Moraes Epigramahistricoe 1993

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Epigrama: histórico e tradições

Author(s): Carlos Eduardo Mendes de Moraes


Source: Revista de Letras, Vol. 33 (1993), pp. 249-258
Published by: UNESP Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho
Stable URL: https://www.jstor.org/stable/40542122
Accessed: 19-02-2024 05:50 +00:00

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EPIGRAMA: HISTÓRICO E TRADIÇÕES

Carlos Eduardo Mendes de MORAES1

■ RESUMO: Este trabalho é um apanhado feito com base em diversas histórias da literatura grega e
latina, por meio das quais buscamos traçar a trajetória do epigrama através dos séculos. Trata-se de
uma pequena história do género epigramático desde as suas origens, quando ocupava o lugar de uma
simples inscrição, até o período moderno, no qual esta composição desenvolveu-se sob dois modelos:
um da tradição das composições líricas da antiga poesia grega e outro, o mais conhecido, o da
composição satírica, surgido após Marcial.

■ UNITERMOS: Poesia lírica; epigrama; inscrição; período alexandrino; Marcial.

O epigrama na Grécia

Originado do grego - epigramma - atos - em princípio significava "uma simples


inscrição", ou "escrever em cima de", cuja única finalidade era fazer lembrar um
falecido, uma obra de arte, um mausoléu. Podia estar nos objetos depositados nos
templos em oferenda aos deuses, objetos que, por vezes, recebiam o nome do seu
doador, principalmente quando se tratasse de riquezas. Como essas inscrições fossem
normalmente escritas em prosa, outra maneira de demonstrar o maior apreço ou valor,
ou ainda a riqueza delas, seria a composição de uma inscrição em verso. Na idade
homérica, esse tipo de composição, calcada nas finalidades acima expostas, tinha
como características principais a simplicidade, a concisão, a preocupação direcionada
para o objeto descrito, deixando à parte a identificação do seu autor.
Os primeiros autores de uma produção epigramática de cunho literário acres-
centaram a ela o nome do morto, ou o local de seu nascimento e, a partir de então, o
chamado epigrama começou a evoluir. A sua forma versificada generalizou-se na
Grécia, ora em hexámetros datílicos, ora em trímetros iâmbicos ou dísticos elegíacos.
A simples inscrição começava a ser confundida com o epitáfio - inscrição mais
específica em verso - colocado num túmulo para recordar um falecido. Datam do

1. Departamento de Lingüística - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP - 19800-000 - Assis - SP.

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século VI a.C, aproximadamente, os primeiros registros de composições do gènero
epigramático marcadas pelas características acima descritas.
É preciso destacar, porém, que a literatura grega, nessa época, caracterizou-se
por sofrer uma profunda revolução intelectual e política. O surgimento dos tiranos,
invasores e migrantes modificou o quadro político e social e, ao mesmo tempo, foi
responsável pela mudança de enfoque das manifestações literárias. Os cantos coleti-
vos das epopeias começaram a ceder lugar aos cantores individuais, que passaram a
refletir sobre problemas cotidianos, na tentativa de responder a esse golpe espiritual
sofrido. Com esse novo propósito, multiplicaram-se as ocasiões para as suas manifes-
tações: os jogos, os concursos organizados ora pelos sacerdotes ora pelos tiranos nas
cidades. Essa multiplicidade de opções para composição foi responsável direta pelo
intercâmbio de músicos, os quais, no seu movimento de ir e vir veiculando suas
produções, concorreram também para que a literatura grega culminasse numa
variação de emoções que acabou por resultar na proliferação de novas formas poéticas.
O hexámetro, metro próprio da epopeia, já não bastava por si; o mito, objeto dos
grandes poemas homéricos, sofria uma reformulação. Todavia, a poesia épica não
poderia, de forma alguma, sair totalmente de cena, pois continuaria a contribuir, mais
do que nunca, com a literatura grega, sob nova ótica. A atuação da epopeia para a
nova produção poética grega estava na formação de músicos e rapsodos. Esses
músicos, impregnados da tradição homérica, reproduziam esses cantos, bebiam da
fonte dessa tradição para a sua expressão atualizada.
Era um momento de transformação, para toda a poesia lírica grega, em uma
manifestação de cunho mais racional, cuja preocupação começava a se centrar nos
aspectos literários, suplantando, assim, as manifestações primitivas (Croiset & Croiset,
1887-1890) que se faziam presentes, isoladamente, nesse ou naquele poema épico.
A poesia elegíaca, nesse quadro, toma também outros rumos. Interessa-nos,
pois, essa modalidade de poesia, que é uma das principais propulsoras do género
epigramático.
A elegia propriamente dita é a inserção das novidades advindas com produção
lírica racional no verso épico. O dístico elegíaco, composto de um verso épico (6 pés)
mais um verso de 5 pés provoca a sensação de reflexão graças à ausência de 1 pé no
final. Enquanto estruturação estrófica, cada dístico constitui uma estrofe e a forma
final do poema se faz em três, quatro ou até cinco destas estrofes, normalmente
terminadas por uma pontuação mais forte. O enjambement, ligação entre essas
estrofes, é forte e confere características de unidade à elegia.
É a modalidade do género poético lírico na qual a pessoa do poeta se faz mais
presente: lamenta, moraliza, louva, exorta, substituindo o orador no aspecto político
e popular. É a forma poética da oratória, em improvisações efémeras sob forma artística
e durável. Relaciona-se com os provérbios por ser o elemento moralizante apresentado
individualmente, no lugar do coletivo. O mito, nessa modalidade, não é cantado, é
exortado e serve apenas de fundamentação religiosa da moral, não se desenvolvendo
como na epopeia: é direto, simples e livre.

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As máximas e os conselhos surgiam continuamente na elegia, através do
encadeamento de ideias, num progresso lógico onde não havia estreita ligação com
o acompanhamento musical. Os próprios poetas não se acompanhavam com instru-
mentos e, quando não houve mais o acompanhamento dos citaristas, esses poetas
passaram simplesmente a recitar. Isso teve seu início no século VI e o género
epigramático foi um documento resultante dessa cisão entre música instrumental e
poesia, tornando-se uma ramificação da poesia elegíaca.
É exatamente nessa fase, sob a influência da proliferação dos géneros poéticos,
que o epigrama tende a se difundir, por estar abrigando em si características bastante
próprias e responsáveis por alguns aspectos particulares no âmbito de toda a produção
lírica grega.
Na produção epigramática, via de regra, não há noção de continuidade de temas,
a imitação e a repetição destes são mais frequentes. Os epigramas, dessa maneira,
prestam-se à função de documento de vida de uma época, pois se renovam - ainda
que repetindo e imitando - com as cores, sentimentos e índole próprias do local e da
época da (re)composição.
Com relação às características do epigrama, a mais marcante, nesse momento,
continua sendo a concisão, entendendo-se por tal todo o impacto relativo à emissão
de juízo do autor, condensado no verso final, após os primeiros versos que lhe servem
de preparação.
Outro aspecto importante na caracterização do epigrama é a própria emissão de
um juízo - laudatòrio, reprovador, moralizante, zombeteiro -, por parte do autor,
aspecto que também não mais abandonou o género. Os epigramas homéricos,
Arquíloco, Safo e Simônides de Ceo refletiam esses traços, diferenciando o modelo
epigramático do modelo épico.
Ainda com relação às grandes características do epigrama na Grécia Antiga,
observamos que essa produção, diferentemente dos demais géneros da lírica, não se
apresenta exclusivamente em determinada região ou dialeto, isto é, a produção
epigramática ocorrera em todas as polis irradiadoras da poesia grega, convivendo lado
a lado com a produção lírica própria de cada dialeto, assimilando destes dialetos os
seus traços locais e adaptando-os às características do género.
Essa fase de transformação do epigrama, na qual a inscrição tumular ou votiva
vira poesia, será o material do qual os autores gregos se servirão, então, para compor
poesias do género no período seguinte, o alexandrino, no qual os epigramas passaram
a ter como objeto o lamento, o lamento amoroso, o sorriso, a ironia, a polémica literária
- tudo que pudesse resultar literatura - aliado às características permanentes do
género.
Como a vida tivesse sofrido alterações de fundo social, político e religioso, a
poesia lírica da época alexandrina opera também transformações significativas de
fundo exclusivamente conteudístico.
A poesia alexandrina, por não estar subordinada a fins práticos, assemelha-se
ao conceito moderno de poesia como atividadepura e disinteressada, já que não mais

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se dirige ao povo ou à cidade, mas à corte e aos centros literários, sendo vista apenas
como exercício estético destinado à leitura ou ao canto. As consequências da prática
da poesia nessas novas condições são a falta de fontes de inspiração, o desapareci-
mento de alguns géneros e a modificação radical de outros. Tal situação precipitou o
processo de aburguesamento, tirando o objeto da poesia do espaço da praça pública
e encenando-o entre as quatro paredes de um salão.
Apesar da abertura ao se passar a considerar mais amplamente o que fosse
literatura, mudou a concepção do cidadão, além do objeto da poesia, e, com isso, a
produção epigramática na Grécia teve por guia, principalmente, nesse período, a
erudição, tal qual os demais géneros da lírica. A nova visão de mundo ocasionou, de
certa forma, o surgimento de uma outra fase do epigrama na literatura grega, a fase
da imitação, na qual o género mergulhou e cristalizou-se. A novidade da época ficou
por conta da composição para ocasiões fictícias e da maior variação de temas,
baseados nessa abertura.
A produção do género epigramático tendeu, naturalmente, a se transformar em
uma produção com traços tradicionalistas e retóricos. Do ponto de vista da s
estrutura, passou a colher elementos do diálogo e a conferir aos seus assuntos
descrições mais ou menos ágeis; adquiriu, também, traços de narratividade além de
elementos dramáticos.
Entretanto, o epigrama helenístico evoluiu em outras civilizações tendo, na
efervescência da época alexandrina, exaurido o seu objeto e sua melhor produção na
Grécia.

O epigrama em Roma

Dos povos continuadores da produção grega interessa-nos, particularmente, o


romano. No estado de coisas em que estacionara o género na Grécia - transformado
em literatura, mantendo as suas características próprias da concisão, do fecho
desferido no verso derradeiro, da emissão de juízo e da sua difusão para além das
fronteiras dos géneros próprios dos dialetos poeticamente florescentes - a civilização
romana assume, então, para si a responsabilidade de reproduzir e dar continuidade à
produção desse género poético lírico no Ocidente, género que tão bem se adapta à
recitação circunstancial.
As origens da produção lírica de Roma, nas suas modalidades primitivas, isto é,
anteriores ao contato com o helenismo alexandrino, congregavam diversos géneros,
distribuídos em duas grandes modalidades, a lírica religiosa e a profana.
Em contato com a civilização alexandrina, as antigas manifestações de cunho
primitivo foram suplantadas pela produção lírica de cunho literário, no século III a.C,
com Livio Andronico. Esse aspecto da atribuição de maior presença do espírito

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romano, foi o início de uma nova literatura. Todavia, esse início aparentemente
semelhante àquele da literatura grega, apresenta uma série de particularidades.
O material da lírica grega aproveitado pela lírica romana passa pelo filtro da
adaptação ao espírito desta, vindo a diferir, primeiramente, no âmbito do florescimento
dos géneros. Apesar da repetição, na literatura latina, de praticamente todos os
géneros eclodidos na literatura grega, ainda assim não há coincidência na preferência
por determinados géneros entre este e aquele povo e, em segundo lugar, não há entre
eles coincidência na concepção do que seja literatura: a manifestação literária helénica
se pautava na cidadania e na religião e, em seguida, durante a época alexandrina, na
tentativa de retorno a esse mundo antigo, para os romanos, todavia, o material
transmitido pela cultura alexandrina fora adquirido visando à formação humana, ou ao
humanismo, herdado das ideias helénicas de aprendizado (paidéia) e sentimento de
humanidade (filantropia), aplicáveis à educação e cultura.
Os temas herdados da tradição alexandrina deveriam obviamente passar pela
adaptação ao espírito do povo romano. Apesar da tradição do género estabelecida e
fixada, a nova seiva do epigrama encontrou-se, sem dúvida, no espírito materialista,
utilitarista e prático desse povo.
O lirismo romano é o ato da interiorização do resultado dessa nova produção, o
subjetivismo, por sua vez, é a marca principal dessa nova ótica do lirismo: pela própria
visão utilitária da qual se reveste o povo romano, ambos, lirismo e subjetivismo, foram
os guias na opção pelos géneros, modelos, temas e objetos passíveis de uma produção
literária na concepção alexandrina. Desta feita, a opção pelos temas satíricos e
eróticos, temas cuja produção não vingara na Grécia, representou a fusão do resultado
do género epigramático no período alexandrino à visão romana de mundo.
Havia, porém, anteriormente a esse período, manifestações através do género
epigramático em Roma. No contato com a civilização etrusca, o epigrama grego com
características de simples inscrição já se encontrava lá documentado. Bickel (1982,
p. 351) situa temporalmente essa produção epigramática primitiva, normalmente
composta em versos saturninos, como sendo anterior à influência alexandrina,
demonstrando a sua abrangência, apesar das limitações, na relação entre homens e
circunstâncias, a qual,

...creó una serie de tópicos o lugares comunes (...) se convertió en património de todo un pueblo
en todas sus capas sociales. Con ella era posible contentar bien que mal a los escasos prohombres
encerrando sus nombres y las circunstancias particulares de $u vida en las pulidas fórmulas
tradicionales de la época dominada por la retórica...

Dentre os cultores do epigrama sob o modelo alexandrino na literatura latina, Ênio


destaca-se no tema fúnebre em hexámetro, Varrão destaca-se na dedicatória e Catulo
no tema erótico. Marcial, responsável pelo estabelecimento de outra tradição para o
género, dedica-se ao tema satírico. O epigrama era, segundo Robles (1954, p. 371),

a veia ideal de manifestação para os povos decadentes.

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Quando a corrupção e o Estado somente tinham voz, o epigrama se fazia presente
agindo como um segredo mal mantido, um boato disseminado.

As tradições

Com o surgimento e a repercussão da obra de Marcial, duas tradições literárias


são estabelecidas para o epigrama: em primeiro lugar temos as composições de
assunto mais grave, que seguem a tradição grega e se desenvolvem sob o modelo de
composições circunstanciais, de cunho laudatòrio, nas quais um tema é dado, uma
ocasião especial é comemorada ou alguém é homenageado. Muito se escreveu sob
esse modelo, principalmente em língua latina, a partir da Idade Média. Esse modelo
foi resgatado também durante os séculos XVII e XVin, período das academias, nas
quais as composições eram principalmente circunstanciais. Recentemente Cecília
Meireles, sob diferente concepção lírica, utiliza-se do epigrama ao retomar o modelo
de simples poema lírico e sob a perspectiva de uma lírica moderna (Friedrich, 1978)
em duas obras - Viagem / Vaga música, (Meireles, 1982) -, destacando da primeira
um epigrama que aqui reproduziremos para exemplo:

Epigrama NQ 2

És precária e veloz, Felicidade.


Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.


Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste, (p. 23)

Na outra tradição literária, situam-se as composições que apresentam maior


atualidade do tema e liberdade de criação. Estas composições, normalmente, pres-
tam-se melhor ao teor satírico, mas podem, da mesma forma, servir para assuntos
mais graves. Esse tipo de epigrama segue, geralmente, o modelo estabelecido por
Marcial. Essa maneira mais conhecida de se compor epigramas, foi, entre os poetas
da nossa literatura, bastante difundida, como se observa em Gregorio de Matos e José
da Cunha Cardoso.

As décimas de Gregorio de Matos são exemplos clássicos de composições do


género, segundo as suas características de concisão e desfecho guardado para o últim
verso (Ramos, 1967):

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ás religiosas que em uma festividade, que celebraram, lançaram a voar vários passarinhos

Décima

Meninas, pois é verdade,


não falando por brinquinhos,
que hoje aos vossos passarinhos
se concede liberdade:
fazei-me nisto a vontade
de um pasarinho me dar,
e não devendo-o negar,
espero m'o concedais,
pois é dia em que deitais
passarinhos a voar.
(Matos, 1976).

O académico José da Cunha Cardoso, secretário da Academia Brasílica dos


Esquecidos (1724-25) desenvolve os seus epigramas através das duas tradições: os
epigramas satíricos são escritos em vernáculo, ao lado dos epigramas sérios, escritos
em língua latina.
Exemplo 1:

ao inspirado retiro que fez para Lisboa o Padre Bartolomeu (da Paróquia do Rosário)

Epigrama

Os que lêem no calendário


todos afirmam constantes,
que o Padre fugiu pouco antes
da dominga de Rosário.
Eu não sei se isto em Lisboa,
onde andam todos aéreos
são de rosário mistérios
ou mistérios de coroa.
(Moraes, p. 128-29)

Exemplo 2:

Epigrama nQ 14: quem cala vence

Saepe silet stultus cupiens celare reatum


mentis, quam notam saepe loquela facit.

Si sic irisipiens superai, superare recuso;


multus amor vinci, vincere mullus amor.2
(Moraes, p. 105-6)

2. Tradução: Às vezes o tolo se cala, desejando ocultar a culpa da mente, / que muitas vezes as palavras tornam

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Considerações finais

Resta, portanto, entender a situação na qual se encontra o género epigramático


ao final da Idade Antiga, para apreender-lhe a essência transmitida para o período
posterior. Para tanto, resumiremos todos os dados, até agora expostos, com a
finalidade de torná-los baliza para tecermos as nossas considerações finais.
JSm primeiro lugar, desde a época do desenvolvimento da poesia épica, época
na qual a produção lírica grega era considerada primitiva, as composições do género
epigramático nunca tiveram uma forma fixa. Em termos de forma e de metro usado,
podemos observar a preferência pelo dístico elegíaco, justificada pelo efeito de reflexão
provocado na organização da estrofe, tanto na Grécia como em Roma.
As composições do género, via de regra, encontravam-se muito mais calcadas
no conteúdo a ser desenvolvido, que propriamente no seu aspecto formal. Desse
ângulo vislumbramos, portanto, a produção grega que era tratada com elementos de
uma visão racional e cosmopolita, no periodo clássico, sendo surpreendida pela
concepção alexandrina, a qual atribui aos textos o status de literatura com muito mais
abertura, permitindo uma disseminação de assuntos de caráter individual.
Esse material, passado aos romanos, por sua vez, une-se à tradição do género
epigramático herdada indiretamente, via civilização etnisca, segundo a qual o signi-
ficado primitivo de inscrição fora retomado. Tal fusão, somada à maneira prática de
ver o mundo, própria do povo de Roma, cinde a linha de progressão do género,
fazendo-a repetir a trajetória anterior: desta vez, porém, tendo, de um lado, a sua
produção de cunho literário, da qual apreendeu as preocupações religiosa, erótica,
circunstancial e votiva e, de outro, a produção sem preocupações retóricas que
discutissem a possibilidade literária do objeto, permitindo a criação de epigramas
cujos objetivos consistissem em abordar uma situação cotidiana, tal como fizera
Marcial.

Temos, então, três possibilidades de produção distintas para o género epigra-


mático, baseadas na sua elaboração e na sua intencionalidade:

1) O epigrama enquanto inscrição: sob essa modalidade desenvolvem-se principal-


mente os chamados Camuña prìapea que é um tipo de inscrição pública, relacio-
nada com os avisos e intimidações contra ladrões, danos em jardins etc. Originaram
as inscrições gravadas.
2) O epigrama enquanto breve poema lírico: dirige-se, nesse caso, a todas as coisas
e conteúdos mentais da vida do homem. Nesse grupo poder-se-á encaixar a
produção de cunho circunstancial e mitológico (poemas eruditos, festivos, religio-
sos etc.).

conhecida. / Se é de tal rriodo que o insensato se sobressai, recuso-me a sobressair; / há muito amor em ser
vencido, porque vencer não é amor.

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3) O epigrama enquanto poema intelectual: essas composições permitiam, quando
não exigiam, que o conteúdo estivesse ligado à engenhosidade do autor, fosse
discursiva ou humorística.
Mantiveram-se, sempre, traços da concisão, do desfecho picante, da emissão
de um juízo por parte do poeta, que, associados à progressão do conteúdo e das formas
do género epigramático, não impediram a sua evolução de simples inscrição primitiva
para instrumento de expressão poética cujos efeitos inusitados tanto devem aos seus
inovadores.

MORAES, C. E. M. de. Epigram: history and tradition. Rev. Let., São Paulo, v. 33, p. 249-258,
1993.

■ ABSTRACT: This paper is a survey based on several history books of Greek and Latin literatures which
helped us to describe the development of epigram along the centuries. It is a short account of the
epigramatic genre from its origins, when it was meant as simple inscription; to modern times, when
such composition developed into twofonns: one which followed the tradition of the lyrical compositions
of the old Greek poetry and the other, better known, linked to the satirical compositions developed after
Martial.

■ KEYWORDS: Lyric poetry; epigram; inscriptiom; alexandrine period; Martial.

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