Capitulo 1.2 - Rascunho

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1.2.

1 O papel da música na sociedade

A música é uma arte que se faz presente em todas as culturas (RCNEI, 1998,
p.45) e suas manifestações e funções variam conforme o local e o tempo histórico,
assim ela é um fenômeno que ocorre comumente no mundo, mas como linguagem
não é universal, pois em cada região ou época o homem atribui seus significados,
suas características aos eventos artísticos. Exemplos disso, é a presença dos
microtons na música oriental enquanto na ocidental estes não aparecem e, por vez,
causam estranhamento aos ouvintes ocidentais.

[...] a escala de sete sons, a tonalidade, etc. representam códigos formais


aos quais a musica ocidental obedeceu durante três séculos, e que a opõem
nitidamente à música dos outros continentes, que pode nos parecer
incompreensível ou monótona simplesmente porque não se baseia nas
mesmas convenções [...] (Forquin,1982, p.42 apud Penna, Maura (2010)
p.31).

Além disso, ao analisar os estilos musicais percebe-se que, a depender do


ouvinte, podem tocar-lhe positivamente ou negativamente, desse modo há
influencias de caráter estético e do significado atribuído pelo sujeito para que a
comunicação entre o apreciador e o autor da obra aconteça. Nas palavras de Penna,
Maura (2010):

Na medida em que alguma forma de música está presente em todos os


tempos e em todos os grupos sociais, podemos dizer que é um fenômeno
universal. Contudo, a música realiza-se de modos diferenciados, concretiza-
se diferentemente, conforme o momento da história de cada povo e de cada
grupo. (Penna, Maura,2010, p.20).

A autora também esclarece: “Esperamos, portanto, ter deixado claro que a


música não é uma linguagem universal. É, sem dúvida, um fenômeno universal, mas
como linguagem é culturalmente construída”. (Penna, Maura,2010, p.22). Neste
sentido, pode-se afirmar que esta arte carrega as histórias, convenções sociais,
costumes e valores dos grupos das sociedades, influenciando e sofrendo influencias
a cada geração, ademais esta é uma das funções que ela exerce. Hummes, J. M.
(2014) aborda sobre a música e suas funções na sociedade, neste artigo ele traz as
concepções do autor Merriam (1964), o qual estabeleceu dez categorias da função
da música na sociedade, são elas: expressão emocional, prazer estético,
divertimento, comunicação, representação, reação física, impor conformidade às
normas sociais, validação das instituições sociais e dos rituais religiosos,
contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura e contribuição para a
integração da sociedade. Além desse autor, Hummes também apresenta a revisão
feita pelo autor Swanwick (1997) das categorias de Merriam, assim ele definiu duas
divisões: a função de transformação e transmissão cultural, ou a reprodução
cultural, neste parâmetro Swanwick destaca a forma como a música é
utilizada para manter os costumes das culturas, como também ela tem o
poder de provocar as transformações da prática popular. Dentro desta linha
de raciocínio, pode-se dizer que ocorre um processo que Vygotsky chama de
“mediação simbólica”, ou seja, a música aparece como instrumento e signo
que modifica o mundo e o sujeito, como também provoca mudanças em si
mesma transparecendo a subjetividade de cada pessoa ou comunidade.
Bastos (2014) faz uma explanação sobre esta teoria de Vygotsky (1991):

O uso dos instrumentos e o dos signos orientam diferentemente o


comportamento humano, uma vez que os instrumentos devem promover
mudanças nos objetos, enquanto o signo promove mudanças internas, no
próprio sujeito. A ação humana mediada por instrumentos modifica a
natureza e, ao mesmo tempo, transforma o próprio homem, na medida em
que, à diferença da ação animal, ela é produtora de sentido. Bastos (2014,
p.54).

Ainda dentro da teoria de Vygotsky destaca-se a atribuição do


significado feito pelo indivíduo aos instrumentos. Fazendo uma analogia a
música como um instrumento do ser humano, ocorre que esta arte pode trazer
sentimentos, reações, expressões ou funções variadas a partir da interação
entre os pensamentos já existentes e o fenômeno artístico e, por meio dessa
comunicação o indivíduo criará o seu significado.
No tange a esses aspectos, nota-se que a música se constituirá a partir
da ideologia da sociedade que se insere, pois ao longo de sua história seus
valores obtiveram diversas concepções. A autora Fonterrada, Marisa (2008)
expõe este ponto de vista e afirma que os valores atribuídos a musica estão
atreladas as concepções da sociedade. Além disso, Fonterrada destaca que
na educação houve um declínio na ideia de valor musical, na qual aparece
como sinônimo de entretenimento, ferramenta para condicionamento de
conduta e apoio de disciplinas, ela também afirma a importância de se
acompanhar os trajetos artísticos para se compreender o que ocorre
atualmente. Nas palavras da autora:

A ideia de que o valor da música e da educarão musical sofrem


modificações a cada período histórico mobiliza a necessidade de refazer o
percurso do pensamento em diferentes épocas em busca dessas
transformações [...] Ver-se-á que, em cada época, os valores, a visão de
mundo, os modos de conceber a ciência dão suporte à prática musical, à
ciência da música à educação musical; é importante que se reconheça esse
fato para que se compreenda a problemática do ensino da música hoje[...]
(Fonterrada, Marisa,2008, p.25 )

Em consonância a autora citada acima, vale destacar que a critica


referente a educação musical é pauta de diversos autores e que posicionam
opiniões negativas a respeito do Brasil. De acordo com Brito (2003):

Ainda percebemos fortes resquícios de uma concepção de ensino que


utilizou a música – ou, melhor dizendo, a canção – como suporte para a
aquisição de conhecimentos gerais, para a formação de hábitos e atitudes,
disciplina, condicionamento da rotina, comemorações de datas diversas etc.
(Brito, Teca, p.51, 2003).

Após a LDBEN n.9394/96, foram elaborados pelo Ministério da Educação


documentos orientadores para os currículos escolares, destaque-se assim, o RCNEI
- Referencial Nacional para Educação Infantil que no seu 3º volume estabeleceu os
eixos para conhecimento de mundo e dentre um deles encontra-se a “música”.
Neste documento, o eixo musical aparece com o propósito de que o indivíduo
vivencie as experiencias de forma sensível e critica formulando hipóteses na
contribuição de um sujeito capaz de construir seu próprio conhecimento.

O trabalho com Música proposto por este documento


fundamenta-se nesses estudos, de modo a garantir à criança a
possibilidade de vivenciar e refletir sobre questões musicais,
num exercício sensível e expressivo que também oferece
condições para o desenvolvimento de habilidades, de
formulação de hipóteses e de elaboração de conceitos.
(RCNEI, vol.3, p.48).

A colocação da música como importante componente para o desenvolvimento global


do indivíduo é uma forma de democracia e promove a sua valorização dentro da
sociedade, embora sua relocação ainda caminhe a passos lentos. Assim, faz-se
necessário recapitular as classificações Swanwick, (1997): a sociedade que utilizar
a música como função de transformação cultural proverá todo o universo artístico
para o estudante em prol das ressignificações e avanços. Mas, a função de
reprodução cultural, se estagnará e manterá o “statu quo”.

1.2.2 A música no desenvolvimento infantil

A relação entre música e o desenvolvimento tem sido alvo de pesquisas para os


estudiosos. No que se refere ao cérebro humano, a ciência revela que o contato om
esta arte proporciona o acionamento das funções dos dois hemisférios cerebrais,
isso porque o aprendizado musical depende de várias funções cerebrais como a
memória, percepção auditiva, linguagem verbal, analise, etc. (Ilari, Beatriz 2003). No
artigo (revista ABEM) a autora refere-se a escuta analítica do músico treinado,
evidenciando a importância da apreciação atenta às características musicais.

Enquanto o não-músico processa informação musical primordialmente no


hemisfério direito do cérebro, o músico treinado processa informação
musical nos dois hemisférios, e apresenta uma quantidade maior de
conexões entre os hemisférios durante as atividades de escuta musical.
(Bever; Chiarello, 1974, apud Ilari, Beatriz 2003)

Além disso, a arte musical não só estabelece o desenvolvimento de aspectos


cognitivos, como proporciona ao desenvolvimento integral do indivíduo, dessa forma,
contribui na interação social, comunicação, aquisição da autonomia, criatividade,
pensamento crítico e analítico, construção da identidade, afetividade, concentração,
percepção sonora, na motricidade e aquisição do gosto pela música.

Vale ressaltar que no ambiente escolar, a música deve ser inserida de forma
interdisciplinar, mas, não se pode reduzi-la a canções cotidianas infantis ou a
qualquer outra forma reducionista. A musicalidade é capaz de proporcionar o
desenvolvimento integral dentro de seus próprios aspectos. Sendo assim, o
profissional da educação poderá apresentar as diversidades de canções tanto do
território brasileiro e outras culturas do mundo, promover a exploração das
expressões corporais, faciais, gesto, movimento, promover a percepção som ou
silêncio, enfim, oferecer as crianças atividades que oportunize o contato com todas
características musicais. O RCNEI no seu 3º volume propõe três atribuições a serem
consideradas dentro dos conteúdos musicais, são elas: produção – refere-se as
atividades de improviso, interpretação e composição. Apreciação – relaciona-se a
percepção e análise dos aspectos musicais. Reflexão – refere-se às atividades de
criação, observação e organização musical. Observa-se que o Referencial
Curricular Nacional para Educação Infantil contribui no direcionamento de propostas
com finalidade de desenvolver a criatividade, a criticidade, a autonomia e as
capacidades perceptivas e analíticas.
Teca Brito em sua obra “Música na Educação Infantil” traz diversas situações
vivenciadas em suas aulas, na qual coincidem com as propostas feitas pelos
documentos oficiais brasileiros. A autora demonstra em seu livro o engajamento das
crianças durante as atividades e o potencial nas criações e formulações de
hipóteses delas.
Também é possível relacionar o que foi proposto pelo RCNEI às formas de
atividades lúdicas apresentadas por François Delalande, que se baseia na teoria de
Piaget referente ao “jogo”, são elas: exploração musical (jogo sensório-motor),
expressão musical (jogo simbólico) e atividades vinculadas a estrutura da linguagem
musical (jogo de regra). (Brito, Teca, 2003, p.31). Da mesma forma que Piaget define
que as brincadeiras/jogo evoluem conforme os estádios de desenvolvimento,
Delalande obtém esta mesma perspectiva as atividades lúdicas musicais. Desta
forma, o professor deverá atentar-se para enquadrar as propostas de acordo com a
fase que se encontra a criança. Com os bebês, por exemplo, a exploração sonora
torna-se fundamental, uma vez que contribui na comunicação e por conseguinte a
aquisição da fala.

O processo de musicalização dos bebês e crianças começa


espontaneamente, de forma intuitiva, por meio do contato com toda
variedade de sons do cotidiano, incluindo aí a presença da música. [...] é por
meio das interações que se estabelecem que os bebês desenvolvem um
repertório que lhes permitirá comunicar-se pelos sons; os momentos de
troca e comunicação sonora-musicais favorecem o desenvolvimento afetivo
e cognitivo[...]. (Brito, Teca, 2003, p.35).

As atividades de expressão musical, como o canto, a dança, os jogos de


mãos, a sonorização de histórias, etc., contribuem para o desenvolvimento motor,
rítmico, auditivo, comunicação e consciência corporal. Segundo Brito, 2003 “O canto
e a dança estimulam a percepção e a consciência e ao mesmo tempo a criatividade,
a capacidade de transformar, inventar, improvisar, organizar”.
Nas atividades que envolve as estruturas da linguagem, pode-se explorar a
representação da escuta e registro espontâneo da criança, permitindo o
desenvolvimento da atenção e capacidade analítica. Conforme Brito,2003 “”
Desenhar o som” é registrar intuitiva e espontaneamente os sons percebidos” e
acrescenta “” desenhar o som” é também maneira de conscientizar, qualidades de
som, como altura, duração, intensidade e timbre. Bem como ao promover a
construção de instrumentos em sala possibilita ao exercício da criatividade e
formação de conceitos das características dos instrumentos e do som. Para Brito:

“Além de contribuir para o entendimento de questões elementares


referentes à produção do som e às suas qualidades, à acústica, ao
mecanismo e ao funcionamento dos instrumentos musicais, a construção de
instrumentos estimula a pesquisa, a imaginação, o planejamento, a
organização, a criatividade”. (Brito, Teca, 2003, p. 69).

Não é sobre formar futuros músicos e sim formar um indivíduo em sua


integralidade por meio de algo que lhe é significativo. Brito, Teca (2003) afirma: “A
educação musical não deve visar à formação de possíveis músicos do amanhã, mas
sim à formação integral das crianças de hoje”. É no brincar e nas interações que as
crianças aprendem. As atividades musicais contribuem para a aprendizagem
significativa e promove o desenvolvimento no brincar musical da criança. Teca Brito
em seu livro “Um jogo chamado música” faz uma observação das palavras jogar,
brincar e tocar (instrumento), em algumas línguas, por exemplo, no inglês esses
verbos são representados por “to play”, mas em português e em espanhol esses
verbos aparecem como se fossem ações diferenciadas, colocando a técnica musical
em outra dimensão. Percebe-se entretenimento, resultando na separação do brincar
ao aprender dentro dos ambientes escolares. Desse modo, o autor Leontiev (2010)
que faz uma análise da teoria de Vygotsky sobre o brinquedo (brincar) na idade pré-
escolar, revela que o foco para criança não está no resultado final, mas no processo,
no ato de brincar, assim, o mesmo pode-se afirmar do fazer musical infantil que terá
sentido dentro da própria experiencia, ou seja, não tem vínculo com assim, a
perspectivas culturais que dividem música técnica à música do os resultados
técnicos, pois o que importa é a ação do cantar, expressar-se, de dançar, de sentir,
de explorar, etc.

Ademais, a educadora Maria Montessori atribuía em seu trabalho com as


crianças diversas atividades que envolve o universo musical, relacionando a
“experiência sensível”, que se estabelece na percepção do som, do silencio e do
movimento. O universo sensível para a autora refere-se aos cinco sentidos, os quais
têm grande importância por contribuirem para o desenvolvimento intelectual e
execução das tarefas. Para Montessori, M. (1965) :

Temo-nos sempre orientado por aquele princípio segundo o qual é preciso


partir das ideias para descer às vias motoras. Assim, educar significa
ensinar intelectualmente, para só depois chegar à execução. Geralmente,
ao ensinar, falam os do objeto que nos interessa, induzindo depois o aluno,
que compreendeu, a executar um trabalho relacionado com o referido
objeto. Mas, não raro, o aluno, que compreendera muito bem as ideias,
encontra enormes dificuldades na execução da tarefa porque faltou-lhe, em
sua educação, um fator de primeira importância: o aperfeiçoamento das
sensações. (Montessori, Maria, 1965, p. 100).

Assim, a autora deixa claro, a importância de a criança explorar antes da orientação


de conceitos, ela defende que a crianças aprendem por meio dos sentidos e dentro
dessas interações o sujeito mobiliza seus conhecimentos e internaliza os conceitos.
O trabalho com o som e silencio potencializa a percepção da criança em relação ao
meio, como também a “lição do silencio” contribui para aquisição da disciplina e
controle do movimento. De acordo com Montessori o som é resultado do mundo em
movimento e ao requisitar-se o silencio necessita-se do esforço físico de não se
movimentar.
As diversas experiencias do mundo sensível feita por Montessori comprova e
defende a percepção dos autores e dos documentos referidos neste artigo, na qual a
promoção da exploração, vivencias e interação com o meio promovem o
desenvolvimento pleno do indivíduo, principalmente na primeira infância.

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