Indentidade Cultural e Música
Indentidade Cultural e Música
Indentidade Cultural e Música
MODALIDADE: COMUNICAÇÃO
Resumo. Este artigo objetiva refletir sobre como música, memória e identidade se relacionam. Para
isso, foi construído um quadro com referenciais teóricos e empíricos que pudessem embasar
pesquisas nesta direção. Tendo em vista as dificuldades inerentes à própria natureza dos conceitos
aqui discutidos, buscou-se referências cuja abordagem fosse de caráter multidisciplinar, com
contribuições de áreas como Antropologia, Etnomusicologia, História e Sociologia. Alguns desses
trabalhos abordam essas temáticas no âmbito cultural mais amplo, outros, por sua vez, enfocam o
papel da música nesse processo. Nesse sentido, buscamos traçar relações entre esses trabalhos,
mantendo o enfoque nos processos que envolvem a música.
Abstract. This article aims to reflect on how music, memory and identity are related. For this, a
framework was built with theoretical and empirical references that could support research in this
direction. In view of the difficulties inherent in the very nature of the concepts discussed here,
references were sought whose approach was of a multidisciplinary nature, with contributions from
areas such as Anthropology, Ethnomusicology, History and Sociology. Some of these works address
these themes in a broader cultural context, others, in turn, focus on the role of music in this process.
In this sense, we seek to trace relationships between these works, keeping the focus on the processes
that involve music.
1. Introdução
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Buscamos discutir, com este artigo, as relações entre música, memória e identidade.
Para isso, foi construído um quadro com referenciais teóricos e empíricos que pudessem
embasar pesquisas nesta direção.
Este artigo encontra-se dividido em quatro partes. Na primeira, que corresponde ao
segundo tópico, buscamos problematizar o conceito de identidade cultural, com enfoque no
problema da “identidade nacional”. No terceiro tópico, discutiremos sobre a relação entre
música e cultura, trazendo algumas definições desses conceitos a partir das lentes da
antropologia e etnomusicologia. No quarto tópico, procuramos correlacionar os conceitos de
“memória” e “lembrança”, trabalhados respectivamente por Reily (2014) e Sarlo (2006),
buscando refletir sobre alguns processos nas culturas que atravessam as identidades culturais.
Partimos do pressuposto de que música, memória e identidade estão intrinsicamente
relacionadas, constituindo, como já destacado, as bases de toda e qualquer cultura. No quinto e
último tópico, discutiremos alguns exemplos empíricos com o intuito de pensar a música
enquanto ferramenta nos processos de construção das identidades culturais.
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Alguns direcionamentos e aprofundamentos a essas questões podem ser encontrados em DAVIS (2016);
HAIDER (2019).
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permitiram o surgir de uma nova sensibilidade, de uma nova sociedade, que Manuel Castells
chamou de “sociedade em rede”. Uma nova sociedade possível em virtude dos notáveis avanços
das tecnologias da comunicação (CASTELLS, 2020).
Para Hall (2006), as identidades modernas, nesta nova “fase da humanidade”,
parecem “flutuar” no espaço, ao mesmo tempo em que estão se reinventando a todo momento.
A reformulação das identidades permite novas configurações no tecido das culturas ao redor do
planeta. A música exerce um papel fundamental neste processo, nela também são processadas
estas mudanças. Na última seção deste artigo, discutiremos sobre a música como ferramenta na
construção das identidades culturais.
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compreender este fenômeno e atribuir significados a ele. Por outro lado, esse mesmo autor
considera tal conceito “oportuno” na medida em que ele permite uma certa apreensão para a
realização de estudos (BLACKING, 2007).
A forma como as sociedades compreendem e se relacionam com a música está em
estreita relação com a forma como elas se organizam culturalmente (política e
economicamente). Do mesmo modo, a estruturação de uma sociedade define as condições de
produção e recepção da música. Blacking apontou para a relação dialética entre música e
sociedade. Segundo ele, é possível localizar no interior da música, nos seus elementos
semióticos, a sociedade e as estruturas que a constituem; do mesmo modo que na sociedade
encontramos os elementos que constituem a música. Para Blacking (2007), a música não
somente reflete os aspectos da cultura, mas também contribui para a sua construção e para o
seu funcionamento. Ele propõe que compreendamos não apenas as relações mais superficiais
entre música e sociedade, mas também as conexões intrínsecas e como a música sintetiza
elementos mais gerais da cultura através dos seus elementos estéticos.
A música não tem a função de transformar a sociedade, tendo em vista que sua
“finalidade” é o próprio fazer musical. Contudo, “o fazer musical pode ser uma ferramenta
indispensável para a intensificação e a transformação da consciência como um primeiro passo
para transformar as formas sociais” (BLACKING, 2007, p. 208), isso porque a música pode ser
pensada como “força ativa na formação de ideias e da vida social”, por fazer parte do
emaranhado que compõe o tecido cultural, o que faz com que ela esteja articulada aos demais
aspectos da cultura que estão em movimento.
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Tendo isso no horizonte, para a discussão nesta seção, buscamos articular alguns
elementos discutidos por Suzel Reily, sobre “música” e “memória” (REILY, 2014), com um
recorte que abrange etnomusicologia em diálogo com as neurociências e a psicologia; e Beatriz
Sarlo, sobre “lembrança” e “passado” (SARLO, 2007). As autoras, respectivamente, discutem
sobre o papel que a memória e a lembrança exercem na constituição das identidades culturais,
seja para: a) reforçar os ideais tradicionais de uma cultura como; b) reivindicar a sua
transformação, a partir da emergência do “novo”. Acreditamos ser possível um diálogo entre
as duas autoras, no tocante a esses conceitos, de modo que permite jogar luz nos processos e
disputas travados em torno das identidades culturais que aqui nos interessam.
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desenvolvemos práticas diárias, tanto de ordem individual quanto social, influenciamos, pela
nossa agência, o assentamento e reforço de nossas práticas memoriais” (REILY, 2014, p. 4).
A “memória coletiva”, como discutida por Maurice Halbwachs (1990), diz respeito
ao processo de socialização dos indivíduos, que serve para estabelecer e reforçar as relações
com um determinado grupo ao qual pertencem. A identidade de um indivíduo, segundo
Halbwachs, que parte de uma corrente durkheimiana, é construída a partir da relação e interação
que um indivíduo estabelece com o seu grupo. Neste processo formativo, que passa pelas
instâncias cognitivas do consciente e inconsciente, o indivíduo incorpora, na sua subjetividade,
os comportamentos e valores do seu grupo, ao mesmo tempo em que tende a rechaçar aqueles
que o grupo repudia (HALBWACHS, 1990). No entanto, estes processos não ocorrem de forma
mecânica ou unilateral como podem parecer. Existem diversos elementos da “cultural oficial”
que tanto os indivíduos como os grupos podem reivindicar, contestar e até negociar, com certa
capacidade de agência. Consideramos mais adequadas as abordagens que pensam agente e
estrutura, indivíduo e sociedade em interação dialética.
Acerca das disputas que os grupos sociais travam pela memória, Reily (2014)
destaca o papel do corpo nesse processo, em especial às repressões e violações cometidas por
alguns grupos sobre outros. Neste sentido, a memória “é também um espaço de contestação,
marcado por interesses ideológicos, econômicos e culturais. O corpo, em particular, constitui
um foco de contestação da memória social” (REILY, 2014, p. 11).
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Portanto, essas discussões por Reily (2014) e Sarlo (2007), em torno dos conceitos
de “memória” e “lembrança”, são extremamente importantes, porque jogam luz nos processos
de funcionamento e organização das culturas, e como nelas os indivíduos e grupos sociais
agenciam e reivindicam suas identidades culturais – sobretudo por meio de disputas –, em
condições históricas e materiais específicas. A música se processa neste meio do mesmo modo
que também contribui para o processamento destes movimentos. Diante disso, na quinta e
última seção deste artigo, veremos que a música se revela uma “ferramenta” fundamental na
construção e no reforço das identidades culturais.
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Idade Média. Faziam isso por meio do canto. Tendo, para isso, desenvolvido um sistema
musical particular.
6. Considerações finais
O quadro construído neste artigo, buscou refletir sobre como música, memória e
identidade se relacionam. No que diz respeito à “memória”, podemos pensá-la como um
mecanismo que “dá liga” entre os elementos que compõem uma cultura: comportamentos e
valores, características que, de um modo geral, vão compor e moldar as identidades culturais.
A memória enquanto mecanismo individual, como vimos, a partir de um olhar mais detido nos
processos neurofisiológicos, gerenciados pelo cérebro humano; é a principal responsável pela
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Em suma, buscamos mostrar, com este artigo, que música e cultura não devem ser
pensadas como instâncias separadas, mas como processos que se atravessam e se interconectam.
Os elementos mais amplos da cultura e da sociedade são refletidos na música da mesma forma
que a música trabalha esses elementos mais amplos. A música contribui para a construção
simbólica de uma cultura de tal sorte que toda e qualquer mudança na cultura é também
processada pela música. Ela contribui para a construção, manutenção e reforço das identidades
culturais ao ponto dos grupos também disputarem pela sua hegemonia. Neste sentido, se
queremos entender o papel da música em uma determinada cultura, devemos buscar os meios
de produção e de consumo, em determinado contexto. Por fim, com efeito, se a memória exerce
papel fundamental na organização da cultura, ela também exerce um papel central na
organização da música. Estudar as relações entre música, memória e identidade pode abrir
novas perspectivas e dimensões ainda não exploradas.
Referências
BLACKING, John. Música, cultura e experiência. Cadernos de pesquisa. São Paulo, n. 16, p.
201-218, 2007.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. ed. 22. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2020. 629 p.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo. 2016. 248 p.
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HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. São Paulo: Veneta.
2019. 160 p.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. ed. 11. DP&A. 2006. 104 p.
HALBWACHS, Maurice. Memória individual e memória coletiva. (cap. 1). In: Memória
Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. p. 25-52.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2001. 117 p.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. p. 9-44.
SILVA, Tomaz. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. ed. 15. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014. 136 p.
TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Editora 34, 2000. 360 p.
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