de ascensão social e profissional, os armênios investiram para obter o apoio


brasileiro como se o país fosse aliado estratégico para a causa.

Enquanto as coisas pareciam caminhar bem para Etienne em sua aproximação


com o Catete, o cenário político armênio apresentava-se mais nebuloso. O ex-padre afirmou a
Aharonian que as divisões causadas por “maus armênios” haviam chegado também ao Brasil.
Etienne indicou que a “raiva contra a República do Cáucaso” causava insinuações sobre
Boghos Nubar – adversário político de Aharonian em Paris – que seria “inimigo da
república”, numa “campanha infame” que agrada “russos e turcos” que não afetaria, todavia,
“os elementos mais importantes da nossa colônia que reprovam energicamente” essas
opiniões, incluindo Latif. Quanto a ele mesmo, “livre e independente de todo partido e de toda
religião”, escreve Etienne, “sou intransigente nessa questão. Os oceanos de pretextos e
sofismas não podem fazer um armênio verdadeiramente esquecer que a República é hoje
nossa glória e nosso centro de esperança”408 e pede que o representante armênio em Paris o
informe da “verdade sobre a atitude do Sr. Boghos Nubar” conforme a honra do próprio
Nubar merece, a fim de dar uma resposta aos “maus armênios” e afastá-los do Centro
Armênio, que seria dissolvido e substituído por um “comitê de ação com gente séria”.

Os últimos meses de 1919 e os primeiros de 1920 foram marcados pela forte


pressão dos políticos armênios e das comunidades diaspóricas no mundo para que o maior
número possível de países reconhecesse a República Armênia proclamada em 28 de maio de
1918. Nesse sentido, Etienne Brasil recebeu, na véspera do Natal de 1919, a sua nomeação
como representante diplomático da República Armênia no Brasil, pela qual agradece a Avetis
Aharonian em carta de 4 de janeiro de 1920 e informa o agora seu superior sobre suas
investidas junto ao Itamaraty, ao Catete e à imprensa para atingir o objetivo do
reconhecimento. No dia 3, ele submeteu à Associação de Imprensa uma carta na qual
solicitava, por meio dos órgãos de imprensa do Brasil, que o governo brasileiro reconhecesse
a Armênia – tal como a Argentina havia feito com a vizinha Geórgia – e intervisse para salvar
os armênios e os territórios ameaçados pelos turcos409. Dois dias depois, Etienne encaminhou
documento similar ao Ministro de Relações Exteriores, Azevedo Marques, afirmando que
havia sido confirmado pelo governo armênio, na figura do chefe da delegação armênia em
Paris, como “representante diplomático” no Brasil e, por isso, pedia audiência com o

408
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1919 (ARFA).
409
Idem, 3 de janeiro de 1920, p. 4 (HDB/BN).
129

chanceler410. Na ocasião, o recém-nomeado diplomata apresentaria os objetivos de sua


missão, quais sejam: o reconhecimento da Armênia por parte do governo brasileiro, o apoio
formal do Brasil conforme havia sido indicado por Epitácio Pessoa e, por último, apresentar
as vantagens comerciais que o Brasil poderia obter com a aproximação. Ao final, Etienne
Brasil apela para sua biografia, na esperança que seus anos vividos no país sensibilizassem o
ministro:
Desde já posso garantir a Vossa Excelência que, amicíssimo do Brasil, onde
constitui família, onde nasceu a minha filhinha, onde me identifiquei com o
meio por doze anos de labor no magistério e na imprensa, envidarei todos os
esforços para, juntamente com os interesses de minha pátria, servir a
expansão comercial e propagar a influência moral do Brasil em todo o
Oriente, com o mesmo devotamento e a mesma lealdade que teria o melhor
dos brasileiros.

Não satisfeito, ele se dirigiu quatro dias mais tarde diretamente a Epitácio Pessoa,
lembrando ao presidente as palavras de apoio à causa que ele havia pronunciado antes de
embarcar para Paris, ainda não como presidente da república, mas como chefe da delegação
brasileira na Conferência de Paz411. Etienne afirmou que o Brasil nunca hesitou em
reconhecer nações cujos governos haviam sido alterados, agindo assim com relação a Cuba,
Panamá e Portugal, que sofreram rupturas políticas, mas invariavelmente foram reconhecidos
em poucas semanas como legítimos pelo governo brasileiro. Assim, o diplomata enumerou as
razões pelas quais o Brasil deveria agir da mesma forma para com a Armênia: I) a Armênia
contava com uma população de cinco milhões de pessoas – em um exagero estatístico já feito
antes por Etienne – ou seja, muito mais do que a Grécia, Sérvia e Bulgária, países
reconhecidos mundialmente; II) os EUA haviam mandado uma missão de reconhecimento à
Armênia – comandada pelo General James G. Harbord, homem de confiança de Woodrow
Wilson, que tinha a tarefa de avaliar se o mandato dos EUA era viável e concederam dois
empréstimos ao governo armênio. Tais atitudes, segundo Etienne Brasil, “equivale[m] a um
reconhecimento implícito”. Assim sendo, o diplomata conclui seus argumentos com um apelo
final:
[...] o reconhecimento da República Armênia não somente será bem acolhido
pela Europa, porque a voz do Brasil é desinteressada; como ainda provocará
o reconhecimento pelas demais Potências; duas Repúblicas sul-americanas
prometeram imitar imediatamente o ato do Brasil. Este gesto nobilíssimo
facilitará a defesa de nossas reivindicações perante a mesa da Paz.

410
Etienne Brasil a Azevedo Marques. Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1920, 281/2/4 (AHI). Após
tentar, sem sucesso, no início dos anos 1910, Etienne Brasil somente conseguiria se naturalizar
brasileiro em 1925. Base de Dados Nacionalidades, nº processo E.3.925, código 24391 (AN).
411
Etienne Brasil a Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1920, 281/2/4 (AHI).
130

[...] Esperamos que V. Exa., que já ergueu a voz e nosso favor, inscreverá,
ao assinar o decreto de reconhecimento da República Armênia já organizada,
o seu nome e o do Brasil em caracteres de ouro nos corações dos Armênios e
na História da Armênia.

O apelo é seguido por diversas transcrições de documentos, sem nenhum tipo de


autenticação, com os quais o diplomata esperava convencer Epitácio Pessoa de que a Armênia
tinha um governo de facto, e que merecia o reconhecimento por conta dos serviços prestados
ao Ocidente durante a Guerra. Em sua maioria, os documentos anexos continham o mesmo
teor das linhas escritas por Etienne na imprensa fluminense durante os anos 1910, como, por
exemplo, a alegação de que os armênios preferiram morrer a combater os franceses e
britânicos, ou, ainda, que a população armênia foi a mais atingida pela guerra diante de uma
análise proporcional do número de habitantes. Relatos de viajantes sobre os feitos dos
armênios e estimativas estatísticas de quantos cristãos haviam sido assassinados pelos turcos
também tinham lugar nesse dossiê. O anexo mais interessante, porém, é o documento de
número cinco, intitulado “relações negativas entre o Brasil e a Turquia”, no qual Etienne
Brasil faz um apanhado histórico das relações entre o país e o Império Otomano, afirmando
que o cônsul do Sultão em São Paulo, Munir Sureyya Bey, “extorquiu dos sírios grandes
quantias, ameaçando-os com perseguições aos parentes residentes na Turquia. O jornal árabe
‘O Esphinge’, que se edita em São Paulo, acusou de espionagem o cônsul turco de São Paulo
[...]”. É importante notar que o jornal citado é o mesmo cujo diretor-responsável foi recebido
para um almoço por Etienne Brasil em sua residência em 1913412.

Enquanto isso, a ofensiva do diplomata na imprensa continuava. No dia 15 de


janeiro, o Grêmio Jurídico Conselheiro Cândido de Oliveira manifestou junto a Epitácio
Pessoa “sua simpatia pela causa da novel República Armênia, berço da civilização bíblica”,
pedindo assim o reconhecimento “do governo do heroico povo”413. Tal manifestação reflete a
articulação política de Etienne Brasil para que a pressão sobre o Catete fosse feita em
diferentes frentes. A manifestação estudantil foi informada a Aharonian, seguida do
esclarecimento de que a mesma foi publicada em cinco jornais diferentes. Na mesma carta,
ele reclama que ainda não havia recebido os documentos necessários para exercer suas
funções como representante diplomático e pede informações sobre os símbolos cívicos da
República Armênia, tais como bandeira, brasão de armas e hino, além de livros e

412
A Epoca. Rio de Janeiro: 14 de maio de 1913, p. 7 (HDB/BN).
413
A Rua. Rio de Janeiro: 15 de janeiro de 1920, p. 3 (HDB/BN).
131

documentos414. Ambas as solicitações se repetiriam em praticamente todas as cartas enviadas


pelo diplomata a Paris, o que indica que Aharonian era lacônico nas suas respostas e hesitava
em formalizar a nomeação de Etienne, que permanecia como um acordo de cavalheiro entre
os dois. Ocasionalmente, todavia, o diplomata agradecia a Paris pelos livros, periódicos e
documentos informativos enviados, indicando que ao menos esse tipo de solicitação era
atendido por Aharonian e seus homens.

Ainda no mesmo mês, Etienne recorreu a jornais do sul do país, de forma a tornar
a causa armênia mais conhecida fora do eixo Rio-São Paulo. Em entrevista dada a um
periódico carioca e replicada por jornais de Florianópolis e Porto Alegre, o representante
diplomático afirma que a Constituição da Armênia foi feita com molde nas Cartas dos EUA e
do Brasil, pois, “desta última foram julgadas muitas disposições superiores às da norte-
americana”415. No dia seguinte, em um jornal gaúcho, há a informação de que da Constituição
brasileira veio a resolução “que dispõe que a Armênia não se empenhará em guerra de
conquista”416, o que, em realidade, era inspirado no artigo 4º de um decreto de 22 de maio de
1790 da Assembleia Constituinte da França revolucionária, posteriormente incorporado à
constituição francesa de 1791417. No dia 28, Etienne Brasil desmentiu que a Holanda
assumiria um mandato sobre a Armênia, pois o país possuía autonomia, e os territórios
litigiosos ficariam sob jurisdição internacional418. Alguns meses depois, ele também negaria a
possibilidade de um mandato italiano419 e também belga420, sendo esse último o mesmo país
ao qual ele havia solicitado intervenção menos de um ano antes. A razão para o aparente
desdém do representante diplomático que havia dito, em documentação oficial pouco tempo
antes, que aceitaria um mandato até dos hotentotes caso fosse preciso, foi o reconhecimento
da República Armênia pelas Potências, conforme ele mesmo divulgou por meio da imprensa
no começo de fevereiro de 1920421. No final de janeiro, França, Grã-Bretanha e Itália haviam
reconhecido o governo de Yerevan, embora o senado norte-americano ainda se recusasse a

414
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1920 (ARFA).
415
Republica. Florianópolis: 25 de janeiro de 1920, p. 3 (HDB/BN).
416
A Federação. Porto Alegre: 26 de janeiro de 1920, p. 2 (HDB/BN).
417
COGGIOLA, Osvaldo. Capitalismo: origens e dinâmica histórica. São Paulo: edição do autor,
2014, p. 281.
418
A Rua. Rio de Janeiro: 28 de janeiro de 1920, p. 2 (HDB/BN).
419
Idem, 2 de novembro de 1920, p. 3 (HDB/BN).
420
O Paiz. Rio de Janeiro: 15 de julho de 1920, p. 4 (HDB/BN).
421
A Razão. Rio de Janeiro: 9 de fevereiro de 1920, p. 2 (HDB/BN).
132

fazer o mesmo enquanto as fronteiras da Armênia não estivessem totalmente delimitadas. O


reconhecimento norte-americano só aconteceria no dia 23 de abril do mesmo ano422.

Revigorado pelos sucessos da campanha armênia na Europa, Etienne Brasil


escreveu a Avetis Aharonian solicitando que fossem enviadas de Paris credenciais que o
habilitassem a ser ministro plenipotenciário da Armênia para toda a América do Sul. Etienne
articulava junto aos ministros sul-americanos há algum tempo. Em janeiro, ele informou a
Aharonian que havia obtido do diplomata chileno no Rio de Janeiro – cujos filhos eram seus
alunos – o compromisso de apoiar a República Armênia e que o Chile iria reconhecer a
independência do país no mesmo dia que o Brasil o fizesse423 – o que de fato aconteceria, com
algumas semanas de atraso em relação ao Brasil, em 23 de dezembro de 1920424. A mesma
abordagem seria usada com o ministro do Uruguai, Manuel Bernardes, cujo filho também era
estudante de Etienne425, provavelmente no Liceu Francês, escola na qual os diplomatas
estrangeiros matriculavam seus filhos a fim de oferecê-los educação europeia. Nesse sentido,
ele solicitou a Aharonian que enviasse documentos que o dotassem de “poderes ante os
governos de Chile, Uruguai, Paraguai, Argentina, Peru, Colômbia e Venezuela”426, pois,
continua Etienne, “a América forma um todo, cuja testa espiritual é o Brasil”427. O pedido foi
aceito pela delegação armênia que enviou, além de material de propaganda para que o novo
representante diplomático pudesse intensificar o seu trabalho no subcontinente, documentos
que o acreditavam para o serviço. Em resposta, Etienne afirmou que iria se esforçar para
atender “o chamado da minha pátria”428. Nesse ínterim, esboçou uma estrutura diplomática
que dotaria a Armênia de uma rede de consulados e embaixadas por ele coordenada – sob
título de “encarregado de negócios ou ministro residente efetivo com encargos consulares” –
mas que teria Mihran Latif na figura “embaixador honorário e extraordinário”, além de um
vice-consulado em São Paulo e um consulado em Buenos Aires429.

Para a consecução de seus planos, Etienne precisaria mais do que da anuência


informal de Aharonian na troca de cartas pessoais, mas que o representante armênio em Paris

422
BALAKIAN, P. op. cit., p. 359.
423
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
424
Arturo Alessandri ao presidente da República da Armênia. Santiago do Chile, 23 de dezembro de
1920 (ARFA).
425
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
426
Oblitera-se o Equador, razão pela qual o ex-padre passaria meses pedindo que Paris ratificasse suas
credenciais para que a sua jurisdição passasse a cobrir também Quito.
427
Idem, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
428
Idem, Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1920 (ARFA).
429
Idem, Rio de Janeiro 15 de janeiro de 1920 (ARFA).
133

intervisse junto aos diplomatas brasileiros na capital francesa, pois, na mente do ex-padre, o
Itamaraty não tomaria nenhuma decisão de política externa concernente a Armênia sem
consultar seus funcionários na França. Por isso, Etienne insistia que Aharonian recebesse “um
grande amigo da Armênia”, Rui Barbosa, – até então cotado para ser o representante
brasileiro no Conselho da Liga das Nações – na estação de trem quando de sua passagem por
Paris, além da necessidade de uma audiência com Gastão da Cunha, embaixador brasileiro na
cidade430. Nesses encontros, Aharonian deveria mencionar Latif de quem os brasileiros seriam
próximos e aludir a possibilidade do abastado homem de negócios ser o embaixador armênio
para a América do Sul, pois:

Dr. Mihran Latif é muito rico; seu palácio já é uma embaixada frequentada
por diplomatas, pela alta aristocracia e por pessoas de altos negócios. [...] O
Dr. Epitácio Pessoa é um amigo particular do Dr. Latif, assim como o
Ministro do Exterior Azevedo Marques e muitos altos políticos. O Dr. Latif
nos prestará grande serviços sem nada nos demandar431.

Além de usar a influência e riqueza de Latif para abrir portas para as aspirações
armênias – e as suas próprias – no Brasil, Etienne explorou conexões pessoais em todos os
níveis possíveis. Em missiva a Aharonian no começo de fevereiro, ele afirma que “é sabido
que o Presidente Epitácio Pessoa ama muito sua mulher e sua filha, Srta. Laurita, e eu
aproveitei do aniversário dessa última anteontem para endereçar, pelas mãos da Sra. Latif, um
tocante apelo das mulheres armênias às mulheres brasileiras”432. Contudo, não é possível
saber até que ponto as afirmações de Etienne sobre a influência de sua rede de contatos são
reais. Na mesma carta a Aharonian, ele indica que iria tentar o agendamento de uma audiência
com Azevedo Marques por meio do subsecretário de Estado, Diniz Pinehiro, um ex-colega da
Faculdade de Direito, estratégia essa que causa estranheza na medida em que Latif poderia
intervir diretamente junto a Pessoa ou Azevedo Marques usando seus laços de amizade com
essas figuras o que eliminaria a necessidade do diplomata acionar escalões mais baixos para
ser recebido pelos tomadores de decisão.

Outras questões, todavia, perturbavam Etienne e ele não hesitava de compartilhá-


las com seus superiores, tanto aquelas de ordem prática no que diz respeito ao funcionamento
da legação armênia no Brasil – como as repetidas requisições de informações cívicas, de
documentos oficiais que pudessem servir para a expedição do exequatur e até mesmo para
utilização de criptografia nas correspondências diplomáticas –, como questões políticas no

430
Idem, ibid.
431
Idem, Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1920 (ARFA).
432
Idem, ibid.
134

Rio de Janeiro e em Yerevan que pudessem atrapalhar seus planos para as relações bilaterais.
Irritava-o o laconismo de Aharonian ao responder suas cartas e a morosidade dos tomadores
de decisão armênios para atender seus pedidos. Alegavam eles que a nomeação de Latif para
o cargo de embaixador e outras questões burocráticas só poderiam ser definidas após a
assinatura do tratado de Sèvres e o posicionamento oficial do governo armênio em Yerevan
sobre essas matérias, não competindo à delegação em Paris criar mais representações
diplomáticas ou nomear pessoal além do que já havia sido feito433. Também incomodava
Etienne o tratamento ambíguo dispensado pelos tomadores de decisão brasileiros que, ao
mesmo tempo em que o recebiam com deferência e atenção, prometiam resoluções rápidas
para as demandas armênias que, na prática, estavam se arrastando por mais tempo que o
diplomata previa. Enquanto funcionários do Itamaraty como o secretário Fernandes Pinheiro
diziam a ele que o reconhecimento brasileiro era “pura formalidade”434, a protelação
encontrava escusas em questões tidas como mais relevantes, como a resolução do arresto de
navios brasileiros pela Alemanha durante a Guerra435.

Além das articulações na seara político-diplomática, Etienne continuava as


tratativas para a organização do comércio entre Brasil e os armênios – abarcando, assim, os
homens de negócios da diáspora, inclusive Latif e Apelian, seus principais avalistas políticos
e econômicos. Ainda em janeiro de 1920, o ex-padre insistia com Aharonian na necessidade
de dedicar especial atenção ao comércio para facilitar o reconhecimento, num duplo
movimento que, além de atender os interesses privados de seus apoiadores, mostraria aos
tomadores de decisão brasileiros que a formalização de laços diplomáticos com a Armênia
encontrava justificativa econômica plausível. Para tanto, Etienne afirmava que a companhia
de comércio que ele estaria organizando abriria no Brasil um “grande Bazar Oriental” para o
intercâmbio dos produtos mutuamente interessantes. Alegava o ex-padre que seu
empreendimento teria apoio dos governos grego e romeno – com os quais estaria em contato e
poderiam fornecer navios – o que “poderia render imensos serviços a nosso país” 436. Poucos
dias depois, ele escreveu ao representante armênio em Paris afirmando que os preparativos
para a criação da “Companhia Brasil-Oriente” caminhavam bem e que ele mesmo iria entrar
em contato com o governo da Geórgia para que o vizinho setentrional pudesse facilitar a

433
HOVANNISIAN, R. op. cit., pp. 431-433.
434
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1920 (ARFA).
435
Idem, Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1920 (ARFA).
436
Idem, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1920 (ARFA).
135

entrada dos produtos no território armênio, desprovido de acesso marítimo437. Seu


prognóstico dava conta de que a companhia poderia funcionar a partir do mês de março438.
Em paralelo, Etienne negociava com políticos dos estados de São Paulo e Pernambuco que
poderiam, de acordo com a sua análise, facilitar a exportação de café e açúcar,
respectivamente, para a Armênia439.

Possivelmente por conta da insistência de Etienne Brasil junto seus contatos no


Catete e Itamaraty, Epitácio Pessoa convocou o representante armênio para uma audiência em
Petrópolis, residência de veraneio da presidência, no dia 26 de fevereiro. Na cidade serrana,
Pessoa o “recebeu com muita simpatia e durante aproximadamente uma hora nós discutimos
sobre as relações armênio-brasileiras. À noite, o presidente me disse: ‘eu devo publicar por
esses dias o decreto reconhecendo a Armênia’”, solicitando, para tanto, um mapa do país440.
No mesmo dia, Etienne providenciou a carta geográfica solicitada por Pessoa e escreveu-lhe
para informá-lo das recentes recognições obtidas junto aos países europeus, afirmando que,
por isso, “o reconhecimento do meu país pelo Brasil reduziu-se a mera formalidade, a um
simples ato de consideração”441, reproduzindo assim as palavras que afirmava ter ouvido de
Fernandes Pinheiro algumas semanas antes. Apesar do tom jactancioso, o representante fez
uma lista de exigências chamadas por ele de “quadruplo favor”: I) um ato por parte do
governo brasileiro reconhecendo oficialmente a Armênia; II) o aceite de suas credenciais
como diplomata e a emissão do exequatur; III) o envio de uma missão político-comercial a
Yerevan; IV) o apoio do Brasil à libertação da Cilícia e de outros territórios e a consequente
restituição dos mesmos aos armênios, livrando-os da “tirania sultânica”. A Cilícia havia sido
o assunto de outra comunicação enviada a Pessoa uma semana antes, quando Etienne
informou ao presidente brasileiro sobre os massacres que aconteciam na região, fruto do
conflito entre tropas francesas e kemalistas442.

Etienne Brasil parece ter escrito essa carta – datada do mesmo dia da audiência
com Pessoa – para formalizar, textualmente, o que havia sido conversado entre os dois. Não
obstante, conforme indicado por uma anotação anexada à missiva, o documento foi devolvido
ao remetente por não seguir o protocolo do Itamaraty, dirigindo-se diretamente ao Presidente

437
Idem, Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 1920 (ARFA).
438
Idem, Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1920 (ARFA).
439
Idem, Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1920; e 20 de fevereiro de 1920 (ARFA).
440
Idem, Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1920 (ARFA).
441
Etienne Brasil a Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1920, 281/2/4 (AHI).
442
Idem, 20 de fevereiro de 1920, 281/2/4 (AHI).
136

da República. Um dia depois, o diplomata reencaminhou as solicitações que havia endereçado


a Pessoa ao Ministro de Relações Exteriores, Azevedo Marques443, com quem mostrava
irritação por ter desmarcado uma audiência previamente agendada. Decidido a continuar a sua
ofensiva junto aos políticos do Executivo brasileiro, ele informou Paris que iria solicitar nova
audiência com o Itamaraty, bem como com o Ministro da Agricultura444.

No dia seguinte, foi a vez do ministro da Argentina no Rio de Janeiro se dirigir ao


governo brasileiro solicitando o reconhecimento da Armênia445. A curiosa intervenção do
diplomata de uma terceira nação em assuntos bilaterais foi certamente encorajada por Etienne
Brasil, que exercia influência, segundo Richard Hovannisian, sobre Ruiz de los Llanos446.
Ainda de acordo com o historiador norte-americano, o diplomata foi o intermediário entre
Etienne e Buenos Aires para que o reconhecimento da Armênia pela Argentina acontecesse
nos primeiros dias de maio daquele ano. Com efeito, no dia 3 de maio, o representante
diplomático dos armênios no Brasil encaminhou telegrama ao Palácio do Itamaraty
informando sobre o reconhecimento argentino no dia anterior447. A mesma tática foi utilizada
para obter o reconhecimento pelo Uruguai, Chile e Paraguai. Em abril, Etienne voltou sua
atenção para a região Norte do Brasil e os países fronteiriços como Peru, Colômbia e
Venezuela. No dia 11 daquele mês, ele informava Aharonian que negociava com Caracas para
que a Venezuela reconhecesse a independência armênia – e sugeria a instalação de um
consulado honorário por lá448 – além de ter reuniões com os ministros de Peru e Colômbia nos
dias seguintes449. Enquanto isso, o representante diplomático da Armênia no Rio de Janeiro
tentava convencer Aharonian da necessidade da criação de um consulado em Manaus, a ser
chefiado honorariamente por Levon Guiragos Rumian, professor na universidade local450. O
pedido parece não ter ecoado em Paris.

No dia 1º de março, o intelectual chamou a atenção do Ministério das Relações


Exteriores para um telegrama que havia sido publicado no dia anterior no Jornal do
Commercio que versava sobre o reconhecimento italiano e a aceitação das credenciais do
diplomata armênio em Roma. O trabalho de Etienne tinha, portanto, duplo caráter: primeiro,

443
Etienne Brasil a Azevedo Marques. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1920, 241/2/13 (AHI).
444
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1920 (ARFA).
445
O Paiz. Rio de Janeiro: 28 de fevereiro de 1920, p. 4 (HDB/BN).
446
HOVANNISIAN, R. op. cit., p. 343.
447
Etienne Brasil a Rodrigo Octavio. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1920, 241/2/13 (AHI).
448
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 11 de abril de 1920 (ARFA).
449
Idem, Rio de Janeiro, 21 de abril de 1920 (ARFA).
450
Idem, Rio de Janeiro, 11 de abril de 1920 (ARFA).
137

ele batalhava para ser visto pelas autoridades brasileiras como um diplomata que seria, nos
termos de Raymond Aron, “a unidade política em nome da qual fala”451; e segundo e mais
importante, para que sua unidade política fosse reconhecida como um ente soberano e
independente pelo Rio de Janeiro, do contrário, seu cargo não teria legitimidade. No dia 25
daquele mês, mais um passo foi dado em direção a sua acreditação como diplomata: Etienne
acusou o recebimento dos documentos que investiam poderes para responder pela República
Armênia na América do Sul, além de livros e revistas que serviriam para o estudo da história
dos armênios e a promoção da causa no subcontinente452, ainda que a continuidade dos
pedidos por informações acerca dos símbolos cívicos armênios indique que ainda era precária
a condição de seus trabalhos como diplomata, carente de dados precisos sobre o país o qual
representava.

Durante o restante de março e todo o mês de abril, Etienne Brasil permaneceu em


relativo silêncio no que diz respeito às suas comunicações com os tomadores de decisão
brasileiros. Por outro lado, a comunicação com Paris permanecia constante. Entusiasmado
pelo recebimento de suas credenciais e otimista pelo reconhecimento da independência da
República Armênia por um grande número de nações sul-americanas, o diplomata sentia-se à
vontade para aconselhar Avetis Aharonian sobre os rumos que o país deveria tomar, mesmo
que seja pouco provável que um dos principais políticos armênios tenha procurado qualquer
tipo de aconselhamento em alguém que não conhecia pessoalmente. Em 21 de abril, ele
resumia da seguinte forma o cenário sul-americano:

O Brasil está a ponto de nos reconhecer; na Argentina nossa questão está


bem encaminhada; para os outros governos sul-americanos (menos o
Equador), os Ministros representantes de seus países [palavra ilegível]
escrever aos seus respectivos governos.
Excelência, eu gostaria de chamar a atenção de nosso governo e da nação
armênia sobre os belos amigos que nós poderemos ter na América do Sul
[...] Eu tenho lembrado que os governos desses países têm simpatia por nós e
manifestam o desejo de estabelecer fortes relações diplomáticas e, sobretudo,
comerciais. O Rio de Janeiro poderá ser o intermediário entre o Oriente
armênio e a América do Sul [...]453

Para que a ofensiva diplomática no Ocidente continue a funcionar, na leitura de


Etienne Brasil, ele pediu que Aharonian enviasse “todas as publicações em línguas europeias
sobre a Armênia que seja possível obter. Eu as distribuirei nas bibliotecas públicas e aos

451
ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. São Paulo: Imprensa Oficial, 2002, p. 52.
452
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 25 de março de 1920 (ARFA).
453
Idem, Rio de Janeiro, 21 de abril de 1920 (ARFA).
138

governos sul-americanos”454. Em contrapartida, o diplomata conseguiria obras referentes às


nações da América do Sul para enviar à biblioteca nacional em Yerevan. Na sequência, ele faz
uma lista de sugestões sobre pautas que não competem a um diplomata: a Armênia deveria
considerar cidadão todo armênio que reivindicasse a nacionalidade e para aqueles que haviam
nascido fora da República Armênia – como ele mesmo – o governo deveria “dar um
nascimento suposto nas cidades da República”; os armênios do estrangeiro deveriam, para
ajudar a aumentar a população, adotar os “órfãos pobres e armenizá-los”; todos os cidadãos
deveriam pagar um imposto militar, o que incluiria os armênios da diáspora e; uma “guarda
estrangera”, aos moldes da Guarda Nacional brasileira, deveria ser organizada em paralelo ao
exército nacional. De todas as propostas, a de adoção de “órfãos pobres” é a mais peculiar. Ao
que parece, o que Etienne propunha era a adoção por parte de armênios abastados da diáspora
de crianças dos países receptores – e não os órfãos armênios que eram contabilizados na casa
dos milhares nas instituições de ajuda humanitária no Levante – para que esses fossem
considerados cidadãos armênios e, assim, a população da Armênia fosse numericamente
aumentada, ainda que a cifra de habitantes da República no Cáucaso não sofresse nenhuma
alteração. O ex-padre parece estar menos preocupado com as questões morais e humanitárias
que podem derivar desse tipo de prática do que com aumento estatístico da população, o que
poderia ser utilizado por ele e por seus superiores como argumento nas mesas de negociação
pelo mundo.

A chegada da notícia do reconhecimento norte-americano em 23 de abril animou


Etienne, que se dirigiu ao Itamaraty munido da novidade, esperando que o ato de Washington
desse o impulso que faltava para o Rio de Janeiro e outros governos sul-americanos fizessem
o mesmo. Ao escrever a Aharonian cinco dias depois do reconhecimento dos EUA, o
diplomata atribuiu ao subsecretário de Estado das Relações Exteriores, Rodrigo Octávio, uma
frase na qual o funcionário do Itamaraty lamentava que o governo anterior estivesse muito
atrelado às agendas da França e Grã-Bretanha e, por isso, não teria dado a atenção devida à
questão armênia, “mas, uma vez que os Estados Unidos se pronunciaram, a questão mudou.
Eu irei falar com o Presidente da República”455. Enquanto isso, Etienne tentava se aproximar
de parlamentares para otimizar sua ofensiva. Segundo ele, o político paraibano, Ascendino
Carneiro da Cunha – definido pelo diplomata como um “armenófilo” e integrante da
delegação brasileira na Conferência de Paz, chefiada pelo seu conterrâneo Epitácio Pessoa –,

454
Idem, ibid.
455
Idem, Rio de Janeiro, 28 de abril de 1920 (ARFA).
139

teria sugerido que fosse criado um banco armênio-americano para facilitar o comércio
bilateral, o que o diplomata armênio no Rio de Janeiro acreditava que poderia abrir portas
para a concessão de empréstimos à República Armênia.

Enquanto isso, no contexto sul-americano, o reconhecimento foi proposto por


Ruiz de los Llanos, ministro argentino no Rio de Janeiro e aguardava tramitação no Executivo
do país vizinho e o ministro boliviano, José Carrasco, pareceu a Etienne estar interessado na
questão. De fato, o reconhecimento de Buenos Aires se deu poucos dias depois. Em 3 de
maio, Etienne enviou telegrama a Aharonian informando-o do feito e pedindo que Paris
telegrafasse a Hipólito Yrigoyen à guisa de agradecimento456. No mesmo dia, o diplomata
enviou uma carta com a confirmação do reconhecimento, informando que ele mesmo já havia
escrito ao mandatário argentino para agradecê-lo e fornecendo dados e números sobre a
coletividade armênia no país vizinho457.

4.3 A esperança do mandato brasileiro sobre a Armênia

Maio de 1920 foi um mês especialmente agitado para o representante diplomático


e um dos mais marcantes para a causa armênia no Brasil. No dia 15, o jornal A Noite, órgão
carioca de maior tiragem – 50 mil exemplares458 –, que dava espaço a Etienne Brasil em suas
páginas desde o tempo que ele escrevia na qualidade de sacerdote e membro do Instituto
Histórico e Geográfico Fluminense, estampou em sua manchete a frase “O mandato da Liga
das Nações sobre a Armênia foi oferecido ao Brasil”, seguida por um extenso artigo que
ocupa um quarto da primeira página da publicação459. De fato, a situação da Armênia estava
indefinida após o Congresso norte-americano indicar que vetaria o mandato sobre o país que
tanto havia sido defendido por Woodrow Wilson. Ao perceber que a derrota era certa, o
presidente dos EUA articulou, de acordo com A Noite, para que o mandato fosse assumido por
“uma das nações mais ricas da América do Sul”. Com informações de Etienne Brasil, o artigo
sugere que o mandato seria oferecido à Argentina e/ou ao Brasil, esse último que, por sua vez,

456
Telegrama de Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1920 (ARFA).
457
Etienne Brasil estima em mil pessoas o número de armênios que viviam na Argentina por volta de
1920 – segundo ele, eram 2 mil em 1908 – concentrados em Buenos Aires e Córdoba. As entidades
teriam a seguinte divisão: Dashnak, 70 membros; Beneficência – provavelmente UGAB – 100
membros; Hnchak, 30 membros; alguns Ramkavar e outros grupos menores. Etienne Brasil a Avetis
Aharonian. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1920 (ARFA).
458
COMPAGNON, O. op. cit., p. 70.
459
A Noite. Rio de Janeiro: 15 de maio de 1920, p. 1 (HDB/BN).
140

buscava ocupar um papel de protagonista no sistema internacional após participar da


Conferência de Paz em Paris e ingressar como membro do Conselho da Liga das Nações. O
texto prossegue afirmando que a negativa dos EUA em aceitar o mandato foi causada pelo
parecer contrário dado por uma missão enviada à Armênia, que destacava os altos custos da
operação para o país. Após a sinalização do Congresso norte-americano que o mandato seria
recusado, Wilson teria partido em busca de uma solução para a questão. Dentre as saídas
possíveis, cogitou-se que a própria Liga das Nações assumisse a responsabilidade pela
Armênia, ideia rapidamente rechaçada pela entidade, por não dispor de forças militares e
recursos suficientes460. Após negativas de Canadá461, Holanda, Suécia462 e Noruega, Wilson
teria procurado as nações sul-americanas. Ao ser entrevistado pelo A Noite, Etienne Brasil
disse desconhecer como a informação teria vazado para o jornal britânico The Times, fonte da
notícia, dado o sigilo em que as negociações eram mantidas. No dia seguinte, ele escreveria a
Aharonian pedindo a confirmação da notícia publicada no jornal de Londres – além de
reclamar que não recebia respostas de Paris às suas cartas havia mais de dois meses463. Apesar
de o periódico ter dado espaço a Etienne Brasil para que o representante dos armênios no país
pudesse desfilar seus argumentos acerca das inúmeras vantagens comerciais e morais que o
Brasil poderia desfrutar caso aceitasse o mandato, o texto é concluído com a seguinte
indagação: “Por maior que fosse a nossa boa vontade, e mais simpática que a causa da
Armênia, estará o Brasil nas condições de desempenhar um mandato que, por motivos de
ordem econômica, os Estados Unidos recusaram? Cremos bem que não”464.

Não obstante o destaque dado pelo jornal A Noite para a notícia oriunda de
Londres e corroborada por Etienne Brasil, amplamente reproduzida por órgãos de imprensa de
diversas cidades do país, não há na pasta referente à Legação Armênia no Brasil no Arquivo
Histórico do Itamaraty documentos que comprovem a articulação de Wilson com Brasil ou
Argentina para a construção de um mandato sobre a Armênia. Por isso, é necessário voltar à
fonte da notícia para dissipar as dúvidas que pairam sobre o artigo do jornal carioca e as
afirmações do representante diplomático. No dia 10 de maio de 1920, portanto, cinco dias

460
The Times. Londres: 22 de abril de 1920, p. 15.
461
Cf. ADJEMIAN, A. op. cit.
462
Cf. AVEDIAN, Vahagn. “The Armenian Genocide of 1915 from a Neutral Small State’s
Perspective: Sweden”. In: Genocide Studies and Prevention: an international journal. International
Association of Genocide Scholars: Vol. 5, Issue 3, Article 8, 2010.
463
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1920 (ARFA).
464
Um estudo feito pelo general norte-americano James G. Harbord em 1919 estimou em 570 milhões
de dólares e a mobilização de 59 mil soldados para a execução do mandato. ADJEMIAN, A. op. cit.,
p. 85.
141

antes do furo de reportagem do A Noite, foi publicada uma carta no jornal londrino The Times
endereçada aos editores desse órgão. O texto era uma resposta aos artigos publicados ao longo
das semanas anteriores que discutiam qual seria o destino do mandato sobre a Armênia após a
iminente recusa dos EUA. Assinada por Sir Robert William Perks, baronete e ex-membro do
parlamento britânico, a carta indaga se era correta a atitude dos Aliados em deixar a Armênia
a mercê da própria sorte após o fracasso de encontrar um mandatário para aquela nação. À
guisa de conclusão, Perks questiona:
Não há nenhuma esperança de que essa missão humana e cristã, que a
poderosa República da América do Norte julga-se incapaz de executar, uma
das ricas e progressistas repúblicas da América do Sul, auxiliada pela
experiência administrativa britânica, possa tentar e, para sua honra
duradoura, ser bem sucedida?465

Assim, fica evidente que não foi Woodrow Wilson quem fez referência ao Brasil
ao pensar que o país poderia assumir o mandato. Nação alguma foi mencionada pela carta no
The Times, ao contrário do que a manchete do A Noite afirma. A menção a “uma das ricas e
progressistas repúblicas da América do Sul” foi feita por um aliado de primeira hora da causa
armênia na Grã-Bretanha, que militava ao lado de figuras como o ex-Primeiro Ministro Lorde
William Gladstone e James Bryce. Desde os anos 1890, havia na ilha um movimento de
políticos em apoio às reivindicações armênias466. Em 1919, um ano antes da carta do The
Times, Perks havia se pronunciado em uma audiência pública no Methodist Central Hall
Westminster, ao lado de outras autoridades, mostrando preocupação com a questão do
mandato norte-americano sobre a Armênia e a anexação da Cilícia à nova república467. Ou
seja, a carta publicada pelo jornal era apenas mais um pronunciamento em meio a tantos
outros que mostrava a apreensão em torno da consolidação da República Armênia e seus
territórios. O pedido para que uma nação sul-americana assumisse o mandato, portanto, era
mais uma esperança de resolução da questão do que uma realidade.

A vaga menção de uma nação sul-americana envolvida com uma questão tão
crucial para o futuro da Armênia fez com que Etienne Brasil tomasse a dianteira da questão e
se pronunciasse no jornal com que mantinha laços estreitos há anos, assumindo que a
informação vinda de Londres se referia a uma resolução tomada nos altos círculos decisórios

465
“Is it beyond the region of hope that this Christian and humane task, which the powerful Republic
of North America may find herself unable to undertake, one of the wealthy and progressive Republics
of South America, aided by British administrative experience, may attempt and to her lasting honour
successfully achieve?” The Times. Londres: 10 de abril de 1920, p. 8.
466
PALMER, A. op. cit., p. 178. LAYCOCK, J. op. cit.
467
ARMENIA AND THE SETTLEMENT. Londres: The Armenian Bureau, 1919, p. 37.
142

da política mundial. Concedeu entrevista ao jornal dizendo que o assunto era tratado com
sigilo, mas que a informação procedia, pois “o nosso grande protetor, o presidente Wilson”
havia indicado o Brasil e a Argentina para que um dos dois assumisse a responsabilidade.
Para Richard Hovannisian, a ideia de Argentina e Brasil, uni ou bilateralmente, assumirem o
mandato sobre a Armênia era de autoria do próprio diplomata468. Contudo, em uma das cartas
enviadas por Etienne a Aharonian no dia seguinte à publicação do artigo no A Noite, ele
afirmou que em reunião com o embaixador norte-americano no Rio de Janeiro Edwin V.
Morgan, o diplomata teria dado uma “solução magnífica: um mandato coletivo de duas ou três
potências americanas”469. Ante a essa “solução” supostamente dada por Morgan, Etienne
planejava que Argentina e Brasil se unissem aos EUA – com o apoio da Liga das Nações –
para que o mandato sobre a Armênia fosse executado e, para tanto, ele iria consultar os
chanceleres sul-americanos, assim como Garegin Pastrmachian – também conhecido como
Armen Garo – representante diplomático armênio nos EUA e alta liderança Dashnak, mentor
do assalto ao Banco Otomano em Constantinopla em 1896. Todavia, não é possível concluir
se Morgan de fato mencionou a Etienne a solução e, se o fez, em que medida era uma opinião
pessoal do diplomata norte-americano ou uma – pouco provável – orientação de Washington.
É sabido, todavia, que Etienne entrou em contato com Pastrmachian um mês mais tarde – a
pedido de Aharonian – para solicitar que o diplomata armênio nos EUA enviasse a ele
determinada soma de dinheiro para manutenção das atividades políticas na América do Sul470.

Não é sabido como a reportagem do A Noite e a entrevista de Etienne Brasil


repercutiram no governo brasileiro, mas no dia 22 do mesmo mês de maio ele encontrou-se
com Epitácio Pessoa no Palácio do Catete. Embora o intelectual tenha divulgado, por meio
dos jornais, que a visita tinha como principal motivo convidar o Presidente da República para
a festividade do segundo aniversário da independência da Armênia, que ocorreria no dia 28 de
maio, no salão do Clube dos Diários, os jornais também mencionaram que a reunião “tratou
de assuntos que não podem ser por enquanto divulgados”471. Nos documentos do Arquivo
Histórico do Itamaraty, pode-se encontrar uma anotação assinada pelo diretor geral e
destinada a Azevedo Marques, informando que Etienne Brasil havia convidado o chanceler
para o evento comemorativo. Porém, o funcionário alerta que a presença de Azevedo Marques
poderia ser tomada pelo armênio como “um reconhecimento tácito do governo brasileiro” da

468
HOVANNISIAN, R. op. cit., p. 432.
469
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1920 (ARFA).
470
Etienne Brasil a Garegin Pastrmachian. Rio de Janeiro, 29 de junho de 1920 (ARFA).
471
Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 23 de maio de 1920 (HDB/BN).
143

república do Cáucaso472. A Aharonian, Etienne afirmou que Epitácio Pessoa havia prometido
comparecer ao evento – o que não aconteceu – e o presidente brasileiro teria autorizado o
diplomata armênio a escrever para Paris informando que ele seria simpático à ideia do
“mandato ou protetorado”, dando aspas a Pessoa em sua missiva:

Eu recebo com simpatia a ideia de um protetorado ou algum mandato misto


do Brasil sobre o vosso país. O Brasil poderá entrar em acordo com os
Estados Unidos sobre a parceria. Eu colocarei-me em relatório com o
embaixador dos Estados Unidos e examinarei cuidadosamente essa questão.
Você pode pedir instruções ao vosso governo sobre as medidas a serem
tomadas e sobre as bases da proposta473.

O entusiasmo de Etienne Brasil era tamanho que ele rascunhou possíveis cenários
para o mandato conjunto a ser exercido sobre a Armênia e enviou-os a Avetis Aharonian,
juntamente com os direitos e deveres de tutor(es) e tutelado, nos seus termos. Para ele, havia
três possibilidades de tutoria: a) um mandato exercido somente por Brasil ou Argentina; b)
Brasil ou Argentina, com ajuda dos EUA; c) Brasil, Argentina e EUA coletivamente. Aos
tutores caberia fornecer a Armênia armas, munições e víveres; cuidar das instituições e
administração; ter a responsabilidade de reunir os “armênios pobres da dispersão e das
cidades turcas no território da República Armênia”; num mandato que duraria entre cinco e
dez anos. Aos tutelados, caberia “considerar como débito público o dinheiro fornecido pelo
tutor; aceitar os conselheiros e comissários do tutor; conceder privilégios para o comércio do
tutor”474. Nesse sentido, completamente convencido da eficácia e viabilidade de seus planos,
Etienne solicitava a Aharonian autorização para requisitar formalmente junto aos governos de
Argentina e Brasil a proteção desses países nos termos pensados por ele, além de pedir uma
nomeação diplomática em separado para cuidar dos interesses armênios na Argentina, de
forma a atender as exigências diplomáticas daquele país475. Não obstante sua proatividade,
entusiasmo e otimismo, não há evidências que os tomadores de decisão armênios – divididos
em disputas políticas em torno de questões cuja resolução passava longe do Rio de Janeiro –
tenham considerado o esboço feito por Etienne Brasil ou ao menos tenha-o levado a sério. Um
sinal da – pouca – atenção dispensada ao ex-padre são suas constantes reclamações sobre a
falta de respostas desde Paris. No final de maio de 1920, Etienne reclamou que já eram oito

472
Diretor geral a Azevedo Marques. Rio de Janeiro, 26 de maio de 1920, 281/2/4 (AHI).
473
Epitácio Pessoa, citado por Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 18 de maio de 1920
(ARFA).
474
Idem, ibid.
475
Buenos Aires não reconhecia o posto de “representante diplomático” e exigia que Etienne fosse
ministro plenipotenciário para reconhecê-lo Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 29 de
maio de 1920 (ARFA).
144

cartas sem resposta – a última teria sido em 2 de março – e que isso causava grande prejuízo a
sua missão diplomática476. Antes de reclamar explicitamente, o diplomata parecia tentar
entender os motivos da ausência de réplicas por parte de Paris, enviando telegramas com
perguntas que haviam sido feitas anteriormente nas missivas477 – em um sinal de desconfiança
da eficiência do serviço de correios – e até mesmo remetendo cartas e telegramas em
armênio478 – provavelmente redigidos por Agop Kaisserlian – em um esforço de compreender
se o que causava a ausência de comunicação era, eventualmente, algum tipo de barreira
linguística – o que era pouco provável, tendo em vista que tanto Etienne quanto Aharonian
eram fluentes em francês, idioma que usavam para se corresponderem.

4.4 O reconhecimento brasileiro da independência da República Armênia

Enquanto Etienne Brasil tentava se comunicar com Aharonian, os armênios do


Rio de Janeiro por ele liderados realizaram a festividade por ocasião do segundo aniversário
de independência da República Armênia, que, não obstante a ausência de representantes
oficiais do governo brasileiro, foi frequentada por inúmeros diplomatas e políticos – cerca de
mil pessoas compareceram, nas contas de Etienne Brasil, que definiu os presentes como “a
melhor sociedade”479. Além do diplomata, promoveram o evento no Clube dos Diários – cujo
aluguel do salão ao custo de 2 mil francos foi pago por Mihran Latif – Nubar Charles
Ohanian, Dick Astar, Salvador Nassimian e David Boghossian – com quem, poucos meses
depois, Etienne iria romper relações quando Boghossian se recusou a se autodeclarar armênio
ao invés de sírio480 –, que contou ainda com a presença de representantes diplomáticos dos
EUA, Uruguai, Argentina, Grécia, Paraguai, Japão e Peru, além de autoridades, como o
representante da Chefia da Polícia, deputados e militares. O orador do evento, Raphael
Pinheiro, destacou em sua fala os feitos dos armênios ao longo da história, exaltando
principalmente a luta “[...] com ardor pela causa da liberdade, contra as hostes turcas e
germânicas”481. O maestro responsável pela regência da banda – que executou os hinos

476
Idem, ibid.
477
Telegrama de Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 18 de maio de 1920 (ARFA).
478
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 30 de junho de 1920; Idem, Rio de Janeiro, 26
de julho de 1920; Telegrama de Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 27 de julho de
1920 (ARFA).
479
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 29 de maio de 1920 (ARFA).
480
Idem. Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1920 (ARFA).
481
Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 29 de maio de 1920, p. 5 (HDB/BN).
145

nacionais da Armênia e do Brasil, ao custo de cinco mil francos arcados pelo genro de Latif,
Alberto Betim Paes Leme – era Luciano Gallet, marido de Luísa Gallet, a mesma que em
1933 acharia casualmente o artigo de Etienne sobre os malês e o enviaria a Mário de
Andrade482. Segundo a nota da Gazeta de Noticias, Epitácio Pessoa, “por uma questão de
protocolo, não compareceu, nem se fez representar, visto como o governo brasileiro não
reconheceu oficialmente aquela Republica oriental”. A revista O Malho publicou, em 5 de
junho, uma foto dos presentes ao evento (anexo: Figura 7).

Aparentemente mais entusiasmado com a recepção e repercussão de suas


demandas nas repúblicas platinas do que no Rio de Janeiro – afinal, Buenos Aires reconhecia
a República Armênia desde o início de maio e Montevidéu indicava que trilharia o mesmo
caminho em breve – Etienne dedicou-se no mês de junho a ampliar seu trabalho junto ao
diplomata argentino. Em correspondência a Mario Ruiz de los Llanos enviada em 22 de junho
– com cópia a Avetis Aharonian – ele indicou que havia conversado com as autoridades
armênias em Paris, que viam com ceticismo o estabelecimento de um mandato sul-americano
sobre a Armênia por conta dos interesses das Potências europeias, mas que a celebração de
alianças ou convênios só dependeria dos dois países, o que poderia envolver – no
planejamento de Etienne – a abertura de crédito no valor de cinco milhões de pesos argentinos
para os armênios, bem como a criação da legação armênia em Buenos Aires, que contaria com
um museu e uma biblioteca. Nesse sentido, o diplomata esboçou as bases de um possível
acordo entre argentinos e armênios, que cobriria, ao seu ver, o país sul-americano de
“prestígio e influência moral ante os povos e a História”483. Para ele, a Armênia poderia ser
um entreposto comercial estratégico para a Argentina no Oriente, assim como fonte de “bons
elementos”, trabalhadores que poderiam emigrar para a América do Sul. Em troca, Buenos
Aires deveria garantir empréstimos, instrução militar e administrativa, a criação de um “banco
armênio-argentino” – cuja ideia ele tentava emplacar também no Brasil – e, no limite, “a
garantia, pelos meios que dispõe, da existência nacional de nosso Estado”484. Em troca, a
Armênia daria preferência aos produtos argentinos, cujos valores de exportação alcançaram
889 milhões de dólares correntes em 1919485, cifras que tornam o hipotético mercado

482
O nome do maestro e de outras personalidades está em uma nota enviada para Avetis Aharonian
por Etienne Brasil, que pedia para o político armênio escrever uma mensagem de agradecimento às
pessoas elencadas que participaram da festividade. Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro,
29 de maio de 1920 (ARFA).
483
Etienne Brasil a Mario Ruiz de los Llanos. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1920 (ARFA).
484
Idem, ibid.
485
COMPAGNON, O. op. cit., p. 129.
146

consumidor armênio – com sua população em torno de um milhão de pessoas – pouco


relevante diante de praças como EUA e a Europa ocidental, principais compradores de carne e
trigo argentinos. A promessa de Etienne que o acordo faria das repúblicas armênia e argentina
aliadas exclusivas uma da outra em suas respectivas regiões, também parecia, nesse ínterim,
pouco relevante para persuadir os tomadores de decisão em Buenos Aires a partirem em uma
cara empreitada em prol da república no Cáucaso. Junto com a cópia da carta enviada para
Los Llanos, Etienne enviou uma missiva a Aharonian com outras informações sobre os países
sul-americanos, dentre elas, a informação de que os armênios do Uruguai haviam garantido a
ele “fidelidade à república” e, por isso, o governo armênio poderia “contar com a
unanimidade dos armênios da América do Sul”. Na sequência, ele indica que vai consultar o
cônsul peruano em Manaus sobre a criação de um consulado armênio no Peru, pois as grandes
proporções territoriais do subcontinente e de seus países tornam difíceis seu trabalho já que
residia no Rio de Janeiro486.

4.4.1 Leilão de Almas

Em julho, o representante armênio para a América do Sul dedicou-se mais a


arrecadar fundos para órfãos do que a atividades estritamente diplomáticas. No dia 18 daquele
mês, Etienne Brasil informava seu superior sobre a exibição de um “filme americano sobre os
massacres na Armênia” em um cinema do Rio de Janeiro e que ele procuraria o proprietário
do estabelecimento para organizar uma ação visando ajudar os órfãos487. O filme em questão
era Auction of Souls, longa-metragem silencioso de 85 minutos lançado em Nova York em
1919 inspirado em Ravished Armenia, biografia de Aurora Mardiganian488, jovem
sobrevivente do genocídio que viveu forçadamente entre muçulmanos em condições análogas
à escravidão por dois anos antes de conseguir fugir para os EUA em 1917, com 16 anos489.

A história de Aurora foi exaustivamente explorada por armenófilos em todo o


mundo, que publicavam suas memórias em fascículos em grandes jornais e promoviam
campanhas de arrecadação de fundos nas sessões de cinema nos EUA e Canadá. Segundo
Aram Adjemian, no Canadá, enquanto um ingresso para uma sessão de cinema regular

486
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 23 de junho de 1920 (ARFA).
487
Idem, Rio de Janeiro, 18 de julho de 1920 (ARFA).
488
SLIDE, Anthony [org.]. Ravished Armenia: and the Story of Aurora Mardiganian. Jackson:
University Press of Mississippi, 2014.
489
BALAKIAN, P. op. cit., p. 313.
147

custava cerca de 25 centavos de dólar em 1919, o assento para assistir ao drama de Aurora –
que contava com a própria sobrevivente como atriz no papel de protagonista – poderia custar
até dez dólares, cujo valor seria revertido aos orfanatos que se dedicavam a cuidar das
crianças armênias490. Estima-se que 30 milhões de dólares foram arrecadados em bilheteria,
convertidos para a Near East Relief manter orfanatos para jovens armênios no Oriente Médio.
Enquanto isso, Aurora Mardiganian, atriz de sua própria história, recebia cerca de 10 dólares
por mês para trabalhar no filme e sofria com a exploração do diretor e dos produtores. Com
pouco domínio da língua inglesa, a sobrevivente foi convencida por um roteirista – Harvey
Gates, que se tornou, junto da esposa, guardião legal da jovem – a assinar a autorização para o
uso de sua imagem, acreditando se tratar de um ensaio fotográfico. Porém, ao invés da sessão
de fotos, Aurora foi levada para Los Angeles onde filmaria por longas horas a dramatização
da perseguição que ela e sua família viveram no Império Otomano. Na filmagem de uma das
cenas, a sobrevivente sofreu uma queda que resultou em um tornozelo quebrado, o que não
pareceu motivo suficiente para os produtores interromperem as filmagens, obrigando-a a
caminhar e a continuar a gravar, não obstante a fratura491. Para Donna-Lee Frieze:

Leilão de Almas foi uma sensação, não apenas porque era bem trabalhado –
de fato, recebeu apenas algumas críticas indiferentes [...] – mas também
porque a publicidade focava em estupro, redenção, religião e raça. Como
Meg McLagan pontua, Leilão de Almas “foi uma coprodução de interesses
comerciais e de direitos humanos meio-cristão, meio-humanitário”. Como o
genocídio é lembrado é influenciado pelo filme redescoberto; a navegação
entre os movimentos de direitos humanos no início do século XX; as
“imagens e narrativas intensas” [...] e, o mais controverso, o foco do filme na
violência sexual.
[...]
Assim, a fama efêmera de Mardiganian coincidiu com a breve existência da
República Democrática Armênia492.

No Brasil, a película foi exibida com o nome de Leilão de Almas e foi trazida ao
país pela Companhia Brasil Cinematrographica, proprietária do Odeon, uma das principais

490
ADJEMIAN, A. op. cit., pp. 44-47.
491
FRIEZE, Donna-Lee. "Three Films, one genocide: Remembering the Armenian Genocide through
Ravished Armenia(s)" In: ELTRINGHAM, Nigel; MACLEAN, Pam [org.]. Remembering Genocide.
Routledge, 2014, p. 42.
492
“Ravished Armenia was a sensation, not because it was highly crafted – indeed it received only a
few lukewarm reviews […] – but because the publicity focused on rape, redemption, religion and race.
As Meg McLagan points out, Ravished Armenia ‘was a coproduction of commercial and quasi-
Christian-quasi-humanitarian human rights interests’ […]. How the Genocide is remembered is
influenced by the rediscovered film; the navigation between human rights movements in the early
twentieth century; the ‘affect-intensive images and narratives’ […]; and, more controversially, the
film’s focus on sexual violence. […] Thus, Mardiganian’s ephemeral fame coincided with the brief
existence of the Democratic Republic of Armenia”. Idem, pp. 44-45.
148

salas de exibição do Rio de Janeiro. Ainda em maio de 1920, a Companhia começou a inserir
chamadas para a estreia do filme – que só aconteceria em 5 de julho daquele ano – na
imprensa carioca, publicando relatos sobre o massacre de armênios e imagens da película. Na
revista Palcos e Telas, de 13 de maio, é possível encontrar um anúncio de meia página sobre a
obra:

Leilão de Almas é o mais impressionante relatório dos horrores da Armênia


massacrada.
Não se trata de uma obra de fantasia: é a verdade nua e crua tal como a
relatou a protagonista Aurora Mardiganian, o Visconde Bryce, embaixador
da Inglaterra e Henry Morgenthau, embaixador americano.
É uma página horrorosa da História. Nela vereis crianças assassinadas com
crueldade, virgens crucificadas, mulheres entregues à sanha da soldadesca,
homens massacrados em massa!
Vinde ver Leilão de Almas brevemente no Odeon493. (grifo do autor)

No mês seguinte, a revista voltou a publicar nova chamada para a película:

Leilão de Almas
O mais horroroso quadro da história da humanidade descrito por uma
testemunha de vista, vítima também de mil e uma atrocidades, a heroína
AURORA MARDIGANIAN.
O filme que o Odeon vai exibir dentro em breve não é obra da imaginação
exaltada de um escritor fecundo em descrever crimes inomináveis – é a
história de uma desgraçada moça armênia entregue como o povo do seu país
à barbaresca sanha dos turcos.
O que ali se vê consta de relatórios oficiais é a verdade apurada em
numerosos documentos, enérgicos brados de revolta do Visconde de Bryce
[sic], embaixador da Inglaterra e de Henry Morzenthan [sic], ministro
americano.
É enfim Aurora Mardeganian [sic] que conta ao mundo a sua própria
história!494

Às vésperas da estreia e durante o período que a película ficou em cartaz – em


1926, Leilão de Almas foi reexibido na capital fluminense pela Companhia no Cine
Capitólio495 – a imprensa deu amplo destaque à produção, não só com pequenas chamadas na
parte reservada à programação das salas de cinema do Rio de Janeiro, mas também com
anúncios de páginas inteiras que destacavam a história de Aurora, ilustradas ora com fotos da
sobrevivente e atriz, ora com cenas (anexo: Figura 8), que podem ser úteis aos pesquisadores,
uma vez que a película integral se perdeu, restando apenas uma parte de vinte minutos
descoberta pelo armênio-argentino Eduardo Kozanlian em um arquivo na Armênia em

493
Palcos e Telas: revista theatral cinematrográphica. Rio de Janeiro: 13 de maio de 1920 (HDB/BN).
494
Idem, Rio de Janeiro: 3 de junho de 1920 (HDB/BN).
495
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 2 de abril de 1926, p. 12 (HDB/BN).
149

1994496. Outra cena, que parece ser o início do filme, foi encontrada mais recentemente, em
2015, e mostra um ator representando o embaixador norte-americano em Constantinopla,
Henry Morgenthau, contando a história dos massacres para crianças ao seu redor. O diplomata
foi um dos principais denunciantes do genocídio durante a Guerra, engajando-se pessoalmente
em reuniões com Mehmet Talât e outras autoridades otomanas na tentativa de evitar que
armênios fossem deportados. A publicação de sua biografia com detalhes sobre as
negociações para salvar pessoas da morte repercutiu sobremaneira no Ocidente, tornando o
autor conhecido não só entre armenófilos, mas entre o público-leitor em países como os EUA,
Canadá e Grã-Bretanha e, em menor grau, na América Latina, onde alguns de seus artigos
originalmente publicados no The New York Times – periódico no qual tinha um canal aberto
para denunciar a execução do genocídio – foram traduzidos e republicados497. A inserção de
sua figura nas primeiras cenas do filme dava à produção respaldo e credibilidade, além da
possibilidade de usar o nome e o cargo de Morgenthau – além de Bryce, outro célebre
armenófilo – na publicidade. Todavia, a fama de Morgenthau não ecoava com tanta força no
Brasil, a ponto de uma edição de Palcos e Telas apresenta-lo como Arthur Margenthau [sic],
embaixador da Alemanha498.

A exibição não ficou restrita apenas à capital federal, chegando também a São
Paulo, Recife e Cuiabá499 ainda em 1920 e em Vitória, Espírito Santo, em 1922500. Na maioria
dos anúncios na imprensa havia a menção ao alto custo dos ingressos nos EUA. De acordo
com o Jornal do Recife, os dez dólares cobrados em Nova York equivaleriam a 60$000
réis501, cerca de 1.200 reais em valores atuais502. Com isso, de alguma maneira, a Companhia
Brasil Cinematographica tentava justificar o preço que cobraria no país pela admissão nas
salas de cinema que exibissem a película: “é um filme de alto valor que custou à
COMPANHIA BRASIL CINEMATROGRAPHICA algumas dezenas de contos de réis e que
por isso só pode ser exibido a preços extraordinários”503 (ênfase no original). De fato, o valor
do ingresso foi de 2$000 – 40 reais em valores atuais –, o dobro do praticado normalmente

496
FRIEZE, D. op. cit., p. 38.
497
MORGENTHAU, H. op. cit.
498
Palcos e Telas: revista theatral cinematrográphica. Rio de Janeiro: 24 de junho de 1920 (HDB/BN).
499
O Matto-Grosso: orgam do Partido Republicano Matto-grossense. Cuiabá: 2 de setembro de 1920,
p. 2 (HDB/BN).
500
É provável que o filme tenha sido exibido em outras salas pelo país. Diário da Manhã. Vitória: ano
XVI, nº. 158, 21 de fevereiro de 1922, p. 5 (HDB/BN).
501
Jornal do Recife. Recife: 1 de novembro de 1920, p. 6 (HDB/BN).
502
De acordo com o conversor de valores do website “Acervo” d’O Estado de São Paulo. Disponível
em: http://acervo.estadao.com.br/. Acesso em: 23 de set. 2016.
503
Palcos e Telas: revista theatral cinematrográphica. Rio de Janeiro: 1 de julho de 1920 (HDB/BN).
150

para lugares de poltrona504. Na edição de 1º de julho, a Palcos e Telas publicou em duas


páginas o enredo detalhado da “triste narrativa” que tinha como pano de fundo “[...] a vida de
um povo laborioso, mais dedicado à pecuária: subjugados pelos turcos, os armênios viviam
vida triste, mas firmes em sua fé”505. O mesmo fez a publicação A Scena Muda no ano
seguinte506.

Leilão de Almas parece ter sido um sucesso de bilheteria em seus primeiros dias
em cartaz, para júbilo dos responsáveis pela Companhia, orgulhosos dos esforços
publicitários feitos na imprensa, conforme relato na Palcos e Telas três dias depois da estreia:

[...] a dolorosa história da Armênia massacrada, está obtendo no ODEON um


êxito sem precedentes. Como sóe [sic] acontecer com as obras de real mérito
e que muito ascendem acima da vulgaridade, o público longe de diminuir,
após os primeiros dias de exibição, aumenta, de modo que se têm registrado
sucessivas enchentes, havendo sempre vendida à noite, uma lotação além da
que se acha na sala de espera.
O filme correspondeu perfeitamente à expectativa do público diante da
magnífica campanha de publicidade levada a efeito pela Companhia Brasil
Cinematographica. LEILÃO DE ALMAS fica nos anais do Rio de Janeiro
como um dos maiores sucessos cinematográficos do nosso tempo507.

A história de Aurora Mardiganian tornou-se conhecida no Brasil a ponto da


Palcos e Telas ter continuado a dar espaço para a protagonista de Leilão de Almas em 1921.
Na edição de 27 de janeiro daquele ano, a publicação carioca especializada em cinema
noticiou a contenda judicial que envolvia Mardiganian e seus tutores legais, o casal Gates, que
tentavam provar na justiça norte-americana que a jovem armênia não era capaz de decidir
sobre o próprio futuro. Para a revista “ao que parece, Aurora Mardiganian tornou-se uma
heroína, em toda a linha...”508

Apesar da visibilidade inesperada para a questão armênia dada pelo filme, Etienne
Brasil não parecia muito contente em ter outra pessoa ou grupo trabalhando no assunto fora de
sua alçada. No dia 9 de julho, o Correio da Manhã acusou o recebimento de uma carta dois
dias antes assinada por “um amigo da Armênia”, na qual o remetente afirmava que o Odeon
“estava ganhando muito dinheiro” e, ao contrário do que havia acontecido nos EUA, nenhuma

504
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 11 de julho de 1920, p. 16 (HDB/BN).
505
Idem, ibid.
506
A Scena Muda. Rio de Janeiro: nº 35, 24 de novembro de 1921 (HDB/BN).
507
Palcos e Telas: revista theatral cinematrográphica. Rio de Janeiro: 8 de julho de 1920 (HDB/BN).
Ênfase no original.
508
Idem. Rio de Janeiro: 27 de janeiro de 1921 (HDB/BN).
151

parte desse montante seria destinado aos órfãos armênios em necessidade. Continua o
remetente anônimo:

Não seria justo que a sua empresa [Companhia Brasil Cinematrographica]


organizasse, também, a exemplo da sua colega americana, uma exibição em
benefício dos cento e quinze mil entesinhos [sic] que se debatem nas agruras
da orfandade e cuja desgraça é o tema da fita, que tanto dinheiro está
rendendo?
A iniciativa seria, pelo menos, simpática509.

Apesar da insinuação do “amigo da Armênia”, não há relatos de que qualquer


exibição beneficente da película tenha sido organizada pela Companhia. No dia 11 de julho,
Leilão de Almas era exibido pela última vez no Odeon “apesar do seu sucesso enorme, apesar
do seu triunfo sublime em que, por toda uma semana não teve uma sessão que não fosse de
enchente à cunha”510.

Mundialmente, o filme foi uma dentre muitas ações realizadas para levantar
recursos para os armênios, explorando a imagem de mulheres e crianças cristãs sofrendo no
Oriente nas mãos dos turcos muçulmanos, em um discurso reproduzido por Etienne Brasil nos
jornais cariocas. Entre julho e agosto, Etienne teria arrecadado em prol dos órfãos três mil
francos graças as doações de Apelian e da filha de Mihran Latif, além de outros mil por meio
de uma festa beneficente organizada para esse propósito em Manaus por Levon Rumian –
professor universitário a quem Etienne tentava nomear como cônsul armênio na capital
amazonense – dinheiro esse que seria enviado às autoridades armênias por meio do Banco
Francês e Italiano511.

4.4.2 As repercussões de Sèvres

Em 10 de agosto de 1920 foi assinado o Tratado de Sèvres entre otomanos e


Aliados para a definição das fronteiras do Império que até poucas décadas antes ocupava
territórios em três continentes. Esse acordo era especialmente benéfico aos interesses gregos –
que teriam o domínio de diversas ilhas no Mar Egeu, além do controle da Trácia e da
importante cidade portuária de Esmirna – e aos armênios, que teriam direito às seis províncias
orientais do Império Otomano, bem como a Erzerum e a uma saída para o Mar Negro em
Trebizonda. Embora tenha causado muitos protestos por parte do Sultão otomano, a assinatura

509
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 9 de julho de 1920, p. 12 (HDB/BN).
510
Idem. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1920, p. 16 (HDB/BN).
511
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1920 (ARFA).
152

do Tratado foi concretizada, para revolta de muitos militares turcos que desertaram e
engrossaram as fileiras de Mustafá Kemal e de seu governo paralelo em Angora que,
evidentemente, não reconhecia a validade do acordo de Sèvres512.

Enquanto os turcos protestavam contra a retalhação do Império Otomano, os


armênios comemoravam a vitória diplomática e a anexação dos territórios almejados. Etienne
Brasil remeteu documento para Rodrigo Octavio, dois dias depois da assinatura de Sèvres,
informando-o acerca dos novos limites territoriais da República Armênia, bem como da sua
condição de representante diplomático armênio para a América do Sul. O diplomata
aproveitou ainda o ensejo para desmentir os “boatos de uma suposta invasão da Armênia
pelos maximalistas”. Segundo Etienne, “a Armênia não é e nunca será sovietista; os russos,
por seu turno, respeitaram até hoje nossas fronteiras”513. A preocupação do diplomata em
refutar o avanço bolchevique no Cáucaso se estendeu para a imprensa. No final de agosto, a
Gazeta de Noticias publicou uma “comunicação” de Etienne Brasil na qual ele afirma que a
Armênia não teria perdido territórios para o vizinho Azerbaijão, mas que o Exército Vermelho
teria ocupado tais territórios para evitar um confronto entre os dois países. Segundo o
diplomata, a Armênia teria um documento assinado por Lênin no qual o líder bolchevique
garantiria que a ocupação era provisória514.

Enquanto isso, Etienne dava explicações a Paris sobre o porquê do Brasil e outras
repúblicas sul-americanas não terem reconhecido a independência armênia, mesmo após a
celebração do Tratado de Sèvres. Segundo o diplomata, os problemas eram causados, “apesar
todos meus esforços”, por conta das grandes distâncias entre as capitais da América do Sul,
uma vez que ele centralizava todo o trabalho no Rio de Janeiro, bem como pela constante
troca de governantes e diplomatas, o que desfazia redes de contatos que levavam tempo para
serem reconstruídas515. Assim, ele reclamava sutilmente sobre a morosidade de Paris em
atender seus pedidos, sobretudo a criação de novas representações diplomáticas no
subcontinente e do envio de documentos que o tornasse ministro plenipotenciário em
substituição ao cargo de representante diplomático, desdenhado pela maioria dos governos da
América do Sul, o que fazia de Etienne dependente de suas conexões pessoais para ser
considerado um diplomata pelos tomadores de decisão das nações com as quais procurava
construir alianças. No caso do Brasil, o representante diplomático culpava a “apatia” do

512
PALMER, A. op. cit., pp. 253-254.
513
Etienne Brasil e Rodrigo Octavio. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1920, 281/2/4 (AHI).
514
Gazeta de Noticias. Rio de Janeiro: 26 de agosto de 1920, p. 2 (HDB/BN).
515
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1920 (ARFA).
153

chanceler Azevedo Marques pela lentidão do reconhecimento, a quem Epitácio Pessoa teria
prometido contatar sobre a matéria, em audiência realizada entre o mandatário brasileiro,
Etienne e o ministro da agricultura Simão Lopes, cujo filho também havia sido seu aluno. Na
Argentina, seus contatos com Eduardo Hachikyan renderam-lhe um convite por parte da
comunidade armênia local para visitar Buenos Aires, viagem essa que ele planejava realizar
em novembro, após hesitar em aceitar dada a ligação de seu aliado – quem Etienne
recomendara a Aharonian como cônsul-geral da Armênia na capital argentina – ao comitê
local do Dashnak. Desde seus anos como articulista acerca dos assuntos orientais, Etienne
Brasil realizava leituras confusas sobre a política armênia e mesmo ao corresponder-se com
uma das figuras públicas mais importantes da Armênia, suas assertivas não são muito
apuradas. Não raramente, é possível encontrar certo tom de criticismo de Etienne Brasil com
relação ao Dashnak, mas ele parecia esquecer-se que o próprio Aharonian e a maioria dos
políticos da República Armênia eram membros do partido.

Em setembro, novamente é noticiada – dessa vez por um jornal de São Luís do


Maranhão – a ocorrência de supostos padres armênios esmolando pelas ruas de algumas
cidades do Brasil. Identificados pela polícia do Rio de Janeiro como Elias Manoel e Zacharias
Manoel, os alegados sacerdotes armênios solicitavam dinheiro para um orfanato na “cidade de
Ornia da Mata (Chaldéa)”. Etienne Brasil emitiu alerta para as autoridades, negando que os
indivíduos sejam de origem armênia e pedindo à polícia que “empregueis os meios de
repressão, previstos no Código Penal, contra semelhantes chantagistas”516. Esses casos, apesar
de irritarem o diplomata no momento, iriam lhe ser úteis alguns meses mais tarde. Na
primeira semana do mesmo mês, Rodrigo Otávio disse a ele, em audiência realizada no
Itamaraty, que o reconhecimento brasileiro estaria encaminhado e o decreto presidencial que
ratificaria o ato sairia em questões de dias, dependendo apenas da publicação de Azevedo
Marques para ir à sanção de Epitácio Pessoa517. Contudo, os dias passaram e a publicação não
aconteceu, o que levou Etienne a interpelar o Catete. O secretário da presidência Agenor de
Roure informou que o atraso no reconhecimento havia sido causado pela decisão do Brasil de
esperar a publicação do Tratado de Sèvres, o que levou o diplomata armênio a chamar
Azevedo Marques de “incapaz” em carta a Aharonian, afirmando ainda que o chanceler

516
O Jornal. São Luís: 11 de setembro de 1920, p. 1 (HDB/BN).
517
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1920 e; Rio de Janeiro, 3 de
setembro de 1920 (ARFA).
154

desagradava a outros ministros estrangeiros no Brasil518, comentário esse que, apesar de


motivado pelo retardo da consecução de seus objetivos, de fato era procedente.

4.4.3 A efetivação do reconhecimento

No dia 4 de outubro de 1920, em resposta à carta encaminhada em agosto tratando


da assinatura do Tratado de Sèvres, Etienne Brasil foi chamado para uma reunião no
Itamaraty por meio de uma mensagem subscrita por Araújo Jorge cujo índice era
“Reconhecimento da Armênia”519. Embora não seja possível apurar o teor dessa reunião,
parece que o encontro foi crucial para encaminhar o reconhecimento oficial brasileiro à
República Armênia, que ocorreria algumas semanas mais tarde, em novembro daquele ano.
Dois dias depois, Etienne Brasil escreveu para Avetis Aharonian a fim de mantê-lo a par das
novidades no Rio de Janeiro. De acordo com a missiva, o governo brasileiro havia sugerido,
por meio do diretor de relações diplomáticas Araújo Jorge, que a Armênia alterasse o cargo de
Etienne para chargé d’affaires ou ministro plenipotenciário, pois o cargo de representante
diplomático tinha apenas caráter provisório520. O diplomata aproveitou o ensejo para sugerir
novamente nomeações de outros armênios para cargos diplomáticos, sobretudo na Argentina,
frisando que as mudanças propostas não onerariam o orçamento, pois seriam arcadas “pelas
colônias sul-americanas”.

Um consulado também deveria ser criado na capital paulista, mas Etienne agia
com mais cautela ao propor nomes para ocupar o posto. Apesar de seu principal aliado em
São Paulo ser Elian Naccach, Etienne indicou em algumas cartas que seus compatriotas
naquela cidade estavam emitindo opiniões contrárias às dele e às do governo armênio. Em
setembro, ele havia mencionado que “os bons elementos da colônia estão muito satisfeitos
que o Sr. Boghos Nubar não assinou o Tratado de Sèvres” em carta a Aharonian521 – que foi o
representante da Armênia escolhido pelas Potências para assinar o documento – o que é mais
um indício que havia divergências sobre os rumos políticos no seio dos armênios do Brasil.
Em outros momentos, Etienne deu sinais de que os compatriotas de São Paulo eram mais
próximos às ideias de Boghos Nubar do que ao grupo de Aharonian que efetivamente
governava a República Armênia, o que poderia ser, de alguma maneira, uma ameaça a sua

518
Idem, Rio de Janeiro, 9 de setembro de 1920 (ARFA).
519
Araujo Jorge a Etienne Brasil. Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1920, 281/2/4 (AHI).
520
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1920 (ARFA).
521
Idem, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1920 (ARFA).
155

posição de representante diplomático no Brasil. No começo de dezembro, ele alegou que “a


gente de Boghos Nubar, diante da falta de prestígio oficial de nossos representantes, continua
a agir e a dividir a nação: crime de alta traição que pesará sobre a cabeça dessa gente; eles têm
uma grande culpa na situação atual da Armênia”522. Mais tarde, naquele mesmo mês, irritado
com os armênios paulistanos, o diplomata definiria a coletividade em São Paulo como
“insignificante”:

[...] mas é ela que tem agido de maneira incorreta em toda a América.
Composta de negociantes, bastante ignorantes e falantes de árabe, ela tem
uma [palavra ilegível] deplorável. Até agora aquela gente parece não
conhecer a República Armênia. [...] Eu soube, por carta confidencial, que
eles escreveram recentemente ao Sr. Boghos Nubar perguntando se eles
deveriam “reconhecer a República e seus delegados!”523 (Grifo e aspas do
autor).

Malgrado as desavenças locais, o reconhecimento brasileiro foi uma vitória


política importante para os armênios no contexto das relações internacionais e um êxito
particular de Etienne Brasil. A ele interessava reforçar a imagem do Brasil como um país
“líder das nações sul-americanas”, aumentando assim a proporção de seu feito. Segundo ele,
“todas as pequenas repúblicas daqui seguirão rapidamente” a decisão brasileira, pois “a
grande dificuldade” – isto é, obter o reconhecimento – “estava aqui e nós vencemos”524. No
caso do reconhecimento por parte de Peru e Venezuela, os representantes das respectivas
legações no Brasil teriam, ao diplomata, “garantido que agora é uma questão muito fácil”525.
Poucos dias mais tarde, a legação do Chile no Rio de Janeiro enviou a Etienne comunicado
afirmando que aquela república havia reconhecido oficialmente a República Armênia em 15
de agosto daquele ano, o que foi imediatamente reportado a Aharonian com a alegação de que
a troca de presidência e dos diplomatas do país foram as causas do atraso para que o
representante diplomático armênio tomasse conhecimento do fato526.

Embora Etienne tenha reportado a Paris oficialmente por meio de um telegrama


que o reconhecimento brasileiro havia acontecido no dia 9 de outubro527, a publicação oficial
por parte do Executivo só iria acontecer em novembro, recebendo ampla cobertura da
imprensa carioca. No dia 5 de novembro, o jornal A Rua, sob as linhas “Libertas Quæ Sera
Tamen”, publicou extenso artigo com um histórico da Armênia e sua importância para a

522
Idem, Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1920 (ARFA).
523
Idem, Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1920 (ARFA).
524
Idem, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1920 (ARFA).
525
Idem, Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1920 (ARFA).
526
Idem, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1920 (ARFA).
527
Telegrama de Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1920 (ARFA).
156

civilização528. No dia seguinte, a Gazeta de Noticias, Correio Paulistano e O Imparcial –


além do paranaense A Republica – também deram espaço à decisão de Epitácio Pessoa. A
efetivação do reconhecimento fez com que Etienne Brasil informasse Paris que o
reconhecimento teria acontecido no dia 5 de novembro529, enquanto o A Rua publicou que o
decreto presidencial data do dia anterior da publicação do jornal, isto é, dia 4. Mas o Decreto
nº 14.456 que “reconhece a Independência da Republica da Armênia e seu atual Governo” foi
publicado no Diário Oficial da União no dia 3 de novembro de 1920530.

Em carta para Elian Naccach publicada no livro de Yesnig Vartanian531, o


diplomata noticia o reconhecimento e repassa algumas orientações para o compatriota em São
Paulo que deveria escrever uma carta de agradecimento ao presidente brasileiro a ser enviada
ao governador paulista, quem serviria de intermediário. Além disso, o diplomata pede que
Naccach organize uma assembleia com os armênios de São Paulo na qual ele iria proferir uma
palestra e ter contato com os compatriotas. Porém, o mais interessante na correspondência é a
recomendação de Etienne Brasil para que haja uma arrecadação entre os armênios para que
seja possível construir a Embaixada da Armênia no Rio de Janeiro, na região da chamada
“Avenida do Sul”.

O reconhecimento do governo brasileiro aconteceu em um momento-chave para a


Armênia. Após o Tratado de Sèvres ser rejeitado por Mustafá Kemal e pelo governo nacional
em Angora, as tropas kemalistas marchavam na direção Leste a fim de recuperar os territórios
anexados pelos armênios. A sobrevivência da República Armênia era seriamente ameaçada,
de um lado pelo avanço turco, do outro, pelas tropas bolchevistas. Ciente das ameaças que
rondavam o país que representava, Etienne Brasil, em telegrama a Azevedo Marques,
agradeceu o reconhecimento do Brasil e diz que “o nobre gesto do Governo Brasileiro veio
reconfortar-nos numa ocasião dolorosa”532. Além disso, o diplomata solicitou a Epitácio
Pessoa que intervisse junto às Potências para que fosse fornecido armamento, munição e

528
A Rua. Rio de Janeiro: 5 de novembro de 1920, p. 4 (HDB/BN).
529
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1920 (ARFA).
530
Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1920. Disponível em:
https://goo.gl/2ziah9. Acesso em: 16 ago. 2014.
531
VARTANIAN, Y. op. cit.
532
Telegrama de Etienne Brasil a Azevedo Marques. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1920, 281/2/4
(AHI).
157

crédito da República, bem como para que encontrassem uma “solução justa” para a questão da
Cilícia em favor dos armênios533.

4.5 A ocupação bolchevique e o fim da Legação Armênia no Brasil

Mais tarde naquele mês, no dia 16, Etienne enviou telegrama a Aharonian com as
perguntas “perigo grave? Aliados aderiram?” e com a afirmação “eu solicitei intervenção do
Brasil”534. Com a primeira pergunta, o diplomata tentava obter maiores informações sobre os
rumores que chegavam ao Brasil sobre a sovietização da Armênia. Com a segunda, pedia
notícias sobre as negociações que ocorriam na Liga das Nações, com a participação dos EUA,
que garantiriam a manutenção da independência armênia. Na última frase do telegrama,
Etienne informava que iria novamente solicitar audiência com Pessoa para tentar convencer o
presidente brasileiro a intervir em favor dos armênios.

Ante todas as incertezas, Avetis Aharonian finalmente escreveu ao seu diplomata


no Rio de Janeiro. O teor da carta do líder armênio pode ser inferido a partir da resposta de
Etienne escrita no dia 28 de novembro, na qual ele afirma ter recebido um telegrama de
Aharonian e outro da “Delegação”, isto é, do grupo de Boghos Nubar. Na réplica a
Aharonian, o diplomata deixou transparecer traços de impaciência com uma caligrafia mais
apressada e com respostas menos afáveis do que de costume. Em um trecho, ele afirmava
estar “de braços atados” para os pedidos de Paris, que envolviam a solicitação de crédito junto
aos governos brasileiro e argentino e o envio de voluntários – possivelmente compatriotas
residentes na América do Sul para serem incorporados no exército armênio no Cáucaso. Ele
atribuía as dificuldades em atender aos pedidos à ausência de um “título real” que o permitiria
ser atendido pelos governos sul-americanos – e também seus compatriotas, de acordo com
suas palavras – que, em geral, são governados por grandes fortunas ou por títulos reais. Dessa
forma, Etienne aproveitou que Paris veio até ele com solicitações para colocar uma vez mais
as suas próprias demandas que haviam sido ignoradas até então – incluindo o pedido para que
Aharonian enviasse ao governo francês uma cópia de seu livro recém-publicado no Rio de
Janeiro, La France au Brésil. Em certo trecho, ele questionava sobre o que faria na sua visita
oficial à Argentina – viagem essa autorizada por Paris – sem poderes diplomáticos efetivos.

533
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1920 (ARFA).
534
Telegrama de Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1920
(ARFA).
158

Ademais, segundo ele, os “elementos de Boghos Nubar” criavam “na surdina todo tipo de
dificuldades” para a realização de seu trabalho535, sem especificar quem seriam esses
elementos ou que tipo de oposição faziam.

Apreensivo pela possibilidade de ver a Armênia circunscrita uma vez mais por
governo outro que não o dos próprios armênios – o que, no limite, custaria, além da
independência do Estado que ele representava, também seu cargo e influência – Etienne
vociferou contra aqueles que ele julgava que estariam traindo a Armênia. Sua indignação não
perdoou nem mesmo a França, farol cultural para ele e muitos intelectuais brasileiros e
armênios de sua geração, nação que ele mesmo tinha chamado de “protetora desvelada e
segunda pátria de todos os orientais” em artigo em 1913536. No final de novembro de 1920,
Etienne acusava o governo de Alexandre Millerand, sucessor de Georges Clemenceau – quem
os armênios viam com simpatia – de trair a Armênia em prol de outros interesses menos
nobres e ameaçava iniciar uma campanha na América do Sul contra a França:

Apesar dos atos indignos e miseráveis do governo atual (guiado pelos judeus
da Bolsa de Paris) na Cilícia e na questão de intervenção suscitada pelo Sr.
Viviani537, eu acho que o verdadeiro povo francês não está a par de tal
conduta vergonhosa e desleal. Parece-me que a boa política para nós é
continuar a buscar a amizade do povo francês.
Minha indignação é tanta que se a Armênia vir a ser sacrificada pelos erros e
acordos [...] do governo francês, eu consagrarei o resto dos meus exércitos a
fazer uma guerra [...] contra o país, na imprensa e em discurso em toda a
América do Sul, uma propaganda mais terrível do que aquela que eu lancei
contra os turcos538.

É pouco provável que Etienne Brasil estivesse de fato disposto a entrar em uma
polêmica na imprensa com a França, com seus diplomatas e com toda a influência que os
franceses exerciam nos círculos políticos e intelectuais no Brasil dos anos 1920. No cenário
hipotético do ex-padre – cuja carreira docente e intelectual, é bom lembrar, estava
intrinsicamente ligada ao Liceu Francês no Rio de Janeiro –, decidir por afrontar abertamente
as decisões de política externa francesa era ainda menos plausível que algum tomador de
decisão, burocrata ou jornal aceitasse endossar seus argumentos em prol da Armênia e em
detrimento da França. No começo de dezembro, o diplomata cogitaria a criação de “grupos
antieuropeus” na América do Sul para punir o governo francês “que ajuda os bolcheviques-

535
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1920 (ARFA).
536
A Epoca. Rio de Janeiro: 14 de maio de 1913, p. 7 (HDB/BN).
537
René Viviani (1863-1925), ex-ministro de relações exteriores e representante da França na Liga das
Nações em 1920.
538
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1920 (ARFA).
159

kemalistas, voluntariamente maximalistas, condenando os pobres armênios que têm sido


forçados a se submeterem!”539

Apesar da situação instável da Armênia, Etienne Brasil ainda mostrava obstinação


após o reconhecimento há tanto almejado ter sido alcançado. Em novembro, ele enviou
informações para a delegação armênia em Paris acerca dos delegados brasileiros e argentinos
que estavam indo a Genebra para participar da Assembleia da Liga das Nações,
recomendando expressamente que a comunidade armênia da Suíça deveria recepcioná-los,
pois esses seriam amigos da causa. Simultaneamente, o diplomata queria exercer suas
prerrogativas como representante armênio para a América do Sul e abrir consulados em
cidades como Buenos Aires – chefiado por Eduardo Hachikyan – Montevidéu – sem cônsul
definido –, Llay-Llay no Chile – cujo cônsul seria Alejandro Manuguian540 – Manaus – sob
gerência de Levon Rumian – São Paulo – que seria ocupado por Elian Nacchach – e Rio de
Janeiro, onde Mihran Latif deveria ser cônsul-geral honorário, assessorado por Nubar
Ohanian, Dikran Astor e Agop Ajemian – nessa altura, Kaisserlian e Boghossian já haviam
sido proscritos da coletividade pelo diplomata. Embora a proatividade de Etienne fosse
apreciada em Paris, Aharonian alegou que novas nomeações de cônsules somente poderiam
ser feitas pelo Parlamento em Yerevan, não cabendo à delegação criar cargos adicionais541.

O excesso de critério dispensado pelo governo brasileiro ao reconhecer a


República Armênia fez com que o decreto assinado por Epitácio Pessoa em 3 de novembro de
1920 fosse de pouca serventia no esforço internacional de apoio e salvação da república no
Cáucaso. Um mês mais tarde, em 2 de dezembro de 1920, representantes do governo armênio
e da Rússia revolucionária assinariam um acordo que anexava a Armênia aos territórios
bolcheviques. Não se pode alegar, porém, que a morosidade brasileira era causada pela falta
de interesse ou desconhecimento dos assuntos da Armênia. Mesmo a Liga das Nações não
acompanhou a velocidade das transformações políticas no Cáucaso. Em 25 de novembro de
1920, a Liga negociava com Woodrow Wilson e os representantes de Brasil e Espanha na
entidade para evitar a crescente violência entre as tropas turcas comandadas por Mustafa
Kemal e o exército armênio. Em 3 de dezembro, a Assembleia da entidade reunida em
Genebra garantiu “apoio moral da Liga das Nações e do mundo civilizado” aos EUA, Brasil e
Espanha por negociarem com os “nacionalistas turcos” uma solução pacífica para os conflitos

539
Idem. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1920 (ARFA).
540
Idem. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1920 (ARFA).
541
HOVANNISIAN, R. op. cit., pp. 433-434.
160

com a Armênia542. Porém, a assinatura do pacto entre armênios e bolcheviques fez do apoio
da Liga e dos países supracitados letra-morta, ainda que as conversas em Genebra
continuassem dezembro adentro, pois havia o entendimento que a anexação da Armênia pela
Rússia poderia ser uma medida temporária543.

Também Etienne Brasil tinha a esperança que a ocupação russa fosse uma
estratégia para cessar “a invasão dos infames turcos e ganhar a amizade dos russos”544
enquanto os EUA e a Liga das Nações – representada por Brasil e Espanha – viabilizavam a
tão esperada e prometida ajuda à Armênia. “Há muito tempo”, escreveu o diplomata a
Aharonian, “nós temos sido joguetes das potências da Europa [...] Desta vez, se necessário,
vamos nos unir até mesmo ao diabo para que salvemos a nossa Armênia”545. Em outra
missiva, poucos dias depois, ele afirmou:

Se a novidade do soviete for verdade, eu estou certo que nossos pobres


compatriotas, sem recursos, foram obrigados a aceitar o apoio do diabo,
quando os pretensos santos, ao invés de ajudar-nos, procuraram nos causar
[...] mal. Mas o povo armênio não está sovietizado; isso não será mais que
um estado e uma solução de passagem546. (grifos do autor)

Em meio a todas essas incertezas, Epitácio Pessoa recebeu uma vez mais o
diplomata no Catete, em audiência na qual Etienne Brasil agradeceu ao presidente pelo
trabalho de Rodrigo Octávio na Liga das Nações em favor dos armênios – referindo-se à
disponibilidade brasileira para intermediar, junto com a Espanha e os EUA, a resolução dos
conflitos entre armênios e turcos547 – e sugeriu que “duas grandes cidades brasileiras
adotassem duas cidades da Armênia para protegê-las”.

Sobre o reconhecimento brasileiro à República Armênia, poderiam pairar dúvidas


sobre o quão essencial foram as intervenções de Etienne junto ao Itamaraty e Catete. De
acordo com um recorte de jornal anexado à documentação da Legação Armênia no Brasil no
Arquivo Histórico do Itamaraty548, não havia nenhuma representação diplomática armênia
reconhecida no Brasil, e o reconhecimento brasileiro se deu por meio da Embaixada brasileira
542
The Times. Londres: 3 de dezembro de 1920, p. 11.
543
GZOYAN, Edita. Hayastani Arajin Hanrapetutyně yev Azgeri Ligan. Yerevan: Academia de
Ciências da República da Armênia, 2013, pp. 157-158.
544
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1920 (ARFA).
545
Idem, ibid.
546
Idem. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1920 (ARFA).
547
Idem, ibid.
548
Possivelmente se trata do Jornal do Commercio de 25 de janeiro de 1921, pois, no mesmo dia,
Etienne Brasil escreveu para Epitácio Pessoa a fim de desmentir as informações publicadas por esse
periódico. Etienne Brasil a Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1921, 281/2/4 (AHI).
161

e do “comitê armênio” em Paris, no âmbito da Conferência de Paz. Entretanto, essa alegação


parece um tanto exagerada. Uma vez analisadas as correspondências entre Etienne Brasil, o
Itamaraty e Paris resulta claro que o fato do armênio ter sido chamado nesse Palácio para uma
reunião e por tantas vezes ter sido recebido no Catete por Pessoa provam que o governo
brasileiro o considerava representante dos interesses armênios no Brasil, ainda que nunca
tenha sido expedido o exequatur. Ademais, como pode ser percebido nas cartas a Archag
Tchobanian e Avetis Aharonian, foi Etienne Brasil o responsável por alertar seus compatriotas
na França sobre os políticos brasileiros que estavam em Paris e em que grau eles seriam
permeáveis às demandas armênias, graças, principalmente, aos laços de amizade que os
ligavam a alguns armênios no Rio de Janeiro, sobretudo Mihran Latif. Por fim, seguindo as
reflexões de Pierre Milza acerca dos pontos de contato entre a política interna e externa de
uma nação – ancorado nas escolas francesas de história política e relações internacionais de
Pierre Renouvin, Jean-Baptiste Duroselle e Raymond Aron – o cenário interno exerce grande
influência sobre os rumos da política externa de um país549. Assim, o reconhecimento
brasileiro tem que ser analisando levando em consideração o interesse de Epitácio Pessoa e do
Itamaraty em atender, enfim, a agenda do grupo de pressão liderado por Etienne Brasil, que
possuía boa inserção econômica e grande capilaridade na sociedade carioca da época.

Etienne Brasil encerrou o ano de 1920 distribuindo uma nota à imprensa negando
os “boatos saídos de Constantinopla” sobre a sovietização da Armênia. Segundo o diplomata,
a comunicação com o Cáucaso estava interrompida desde outubro e as únicas notícias que
mereciam atenção eram aquelas oriundas da delegação armênia em Paris. Em suas palavras:
Em hipótese alguma renunciaremos ao tratado de Sèvres e à amizade dos
aliados. Ultimamente, quer a questão da Cilicia, quer a dos socorros
libertadores da República Armênia têm progredido muito, e há seguras
esperanças de que poderemos em breve libertar o país quer dos assaltos de
Mustafá Kemal, quer da pressão sovietista550.

Em janeiro de 1921, o diplomata dá sinais de que não iria reconhecer o governo


soviético e continuaria a desempenhar suas funções na América do Sul em nome do “governo
legal da Armênia”. O fluxo de correspondências com Paris, embora menor, não cessou. Em
meados daquele mês, Etienne acusava recebimento de carta do secretário de Aharonian, “após
um longo silêncio”, com uma cópia de um memorando enviado pelo representante armênio
em Paris às Potências. Na réplica, colocou Paris a par dos últimos acontecimentos na América
do Sul, quais sejam, a garantia dada por seu aliado, Carneiro da Cunha, de que Epitácio

549
MILZA, P. op. cit., pp. 369-370
550
A Razão. Rio de Janeiro: 27 de dezembro de 1920, p. 8 (HDB/BN).
162

Pessoa “não mudou de opinião sobre nós e continua a nos proteger”, mesmo com as notícias
cada vez mais difíceis de refutar acerca da ocupação bolchevique da Armênia. Enquanto isso,
os armênios de São Paulo continuavam a desafiá-lo ao entrarem em contato com Boghos
Nubar. No Chile, seu aliado Alejandro Manuguian informava que Santiago também mantinha
o apoio aos armênios, o que Etienne definiu como “uma vitória”551. Na esfera comercial,
Etienne mantinha seus planos de criar um banco para facilitar o intercâmbio entre a América
do Sul e os armênios e contava com a ajuda de seu irmão Bernard Ignace, que seria nomeado
cônsul honorário do Brasil em Sófia em breve, para a consecução desse projeto. Isso indica
que o diplomata armênio não pretendia recuar ante as dificuldades enfrentadas pela Armênia,
por Aharonian e por ele mesmo, cada vez mais isolado na sua própria coletividade e
desgastado politicamente nos círculos decisórios e na imprensa no Rio de Janeiro.

Diante de um cenário cada vez mais nebuloso, Etienne Brasil parecia mais à
vontade para dar declarações e pronunciamentos mais salientes e menos diplomáticos. Em
correspondência a Aharonian, ele não hesitou em opinar sobre os rumos que a Armênia
deveria tomar para reverter o quadro adverso e sugeriu que superior:

[...] convoque um congresso armênio em Paris ou alhures e rapidamente;


dirija um apelo supremo a toda a nação; instale os membros do governo legal
em um ponto seguro, como foi feito pela Bélgica durante a guerra. Esse é o
único meio para ativar nossa salvação e para não perder nossos aliados e
nossa força. De outro modo, em um par de semanas, tudo será esquecido:
Tratado de Sèvres, Armênia, etc552.

A recusa de Etienne Brasil em aceitar o que era realidade no Cáucaso e acreditar


que era possível medidas reversivas é visível tanto em manifestações diplomáticas quanto na
imprensa, na qual ele encenou uma suposta invasão de espiões bolcheviques à América do
Sul. No dia 24 de janeiro, o jornal A Noite publicou uma nota informando que falsos padres
armênios teriam sido descobertos no Chile, após Etienne ter enviado às autoridades do país
“provas” que comprovavam o envolvimento da “quadrilha” com a “3ª Internacional de
Moscou”553. Ainda de acordo com o periódico, o armênio foi ao Itamaraty e ao Catete no dia
anterior alertar o chanceler e o presidente sobre o “plano bolchevista que nos ameaça,
mostrando-lhes os necessários documentos bem como fornecendo-lhe o nome do alemão
esperado, ou já desembarcado no Rio, como representante do soviete russo”. Segundo Etienne

551
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1921 (ARFA).
552
Idem, ibid.
553
A Noite. Rio de Janeiro: 24 de janeiro de 1921, p. 1 (HDB/BN). Etienne também reportou a
ocorrência no Chile a Paris. Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 21 de dezembro de
1920 (ARFA).
163

Brasil alegou, ele havia recebido telegramas de Lênin com recomendações para que os
diplomatas armênios espalhados pelo mundo reconhecessem o novo governo da Armênia ou
se preparassem para entregar os bens e os arquivos das legações a um delegado soviético
designado. Com informações oriundas do Rio de Janeiro, via telégrafo, A Provincia de Recife
noticiou que o encarregado soviético pela legação armênia no Brasil seria um alemão, que
viria acompanhado de “vários maometanos turcos, vestindo batina e inculcando-se de padres,
a fim de agitar os meios sírios, armênios, gregos e judeus residentes do Brasil para, por esse
meio, implantar o bolchevismo”554. Dizendo-se alarmado, Etienne Brasil teria entregado a
documentação à polícia para que a prisão dos agentes de Moscou fosse realizada tão logo eles
aportassem no país. Paralelamente a essas denúncias, o armênio insistia, via imprensa, na
validade de suas credenciais e na legalidade de seu posto diplomático no Brasil555.

O alarme soado por Etienne sobre uma invasão bolchevique acompanhada por
muçulmanos disfarçados de padres não teve muito fôlego. No dia 27 de janeiro, um jornal da
comunidade espanhola de São Paulo publicou a notícia espalhada pelo armênio com
pinceladas de deboche556. Dois dias depois, o periódico carioca A.B.C. dispensou várias linhas
para atacar Etienne Brasil e denunciar o “bluff”, criado a partir da nota publicada no A Noite.
Sob o título “Uma Gran-Via diplomática: A Epopeia da Armênia transforma-se no Brasil em
‘Vaudeville’”, o periódico provoca o “ex-clérigo e atual diplomata sem credenciais”,
afirmando que seus ataques a Lênin não são coerentes com as suas atitudes passadas, quando
o mesmo apresentava documentos assinados pelo líder bolchevique que garantiriam as
fronteiras armênias. No parágrafo final, o A.B.C. conclui:
Agora o espectro do maximalismo serve de ponto de apoio para o obscuro e
“sui-generis” ministro renovar as suas investidas. E quem sabe se em tudo
isso não há um pouco de imaginação do Sr. Etienne apavorado com a
hipótese da vinda de um delegado legítimo da Armênia que lhe tirará as
glorias? Daí, talvez, a sua lembrança de pedir para o seu compatriota o
castigo policial que se dá aos indesejáveis...557

A criação de uma ameaça bolchevista por meio de um delegado alemão e


muçulmanos disfarçados de padres explicita o receio que Etienne Brasil tinha de perder seu
posto de representante diplomático e, assim, ser incapaz de usar os anos de proximidade com
a imprensa e o governo para ajudar na manutenção da independência da Armênia. Ao criar a

554
A Provincia. Recife: 26 de janeiro de 1921, p. 1 (HDB/BN).
555
A Noite. Rio de Janeiro: 27 de janeiro de 1921, p. 2; A Rua. Rio de Janeiro: 27 de janeiro de 1921,
p.1; Correio Paulistano. São Paulo: 27 de janeiro de 1921, p. 5; Diario da Manhã. Vitória: 27 de
janeiro de 1921, p. 3 (HDB/BN).
556
Diario Español. São Paulo: 27 de janeiro de 1921, p. 7 (HDB/BN).
557
A.B.C. Rio de Janeiro: 29 de janeiro de 1921, p. 10 (HDB/BN).
164

farsa, o armênio lançou mão de dois fatos: a presença de indivíduos que mendigavam pelo
Brasil alegando serem padres armênios e; o receio que havia na Europa da infiltração de
“emissários pan-islâmicos” financiados pelos alemães para iniciar a guerra santa nas colônias
europeias558. Assim, Etienne fundiu nesses misteriosos homens os elementos mais temidos no
Ocidente e criou a figura do perigoso delegado alemão com um mandato bolchevique
acompanhado por inúmeros muçulmanos, todos a mando de Lênin. Ocorre, desse modo, a
demonização do outro, na esperança de que, se por ventura Moscou enviasse um representante
oficial de seus interesses para o Rio de Janeiro, as autoridades em alerta negariam entrada ao
estrangeiro e manteriam a interlocução com o armênio.

Enquanto seu nome era alvo de críticas nos jornais, Etienne Brasil tentava
desesperadamente obter apoio do Itamaraty e de Epitácio Pessoa para manter-se reconhecido
como representante diplomático da Armênia no Rio de Janeiro. No dia 25 de janeiro, o
armênio dispensou as exigências protocolares e enviou mensagens simultâneas ao chanceler
Azevedo Marques, ao Diretor de Negócios Estrangeiros, Araújo Jorge, e ao Presidente da
República, todas em papel timbrado em francês e armênio no qual é possível ler “o
representante diplomático da republica armênia para a América do Sul”. Para o primeiro,
Etienne Brasil pedia que o Brasil interviesse junto às “grandes potências” para fazer valer as
fronteiras armênias conforme haviam sido traçadas por Wilson e consolidadas pelo Tratado de
Sèvres, bem como a criação de um mandato sobre a Cilícia559. Ao Diretor, o armênio alertou
sobre o perigo dos falsos padres armênios, mas que não aparentam ter ligações com o
bolchevismo, embora seja crucial prendê-los para que não gerem confusão com os
“bolchevistas vestindo batinas”. Etienne garantiu ao diplomata que os indivíduos em questão
não são armênios, pois não sabem o idioma e que um padre armênio não estava autorizado a
mendigar, segundo orientação do Patriarca da Igreja Apostólica Armênia e de Terzian, líder
dos católicos armênios e supostamente seu tio560. A Epitácio Pessoa, o armênio defendia suas
credenciais de representante do “governo legítimo da Armênia”, desmentindo o que havia
sido publicado no Jornal do Commercio do mesmo dia, e rogava “ao alto espírito humanitário
e à grande simpatia que vós manifestastes pela minha desventurada pátria; e dos meus
esforços e sacrifícios vós mesmo sois testemunha” para que o presidente intervenha de modo
a obrigar o periódico mencionado a retificar as informações publicadas561. Alguns dias mais

558
McMEEKIN, S. op. cit., p. 327.
559
Etienne Brasil a Azevedo Marques. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1921, 281/2/4 (AHI).
560
Etienne Brasil a Araujo Jorge. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1921, 281/2/4 (AHI).
561
Etienne Brasil a Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1921, 281/2/4 (AHI).
165

tarde, possivelmente sem ter obtido uma resposta positiva – ou mesmo resposta alguma – de
Epitácio Pessoa, Etienne Brasil se dirigiu à Associação Brasileira de Imprensa para apresentar
as suas credenciais diplomáticas na esperança de que a aceitação de seus documentos pela
entidade pudesse mitigar o estrago feito pelo artigo do Jornal do Commercio562.

Após o episódio dos falsos padres comunistas, a credibilidade de Etienne Brasil


despencou. Seus artigos na imprensa se tornaram cada vez mais escassos, com a exceção de
uma ou outra resenha elogiosa a seus manuais de Filosofia e livros de História. Alguns órgãos
foram especialmente críticos aos rumos da causa armênia no Brasil e o envolvimento do
governo com uma questão tão distante da tradicional esfera de influência do país. O Jornal do
Brasil de 16 de fevereiro de 1921 publicou artigo assinado por Brasilio Braga condenando a
ação brasileira ao lidar com a Armênia. Segundo o autor:
Por simples bazofia, só para nos darmos a uma ridícula importância, tivemos
nós a triste lembrança de pedir à Liga das Nações que nos fizesse protetores
da Armênia. Os Estados Unidos e a Espanha, nossos colaboradores nessa
difícil proteção, também hão de estar arrependidos de terem assumido tal
encargo, em vista do rumo que ali estão tomando os acontecimentos563.

Não satisfeito em criticar a política externa brasileira, o autor desfilou acusações


contra a “nossa protegida” Armênia que “sem nos pedir conselhos nem nos dar a menor
satisfação, resolveu cair impudicamente nos braços cabeludos do bolchevismo”, liderado pelo
“pirata Lenine”. Com efeito, o Brasil estaria agora a mercê do “desembarque aos
embaixadores bolchevistas denunciados à Polícia Marítima pelo Sr. Etienne Brasil”, sendo o
próprio responsável, em alguma medida, pelo perigo que o Brasil enfrentava, por ter
desacatado Lênin via telégrafo quando o líder soviético solicitou a colaboração do diplomata
armênio. Poucos dias depois, Etienne Brasil admitiu a sovietização de parte da Armênia,
embora desmentisse as notícias que, segundo ele, oriundas de Constantinopla, davam conta de
que toda a Armênia estava sob controle soviético. Segundo o intelectual, os armênios da
região “subjugada” não aceitaram passivamente a ocupação do Exército Vermelho e foram
vencidos após combates e fuzilamentos. Assim, o armênio retomou o discurso que utilizou
durante o genocídio, quando negava que os armênios estavam sendo massacrados e afirmava
que os que eventualmente morriam, “vendiam caro” suas vidas, resistindo até o último
momento564. Poucos dias depois, a imprensa noticiou a visita de alguns armênios à residência
de Rodrigo Octavio, delegado brasileiro na Liga das Nações, pelo apoio dado à causa na

562
O Paiz. Rio de Janeiro: 2 de fevereiro de 1921, p. 4 (HDB/BN).
563
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: 16 de fevereiro de 1921, p. 5 (HDB/BN).
564
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 19 de fevereiro de 1921, p. 1 (HDB/BN).
166

Assembleia dessa entidade, em obediência às diretrizes de Epitácio Pessoa. Segundo a nota, a


comissão de armênios era composta por Etienne Brasil, Agop Kaisserlian – que até pouco
tempo atrás era inimigo do ex-padre – Dick Astor e Nubar Charles Ohanian565.

Entre 13 de fevereiro e 2 de abril de 1921, o Dashnak conseguiu retomar o poder


por meio de um levante liderado por Simon Vratsian, último primeiro-ministro da República
Armênia, o que deu novo ânimo a Aharonian e outros líderes na diáspora. Em fevereiro, o
representante em Paris enviou a Etienne telegrama sobre um acordo entre as duas delegações
armênias na capital francesa – isto é, entre o próprio Aharonian e Boghos Nubar – o qual o
ex-padre prometeu, com excitação, repassar de imediato a todos os centros armênios da
América do Sul e à imprensa. De certo, ele esperava que a novidade enfraquecesse os
armênios de São Paulo e de outras localidades que por ventura ainda hesitavam em
reconhecer sua autoridade. Na mesma missiva, ele informa sobre o apoio de uma Loja
Maçônica do Grande Oriente do Brasil à causa armênia. Segundo Etienne, a Loja havia
descoberto que “o malvado ministro Azevedo Marques (do Exterior) estava sob influência dos
clérigos daqui, que descobriram que a Armênia gregoriana não tem direito à proteção das
nações católicas!”566 Era notória o mal-estar entre Etienne Brasil e Azevedo Marques.
Enquanto o primeiro acusava o chanceler brasileiro de incompetência e atrasar a resolução da
questão armênia no Brasil deliberadamente, o último se irritava com a pressão exercida pelo
ex-padre sobre o Catete e o Itamaraty quebrando, não raramente, os protocolos diplomáticos e
lançando mão de conexões pessoais para pular os trâmites burocráticos. Apesar disso, não é
possível confirmar a acusação de Etienne, tampouco parece plausível que o pertencimento da
maioria da população armênia à Igreja Apostólica Armênia – não católica, portanto – pudesse
servir de escusa para o apoio do Brasil ou de qualquer outra nação católica, afinal, o clero
católico armênio agiu, com o aval do Vaticano, durante e depois da Guerra para mitigar as
dificuldades do povo armênio567.
Diante da euforia – ou incerteza – da retomada do poder na Armênia, Avetis
Aharonian finalmente decidiu enviar ao governo brasileiro – por meio de Gastão da Cunha,
embaixador do Brasil em Paris – um comunicado oficial nomeando Etienne Brasil “agente
oficial da República Armênia junto ao governo brasileiro”568. A embaixada brasileira na

565
A Provincia. Recife: 22 de maio de 1921, p. 1 (HDB/BN).
566
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1921 (ARFA). Grifos no
original.
567
Cf. RUYSSEN, G. op. cit.
568
Gastão da Cunha a Avetis Aharonian. Paris, 31 de março de 1921 (ARFA).
167

capital francesa confirmaria a ciência do Rio de Janeiro com relação a nomeação de Etienne
no dia 18 de abril569, quando o Exército Vermelho já havia retomado o controle da Armênia,
destituindo novamente o Dashnak e estabelecendo definitivamente no país o regime que
duraria até 1991.
Etienne Brasil não voltou a se manifestar sobre a situação do país, seja pelas vias
diplomáticas ou por meio da imprensa. Os periódicos, contudo, continuavam a divulgar os
acontecimentos na Armênia oriundos das agências de notícias. A visita dos armênios à
residência de Rodrigo Octavio é significativa do declínio do prestígio de Etienne: embora
ainda conseguisse articular para ser recebido pelo alto escalão diplomático, tal encontro não
poderia ser realizado no Itamaraty. Em agosto, o ex-representante diplomático estava presente
no embarque dos delegados brasileiros que iriam participar de mais um compromisso em
Genebra, no âmbito da Liga das Nações, o que indica que ele voltou a defender seus
interesses de maneira pessoal e informal570.
Em 1922, Etienne Brasil formou-se em Direito e passou a advogar no Rio de
Janeiro, profissão que exerceu até sua morte em 15 de março de 1955571. Mesmo no novo
ofício, ele não abandonou a faceta acadêmica. Em pouco tempo, começou a escrever e
publicar artigos e livros sobre Direito, ambicionando se tornar uma referência nos estudos
jurídicos. Em 1938, ele escreveu uma carta ao político paulista Plínio Barreto a fim de
agradecer uma resenha elogiosa que o mesmo teria feito sobre o trabalho “Renovação das
Locações”. Junto com a carta de agradecimento, o intelectual – e agora jurista – anexou outros
textos de sua lavra “sobre um dos cantos mais obscuros do Direito universal”572.

Uma vez iniciada sua nova carreira, o intelectual não se ocupou mais de assuntos
concernentes à causa armênia. Nos anos 1920-30, com a chegada de um grande número de
imigrantes, a causa passou a ser centralizada nas instituições comunitárias criadas em São
Paulo, onde permanece até os dias atuais, mesmo depois da independência da Armênia da
URSS em 1991 e da criação de representações diplomáticas oficiais no Brasil.

569
Embaixada do Brasil na França a Avetis Aharonian. Paris, 18 de abril de 1921 (ARFA).
570
Correio Paulistano. São Paulo: 11 de agosto de 1921, p. 1 (HDB/BN).
571
De acordo com o livro de registros do cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, Etienne Brasil,
armênio, naturalizado brasileiro, morreu aos 72 anos vitimado por um colapso cardíaco e
arteriosclerose generalizada. Seu corpo foi sepultado no mesmo jazigo de sua esposa, Maria Emília da
Mota Brasil, falecida onze anos antes.
572
Carta de Etienne Brasil a Plínio Barreto. 15 de fevereiro de 1938. Série Correspondências, acervo
Plínio Barreto, PB-C-CP-0204 (IEB-USP).
168

A ação de Etienne Brasil nos mostra como um intelectual sem experiência


diplomática, não pertencente aos quadros das oligarquias brasileiras que comandavam o jogo
político na Primeira República, com escassos recursos materiais e pouco apoio do país que
representava, utilizou de sua influência e prestígio para inserir a causa armênia na pauta da
política externa brasileira, tendo suas reivindicações acatadas pelo governo da sociedade
receptora, ainda que não no ritmo e da maneira desejada. Ainda que suas ações fossem
baseadas na insistência e em conexões pessoais que permitiram que ele alcançasse os círculos
mais altos da política brasileira, há que se ressaltar certa permeabilidade do Estado brasileiro
às demandas exógenas. A seguir, veremos quais foram as características da política externa
brasileira no período que permitiram que a causa armênia estivesse na agenda do Itamaraty,
em um contexto marcado pela emergência do multilateralismo pós-1918.
169

5 A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO CONTEXTO DO


MULTILATERALISMO NAS DÉCADAS DE 1910-1920

Desde o século XIX o multilateralismo é uma característica da diplomacia


brasileira. Pautada pelo marco jurídico-legal, a ação do Brasil tentava diminuir a
preponderância dos interesses das Potências nas relações internacionais, ao mesmo tempo em
que buscava se inserir com maior pujança no sistema. Nas palavras da cientista política Flávia
de Campos Mello:
Reafirmada nas orientações recentes da política externa brasileira, a aposta
no multilateralismo sempre refletiu o objetivo de participar ativamente do
processo de elaboração das normas da governança global, projetando
também a nova disposição do Brasil a um maior protagonismo internacional.
Ao mesmo tempo, continua sendo uma preferência fundamentada no
reconhecimento defensivo das limitações do seu poder individual na
hierarquia do sistema internacional573.

Imbuído dessas ideias, o Brasil participou da segunda conferência de Haia em


1907, uma das primeiras tentativas de sistematizar o direito internacional para a resolução de
conflitos. Para chefiar a delegação brasileira, Rio Branco escalou Rui Barbosa, jurista que
ajudou a angariar prestígio e respeito para o Brasil junto às demais nações574. O trabalho de
Rui Barbosa na Conferência foi marcado pela defesa da igualdade jurídica entre os países,
colocando o Brasil, nesse sentido, como um porta-voz das pequenas nações575. Conforme
visto, a importância de Rui Barbosa tanto no plano interno quanto externo foi apreendido
pelos armênios, que tentaram fazer do político um aliado da causa, aproveitando desse
momento de aparente receptividade das causas dos povos marginalizados no sistema
internacional.

5.1 O Brasil na Grande Guerra

Quando a Grande Guerra foi deflagrada em 1914, o governo brasileiro manteve-se


neutro, enquanto internamente germanófilos e pró-aliados se enfrentavam para definir os
rumos do país no conflito mundial. Mas foi só em outubro de 1917, após o torpedeamento de

573
MELLO, Flávia de Campos. “O multilateralismo na Política Externa Brasileira” In: Carta
Internacional. Associação Brasileira de Relações Internacionais, vol. 7, n. 2, 2012, p. 164.
574
BUENO, Clodoaldo. Política Externa da Primeira República: os anos de apogeu – de 1902 a 1918.
São Paulo: Paz e Terra, 2003, pp. 352-359.
575
COMPAGNON, O. op. cit., p. 47.
170

navios brasileiros por submarinos alemães, que o Brasil declarou estado de guerra contra o
país do Kaiser, tornando-se o único país sul-americano a se engajar no conflito. O contingente
brasileiro enviado para a Europa era composto de treze oficiais aviadores que ingressaram nas
fileiras da Royal Air Force, uma centena de médicos que serviram na França até fevereiro de
1919, além da Divisão Naval em Operações de Guerra, composta por dois cruzadores e quatro
contratorpedeiros. Apesar dos esforços brasileiros, a frota só pôde entrar no Mar Mediterrâneo
um dia antes do armistício, após cumprir quarentena por conta de uma epidemia de gripe
espanhola576.

A decisão brasileira de engajamento no conflito não se deu sem grandes debates.


As elites políticas estavam divididas entre uma postura neutra, pró-aliada ou pró-germânica.
Contudo, de acordo com Compagnon, havia um consenso na América Latina pela
neutralidade no conflito, ainda que internamente as elites tendessem mais para o lado alemão
ou aliado577. Nos primeiros momentos, a Guerra não causou tanto furor na sociedade
brasileira. Pautada por uma postura mais alinhada com os EUA, graças ao movimento de Rio
Branco e à abertura da embaixada brasileira em Washington, a Grande Guerra foi vista como
um momento de crise europeia, cujas consequências negativas poderiam ser minimizadas caso
o país mantivesse uma “neutralidade ativa” e o comércio com todas as nações belicosas578.
Uma vez que o modelo agroexportador praticado fazia do país dependente dos mercados
europeus, a tomada de partido em qualquer lado do conflito fecharia portas e portos na Europa
e prejudicaria a economia nacional579. Outro receio das elites políticas brasileiras era a
secessão, devido ao grande número de imigrantes europeus. Para muitos intelectuais
contemporâneos de Etienne Brasil580, o grande número de imigrantes alemães no Sul poderia
se sublevar contra a sociedade receptora em caso de um conflito aberto contra o Império
Alemão. Dessa forma, a neutralidade era também oriunda de uma leitura da política interna581.

Contudo, o desenrolar do conflito e a consciência de que a Guerra iria durar mais


do que o esperado fizeram com que as elites políticas brasileiras começassem a se mobilizar
para defender seus próprios interesses, bem como os interesses britânicos e franceses,
sobretudo após a segunda metade de 1915, quando as consequências econômicas da Guerra

576
CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 4ª ed.
Brasília: editora da UnB, 2011, pp. 224-227
577
COMPAGNON, O. op. cit., p. 35.
578
Ibid., p. 60.
579
Ibid., pp. 51-53.
580
Pacotilha. São Luís do Maranhão: 13 de julho de 1915 (HDB/BN).
581
COMPAGNON, O. op. cit., p. 58.
171

foram sentidas mais intensamente582. Nesse sentido, a imprensa teve um papel central.
Gradualmente, os jornais tomaram uma postura pró-Aliados em artigos que imputavam a
culpa pela Guerra e pela crise mundial às Potências Centrais. É nesse contexto que cresceu a
demanda por artigos acerca do Oriente e do Império Otomano, uma das alegadas partes
causadora do mal que assolava a Europa, juntamente com o Império Alemão. Nas palavras de
Olivier Compagon:
Num momento em que a figura do jornalista não existe ainda de maneira
totalmente autônoma e muitas vezes se confunde com as do político, do
diplomata ou do escritor polígrafo, a imprensa é o primeiro revelador dessa
inflexão que se representa entre as elites ao mesmo tempo que constitui uma
prova para setores mais amplos da população583.

Em meio ao debate na imprensa, houve intelectuais como Etienne Brasil, João do


Rio, José Veríssimo, Graça Aranha e Rui Barbosa – esses dois últimos eram diretores da Liga
Brasileira pelos Aliados em março de 1915584 – que usavam suas penas para convencer os
leitores que essa era uma guerra pela civilização contra o mundo bárbaro e atroz. Do outro
lado, havia intelectuais ligados à Igreja Católica, setores das forças armadas – sobretudo os
chamados “Jovens Turcos”, oficiais brasileiros que serviram por dois anos nas forças armadas
alemãs, assim alcunhados em alusão aos estagiários predecessores585 – bem como juristas,
sociólogos e filósofos que eram simpáticos ao Império Alemão e à política do Kaiser586. Os
mais moderados e ponderados eram vistos com desconfiança por ambas as partes.

Em abril de 1917 o Congresso dos Estados Unidos aprovou o estado de guerra


contra o Império Alemão e Wilson pressionou os países latino-americanos a se engajarem no
conflito do lado aliado, alegando “solidariedade continental”. Poucos dias depois, o Brasil
cortou relações com Berlim e expulsou o diplomata alemão do Rio de Janeiro, após o
afundamento do navio Paraná no Canal da Mancha. Enquanto isso, a imprensa exaltava a
união com os EUA, destacando a “aliança natural” entre as duas nações. Novos incidentes
envolvendo navios mercantes brasileiros fizeram com que o país retirasse a neutralidade com
relação ao estado beligerante entre EUA, Aliados e Alemanha. Em 26 de novembro de 1917,
o Congresso do Brasil oficializou o estado de guerra contra o Império Alemão, após o
afundamento do navio Macau.

582
Ibid., pp. 118-119.
583
Ibid., p. 68.
584
Ibid., pp. 74-76.
585
Cf. RODRIGUES, Fernando da Silva. Os jovens turcos e o projeto de modernização profissional do
Exército brasileiro. In: Anais do XXIV Simpósio Nacional de História – História e
multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007.
586
COMPAGNON, O. op. cit., pp. 101-104.
172

Segundo Olivier Compagnon, a chamada “solidariedade continental” e a pressão


dos Estados Unidos pelo alinhamento do Brasil junto a Washington e aos países aliados foi
importante, mas a ação dos submarinos alemães no torpedeamento de navios mercantes
minava qualquer possibilidade de normalização do comércio transatlântico e de vantagens que
poderiam ser extraídas com a manutenção da neutralidade, o que facilitou a decisão de
engajamento no conflito587.

5.2 A participação brasileira na Conferência de Paz de Paris e na Liga das


Nações

Apesar do impacto nulo das tropas brasileiras nos rumos da Grande Guerra, o
envio de contingente foi crucial para obter a simpatia dos Aliados durante as negociações de
paz em 1919. Ao entrar na guerra alegando “solidariedade continental”, o Brasil se colocou
claramente em defesa dos interesses norte-americanos e demonstrou a vontade de participar
como protagonista das decisões no mainstream do sistema internacional588. Para Eugênio
Vargas Garcia: “Nessa fase de transição, o Brasil também teve sua parcela de envolvimento
político na Europa, embora esta evidentemente não pudesse ser comparada à norte-
americana”589. Compagnon sumariza o esforço do Brasil nos seguintes termos: “Nem por isso
[impacto nulo das tropas brasileiras] o Brasil deixa de entrar rapidamente para o campo dos
vencedores e, como tal, participar das negociações de paz”590.

Domício da Gama, ex-embaixador brasileiro em Washington e com bom


relacionamento com os políticos norte-americanos, trabalhou nos bastidores para conseguir
que o país fosse representado por três delegados na Conferência de Paz de Paris, enquanto as
não potências poderiam ter apenas um ou dois representantes, o que irritou sobremaneira
nações como Sérvia e Bélgica, diretamente afetadas pelo conflito, ambas tendo o número de
delegados elevado de dois para três após pressão da imprensa francesa591. A delegação
brasileira, chefiada pelo ex-senador paraibano Epitácio Pessoa – que seria eleito Presidente da
República durante a Conferência – foi a Paris com a intenção de se aproximar dos EUA numa

587
Ibid., p. 142.
588
GARCIA, Eugênio Vargas. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926): vencer ou não perder. Porto
Alegre/Brasília: UFRGS/FUNAG, 2000, pp. 27-28.
589
Idem. Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920. Brasília: Editora
UnB/FUNAG, 2006, p. 34.
590
COMPAGNON, O. op. cit., p. 143.
591
GARCIA, E. op. cit., 2006, p. 48.
173

continuidade do “paradigma americanista” da política externa lançada pelo Barão de Rio


Branco na década anterior592, mas também para defender interesses mais objetivos do país,
como a questão do confisco em bancos alemães de 125 milhões de marcos referentes à venda
de café paulista e do arresto de navios mercantes alemães que estavam atracados na costa
brasileira593. Ambas as questões foram convertidas em vitórias diplomáticas para o Brasil –
ainda que na prática a Alemanha não tenha pago integralmente a dívida e os navios não
tenham ficado com a marinha mercante brasileira. Nas palavras de Epitácio Pessoa:

Fica assim demonstrado que, a esforços da Delegação Brasileira (e só ela


sabe como esses esforços foram constantes e penosos) o Tratado de
Versalhes resolveu, de conformidade com o ponto de vista do Brasil, as duas
principais questões que nos levaram à Conferência da Paz. A atitude
desenvolvida pelo meu Governo nesta matéria não foi para obter a solução
das duas questões, mas para fazer acatar e cumprir essa solução, tal qual
estabelecera o Tratado594.

Em janeiro do ano anterior, o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, dirigiu ao


Congresso de seu país um discurso no qual legitimava diante dos parlamentares a entrada dos
EUA na Grande Guerra por meio de catorze pontos, alcunha pela qual ficaram conhecidos os
arranjos wilsonianos para o pós-guerra e, de acordo com Margaret MacMillan, o “pano de
fundo moral” para as discussões que foram travadas no âmbito da Conferência de Paz de Paris
em 1919595. Entre os pontos estavam a recomendação por uma diplomacia menos cerrada em
memorandos secretos, a liberdade de navegação em tempos de guerra e de paz, igualdade
comercial entre as nações, a proteção das minorias que viviam dentro das fronteiras turcas e,
por fim, a criação de uma “associação geral de nações [...] com o propósito de oferecer
garantias mútuas de independência política e integridade territorial aos grandes e pequenos
Estados, indistintamente”596. Os Catorze Pontos marcaram o que Keith David Watenpaugh
chama de uma “Era Progressiva”, que tinha no idealismo wilsoniano a síntese do

592
BARACUHY, Braz. “A crise da Liga das Nações de 1926: realismo neoclássico, multilateralismo e
a natureza da política externa brasileira”. In: Contexto Internacional. Rio de Janeiro: vol. 28, nº 2,
julho/dezembro de 2006, p. 366.
593
GARCIA, E. op. cit., 2006, pp. 57-59.
594
PESSOA, Epitácio. Pela Verdade. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957. vol. XXI,
tomo I, p. 31. (Obras Completas de Epitácio Pessoa).
595
MACMILLAN, Margaret. Paz em Paris, 1919: a Conferência de Paris e seu mister de encerrar a
Grande Guerra. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004, p. 24.
596
WILSON, Woodrow. “Discurso dos Catorze Pontos (1918)”. In: ISHAY, Micheline R. (org.).
Direitos Humanos: uma antologia – principais escritos políticos, ensaios, discursos e documentos
desde a Bíblia até o presente. São Paulo: Edusp, 2013, p. 494.
174

nacionalismo liberal, do binômio intervenção internacional e humanitarismo, em prol do


desenvolvimento, da paz e de estruturas políticas e econômicas liberais597.

Para Jean-Jacques Becker, foi a criação da Liga das Nações o principal motivo de
Wilson ter se tornado o primeiro presidente norte-americano em exercício a sair de seu país e
aportar na Europa, a fim de participar da Conferência de Paz de Paris598. Nas primeiras
reuniões de janeiro de 1919, Wilson costurava a criação da entidade com o primeiro-ministro
britânico Llyod George e o presidente francês Georges Clemenceau, esse último mais
resistente à ideia do norte-americano599. Mesmo com ressalvas das partes envolvidas, uma
comissão foi estabelecida para esboçar a organização da entidade, estruturada em três
organismos principais: Assembleia, na qual cada Estado teria direito a um voto; Conselho,
com assentos permanentes ocupados pelas Potências – a saber, EUA, Reino Unido, França,
Itália e Japão – e eletivos – escolhidos por meio de sufrágio da Assembleia; e a Secretaria-
Geral, de caráter administrativo600. Essa estrutura formal da Liga era até então uma novidade
para as Potências, acostumadas a fazer política internacional por meio de tratados e decisões
de gabinetes como nos tempos do Concerto da Europa durante o século XIX. A existência de
uma convenção que regia a entidade, bem como de uma assembleia deliberativa com espaço
para todos os países, incluindo os não europeus, fizeram da Liga das Nações, em teoria, a
consolidação dos valores liberais de democracia e do diálogo entre as nações601.

Embora parte da literatura atribua a Immanuel Kant a origem de um pensamento


liberal de ordenamento do sistema internacional602, a ideia para uma paz duradoura é anterior
ao filósofo prussiano. Foi o abade francês Charles de Saint-Pierre, no contexto da elaboração
do Tratado de Utrecht (1712-1713), que definiu um “projeto de paz perpétua” – nome que
seria retomado por Kant em seu projeto filosófico – a fim de criar uma “paz verdadeira” que

597
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, p. 94.
598
BECKER, Jean-Jacques. O Tratado de Versalhes. Tradução de Constancia Egrejas. São Paulo:
Unesp, 2011, pp. 149-150.
599
Para Rodrigo Medina Zagni, todavia, a ideia da criação da Liga das Nações foi pela primeira vez
aventada em um memorando do Foreign Office para Llyod George no outono de 1916. ZAGNI,
Rodrigo Medina. Identidades em Guerra: Imperialismo e cultura nas relações entre Estados Unidos e
América Latina durante a Segunda Guerra Mundial (os casos de Brasil, Argentina e México). Curitiba:
CRV, 2015, p. 186.
600
Ibid., pp. 151-152.
601
DUNBABIN, J. P. “The League of Nations’ place in the International System”. In: History.
Volume 78, Issue 254, 1993, pp. 431-433.
602
Cf., por exemplo, Rodrigo Medina Zagni: “Todas as teorias liberais que se referem à ordem
internacional têm origem no pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant, cujos pressupostos
fundamentais do que designou como ‘ordem republicana’ foram expostos na obra ‘A Paz Perpétua”,
de 1795”. ZAGNI, R. M. op. cit., p. 188.
175

impedisse o apelo às armas do mais forte para a conquista. Tal paz seria fruto de uma “aliança
geral e perpétua para a preservação, a cada um dos aliados, do território e de todos os direitos
que eles possuem efetivamente pelos últimos tratados”603. O abade ainda definiu, no quinto
artigo de seu projeto, que seria necessária uma “assembleia perpétua” sediada em uma
determinada cidade que definiria todas as questões concernentes à segurança e ao bem comum
dos aliados. Contudo, Saint-Pierre advertia que

[...] para realizar uma liga indissolúvel entre os soberanos, é absolutamente


necessário que renunciem à via da guerra na solução das disputas que não
mais podem ser de grande importância, visto que todos terão preservadas
suas posses atuais, e a sucessão dos soberanos será regulada e limitada pela
grande aliança.
[...] Sem uma liga defensiva geral e duradoura não pode haver esperança da
cessação dos males e crimes das guerras civis e estrangeiras, nenhuma
esperança de concórdia e tolerância entre Nações cristãs divididas pelo
Cisma e por Dogmas604.

Mais tarde, Jean-Jacques Rousseau reconheceu o esforço do abade em pensar um


organismo supranacional que tentasse regular o ímpeto de conquista e guerra de alguns
soberanos, mas ressaltava que “os mesmos príncipes que a defenderiam com todas as suas
forças se ela [uma aliança de nações europeias] existisse, opor-se-iam agora da mesma forma
à sua execução, e impedi-la-ão, infalivelmente, de se estabelecer como a impediriam de se
extinguir”605. Na última década do século XVIII, Kant retomou a ideia do abade Charles de
Saint-Pierre, numa chave de leitura republicana e liberal – ainda que o filósofo prussiano visse
na natureza, a grande artista, a garantidora da paz perpétua na medida em que ela garantiria o
triunfo do direito606 – sobre uma liga de Estados soberanos que “deveria ser distinta do tratado
de paz em que este simplesmente procura pôr fim a uma guerra, aquela [liga], porém, a todas
as guerras para sempre”607. Contudo, diferentemente do abade, Kant não acreditava que o
projeto de paz deveria ser relegado às mãos dos príncipes, mas à lei, isto é, ao direito, que
junto com a moral e a política formam o tripé da sua obra sobre a paz perpétua608. Para
Rodrigo Medina Zagni:

603
SAINT-PIERRE, Charles de. “Resumo do projeto de Paz Perpétua (1713)”. In: ISHAY, M. op. cit.,
p. 192.
604
Ibid., pp. 197-199.
605
ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Julgamento sobre a Paz Perpétua (1756)”. In: ISHAY, M. op. cit., pp.
201-202.
606
LIMA, Francisco Jozivan Guedes de. “As condições de possibilidade de efetivação da paz perpétua
segundo Kant” In: Opinião Filosófica. Porto Alegre: PUC-RS, Jul/Dez. de 2010, n. 2, v.1, p. 130.
607
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Porto Alegre: L&PM Pocket, edição para Kindle, posição 293.
Grifos do autor.
608
LIMA, F. op. cit.
176

Fundamentalmente a ordem internacional kantiana deveria estar assentada


nos valores republicanos liberais: igualdade entre seus cidadãos,
representatividade política e a separação dos poderes, assim formada por
Estados organizados politicamente como repúblicas; Estados que deveriam
conformar uma federação na qual cada membro teria equidade de direitos em
relação aos demais; e, por fim, o livre câmbio, garantido por lei, de
benefícios e ideias entre os Estados confederados. A paz kantiana no sistema
internacional estaria fundada na manutenção do comércio transnacional e no
desenvolvimento econômico, fomentadas e garantidas por uma federação de
Estados regida pelos princípios liberais609.

Contudo, a equidade de direitos entre os membros da liga idealizada pelos


pensadores do século XVIII encontrava limites no arranjo de poder do sistema internacional.
O próprio abade Charles de Saint-Pierre propôs um sistema de votação para a assembleia que
diferenciasse os Estados de acordo com a sua renda610. A diferenciação entre nações em um
eventual arranjo para a segurança coletiva também esteve presente na organização da Liga das
Nações. A composição do Conselho – organismo que na prática comandava a entidade –
provocou polêmica desde o princípio. O Brasil, mesmo desfrutando do prestígio que tinha,
reclamou que as Potências pareciam haver chegado em um acordo de como funcionaria a
Conferência de Paz e a Liga das Nações mesmo antes de dialogar com as demais nações611.
José Carlos de Macedo Soares, acadêmico que escreveu sobre a retirada do Brasil da Liga das
Nações em 1926, chamou Wilson, Clemenceau, Lloyd George e Orlando de “os quatro
ditadores da paz”612. Epitácio Pessoa afirmou que a presença dos países menores na
conferência era “meramente para dar uma aparência liberal à reunião”613. Tratados como
nações de “interesse limitado”, tais países não seriam contemplados com assentos
permanentes no Conselho, destinados às potências com “interesses gerais”. A fim de aplacar
os ânimos desses países, Wilson propôs em sessão plenária no dia 28 de abril de 1919 – na
qual o Pacto da Liga foi aprovado – que Brasil, Bélgica, Espanha e Grécia ocupassem os
assentos eletivos no Conselho614. A disputa para se perpetuar no Conselho foi constante
durante a década de 1920. Seja se reelegendo para os assentos eletivos, seja pleiteando um
assento permanente, as nações excluídas do arranjo original das Potências buscavam apoio

609
ZAGNI, R. M. op. cit., p. 189.
610
SAINT-PIERRE, C. op. cit., p. 196.
611
BECKER, J. op. cit., p. 153.
612
SOARES, José Carlos de Macedo. O Brasil e a Sociedade das Nações. Paris: A. Pedone, Editor,
1927, p. 78.
613
HILTON, Stanley. “Brazil and the Post-Versailles World: elite images and foreign policy strategy,
1919-1929”. In: Journal of Latin American Studies. Cambridge University Press, Vol. 12, No. 2, Nov.
1980, p. 342.
614
SOARES, J. op. cit., p. 69.
177

com seus respectivos aliados para alcançar seus objetivos. Essa disputa marcou a participação
brasileira na Liga das Nações.

Após conquistar o direito de ocupar um assento provisório no Conselho, a política


externa do governo Epitácio Pessoa na Liga passou a ser discreta. Os diplomatas brasileiros
trabalhavam nas comissões internas do órgão, como na Corte Permanente de Justiça
Internacional ou na relatoria de contendas entre outros países615. Para Braz Baracuhy:

Durante o governo do presidente Epitácio Pessoa (1919-1922), o Brasil


manteve na Liga postura low profile, não raro reativa. O ideal de poder na
ordem multilateral era perseguido como um direito, como uma demanda
justa que seria oportunamente reconhecida dentro do espírito de civilidade
que inspirava aquela ordem616.

Porém, o comportamento da diplomacia brasileira mudaria substancialmente no


governo seguinte. A partir de 1923, no governo de Artur Bernardes, o Brasil tentou
obstinadamente obter um assento permanente no Conselho da Liga das Nações, após anos de
reeleições consecutivas para uma das vagas eletivas, numa questão que o próprio presidente
definiu como “vencer ou não perder”617. Ao fracassar nesse objetivo, em 1926, Bernardes
ordenou a retirada do Brasil da entidade, o que foi feito depois do representante brasileiro
vetar a entrada da Alemanha na Liga, o que havia sido acertado entre as Potências no Tratado
de Locarno em 1925. Assim, a participação do Brasil na Liga das Nações passou para a
historiografia como um “fiasco”, encampando parte da opinião pública mundial à época que
elegeu o país como bode expiatório dos problemas que pairavam em torno das Potências
europeias e ameaçavam o equilíbrio de poder no continente. Contudo, conforme Norma Breda
dos Santos alerta, o “fiasco” deve ser colocado em um contexto maior, de crise da diplomacia
mundial nas negociações multilaterais618. Além disso, resumir à crise a participação do Brasil,
como faz José Carlos Macedo Soares em livro de 1927619 não nos permite ver como a
diplomacia nacional trabalhou nos fóruns da Liga das Nações para angariar prestígio para o
país, ao mesmo tempo em que tentava se inserir em questões mais abrangentes do que aquelas
que orientavam uma política externa hemisférica, resumida às Américas. Foi nesse sentido
que o governo Epitácio Pessoa mostrou interesse nas reivindicações dos armênios, tentando

615
GARCIA, E. op. cit., 2006, pp. 350-357.
616
BARACUHY, B. op. cit., p. 377.
617
GARCIA, E. op. cit., 2000; SANTOS, Norma Breda dos. “Diplomacia e fiasco. Repensando a
participação brasileira na Liga das Nações: elementos para uma nova interpretação”. In: Revista
Brasileira de Política Internacional. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 46
(1), 2003, p. 97.
618
SANTOS, N. op. cit., p. 106.
619
SOARES, J. op. cit.
178

instrumentalizá-las, aproveitando o momento do humanitarismo no Ocidente para angariar


capital político no sistema internacional.

No pós-guerra, ao ser convidado para a Conferência de Paz de Paris com direito a


três delegados e gozar da simpatia de Woodrow Wilson, o Brasil viveu o período definido
pelo historiador Clodoaldo Bueno como a “ilusão de poder”620. Quando da formação da Liga
das Nações, os EUA, idealizadores da entidade, não puderam participar oficialmente por
conta da não ratificação do Tratado de Versalhes pelo Congresso. Para Rodrigo Medina
Zagni, citando Charles Kupchan, Wilson carecia de apoio interno para suas pautas de política
externa621. A ausência dos norte-americanos fez com que o Brasil se colocasse como o
representante das nações americanas na entidade, buscando agir, de acordo com Eugênio
Garcia, como mediador das potências e dos países menos influentes622. Todavia, com o passar
do tempo a tese brasileira do “mandato implícito” do Brasil – na formulação de Gastão da
Cunha, primeiro representante brasileiro em Genebra – para falar em nome dos interesses
americanos caiu por terra com as constantes divergências entre as proposições brasileiras e
dos demais países do continente623. Clodoaldo Bueno resume da seguinte forma a “ilusão de
poder” brasileira:

[...] o país, na década de 1920, adquiriu uma sensação de autoconfiança e


superestimação de seu peso internacional, decorrente de sua participação,
ainda que modesta, na política mundial em razão de sua entrada na Grande
Guerra e subsequente atuação nas conferências de paz e no Conselho da
Sociedade das Nações, como membro eleito.
O Brasil de entreguerras, na frente internacional, mostrava-se como uma
nação satisfeita consigo mesma. [...] Comparecia o Brasil às conferências
internacionais americanas e às reuniões do Conselho da Liga das Nações
com a ilusão de estar participando das decisões internacionais. [...] havia
uma política de busca de prestígio que se traduzia no afã de elevar o Brasil à
condição de membro efetivo do Conselho Executivo da Liga das Nações624.

A postura brasileira de servir como lugar-tenente dos EUA na Liga das Nações –
mesmo que muitas vezes isso fosse apenas instrumento retórico – é perceptível desde 1920,
primeiro ano de funcionamento da entidade, em questões que extrapolavam a América Latina
e o escopo geopolítico e diplomático que o país tradicionalmente mantinha. Mas o
alinhamento do Brasil com os EUA é anterior às negociações em Genebra e data dos
primeiros anos da República, fortalecido durante a chancelaria do Barão de Rio Branco entre

620
CERVO, A. & BUENO, C. op. cit., p. 215.
621
ZAGNI, R. M. op. cit., p. 187.
622
GARCIA, E. op. cit., 2000, p. 57.
623
Idem, 2006, p. 393.
624
BUENO, C. & CERVO, A. op. cit, pp. 216-217.
179

1902 e 1912. Para Clodoaldo Bueno, o chanceler soube apreender o momento norte-
americano no sistema internacional, que já ocupava o posto de maior economia mundial e era
o parceiro comercial mais importante do Brasil, ultrapassando a tradicional aliada Grã-
Bretanha625. Foi também durante o período que Rio Branco esteve à frente da política externa
brasileira que a legação do país em Washington foi promovida a embaixada – 1905 –
ocorrendo o mesmo com a representação diplomática norte-americana no Rio de Janeiro. A
atitude brasileira selou a corroboração brasileira ao corolário Roosevelt que pregava a
intervenção enérgica norte-americana no continente americano ante a interferência europeia
nos assuntos continentais626. A proximidade entre os países foi sustentada pelos sucessores de
Rio Branco na pasta e sedimentada pela entrada do Brasil na Grande Guerra ao lado dos EUA
e da Entente, mas também com o envolvimento brasileiro em questões da política externa
norte-americana que extrapolavam os limites do continente.

5.3 A causa armênia na Liga das Nações

Com a derrota dos impérios Alemão, Austro-Húngaro e Otomano na Grande


Guerra, as minorias que compunham esse último buscaram independência. Os armênios,
maior grupo não muçulmano do Império Otomano, mobilizaram seus intelectuais e políticos
por todo o mundo para ver seus interesses atendidos na Conferência de Paz de Paris em 1919,
principalmente a constituição de um Estado armênio livre e independente na região oriental da
Anatólia. Coube ao presidente norte-americano arbitrar a questão entre armênios e turcos a
fim de traçar uma fronteira para o país e exercer um mandato até que a chamada “Armênia
wilsoniana” tivesse condições de ser autônoma. O mecanismo do mandato era um recurso
ante a impossibilidade da Liga de mobilizar tropas para todas as regiões em situação de risco
do globo. De acordo com o artigo 22 do Pacto da Liga das Nações:

Os princípios seguintes aplicam-se às colônias e territórios que, em


consequência da guerra, cessaram de estar sob a soberania dos Estados que
precedentemente os governavam e são habitados por povos ainda incapazes
de se dirigirem por si próprios nas condições particularmente difíceis do
mundo moderno. [...] O melhor método de realizar na prática esse princípio
é confiar a tutela desses povos às nações desenvolvidas que, em razão de
seus recursos, de sua experiência ou de sua posição geográfica, estão em
situação de bem assumir essa responsabilidade e que consistam em aceita-

625
BUENO, C. op. cit., p. 145.
626
Ibid., p. 155.
180

las: elas exerceriam a tutela na qualidade de mandatários e em nome da


Sociedade [Liga].
O caráter do mandato deve ser diferente conforme o grau de
desenvolvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições
econômicas e todas as outras circunstâncias análogas627.

Especificamente sobre as minorias que viviam dentro das fronteiras do Império


Otomano, o texto do pacto estabelece que:

Certas comunidades, que outrora pertenciam ao Império Otomano, atingiram


tal grau de desenvolvimento que sua existência como nações independentes
pode ser reconhecida provisoriamente, com a condição de que os conselhos e
o auxílio de um mandatário guiem sua administração até o momento em que
forem capazes de se conduzirem sozinhas. Os desejos dessas comunidades
devem ser levados em consideração em primeiro lugar na escolha do
mandatário628.

Segundo J. P. Dunbabin, o Conselho da Liga das Nações cogitou a possibilidade


da própria entidade assumir o mandato sobre a Armênia, mas essa “batata quente”, nos termos
do autor, teria sido passada para os EUA629. Contudo, a troca de correspondência entre a
Presidência do Conselho e as Potências Aliadas revela uma história um pouco diferente. Em
março de 1920, o Conselho Supremo das Potências Aliadas, ainda no contexto da Conferência
de Paz, perguntou ao Conselho da Liga se esse órgão poderia assumir o mandato em nome da
entidade. No mês seguinte, o Conselho respondeu que, embora a constituição do Estado
armênio merecesse a simpatia e atenção do “mundo civilizado”, a entidade não possuiria
meios financeiros e militares para proteger eficazmente a Armênia, de forma que o mandato
deveria ser confiado à alguma nação soberana sob supervisão da Liga. Entretanto, essa nação
ou grupo de nações deveria observar algumas condições: 1) cuidar da retirada das tropas
turcas dos territórios que seriam destinados à Armênia no Tratado de Paz; 2) constituir um
exército para a República Armênia com auxílio das Potências; 3) garantir acesso ao mar por
meio do porto de Batumi e; 4) estabelecer um sistema financeiro na Armênia por meio de
empréstimos assegurados pelas Potências de forma a garantir serviços públicos básicos630.
Interessante notar que as missivas enviadas pela Liga mencionam repetidamente o papel das
Potências na estabilização da situação, ainda que houvesse uma nação mandatária que poderia
estar ou não no rol dos países mais poderosos do mundo, o que de certa maneira dá a
dimensão de quanto o mandato era de complexa execução. Essa complexidade fica ainda mais
627
PACTO DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES. In: ISHAY, Micheline R. op. cit., p. 498. Grifos nossos.
628
Idem. Grifos nossos.
629
DUNBABIN, J. op. cit., p. 425.
630
Résumé de la correspondance échangée entre le conseil de la Société et le Conseil Suprême des
Puissances Alliés. Communication faite à l’Assemblée par Mr. Tittoni, le 20 Novembre 1920.
430/1/1225, p. 1 (NAA/RA).
181

visível quando o Conselho Supremo das Potências Aliadas enviou uma carta a Woodrow
Wilson, em 25 de abril de 1920, pedindo que os EUA assumissem o mandato e que o
presidente norte-americano traçasse a fronteira que dividiria a Armênia dos territórios turcos.
Cinco dias depois, chegou a notícia que o Congresso dos EUA recusara o mandato, mas que
Wilson ainda mantinha o compromisso de trabalhar nos limites entre os dois países631.

Em 20 de setembro de 1920, após muita especulação e pouca ação sobre quem


assumiria o mandato632, o Conselho da Liga das Nações consultou o Conselho Supremo das
Potências Aliadas sobre a possibilidade de a questão armênia ser levada à Assembleia da Liga
marcada para 15 de novembro, quando também seria discutida uma ajuda financeira. Um mês
mais tarde, o governo armênio mandou um protesto ao Conselho da Liga sobre agressões de
tropas turcas aos seus territórios, pedindo que a entidade se posicionasse em defesa do
Tratado de Sèvres, assinado poucos dias antes. Porém, a réplica não foi aquela que os
armênios esperavam: o Conselho respondeu que o Tratado ainda não estava em vigor, mas
que as potências signatárias – França, Grã-Bretanha, Itália e Japão – assegurariam sua
execução. Ainda no mesmo mês, o Conselho relembrou as Potências da possibilidade de tratar
da questão no contexto da Assembleia da Liga, quando também seria discutida a admissão da
República Armênia como membro633.

Em 10 de novembro de 1920, o primeiro-ministro britânico Llyod George


comunicou ao Conselho da Liga que as Potências fariam um grande esforço para ajudar
militarmente a Armênia, o que incluiria o envio de armas e combustível. Porém, na mesma
missiva, Llyod George afirmou que enquanto Wilson não terminasse de delinear as fronteiras
entre Armênia e Turquia, seria inútil discutir a execução do Tratado de Sèvres634. Em
realidade, o que o primeiro-ministro britânico intencionava era pressionar Wilson para que os
EUA tomassem para si a responsabilidade sobre os armênios e aliviasse a pressão sobre as
Potências nessa matéria. Em abril do mesmo ano, durante a Conferência de San Remo, Lloyd
George havia provocado Wilson dizendo que se os EUA não assumissem o mandato, o
Canadá – então um domínio britânico – teria grande interesse em fazê-lo635, usando do
interesse que uma parcela da sociedade canadense tinha na causa armênia para pressionar o

631
Ibid., p. 2.
632
A historiadora armênia Edita Gzoyan faz uma síntese dos debates em torno desse tema no capítulo
3 de seu livro “A República Armênia e a Liga das Nações”. Cf. GZOYAN, E. op. cit.
633
Résumé de la correspondance échangée entre le conseil de la Société et le Conseil Suprême des
Puissances Alliés. op. cit., p. 3. (NAA/RA).
634
Ibid., p. 4.
635
ADJEMIAN, A. op. cit., p. 91.
182

mandatário do país vizinho a mostrar maior empenho na resolução do problema e tentando


despertar em Washington certo desconforto.

5.4 A “missão humanitária” na Armênia e a “ilusão de poder” brasileira

No dia 25 de novembro o Conselho enviou um telegrama a todos os governos-


membros da Liga das Nações e também aos Estados Unidos sobre resolução aprovada pela
Assembleia três dias antes. A resolução versa que:
A Assembleia, desejosa de colaborar com o Conselho para colocar fim na
maior brevidade possível a horrível tragédia armênia, convida o Conselho a
entrar em contato com os governos para que uma Potência seja encarregada
de tomar as medidas necessárias de forma a pôr termo às hostilidades entre a
Armênia e os kemalistas636.

Nessa mesma missiva, o Conselho da Liga pedia que todos os governos tomem
parte nessa missão em nome da entidade, individual ou coletivamente, que tem um “caráter
altamente humanitário” e não constitui em obrigação permanente.

Entretanto, o telegrama assinado pelo presidente do Conselho da Liga das Nações


Paul Hymans a Woodrow Wilson tinha teor um pouco distinto daquele enviado para os
demais países. Em 25 de novembro, Hymans frisava que a aceitação a esse chamado não
constitui em um mandato tal qual fora pensado antes e recusado pelo senado norte-americano.
De acordo com o presidente, a Liga das Nações jamais forçaria os EUA a fazerem algo que
não fosse de interesse daquele país, ainda que se conviesse considerar a “a alta importância
humanitária” e o “interesse particular de parte do povo americano” na sorte dos armênios637.
Wilson respondeu que ele não estaria autorizado a tomar nenhuma decisão que envolva ajuda
material aos armênios sem a aquiescência do Congresso norte-americano, que havia recusado
auxílio aos armênios alguns meses antes. Todavia, o mandatário dos EUA afirmou que ele
poderia oferecer sua influência junto a outros presidentes para angariar ajuda moral e

636
« L’Assemblée, désireuse de collaborer avec le Conseil pour mettre fin dans le plus bref délai
possible à l´horrible tragédie arménienne, invite le Conseil à s’entendre avec les Gouvernements pour
qu’une Puissance soit chargée de prendre les mesures nécessaires en vue de mettre un terme aux
hostilité entre l’Arménie et les Kémalistes.» Correspondance entre le Conseil de la Société, le
Président des États-Unis d’Amérique et les différents membres de la Société, au sujet de l’Arménie, 25
de novembre de 1920, 430/1/1225 (NAA/RA).
637
Télégramme envoyé par le Conseil de la Société des Nations le 25 novembre 1920 au Président des
Etats-Unis d’Amérique. 430/1/1225, p. 6 (NAA/RA).
183

diplomática das Potências e ele pessoalmente se incumbiria de providenciar um mediador


para os diálogos entre armênios e kemalistas638.

A Espanha foi a primeira nação a acenar positivamente ao apelo da Liga das


Nações, afirmando que apoiaria de forma voluntária toda ação de ordem moral e diplomática
que visasse a consecução da paz entre armênios e turcos. Na sequência, Azevedo Marques,
ministro de relações exteriores do governo Epitácio Pessoa, escreveu ao presidente do
Conselho da Liga afirmando que:
Eu tenho a honra de informar Vossa Excelência que o governo do Brasil está
pronto para contribuir, individualmente ou em conjunto com outras
potências, para pôr termo à situação de sofrimento da Armênia639.

As respostas positivas foram enviadas por Hymans a Wilson, recomendando que o


diálogo com o governo armênio começasse imediatamente, enquanto a Liga procuraria uma
maneira de contatar Mustafá Kemal a fim de iniciar as negociações640. Em paralelo, Hymans
enviou missivas aos chanceleres de Espanha e Brasil agradecendo o apoio nessa matéria e
informando que ambos os países deveriam entrar em contato com Woodrow Wilson que
designaria um mediador para os diálogos641. Também Boghos Nubar – um dos representantes
armênios em Paris – agradeceu a Pessoa pelo envolvimento brasileiro como “mediador na
Armênia” imbuído de “alta solidariedade humana”642.

As respostas dos demais países que replicaram a missiva do Conselho variam


entre a concordância em oferecer apoio moral a Brasil, Espanha e EUA na solução do
problema ou a recusa em tomar qualquer partido na questão. Países como França, Itália e
Bélgica afirmaram que tinham laços antigos com o povo armênio e que proveriam ajuda
diplomática na resolução dos conflitos. Os belgas se colocaram à disposição para acionar seus
diplomatas em Constantinopla a fim de estabelecer diálogo com um representante de Mustafá

638
Réponse du Président des Etats-Unis. 1 de dezembro de 1920, 430/1/1225 (NAA/RA).
639
O comunicado de Azevedo Marques foi publicado pelo The New York Times em 2 de dezembro:
“I have the honor to inform your Excellency that the Government of Brazil is ready to contribute
alone, or jointly with other powers, to put an end to the situation of suffering Armenia”. The New York
Times. Nova York: 2 de dezembro de 1920, pp. 1-2; todavia, a comunicação entre o chanceler
brasileiro e o presidente do Conselho da Liga aconteceu em 30 de novembro de 1920. Cf. Réponse du
ministre des affaires étrangères du Brésil. Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1920, 430/1/1225, p. 11
(NAA/RA).
640
Réponse au Président Wilson. Genebra, 2 de dezembro de 1920, 430/1/1225, p. 12 (NAA/RA).
641
Réponse au Président du Conseil Espagnol. Genebra, 2 de dezembro de 1920, 430/1/1225, p. 13;
Réponse au Ministre des Affaires Etrangères Brésilien. Genebra, 2 de dezembro de 1920, 430/1/1225,
p. 14 (NAA/RA).
642
Etienne Brasil a Avetis Aharonian. Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1920 (ARFA).
184

Kemal643. O primeiro-ministro britânico Llyod George afirmou, por meio de seu secretário de
relações exteriores George Curzon, que a Grã-Bretanha não tem condições de aceitar
individualmente uma missão desse porte, mas que forneceria apoio moral e diplomático644, o
que reforçava o interesse da Coroa em se manter distante dos problemas armênios, já
expressado pelo primeiro-ministro em outras ocasiões. Os delegados do Canadá –
formalmente ainda um domínio britânico, mas que aderiu à Liga como uma nação separada –
recusaram qualquer tipo de apoio, seguindo as diretrizes de seu Primeiro Ministro. Não
obstante, os canadenses advogavam – em vão – que a Armênia fosse aceita como nação-
membro na Liga, apesar da oposição de Londres nessa matéria. No discurso de Newton
Rowell em defesa da admissão, o delegado canadense menciona o apoio brasileiro ao país
caucasiano:

A Assembleia espera sinceramente que os esforços do Presidente dos


Estados Unidos, energicamente apoiados pelos governos de Espanha e Brasil
e pelo Conselho da Liga resultem na preservação da raça armênia e
assegurem a Armênia um governo estável que exerça autoridade em todo o
Estado armênio e que suas fronteiras possam finalmente ser definidas de
acordo com o Tratado de Sèvres, para que então a Assembleia possa admitir
a Armênia como um membro pleno da Liga na sua próxima sessão645.

Países europeus de menor expressão no cenário internacional como Suécia,


Dinamarca, Noruega, Sérvia, Croácia e Eslovênia colocaram empecilhos na consecução da
missão e argumentaram que estariam demasiado envolvidos em problemas internos em seus
países para tomar partido em uma operação desse tipo. Funcionários do Vaticano afirmaram
em troca de correspondência que o Papa Bento XV manifestava satisfação com o arranjo
organizado pela Liga, Brasil e Espanha para solucionar o dissídio entre armênios e turcos646.

643
Télégramme du Gouvernement Belge. Bruxelas, 4 de dezembro de 1920, 430/1/1225, p. 34
(NAA/RA).
644
Télégramme de M. Llyod George a M. Hymans. 2 de dezembro de 1920, 430/1/1225, p. 29
(NAA/RA).
645
“The Assembly earnestly hopes that the efforts of the President of the United States, energetically
supported by the Governments of Spain and Brazil and by the Council of the League, will result in the
preservation of the Armenian race, and in securing for Armenia a stable government exercising
authority throughout the whole of the Armenian State and the boundaries thereof may be finally
settled under the Treaty of Sèvres, so that the Assembly may be able to admit Armenia into full
membership of the League at its next Session”. “The Records of the First Assembly: Plenary Meetings,
p. 588; FO 371/4966, E16014/134/58, 16 de dezembro de 1920” apud ADJEMIAN, A. op. cit., pp.
100-101.
646
Lettera di Mgr Papadopulos a Mgr Cerretti, ACO, Armeni, fasc. 2801/28, nº 5025, Roma 13 de
janeiro de 1921. In: RUYSSEN, Georges-Henri (org.) La Questione Armena: documenti dell’Archivio
della Congregazione per le Chiese Orientali, vol. III. Pontificio Instituto Orientale & Valore Italiano,
2014, pp. 369-370.
185

As réplicas mais solidárias vieram da América Latina. Nações como Haiti,


Uruguai, Honduras e El Salvador ofereceram apoio moral, diplomático e saudaram a aliança
de Brasil, Espanha e EUA para a resolução da contenda. O representante do Panamá destacou
o “espírito humanitário” da missão e que enviaria uma expedição em nome da Liga, desde que
outros países também fizessem o mesmo e o tamanho de cada ajuda fosse proporcional à
população do país apoiador647. A resposta peruana também seguiu o mesmo caminho. Os
chilenos enviaram seus cumprimentos aos representantes armênios em Genebra e ao
arquimandrita dos armênios da Europa, afirmando que seus delegados acompanhariam “com
o maior interesse os assuntos armênios”648. Os representantes da Venezuela afirmaram que o
engajamento na missão havia sido considerado, mas a distância geográfica entre a América do
Sul e a Armênia, bem como problemas internos não permitiram que o plano fosse
concretizado649.

Não é mera casualidade que as respostas mais simpáticas tenham sido oriundas do
continente americano. A Grande Guerra foi o marco de um distanciamento – mas não ruptura
– dos países latino-americanos com o Velho Continente e uma aproximação com os EUA.
Para Olivier Compagnon, a Guerra, vista como o “suicídio da Europa”, causou uma crise de
identidade na América Latina que tinha o Velho Continente como referência, o que fez com
que muitos países se voltassem para o continente americano em busca de novos paradigmas,
levando ao fortalecimento de ideias nacionalistas – sobretudo no plano cultural – e a
consolidação da imagem dos EUA como principal país no cenário internacional, em
substituição à Grã-Bretanha, movimento esse que havia começado em 1904 com o Corolário
Roosevelt650. Nesse sentido, ainda de acordo com o historiador francês, a Guerra foi vista
como um momento de consolidar a posição dos países americanos no sistema internacional,
além de ter sido o momento de Argentina e Brasil reivindicarem o papel de líderes das nações
latino-americanas perante o resto do mundo651.

Enquanto isso, no Brasil, em mensagem ao Congresso, Epitácio Pessoa informou


que “O Brasil, a convite do Conselho Executivo da Liga das Nações, aceitou o encargo de,
juntamente com os Estados Unidos da América e a Espanha, servir de mediador na luta entre

647
Télégramme du Gouvernement de Panama. Sem data, 430/1/1225, p. 18 (NAA/RA).
648
Delegación de Chile a la Sociedad de las Naciones. Genebra, 22 de novembro de 1920 (ARFA).
649
Télégramme du Ministre des Affaires Etrangères du Venezuela. Caracas, sem data, 430/1/1225, p.
32 (NAA/RA).
650
COMPAGNON, O. op. cit., pp. 18-20.
651
Ibid., p. 61.
186

os armênios e os nacionalistas turcos”652. Apesar da admiração pessoal do presidente


brasileiro pelo seu colega norte-americano e por sua política externa de aproximação com os
EUA, o engajamento do Brasil na tentativa de resolução da questão armênia não foi decidido
apenas nos fóruns internacionais. Há que se levar em consideração o papel da fração
diaspórica armênia no Brasil, sobretudo o ativismo de Etienne Brasil, e a capacidade que
esses poucos indivíduos tiveram de influenciar o governo brasileiro a prestar atenção às
reivindicações armênias. Nesse ponto, o intelectual e diplomata armênio soube explorar o
momento da emergência do humanitarismo moderno no horizonte das nações ocidentais e
pedir o apoio de Pessoa a sua causa. Em diferentes momentos, Etienne apelou ao “alto espírito
humanitário” ou a “ação humanitária” do Brasil no que tange aos armênios653 a fim de
convencer o presidente de que seu apoio significava mais do que o auxílio a um país
específico, mas a uma causa de interesse de toda a humanidade, o que seria importante para a
imagem do Brasil junto as demais nações, sobretudo perante Wilson.

A partir da perspectiva da política externa brasileira, o caso é revelador do lugar


que a elite política nacional acreditava que o país ocupava no sistema internacional na virada
dos anos 1910-20. Ao enviar a mensagem, o Ministro Azevedo Marques afirma que o Brasil
pode atuar individual ou coletivamente, junto com outras Potências na Armênia, ou seja, a
imagem que o Brasil projetava de si era a de um país que já figurava entre as potências
mundiais. Portanto, assumir alguma responsabilidade sobre a questão armênia era provar às
Potências que o Brasil estava pronto e disposto a se envolver nos problemas globais, mesmo
que esses estivessem bem distantes da tradicional política hemisférica brasileira, cuja área de
atuação por excelência era o continente americano, mais notadamente sua fração sul. O
envolvimento da Espanha na querela também é sintomático: tanto Brasil quanto a nação
ibérica buscavam um assento permanente no Conselho da Liga das Nações, onde ambos
ocupavam um assento temporário. Também interessava, especialmente a Epitácio Pessoa, o
envolvimento em uma questão sobre a qual o presidente norte-americano pessoalmente se
empenhava para encontrar uma resolução. Era notória a admiração que o presidente brasileiro
nutria por Wilson e pelos EUA, sobretudo após viagem realizada àquele país ao regressar da
Conferência de Paz de Paris em 1919, já na condição de Presidente da República eleito654.

652
PESSOA, Epitácio. Mensagens ao Congresso. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1956,
vol. XVII (Obras Completas de Epitácio Pessoa), p. 255.
653
Etienne Brasil a Epitácio Pessoa. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1921, 281/2/4 (AHI).
654
GARCIA, E. op. cit., 2006, p. 83.
187

Assim, o envolvimento do Brasil não foi motivado apenas pelo apelo humanitário
amplamente explorado pela diplomacia armênia. Ainda que houvesse na imprensa do país
uma cobertura razoável do que acontecia na Armênia, bem como um número de imigrantes
que começavam a se organizar e ganhar visibilidade na sociedade receptora, não houve uma
comoção nacional em prol das vítimas do genocídio, como aconteceu nos EUA, que
legitimasse internamente a atitude do governo Epitácio Pessoa. O interesse na questão
armênia era pragmático e motivado por dois objetivos: I) estreitar laços diplomáticos com os
EUA e; II) garantir um assento permanente no Conselho da Liga das Nações. Conforme Braz
Baracuhy: “a grande estratégia de um país deve ser compreendida, em seu sentido amplo,
como uma concepção geral sobre a posição futura que este busca no sistema internacional”655.
Nesse sentido, a estratégia utilizada pelas elites de política externa do Brasil para alcançar a
posição que o país buscava – em curto prazo, o assento permanente no Conselho da Liga das
Nações – foi instrumentalizar uma questão humanitária para demonstrar as credenciais
brasileiras a fim de ocupar o espaço pleiteado.

A anexação da Armênia pela Rússia Bolchevique e a posterior substituição do


Tratado de Sèvres de 1920 – que reconhecia o território armênio na Anatólia – pelo Tratado
de Lausanne, de 1923, arrefeceram a questão armênia no âmbito internacional. Entretanto, o
interesse mundial pelo que acontecia com os armênios no interior do Império Otomano, bem
como para com os que emigravam e formavam a numerosa diáspora que se espalhou pelas
principais cidades das Américas e Europa, inaugurou o humanitarismo moderno, pois pela
primeira vez na história contemporânea discutia-se intervenção internacional em casos de
“crimes contra a humanidade”656 a fim de manter a “segurança coletiva”, conforme previa a
Liga das Nações. É evidente, porém, que o humanitarismo estava em simbiose com o
colonialismo ocidental e a sua missão civilizadora que regia, por exemplo, a ideia de mandato
para povos incapazes de se autogovernarem. Ambos emergiam nos vácuos de poder deixados
por Estados decadentes como o Império Otomano657.

655
BARACUHY, B. op. cit., p.365.
656
Em maio de 1915, França, Grã-Bretanha e Império Russo emitiram um documento conjunto
declarando o Império Otomano responsável pelos “crimes contra a humanidade” cometidos dentro de
suas fronteiras contra o povo armênio. POWER, S. op. cit., p. 29. Cf. também HOLQUIST, Peter. The
Russian Empire as a “Civilized State”: International Law as Principle and Practice in Imperial Russia,
1874-1878. Washington, D.C.: The National Council for Eurasian and East European Research, 2004.
657
WATENPAUGH, Keith David. “The League of Nations’ rescue of Armenian genocide survivors
and the making of modern Humanitarianism, 1920-1927”. In: The American Historical Review.
Chicago: The University of Chicago Press, Vol. 115, No. 5, 2010, pp. 1319-1321.
188

Em 1º de março de 1922, Artur Bernardes foi eleito Presidente da República, o


que marcou uma virada na postura brasileira em relação à Liga das Nações. Se Epitácio
Pessoa era um entusiasta da entidade que viu nascer na Conferência de Paz de Paris,
Bernardes encarava a instituição sediada em Genebra como um espaço para angariar prestígio
político a fim de capitalizá-lo a seu favor no plano interno. Observadores internacionais
acreditavam que se não conseguisse o que almejava, isto é, o assento permanente no
Conselho, o Brasil iria perder o interesse no organismo e abandoná-lo658. Segundo seus
críticos contemporâneos, é na necessidade de Bernardes de usar a política externa do Brasil
para aplacar a opinião pública nacional que reside a gênese da crise que levou o país a sair da
Liga das Nações em 1926659. Entretanto, é necessário colocar essa questão em perspectiva,
conforme lembra Norma Breda dos Santos, a fim de observar que também no plano
internacional havia um cenário instável e delicado, o qual E. H. Carr chamou de “vinte anos
de crise”660. Braz Baracuhy, em análise complementar, entende a crise de 1926 como o
choque da geopolítica europeia com a ordem multilateral, duas instâncias da política
internacional que até então funcionavam paralelamente, ainda que interligadas. De acordo
com o autor: “(...) longe de representar um ‘fiasco’ total, o episódio de 1926 significou uma
vitória – ainda que efêmera – do multilateralismo nas relações internacionais”661.

Há um entendimento bastante difundido na historiografia sobre o século XX de


que a Liga das Nações foi uma instituição fracassada, uma vez que não foi capaz de evitar que
outro conflito mundial fosse deflagrado em 1939. Não raramente, essa acepção desacredita
pesquisas que buscam lançar um novo olhar para a história da entidade. Nas palavras da
historiadora canadense Margaret MacMillan: “é difícil hoje imaginar que tal projeto pôde ser
levado a sério. Apenas um punhado de historiadores excêntricos ainda se dão o trabalho de
estudar a Liga das Nações”662. Eric Hobsbawm também tem uma opinião negativa sobre a
Liga e a define como “um quase completo fracasso, exceto como uma instituição de coleta de
estatísticas”663. Essa impressão extrapolou a academia e também é lugar comum nas mentes

658
HILTON, S. op. cit., p. 352.
659
“O ambiente da política doméstica tornou-se afinal irrespirável e nada mais natural que tivesse
sugerido ao ditador da política externa um derivativo fácil e brilhante para as dificuldades que ele
próprio amontoou. Eis aí a gênese do episódio brasileiro na crise da Sociedade das Nações em 1926”.
SOARES, J. op. cit., pp. 13-14.
660
SANTOS, N. op. cit., p. 87.
661
BARACUHY, B. op. cit., p. 368.
662
MACMILLAN, M. op. cit., 2004, p. 99.
663
“[…] an almost total failure, except as an institution for collecting statistics”. HOBSBAWM, E.
op. cit., 1996, p. 34.
189

de alguns tomadores de decisões, como dos norte-americanos que comandaram a invasão ao


Iraque em 2003 à revelia da ONU e a compararam com “a ineficaz Liga das Nações”664.

Curiosamente, também é fácil encontrar na literatura especializada a afirmação


que a II Guerra Mundial foi consequência da Grande Guerra iniciada em 1914 e, sobretudo,
do processo de paz mal alinhavado pelas potências vencedoras que submeteram a Alemanha a
pesadas sanções. Nesse sentido, é comum considerar o Tratado de Versalhes, nas palavras de
Jean-Jacques Becker, “a antecâmara da Segunda Guerra”665. Assim, nos encontramos numa
encruzilhada: se o processo de paz fundamentado nos “Catorze Pontos” de Woodrow Wilson
e no Tratado de Versalhes foi o principal responsável pela gestação das condições que
tornariam o conflito iniciado em 1939 possível, seria leviano responsabilizar a Liga das
Nações – que era apenas um dos vários elementos previstos nos tratados do pós-guerra – pela
eclosão da II Guerra Mundial. Rotular a Liga como uma instituição fracassada por não evitar
outra guerra superestima o escopo de uma entidade que desde o início não contava com a
presença dos EUA, Alemanha e Rússia, três players cruciais no sistema internacional do
primeiro quartel do século XX. Insistir na chave de leitura da Liga das Nações que a encara
como uma experiência malsucedida e, por isso, de importância reduzida, é obliterar a
relevância de alguns de seus feitos como, por exemplo, a criação da Organização
Internacional do Trabalho em 1919, organismo multilateral posteriormente aglutinado pela
ONU. Também é indiscutível a importância da Liga no controle das epidemias de cólera e tifo
no Leste Europeu, na criação de uma justiça internacional sediada em Haia, no combate ao
tráfico de mulheres e crianças e à escravidão666. Nas palavras de Hans Kohn, a Liga foi “[...] o
passo mais promissor e mais ousado nas relações internacionais” até aquele momento667.

Contudo, a maior contribuição da Liga das Nações foi no sentido de servir como
lócus de reivindicações de países de menor expressão no sistema internacional, de minorias
étnicas não contempladas em Estados nacionais com fronteiras delimitadas e também no trato
com os refugiados e apátridas oriundos principalmente do genocídio de armênios, assírios e
gregos no Império Otomano a partir de 1915. O momento no qual a Conferência de Paz de
Paris, o Tratado de Versalhes e a Liga das Nações se materializou foi definido pelo
historiador Erez Manela como o “momento wilsoniano” quando minorias, povos colonizados

664
POWER, Samantha. O Homem que Queria Salvar o Mundo: uma biografia de Sérgio Vieira de
Mello. Tradução de Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 20.
665
BECKER, J. op. cit., p. 201.
666
DUNBABIN, J. op. cit., p. 435.
667
Apud ZAGNI, R. M. op. cit., p. 187.
190

e países independentes de menor peso colocaram suas demandas em pauta, ainda que para
muitos deles o feedback não tenha sido o esperado. Portanto, trata-se, como Manela defende,
de remover as lentes eurocêntricas da análise da história dos acontecimentos de 1919 para
poder enxergar as experiências vividas pelos povos não europeus nesse contexto e a expansão
da sociedade internacional no século XX668.

Tanto Brasil quanto os armênios tentaram aproveitar esse momento da política


internacional para buscar um maior espaço na nova ordem mundial. Para Epitácio Pessoa, o
crescente prestígio do Brasil no cenário internacional era útil para sua imagem interna e a sua
consolidação enquanto líder nacional. Ao contrário do que acontecia tradicionalmente com os
ocupantes do Catete, Epitácio Pessoa não tinha uma grande oligarquia por detrás. Sua escolha
para a presidência era um marco de uma mudança geracional nas elites políticas brasileiras e
foi um dos poucos pleitos durante a Primeira República no qual não houve acordo pré-
estabelecido entre as forças oligárquicas, resultando em uma disputa real669. Após impasse
entre as principais forças políticas nacionais – Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul –
o nome do político paraibano, que estava no momento a serviço do governo na Conferência
de Paz de Paris, ganhou força, não obstante a oposição de Rui Barbosa que desejava se lançar
candidato. A historiadora Cláudia Viscardi chama a atenção para o pertencimento de Pessoa a
um estado “fraco”, o que reduzia seu poder de ação e barganha na política nacional. Contudo,
a fragilidade do Catete também gerou certa autonomia a Pessoa, que conseguia levar a cabo
seus projetos enquanto o Congresso – sobretudo os representantes das elites mineiras – se
preocupava com os rumos da política interna670. Com isso em mente, podemos fazer uma
leitura da política externa brasileira no governo Epitácio Pessoa e como Etienne Brasil
conseguiu inserir a causa armênia na sociedade brasileira e na agenda do Itamaraty.

Pessoa era visto como americanófilo por seus críticos, incluindo Rui Barbosa, que
via no paraibano e em Domício da Gama dois políticos “ultra-americanistas”671. Para Eugênio
Vargas Garcia, a escolha de Pessoa para a presidência agradou a Washington, que intensificou
uma postura de simpatia para com o Brasil na Conferência de Paz de maneira a cooptar
definitivamente o mandatário brasileiro para a sua área de influência. É nesse contexto que
surgiu a oportunidade de o Brasil ocupar um assento temporário no Conselho da Liga das

668
MANELA, E. op. cit., p. xii-5.
669
VISCARDI, Cláudia. O Teatro das Oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo
Horizonte: C/Arte, 2001, pp. 54-71.
670
Ibid., p. 285.
671
GARCIA, E. op. cit., 2006, pp. 62-63.
191

Nações e em uma comissão que negociaria com a Alemanha as reparações do pós-Guerra672.


Contudo, a postura “desinteressada” do Brasil, de acordo com o termo de Domício da Gama,
deu lugar a uma ação bastante pragmática no que tange a liberação do dinheiro oriundo da
venda de café brasileiro apreendido em portos europeus e de navios alemães confiscados no
litoral do país, cuja retomada de controle era a prioridade de Epitácio Pessoa. Com a
intermediação de Wilson, ambas as questões foram resolvidas de maneira provisória,
postergando uma solução definitiva para outro momento. Garcia resume da seguinte maneira
a ação brasileira da Conferência:

A Conferência como um todo progrediu do idealismo romântico inicial ao


apego ferrenho de cada país a seus interesses mais imediatos. Nesse
contexto, as potências menores desempenharam o papel de suplicantes no
butim da vitória que às grandes potências cabia repartir. Ao insistir na
obtenção de seu quinhão, em especial na questão dos navios ex-alemães, o
Brasil adotara a mesma postura de auto-interesse que se tornou generalizada
em Paris. A delegação brasileira transitou da defesa dos direitos das
potências menores, cristalizado no princípio da igualdade jurídica entre os
Estados, à adesão ao princípio da classificação hierárquica das potências,
expresso na composição diferenciada entre membros permanentes e
temporários do Conselho da Liga das Nações673. (grifos nossos)

No retorno ao Brasil após a Conferência de Paz e já como presidente eleito,


Pessoa fez visitas oficiais a diversos países europeus, com uma grande escala nos EUA, antes
de ancorar no Rio de Janeiro, onde tomou posse em 28 de julho de 1919. Um dia após chegar
ao país, o político paraibano inaugurou na capital federal a Avenida Woodrow Wilson,
mostrando assim o tamanho da admiração pessoal que nutria para com o mandatário norte-
americano674. O Ministério de Pessoa era composto “na maioria”, segundo avaliação de
Edgard Carone, “[...] de políticos medíocres e, em geral, desligados do sistema dominante dos
grandes Estados”675, o que incluía o paulista José Manuel de Azevedo Marques, “sem
expressão política e sem ligação com o PRP [Partido Republicano Paulista]”, escolhido para a
pasta de Relações Exteriores “exclusivamente por ser amigo pessoal do Sr. Epitácio – e por
ser um homem sabidamente estudioso e inteligente” 676, preterindo assim Domício da Gama,
favorito para assumir o cargo. A escolha de Azevedo Marques, figura sem experiência em
política internacional, é vista por Eugênio Vargas Garcia como uma tentativa de Pessoa de

672
Ibid., pp. 66-68.
673
Ibid., p. 75.
674
Ibid., pp. 79-84.
675
CARONE, Edgard. A República Velha: evolução política (1889-1930). São Paulo: Difel, 1983, 4ª
ed. v.2, p. 334.
676
Ibid., p. 335.
192

concentrar a política externa em suas mãos677. A Domício da Gama restou ocupar a


representação brasileira junto à Liga das Nações, junto com Gastão da Cunha e Joaquim
Nabuco, após recusa de Rui Barbosa ao convite de Pessoa para essa missão.

Em seu primeiro discurso nos fóruns da Liga das Nações, Gastão da Cunha dava o
tom da retórica brasileira no Conselho da entidade, aproveitando o status de única nação
americana no órgão e o “mandato implícito” que o país teria recebido dos Estados Unidos
para agir como líder do continente. De acordo com Garcia:

Coerente com sua nova projeção mundial, o Brasil gradualmente começou a


estabelecer relações diplomáticas com os novos Estados constituídos em
consequência dos tratados de paz na Europa e alhures. Em 26 de maio de
1920, o Brasil reconheceu formalmente a independência da Polônia, da
Tchecoslováquia e da Finlândia. Em agosto do mesmo ano, foram
reconhecidos os Estados da Islândia e da Áustria e, em novembro, da
República da Armênia. Em 23 de março de 1921, eram criadas legações do
Brasil em Varsóvia e em Praga. Finalmente, em dezembro de 1921, o Brasil
reconheceu a soberania dos três países bálticos: Lituânia, Estônia e
Letônia678. (grifos nossos)

O reconhecimento brasileiro à independência da República Armênia vem ao


encontro justamente dessa nova fase da política externa nacional que preconizava, por um
lado, as relações com os EUA e demais Potências, vistas como parte do mesmo grupo de
nações que o Brasil, mas também com os países emergentes e recém-independentes, cuja a
atenção dispensada pelo Itamaraty indicava a posição de liderança que o país buscava no
sistema internacional, ao se relacionar com nações de menor peso. Por outro lado, o interesse
brasileiro na Armênia possui alguns pormenores. O primeiro e mais evidente é o grande
interesse pessoal de Wilson na questão armênia e na sobrevivência da pequena república
estabelecida no Sul do Cáucaso. Dada a admiração de Pessoa por Wilson e o alinhamento da
política externa brasileira com a agenda norte-americana, é compreensível que o Rio de
Janeiro seguisse Washington também no que diz respeito aos armênios. Porém, devemos
assumir que o reconhecimento brasileiro à República Armênia e a tentativa de criação da
força-tarefa a fim de pôr termo aos conflitos entre turcos e armênios não podem ser totalmente
explicados apenas por uma leitura da política internacional. Há que se considerar as forças
que pressionavam Epitácio Pessoa internamente para que algo fosse feito em resposta ao
sofrimento dos armênios, tanto no Cáucaso quanto nos campos de refugiados no Oriente
Médio.

677
GARCIA, E. op. cit., 2006, p. 84.
678
Ibid., p. 89.
193

A autonomia do Catete na condução de algumas pautas da política nacional – o


que inclui o Itamaraty, sobretudo por conta do perfil de Azevedo Marques, pouco hábil no
trato com os diplomatas, mas sempre disponível nos círculos sociais cariocas679 – permitiu
com que demandas trazidas por agentes externos tivessem ressonância no governo. Nesse
sentido, a ação de Etienne Brasil junto ao Itamaraty e ao Catete demonstra como o intelectual
agia como um ator diaspórico ativo, pois operava de forma a influenciar a política externa da
sociedade receptora a fim de dirigi-la em direção à consecução de um objetivo que
beneficiaria a pátria-mãe por meio da criação de um grupo de interesse680.

Contudo, a capacidade dessas forças diaspóricas de interferir na sociedade


receptora depende de algumas condições. Para Nedim Ogelman, Jeannette Money e Philip
Martin, dois fatores devem ser observados nesse sentido: 1) a coesão do grupo imigrante
baseada nas suas capacidades organizativas e materiais e; 2) o acesso que esse grupo tem aos
corredores do poder político, de maneira institucional681. No caso em tela, a coesão era
facilitada pelo número diminuto de armênios no Rio de Janeiro e pela presença de Mihran
Latif, cuja fortuna e prestígio social e político garantiam a operacionalidade do projeto de
Etienne e a adesão dos compatriotas. O acesso aos corredores do poder, inicialmente, era
garantido por relações pessoais construídas nos salões do Rio de Janeiro. O pertencimento de
Latif à alta sociedade carioca, além de seus laços e amizade com figuras como Pedro II,
Epitácio Pessoa, Rui Barbosa e Artur Bernardes garantia portas abertas a ele e aos seus
arautos, o que incluía o diplomata armênio e suas reivindicações. O próprio Etienne Brasil,
todavia, conseguiu construir sua própria rede de contato, primeiro através de seus serviços
prestados como tutor e educador de algumas figuras proeminentes no Rio de Janeiro dos anos
1910 e depois como articulista, escritor e diplomata, o que lhe garantia espaços tanto na
sociedade civil – imprensa e instituições educacionais – quanto nos corredores do Catete e
Itamaraty. Entretanto, Etienne percebia a necessidade de institucionalizar o lobby e, por isso,
em diversos momentos dos anos 1910, ele buscava se posicionar enquanto membro de alguma
entidade, seja o Instituto Histórico e Geográfico Fluminense, o Centro Oriental, o Centro
Armênio e, por fim, a Representação Diplomática da República Armênia para a América do
Sul.

679
Ibid., p. 98.
680
SHAIN, Y & BARTH, A. op. cit., p. 453.
681
OGELMAN, N.; MONEY, J.; MARTIN, P. op. cit., p. 146.
194

Esse grupo de pressão institucionalizado e altamente concentrado nas mãos de um


só agente foi de certa maneira bem-sucedido graças as características do Estado brasileiro na
Primeira República, sobretudo a sua configuração durante o governo Epitácio Pessoa. Embora
o arranjo político nacional fosse bem restritivo no que diz respeito a quem ocuparia a cadeira
da presidência da República – alguns requisitos deveriam ser preenchidos pelo candidato,
como ser uma liderança de um dos grandes estados e um republicano histórico682 – e os
demais cargos executivos, o Estado brasileiro era bastante permeável a demandas particulares
que fossem trazidas para dentro da esfera pública por meio de atores qualificados. Assim, a
causa armênia, trazida ao conhecimento de Pessoa tanto pela ação de Etienne Brasil quanto
pelas discussões nos fóruns internacionais foi inserida no horizonte político brasileiro da
virada dos anos 1910-1920, de forma que pudesse servir não só a interesses humanitários, mas
que também pudesse ser instrumentalizada por Pessoa de maneira a ajudar a inserir o Brasil
definitivamente na nova ordem mundial.

Contudo, era claro para Epitácio Pessoa e seus subordinados o papel secundário
que a questão armênia ocupava na sua agenda de política externa. Em reunião do Conselho da
Liga, Gastão da Cunha deixou claro que nada além dos assuntos que diziam respeito a
emergência do Brasil como uma liderança americana seria considerado de primeira
prioridade:

Quando da realização da 4ª sessão do Conselho, em abril de 1920, Cunha


observou que, para o Brasil, “todos os assuntos são de interesse mais que
secundário”, citando como exemplos a constituição do governo de Dantzig, a
proteção das minorias na Turquia e Armênia, e a repatriação dos prisioneiros
de guerra ainda internados na Sibéria683.

A causa armênia e a questão das minorias eram exploradas pelos delegados


brasileiros apenas quando interessava, como entre 1923 e 1926, quando o Brasil foi relator de
diversas comissões na Liga das Nações, incluindo uma que tratava de minorias na Turquia684.
Quando o assunto não era de interesse nacional, os diplomatas o ignoravam. Em certa ocasião,
James A. Malcolm – representante de Boghos Nubar e da Delegação Nacional Armênia em
Londres685 – escreveu a Leon Pachalian – outro assessor de Nubar – da Delegação em Paris,
reclamando que tentava há tempos obter uma audiência com o embaixador brasileiro e não

682
VISCARDI, C. op. cit., p. 62.
683
GARCIA, E. op. cit., 2006, p. 350.
684
Ibid., p. 370.
685
HOVANNISIAN, R. op. cit., 1996, p. 409.
195

conseguia686. Em outubro de 1924, correspondência entre Afrânio de Melo Franco,


representante do Brasil na Liga, e o Ministro de Relações Exteriores de Artur Bernardes, José
Alves de Félix Pacheco, revela uma consulta feita por Fridtjof Nansen, Alto-Comissário da
Liga das Nações para a questão dos refugiados, se o governo brasileiro poderia receber
refugiados russos e armênios, além de uma comissão da Liga que pudesse discutir essa
questão687. A fala de resposta do Itamaraty ensejou outras duas missivas de Melo Franco, em
fevereiro e março de 1925, requisitando uma posição urgente do governo brasileiro sobre a
matéria, pois a Liga pressionava o representante por uma posição. Na última missiva, Melo
Franco argumenta:

Quanto à conveniência ou inconveniência de recebermos, no nosso país,


como imigrantes, os refugiados russos [omite-se os armênios], é ponto sobre
o qual não me devo manifestar, cabendo a decisão da questão às nossas
autoridades competentes. Parece-me, contudo, que nada facilitará tanto essa
decisão como o entendimento direto com a referida comissão, que
naturalmente estará em condições de fornecer ao Governo todos os
esclarecimentos exigíveis sobre esse assunto688.

Especulações e negociações acerca do assentamento de imigrantes armênios no


Brasil não eram novas. Ainda nas últimas décadas do século XIX se discutia a possibilidade
do Estado brasileiro incentivar a vinda desse povo para o país. Nos anos 1890, o político e
escritor José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque procurou o então
presidente de São Paulo Manuel Ferraz de Campos Sales para apresentar uma proposta de
incentivar a imigração de armênios, a fim de substituir os italianos “que não eram de boa
qualidade” pelos armênios que eram perseguidos pelo Sultão Abdul-Hamid II. Com a
negativa de Campos Sales, que, de acordo com o escritor, preferia os italianos por conta da
sua “docilidade”, Medeiros e Albuquerque procurou o engenheiro amazonense Torquato
Tapajoz que encampou a ideia de atrair tais imigrantes para o Amazonas. Contudo, Tapajoz
morreu poucos dias depois, sem ser capaz de colocá-la em prática. Em 1908, em visita a
Constantinopla, Medeiros e Albuquerque teve uma entrevista com o patriarca da Igreja
Apostólica Armênia689, que acenou positivamente para sua ideia de atrair armênios ao Brasil.

686
James A. Malcolm a L. Pachalian, Délégation Nationale Arménienne. Lausanne, Suíça, 430/1/286,
pp. 64-65 (NAA/RA).
687
Afrânio de Melo Franco a José Félix Alves Pacheco. Ofício n. 18, de 6 de outubro de 1924. Fundo
AMF, 74,3,4, n. 78. (Seção de Manuscritos/BN).
688
Idem. Ofício n. 48, de 5 de março de 1925. Fundo AMF, 74,3,4, n. 78. (SM/BN).
689
Peter Balakian nos lembra que o patriarcado de Constantinopla tinha sua própria diplomacia e
mantinha contato com líderes estrangeiros independentemente do governo otomano. BALAKIAN,
Peter. “Introduction”. In: BALAKIAN, Grigoris. Armenian Golgotha: a memoir of the Armenian
Genocide, 1915-1918. Nova York: First Vintage Books Edition, 2009, p. xiv.
196

Entretanto, a proibição da imigração asiática – notadamente de japoneses e chineses –


aprovada pelo Congresso brasileiro atingiu também, segundo o político, os armênios e
impossibilitou a concretização do intento690. Episódio semelhante aconteceu no Canadá, em
1896, quando os armenófilos locais ligados a grupos protestantes que mantinham missionários
no Império Otomano apelaram para o governo canadense patrocinar o estabelecimento de
colônias armênias nas pradarias do país, ideia rapidamente rejeitada pelo Ministério do
Interior que dava preferência para o assentamento de imigrantes da Europa Ocidental e
Norte691. Em julho de 1915, no ápice das matanças no Império Otomano, o cônsul sueco
reportou à Estocolmo que o patriarcado armênio, tendo em vista as perseguições em curso,
estaria interessado em iniciar um movimento de “emigração em massa” para, dentre outros
locais, a América do Sul692. Em 1922, a missionária dinamarquesa Karen Jeppe em relatório
ao Escritório Internacional “Nansen” para Refugiados – vinculado à Liga das Nações – tinha a
convicção que os armênios não poderiam ser reassentados entre muçulmanos, nem mesmo
sob supervisão internacional, e que os mesmos deveriam encontrar um lar no Cáucaso ou no
Brasil693.

A questão é que o Brasil – assim como o Canadá e, de maneira mais ampla, todos
os países americanos – sempre figurava nos fóruns internacionais como um provável destino
de refugiados e apátridas. Em alguma medida, essa imagem era alimentada pelas próprias
elites políticas brasileiras. De acordo com a Folha de São Paulo de 22 de abril de 1966,
quando da inauguração do monumento às vítimas do genocídio armênio na capital paulista,
Rui Barbosa teria dito a um grupo de armênios em 1920: “Se o que procuram é uma pátria,
um céu a abrir vocês e seus entes queridos vão para o Brasil, terra generosa, que a tantos já
acolheu e os acolherá de braços abertos”694.

Em 1922, dois anos antes, portanto, da consulta da Liga a Afrânio de Melo


Franco, lideranças armênias na Europa discutiam se o Brasil poderia receber um número de
refugiados armênios e que tipo de assistência o país poderia oferecer a esse grupo de
pessoas695. A Delegação Nacional Armênia enviou correspondência ao Arcebispo armênio de

690
MEDEIROS E ALBUQUERQUE, José Joaquim de Campos da Costa. Quando Eu Era Vivo. Rio
de Janeiro: Record, 1982, pp. 212-213.
691
ADJEMIAN, A. op. cit., p. 32.
692
AVEDIAN, V. op. cit., p., 328.
693
WATENPAUGH, K. op. cit., 2015, p. 138.
694
Folha de São Paulo. São Paulo: quarta-feira, 20 de abril de 1966, 1º caderno, p. 9.
695
Da Delegação Nacional Armênia ao Secretário do Comitê Armênio de Manchester, Sr. Karnig
Findiklian. 13 de novembro de 1922, 430/1/630, pp. 13-14 (NAA/RA).
197

Manchester, Grigoris Balakian – um sobrevivente do genocídio armênio696 – informando que


o Papa havia consultado Venezuela, Bolívia, Chile, Argentina e Brasil sobre a possibilidade
de acolhida de refugiados armênios. A única informação que há no documento é que a
Argentina ainda não havia respondido ao apelo papal, enquanto outros países – não
especificados – haviam concordado em receber os armênios, cobrindo as despesas da
viagem697.

A missiva mais interessante dessa série é datada de maio de 1922 e foi escrita pelo
Arcebispo Ghevond Tourian, líder religioso dos armênios de Esmirna, ao presidente da
Delegação Armênia, Gabriel Noradougian. Nessa carta, o religioso questiona se Noradougian
tem conhecimento de algum acordo com o governo brasileiro para receber imigrantes
armênios, pois agentes de viagens operando em Esmirna estavam oferecendo passagens para
armênios embarcarem rumo ao Brasil. De acordo com o líder religioso, muitos armênios
haviam se registrado para a viagem e partiriam na primeira oportunidade698. A resposta da
Delegação Armênia veio cerca de um mês e meio depois, informando ao Arcebispo que a
partida de armênios rumo ao Brasil não era aconselhada, tendo em vista as notícias de
imigrantes russos que chegaram ao país e foram submetidos a trabalhos pesados e tratados
como escravos. Ademais, a ida de armênios para o Brasil agravaria ainda mais a dispersão
desse povo pelo mundo e dificultaria o plano de criar um lar nacional para os armênios em um
futuro próximo699. Essa era uma preocupação presente nas cabeças das lideranças armênias,
sobretudo as religiosas. Na mesma época, o bispo armênio de Bagdá criou um orfanato na
cidade para “prevenir a dispersão das crianças e garantir que elas não perdessem a identidade
armênia”700. O auxílio aos refugiados estava, assim, intrinsicamente ligado com o futuro dos
armênios enquanto nação e com o plano de criação de uma pátria unificada, reunindo os
territórios da Armênia Soviética com as províncias otomanas, cuja consecução estava
vinculada ao povoamento da região por armênios dispersos pelo mundo701.

696
Cf. BALAKIAN, Grigoris. op. cit.
697
Da Delegação Nacional Armênia ao líder religioso dos armênios de Manchester, Arcebispo
Grigoris Balakian. 28 de novembro de 1922, 430/1/987, p. 6 (NAA/RA).
698
Carta do Arcebispo Ghevond Tourian, líder religioso de Esmirna a Gabriel Noradougian,
Presidente da Delegação Armênia. 5 de maio de 1922, 430/1/738, p. 12 (NAA/RA).
699
Carta da Delegação Nacional Armênia ao Arcebispo Ghevond Tourian. 16 de junho de 1922,
430/1/738, p. 14 (NAA/RA).
700
“[…] prevent the dispersal of children and ensure they did not lose their Armenian identity”.
LAYCOCK, J. op. cit, p. 162.
701
Ibid., p. 164.
198

Nessa troca de correspondências, há algumas pistas para entender a imigração


armênia para o Brasil e em que medida o governo estava ou não empenhado em ajudar os
sobreviventes do genocídio. Primeiro, há que se destacar a ação dos agentes de viagens ao
tentar ludibriar os armênios, alegando que o governo brasileiro havia garantido apoio a esses
imigrantes, certamente para tirar vantagens financeiras da venda de bilhetes de navio. A
correspondência informa que os agentes garantiam o embarque de 1.500 imigrantes por
embarcação, que partiriam a cada 12 ou 15 dias de diversos portos europeus. Segundo, a
resposta da Delegação Armênia revela que não havia acordo com o governo brasileiro para o
incentivo de armênios e, além disso, havia relatos de maus tratos de imigrantes chegados ao
país, provavelmente para trabalhar em fazendas antes sustentadas por mão de obra escrava e,
posteriormente, por imigrantes da Europa Ocidental.

Etienne Brasil também alegou falta de empenho das lideranças armênias para
efetivar a imigração dos armênios para o Brasil. Segundo o diplomata, em carta para Mikayel
Varandian datada de 1923, ele teria conseguido junto ao governo brasileiro em 1921
“contrariamente aos hábitos do país, que não paga em geral o transporte dos imigrantes para o
interior” um navio que aportaria em Constantinopla para embarcar sete mil armênios.
Contudo, suas missivas para as lideranças armênias na capital otomana nunca foram
respondidas. De acordo com Etienne Brasil, apenas o redator do periódico armênio
Djagadamart se dirigiu a ele para informá-lo “com tristeza que o Patriarca não creria que o
Brasil oferecia tantas facilidades ‘e que não havia razão alguma para os armênios saírem da
Turquia”. Porém, a deterioração na situação dos armênios após a retirada francesa da Cilícia
fez com que o patriarcado revesse sua posição, mas, para Etienne, era tarde, pois “os armênios
não têm mais as facilidades de 1921. A atitude do patriarca e de nossos chefes causou uma
impressão muito ruim naquela ocasião”702.

Embora o Brasil figurasse nos fóruns que discutiam os problemas das minorias e
dos refugiados na Liga das Nações e mencionasse, ocasionalmente, a sorte dos sobreviventes
do genocídio armênio, não havia internamente um real esforço para auxiliar esses imigrantes
– uma vez que a afirmação de Etienne do cessão do navio brasileiro para retirar armênios do
Império Otomano, além de pouco provável, não é comprovável –, tampouco nos círculos da
política externa brasileira após a anexação da Armênia pela Rússia e a desqualificação de
Etienne Brasil como representante diplomático daquele país. O apelo humanitário que a causa

702
Etienne Brasil a Mikayel Varandian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1923 (ARFA).
199

armênia emanava cessou de ecoar no Catete e no Itamaraty quando a Armênia deixou de ser
útil aos interesses pragmáticos das elites políticas brasileiras na missão de fazer com que o
país galgasse degraus na hierarquia do sistema internacional. Conforme sintetiza Eugênio
Vargas Garcia: “Ao final, a identificação do Brasil com os pequenos Estados cedeu lugar às
aspirações de grandeza nacional, açuladas com a perspectiva de ingresso no clube fechado das
grandes potências”703.

Nesse ponto, a permeabilidade do Estado brasileiro às demandas dos agentes


diaspóricos encontra um limite. Como essa permeabilidade é construída por meio de conexões
pessoais e não através de instituições e canais formais, a manutenção do diálogo é ameaçado
cada vez que há mudança de governo ou alteração do cenário político nacional e
internacional. Etienne Brasil, que construiu toda a sua carreira como jornalista e diplomata
baseado em conexões pessoais, tinha consciência de que o final do mandato de Epitácio
Pessoa em 1922 – e de Woodrow Wilson nos EUA, em 1921 – seria uma ameaça para a
continuidade das conversas que poderiam garantir aos armênios um torrão nacional, mesmo
após a ocupação bolchevique. Em correspondência enviada por ele a Avetis Aharonian em
fevereiro de 1920, Etienne admite que o fato de um ex-colega de faculdade, Luiz Pinheiro,
ocupar o cargo de subsecretário de Azevedo Marques no Itamaraty lhe dá privilégios no
acesso aos corredores do Palácio. Na mesma missiva, o diplomata relata ao chefe a amizade
existente entre as esposas de Epitácio Pessoa e Mihran Latif704. Ciente da importância das
relações pessoais, em junho de 1921, Etienne tentava uma aproximação com o mineiro Artur
Bernardes, candidato a sucessor de Pessoa no Catete. Por meio de um telegrama, Etienne
felicitou Bernardes pela “brilhante vitória”. O Correio da Manhã – jornal tradicionalmente de
oposição, cuja tiragem média variava entre 30 e 40 mil exemplares705 – que muitas vezes
cedeu espaço para os artigos e informações de Etienne, foi duro nas críticas à atitude do
armênio, que parabenizou um candidato por uma vitória ainda não consolidada. Nessa época,
as oligarquias estaduais disputavam a sucessão de Epitácio Pessoa. Enquanto Minas Gerais e
São Paulo lançavam a candidatura de Bernardes, outros estados, como Rio Grande do Sul e
Rio de Janeiro propunham uma candidatura alternativa, apoiados pela imprensa da capital
federal que criticava o candidato mineiro e seus aliados706. Segundo o jornal:

703
GARCIA, E. op. cit., 2006, p. 75.
704
Etienne Brasil a Avedis Aharonian. Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1920 (ARFA).
705
COMPAGNON, O. op. cit., p. 70.
706
VISCARDI, C. op. cit., p. 287.
200

A bem da verdade, porém, convém que se diga que as felicitações em nome


da jovem república improvisada depois do Tratado de Versalhes, não têm o
menor significado. O governo armênio de nada sabe, nem autorizou coisa
alguma, ocupado como anda, em defender a sua autonomia perante as
chancelarias das potencias.
São felicitações por conta e risco de quem as fez, e o cavalheiro que a
mandou, mais de uma vez, tem visto o seu pitoresco mandato ridicularizado
pelos jornais, a cujas redações, no dia seguinte, corre, pressuroso, a suplicar
retificações, contando umas historias complicadas que ninguém percebe,
mas em que se finge acreditar.
Que companhias as do Sr. Arthur Bernardes...707

Por outro lado, Etienne tentava manter o diálogo com os armênios em Paris, que
não reconheciam a anexação bolchevique da república no Cáucaso. Sua comunicação com
Paris procurava convencer os dirigentes armênios que o Brasil ainda permanecia um aliado,
ainda que tal assertiva não correspondesse à realidade. Em meados dos anos 1920, cultivar as
relações entre Brasil e os representantes armênios em Paris não interessava a nenhuma das
partes, o que fez com que Etienne Brasil perdesse sua inserção nos círculos políticos de
ambos, tanto da sociedade receptora quanto da pátria-mãe. Outros membros da elite da
diáspora, como Mihran Latif, permaneceram com prestígio na sociedade receptora, pois sua
influência era oriunda de seu capital e suas antigas relações com as elites políticas locais não
dependiam dos arranjos internacionais. Ao fim da experiência do Estado armênio
independente e da consolidação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Etienne
voltou a ser o que era no início dos anos 1910: um intelectual que vivia do exercício de
profissões liberais na capital do Brasil.

A perda de legitimidade e poder de Etienne Brasil está ligada também a falta de


lastro político dos armênios no país. Afora Mihran Latin, Levon Apelian e alguns outros, os
armênios presentes no Brasil antes dos anos 1920 não tinham recursos econômicos ou
inserção social suficiente para permitir que Etienne apresentasse esse povo como uma
importante força no cenário nacional. Esse cenário só começaria a mudar na segunda metade
dos anos 1920, quando um contingente maior de armênios chegou ao país, oriundos sobretudo
de cidades da Síria e do Líbano, e se estabeleceu em São Paulo. Entretanto, a chegada desses
imigrantes e o estabelecimento das primeiras associações e entidades comunitárias na capital
paulista aconteceu em um período em que a política nacional não permitia o tipo de
abordagem que Etienne Brasil havia executado anos antes junto ao Catete e ao Itamaraty.
Com efeito, os armênios eram vistos com desconfiança por alguns funcionários do Itamaraty
no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, como um agente consular brasileiro no Egito

707
Correio da Manhã. Rio de Janeiro: 20 de junho de 1921, p. 2 (HDB/BN).
201

que sugeriu a proibição da entrada de armênios no Brasil, pois eles seriam produtores de ópio
e estimulariam a produção do narcótico “especialmente dado o desenvolvimento da emigração
dos Amarelos, para os quais o ópio é uma perpétua tentação”708. Enquanto isso, intelectuais
como Alfredo Ellis Júnior criavam termos pseudocientíficos como “sírio-armenóide” para
classificar os imigrantes árabes e armênios em um estudo posteriormente encampado pelo
projeto político do governo Vargas709, governo esse que em 1933 recusou aderir a um estudo
feito pela Liga das Nações para elaboração de um estatuto internacional dos refugiados,
medida que beneficiaria, sobretudo, armênios e russos710.

No cenário internacional, as fronteiras da Turquia e da Armênia Soviética foram


consolidadas, as quais permanecem praticamente inalteradas até os dias atuais, diminuindo
assim a possibilidade de qualquer tipo de ação reivindicatória por territórios e relegando a
causa a um plano moral.

708
Consulado do Brasil em Constantinopla ao Ministério de Relações Exteriores. Alexandria, 14 de
abril de 1930, 244/3/15 (AHI).
709
LESSER, J. op. cit., 2001, p. 117.
710
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Cidadão do Mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus
refugiados do Nazifascismo (1933-1948). São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 62.
202

6 CONCLUSÃO

Em janeiro de 1923, Etienne Brasil escreveu ao político e historiador radicado em


Marselha, Mikayel Varandian, em resposta a um pedido de informações sobre a fração
diaspórica armênia na Argentina. Em sua réplica, Etienne forneceu as informações
requisitadas e aproveitou para condenar a delegação armênia chefiada por Avetis Aharonian e,
no limite, a República Armênia, que nessa altura não mais existia como uma nação
independente no sistema internacional, pelas atitudes equivocadas tomadas durante sua curta
existência. Com sinceridade e aspereza características de alguém que julgava que não tinha
nada a perder e que os seus antigos superiores eram os responsáveis pela falência de seus
projetos, Etienne Brasil não poupou críticas às decisões tomadas pela delegação e pelo
governo armênio, mesmo sabendo que Varandian ocupava postos importantes na hierarquia
do Dashnak na França e que, eventualmente, suas palavras chegariam aos ouvidos de
Aharonian.

Na carta-resposta, Etienne afirma que na Argentina “nós não temos nada”, por
dois motivos. O primeiro seria a divisão política da coletividade armênia lá existente –
composta por cerca de 6 mil pessoas, de acordo com as suas estimativas – e o segundo seria a
precariedade de seu título de representante diplomático, que nunca foi confirmado pelo
governo armênio ou pela delegação diretamente aos países sul-americanos:

Tudo que consegui aqui não foi em virtude do meu título duvidoso, mas por
causa das minhas relações, pela influência de meus amigos e nada mais. [...]
Nossa delegação, ainda que seu esforço seja louvável, cometeu alguns erros
grandes que nos causou prejuízos incalculáveis 711.

Com essas palavras, Etienne Brasil tentava resumir o que teria sido o seu trabalho
diplomático no Brasil e na América do Sul em 1919 e 1920: uma mistura de voluntarismo
com a exploração de redes de contatos que o conectava com os círculos decisórios brasileiros
– e sul-americanos – além de intensa propaganda na imprensa, dando assim aderência às
demandas armênias no contexto da sociedade receptora.

Quando chegou ao Rio de Janeiro, na condição de padre e intelectual de educação


europeia e origem armênia, Etienne Brasil – naquela altura Ignace Etienne ou Etienne Ignace
Brasil – conheceu alguns armênios abastados e anteriormente estabelecidos, como Mihran

711
Etienne Brasil a Mikayel Varandian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1923 (ARFA).
203

Latif e Levon Apelian, e fez deles a sua base social, política e econômica. Uma vez que o Rio
de Janeiro dos anos 1910 não possuía um número de armênios significativo para dotá-lo de
apoio quantitativo ante a sociedade receptora, a estratégia utilizada foi a aproximação de
armênios com grande inserção social e econômica que pudessem servir como credenciais para
que Etienne Brasil fosse recebido nos círculos mais restritos da sociedade carioca. Em troca, o
intelectual – ele mesmo parte do que Tölölyan chamou de “elite da diáspora” – oferecia a
Mihran Latif e Levon Apelian seu trabalho como vetor da causa armênia no Brasil,
mobilizando argumentos nacionalistas, religiosos e emocionais para convencê-los a apoiar a
pátria-mãe em perigo, além de oferecer vantagens comerciais que poderiam ser exploradas
pelos homens de negócios armênios no Rio de Janeiro quando do reconhecimento da
independência da Armênia pelo Brasil e a consolidação daquela república no sistema
internacional.

Etienne Brasil colocava-se, assim, como intermediário entre os que dizia


representar – isto é, armênios do Brasil, os quais poucos eram cidadãos brasileiros – e o
Estado brasileiro, agindo como o líder de um grupo de interesse desejoso de inserir uma pauta
determinada na agenda do Estado receptor. Para tanto, lançava mão da imprensa para criar
lastro intelectual e tornar a causa armênia conhecida nas esferas médias e altas da sociedade
brasileira, público-leitor dos jornais e revistas, explorando largamente a imagem orientalista
de armênios cristãos perseguidos por turcos muçulmanos dentro do “incivilizado” Império
Otomano. Contudo, Etienne não atuava como líder de um grupo de interesse comum, isto é,
mediador entre indivíduo(s) e Estado, mas era um vértice na relação entre a pátria-mãe, a
sociedade e o Estado receptor e a fração diaspórica ali estabelecida.

Nesse sentido, é interessante refletir sobre a permeabilidade do Estado brasileiro


às demandas de Etienne Brasil e a aderência que a causa armênia teve na sociedade brasileira
dos anos 1910-1920. O trânsito que o intelectual disfrutava na imprensa fluminense – que
permitia com que ele publicasse seus artigos com frequência – obtido ainda no início da
década de 1910 foi facilitado pelo pertencimento à Igreja Católica e sua educação europeia,
colocando-o numa posição de autoridade do saber no Rio de Janeiro. A partir daí ele pôde
apresentar-se aos armênios da capital federal e colocar sua entrada na imprensa à serviço da
causa, que já estava em evidência no Ocidente desde a década de 1890 e ganhou força a partir
de 1915. Avalizado pela imprensa e pelos seus compatriotas, Etienne fundou entidades –
normalmente compostas por ele mesmo e um ou dois armênios – cobrindo-se de um verniz
institucional que lhe daria mais credibilidade ao se dirigir aos líderes armênios na Europa ou
204

aos tomadores de decisão no Brasil. Pouco a pouco, ele conseguiu convencer seus
interlocutores não armênios da relevância da causa e da necessidade de apoiar as
reivindicações de seus compatriotas, estabelecendo canais de comunicação com potenciais
apoiadores que variavam desde proprietários de jornais no Rio de Janeiro ou funcionários da
burocracia brasileira até diplomatas estrangeiros ou a Rainha da Bélgica. Ao mesmo tempo,
Etienne Brasil persuadiu intelectuais e políticos armênios sobre a sua utilidade na defesa dos
interesses armênios no Brasil – sobretudo comerciais e migratórios, no primeiro momento,
abrangendo, mais tarde, apoio político e, no limite, o mandato – até obter a permissão de Paris
para representar oficialmente a República Armênia na América do Sul. Assim, ele expandiu
sua influência no Rio de Janeiro, avalizado pelos compatriotas na cidade e pelas lideranças
armênias na Europa para trabalhar pela pátria que ele chamava de sua, buscando uma
aproximação com Epitácio Pessoa, seu gabinete e outros políticos influentes que deveriam ser
convencidos da urgência da causa.

Epitácio Pessoa, por sua vez, não pertencente às grandes oligarquias brasileiras
que comandavam a política nacional, “tenta mostrar-se independente das injunções
partidárias”712 apostando numa política externa vultosa enquanto enfrentava o oposicionismo
crescente no plano interno. Problemas na Bahia e Amazonas, a franca oposição dos militares e
a crescente ofensiva da imprensa mitigavam o apoio a Pessoa, cujo desgaste foi acentuado no
final de 1920, justamente quando as demandas armênias ganharam mais fôlego. Não por
acaso, foi nesse período que o Brasil reconheceu a independência da República Armênia e, ao
tomar conhecimento do chamado da Liga das Nações e dos EUA por um esforço conjunto
para manter a integridade territorial armênia, Epitácio Pessoa decidiu por responder
positivamente, juntando-se a Espanha no que se transformaria em uma missão humanitária.
Ao mesmo tempo em que o mandatário brasileiro se encontrava cercado de críticos e
opositores, ele deu um passo em direção às reivindicações armênias, aumentando seu
prestígio junto à coletividade armênia do Brasil, cujo poder econômico e social poderia lhe ser
politicamente útil, em um movimento que permitiu que seu governo pudesse explorar o
altruísmo, por meio do discurso humanitário, tanto no plano interno quanto externo. No fim, o
aceite brasileiro no esforço conjunto em prol dos armênios não se concretizou, mas o país
continuou a ser visto como um player importante no sistema internacional, ainda que longe do
status de potência, mas igualmente distante do espaço que as outras nações latino-americanas
ocupavam. Isso pode ser mensurado pela manutenção do Brasil no assento temporário do

712
CARONE, E. op. cit., p. 339.
205

Conselho da Liga até 1926, quando Artur Bernardes superestimou o poder brasileiro e retirou
o país da entidade, ou ainda pela nomeação do próprio Epitácio Pessoa para o posto de juiz da
Corte Permanente Internacional de Justiça em 1922, quando saiu do Catete, cargo que ocupou
até 1930.

Enquanto as oligarquias se digladiavam para fazer o sucessor de Epitácio Pessoa –


em uma disputa que envolveu até cartas apócrifas de Artur Bernardes a Raul Soares,
ridicularizando o adversário Hermes da Fonseca, publicadas fac-símile no Correio da Manhã
como se fossem autênticas713 –, Etienne Brasil tentava manter-se como representante armênio
na América do Sul, não obstante o país estar sob influência soviética. Embora reconhecesse a
derrota – a qual ele atribuiria ao “trabalho turco-russo; a vergonhosa política da França; e os
nossos próprios erros (divisão interior, inexperiência e teimosia de nossos chefes)”714 –, ele
ainda questionava, em 1923, as lideranças armênias na França sobre qual era a “verdadeira
situação da República do Cáucaso” e qual seria “a esperança que nós ainda temos”, esperando
que algum aceno vindo da Europa pudesse recolocá-lo na posição que ocupava em 1920,
antes de ser desacreditado – e até ridicularizado – pela imprensa brasileira e evitado pelos
tomadores de decisões, que não mais davam ouvidos aos clamores de Etienne por ajuda aos
refugiados ou a alegada opressão dos russos sobre seu país. Ele trabalharia até o final da vida
como advogado, atuando no processo de urbanização da costa oeste carioca, em querelas
envolvendo a posse de terrenos e imóveis. A Armênia seria vinculada novamente a Etienne
somente por ocasião da sua morte, em 1955, quando foi anotada a nacionalidade “armênia” ao
seu registro funerário no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, onde foi enterrado na
mesma sepultura de sua mulher, sem nenhum tipo de identificação pessoal ou marca
identitária que indique a posição que ocupou, algo pouco comum nas lápides dos políticos,
intelectuais ou imigrantes abastados no disputado cemitério na Zona Sul carioca.

No avançar dos anos 1920, o humanitarismo perdeu espaço na agenda da política


externa brasileira, pois os tomadores de decisões não viam mais utilidade em dedicar tempo e
energia em questões longínquas que cada vez menos interessava aos brasileiros e, portanto,
perdia força como instrumento para angariar simpatia e apoio político. Os armênios deixaram
de ser vistos como povo cristão em perigo, diminuindo a capacidade empática com a
sociedade brasileira, e passaram a ser encarados como imigrantes não desejáveis, rotulados
como “turcos”, “asiáticos”, “apátridas”, produtores de ópio, indesejáveis e preguiçosos, em

713
Ibid., p. 350.
714
Etienne Brasil a Mikayel Varandian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1923 (ARFA).
206

uma mudança de imagem que merece ser analisada com mais atenção em pesquisas futuras.
Sobre armênios, judeus e outros povos, um agente consular brasileiro no Oriente Médio
dissertou:

[...] não são de modo algum turcos ou árabes, mas uma mescla heterogênea
de toda as classes que vagabundam nos portos orientais. Judeus, armênios,
muçulmanos e cristãos de Trípoli, metualis, e na maior parte gente de raça e
origem indecisa.
Tais pseudo-turcos, verdadeiro lixo mediterrâneo, emigram, muito, pelo
contrário, para a infelicidade dos países que os hospedam e que se reduzem
hoje quase todos os países civilizados do mundo.
Estes são, com efeito, um elemento pernicioso, não por considerações de
raça ou motivos étnicos, mas porque não são um elemento produtor, não são
nem agricultores nem operários, mas apenas se entregam a ocupações
puramente parasitárias, vivendo da substancia da riqueza da nação, do
produto de trabalho ou outrem. Além disso, sem outro ideal senão o
dinheiro, hipócritas, insinuantes, costumeiros da fraude e da mentira,
desmoralizam o comércio e pervertem a mentalidade social do ambiente em
que penetram715. (grifo do autor)

Especificamente sobre os armênios que seriam produtores de ópio e desejavam


emigrar, o funcionário do Itamaraty recomenda:

Pessoalmente, se tiver a obrigação de formular uma opinião a este respeito,


julgando que o dever de um funcionário brasileiro no estrangeiro não
consiste só em animar a emigração dos bons elementos, conforme a letra do
regulamento, mas também em apontar os inconvenientes de uma imigração
indesejável, conforme o espírito do mesmo regulamento, direi que parece-me
necessário no caso dos armênios, proceder com muita circunspecção, pois
não haverá muitas vantagens com a introdução de armênios [...]716.

Assim, o discurso orientalista por vezes utilizado por Etienne Brasil para
diferenciar armênios de turcos e criar empatia voltou-se contra os primeiros. Na segunda
metade dos anos 1920, justamente quando o país recebeu um grande número destes
imigrantes, armênios e outros não estavam na pauta do dia do Estado brasileiro. Incentivar a
sua imigração ou incorporar suas demandas significaria apoiar a entrada de um tipo de
imigrante que não interessava ao projeto vigente, aprofundado nos anos 1930 por Getúlio
Vargas. Pragmaticamente, o Brasil deu as costas para a causa armênia.

715
Consulado do Brasil em Constantinopla ao Ministério de Relações Exteriores. Alexandria, 14 de
abril de 1930, 244/3/15.
716
Idem.
207

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES

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222

ANEXO

Figura 1: Publicação ligada à Federação Revolucionária Armênia (Dashnak)


editada em São Paulo estampa foto de Khrimian “Hayrik” (Pai) na sua edição
de fevereiro de 1948.
223

Figura 2: Publicação parisiense de 29 de maio de 1897 retrata Sultão


Abdul-Hamid II
224

Figura 3: Mapa do declínio do Império Otomano. Fonte: Enciclopédia Britânica, 1997.


225

Figura 4: Fonte – BOYADJIAN, David. “The Woodrow Wilson Center Desecrates its
Namesake’s Legacy and Violates its Congressional Mandate”. In: Foreign Policy
Journal. 9 de maio de 2010.
226

Figura 5: Fotografia de Etienne Brasil


publicada na imprensa carioca junto a um
artigo de sua autoria. Fonte: Gazeta de
Notícias. Rio de Janeiro: 24 de maio de
1912, p. 2 (HDB/BN).
227

Figura 6: Capa do livro O Povo Armênio, de Etienne Brasil, 1917.


Reprodução de fotocópia do acervo do Prof. Dr. Hagop Kechichian
228

Figura 7: Fonte: O Malho. Rio de Janeiro: 5 de junho de 1920, p. 30 (HDB/BN).


229

Figura 8: Fonte: Palcos e Telas. Rio de Janeiro: 24 de junho de 1920 (HDB/BN).

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