A Regulação Da Contratação de Direitos Autorais - Livro Otávio

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A Regulação da Contratação de Direitos Autorais

Sinopse: I. Introdução. II. Identificação dos elementos essenciais à validade dos


contratos autorais. Capacidade jurídica para celebrar contratos de Direito Autoral
à luz do NCC e Direito de Autor. 1. Requisitos essenciais aos negócios jurídicos. 2.
Capacidade Civil. 3. Objeto lícito. 4. Sujeitos legitimados a contratar: autor (es),
co-autor (es), titular (es) patrimonial (ais). 5. Documentos necessários à
averiguação da legitimidade de contratar direitos autorais. 5.1 Autores. 5.2
Sucessores. 6. O Registro dos contratos de direitos autorais. Faculdade ou
obrigatoriedade perante a LDA/98. 7. Independência das modalidades de
utilização de obras intelectuais. 8. As figuras jurídicas da doação e a permuta. 9.
Contrato Autorais: formas de locação do direito de uso e transferência de domínio,
principais espécies e características. 9.1 Quadro sinóptico. a) Concessão. b)
Cessão. d) Encomenda. 10. Consideram-se cláusulas mínimas do contrato de obra
por encomenda. 11. Eficácia dos direitos morais nos negócios jurídicos de direitos
autorais. 12. Requisitos essenciais ao contrato de cessão de direitos autorais.

Uma homenagem: Foi uma experiência muito gratificante poder colaborar


no Curso Introdutório de Direitos Autorais promovido pelo Ministério da Cultura
e Associação Paulista da Propriedade Intelectual – ASPI em 2005, honraria
para a entidade que foi destacada a colaborar, bem como para mim como
sua representante neste mister. Nesta oportunidade, foi possível, mais uma
vez aprender com a vasta experiência e conhecimento do Gerente de
Direito Autoral do Ministério da Cultura – Sr. Otávio Afonso e perceber sua
satisfação em poder difundir a Cultura do Direito Autoral. Foi por meio de seu
espírito guerreiro, mas com a delicadeza de ser poeta que concretizou-se
com grande êxito um curso de formação tão bem aceito e bem aproveitado
pelos servidores federais de setores ligados à Cultura, para onde foi dirigida
reflexão a seguir proposta.
1
I. Introdução.

Os contratos autorais que regulam os negócios jurídicos decorrentes da


criação de obras artísticas e literárias, bem como da criação intelectual
inerente aos artistas intérpretes ou executantes, e atividades correspondentes
aos produtores de fonograma e empresas de radiodifusão.

No primeiro seguimento, os contratos regulam os direitos de autor e titulares,


enquanto no segundo seguimento, abriga-se a proteção dos direitos conexos
aos de autor.

Sob a égide da materialização do conhecimento não nos cabe repousar


sobre a cômoda alegacão do desconhecimento das orientações
fundamentais de Direito de Autor ou Direito Autoral.

Caminhamos sob diferentes modalidades de regulamentação da matéria


até o momento de sua concepção autônoma em 1973, sob o plasma da lei
5.988, e, posteriormente, mediante aperfeiçoamentos necessários advindos
do clamor da sociedade envolvida e da realidade imposta pelos tratados de
comércio internacional1. Assim, finalmente em fevereiro de 1998 houve a
promulgação da lei 9.610, legislação brasileira de Direito Autoral em vigência.

Todavia à superveniência de duas leis especiais federais, as relações


contratuais ínsitas à produção cultural e entretenimento nem sempre

1
TRIPs – Trade Related Intellectual Property Agreement.
2
coincidem com os parâmetros da legalidade. O aproveitamento indevido de
obras protegidas ainda é recorrente.

No Brasil, como em tantos outros países em desenvolvimento, ainda está por


se construir e solidificar a cultura do Direito de Autor, aquela onde uma
nação e não só um país venha acolher a preocupação da preservação da
integridade da dignidade da pessoa humana no exercício de sua liberdade
criativa.

E, esta liberdade não importa numa esfera indeterminada de possibilidades,


mas sim na real aplicação da proporcionalidade de remuneração a cada
uso consentido, bem como do respeito à integridade de concepção de uma
obra intelectual.

O escopo desse texto é apenas uma breve reflexão acerca da necessidade


de se identificar os usos permitidos pelo contrato, observando-se o conteúdo
expresso da vontade das partes ante os parâmetros da legislação aplicável.

Nosso ambiente de observação é a produção cultural. Neste, a produção


audiovisual, v.g. tem-se desenvolvido por cadeias produtivas, onde a
complexidade dos elos envolvidos, importa em inúmeros vínculos contratuais
entre autores, colaboradores (intelectuais), colaboradores (executivos),
técnicos, produtora (pessoa física ou jurídica) e co-produtora (pessoa
jurídica) em diferentes territórios.

Trata-se de um grande desafio para o Estado pautar-se pela prática da


correta observância da lei, do Direito e da jurisprudência quando do
exercício da responsabilidade administrativa de chancelar as autorizações

3
para a captação de recursos advindos de renúncia fiscal por via de projetos
culturais.

Para a melhor compreensão de uma contratação de direitos autorais,


façamos inicialmente a identificação dos elementos essenciais: capacidade
civil para celebrar contratos, legitimação dos sujeitos contratantes por meio
de documentos próprios, verificação da disponibilidade de seu domínio para
contratar (autorizar, licenciar, sub-licenciar, ceder ou sub-ceder), identidade
do conteúdo pretendido, território e prazo avençados.

II. Identificação dos elementos essenciais à validade dos contratos autorais.


Capacidade jurídica para celebrar contratos de Direito Autoral à luz do NCC
e Direito de Autor.

1. Requisitos essenciais aos negócios jurídicos.

O Código Civil de 2002 estabelece em seu artigo 104 os requisitos essenciais


para que qualquer tipo de contratação seja considerada válida, os quais
são:

 Agente capaz,
 Objeto lícito,
 Forma prescrita e não defesa em lei.

2. Capacidade Civil

Sabemos que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil (art.
1o. , NCC).

4
Todavia, os absolutamente incapazes não podem contratar, e se o fizerem,
tornarão o ato nulo. Eles terão que ser representados.

São considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos


da vida civil (art. 3o. CC):
I – os menores de dezesseis anos,
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Os relativamente incapazes terão sempre que ser assistidos e se não o forem


tornarão o ato anulável.

São considerados incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os


exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.

A capacidade dos índios é regulada pelo Estatuto do Índio.

Existem algumas hipóteses em que a incapacidade relativa dos menores


pode cessar (Parágrafo único do art. 5o., CC), ora vejamos:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante


instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por
sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

5
II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau em curso superior;

V- pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de


emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos
completo tenha economia própria.

A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica


habilitada à prática de todos os atos da vida civil (caput do art. 5o., CC).

Desta forma, podemos afirmar que as regras de capacidade civil são


plenamente aplicáveis nos contratos de direitos autorais.

Todavia, a capacidade civil não interfere na aquisição originária de direitos


de autor, uma vez que qualquer um pode criar uma obra intelectual e ser por
isso considerado autor.

Entretanto, a observância da capacidade civil é elemento essencial à


validade dos contratos. O autor, incapaz civilmente, só poderá transferir seus
direitos, assistido ou representado na forma da legislação civil.

6
3. Objeto lícito.

Não se confundem os objetos da obrigação e do contrato. O objeto da


obrigação é a prestação que o devedor deve fornecer ao credor. Contudo,
tanto o objeto do contrato, como o da obrigação, devem ser possível, lícito e
suscetível de apreciação econômica.

A impossibilidade pode ser física – quando o contrato objetiva prestação que


jamais poderá ser obtida ou realizada. A impossibilidade pode ser legal ou
jurídica – ocorre sempre que a estipulação se refira a objeto prescrito ou
condenado pelo direito (ex.: alienação de bem de família).

O objeto tem que ser lícito, isto é, conforme a moral, a ordem pública e os
bons costumes.

O objeto do contrato deve encerrar ainda algum valor econômico, com


ressalva daqueles firmados por gratuidade.

O objeto do contrato deve ser certo ou no mínimo determinável. No próprio


contrato deverão constar os elementos necessários à determinação do
objeto.

4. Sujeitos legitimados a contratar: autor (es), co-autor (es), titular (es)


patrimonial (ais).

Temos aqui duas diferentes categorias de sujeitos contratados:


a) Sujeitos originários: Autores .

7
b) Sujeitos derivados: Titular de direitos autorais patrimoniais: sucessores
dos autores2 (herdeiros3, legatários), cessionários.

5. Documentos necessários à averiguação da legitimidade de contratar


direitos autorais

5.1 Autores

 Simples declaração de autoria (bojo do contrato).


 Declaração de autenticidade.
 Certificado de registro da obra intelectual no órgão competente –
valor relativo, cabe prova em contrário.

5.2 Sucessores

a) Herdeiros

 Certidão de partilha com trânsito em julgado.

b) Legatários

 Declaração testamentária.

2
A titularidade de direitos autorais pode originar-se da sucessão legítima ou testamentária.
Quando do falecimento do autor, transmite-se a titularidade dos direitos autorais do autor
falecido aos herdeiros e/ou legatários. A ordem de sucessão é aplicada peculiarmente pelo
Direito de Autor. O Estado não sucede o autor, a obra cai em domínio público e não se integra
ao patrimônio imaterial do Estado. A Lei 5.988 de 1973 restringia a transmissão da aos
herdeiros até o segundo grau de parentesco, em linha reta ou colateral, bem como ao cônjuge,
legatários e cessionários (art.47 LDA/73). Consideravam-se herdeiros vitalícios apenas os
filhos, pais e cônjuges. Por sua vez, a Lei 9.610 de 1998 não reeditou esta limitação, agora a
sucessão de direitos autorais obedecerá a regra geral do Código Civil.
3
Os herdeiros são os únicos sujeitos que além dos autores podem exercer alguns dos direitos autorais de natureza
moral.

8
c) Cessionários

c.1 Pessoa Jurídica

• Contrato de direitos autorais.


• Identificação do título constituído: licença (exclusiva ou não) ou cessão
( total ou parcial e/ou definitiva ou temporária).

 Em todos os casos deve-se verificar as modalidades de utilização


autorizadas, bem como o território, prazo contratado, ou seja, os elementos
delineadores da vontade de contratar e por conseguinte da natureza do
instituto constituído.

• Contrato social e últimas alterações perante a Junta


Comercial.

• Identificar os sujeitos legitimados à celebração do negócio jurídico de


interesse – representante legal da empresa, entidade (ONG, OSCIP).

• CIC e RG do (s) representante(s) legal(is).

• Cartão CNPJ da empresa.

c.2 Pessoa Física

• Contrato de direitos autorais.

9
 Identificação do título constituído: licença (exclusiva ou não) ou cessão
( parcial ou total e/ou definitiva ou temporária).

6. O Registro dos contratos de direitos autorais. Faculdade ou obrigatoriedade


perante a LDA/98.

Não há obrigatoriedade do registro de contratos de direitos autorais para


que seu conteúdo opere a desejada eficácia em relação à coletividade
( efeito erga omnes).

Todavia, durante a vigência da Lei 5.988 de 1973, condicionava-se a eficácia


dos contratos de cessão total ou parcial de direitos do autor sob terceiros a
que esses fossem averbados à margem do competente órgão registral de
obra artística ou literária no Brasil4.

7. Independência das modalidades de utilização de obras intelectuais.

As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou


científicas ou fonogramas são independentes entre si. Este é um princípio
norteador da divisibilidade do conteúdo patrimonial do direito de autor
expresso no artigo 31 da Lei 9.610 de 1998.

O autor tem a faculdade de autorizar a exploração econômica de uma ou


mais modalidades de forma autônoma e independente.

4
Biblioteca Nacional – FBN, Escola de Música, Escola de Belas Artes da Universidade
Federal do Rio de janeiro, Instituto Nacional do Cinema ou Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia.
10
À cada modalidade explorada compete uma remuneração específica.

Na concessão de direitos autorais para licenciar a tradução de uma obra


intelectual, o autor pode conceder licenças específicas a diferentes editoras,
até durante o mesmo prazo de vigência do contrato, delimitando-se o
idioma e o território em cada caso.

As licenças poderão coexistir pacificamente, sem nenhum conflito de


interesses, quando respeitados os limites de seus inteiros teores.

A aplicação da independência das modalidades econômicas sob os


negócios jurídicos de direitos autorais opera-se tanto diante de autorizações
concedidas pelo autor, como no exercício da fruição dos direitos exercida
pelos demais titulares de direitos autorais patrimoniais.

O objeto central da proteção do Direito de Autor é a personalidade do autor


e por face desta, a obra criada e publicada no universo jurídico. Desta
forma, podemos afirmar que o criador intelectual está para a lei autoral
como o trabalhador está para a Consolidação das Leis Trabalhistas, bem
como está o consumidor perante o Código de Defesa do Consumidor.

O autor (criador intelectual) é o hipossuficiente protegido na relação. Em


caso de dúvida, contradição ou omissão na declaração de vontades
celebrada, os dispositivos pactuados deverão ser interpretados
restritivamente, e, nunca caberá a presunção da celebração de direitos e
obrigações não especificadamente descritos.

11
É fundamental recordar na análise de documentos inerentes a negócio
jurídico de direito de autor ou direitos conexos aos de autor que este deverá
ser sempre interpretado restritivamente – princípio da interpretação restritiva –
artigo 4o. da Lei 9.610 de 1998.

8. As figuras jurídicas da doação e a permuta.

Inicialmente, é necessário observar que no ambiente da produção cultural


nem sempre as expressões usadas condizem com a intenção dos
contratantes e/ou com a real necessidade destes para alcançar a
segurança jurídica necessária ao negócio jurídico pretendido.

Se a intenção ou a natureza da transferência é o uso gratuito


incondicionado de obra artística ou literária, a natureza do negócio jurídico a
instrumentalizar o desejo das partes não é o do instituto da doação presente
no Código Civil brasileiro.

Não se vendem direitos autorais, nem se doam, nem se permutam.


Transferem-se por cessão5.

Entendemos que opera-se a cessão não onerosa quando a vontade das


partes for celebrar a doação e a cessão onerosa no caso da permuta.

Poder-se-ia aventar a hipótese da concessão para a doação quando a


intenção da partes for apenas a locação de direitos autorais e não a
transferência da respectiva propriedade da faculdade econômica em
questão.

5
MORAES, Walter. Questões de Direito de Autor, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
1977, p.74.
12
9. Contrato Autorais: formas de locação do direito de uso e transferência de
domínio, principais espécies e características.

Os negócios jurídicos de direitos autorais podem ser classificados pela


distingüibilidade da natureza jurídica, ora insurgindo-se na forma da
concessão, ora como cessão de direitos.

As formas contratuais de locação e transferência de direitos autorais


operam-se por meio de três modalidades de atos jurídicos: concessão,
cessão e sucessão.

9.1 Quadro sinóptico.

a) Concessão: Autorização ou Licença – locação – uso e gozo de direitos


durante certo tempo e em determinado território.

b) Cessão: transferência do domínio.

b.1 Parcial – determinada modalidade para um ou mais território (s).

b.2 Total – todas as modalidades econômicas existentes à época da


contratação para um ou mais território (s).

b.3 Temporária: ex.:transferência de domínio condicionada, podendo


retornar à reserva do autor.

13
A concessão e a cessão de direitos operam-se pela celebração de negócio
jurídico entre vivos, enquanto na sucessão há a transmissão causa mortis de
direitos autorais.

Este é o instituto jurídico por meio do qual se efetiva as autorizações e/ou as


licenças de uso e gozo sob obras artísticas e literárias.

A Lei de Direito Autoral não adotou a nomenclatura de licença, faz tão


somente menção às terminologias de licenciamento e concessão.

Todavia, a doutrina mais recente não acusa diferenças relevantes entre


ambos os termos.

Na prática, o uso se faz à vontade do elaborador de contratos que pode se


valer dos diversos termos numa mesma minuta. Identifica o título do
instrumento de “licença de uso”, em seu bojo descreve o “licenciamento” e
quando da identificação do objeto usar o verbo “conceder” para delimitar o
prazo de vigência constituído pelos contratantes.

Muitos até denominam o termo “autorização” por licença precária, ou seja,


aquela licença usada para uma finalidade específica, em uma única
oportunidade, sem que se constitua sequer um prazo de vigência no tempo
e espaço.

O que realmente importa é saber que a natureza jurídica da figura jurídica


da cessão não coincide com a natureza de locação de propriedade
intelectual afeita a concessão. Esta, por sua vez, opera a transferência do
domínio da propriedade do autor ao cessionário. Em regra, não se restringe à
transferência da posse temporária, mas efetiva-se definitivamente.

14
d) Encomenda.

A encomenda não se manteve regulamentada sob a égide da Lei 9.610 de


1998. O regime jurídico da obra de encomenda delineado na LDA/73 não foi
incorporado pela LDA/98. Atualmente o regime da obra de encomenda é
definido de acordo com a vontade das partes contratantes.

Contrato de encomenda de obra intelectual é aquele mediante o qual


alguém (encomendado/comissário) se obriga a produzir uma obra
intelectual, por solicitação de terceiro (encomendante/comitente), pessoa
física ou jurídica.

O uso da encomenda pelo encomendante deve sempre respeitar os limites


estabelecidos no contrato: modalidades de uso e transformação da obra,
tempo de utilização, território.

Até mesmo na obra sob encomenda pelo vínculo de emprego, o autor,


mesmo assalariado, conserva seus direitos morais e patrimoniais, com as
limitações próprias da espécie de relação contratual. Aplica-se a mesma
regra de restrição de exploração ao uso contratado6.

Não poderá o encomendante usar a obra em forma diversa da descrita no


ajuste contratual, bem como não poderá corporificar a obra em
modalidades não existentes à época da contratação, se assim não houver
sido expressamente acordado.

6
A matéria poderá ser melhor analisada em PIMENTA, Eduardo. Princípios de Direitos Autorais. E. ...................,
Livros I e II.

15
A remuneração paga ao criador-encomendado confere o uso autorizado
apenas do objeto contratado e não a utilização indeterminada da obra7.

O autor de obra de encomenda renuncia ao direito moral do inédito, assim


que se forma o vínculo contratual entre autor e comitente. Remanesce seu
direito de retirar a obra de circulação, sob o ônus indenizatório. Admite-se a
impossibilidade do cumprimento de obrigação de encomenda contratual,
motivada pela perda da capacidade de produção físico-intelectual (perícia
técnica, habilidade ou os até mesmo instrumentos para prosseguir a
atividade de criação) do autor-contratado8.

É interessante salientar que o instituto da comissão ou encomenda implica


numa forma derivada de aquisição de direitos patrimoniais de autor. A
transferência dos direitos é formalizada por via contratual específica,
conforme as particularidades dos múltiplos aspectos do negócio jurídico9. A
contratação de encomenda não implica na ocorrência de cessão de
direitos de autor. Embora os dois negócios jurídicos possam destinar-se a um
mesmo fim, distinguem-se na essência e nos efeitos.

O Contrato de Encomenda impõe relações obrigacionais, existindo limitação


ao encomendante da utilização da obra nas condições estipuladas no
contrato. Enquanto que na Cessão de Direitos opera-se a transferência de
direitos do autor ao encomendante, perante a aquisição de um direito real,
tornando este último sucessor do autor.

7
Bittar, Carlos Alberto. Direito de Autor, p. 89. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.
8
Idem.
9
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor na Obra feita sob Encomenda, p. 81. Ed. RT. São Paulo:
1977.

16
Na ausência de estipulação contratual os direitos autorais pertencem ao
autor, cabendo a ele o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra.

10. Consideram-se cláusulas mínimas do contrato de obra por encomenda:

a) Identificação do instituto e objeto da encomenda;


b) Descrever a forma de consecução da obra (livre ou dirigida);
c) Descrever a destinação da utilização da obra, seja a uso particular ou
de terceiros;
d) Descrever a forma de exploração da obra, identificando-se as
modalidades de utilização de forma expressa e específica;
e) Especificar a remuneração (em regra) podendo, no entanto, o
contrato ser celebrado a título gratuito;
f) Apontar a vigência (prazo)
g) Determinar o território (local).

É importante observar a data do início da vigência do contrato de trabalho


que também integrar a cessão de obra intelectual. Neste caso, as criações
serão futuras, a partir da assinatura do contrato. Neste tipo de minuta deve-
se verificar se o prazo de vigência está dentro do permitido.

Há um limite de cinco anos imposto pelo artigo 51 da Lei n° 9.610/98, que


trata de cessão dos direitos de autor sobre obras futuras o qual determina a
renovação do instrumento pelo cessionário de cessão a cada cinco anos.

O contrato de encomenda de obra intelectual comumente apresenta-se


complexo por estar em regra combinado, ora com a concessão de direitos

17
(autorização/licença), ora com a cessão, ou até mesmo apresenta-se
associado ao pacto de edição da obra contratada.

No caso da encomenda com edição, o editor encomenda a produção e,


uma vez aceita nos limites da contratação, compromete-se a publicá-la,
mediante edição. Nesse caso, permanece com o autor a titularidade da
obra de sua criação, concedendo-se ao editor, nos termos do que consta do
artigo 53 da Lei n° 9.610/98, o direito de publicar e explorar, com
exclusividade, a obra, nas condições pactuadas com o autor.

No caso de encomenda com cessão de direitos patrimoniais de autor, como


já se disse, há transferência de titularidade ao cessionário, que adquire a
titularidade por forma derivada, em decorrência dos termos da cessão, que
poderá ser total e definitiva, parcial ou temporária.

No caso de encomenda com licença, o licenciado adquire tão somente o


direito de exploração da obra, de forma exclusiva ou não, nos termos do
contrato de licença, não havendo qualquer transferência de titularidade.

Em qualquer dos casos, concluiu-se que, seja qual for a natureza do contrato
da obra de encomenda (licença, cessão, ou edição) a transmissão de
direitos se opera tão somente com relação aos direitos patrimoniais, uma vez
que os direitos morais do autor, previstos no artigo 24 da lei 9.610/98, são
irrenunciáveis e inalienáveis (artigos 27 e 49, I).

Os contratos podem ser classificados por modalidades de exploração,


podendo ser nominados por contratos de reprodução e contratos de
representação.

18
O contrato de edição e o contrato de produção são os únicos tipificados na
Lei 9.610 de 1998. Os demais são negócios jurídicos atípicos, sem regulação
especial de forma e conteúdo pela lei especial.

11. Eficácia dos direitos morais nos negócios jurídicos de direitos autorais.

Do reconhecimento do aspecto moral, tem-se fixado as seguintes


orientações no Direito de Autor10:

a) imposssibilidade de cessão global e indefinida de obras, vedada em


virtude de não se poder obrigar o autor a produzir obras indeterminadas;

b) impossibilidade de execução inespecífica, pela mesma razão, pois isso


importaria em tolher-se a liberdade individual;

c) não restrição, na obra sob encomenda, dos direitos do autor, que, ao


revés, conserva os direitos morais e os patrimoniais não expressamente
compreendidos na convenção;

d) não restrição aos direitos do autor na obra de criador assalariado, o


qual mantém, também, de regra, os direitos não explicitamente
compreendidos no contexto do contrato, v.g. direitos morais.

12. Requisitos essenciais ao contrato de cessão de direitos autorais.

a) Forma escrita;

10
Bittar, Carlos Alberto. Direito de Autor, p. 88. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992.
19
b) Presunção de onerosidade; admite-se a forma gratuita;

c) É facultativa a averbação do instrumento contratual no órgão de


registro específico ao tipo de obra intelectual;

d) Especificação de todas as modalidades de exploração econômica


pretendida pelo contratante – cessionário;

e) Não se admite a presunção de cessão de direitos, deve vir expressa e


escrita no bojo da minuta;

f) Especificação de todas as condições de tempo – prazo de vigência


contratual;

g) Especificação de todas as condições de lugar – território contratado;

h) Mesmo na cessão total, remanescem na reserva de domínio exclusiva


do autor, as modalidades econômicas supervenientes à contratação de
cessão;

i) Mesmo na cessão total, remanescem na reseva de domínio exclusiva


do autor os direitos morais;

j) Restringir-se-á a cinco anos o prazo de vigência da cesssão de direitos


quando não mencionado por escrito;

k) Restringir-se-á a cinco anos o prazo de vigência da contratação de


cessão dos direitos de autor sobre obras futuras;

20
l) A cessão somente será válida para o território contratado;

m) Não se admite cessão de direitos de modalidades de utilização não


existentes à época da celebração do contrato.

Fica aqui expressada uma breve reflexão sobre a matéria, no intuito de


despertar os interlocutores e operadores das relações voltadas para a
produção cultural e entretenimento, que não se esqueçam desta matéria
tão relevante para que realmente tenham eficácia os Direitos de Autor e
Direitos Conexos, bem como a respectiva dignidade humana dos criadores,
como seja respeitado o patrimônio material e imaterial destes e de tantos
empreendedores culturais.

* Advogada em São Paulo – SP, sócia de Crivelli e Carvalho Advogados Associados. 1ª Vice-Presidenta da
Associação Paulista de Propriedade Intelectual de São Paulo – ASPI, Presidenta da Com. de Direitos Autorais do
IBPI - Instituto Brasileiro de Direitos Autorais, membro efetivo da Comissão de Propriedade Imaterial – Grupo
Direitos Autorais da OAB/SP; graduada pelo CEUB – Centro de Ensino Unificado de Brasília, pós graduada em
Direito de Autor e Direitos Conexos pela Universidade de Buenos Aires e em Contratos pelo Centro de Extensão
Universitária – SP.

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