textos24.ÂNCORAS TEXTUAIS (... )
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PRODUÇÃO DE TEXTOS.
Resumo: Esse artigo explica como foi percebida a importância da semiótica na formação
docente. Pretende demonstrar como os conteúdos semióticos podem enriquecer o ensino-
aprendizagem da leitura e como funcionam as pistas de leitura. Os signos orientadores e a
determinação de isotopias possíveis para o texto. Importância da relação type-token na seleção
lexical para produção do texto e para a leitura. A iconicidade e sua presença nos textos. As
âncoras textuais.
INTRODUÇÃO
Passados três anos de trabalho nessa equipe, concluimos que era necessário um estudo
aprofundado da importância das imagens no período de aquisição das habilidades de leitura, do
(re)conhecimento das letras. Nesse momento manifestou-se a necessidade de maior
conhecimento teórico para fundamentar o ensino das letras às crianças com maiores
dificuldades. Ali se abriu a porta para a Semiótica em nossas investigações.
Com a iniciação semiótica através das leituras de Peirce e Eco, não foi difícil perceber
que a semiótica peirceana se mostrava como melhor caminho a seguir para atingir a meta
pretendida: iniciar os alunos na escrita levando-os a produzir histórias inspiradas nas imagens
de livros-sem-legenda. Decidimos investir no livro sem texto – livro-sem-legenda - que havia
criado problemas durante o trabalho nas Salas de Leitura porque os professores não conseguiam
entender a produtividade de tais livros no desenvolvimento da leitura e na aprendizagem da
escrita.
3. A ICONICIDADE E A LEITURA
Por tudo isso, consideramos a iconicidade o elemento criador dos signos em seu estado
mais original. Ademais, a participação de signos-icônicos na superfície dos textos é um fato
garantidor do curso da leitura. A tramitação da leitura se realiza pela persecução das pistas
presentes no texto, das quais se inferem as isotopias e se constroem parâmetros de interpretação.
O falante que domina sua língua é capaz de ler e compreender a fala do outro e se fazer
entender pelos outros, porque produz textos bem escritos, legíveis. Esse sujeito escolhe as
palavras e constrói as frases com precisão de relojoeiro, com isso seu texto resulta bem traçado
e oferece um guia explícito para o leitor. Quando o texto se mostra com essas características se
pode classificá-lo como icônico.
Nas superfícies textuais se podem identificar palavras e expressões que funcionam como
âncoras que definem temas ou eixos temáticos. Também as conexões gramaticais orientam a
leitura. Juntos, componentes léxicos e sintáticos, produzem as marcações textuais e se mostram
capazes de conduzir o leitor a significados possíveis para o texto.
Segundo Smith (1999), os indivíduos constroem uma teoria do mundo a partir de suas
vivências e experiências. Essa teoria é o ponto de partida para a leituramundo – com a qual
penso ser construída a cosmovisão de cada um. A teoria do mundo não tem bases genéticas.
Nosso cérebro não é banco de dados nem caixa forte. No entanto, nossa mente armazena
informações que são processadas quando em processo de leitura.
Ora, para que se possa gozar da competência de uma leitura ampla e plural, é preciso
também estar-se apetrechado tecnicamente. A instrumentalização técnica pode ser entendida em
duas dimensões: (a) uma espontânea pautada na teoria do mundo, na capitalização individual de
saberes; (b) outra aprendida no convívio didático-pedagógico com quem nos fornece pistas para
o caminhar, instrumentos para desbravar o caminho e olhar crítico, para avaliar a caminhada.
Para tanto, tem-se a semiótica como ciência que estuda a semiose, ou o processo da significação
em si; e a pragmática que é um tipo de semiótica que estuda a significação em diálogo com a
contextualização do usuário.
E o que isso tem a ver com a formação de leitores? Crê-se que tem tudo a ver.
Essa imagem de uma escola inútil é a leitura que se vem cultivando há algum tempo. E
essa imagem favorece a manutenção de um estado doente, pobre, desesperançado, sem
força para mudar. Assim como a vida cibernetizada nos traz ansiedade e alguma
desordem, é essa mesma cibernética que pode nos ajudar a levantar a cabeça e ir à luta
por melhores dias.
Nas pesquisas realizadas, já nos foi possível comprovar o potencial icônico e indicial do
vocabulário textual e de sua organização sintática, a partir do que se pôde explicitar estratégias
de construção de textos cômicos, trágicos, lúdicos, poéticos ou simplesmente informativos.
Exemplificando:
b) Seu Irineu [BoaventuraA] [não era tão bem-aventurado assim B], (...) (Stanislaw
Ponte Preta, “A vontade do falecido”, 1989) (Apud ROCHA, 2007)
X
Onde queres descanso sou desejo, descanso desejo
(.............................................)
Onde queres família sou maluco, família maluco
E onde queres romântico, burguês romântic burguês
o
Onde queres Leblon sou Pernambuco, Leblon Pernambuco
e onde queres eunuco, garanhão eunuco garanhão
Observe-se que diferentemente de pares como alto&baixo, gordo&magro; preto&branco,
os pares destacados da letra-de-música, só se opõem no contexto da letra e precisam ser
analisados em conjunto, para que se percebam as antíteses resultantes.
Ao analisar o texto “ESCREVENDO MUDERNO” de João Ubaldo Ribeiro, percebi que o autor usa as
palavras, passando para o leitor, o sentido que lhe é desejado.
TRECHO DO TEXTO FORMAS INADEQUADAS CONSEQÜÊNCIA DO
USO
Para ilustrar eis mais um trecho de dissertação sobre fatos semânticos, produzida por um
pós-graduando em Letras, com base no mesmo texto “Escrevendo Muderno” de João Ubaldo
Ribeiro:
A crítica é inteligente, mas, para que seja entendida, o leitor necessita fazer diversas
leituras para uma melhor compreensão do texto. Afinal, o autor reúne uma série de
palavras com erros ortográficos explicitadas no texto que dificultam assim nossa
compreensão. E isso ocorre com palavras como: superbom, supercordial, super com
certeza, conciência ... . O autor quer, na verdade, nos chamar atenção para que
fiquemos aquém com o uso da linguagem. Esta, que está sendo utilizada de uma
forma precárea, representando a preocupação do povo com o uso da língua.
(mantida a grafia original do ator) [grifos meus]
Observe-se que os elementos grifados demonstram o desconhecimento vocabular em dois
níveis: a) aquém: domínio semântico; b) precárea: domínio ortográfico. Essas impropriedades
somadas à estruturação geral do parágrafo demonstram a inabilidade verbal do autor, que é
agravada pelo fato de ser um pós-graduando.
Temos procurado demonstrar que a expressão carreia estilo e que de algum modo a
avaliação de textos deve abrigar tratamento estilístico. Em se tratando de projetos de textos
particulares, não é possível desconsiderarem-se as intervenções pessoais, por isso é preciso
levar em conta os processos cognitivos. Assim sendo, para a análise dos textos em perspectiva
semiótica, propõe-se discutir a atualização de itens léxicos (palavras e expressões) em estruturas
gramaticais do uso padrão em textos escritos produzidos por graduandos de Letras.
Em se considerando a imposição estilística, tem-se de pôr em jogo os dois eixos
saussurianos: da seleção e da combinação. Um e outro nível estão sujeitos às intervenções
pessoais e as refletem no produto. E a produção sígnica decorrente da estruturação sintagmática
é que resultará ou não na produção da iconicidade do texto. Essa iconicidade é para nós o
potencial semântico-discursivo emergente da estruturação textual o qual conduz o leitor durante
a leitura. Logo, não será resultado de uma seleção exclusivamente icônica, mas decorrente da
articulação de signos de várias categorias e combinações complexas com que se poderão ativar
espaços mentais, enquadres, roteiros, por meio dos quais a tradução intersemiótica individual é
processada.
Dessa forma, temos percebido significativo progresso por parte dos redatores-estudantes,
uma vez que a reescritura de seus textos é feita mediante marcações orientadoras apostas aos
problemas encontrados nos textos. Vale esclarecer que trabalhamos a maior parte do tempo com
arquivos digitais no programa Word for Windows e utilizamos as ferramentas de alterações
controladas com código de cores, além do recurso da inserção de comentários (os quais já estão
preparados em forma de macros de autotexto). O conteúdo gramatical é criticado, e as normas
são cobradas como meios de produção de signos eficientes.
Para concluir essa breve comunicação, cumpre ressaltar que a aplicação de bases
semióticas na leitura e compreensão de textos viabiliza a consecução da abordagem
multidisciplinar, em especial, com a intermediação das semióticas de Peirce e Halliday. Este
afirma que "a linguagem é como é por causa das funções que ela desempenha na sociedade"
(Halliday, 1973:65), portanto, a abordagem sócio-semiótica abre o espaço de leitura para além
das questões meramente gramaticais, contextualizando-as no processo interacional. Para tanto, a
incursão na iconicidade isotópica direciona o estudo da seleção lexical para projeções no âmbito
de outras áreas como a História, a Sociologia, a Psicologia, "para a reflexão crítica do uso
metalingüístico consagrado" (Bastos e Mattos, 1993:11-13), ou seja, para quaisquer situações
em que haja uma operação sobre a linguagem. Em outras palavras, a linguagem é um sistema de
significados que constitui a cultura humana (Halliday & Hasan, 1989, p.3-4).
Resumindo a apresentação, temos que a análise estilística semiótico-funcional (cuja
matriz reúne Peirce e Halliday), a partir da teoria da iconicidade, levanta dados textuais na
seguinte ordem: (1) iconicidade diagramática: não-verbal (ou lato sensu) – observando a
distribuição dos signos na composição da mancha gráfica; verbal, subdividida em
paradigmática e sintagmática recuperando as bases saussurianas; (2) iconicidade lexical:
levantamento de signos com marcas expressivas (ícones) e com marcas impressivas (índices)
para formar o guia-mapa de leitura com vistas à apuração de univocidade, ambigüidade ou
equivocidade inscritas no texto; (3) iconicidade isotópica: que emerge da malha sígnica e define
possíveis enquadramentos temáticos; e (4) alta e baixa iconicidade: que avalia as estratégias de
organização dos signos na superfície do texto na construção da eficácia comunicativa, recurso
orientador da leitura desvinculada da veridicidade e fundada na verossimilhança.
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