Venezuelanos Vivendo em Situação de Rua Próximo Ao Terminal de Boa Vista
Venezuelanos Vivendo em Situação de Rua Próximo Ao Terminal de Boa Vista
Venezuelanos Vivendo em Situação de Rua Próximo Ao Terminal de Boa Vista
(Foto: Cintia
Barbosa)
Do ProMigra
A migração venezuelana para o Brasil continua sendo um desafio para a aplicação efetiva de
políticas públicas migratórias pelas autoridades governamentais brasileiras. Entre as principais
medidas tomadas pelo Governo Federal para receber o deslocamento migratório venezuelano
está a implementação da Operação Acolhida, que oferece assistência humanitária aos migrantes
em três eixos: ordenamento da fronteira, abrigamento e interiorização.
Em 2022 a Operação Acolhida foi reconhecida pela ONU como um trabalho pioneiro na prestação
de assistência humanitária, colocando o Brasil em posição de destaque internacional. Apesar desse
reconhecimento e da forte atuação governamental juntamente com agências internacionais e
organizações da sociedade civil, ainda é um desafio gerenciar o deslocamento intenso de
migrantes venezuelanos que ingressam diariamente no território brasileiro.
De acordo com informações divulgadas pelo Portal da Imigração, em janeiro de 2023 foram
registradas 16.953 entradas de venezuelanos no Brasil, o que representa um aumento significativo
em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando houve a entrada de 14.627
venezuelanos. Apesar de toda a estrutura do aparato humanitário e a sua importância para a
efetividade das políticas migratórias brasileiras, o caráter multifacetado do deslocamento
venezuelano cria um desafio na prestação da assistência humanitária.
Um dos exemplos mais sintomáticos é o caso dos migrantes venezuelanos em situação de rua no
entorno da rodoviária de Boa Vista. O Terminal José Amador de Oliveira, localizado bem próximo
aos Abrigos Humanitários, do Posto de Interiorização e Posto de Triagem (todos da Operação
Acolhida), tornou-se uma “ocupação espontânea” criada pelos venezuelanos. O idioma espanhol é
praticamente o idioma oficial da região. A situação de vulnerabilidade foi ainda mais
potencializada com o fechamento de alguns abrigos na capital roraimense.
Caminhando mais um pouco e aguçando o olhar, é possível notar que roupas estão estendidas nas
grades que separam a rodoviária da rua, funcionando como um varal improvisado. À noite, o local
se torna um espaço para dormir, criando um cenário que lembra a obra “Retirantes”, de Candido
Portinari. Apesar da situação na região, alguns projetos estão presentes em seu entorno. O Projeto
Orinoco – Águas que Atravessam Fronteiras, organizado pela Cáritas e o Posto de Recepção e
Apoio (PRA), gerido pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), distribui refeições e
oferece dormitórios, tudo de forma gratuita.
Desafios
Como diria Bauman, eles se tornam “os invisíveis e indesejados” aos olhos das autoridades,
encontrando-se em situação de rua por diversos motivos que vão desde a abordagem ideológica
da situação da migração venezuelana até episódios de expulsão dos abrigos por violação das
normas. Além disso, há aqueles que aguardam por uma vaga nos abrigos ou perderam o emprego
e não conseguem arcar com o custo do aluguel.
Há ainda situações tão extremas de vulnerabilidade que colocam essas pessoas em posição de
exclusão dentro do sistema humanitário, permanecendo à margem das políticas públicas que
ainda não foram sequer pensadas localmente.
E como enxergar esses invisíveis? Esse é um desafio para a sociedade local que muitas vezes fica
indiferente ao esforço que o Brasil tem feito nessa acolhida e abre os olhos apenas para os
problemas. Por outro lado, devemos dar o reconhecimento merecido à Operação Acolhida e toda
sua estrutura e atuação com parceiros, que mesmo com os diversos desafios enfrentados nos
últimos anos (a pandemia, por exemplo, que inviabilizou o trânsito das fronteiras terrestres e
potencializou as vulnerabilidades dos migrantes em Roraima) conseguiu acolher com dignidade
aos que buscaram seus serviços. De fato, é uma iniciativa pioneira na prestação de assistência
humanitária implementada pelo Estado brasileiro que merece todo louvor.
Por outro lado, para que esses resultados tenham um maior alcance, é fundamental que as demais
esferas governamentais trabalhem em conjunto, uma vez que a centralização da solução das
demandas apenas na Operação Acolhida demonstra uma limitação em lidar com a complexidade
do fenômeno migratório. É necessário, portanto, que a governança seja multinível e que haja uma
atuação solidária para solucionar a questão daqueles que se tornaram “invisíveis”.
Sobre a autora
Referências
BAENINGER, Rosana; SILVA, João Carlos. Migrações Venezuelanas, Campinas: Unicamp, 2018.
BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2017.
MAHLKE, Helisiane. Direito Internacional dos Refugiados. Novo Paradigma Jurídico. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2017.
O governo federal deve contar em breve com um colegiado formado por pessoas
migrantes, com o intuito de ser um espaço de diálogo e escuta junto a essa parcela da
população. Trata-se do Fórum Nacional de Lideranças Migrantes, Refugiadas e
Apátridas (Fomigra), uma iniciativa sob a alçada do Ministério dos Direitos Humanos e
da Cidadania.
A portaria que cria o grupo foi publicada na edição de sexta-feira (12) do Diário Oficial da
União. A iniciativa também foi uma das atrações da conferência prévia da Comigrar
(Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia) promovida pela pasta,
também na sexta.
“Nós somos o resultado desse processo em que aqueles que vêm de outros países em
busca de uma vida melhor acabam se conectando com o espírito, com o corpo, com a
cultura do povo brasileiro. Ao fazer isso, transformam o Brasil naquilo que o Brasil tem
de melhor”, disse o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida,
na abertura do evento. A mesa também pode ser vista novamente por meio do player
abaixo, do canal do ministério no YouTube.
De acordo com comunicado divulgado pela pasta, a seleção desses membros será
realizada pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Para
tal, serão considerados critérios como alcance social, territorial e comprometimento
com a promoção dos direitos humanos das comunidades migrantes.
Depois de instalado, o Fórum tem 180 dias para definir seu regimento interno, a partir
de uma proposta apresentada por sua coordenação. O documento deve tratar, entre
outras determinações, da composição dos grupos de trabalho e da Comissão Gestora do
Fórum.
O Fórum que aqui é criado é para que nós possamos ajudar a construir essa política
pública, queremos ser parte da solução. Que nos permitam expressar nossas
necessidades. Quem é acolhido e quem acolhe está numa única luta, juntos. Nenhuma
política para alguém deve ser criada sem esse alguém”, disse a venezuelana Rockmilys
Palomo, uma das representantes da comunidade no evento em Brasília.
Essa não é a primeira vez que o governo federal conta com um colegiado consultivo da
sociedade civil sobre a temática migratória. Entre o final de 2013 e meados de 2014.
ligado ao Ministério da Justiça, existiu o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade
Civil sobre ações de Migração e Refúgio (CASC-Migrante). Entre outras atividades, ele
acompanhava justamente o processo de formação da primeira Comigrar, que ocorreu
em junho de 2014.
As etapas prévias começaram ainda no mês de outubro e vão se estender até o próximo
dia 30 de abril. De lá, será pouco mais de um mês até a Comigrar principal.
Expectativas
Entre as pessoas migrantes e demais participantes é possível notar grande expectativa
em relação à Comigrar nacional. Em reportagem publicada em fevereiro de 2024, o
MigraMundo destacou a existência desse sentimento.
“Dedicamos horas de trabalho para realizar essa organização, essa participação, para
conseguir escutar propostas por melhorias. O Comigrar é a garantia de levar nossas
necessidades para o poder”, afirmou Linoel Leal, representante de uma associação de
venezuelanos em Campo Grande (MS).
Vale lembrar que a Comigrar é um processo consultivo, que visa colher contribuições
dos imigrantes e da sociedade civil para elaboração de uma futura Política Nacional
migratória, um dos pontos que seeguem pendentes da Lei de Migração, em vigor desde
o final de 2017. Pensando nesse aspecto, o pesquisador haitiano Esdras Hector apontou
durante live promovida pelo IPPMig e pelo MigraMundo em 2 de abril a que a
expectativa em torno da nova Comigrar está muito alta e isso pode gerar um certo
sentimento de frustração caso esse caráter não seja bem entendido.
“Acredito que nós imigrantes devemos mostrar que somos pioneiros, que vamos abrir
portas. Podemos não ver os resultados [das mobilizações], mas precisamos agir para
que nossos filhos e netos tenham um ambiente melhor. Talvez falte um pouco de
maturidade para entender o processo político. Eu mesmo me frustrei em alguns
momentos nesse processo, mas foi importante para o meu aprendizado”.
By
18 de abril de 2024
Cartazes no FSMM 2016 pedem aprovação da nova Lei de Migração, e revogação do Estatuto do
Estrangeiro. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo - 10.jul.2016
Há sete anos, em abril de 2017, o Congresso Nacional aprovava uma Lei de Migração que meses
depois substituiria oficialmente o Estatuto do Estrangeiro no Brasil. A medida era uma demanda
antiga da sociedade civil e das comunidades migrantes no país. E passado esse tempo, o que e
possível apontar de avanços e retrocessos quanto às migrações no Brasil? Esse foi o tema da nova
live promovida em parceria entre o IPPMig (Instituto de Políticas Públicas Migratórias) e o
MigraMundo, na noite de terça-feira (16).
“A lei de migração é uma vitória da sociedade. Era uma dívida histórica enterrar o Estatuto do
Estrangeiro, que era incompatível com a constituição. Já era também insustentável pela realidade
vivida pelo Brasil, com novas dinâmicas migratórias”, analisa Asano.
“Desde a redemocratização havia essa pauta de rever o Estatuto do Estrangeiro. Em 1997 vem o
estatuto do refugiado, um avanço normativo importante, e o tema migratório seguiu esse atraso.
Já são sete anos [desde a aprovação da lei], mas minha leitura é que ainda estamos engatinhando.
Estamos apenas no começo desse processo, há muito a ser feito ainda”, recorda Carvalho.
Tanto Camila Asano quanto Letícia Carvalho concordam que a primeira edição da Comigrar
(Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia) de fato trouxe contribuições para o que
viria a ser a atual Lei de Migração. Ambas ainda elencaram uma série de fatos que acompanharam
esse debate no Brasil, especialmente a partir de 2014.
Carvalho, no entanto, aponta 2016 como um ano-chave para a Lei de Migração, no qual ocorreu a
maior parte da sua tramitação na Câmara dos Deputados e que demandou um esforço especial da
equipe dedicada ao advocacy. Essa atividade se deu tanto no meio legislativo, em Brasília, quanto
em ações junto à socidade civil, como a campanha #LeiDeMigraçãoJá! lançada no final do Fórum
Social Mundial de Migrações, que ocorrreu em São Paulo em julho daquele ano.
A tramitação toda ocorreu em um período repleto de turbulências políticas, com destaque para o
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (2016) e seus efeitos posteriores no
Congresso.
Na Casa, o projeto que origem à normativa foi analisado por uma comissão especial, que teve a
então deputada federal Bruna Furlan (PSDB-SP) como presidente e o deputado Orlando Silva (PC
do B-SP) como relator.
Apesar desse cenário, a Lei de Migração tramitou a terminou o ano aprovada pela Câmara dos
Deputados, ficando pronta para ser levada de volta ao Senado. Lá, foi aprovada novamente em
abril de 2017 e sancionada no mês seguinte, para entrar em vigor efetivamente em 21 de
novembro daquele ano.
Nova Lei de Migração revoga o Estatuto do Estrangeiro e reconhece o migrante como sujeito de
direitos. Medidas recentes do governo, no entanto, colocam tais avanços em risco. Crédito:
Missão Paz
Pendências
Apesar do avanço que a Lei de Migração representou, tanto Asano quanto Carvalho ressaltam que
ainda há pendências a serem resolvidas. Ambas destacam o decreto regulador da normativa,
criticado pela sociedade civil por conter lacunas e procedimentos ligados a atos normativos que
geram insegurança jurídica; e a falta de regulamentação do Artigo 120, que prevê justamente a
criação de uma Política Nacional Migratória.
“Chegando aos dias atuais, foi importante essa sinalização do governo atual de criar um GT para
desenvovler a política migratória, que a gente snalizada desde o gabinete de transição”, comenta
Carvalho.
No começo de 2023, o governo federal lançou um processo de consulta pública para coletar
propostas para essa futura política Nacional Migratória. O processo, no entanto, ainda não
recebeu uma devolutiva do Executivo.
Ambas destacaram a importância da Comigrar, mas também ressaltaram que certas ações não
precisam aguardar a conferência – adiada para novembro – para serem implementadas.
“O que temos visto é, a portaria 777 segue em vigor, a portaria de fechamento de fronteiras da
pandemia segue em vigor. Não precisa esperar pela Comigrar. Precisa começar pelo decreto, ele
precisa ser revisto para ontem”, ressalta a coordenadora de advocacy da Missão Paz.
30 de maio de 2023
Ilustração especial para série sobre o uso da grave e generalizada violação de direitos humanos pelo Brasil para reconhecimento
de refugiados. Foto: Arte Luiza Seabra/ProMigra
A migração dos cidadãos venezuelanos é emblemática: não apenas representa o maior fluxo
de mobilidade humana que o Brasil já recebeu, como recolocou a América Latina no centro
do debate sobre migração e refúgio no cenário mundial. Nos mais de 25 anos que aplicamos
a chamada Lei de Refúgio (Lei nº 9.474/1997), foi a situação da Venezuela que alterou
sistematicamente a maneira pela qual o Brasil reconhece refugiados.
Atualmente, segundo dados consolidados pelo ACNUR e pelo Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), o Brasil tem mais de 65 mil pessoas reconhecidas como
refugiadas de 121 nacionalidades diferentes. O maior número refere-se a venezuelanos,
com mais de 53 mil pessoas reconhecidas como refugiadas, seguidas por pessoas da
República da Síria, com pouco menos de 4 mil. De acordo com a plataforma R4V, até 23 de
janeiro de 2023, havia 97.155 solicitações da condição de refugiado por pessoas
venezuelanas no Brasil.
Sabemos que o Brasil é aclamado internacionalmente por dispor de uma das normativas
específicas mais avançadas no que tange ao refúgio. Isto porque reconhecemos como
refugiados aqueles que se enquadram na definição clássica (conforme o artigo 1º, incisos I e
II da Lei de Refúgio), mas, também, adotamos uma definição ampla de refugiado,
estabelecida pela Convenção de Cartagena de 1984 (conforme o inciso III da referida lei).
Neste caso, incluem-se os casos de deslocamentos que são motivados pelas situações de
grave e generalizada violação de direitos humanos.
Com a definição ampliada, o Brasil pode oferecer a proteção legal do refúgio para pessoas
que não necessariamente são vítimas de perseguição individualizada, mas que ainda assim
têm seus direitos humanos violados a nível de grupo ou de modo generalizado no seu país
de origem. Ou seja, apesar da condição de refugiado ser determinada individualmente, em
razão do contexto sistemático de violações maciças de direitos humanos, grupos inteiros
têm que se deslocar, o que indica que os membros deste grupo podem, individualmente, ser
considerados como refugiados.
O Conare
Desde o início das atividades do CONARE, órgão criado pela Lei de Refúgio para decidir
sobre as solicitações de refúgio, adotava-se o mesmo procedimento de reconhecimento da
condição de refugiado para os casos de perseguição, nos termos da definição clássica, e
para os casos de grave e generalizada violação de direitos humanos. As solicitações eram
analisadas individualmente, caso a caso, obedecendo ao procedimento previsto na
legislação nacional, considerando as entrevistas de elegibilidade com cada um dos
solicitantes.
A partir de junho de 2019 é possível observar uma mudança de paradigma na maneira em
que o CONARE decide sobre a condição de refugiado. O comitê reconheceu a situação de
grave e generalizada violação de direitos humanos na Venezuela e adotou um novo
procedimento para esses casos, que inclui a possibilidade de adotar processos simplificados
e realizar um reconhecimento por aceitação de grupo ou prima facie, em que se presume a
inclusão dos solicitantes de nacionalidade venezuelana na definição de refugiado.
Considerando então a situação objetiva do país de origem, o CONARE pode efetuar
decisões em bloco.
Por causa disso, em um único dia do ano de 2019, o CONARE pode atribuir o status de
refugiado a 21 mil venezuelanos. Esse número contrasta com a metodologia utilizada
anteriormente: no ano de 2018, por exemplo, apenas 777 imigrantes de nacionalidades
variadas, incluindo venezuelanos, foram reconhecidos como refugiados. Como resultado
dessa mudança de paradigma no método de reconhecimento, entre dezembro de 2019 e
agosto de 2020, o governo brasileiro reconheceu mais de 46 mil venezuelanos como
refugiados.
violência generalizada;
agressão estrangeira;
conflitos internos;
violação maciça de direitos humanos;
ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.
Além disso, o CONARE leva em consideração a orientação do ACNUR a respeito da
situação do país analisado e sua recomendação quanto ao reconhecimento de refugiados,
bem como o posicionamento do Ministério das Relações Exteriores, tendo em vista sua
função diplomática de referendar os estudos e as análises sobre a complexidade da situação
país analisado.
O novo método foi bastante celebrado pela comunidade internacional. De um ponto de vista
técnico-normativo, a metodologia aplicada pelo CONARE está alinhada com o
recomendado pelo ACNUR no Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação
da Condição de Refugiado. Ainda, de um ponto de vista político, representou uma
afirmação ideológica do governo anterior em relação à oposição ao governo venezuelano[3].
Assim, embora o refúgio seja uma questão de direitos humanos, sua dimensão técnico-
normativa não esgota a compreensão dos diversos usos que os Estados utilizam deste
instituto.
Existem também fatores burocráticos que influenciam a maneira pela qual o refúgio é
regulado. Apesar do novo método de reconhecimento ter sido adotado visando a reduzir o
número de solicitações de refúgio aguardando decisão, verificou-se um aumento
substancial da fila de espera para o processamento das solicitações, ultrapassando o número
de 100 mil pessoas que aguardam a decisão. Nesse sentido, um dos principais desafios
deste ano é a diminuição do contingente de processos para serem analisados, ao mesmo
tempo em que o Brasil deve manter seu compromisso com a garantia do acesso ao
procedimento de refúgio, sem restringir seu acesso ou efetuar rejeições prima facie.
Não nos esqueçamos de que, com o reconhecimento da condição de refugiado pelo Estado
brasileiro, faz-se importante construir uma política nacional com protagonismo de pessoas
refugiadas e migrantes. É fundamental que o novo governo, neste e nos próximos anos,
trate da regulamentação do artigo 120 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), que
estabelece a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. A política prevê a
parceria do governo federal com estados e municípios para o atendimento a imigrantes e
refugiados que chegam ao Brasil, e também para os migrantes internos.
Nos textos seguintes, abordaremos as situações de outros países, não reconhecidos pelo
CONARE, mas que também apresentam conflitos internos que ocasionam instabilidade e
crises humanitárias ante as violações sistemáticas de direitos humanos. São cenários,
portanto, que ocasionam deslocamentos internos ou internacionais de pessoas em situação
de vulnerabilidade, em busca da proteção de seus direitos, o que gera, por vezes, um
impacto nas solicitações de refúgio no Brasil.
Dessa forma, espera-se trazer para o debate público a maneira pela qual o Estado brasileiro
vem utilizando o conceito de grave e generalizada violação de direitos humanos para
reconhecer refugiados. Com base nos casos analisados, investigamos se esse uso restringe-
se à aplicação de critérios técnicos ou se sofre influência de fatores políticos ou mesmo
burocráticos. Levaremos em conta as relações entre os países envolvidos e o nosso contexto
interno no momento de cada decisão, o que pode ajudar a explicar porque alguns países têm
essa situação reconhecida e outros não. Assim, poderemos compreender como se dá na
prática a realização de uma ideia tão importante para a garantia da dignidade humana.
Sobre as autoras
Aline Araújo é advogada, mestranda em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Brasília, pesquisadora do Observatório Internacional das Migrações e
membro do ProMigra.
3 COMENTÁRIOS
Bom dia!
Esses artigos podem ser divulgados? Meu tema de mestrado é baseado neste tema.
Obrigada!