A Ideia de Compaixão

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A ideia de compaixão no capítulo II


do Bhagavad-Gita
The idea of compassion in chapter II
of the Bhagavad-Gita

Marcel Alcleante Alexandre de Sousa*


UFJF

Recebido em: 06/10/2022. Aceito em: 19/10/2022.

Resumo: O Senhor Krsna ensina a seu discípulo Arjuna um caminho pertinente à


ação em meio à batalha. O estudo desse discipulado contextualiza-se em meio à
leitura do capítulo II do Bhagavad-Gita. Uma palavra chamou atenção no diálogo
de Krsna com Arjuna, a saber, o termo “compaixão”. Arjuna estava tomado de
compaixão. Dessa forma, por uma pesquisa bibliográfica, caracterizada por uma
revisão de textos em Open Access, estaremos nos aproximando desse termo na
sabedoria de Vedanta. Para tanto estarei fundamentado nossa apresentação em
alguns Upanishads. Reconhecendo, portanto, uma dificuldade para a realização
da mesma, mas que o ocorrido é valioso ao significado do termo.
Palavras-chave: Filosofia. Religião. Bhagavad Gita.
Abstract: Lord Krsna teaches his disciple Arjuna a path pertinent to action in the
midst of battle. The study of this discipleship takes place in the midst of reading
chapter II of the Bhagavad-Gita. One word caught the eye in Krsna and Arjuna’s
dialogue, namely, the term ‘compassion’. In this way, through a bibliographical
research, characterized by a review of texts in Open Access, we will be brin-
ging this term of Vedanta knowledge closer to the Western understanding of
compassion. For this we will be basing our presentation on some Upanishads.
Recognising, therefore, a difficulty in carrying it out, but that what has occurred
is valuable to the meaning of the term.
Keywords: Philosophy. Religion. Bhagavad Gita.

* Doutorando em Ciência da Religião (Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Juiz


de Fora, MG; Bolsista PBPG/PROPP 2022.1/ CAPES 2022.2). Mestre em Ciências
das Religiões (Universidade Federal da Paraíba – UFPB, João Pessoa, PB, 2020).
Graduado em Teologia (Instituto Santo Tomás de Aquino, Belo Horizonte, MG, 2014).
Graduado em Filosofia (Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Campina Grande,
PB, 2012).
E-mail: [email protected].

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.37 | N.3 | Set.-Dez. 2022 | p. 887-900


A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

Introdução

É imprescindível considerar para essa pesquisa a escassez de


produções acadêmicas no Brasil a respeito da antiguidade da Índia.
Mas, aqueles que se especializaram em filosofia indiana, desenvolve-
ram trabalhos relevantes para a pesquisa em torno do tema que aqui nos
propomos a apresentar.
Muitas são as dificuldades para um pesquisador desta área no país,
seja em função do idioma escrito nas fontes antigas no subcontinente
indiano, o sânscrito, seja pela visão viciada de desinteresse pelo oriente,
pois, “sendo um produto de forças e interesses políticos, o orientalismo
apresenta o Oriente como um sistema de representações dentro de um
conjunto de forças que acabaram por introduzi-lo na consciência e na
cultura ocidental”1. A respeito do que seria o oriente como o outro, o
diferente ainda é presente em nosso imaginário, carregando um peso de
preconceitos e indiferença em relação a estudos a respeito deste conjunto
de civilizações amplamente distintas entre si.
Nossa concepção de oriente abrange, basicamente, qualquer
sociedade em que esteja localizada entre Israel e Japão. Uma simples
observação a respeito das diferenças culturais entre este grande número
de civilizações é suficiente para perceber o quanto o termo é oriundo de
uma formação cultural ainda influenciada por esta construção limitada
do século XIX, o orientalismo. Por orientalismo entendemos a concepção
dominante das perspectivas de linguagem, cultura e sistemas religiosos
em relação aos outros.
Reforça-se, com esta pesquisa, a importância de se estudar uma
cultura baseando-se em fontes produzidas por ela própria; indo muito
além de simplificações e preconceitos estabelecidos por uma visão oci-
dental do que seria o ideal para uma cultura. Com isso, estimular uma
maior compreensão de uma Índia que vá além de telenovelas e de man-
chetes em portais de notícia tratando sobre a pobreza no país ou coisas
superficiais de uma cultura.
Portanto, as considerações realizadas neste estudo tem a pretensão
de apresentar e discutir as possibilidades conceituais para se pensar em
filosofia indiana em uma fonte antiga, produzida ao longo de séculos na

1
SANTOS, Héder Junior dos; CHAVES, Luana Hordones. Construindo “eles”: A ne-
cessidade de perceber o “outro” em um mundo então “nosso”. Mediações, Londrina,
v. 16, n. 2, 2011, p. 184.

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

região do subcontinente indiano. Gerando, com isso, uma maior compre-


ensão a respeito da história desta sociedade, considerando um importante
aspecto que documenta sua crença, os textos sagrados e desenvolver as
indagações que surgiram na leitura do capítulo II do Bhagavad Gita. O
conhecido diálogo entre o Sri Krsna e Arjuna.
O Bhagavad Gita é um marco na história religiosa da Índia, pois
ocasionou um tratado sobre a compaixão. É isso o que estaremos de-
fendendo enquanto tese deste artigo. Tais lições efetivadas, em diálogo,
despertam um interesse muito amplo no campo da filosofia, sobretudo
diante da seguinte pergunta: que podemos abstrair da ideia de ação
compassiva na mensagem do Gita, capítulo II?
Nesse momento, rezemos a seguinte invocação para prosseguirmos
com a nossa proposta:

Om! Que a minha fala se baseie na (isto é, concorde com a) mente; Que
a minha mente se baseie na fala. Ó Autorrefulgente, revela-Te para mim.
Que vocês duas (fala e mente) sejam as portadoras do Veda para mim.
Que nem tudo o que eu ouvi se aparte de mim. Eu unirei (isto é, elimina-
rei a diferença entre) dia E noite através deste estudo. Eu falarei o que
é verbalmente verdadeiro; Eu falarei o que é mentalmente verdadeiro.
Que esse (Brahman) me proteja; Que Ele proteja o orador (ou seja, o
professor), que Ele me proteja; Que Ele proteja o orador – Que Ele
proteja o orador. Om! Paz! Paz! Paz!2.

A metodologia utilizada neste estudo é o método bibliográfico.


Referem-se à pesquisa sistemática baseada em materiais publicados em
livros, revistas, jornais e redes eletrônicas que ofereçam Open Access.
Após selecionar o tema, definir um levantamento bibliográfico prelimi-
nar e fichá-lo. Foi elaborado um breve projeto provisório sobre o tema
demarcando apenas objetivos, hipóteses e problemática. Isso para poder
analisar o problema e a possibilidade de sua investigação.
A pesquisa científica existe em todos os campos da ciência e na
educação encontramos algumas publicadas ou em andamento. É o pro-
cesso científico de resolver, responder ou investigar questões no estudo
de fenômenos, temas ou problemas de ordem filosófica. Com isso, Bastos
e Keller definem com as seguintes palavras essa atividade acadêmica: a
“pesquisa científica é a investigação sistemática de um assunto, ­destinada a

2
AS UPANISHADS DO RIGVEDA EM PORTUGUÊS. Traduzidas do inglês para o
português por Eleonora Meier, 2016, s/p.

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

elucidar vários aspectos do estudo”3. Ainda sobre essa tentativa de justificar


a pesquisa, Gil diz que “a pesquisa é necessária quando não há informa-
ções suficientes para responder à pergunta, ou quando as informações
disponíveis são muito confusas para serem adequadamente relevantes à
pergunta”4. A pesquisa científica se apresenta de diversas formas, como
seria interessante realizar uma pesquisa de campo no universo/cultura
hindu e assim ter mais propriedade para discutir neste artigo o tema aqui
proposto. Apesar disso, podemos dizer que esse tipo de pesquisa foi ide-
alizado por diversos autores, entre eles Marconi; Lakatos e Gil; de certa
forma, também, pode ajudar a entender um dado a ser conhecido. Estando
inserida, primordialmente, em um ambiente acadêmico, visa aprimorar e
atualizar o conhecimento por meio de uma revisão bibliográfica.
Essa estratégia hipotética é o ponto de partida para um projeto de
pesquisa e, à medida que a leitura avança e o consequente amadureci-
mento do entendimento e dos requisitos da pesquisa, contornos claros
vão emergir das mudanças absorvidas. Assim, além do capítulo II do
Bhagavad-Gita, a pesquisa será realizada em recursos que enfatizem
outras fontes de interesse para a pesquisa bibliográfica: referências,
artigos e teses, periódicos científicos e resumos. Esses recursos serão
utilizados para pesquisa e incluídos na bibliografia. A leitura de partes
do material bibliográfico terá como objetivo a verificação de trabalhos
de interesse. A partir desse momento, faremos uma leitura analítica do
texto selecionado, identificaremos as ideias-chave, categorizá-las-emos
e sintetizaremos.
Para Prodanov e Freitas, esse artifício é considerado um método
para um fim. No passado, muitos pensadores defenderam que só há uma
forma de atender a todos os campos do conhecimento. Eles defendem
“uma abordagem de tamanho único”5. No entanto, cientistas e filósofos
da ciência defendem muitas outras abordagens. Esses métodos devem ser
utilizados consoante conteúdo a ser estudado e a classe de proposições.
Para Marconi e Lakatos, porém, é o conceito moderno de método que
importa. Para tanto, o autor “pensa, como Bunge, que o método científico

3
BASTOS, Cleverson L; KELLER, Vicente. Aprendendo a aprender. Petrópolis: Vozes,
1995. p. 53.
4
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2002. p. 17.
5
PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho
científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo
Hamburgo: Feevale, 2013. p. 24.

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

é a teoria da investigação”6. O método é, na verdade, uma construção


para se chegar a conquista de um fim, neste caso, fazer ciência com um
texto antigo e tão atual. Sem um método a pesquisa fica deficiente e sem
bases para outros assim fazerem o caminho e questionar aonde se chegou,
propondo, portanto, novas hipóteses e soluções para essa investigação.
A pesquisa qualitativa discute as descobertas por meio de análises
e percepções. Antes de tudo, devemos descrever o problema, geralmente
há explicações mais subjetivas, como: sentimentos, pensamentos, opi-
niões, sentimentos, visões. Nesse processo de pesquisa acadêmica, os
números não são buscados para constituir resultados válidos, mas sim
uma compreensão das trajetórias que causam problemas no trabalho.
É por isso que se baseia no que chamamos de profundidade de dados
imensuráveis. Isso ocorre porque os resultados da pesquisa qualitativa
se concentram nas opiniões dos entrevistados. Na pesquisa qualitativa
os alunos são tanto o sujeito quanto o alvo de sua pesquisa. Isso porque
o conhecimento deve ser parcial e limitado, pois a pesquisa é imprevi-
sível. Portanto, os resultados devem conseguir gerar novas informações.
Por fim, de forma mais sofisticada, as leituras serão interpreta-
das, inter-relacionadas e pesquisadas sobre o problema a ser resolvido,
solidificando raciocínios e argumentos baseados em elementos bem
definidos. Assim, uma abordagem da pesquisa bibliográfica por meio
da leitura de materiais selecionados partirá da organização lógica do
assunto, garantindo uma abordagem progressiva e equilibrada da redação
do texto, para depois passar para o formato mais consolidado para uma
análise aprofundada do texto, algumas mudanças de paradigma e, o mais
importante, o conhecimento do assunto.

1 Ensinamentos da compaixão na Tradição Vedanta

Tal tentativa hermenêutica reconhece que os diálogos que


constituem os Upanishads resultam de uma conduta sábia e guiada
pela força do Absoluto. Dessa forma, ao resgatar algumas citações
desses ensinamentos, estaremos defendendo que a compaixão está na
sabedoria de Vedanta, na atitude de um praticante de seus princípios.
Passemos a destacar alguns caros versos que, assim, podem nos auxiliar
em nossa defesa.

6
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia
científica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 84.

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

1.1 Do Livro I d’O Mahabharata e Capítulo 2 do


Bhagavad-Gita

O guerreiro Arjuna do diálogo com Sri Krsna em O Bhagavad Gita


aparece no Sambhava Parva do grande épico da Índia, O Mahabharata de
Krishna-Dwaipayana Vyasa. Dessa obra destacamos o verso 135, o qual
apresenta o ensinamento de Drona a Arjuna. Tais ensinamentos acerca
do uso do arco e da flecha apontam para uma compreensão significativa
do conceito de ação compassiva na filosofia indiana.
Nas palavras do Mahabharata:
Tu não deves, no entanto, usá-la contra um inimigo humano, porque se
for lançada em algum inimigo de energia inferior ela pode queimar o
universo inteiro. É dito, ó filho, que esta arma não tem rival nos três
mundos. Mantém-na, portanto, com grande cuidado, e escuta o que eu
digo. Se, ó herói, qualquer inimigo não humano lutar contra ti, tu então
poderás usá-la contra ele para conseguir sua morte em batalha7.

Impregnada por uma linguagem bem específica, levantamos a


hipótese que os ensinamentos perpassam pela cautela quanto ao uso
dos instrumentos de ferimento e morte aos humanos. Drona infere um
ensinamento de karmayoga. Suas palavras edificam o agir do ser humano
com compaixão. Em relação ao não-humano, Drona, está dizendo que o
guerreiro pode usar o arco e a flecha para vencer a batalha. Essas palavras
constituem a verdade sobre um arqueiro, pois consiste em discernir para
atingir o alvo e não atingir para depois discernir, já que estamos falando
de uma atitude adequada.
Este verso traz o diálogo de Arjuna com Drona, mas comparado
ao capítulo 2 do Bhagavad-Gita, temos Arjuna perguntando a Krsna:
“como posso lutar, no campo de balata, com flechas contra Bhisma e
Drona, que merecem respeito, ó Arisudana [Krsna]?”8. É diante dessas
palavras que foi traçado aquela hermenêutica acima. O Gita tem uma
característica marcante quanto ao respeito. A atitude “manchar de sangue”
é inadequado e não é um caminho saudável a consciência humana. Essa
atitude que outrora estava inebriada de bons sentimentos da parte de
Drona para com Arjuna, agora no Gita, retoma trazendo os fins do ensi-
namento em reta atitude. Percebamos que essas palavras denotam uma

7
O MAHABHARATA DE KRISHNA-DWAIPAYANA VYASA (135). [PDF], s/a, s/p.
8
BHAGAVAD-GĪTĀ (4). Tadução de Glória Arieira. Rio de janeiro: Vidya-Mandir, 2009.

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

filosofia. Embora para K Perumpallikunnel, em seu artigo Discernment:


the message of the Bhagavad-Gita, a partir do seguinte pensamento, a
saber, “O Bhagavad-Gita é completamente prático e livre de qualquer
ginástica intelectual, ou vaga, filosofia abstrata”9, mesmo assim, inferimos
esse posicionamento como uma atitude sabia e que, portanto, muito está
relacionado à filosofia/ ao discernimento. Pode até ser que tal pretensão se
afasta da ideia original da proposta do Gita, mas não custa nada apostar
em tal possibilidade hermenêutica.
Ainda, o mesmo autor e artigo diz que:

No entanto, uma vez que é a expressão do próprio Deus encarnado,


o Bhagavad-Gita é aprovado como parte do shruti (ouvido/revelado: Ve-
das e Upanishads) e é frequentemente chamado de Gitopanishad. De
acordo com seus devotos, o Bhagavad-Gita é a essência do conhecimento
védico e um dos mais importantes Upanishads da literatura védica10.

As palavras inferidas demonstram quão importantes é a obra. Não


só no âmbito da cultura Vedanta, mas para o conhecimento filosófico.
Reler o Gita a partir de metodologia filosófica é apropriar-se dos concei-
tos daquela cultura e torná-los universais. Como essência, salientamos
que a literatura aponta para um princípio a ser praticado não só pelos
devotos do Senhor Krsna, mas pela pluralidade, pois tais ensinamentos
estão ancorados em um saber que une as divindades aos seres humanos.
Nesse processo de união/caminho a compaixão é um conceito que me-
rece ser destacado. Defendemos que a compaixão é uma atitude para a
disposição. Drona ensina a compaixão a Arjuna e Arjuna dá conta que é
preciso agir, também, assim.
Desse modo, no Gita, capítulo 2, lemos uma sabedoria que se faz
presente nas palavras de Krsna e Arjuna. O coração do guerreiro não
pode prejudicar a outrem. É preciso evoluir e não se apegar ao material.

9
Segue a citação em seu idioma original: “The Bhagavad-Gita is thoroughly practical
and free of any intellectual gymnastics, or vague, abstract philosophy”. PERUM-
PALLIKUNNEL, K. Discernimento: a mensagem do Bhagavad-Gita. Acta Theologica,
Bloemfontein, v. 33, n. 17, p. 275, 2013. A tradução no idioma português é nossa.
10
Segue a citação em seu idioma original: However, since it is the utterance of the in-
carnated God Lord Krishna himself, the Bhagavad-Gita is approved as a part of shruti
(heard/revealed: Vedas and Upanishads) and is often called Gitopanishad. According
to its devotees, the Bhagavad-Gita is the essence of the Vedic knowledge and one of
the most important Upanishads in the Vedic literature. (PERUMPALLIKUNNEL, 2013,
p. 271-272). A tradução no idioma português é nossa.

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

2 Sentar perto para aprender o reto caminho

Os Upanishads constituem um grandioso ensinamento de Vedanta.


“As mais antigas escrituras da Índia, e as mais importantes, são os Vedas.
Todos os hindus ortodoxos reconhecem neles a origem da sua fé e o seu
texto escrito mais autorizado”11. Pensar a etimologia ­Upanishads
é o mesmo que adentrar da sabedoria dos escritos. Pois, a busca pelas
palavras que constituem o termo, apesar da dificuldade com o sânscrito,
pode assim ser resumida12: “upa” que diz daquilo que está próximo;
“ni” que transmite a ideia de claro, por fim, o termo “shad” que está
relacionado a conhecimento13.
De modo sintético podemos recordar o termo e dizer que:

O significado literal de Upanishad, “sentando perto devotadamente”,


traz à mente, de modo pitoresco, um discípulo dedicado aprendendo
com seu mestre. A palavra também significa “ensinamento secreto”
secreto, sem dúvida, porque um ensinamento só é outorgado àqueles
que estão espiritualmente prontos para recebê-lo. Outra interpretação
ainda é fornecida pelo grande comentarista do século XVII, Shankara:
conhecimento de Deus “o conhecimento de Brahman, o conhecimento
que destrói os laços da ignorância e leva à meta suprema da liberdade”14.

Essas palavras falam de modo bem explicito e estão no lugar em


que Arjuna se encontra: em posição de discípulo. Apesar dessa releitura,
podemos dizer que essa filosofia é de grande valia para os estudos sobre
o sagrado. É necessário conhecer tal sistema para então falar de seus
símbolos e forma de crença. Os Upanishads tratam de um conhecimento/
sabedoria de Vedanta. Esse termo denota o sistema filosófico enunciado
nos Upanishads: conhecimento que eleva a liberdade suprema.

11
UPANISHADS: SOPRO VITAL DO ETERNO, p. 6.
12
O termo upanishad, de modo essencial, é “[...] composed of three Sanskrit syllables –
‘up’ (pronounced as in full + pen), ‘ni’ (as in none + if) and ‘shad’ (as in shun + then). (a)
The word ‘up’ means ‘come near, sit down, benevolent, worship, destroy, cure/remedy,
to be free from disease or fault, enjoy, without hindrance’. (b) The word ‘ni’ means ‘not,
night, darkness, ignorance, special, and complete or full’. (c) The word ‘shad’ means
‘6 schools of thought, knowledge; to teach, to learn, to calm down, to destroy’”. THE
MAHAVAKYAS of the UPANISHADS. Tradução de Ajai Kumar Chhawchharia. Chapter
1: The upanisads, p. 10. A tradução no idioma português é nossa.
13
Para apresentar essa palavra foi lido o texto INTRODUÇÃO ao estudo das Upanishads
que está em Yoga Pro Br. Disponível em: www.yoga.pro.br/introducao-ao-estudo-das-
-upanishads/. Acesso em: 11 ago. 2022.
14
UPANISHADS: SOPRO VITAL DO ETERNO, p. 6.

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

Ainda sobre essa busca pela compreensão da sabedoria, são con-


siderados pelo Centro Ramakrishna Vedanta como:

[...] método que nos possibilitam buscar Deus de acordo com nossa
própria tendência individual, por meio de uma combinação harmônica
de meditação (Raja-Yoga), ação inegoísta (Karma-Yoga), devoção a
Deus (Bhakti-Yoga) e discernimento (Jnana-Yoga)15.

O método Vedanta aproxima o ser humano a Deus. Essa sabedoria,


então, não está desvinculada do (Raja)-(Karma)-(Bhakti)-(Jnana)-Yoga.
O Vedanta veio para formar a base sobre a qual o hinduísmo moderno foi
construído a partir da descoberta dos Upanishads pelo ocidente. Neste
caso, marcou época, pois a sabedoria dos Upanishads influenciou concei-
tos de diferentes pensadores, como, por exemplo, a doutrina da vontade
e da representação de Arthur Schopenhauer. Sobre isso, a dissertação de
Roberto Pereira Veras apresentada em 2015 na Universidade Federal da
Paraíba, no programa de Ciências das Religiões, infere esta ideia sobre
a influência de tais escritos. Assim, “o que podemos afirmar é que em
diversos momentos, e escritos póstumos, Schopenhauer menciona refe-
rências a conceitos oriundos do mundo clássico indiano”16.
Quando lemos com atenção os Upanishads descobrimos muitas
verdades, coisas profundas e que contrastam a mesquinhez do pensa-
mento ocidental. Por isso, não se pode ler os textos mais antigos da índia
com uma cabeça fora desse contexto. Mesmo que o termo compaixão,
pouco ou quase não defendido em ensaios acadêmicos, o Gita, embo-
ra, apenas poucas vezes, o apresenta. No primeiro capítulo, verso 27,
a palavra aparece com essa entonação que aqui transcrevemos: “Com
a visão de toda sorte de amigos e parentes para que o Senhor Krishna
assim o ouvisse palavras a isto atinentes, Árjuna então disse enquanto
dominado por indizível compaixão”17. A compaixão é um conhecimento
para a liberdade. Faz parte, pelo que podemos inferir, do discipulado.
Aprender a compaixão é integrar o saber dado pelo divino.

15
O QUE É VEDANTA? Centro ramakrishna vedanta. Disponível em: www.vedantacu-
ritiba.org.br/o-que-é-vedanta. Acesso em: 15 ago. 2022.
16
VERAS, Roberto Pereira. Schopenhauer e os Upanishads: vontade e representação
na tradição indiana. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões) – Uni-
versidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015, p. 96-97.
17
Bhagavad-Gita (27). In: BRAGA, Thiago Costa. A poesia do ser supremo: uma tradução
em verso do Bhagavad-Gita. São Paulo: Sankirtana Books, 2014.

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

Chama atenção esse sistema aos quais tenha sido lentamente,


elaborado pelos pensadores da Índia há milhares de anos, mas que se
apresentam bem estruturados e com um pensamento sólido e com uma
praticidade recomendável. Reconhecemos, com isso, que o sistema fi-
losófico indiano nos Upanishads trouxe uma abordagem antropológica
e literária, além de vasta, com possibilidades de diferentes diálogos. O
ato de sentar-se perto de seu mestre é a atitude de um amante do saber.
É através desse sistema que o discípulo aprende o autoconhecimento.
Como razão de estarem no mundo, os ensinamentos, em sua maioria,
devem ser mantidos como segredos, com isso, bem guardados na razão.
Ocupando, assim, um lugar de destaque no pensamento Vedanta. Os
grandes mestres da Índia carregaram consigo essa cultura viva. Eles
assumiram essa atividade de memória e transmissão. Vale ressaltar que
nesses escritos, seus números ultrapassam de duzentos ensinamentos.

3 Declarações acerca da sabedoria de Vedanta

Havemos de concordar que um breve olhar em alguns Upanishads


é necessário para estabelecer uma reta compreensão do termo compaixão
que assim estamos defendendo e que se apresentaram no Gita. Mas,
antes disso, convém perguntar: a compaixão é um conhecimento? Para
responder a tal questionamento, tradicionalmente, convém ressaltar que
“Os Upanishads representam a mais alta cidadela da evolução filosófica
da espécie humana”18. Com isso, ao falar dos mahavakyas, queremos
resgatar o conhecimento dos Vedantas e procurar dar conta do nosso
entendimento. Assim, eles proclamam, em poucas palavras, as mensagens
dos Upanishads. Que seria o mahavakya?
O MAHAVAKYA (singular; pronunciado como MAHĀVĀKYA;
Mahaa-vaakya) é os grandes “Ditos e Proclamações Espirituais universais
dos Upanishads que são as verdades profundas e absolutas”. Elas são as
verdades irrefutáveis e últimas proclamadas pelo Upanishads. Eles são
as grandes declarações, os mandamentos divinos, os axiomas e máximas
incontroversas dos Vedas e dos Upanishads; resumem a essência de seus
ensinamentos19.

18
The Upanishads represent the highest citadel of philosophical evolvement of human
kind. (THE MAHAVAKYAS Of the UPANISHADS: Chapter 1, p. 12). A tradução no
idioma português é nossa.
19
The “MAHAVAKYA” (singular; pronounced as “MAHĀVĀKYA”; Mahaa-vaakya) is
the great “universal Spiritual Sayings and Proclamations of the Upanishads that are

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

Para falar de sabedoria na filosofia indiana, o pesquisador ao me-


nos precisa ter uma noção dos que seja o mahavakya. De modo didático,
este quadro apresenta em proposições o conteúdo a que se referem tais
ensinamentos.

A Consciência é o Absoluto
A alma é o Absoluto
Tu és isto
Eu sou o Absoluto

As quatro afirmações, enquanto elementos constituintes da filosofia


entre os hindus se encarregam de aproximar o pesquisador ao conceito
de consciência. Para isso, é importante, ainda, destacar que:

Os órgãos dos sentidos tampouco são capazes de nos dar autoconheci-


mento. Eles servem para nos dar informação sobre o ambiente em que
vivemos, mas não conseguem revelar para nós o Ātma que somos. Nem o
banho no sagrado Ganges é capaz de nos dar autoconhecimento, assim
como tampouco nenhuma ação de caridade ou serviço à sociedade pode
nos dar autoconhecimento20.

Tal investigação reconhece que está na consciência o ponto


culminante para se conhecer. Tendo em vista que, os Upanishads
desenvolveram a ideia de que o núcleo interior do ser humano é o
mesmo que a verdade por trás das aparências. A consciência do ser
humano não consegue dar conta de descrever ou definir o Absoluto.
Deve ser por isso que o termo “NETI” diz de tal limitação e também
considera que os órgãos dos sentidos impossibilitam, em sua profun-
didade, o autoconhecimento. Tendo essa concepção em mente, o que
estava acontecendo com Arjuna? Ao estar tomado de compaixão, ele
não estava desejoso de enxergar a verdade? Pode ser que a ideia de
impessoalidade no que diz respeito aos sentidos e a consciência seria

profound and Absolute Truths”. They are the irrefutable and ultimate truths proclaimed
by the Upanishads. They are the great declarations, the divine commandments, the
spiritual tenets, and the incontrovertible axioms and maxims of the Vedas and the
Upanishads which are Absolute Truths, and they sum up the essence of their teachings.
(THE MAHAVAKYAS Of the UPANISHADS: Chapter 2, p. 20). A tradução no idioma
português é nossa.
20
ŚRĪ RĀMAGĪTĀ. Tradução comentada baseada nos ensinamentos de Swāmi
Paramārthānanda. 2019, p. 31.

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

a via para o saber e que tanto Arjuna estaria encaminhado em seu


estado. Deve ser por isso, que no Gita encontramos: “eu dominado
por covardia, com a mente incapacitada para decidir o que é certo
ou errado, peço-lhe: definitivamente ensine-me aquilo que é melhor
para mim”21. Diante dessas palavras o leitor passa a entender que
diante dos órgãos dos sentidos ou a consciência, a impessoalidade
se apresenta como uma prece ao Absoluto. Que seja ensinada a ver-
dadeira compaixão. Que o senhor Absoluto ensine como proceder. É
necessário, então, abandonar os desejos que levam ao apego22. Diante
disso, defendemos a concepção de que a compaixão presente nos
Upanishads denota ação. Arjuna é tomado não só pelo sentimento,
mas uma memória que o inibe, o faz pensar em agir corretamente, a
qual é denominada de autoconhecimento. Sendo assim, seus sentidos
e a sua consciência inferem nessa ação.

Conclusão

A conjuntura das publicações em torno da temática são escarvas


em língua portuguesa. Concordamos que isso dificultou o bom andamento
das pesquisas. Apensar disso, o diálogo acerca do autoconhecimento do
Capítulo II do Bhagavad-Gita, além de tratar, de uma prática, traz um
conhecimento de uma tradição filosófica milenar.
Os Upanishads, enquanto saber, apresentam aos nossos dias re-
postas às indagações, inquietações próprias do homem ocidental. Uma
dessas inquietações é a compreensão da palavra compaixão. As influ-
ências, com isso, tentaram apresentar que a compaixão no contexto do
autoconhecimento.
Diante disso, reconheceu-se que o Vedanta é verdadeiramente uma
ciência da realidade, da consciência e da plenitude. Com esse ponto de
partida, Krsna e Arjuna apresentam um discernimento entre o ser nas
batalhas e, também, o não-ser. Uma problemática que se mistura entre
as emoções, mas, evidenciando pela luz dos deuses.
Concluamos, portanto, com as sílabas que dizem acerca da cons-
ciência: “Om, Hrim, Om, Hrim”.

21
BHAGAVAD-GĪTĀ 2:7.
22
BHAGAVAD-GĪTĀ 2: 71.

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Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

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A ideia de compaixão no capítulo II do Bhagavad-Gita

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